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O cenário internacional sob o olhar da imprensa regional: o jornal A Federação e a Primeira Guerra Mundial Maria Dionéia Paula da Rosa 1 RESUMO: Este trabalho procurou apresentar uma análise do posicionamento do Brasil durante a Primeira Guerra Mundial. Os objetivos específicos definidos foram, identificar o modo como o jornal A Federação, se posicionava no decorrer do conflito acerca das ideias norteadoras da política adotada pelo Brasil para a Grande Guerra. Para dar conta dos objetivos foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica contou principalmente com a coleta de dados secundários. A pesquisa documental foi realizada no arquivo digitalizado da Hemeroteca nacional. Como parte do esforço de contextualização da Grande Guerra foram utilizadas imagens de momentos que mudaram os rumos da participação do Brasil no Conflito. Conclui-se que o fato de o jornal A Federação pertencer ao partido republicano rio-grandense contribuiu para o posicionamento do mesmo estar sempre em consonância com o do Governo central. Palavras chave: Primeira Guerra Mundial ou Grande Guerra, A Federação, Alemanha. 1.Introdução A história compõe um campo de observação que pode ser comparado a um laboratório de estudos por meio do qual podemos estabelecer um conjunto sistemático de conceitos e proposições, com a finalidade de auxiliar na compreensão dos acontecimentos relacionados atuação política, econômica e social dos países ou de grupos dos mesmos. A primeira Guerra Mundial é um exemplo disso. O conflito, que teve início na Europa em 1914 durou até o final de 1918, envolveu as grandes potências mundiais numa luta por poder, tanto econômico quanto de busca pela dominação de territórios. O avanço das tecnologias, o aumento da produção bélica, constitui- se numa verdadeira indústria da guerra, cujas consequências são perdas humanas, políticas e sociais incalculáveis. 1 Mestre em História Regional do Programa de Pós-graduação da Universidade de Passo Fundo [email protected]

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O cenário internacional sob o olhar da imprensa regional: o jornal A

Federação e a Primeira Guerra Mundial

Maria Dionéia Paula da Rosa1

RESUMO: Este trabalho procurou apresentar uma análise do posicionamento do Brasil durante

a Primeira Guerra Mundial. Os objetivos específicos definidos foram, identificar o modo como o

jornal A Federação, se posicionava no decorrer do conflito acerca das ideias norteadoras da

política adotada pelo Brasil para a Grande Guerra. Para dar conta dos objetivos foi realizada uma

pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica contou principalmente com a coleta

de dados secundários. A pesquisa documental foi realizada no arquivo digitalizado da

Hemeroteca nacional. Como parte do esforço de contextualização da Grande Guerra foram

utilizadas imagens de momentos que mudaram os rumos da participação do Brasil no Conflito.

Conclui-se que o fato de o jornal A Federação pertencer ao partido republicano rio-grandense

contribuiu para o posicionamento do mesmo estar sempre em consonância com o do Governo

central.

Palavras –chave: Primeira Guerra Mundial ou Grande Guerra, A Federação, Alemanha.

1.Introdução

A história compõe um campo de observação que pode ser comparado a

um laboratório de estudos por meio do qual podemos estabelecer um conjunto

sistemático de conceitos e proposições, com a finalidade de auxiliar na

compreensão dos acontecimentos relacionados atuação política, econômica e

social dos países ou de grupos dos mesmos.

A primeira Guerra Mundial é um exemplo disso. O conflito, que teve início

na Europa em 1914 durou até o final de 1918, envolveu as grandes potências

mundiais numa luta por poder, tanto econômico quanto de busca pela dominação

de territórios. O avanço das tecnologias, o aumento da produção bélica, constitui-

se numa verdadeira indústria da guerra, cujas consequências são perdas

humanas, políticas e sociais incalculáveis.

1 Mestre em História Regional do Programa de Pós-graduação da Universidade de Passo

Fundo [email protected]

Para uma melhor compreensão do assunto, é de suma importância que

se leve em consideração a posição dos meios de comunicação, no caso os

jornais, durante o processo que antecedeu a participação brasileira na guerra.

Neste sentido, o presente estudo busca analisar os debates sobre a

participação brasileira na Primeira Guerra Mundial, por meio de representações

feitas pela imprensa nas páginas do jornal A Federação. A utilização da imprensa

como fonte de pesquisa corrobora de forma positiva na construção da história,

mostrando os diferentes modos de interpretar as representações relacionadas

às questões políticas, sociais e econômicas bem como as correntes ideológicas

dos diversos setores da sociedade

Enfim, com a pesquisa buscou-se abarcar o modo como a Grande Guerra

influenciou nas formas de vida da população rio-grandense, nos aspectos

econômicos, sociais e políticos, bem como a maneira com que a imprensa

regional amparada pela imprensa nacional abordou os assuntos relacionados ao

conflito.

Assim, de um modo geral, o trabalho pretende contribuir para a pesquisa

histórica que trata do tema, ainda presente, acerca da importância da Primeira

Guerra Mundial nos rumos da história do Brasil, do alinhamento com os Estados

Unidos, da política externa e da relação que este posicionamento tem com a

participação do país na Guerra.

2.O BRASIL DO INÍCIO DO SÉCULO XX

A história do século XX pode ser entendida como um período de

transformações, nos campos econômicos, sociais, políticos e nas questões de

consolidação de fronteiras, tanto no que tange à História do Brasil como no que

se refere à História Mundial. Para Hobsbawm, em sua obra a Era dos Extremos,

o século XX foi curto diante de tantos acontecimentos que iriam mudar para

sempre a trajetória da humanidade. Até 1914 o mundo vivia uma aparente “paz”,

pois antes da Primeira Guerra Mundial, nenhum conflito havia envolvido, em um

cenário de guerra, todos os continentes. As Guerras do século XX ocorreram em

uma escala nunca antes experimentada.2

Grandes transformações ocorreram no mundo no início do século XX,

muitas delas interligadas resultaram na Primeira Guerra Mundial, que desenhou

um novo mapa do mundo e transformou as relações políticas e econômicas de

diversos países. Tais transformações já vinham sendo desenhadas desde os

anos finais do século XIX.

A materialização dessa estratégia consistia em manter uma balança de poder entre as potências europeias, nas quais estas consumiriam suas energias e potencialidades, sobretudo em disputas territoriais e dinásticas. Além disso, as potências continentais, reunidas na Santa Aliança (Rússia, Prússia, Áustria e, desde 1818, França), despenderiam parte dos seus esforços nas tarefas de repressão social contra as revoluções de cunho popular, liberal e nacional (como as de 1820,1830 e1848), minando sua capacidade de renovação.3

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi predeterminante nos eventos

que contribuíram para importantes mudanças na história mundial. Ela é

considerada um dos maiores e mais trágicos acontecimentos da história. Além

de ceifar milhões de vidas, destruiu gerações inteiras de filósofos, escritores,

pintores, políticos e cientistas. Contribuiu para a queda de antigos impérios e

permitiu o surgimento de Estados-nações que mudaram o sistema de relações

internacionais.

Neste período, o país passava por problemas internos como revoltas

populares e privação de diversos produtos importados em razão do bloqueio

continental, além de problemas externos, como grande número de empréstimos

feitos com as grandes potências para a modernização do Brasil, como é o caso

das estradas de ferro, portos, estabelecimentos comerciais e indústrias.

A necessidade de uma postura diante da Grande Guerra surge e muitos

países, incluindo os da América do Sul, passaram a externar seus

posicionamentos, alguns deles, como o Brasil, por exemplo, se declaram neutros

diante do conflito, levando em consideração, seus interesses comerciais. Além

2 HOBSBAWN, E.J. Era dos extremos: o breve século XX:1914-1991.São Paulo :Companhia

das letras,1995. 3VICENTINI, P.F, A primeira guerra mundial e o declínio da Europa. Alta Books: Rio de Janeiro, 2014.p.2.

disso, vale ressaltar que havia colônias alemãs em muitos desses países, o que

poderia deflagrar um desconforto interno.

Na América do Sul, logo no início da guerra, todos os países adotaram o princípio da neutralidade. Essa posição foi respaldada pela opinião pública, pois os vínculos políticos, econômicos e culturais que a maioria dos países sul-americanos possuíam com os países beligerantes não justificariam uma ruptura e uma tomada de posição ao lado de um dos blocos que ensanguentavam o cenário europeu. 4

Diante das proporções que o conflito vinha adquirindo e na velocidade dos

acontecimentos, uma situação de guerra mundial passou a configura-se, o que

levou os países a externar suas posições em relação ao conflito. O Brasil, em 04

de agosto de 1914, optou por permanecer neutro diante do conflito Europeu. O

decreto nº 11.037, que regulamentava a neutralidade brasileira, foi publicado na

primeira página do jornal A Federação, do dia 12 de Agosto de 1914, ocupando

três colunas centrais com o título “A neutralidade do Brazil”.

DECRETO Nº 11.037, DE 4 DE AGOSTO DE 19145

Estabelece regras gerais de neutralidade do Brasil no caso de guerra entre as Potencias estrangeiras O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil: achando conveniente estabelecer as normas gerais que devem ser observadas no Distrito Federal, nos Estados da União e no Território do Acre para resguardar a neutralidade do Brasil em caso de guerra entre Potencias estrangeiras e sobre o modo de se proceder para com os navios de guerra e mercantes dos países beligerantes; resolve que sejam cumpridas rigorosamente, sempre que o Governo Federal decretar a sua execução, as regras constantes da circular que a este acompanha, expedida pelo Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, 4 de Agosto de 1914, 93º da Independência e 26º da Republica. HERMES R. DA FONSECA.

O decreto regulamentava a posição do Brasil com relação ao conflito

Mundial e foi amplamente divulgada pelo jornal A Federação, destacando que

as autoridades do país, somente optaram por esta posição, a partir do momento

em que foi comunicado oficialmente que a Alemanha havia declarado guerra à

França e à Rússia. É interessante observar que a publicação deixa claro que a

referida lei deveria ser respeitada enquanto perdurasse o estado de guerra

4HEINSFELD, A. A neutralidade na Primeira Guerra Mundial em debate: o papel da imprensa chilena. História Debates e Tendências – v.14, nº2, jul./dez.2014.p.360-379. 5http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1910-1919/decreto-11037-4-agosto-1914-575458-publicacaooriginal-98652-pe.html.

O Brasil, desde a atuação de Rio Branco, havia instituído uma política de

não intervenção. Mesmo após a morte do Barão em 1912, o país manteve os

princípios de sua política externa e permaneceu neutro até 1917, quando navios

brasileiros foram torpedeados por submarinos alemães. A partir desse momento,

e também em razão da política de emparelhamento com os Estados Unidos

instituída por Rio Branco, o Brasil tomou partido na Guerra atuando ao lado dos

Aliados.

A entrada do Brasil na guerra, do ponto de vista político, diplomático e

estratégico, veio romper com um conceito de política externa que vinha sendo

trabalhado desde os tempos de Rio Branco, o que permitiu inúmeras discussões

sobre as motivações e interesses estratégicos que naquela conjuntura levaram

o país a tomar posição na guerra.

3. DO ROMPIMENTO DA NEUTRALIDADE A DECLARAÇÃO DE GUERRA

O Conflito na Europa já se estendia por mais tempo que o desejado, o

sonho da guerra rápida deixou de existir quando o Plano Schlieffen fracassou e

teve início a guerra de trincheiras.

A construção das trincheiras, as barreiras de arame-farpado, blindagens,

posições de tiro, postos de observação, linhas defensivas interligadas por túneis,

tudo isso aliado a táticas militares gerou um alto custo financeiro, e uma grande

demanda de material humano em ambos os lados do conflito.

Em 1917, três anos após o início das ofensivas, uma avaliação realizada

pelos Estados Unidos, com relação aos danos causados pela guerra, dá conta

do importante papel que será desempenhado pela América na reconstrução da

Europa. Acreditava-se naquele momento que as nações beligerantes contavam

com um maior apoio e condições financeiras de se reconstruir.6

As negociações em torno de uma possível participação bélica do Brasil no

conflito passaram a ser discutidas em todas as rodas de conversas, desde o

povo nos bares e cafés da época até mesmo pelo alto escalão político do país.

Um diálogo entre o embaixador do Brasil, junto ao governo americano,

Domicio da Gama, com o chefe da missão inglesa, em visita aos Estados Unidos,

6 A Federação, 6 /06/1917.

era cercado de muita expectativa, pois poderia ser um sinal de que o Brasil

participaria da guerra ao lado dos beligerantes e contra a Alemanha.7

As notas trocadas entre o presidente da missão inglesa e o Ministro de

Relações Exteriores do Brasil chamam atenção para as cordiais e amistosas

relações políticas econômicas existentes entre os dois países, isso desde o

Brasil Império. “A participação do Brasil na guerra ao lado do Reino Unido e dos

seus aliados serviu naturalmente para acentuar ainda mais a cordialidade

dessas relações.8

Com o desenrolar dos acontecimentos, começa a ficar evidente a

necessidade das nações em buscar uma maneira de garantir o abastecimento

da população civil e do front, seja de alimentos, remédios como de munição.

Para ambos os países envolvidos no conflito, a conquista de aliados era

extremamente importante para sua manutenção.

O jornal “Berliner Tageblatt” notícia que os possíveis motivos para uma

participação brasileira no conflito são políticos, financeiros e comerciais e que

isto poderia resultar na perda dos navios alemães, que estavam atracados em

portos brasileiros, e para os quais havia um grande um interesse por parte da

Grã-Bretanha.9

Por outro lado a imprensa brasileira também promovia um intenso debate

em torno de uma possível participação brasileira no conflito, e quais seriam as

vantagens que o Brasil teria em participar da guerra. No entanto, políticos e

intelectuais tinham plena consciência que o país estava diante de um momento

decisivo de sua política internacional e que a participação do Brasil no pós-guerra

poderia ser determinante para o seu futuro.

Os problemas políticos econômico e social do Brasil, agravavam-se na medida em que a guerra ia se prolongando. Um observador inglês, descrevendo o estado caótico da sociedade brasileira, salientou que este país, juntamente com outras nações neutras, sofria as consequências da guerra, o que somado com o resultado de vários anos de administrações deficientes e extravagantes, que aumentava continuamente os impostos e reduzia os salários, enquanto o custo de vida subia desastrosamente, não parecendo haver a menor esperança,

7 A Federação, 10 /05/1917 8 A Federação, 15/05/1918. 9 A federação, 30/03/1917.

a não ser a longo prazo, do acerto do existente estado de coisas que imperavam. 10

A possível participação do Brasil na guerra envolvia uma série de

implicações relacionadas às questões econômicas e militares. A guerra exigia o

máximo de sacrifício das nações e a colaboração nacional mais completa que

se poderia ter exemplo. Os campos de batalha são financiados pelas nações

envolvidas no conflito, em contrapartida são também as que sofrem as

consequências mais imediatas.

O governo brasileiro via na revogação da neutralidade em favor dos

beligerantes a oportunidade de restabelecer o comércio internacional e assim

fortalecer a economia do país. Havia também na possível participação bélica

uma possibilidade de tirar proveito nos futuros acordos de paz, pois já se

sinalizava que o fim da guerra estava próximo.

A negociação política em torno da participação bélica do Brasil no conflito

estendeu-se por longos meses, de uma intensa campanha a favor e contra a

participação do país no conflito. Mas todos eles visavam às vantagens que o

momento pós-guerra poderia proporcionar.

Em reunião realizada no dia 25 de outubro, Nilo Peçanha informa ao

Presidente da República, Venceslau Braz, depois de serem comunicados pelo

ministro do Brasil em Londres, Fontoura Xavier, que o navio brasileiro “Macau”

foi torpedeado por um submarino alemão e que seu comandante encontrava-se

preso. A decisão tomada pelo Presidente da República em consenso com o

Ministro de Relações Exteriores e de que a notícia do torpedeamento do navio

“Macau” somente viria a público quando as providências oficiais a respeito dos

acontecimentos já tivessem sido tomadas.11

Fragmentos da mensagem enviada pelo Presidente da República ao

Senado Nacional e à Câmara dos Deputados foram publicados pelos jornais do

país, e A Federação não foi exceção.

Não há senhores membros do Congresso Nacional iludir a situação ou deixar de contestar já, agora, o estado de guerra nos é imposto pela Alemanha, pois a prudência que temos agido não excede, antes nos dá a precisa autoridade para manter ilesa a dignidade da nação para

10VINHOSA. Francisco Luiz Teixeira O Brasil e a Primeira Guerra Mundial: a diplomacia brasileira e as grandes potências. Rio de Janeiro: IHGB, 1990.p. 121. 11 A Federação,27/10/1917

aceitar os fatos como eles são e aconselhar represálias de franca beligerância. Se o Congresso Nacional na sua sabedoria não resolver o contrário o governo mandará ocupar um navio alemão que está ancorado no porto da Bahia fazendo prender a sua guarnição e decretará a internação militar das equipes dos navios mercantes, de nos utilizarmos. Parece chegado o momento senhores membros do Congresso Nacional, de caracterizar por uma lei a posição defensiva que nos tem determinado os acontecimentos, fortalecendo os aparelhos de resistência nacional, completando assim a evolução da nossa política externa, na altura das agressões que vier a sofrer.12

O Brasil, de certo modo já estava participando da conflagração desde a

ruptura das nossas relações com a Alemanha. Pode-se dizer que, desde o

rompimento de relações entre os Estados Unidos e a Alemanha, o velho

continente voltou os olhos para o novo continente chamando atenção para o

momento em que a Europa vivia.

O governo brasileiro utilizou como argumentação para aprovação do

decreto nº 3.361 as hostilidades do governo alemão frente ao Brasil, quando

torpedeou os navios brasileiros.

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil: Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sanciono a seguinte resolução: Artigo único: Fica reconhecido e proclamado o estado de guerra iniciado pelo Império Alemão contra o Brasil e autorizado o Presidente da República a adoptar as providencias constantes da mensagem de 25 de outubro corrente e tomar todas as medidas de defesa, nacional e segurança pública que julgar necessárias, abrindo os créditos precisos ou realizando as operações do credito que forem convenientes para esse fim; revogadas as disposições em contrário.

A eficiente e rápida resposta do governo brasileiro ao torpedeamento de

mais um vapor brasileiro, além da prisão do comandante a bordo do navio, era

necessária, pois esses acontecimentos não equivalem apenas a uma violação

da liberdade de navegação, mas uma interferência na soberania nacional.

A firme proclamação de nossos direitos violados já significava por si a

própria guerra, pois a paz somente tem valor quando serve ao direito

internacional e ao amor próprio nacional, constituído pelo brio e a honra de uma

nação.13

12A Federação,27/10/1917. p.01 13 A Federação, 27/10/1917.

A notícia da declaração de guerra por parte do Brasil à Alemanha é

comemorada nas ruas de cidades do interior do Rio Grande do Sul, como

Vacaria, Alegrete, Encantado, Caçapava entre outros. Nesses municípios a

população foi às ruas com banda de música cantando o hino nacional e se deu

vivas ao Brasil e aos Aliados. 14

Ainda, segundo A Federação, mesmo diante da declaração de guerra e

do ardor patriótico que se pode observar na população, os bancos alemães

continuaram operando apenas pequenas contas correntes como já vinha

ocorrendo desde o rompimento de relações entre os dois países.

O estado bélico, hontem decretado, é um gesto essencial que estava a impor-se, não só a nossa existência nacional, mas aos interesses vitais da civilização. Perpetuará o sentimento de uma causa comum a toda a humanidade, e deixará a nossa pátria de cotovelos mais francos e com um mais livre jogo de seus braços, que, por mais fracos que pareçam, acenam para o futuro de uma grande causa comum como bandeiras desfraldadas. 15

A declaração de guerra foi considerada como um dever moral. Mas era

necessário intensificar e tornar efetiva a colaboração em favor das causas e da

vitória dos aliados. A firme declaração de que os nossos direitos foram violados

já significam por si própria a guerra. A nossa cooperação que já existia será

certamente a partir de agora muito mais intensa e proveitosa.

A defesa do país no momento atual era a preocupação máxima da nação

e uma obrigação impreterível do poder público. A defesa nacional dependia da

combinação de vários fatores entre eles podemos destacar a capacidade de

resistência econômica e financeira. Enfim, a partir do momento em que o

Presidente da República sancionou o decreto nº 3.361de 26 de outubro de 1917,

a Câmara dos Deputados passou a discutir o orçamento de guerra, além de

quais seriam as efetivas contribuições do Brasil no conflito.

4. A CONTRIBUIÇÃO BRASILEIRA NA GRANDE GUERRA

A versão oficial divulgada pelo governo brasileiro para assinatura do

decreto nº 3.361, assegura que o país somente aprovou o decreto que

14 A Federação, 30/10/1917. 15 A Federação, 27/10/1917.p.01

regulamenta a entrada oficial do país no conflito após as inúmeras violações da

soberania nacional cometidas por parte dos alemães.

Mesmo com a economia debilitada em consequência do longo conflito que

agora já assolava todos os continentes, teve início a negociação de um

orçamento que financiaria a operação de guerra do Brasil. Em virtude das

péssimas condições em que se encontravam as forças armadas, o Ministro de

Relações Exteriores Nilo Peçanha declarou que a maior contribuição do Brasil

para com o conflito europeu seria essencialmente financeira o que era no mínimo

curioso já que o país tinha sérios problemas econômicos em função das

restrições ao café brasileiro, nosso principal produto de exportação, o que

deixava a economia em uma situação delicada.

Diante da confirmação de que o Brasil contribuiria para os esforços de

guerra, intelectuais como Monteiro Lobato, em contestação ao que ele intitulava

como “nacionalismo guerreiro”, denunciava a cooperação do país para os

esforços de guerra como uma maneira de desviar a atenção da opinião pública

dos verdadeiros problemas que os brasileiros enfrentavam: como precariedade

da saúde pública, além de um governo antidemocrático e centralizador.16

Mesmo assim, o Brasil ambicionava uma maior representatividade no

cenário mundial, e este objetivo poderia ser atingido com uma presença mais

significativa no teatro de guerra, por isso cogitou-se o envio de tropas para lutar

ao lado dos países beligerantes.

As pretensões brasileiras ganhavam respaldo na imprensa francesa a

qual era citada pelos jornais brasileiros pela maneira entusiasta com que recebeu

as notícias sobre a contribuição do novo aliado. Os jornais na França

salientavam a importância da adesão da republica sul-americana, sinalizavam a

derrota da influência alemã do outro lado do Atlântico, destacavam as forças

materiais e as fontes de riquezas de que dispunha o novo beligerante,

enfatizando que estas pesariam na reorganização do comércio mundial no pós-

guerra, o que de certo modo vinha ao encontro das aspirações brasileiras.

O Ministro de Exterior publicou no Livro Verde o telegrama enviado aos

aliados sobre a contribuição brasileira à causa beligerante. Fragmentos da

16ARAUJO, J. S. A guerra que vai acabar com todas as guerras: o Brasil na Primeira Grande Guerra- a mobilização da sociedade e o engajamento da marinha (1917-1918). História: Debates e Tendências-v.14, n.2 jul./dez. 2014, p.318-333.

comunicação da legação do Brasil em Londres, ao ministro das Relações

Exteriores Nilo Peçanha: Telegrama de 21 de dezembro de 1917.

Pede-me enviar a vossa excellência os sinceros agradecimentos à expressão prática da solidariedade do Brasil para com as potências aliadas e; em nome do almirantado perguntar se podemos mandar uma frota de cruzadores ligeiros e destroyers, para cooperar com a frota aliada, sob as ordens de um vice-almirante inglês.17

Devido ao prolongamento do conflito, a exaustão das tropas e as

dificuldades econômicas, a oferta do Brasil é aceita de bom grado pelos

beligerantes. Resposta do Ministério de Relações Exteriores à legação do Brasil

em Londres: Telegrama de 31 de dezembro de 1917.

Tenho a honra de informar a Vossa Excellência confidencialmente que o Almirantado britânico tem resolvido que as unidades da marinha brasileira irão cooperar com as forças navais britânicas e que melhor prestariam seu auxílio à causa dos aliados, seguindo para (?) e, operando desta base, sob o comando de um oficial superior britânico em conjunto com as unidades da marinha dos Estados Unidos, as quais se acham igualmente estacionadas naquele porto.18

As negociações entre os meios militares e diplomáticos levaram o Brasil

a contribuir com o envio de uma divisão naval para patrulhar a costa da África,

uma equipe de aviadores para serem treinados na Inglaterra, um grupo para

apreciar as operações de guerra e estudar o material bélico europeu, e uma

missão médica em assistência ao povo francês essa última foi a que obteve

maior êxito.

a) Divisão Naval em Operações de Guerra- A DNOG, como ficou

conhecida, era composta pelos mais bem equipados meios de que

disponibilizavam as forças armadas brasileiras. Os cruzadores Rio Grande do

Sul e Bahia, os contratorpedeiros Piauí, Rio Grande do Norte Paraíba e Santa

Catarina, o navio-auxiliar Belmonte e o rebocador de alto-mar Laurindo Pitta sob

o comando do almirante Pedro Max Fernando de Frontin.

O efetivo era composto de 75 oficiais da armada, 4 médicos, 50 oficiais de

máquina, 5 oficiais de comissários, um farmacêutico, um dentista, um capelão,

17 A Federação, 15/03/1918.p.07 18 A Federação, 15/03/1918.p.07

um sub-maquinista, 41 suboficiais, 43 mecânicos, 4 auxiliares de fiel, 702

marinheiros,481 foguistas, 89 taifeiros, padeiro e 3 barbeiros, num total de 1502

homens.

Durante cinco meses de intenso trabalho, os navios brasileiros atracados

na baía da Guanabara foram preparados para atuar na guerra. No Brasil não

havia técnicos especializados, materiais necessários e nem máquinas que

pudessem fazer os reparos que a frota brasileira necessitava para desempenhar

a importante missão que lhe foi confiada.

Os navios não eram munidos de equipamentos capazes de detectar a

presença de embarcações submersas, o que constituía uma preocupação

permanente diante da constante presença dos submarinos alemães. Os contra

torpedeiros tinham um raio de ação limitada em virtude do seu tamanho. Além

disso, os navios eram movidos a vapor, o que exigia uma demanda de pessoal

e constante reabastecimento.

Mesmo com todos os contratempos, em 07 de maio de 1918 os

contratorpedeiros Piauí e Paraíba deixaram o Rio de Janeiro rumo a Salvador.

Dois dias depois, foi a vez do Rio Grande do Norte e do Santa Catarina. Em 11de

maio, zarparam os cruzadores Rio Grande do Sul e Bahia. Apenas dois meses

depois, em Julho de 1918, partiram os demais navios rumo à guerra.19

Em virtude das últimas embarcações que partiram do porto do Rio de

Janeiro rumo a Salvador, de onde partiriam em comboio para compor o

patrulhamento na Costa Africana, se fizeram presentes nos ancoradouros da

Marinha o presidente Wenceslau Brás, o Ministro da Marinha Alexandrino de

Alencar, entre outros ministros e membros da Liga de Defesa Nacional, dos quais

podemos destacar o Dr. Pedro Lessa, que proferiu um discurso de despedida.20

A Divisão Naval em Operações de Guerra partiu rumo a Freetown, na

costa ocidental africana, onde receberia instruções para posteriormente seguir

rumo a Dakar, no Senegal.

19MENDONÇA, W. B. A experiência estratégica brasileira na Primeira Guerra Mundial. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). Instituto de Ciências Humanas e Filosofias, Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, RJ, 2008. 20ARAUJO, J. S. “A guerra que vai acabar com todas as guerras”: o Brasil na Primeira Grande Guerra- a mobilização da sociedade e o engajamento da marinha(1917-1918). História: Debates e Tendências - v.14, n.2 jul./dez. 2014, p.318-333.

A Divisão Naval partiu de Fernando de Noronha no dia 1º de Agosto de 1918, com destino a Freetown (Serra Leoa), onde chegou no dia 9 do mesmo mês. Nesta cidade, o chefe da Divisão apresentou-se ao Almirante Sheppard, comandante da Divisão inglesa, sob cuja ordens se colocara a DNOG. Tendo o Almirante Pedro de Frontin submetido à apreciação do Almirante Sheppard “as instruções vigorantes na sua força, assim como os dispositivos de Cruzeiro e planos de batalha, tiveram a satisfação de ouvir-lhe –o que representa um verdadeiro elogio- a declaração de que “nada havia alterar ou acrescentar, pois que tudo estava perfeito.21

No percurso de travessia, a frota brasileira demonstrou ser lenta e

apresentou inúmeras dificuldades em virtude de ser composta por navios mal

equipados e com soldados despreparados para navegar em zona de guerra,

onde o risco de topar com um submarino alemão era eminente.

Era durante a noite que a vigília ficava mais complicada: noites escuras,

ventos, tempestades, serração, foram cenário de um dos incidentes envolvendo

a missão brasileira. Na noite de 25 de agosto, já nas proximidades de Dakar,

segundo relato dos marinheiros, um submarino foi avistado próximo aos navios

brasileiros que revidaram o suposto ataque. Não houve comprovação do

afundamento do submarino, mas o contratorpedeiro Rio Grande do Norte levou

os créditos pela façanha. O Almirante Alexandrino de Alencar divulgou em nota

na imprensa que, em telegrama recebido do comandante Pedro Max Fernando

de Frontin, este comunicava que “todos os navios desempenharam o melhor

possível sua missão”.22

Aos 26 dias do mês de agosto, a missão militar brasileira atracou em

Dakar para realizar reparos necessários na frota, além do reabastecimento de

carvão, água e mantimentos. No início de setembro, surgiram os primeiros

sintomas da “Gripe Espanhola”, que vitimou 464 homens da missão brasileira.

A população do Rio Grande do Sul foi informada por meio do jornal A

Federação que a Divisão Naval em Operações de Guerra havia contraído a

temida Influenza Espanhola ao atracar no porto de Dakar no Senegal. 23

Quando o Almirantado britânico solicitou que a DNOG navegasse rumo a

São Vicente, somente o contratorpedeiro Piauí tinha condições. Lá permaneceu

21VINHOSA. Francisco Luiz Teixeira O Brasil e a Primeira Guerra Mundial: a diplomacia brasileira e as grandes potências. Rio de Janeiro: IHGB, 1990.p. 172 22 A Federação, 21/09/1918 23 A Federação, 03/10/1918

prestando ajuda às populações locais que também estavam sendo castigadas

pela gripe.

Para a missão prosseguir, foi necessário o envio de homens do Brasil para

reforçar as guarnições. Quando a missão partiu de Dakar, o cruzador Rio Grande

do Sul e o contratorpedeiro Rio Grande do Norte permaneceram no porto sem

condições de seguir viagem. O rebocador de alto-mar Laurindo Pitta retornou ao

Brasil. “Em virtude das baixas causadas pela Influenza Hespanhola o Ministro da

Marinha resolveu enviar para o serviço da esquadra em operações de guerra o

reforço de 30 foguistas.” 24

Entre as façanhas ocorridas com a DNOG, um episódio ficou conhecido

como “o combate das toninhas”25. Outro que pode ser citado é que, devido a

problemas com a rota, a frota brasileira atrasou-se, o que fez com que o navio

inglês Britânia, que esperava para acompanhar a missão brasileira até Gibraltar,

fosse torpedeado.

O último incidente envolvendo a missão brasileira ocorreu no dia 10 de

novembro, quando abriu fogo contra um caça submarino norte-americano

acreditando se tratar de um navio alemão.26

No dia 11 de novembro de 1918 era assinado o armistício e as tropas

brasileiras atracam no porto de Gibraltar. A participação da Divisão Naval em

Operações de Guerra é considerada por muitos historiadores como catastrófica.

Mas ainda assim contribuiu para participação do Brasil nos acordos do pós-

guerra.

Importantes batalhas da Primeira Guerra Mundial ocorreram na região de

Marne, na França. Foi nesta região que os exércitos aliados obtiveram

importantes vitórias, o que, a partir de setembro de 1918, contribuíram para o

final da guerra. Em 9 de novembro de 1918 o imperador Guilherme II abdica,

colocando fim ao II Reich e dois dias depois é assinado o armistício.27

b) Aviação militar do Brasil – Com os avanços da Grande Guerra na

Europa o governo brasileiro atentou para a necessidade de se investir na aviação

24 A Federação, 03/10/1918 25A “batalha das toninhas” foi quando um cardume destes peixes foi confundido com o rastro de um periscópio, fazendo com que o Bahia disparasse seus canhões contra os peixes. 26 A federação, 10/10/1918. 27SKRZATEK, W. De Marne 1914 a Marne 1918: as grandes batalhas da Primeira Guerra Mundial. História: Debates e Tendências-v. 14, n. 2 jul./dez. 2014, p.280-291.

militar. Em 23 de agosto de 1916, foi formada a Escola de Aviação Naval na Ilha

das Enxadas, na Baía da Guanabara, para isso compraram-se inicialmente três

aviões e contrataram-se instrutores e mecânicos dos Estados Unidos.

O Brasil não tinha tradição na aviação de guerra, pois havia realizado

apenas vôos de reconhecimento durante a Guerra do Contestado. Fez parte do

esforço de guerra do Brasil o envio de um grupo de aviadores navais para

treinamento na Inglaterra.

Para saudar a chegada dos aviadores brasileiros à Inglaterra o Sunday

Pictorial publicou, na primeira página, os retratos de várias personalidades

provenientes do Brasil acompanhados da legenda “O senado francês saúda a

entrada dos Estados Unidos e do Brasil na guerra e envia ao povo brasileiro, ao

seu presidente, ao seu governo, à sua representação nacional a expressão dos

seus sentimentos de fraternidade e solidariedade, reconhecimento e

devotamento dos representantes da França.” 28

A capacitação dos aviadores se deu fundamentalmente em quatro fases:

a de instrução básica de vôo; treinamento de patrulha em pequeno alcance;

treinamento em missões de bombardeio e por último a anexação dos aviadores

ao grupo de Operações de Guerra da Royal Air Force.

A participação dos aviadores brasileiros no conflito se deu de forma

desastrosa. Na primeira, o aviador brasileiro fraturou uma das pernas durante

uma aterrissagem frustrada; o segundo não teve a mesma sorte: um equívoco

levou piloto brasileiro a colidir sua aeronave em outra pilotada por um inglês o

que resultou na morte de ambos.

c) Missão Médica Militar - O Brasil enviou também uma missão médica

militar sob o comando do médico, cirurgião, professor de ginecologia e diretor do

Hospital de Gamboa e deputado José Thomaz Nabuco de Gouvêa. Faziam parte

da equipe 86 médicos civis, sendo destes 17 estudantes do último ano de

medicina, todos comissionados com patentes militares. Também faziam parte da

equipe 14 médicos militares.29

Muito além da tentativa de colaborar com a causa dos aliados, as motivações do governo para essa missão eram múltiplas. Conforme lembram Hochman (2006, p.63) e Oliveira (1990), esse era um

28 A Federação, 07/05/1918. 29MENDONÇA, W. B. A experiência estratégica brasileira na Primeira Guerra Mundial. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). Instituto de Ciências Humanas e Filosofias, Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, RJ, 2008.

momento de afirmação de movimentos nacionalistas. Desse modo, ir à guerra e levar médicos ao conflito bélico significava mostrar que a ciência brasileira era capacitada. Era o Brasil construindo um hospital no país da medicina do período. A missão representava o Brasil inserindo-se na modernidade internacional pela vai da saúde.30

A missão médica brasileira tinha o objetivo de atender civis e militares

que sofriam com os horrores da guerra. Mesmo com todos os problemas da

saúde pública no país, o Brasil enviou, além de recursos financeiros para

construção de um hospital temporário na zona de guerra, 100 profissionais da

saúde. Entre eles estavam muitos dos melhores médicos cirurgiões e

professores de medicina do país.

A equipe médica partiu no dia 18 de agosto de 1918, depois de uma missa

que foi celebrada na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro onde

compareceram as mais altas autoridades.31

A tripulação partiu a bordo do navio francês Plata com destino a Marselha

na França, mas a viagem teve alguns percalços como podemos perceber por

meio dos fragmentos do relatório enviado ao ministro da Guerra pelo Dr. José

Thomaz Nabuco Gouvêa, chefe da missão médica em Janeiro de 1919 e

publicado pela A Federação em abril de 1919.

A viagem se fez normal e regularmente até altura de Dakar. A bordo semelhança de que se effectuava em todos os navios de todas as companhias, institui, a pedido do comandante, um serviço de policiamento. Esse à que não se recusavam, nos navios ingleses e franceses, os passageiros civis, vistos tratar-se do interesse coletivo, foi effectuado sem grandes incidentes pelo pessoal da missão. Na véspera de chegarmos a Dakar, o comandante chamou-me ao passadiço e comunicou-me, ter acabado, de receber um radiograma, ordenando-lhe que mudasse de rota para o sul e se dirigisse rapidamente para Freetown, para lá aguardar ordens. Nesse sentido o comandante acreditava que não podia deixar de obedecer à ordem que ele julgava baseada em qualquer informação segura da existência de submarinos na vizinhança de Dakar. A mudança de roteiro se effectuou, sendo percebida pelos membros da missão o que não deixou de causar um certo alarme entre todos. 32

Quando a embarcação chegou a Freetown, não havia neste porto nenhum

comunicado da possível chegada da mesma. Diante do radiograma apresentado

30BRUM, C. E. A medicina vai à guerra: A missão médica–militar brasileira na França durante a Primeira Guerra Mundial (1918-919). História: Debates e Tendências- v.14, n.2 jul/dez. 2014, p.306-317. 31 A federação, 19/08/1918. 32 A Federação, 19/04/1919. p.02

pelo comandante, compreendeu-se que havia ocorrido um equívoco e que o

mesmo era destinado a vapores ingleses. Diante do engano, a tripulação

permaneceu em Freetown por cinco dias até que a embarcação fosse

reabastecida de carvão e pudesse seguir viagem.

Dois dias depois de partir de Freetown, o navio francês Plata chegava a

Dakar, onde foi recebido com festa. Após as recepções amistosas a tripulação

partiu no dia 06 de setembro com destino a Gibraltar. Durante a viagem, a

tripulação foi acometida por uma grave doença que mais tarde soube-se tratar-

se da gripe espanhola. Em face da pandemia que assolava a tripulação, o navio

atracou em Oram a fim de tratar os doentes e desinfetar a embarcação. Mesmo

com esses procedimentos, a tripulação perdeu 4 de seus integrantes: Octavio

Gomes dos Passos, José Brazil da Silva Coutinho, Paulo Mello de Andrade e

Sella Teixeira da Silva.

Quando finalmente a missão médica brasileira chegou a Paris, foi então

implantado o Hospital Franco-Brasileiro. Sua atuação muito contribuiu para o

pleito do Brasil na Conferência de Paz. Em agosto de 1919, é extinta a Missão

Médica Brasileira. Os médicos retornaram ao Brasil e os equipamentos foram

doados à Escola de Medicina da Universidade de Paris.

d) Comissão de Estudos e Apurações de Guerra- Essa comissão era

chefiada pelo General Napoleão Felipe Aché que, juntamente com mais 28

membros, tinha o objetivo de avaliar os equipamentos que seriam adquiridos

para o Exército Brasileiro na Europa. Além disso, outra equipe verificava o

material bélico nos Estados Unidos.

A Delegação Brasileira visitou indústrias bélicas, e também participou de

exercícios de guerra nos campos de batalha, tendo dois de seus homens feridos

e recebendo as demais promoções por ato de bravura.

A contribuição brasileira no esforço de guerra foi considerada por muitos

como irrisória, destacou-se dentro de suas possibilidades a Missão Médica

Militar à qual serviu como respaldo para o Brasil nas negociações de Paz. No

que diz respeito à Divisão Naval em operações de guerra, é importante destacar,

ainda que a frota brasileira era relativamente nova, os navios estavam obsoletos

para o grande desafio que é a participar de uma guerra no mar sem restrições.33

Ainda que a participação do Brasil na Guerra tenha sido considerada por

brasileiros, e estrangeiros, como irrisória, as vitórias aliadas eram comemoradas

pela população nas ruas como podemos constatar na coluna intitulada “A

brilhante manifestação de hontem” de A Federação:

Por motivo das últimas vitórias dos exércitos Alliados houve hontem á noite, nesta capital, importante manifestação de regozijo que revestiu de um brilho excepcional. Essa manifestação foi promovida pela Liga de Resistência Nacional, patriótica associação recentemente aqui fundada, associando-se a essa iniciativa A Federação Acadêmica que, para esse fim, fez distribuir convites impressos aos acadêmicos e ao povo em geral. O cortejo que era brilhante, desfilou pela rua dos Andrada, por entre vivas ao Brasil e ao Rio Grande do Sul, aos países aliados, aos generalíssimos Joffre e Foch, aos presidentes Wilson, Poincaré e Wenceslau Braz, aos reis Jorge e Victor Manuel e ao Dr. Nilo Peçanha, nosso Ministro de Exterior.34

No decorrer das negociações que permearam os acordos de paz,

houveram muitos encontros e desencontros de informações que envolveram a

participação brasileira nas Conferencias de Paz. Os problemas começaram na

escolha do chefe da delegação, quando tudo indicava que o melhor chefe seria

Domicio da Gama, este recebeu a notícia de que o presidente desejava que a

mesma fosse chefiada por Rui Barbosa.

Após inúmeras discussões e mal entendidos, a delegação brasileira que

foi a Paris era chefiada por Epitácio Pessoa, senador pela Paraíba. Padiá

Calógeras, Raul Fernandes eram deputados, Olinto de Magalhães, Ministro do

Brasil em Paris, o consultor jurídico Rodrigo Otávio, que mais tarde atuou

também como delegado, eram os principais nomes da delegação brasileira.35

O grande propósito da delegação brasileira era a defesa de três

importantes pontos que estavam diretamente relacionados aos interesses do

Brasil: 1) O valor do depósito do café de São Paulo, comprado pelos Alemães

33ARAUJO, J. S. “A guerra que vai acabar com todas as guerras”: o Brasil na Primeira Grande Guerra- a mobilização da sociedade e o engajamento da marinha (1917-1918). História: Debates e Tendências-v.14, n.2 jul/dez. 2014, p.318-333. 34 A Federação, 02/10/1918. p.1 35VINHOSA. Francisco Luiz Teixeira O Brasil e a Primeira Guerra Mundial: a diplomacia brasileira e as grandes potências. Rio de Janeiro: IHGB, 1990.

entre 1914 e 1916; 2) os navios alemães que foram requisitados pelo governo

brasileiro em 1917; 3) Um lugar permanente para o Brasil no Conselho da Liga

das Nações, ao lado das grandes potências.

Enfim, mesmo com todos os percalços que o esforço de guerra brasileiro

enfrentou, o fato de o país ter declarado guerra à Alemanha rendeu ao país uma

modesta participação nas negociações de paz, e esta por sua vez contou com o

apoio da comissão Americana. O Brasil teve, além da sonhada projeção

internacional com a cadeira provisória na Liga das nações, também o

ressarcimento econômico pela compra do café de São Paulo, que estava

armazenado na Alemanha e foi utilizado pelo governo alemão, bem como a

posse dos navios alemães que já vinham sendo ocupados pelo governo

brasileiro.

5.Considerações Finais

A Grande Guerra, ou mais tarde também conhecida como Primeira Guerra

Mundial, é para muitos historiadores conhecida como um divisor de águas na

história da humanidade, o advento da Grande Guerra colocou em evidência os

acordos diplomáticos internacionais, pôs fim a uma era de paz conhecida como

Belle Époque.

Durante a Grande Guerra houve um crescimento da indústria bélica e o

desenvolvimento de novas tecnologias, as quais permitiram que o mundo tivesse

o privilégio de acompanhar mais de perto o desenrolar dos acontecimentos da

Grande Guerra, no princípio na Europa e mais tarde em praticamente todos os

continentes.

Desde a Era Rio Branco, a nossa diplomacia alterou sua postura nas

relações internacionais, o paradigma americanista passava a nortear a política

externa. A aproximação do Brasil com os Estados Unidos serviu aos interesses

brasileiros quando a grande guerra atingiu todos os continentes e gerou uma

tensão mundial. A política americanista também é considerada por estudiosos

como um dos fatores que influenciaram o rompimento de relações diplomáticas

entre Brasil e Alemanha e mais tarde a participação no conflito.

Quando o conflito teve início na Europa, o Brasil mantinha uma relação

amistosa e cordial, tanto nos aspectos diplomáticos como econômicos, com os

países envolvidos, em especial, com a Alemanha.

Mesmo com este panorama, não tardou para que intelectuais e políticos

que tinham forte influência da cultura francesa, estabelecessem um debate em

torno da causa aliada. Esses debates públicos, passeatas e comícios,

juntamente com as reportagens vinculadas à imprensa, serviram de alicerce para

os períodos posteriores.

Cumpre salientar o importante papel da imprensa nos anos da Grande

Guerra, a evolução na forma como as notícias ligadas ao cenário do conflito

chegava ao país, a forma com que eram abordadas e reproduzidas.

A imprensa nacional bem como a imprensa regionalizada como era o caso

do jornal A Federação, nosso objeto de pesquisa, cobriu o Atentado ao

Arquiduque Francisco Fernando e sua esposa Sofia, como um mero

acontecimento regional e que não traria maiores consequências. Isso fica

evidente pelo modo com que o jornal aborda o acontecimento.

Quando o jornal A Federação, ao final de seu relato sobre a tragédia que

assolava a família real austro-húngara, declara: “À numerosa colônia austro-

húngara domiciliada em Porto Alegre, A Federação apresenta suas

condolências.”36, é possível afirmar que neste momento as afinidades com a

Áustria Hungria são evidentes e o quanto o jornal valorizava essa comunidade.

O periódico que circulava no início do conflito trazia as notícias

internacionais por meio da publicação de telegramas vindo das diversas partes

do mundo. Com o desdobrar dos acontecimentos, a forma de se fazer imprensa

no Brasil evoluiu e, juntamente com ela, os métodos utilizados. Passou-se a

utilizar além dos telegramas, as informações cedidas pelo Itamaraty e pelas

agências de notícias.

A Federação não era um grande jornal de circulação nacional, deste modo

reproduzia ou justificava suas publicações utilizando-se para isso de publicações

do centro do país, como o Jornal do Commercio e o Correio da Manhã.

De modo geral, é possível afirmar que o conflito europeu causou um

fascínio na população do Rio Grande do Sul, permitindo que o povo

experimentasse sentimentos contraditórios no desenrolar dos acontecimentos.

O que no início do conflito em 1914, parecia irrelevante para a população, passou

36 A Federação, 01/07/1914

a ser acompanhado com curiosidade por todos, tanto que os jornais se

dedicavam a publicar os pormenores da guerra em suas páginas.

Considerando as leituras realizadas é possível afirmar que o

posicionamento do jornal A Federação foi sendo alterado no decorrer do conflito.

No princípio dos acontecimentos, o jornal se mostrava solidário à comunidade

germânica no Rio Grande do Sul. Quando a posição de nação neutra foi posta

em xeque, o periódico chegou a ser acusado de omissão em se tratando dos

episódios de quebra-quebra que houve em Porto Alegre, e em outros momentos

até chegava a noticiar, mas o fazia de forma discreta.

A Federação ocupava o posto de jornal oficial do Partido Republicano Rio-

Grandense, e nesta conjuntura procurou manter o tom conciliador, mesmo com

as constantes dúvidas levantadas em torno da população de origem germânica.

Amparados nas leituras, consideramos que a principal razão, para que A

Federação mantivesse um tom conciliador no que dizia respeito à Grande Guerra

é econômica, pois a grande comunidade de origem germânica presente no

estado, de onde saíram importantes representantes do movimento operário, era

dona de muitas das indústrias e casas comerciais do estado. Também, a

Alemanha representava uma importância econômica para o estado e o país, já

que era um dos nossos principais parceiros comerciais.37

Cabe aqui ressaltar que neste cenário o desenrolar dos acontecimentos

na Europa refletiam imediatamente na economia dos países. No Rio Grande do

Sul, o envolvimento emocional da população com o conflito também trazia

consequências no campo social, pois era comum o povo ir às ruas para protestar

ou para consignar sua solidariedade para com o governo. Esses episódios

ocorreram em vários momentos, mas podemos destacar os protestos pelo fim

da neutralidade, e quando a população foi às ruas pedir que as forças armadas

dessem sua contribuição nos campos de batalha.

Quando o Brasil declarou guerra à Alemanha, o envio de tropas brasileiras

para contribuir com a causa aliada foi bem recebido pelo povo do Rio Grande do

37BONOW, S. C. As Listas Negras e a Grande Guerra: Repercussões sobre capital e trabalho germânicos em Porto Alegre. Revista Mundos do Trabalho, vol. 2 nº 4 agosto-dezembro de 2010, p.280-304.

Sul. Os esforços de guerra e as constantes vitórias nos campos de batalha

levaram a população às ruas de Porto Alegre.

Ainda que a contribuição militar brasileira durante a Primeira Guerra

Mundial seja considerada por historiadores contemporâneos como Vinhosa,

Vizentini, Wernet entre outros, como insignificante, os brasileiros comemoram o

fim da guerra e participaram dos tratados de paz.

Assim como a participação do Brasil nos campos de batalha, a sua

presença nas reuniões que levaram aos acordos de paz, também foi permeada

de dúvidas, de encontros e desencontros de informações. Neste sentido,

podemos destacar as inúmeras discordâncias na formação da comissão que iria

à Europa defender os interesses do Brasil.

O final da guerra coincidiu também com o fim do governo de Venceslau

Brás. Com isso, Nilo Peçanha, que estava à frente do Itamaraty, deixou o cargo

que foi assumido por Domicio da Gama. Este último permaneceu no cargo por

um curto período, mas foi extremamente ativo nas negociações do pós-guerra.38

Todavia, de modo geral, e diante das leituras realizadas, é possível

perceber que a postura do jornal A Federação acompanhou a postura adotada

pelo governo brasileiro durante os anos da Grande Guerra. Contudo, é

importante destacar que no decorrer do conflito, A Federação, assim como

outros periódicos, foi acentuando uma rivalidade que não era perceptível no

início da conflagração, deixando evidente uma movimentação de afastamento

do Brasil com a Alemanha, e simultaneamente o processo de aproximação do

país com a Inglaterra e Estados Unidos.

REFERÊNCIAS

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