o celeiro - baal 17 · a ideia do “pão” surgiu depois de receber um presente do meu caro amigo...

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PÃO “Pão” é um espectáculo criado pela Baal 17 a partir de recolhas realizadas em torno das histórias e memórias do pão, e onde se percorre e explora dramaturgicamente os seus diferentes significados, envolvendo-o como “personagem”, numa viagem aos trabalhos da terra, ao homem, ao amor, à descoberta e à poesia. PÃO - TEATRO DOS SENTIDOS Comunicando no espaço e no tempo, inte- lectual e emocionalmente, o actor percorre um processo fundamental no seu trabalho: a consciência da criação, o uso do corpo como instrumento emotivo e o olhar como linguagem expressiva de diálogo com o público. P . 2 DA TERRA AO PÃO Num processo que se pretende colaborativo e criativo, os actores em palco foram, e são, igualmente actores da vida, numa busca constante de emoções, de memórias, de histórias, relatam na primeira pessoa as experiências que os marcaram na feitura deste pão. P . 3 e 4 PORQUE É QUE O PÃO TEM CABEÇA? Alguém sabe responder-me a esta questão? A minha mãe não sabe, a minha avó também não sabia. Mas as duas faziam pão com cabeça. A padeira Lisete também não sabe, nem a senhora do mini-mercado que desde sempre vende pão com cabeça, mas que responde, com a maior certeza do mundo: “Porque sim. Sempre foi assim”. P .8 INSPIRAÇÕES Foram muitas as inspirações utilizadas para a feitura deste “Pão”. Umas usadas directamente no espectáculo, outras indirectamente. Todas gravadas na memória e no coração, num cantinho onde as iremos buscar sempre que comermos uma boa fatia de pão. Ficam nestas páginas algumas dessas inspirações, as mais palpáveis, com o desejo que também inspire quem as leia. P . 6 e 7 O CELEIRO Novembro 2008 | N.º7 | €1,00 Claramente inspirado pelo e no Alentejo e pelas suas profundas transformações, memórias e tradições, a Baal 17 pretende questionar o relacionamento entre o homem e o pão, despertar histórias, sentimentos e emoções através do teatro: “Pão” é amor e morte. Vida e a terra. Amor entre estranhos. Olhando para num futuro cada vez mais próximo que relação vemos entre o Homem e o seu alimento primário por excelência? Já não há ligação entre o Homem e o pão que levava à boca? Nem só de pão vive o Homem. Mas só pelas mãos do Homem o pão pode viver. Quando a seara cresce e depois é ceifada, ninguém pega num torrão húmido com as mãos para o des- fazer, deixando escorregar a terra por entre os dedos. Nenhuma mão humana tocou na semente, ninguém chegou a amar a terra. O homem come aquilo que não fez crescer. O pão nosso de cada dia já não é o suor do trabalho do homem com a terra, já não fala de fome, já não repre- senta nada… o pão nosso de cada dia está morto.

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Page 1: O CeleirO - Baal 17 · A ideia do “Pão” surgiu depois de receber um presente do meu caro amigo Rui Garcia, um livro intitulado “6000 anos de Pão”. Depois de o começar a

Pão“Pão” é um espectáculo criado pela Baal 17 a partir de recolhas realizadas em torno das histórias e memórias do pão, e onde se percorre e explora dramaturgicamente os seus diferentes significados, envolvendo-o como “personagem”, numa viagem aos trabalhos da terra, ao homem, ao amor, à descoberta e à poesia.

PÃO - TEATRO DOS SENTIDOS

Comunicando no espaço e no tempo, inte-lectual e emocionalmente, o actor percorre um processo fundamental no seu trabalho: a consciência da criação, o uso do corpo como instrumento emotivo e o olhar como linguagem expressiva de diálogo com o público.

P. 2

DA TERRA AO PÃO

Num processo que se pretende colaborativo e criativo, os actores em palco foram, e são, igualmente actores da vida, numa busca constante de emoções, de memórias, de histórias, relatam na primeira pessoa as experiências que os marcaram na feitura deste pão.

P. 3 e 4

PORQUE É QUE O PÃO TEM CABEÇA?

Alguém sabe responder-me a esta questão? A minha mãe não sabe, a minha avó também não sabia. Mas as duas faziam pão com cabeça. A padeira Lisete também não sabe, nem a senhora do mini-mercado que desde sempre vende pão com cabeça, mas que responde, com a maior certeza do mundo: “Porque sim. Sempre foi assim”.

P.8

INSPIRAÇÕES

Foram muitas as inspirações utilizadas para a feitura deste “Pão”. Umas usadas directamente no espectáculo, outras indirectamente. Todas gravadas na memória e no coração, num cantinho onde as iremos buscar sempre que comermos uma boa fatia de pão. Ficam nestas páginas algumas dessas inspirações, as mais palpáveis, com o desejo que também inspire quem as leia. P. 6 e 7

O CeleirONovembro 2008 | N.º7 | €1,00

Claramente inspirado pelo e no Alentejo e pelas suas profundas transformações, memórias e tradições, a Baal 17 pretende questionar o relacionamento entre o homem e o pão, despertar

histórias, sentimentos e emoções através do teatro: “Pão” é amor e morte. Vida e a terra. Amor entre estranhos.Olhando para num futuro cada vez mais próximo que relação vemos entre o

Homem e o seu alimento primário por excelência?Já não há ligação entre o Homem e o pão que levava à boca? Nem só de pão vive o Homem. Mas só pelas mãos do Homem o pão pode viver.

Quando a seara cresce e depois é ceifada, ninguém pega num torrão húmido com as mãos para o des-fazer, deixando escorregar a terra por entre os dedos. Nenhuma mão humana tocou na semente, ninguém chegou a amar a terra.

O homem come aquilo que não fez crescer. O pão nosso de cada dia já não é o suor do trabalho do homem com a terra, já não fala de fome, já não repre-senta nada… o pão nosso de cada dia está morto.

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2 |O CELEIRO | NOVEMBRO 08

O teatro dos sentidos

Pão - Um Processo colaborativo e criativo

A ideia do “Pão” surgiu depois de receber um presente do meu caro amigo Rui Garcia, um livro intitulado “6000 anos de Pão”. Depois de o começar a ler surgiu a ideia e começou o projecto. As espigas estão lá para ele.

“Pão” foi construído base-ado numa filosofia colabo-rativa e criativa. Desde a escolha da ideia inicial, às recolhas de materiais sobre o tema, às leituras, pesquisas, à dramaturgia e composição final. Um processo que assenta na exploração de ideias e experimentação, onde o actor pensa criativamente e interpreta a sua visão pes-soal e estética no palco. A sua participação e criativi-dade é o principal elemento cénico e a atitude em palco e interpretação sugeriu todo o conteúdo e resultado final do espectáculo. Comunicando no espaço e no tempo, intelectual e emocionalmente, o actor

percorre um processo fun-damental no seu trabalho: a consciência da criação, o uso do corpo como instru-mento emotivo e o olhar como linguagem expressiva de diálogo com o público. Um processo pelo qual se atribui uma maior influência e poder de decisão ao ac-tor, através do seu envolvi-mento, concedendo-lhe autonomia e total liberdade na criação. Ser expressivo, usar a imaginação como guião, como subtexto, visualizando e recriando vidas em conjunto. O actor como artista do aqui e do agora, como interprete da realidade e contador de histórias e sentimentos.

O teatro serve então para criar novas interpretações da vida, novos estímulos e abrir novas questões sobre o mundo que nos rodeia. Os actores exploram a partir de si próprios, das suas emoções, várias inter-pretações e representações sobre o mesmo tema, criando uma visão única, artística, crítica e contem-porânea da sociedade. Mas, o princípio será sem-pre o mesmo, o actor tem que fazer com que o público se apaixone por ele, que se identifique com ele e que partilhe com ele emoções. Esse será sempre o grande desafio deste espectáculo. Procurar no teatro dos senti-dos um poema.

MARCO FeRReiRA

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Da terra ao PãoÀ esPera

este processo de trabalho foi e, ainda é mais, do que uma colagem de imagens inspiradoras ao serviço de um espectáculo de teatro. Foi para mim que de cá não sou, mas que de outro sítio também não me sinto, uma abertura para a compreensão desta realidade: a vida vivida no Baixo Alentejo Oriental.

As viagens que fizemos para ter contacto com as mãos que servem ou serviram a produção de pão, deram tanto ao espectáculo quanto a imaginação que fizemos em cima do que presenciamos. As pessoas que nos foram passando pelos olhos, ou as que procuramos para nos avivar o conhecimento sobre o assunto, disseram-nos sempre mais do que literalmente diziam. Mesmo na pequena casa onde se produzia pão à sombra da legalidade, numa terra que

O que mais me fascina neste processo de trabalho é o modo como podemos explorar tudo o que encontramos à nossa volta. Uma visão profunda de tudo o que nos rodeia.Saímos de casa e olhamos para tudo como se cada imagem, som, cheiro, sabor, nos alimentasse de uma vontade de querer saber mais e explorar novas sensações e emoções.

é quase só isso mesmo: terra. Aí, onde o nosso interesse se focava no processo de confecção do pão “à antiga”, as pessoas mostravam-se dedicadas ao pão e às explicações sobre o mesmo, no entanto foi dito e visto muito mais do que nua e cruamente se poderia esperar.Vou pegar na última palavra da última frase que escrevi para falar exactamente da espera, ou do tempo a que as pessoas lhe dedicam. Em várias visitas que fizemos (Vale de Rocins, Brinches, Mértola e terras do concelho que não me recordo do nome) reparei que as pessoas passavam imenso tempo à espera, umas à espera do pão (a fazer conversa para ocupar o tempo e o espírito, mesmo que a conversa circulasse à volta de um exame à cabeça marcado para o dia seguinte, ou o clássico assunto ligado à meteorologia para justificar amarguras ou dores nos sítios habituais), outras esperando que o sol se ponha, para no dia seguinte ir esperar o mesmo para o mesmo sítio. Não há pressa nesta espera,

ninguém se chateia pelo pão ter ido dez minutos mais tarde que o previsto e por consequência atrasar dez minutos. Chegam, cumprimentam quem está e esperam, não perguntam quanto tempo vai demorar, esperam pacientemente para se irem embora com o pão quente, que durará para a semana. Ficando tacitamente combinado o encontro para a semana seguinte.Nessas esperas olhadas de soslaio porque não tenho lata de observá-las de frente deparei-me com um “Olhar para o vazio”. Era o que dizíamos quando queríamos falar dos olhares fixos em algo, muitas vezes acompanhados por batidas ritmadas de uma bengala, como que a marcar o ritmo a que os pensamentos vão fluindo carregados de reflexões silenciosas. Sim, porque com a expressão não queremos dizer que era um olhar desprovido de qualquer sentido, nem estamos a falar de um estado humanamente vegetal. Vou classificá-lo como um olhar teatral, mesmo correndo o risco de não me fazer perceber.

A minha ficha de Inspirações:Música: Cante Alentejano pelo Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa | Filme: Todos os que gravámos das viagens e dos ensaiosLivro: Artesão do Efémero, de Pedro Ferro | Pessoa: Sr. e Sra. Galanducho e Prima Palmira | Espaços: Vale de Rocins

Teatral, porque como em qualquer silêncio ou momento de não-acção, em espectáculo, esse aparente vazio tem sempre que estar preenchido de significado. Cada pausa ou momento de silêncio tem que ser intencionado e carregado de significado legível ao espectador. Neste caso não há um espectador declarado, mas os olhares para o vazio, são claramente tudo menos vazios de conteúdo. Este aparente estado

de não-acção contrasta com outras pessoas que contactamos “para nos contarem histórias”, como a Dona Palmira que nos acompanhou num almoço com familiares e nos contou histórias das ceifas, dos namoros, e nos leu com muita vivacidade a poesia popular que faz, foi de rir e chorar (por mais). A energia com que nos recebiam em casa ou que nos davam alguma informação, a ambiguidade de um homem que aparentemente está a pensar para si e quando

lhe dizemos boa tarde, recebemos de volta outro muito vivo e carregado de energia. Esta foi a forma que arranjei para falar das sensações que me foram passando pela pele durante o processo de construção deste espectáculo e tal como a própria pele são indivisíveis do produto final. Só me resta desejar um bom espectáculo, antes ou depois desta leitura.

VâNiA SiLVA

Então dou por mim as cinco da manhã de uma quarta – feira com uma enorme von-tade de provar diferentes tipos de pão. A essas horas não haviam estabelecimen-tos abertos nas redonde-zas. O meu desejo só foi satisfeito no outro dia de manhã, bem cedo. Resulta-do: um pequeno-almoço bem recheado. É incrível a quantidade de sabores dif-erentes que o pão pode ter. Mais incrível ainda, é olhar para ele como um simples objecto do quotidiano. Já alguma vez se imaginou a dar pontapés a um pão alentejano? Quentinho, estaladiço, cheiroso, a pedir que lhe dêem uma dentadinha… Por muito que custe, depois do mal já estar feito, a sensação é muito boa. Envolvemo-nos com ele, deixamos a imagi-

nação e o corpo irem cada vez mais longe, até que ele se torna parte de nós. Uma gota de água que se alastra pelos pequenos corredores do acaso.Afecto, carinho, protecção, apego. Como alguém com o seu bichinho de estimação, ou mesmo uma mãe com o seu filho, foi assim que me senti. Imagens que contam histórias e se traduzem num turbilhão de sons. Cantigas, dizeres, rituais, provérbios, rezas… Palavras que dão origem a variados quadros mentais.Elementos que se encontram e unem numa espécie de dança frenética.O som da massa no alguidar.O som das vozes em coro. Poder ver a dedicação, o empenho, o esforço que

as pessoas depositam ou depositaram noutros tempos a este alimento, é fascinante. Todo o processo pelo qual passa até chegar às nossas casas, surpreendente.O Pão mexe com tudo, com um país, com o mundo, com a natureza e, essencialmente, com as pessoas. Vidas inteiras dedicadas a ele. Sonhos, desejos, tristezas, dor, lembranças… rotinas de labuta. Recordações deixadas para trás com saudade e tristeza.

Informação e experiência fizeram com que conseg-uíssemos criar a partir de improvisações orientadas o espectáculo a que todos podem assistir. O “Pão”.

ALiNe CATARiNO

como algUém com o seU bichinho De estimação…

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Até começar este trabalho não fazia ideia que tal coisa tinha existido. Mas quando começámos a conversar com pessoas que estão ou estiveram ligadas ao Pão, várias nos falaram de fornos comunitários.

Existiram numa altura em que em todas as casas se fazia pão, mas em que nem todas tinham possibilidade de ter um forno para o cozer. Nesses casos as pessoas recorriam (à semelhança do que acontecia com os lavadouros públicos, de que ainda me lembro) a um forno comunitário. O esquema era simples: eu preciso de pão, tu também, eu amasso mas não tenho forno, tu tens forno mas não amassas, eu vou cozer o meu aí e tu ficas com um. Simples.

De facto, nunca me tinha passado pela cabeça que co-zer o pão pudesse ser uma dificuldade. Sempre associei este tipo de fabrico de pão a uma vida já de si difícil. No entanto estamos a falar de uma zona e de uma época em que até arranjar lenha podia ser um problema. De tal forma que às vezes a úni-ca forma era roubá-la. Mas carregar lenha não é fácil. Era preciso um burro. Mas os burros zurram, coisa que é difícil de evitar e que pode ser extraordinariamente in-conveniente se se estiver em pleno roubo, a meio da noite a sair do monte. Não percebo porquê mas, para evitar que o burro desse o

alarme, atava-se-lhe uma pedra ao rabo e então o animal emudecia por com-pleto. Não percebo porque é que um burro com uma pedra amarrada à cauda não zurra, mas parece que assim é. E assim se podia evitar a descoberta do rou-bo, a intervenção da guarda, a obrigação de devolver a carga, a acusação de ladrão e consequente dificuldade, por exemplo, em arranjar emprego. Ficar sem empre-go era mesmo grave. Sem emprego não havia comida. E tanto quanto sei também não havia Segurança Social.

Voltando ao principio. Quan-do nos falaram dos fornos comunitários, começámos logo a imaginar o monte de histórias engraçadas que deveriam existir à volta de-les: as conversas enquanto se vai buscar o pão que se amassou, as dificuldades em ter o forno pronto todos os dias, os enganos do género “esse pão é meu”, os “carim-bos” que cada casa punha nos seus pães, etc. Começá-mos a procurar alguém que soubesse histórias desse género. Até que um dia nos falaram de um senhor que tinha tido um forno comuni-tário e que estava vivo!

Comecei a fervilhar. Íamos conhecer alguém que viveu uma realidade que de todo já não existe e que estava cheia de possibilidades.

Depois de irmos espreitar uma padaria pequenina, cuja dona nos propôs ven-der-nos o negócio (“Está cansada de fazer pão?” “Não. Estou cansada é de ser patroa.”) apresentámo-nos e explicámos vagamen-te ao que vínhamos: “Gostá-vamos de saber coisas sobre o pão E soubemos que teve um forno comunitário.” Si-lêncio. O olhar para longe (ou para dentro). Uma mão na bengala. Não consegui-mos perceber bem o que ele disse.Qualquer coisa não batia certo. O AVC recente podia explicar o pastoso da voz mas não explicava comple-tamente o olhar que fugia. “Então como é que funcio-nava?” Desta vez percebe-mos: “Isso o melhor é irem ver aquela padaria ali em baixo. Ainda funciona como dantes”. Já lá tínhamos ido, era a da padeira que não queria ser patroa.Pela primeira vez senti que não éramos bem recebidos. Ainda cheguei a pensar que o problema éramos nós. Para ali a desassossegar um homem com coisas de turis-tas a fingir que percebem e que se interessam e a olhar

para mim como um animal em vias de extinção… Mas não era isso. O problema não éramos nós nem a nossa atitude exploratória. Ele não queria que não nos metêsse-mos na vida dele. Só queria, e queria firmemente, não avivar aquelas memórias. Não se virou para dentro. Não nos mandou embora. Não se recusou a tentar satis-fazer as nossas curiosidades. Tentou responder-nos. Mas de longe, como se as coisas que dizia (que foram poucas) não tivessem a ver com ele. E eu, que sou um lamechas, fiquei impressionado com a dor que aquelas recordações provocaram, mas mais com a vontade dura e firme em não embarcar nelas. Ficámos a saber que o forno ainda exis-te, e pensei que para aquele homem velho esse forno era uma espécie de companhei-ro, de trabalho e de vida. Houve um silêncio. Ganhei coragem e perguntei-lhe se o forno ainda ia funcionar. Res-pondeu-me: “O forno está lá é só atear-lhe o fogo. Se hou-ver pão ele coze-o.” Não me vou esquecer disto.Agradecemos, despedimo-nos e viemos embora. Ten-tei disfarçar mas sentia uma enorme frustração. Tinha grandes expectativas daque-la conversa. No entanto não fomos capazes de chegar a nada interessante para o espectáculo, vínhamos tris-tes e, por muito boas que fossem as nossas intenções, forçámos um homem a con-frontar-se com coisas que lhe eram mais dolorosas do que poderíamos compreender.

A sensação com que fiquei foi que algo de irrecuperável desapareceu. O pão, este pão, o pão dos fornos companheiros comunitários morreu. Esta sensação ficou na minha imaginação, na nossa imaginação. E ficou também no espectáculo. Sem dramas. Como o homem que se recusou sofrer por um forno que já não é dele.

FiLiPe SeixAS

“o forno está lá é só atear-lhe o fogo. se hoUver Pão ele coze-o”

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“Não falam, não trocam juras nem promessas”

alentejo não tem sombra

“Na seara dourada as foices abriram clareiras irregulares, limitadas por linhas quebradas de restolho que tomam formas caprichosas à medida que a colheita vai progredindo.Pelo campo, ficam – se os roleiros de «pão» que os homens atrás das «tornas» formaram lestos, num movimento rápido da mão direita passando o atilho de junca por sob os molhos dos caules tenros abarcados sobre o joelho.

Depois da merenda, os corpos descansam pela planície sem árvores, aguardando o início do últi-mo quartel do dia. O sol da tarde desce já, em direcção ao Ocaso, mas o calor sente-se mais que ao meio-dia. A seara empapou-se da «calma» sombria de Agosto, o vento abafadiço de levante, dos lados de Espanha e a que as gentes chamam «suão», quedou--se pelas covas, encheu os vales, entranhou-se entre os caules, entrou nos corpos, apertando as gar-gantas, perlando os rostos de suor, tornando os mem-bros lassos e cansados. O trabalho tem sido duro e estenuante. O serviço tem estado a ser feito de em-preitada e os «manageiros» não precisam de espicaçar os ceifeiros. A termulina dança no ar um bailado exótico, marcando nítida a sua presença de coisa viva.

Ao sinal de alto ao trabalho, os homens correram para as bilhas de barro em que a água já não é mais que um caldo morne e emborca-ram-nas sobre si, disputan-do-se uns aos outros a prioridade de arrancar das gargantas aquela sensação horrível de serrote, nas ardências do calor seco, fazendo passar por elas a água que não é já fresca, mas que é líquido que forma saliva e faz despegar as guelas.Depois de comido o traça-lho de pão com chouriço, quedaram-se pelo campo, sem sentir já senão um cansaço infinito, um que-bramento, um não ser mais que parte da mesma massa da terra quente.

Atrás dum molho de trigo, defendidas as costas dos raios incisivos do sol, um Zé e uma Maria. Um casal jovem, muito che-gado, abrigando debaixo do mesmo chapéu negro de aba larga as cabeças unidas no mesmo desejo. Não sentem a vida à sua roda, não descortinam as olhadas indiscretas dos ca-maradas, parecem nem dar sequer pelo calor que cada vez abafa mais os corpos. Mal engoliram o bocado de pão na ânsia de se encon-trarem atrás do mesmo roleiro, abrigados debaixo do mesmo chapéu braguês. O braço dele passa-lhe sob a cintura fina e a mão torce e retorce, num gesto mecânico, o lenço ama-relo garrido em que ela esconde o rosto trigueiro.

A camisa desabotoada dele deixa ver um peito forte e negro, luzidio de suor e um pescoço possante, cortado de sulcos terrosos e como que pintado de amarelo de ocre pelos raios ardentes do sol alentejano. No rosto moreno dela brilham dois olhos negros fixos no céu de chumbo em que o astro – rei põe já revérberos alaranjados. Não falam, não trocam juras nem promessas. Só os seus corações se corre-spondem e as suas almas sonham. Sonham com a vida, visionam o futuro, imaginam seus corpos deitados na mesma cama, sob o mesmo tecto, os fi-lhos à sua volta e uma leira de terra em que empregar seus braços. Não idealizam palácios nem riquezas, não sabem sonhar príncipes en-cantados, pedras preciosas e jóias maravilhosas. Vêem apenas um rancho de filhos crescendo por força do seu amor, daquela atracção ir-

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resistível que os fez abrigar dos raios de sol ardente debaixo do mesmo chapéu negro de abas largas. Sonham com uma casa modesta, muito branca e limpa e em que haja pão sobre a mesa e fogo na lareira. Sonham com os fi-lhos a quem hão-de ensinar a empregar seus braços e que hão – de oferecer à terra em holocausto à vida. Visionam para eles um fu-turo tal e qual o seu passa-do e o seu presente, desde que começaram a guardar perus e galinhas, desde que passaram a apascentar ovelhas e porcos, desde que aprenderam a juntar a lenha nos «cortes» e tirar cortiça nos montados, desde que foram a primeira vez à monda e que empu-nharam pela primeira vez uma foice, desde que viram a primeira estrela e encon-traram seus olhos presos a outros olhos.

De novo o trabalho vai começar. De novo as foices abrirão clareiras sinuosas de restolho, ao sabor dos «eitos» caprichosos na seara dourada. E o seu sonho queda – se, por ora, abandonados, como os mo-lhos de «pão» se quedam abandonados sobre a terra. E um dia, um padre, talvez o padre velhinho que os baptizou, de estola e sobre-peliz a cheirar a alfazema, numa capelinha branca, dará vida àquele sonho, dando à terra, entregando à natureza, para que se multipliquem, aqueles dois jovens humildes, tornados uma só alma e que um dia se abrigaram do sol ar-dente debaixo do mesmo chapéu braguês”.

In “ALeNTejO NãO TeM SOMBRA”, De eUGéNiO De ANDRADe

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Um espaço construído na horizontal, em contraste com a verticalidade de quem o construiu. Verticalidade que permite tratar o sol por tu.

insPiraçõesUsaDas Directa oU inDirectamente no esPectácUlo “Pão”

Que possibilita o tempo ser maior do que noutro sítio qualquer, como se um pacto com o próprio tempo houvesse quer no tempo-recordação, quer no tempo que marca o reló-gio. Acreditar que “Deus é Alguém que manda nisto tudo” mas não ir na conver-sa do padre nem da igreja, contrapondo com a dedi-

Foi num desses dias de Abril que a avistei, reclinada sobre os molhos de trigo.Florescia semelhante a um cravo tenro, entre as gavelas loucas que lhe emolduravam a cabeça e o rosto de espigas douradas.

Quis ser terra, porque ela já era o meu Sol. Ia no auge a azáfama das ceifas quando o voltei a ver. De foice em punho, lutando contra esse exército de milhões de espigas, o seu corpo parecia não conhecer fadiga nem sentir brasa do Sol. Por entre as rígidas lanças daquele exército com-pacto, a sua foice dançava leve abrindo brecha na seara loira. Fixei-me ali, de pé, peque-na e nula perante a majes-tade da terra enorme e os olhos mais brilhantes que alguma vez tinha visto. Por um só instante, por entre uma lançadeira do braço, ela endireitou-se, avistou-me e sorriu-me. O temor que sinto por vezes defronte a esta terra forte nunca foi tão grande como quando os seus

olhos me fixaram, as lágri-mas cairam, e soube, do fundo do meu coração, que semeado este amor, fruto da comunhão da terra e do sol, havia de nascer o mais belo e sagrado rebento.Tal como quando os teus olhos se fixaram nos meus, agora também lágrimas percorrem o meu rosto, mas num sentido inverso. Os meus lábios secam imobilizados pelo ardor da partida. E eu, defronte a esta terra enorme, esmagada/o pela sua majestade….Não se avistam corpos dobrados. O gentio já não inunda os campos. Silenciaram-se os sussur-ros e as cantorias. O trigo já não é nosso cúmplice. Adeus terra, adeus sol, adeus meus amores. O meu pão já não nasce aqui.

amor e Pão – Presença e aUsência a Partir De “Planície heróica”, De manUel ribeiro *

Poisavam-lhe espigas nos cabelos, nos ombros, no colo, todo o seu vulto era um fruto maduro da seara, corpo moreninho como as espigas que o cingiam, alma puríssima como as sementes sagradas que elas guardavam. E reflor-indo no trigo, essa carne sazonada tinha a mesma polpa doirada e fina do trigo, e parecia o mesmo pão bendito para ser comungado santamente na mesa de um lar. Detive-me no seu corpo dobrado sobre a terra e na forma graciosa como lim-pava do trigo as papoilas, os saramagos, as ervas-gafos, as ervilhacas. Naquele momento soube que havia de dizer orgulho-samente: és minha. Percebi o que a terra, meu sangue e vida, sente quando o Sol a aquece.

*Nascido em Albernôa, no concelho de Beja, em 1878, Manuel António Ribeiro é autor de, entre outras obras, Planície Heróica, uma apoteose à terra alentejana, escrita no Outono de 1927. Em terras charnequenhas, Baixo Alentejo, ao sul de Beja.

cação do tempo todo, se for preciso, para participar na procissão que a instituição organiza. Associar a liber-dade ao Comunismo e ao pão, mesmo só percebendo a última associação. A po-litica olhar e pensar neste espaço como um espaço privilegiado para o turismo, fazendo-se remodelações e reutilizações de espaços

para que se tornem vis-itáveis ou de interesse cultural, descaracterizando as paisagens e os lugares para as pessoas que vêm lá da Aldeia grande pod-erem visitar e achar que aquilo é que é tradicional. Fazer das populações pequenos nichos de prolon-gamento do zoo, para que se possam tirar fotografias aos animais no seu habi-

tat natural. Achar graça à pronúncia e às montras de velhos nos bancos de jardim. Fazer amigos nas festas e nas feiras. Dizer: “Eu sou devedor à Terra, a Terra me está devendo, a terra paga-me em vida, eu pago à terra em morrendo”, mantendo uma relação de amor-ódio com ela.

In PeDRO FeRRO, “O ARTeSãO DO eFéMeRO”

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bibliografia UtilizaDa Directa oU inDirectamente Para a constrUção Do esPectácUlo “Pão”

- Alentejo Não te Sombra; Andrade, Eugénio de; Edições ASA; 2002

- A Etnografia e o Folclore do Baixo Alentejo

- Antologia Breve; Neruda, Pablo; Tradução: Pacheco, Fernando Assis (1937- 1995); Edição: Dom Quixote 1977

- Antologia Poética; Andrade, Carlos Drummond de; Editora Recorde

- A Tradição; Revista Mensal D’ethnographia Portugueza Ilustrada; Edição: Câmara Municipal de Serpa, 1997.

- Através dos Campos; Picão, José da Silva; Editora: Guimarães, 1937

- B.I. do Pão; Linel, Marta; Editora: Apenas Livros

- Como a água que corre; Yourcenar, Marguerite. Editora: Difel

- Escrito na Cal; Fotos de Ana Esquível; Escolha de Textos e Prefácio de Eugénio de Andrade; Câmara Municipal de Portel

- Este livro que vos deixo; Volume I e II; Aleixo, António; Editorial Notícias, 1996

- Minha Mãe amassa o pão; Simões, António. Editora: Câmara Municipal de Beja

- Minhas Senhoras e Meus Senhores… Vida, Fome e Morte nos Campos de Beja durante o Salazarismo; Rede Museológica do Município de Beja, Arquivo de História Oral

- O Fogo e as cinzas; Fonseca, Manuel da; Edição três Abelhas, 1951

- O Pão através do Tempo; Brites, Carla Moita; Guerreiro, Margarida

- 6000 Anos de Pão; Jacob, Heinrich Eduard; Editor: Antígona / Frenesí, Ano de Edição/ Reimpressão: 2003

- Poesia, Andrade, Eugénio de

- Todos os Poemas; Belo, Ruy: Assírio & Alvim 2004

- Planície Heróica; Ribeiro, Manuel; Editora: Vega, 1996

- Terra Mãe Terra Pão; Borsaff, Mouette; Âncora Editora, 1ª Edição 1995.

Page 8: O CeleirO - Baal 17 · A ideia do “Pão” surgiu depois de receber um presente do meu caro amigo Rui Garcia, um livro intitulado “6000 anos de Pão”. Depois de o começar a

8 |O CELEIRO | NOVEMBRO 08

Ficha técnica: “Pão”: Criação colectiva | Texto: Filipe Seixas, Sandra Serra, Virgínia Maria Dias e excertos de Manuel Ribeiro, António Ramos Rosa, Pedro Ferro e Pablo Neruda | encenação: Marco Ferreira | interpretação: Aline Catarino, Filipe Seixas e Vânia Silva | Dramaturgia: Colectiva | Assistência à dramaturgia: Sandra Serra e Rui Ramos | Música: Deolinda, Gaiteiros de Lisboa, Os Alentejanos, Les Tambours du Bronx, Clint Mansell, Rene Aubry | Desenho de Luz e operação técnica: Paulo Troncão | Cenário e figurinos: Colectivo | Produção: Sandra Serra | Assistência de Produção: Ana Antão | Design: Verónica Guerreiro (blocod.com) | Fotografia: Marco Ferreira e josé Ferrolho | AGRADeCiMeNTOS : A Baal 17 agradece a Ana Meira, Álvaro Corte-Real, António Pais, Biblioteca Municipal de Beja (na pessoa do Nelson), CeNDReV, Grupo Coral e etnográfico da Casa do Povo, Carla Martins, funcionários do serviço de Carpintaria da Câmara Municipal de Serpa, Deolinda, Família Galanducho, jorge Carvalhuço, isabel Ramos, joão Passarinho, Lizete Ramos, josé Serra, Mariana Dias, Padaria Doce Planície, Sociedade Filarmónica de Serpa e a todos quantos contribuíram para que este Pão chegasse à sua mesa (ao seu coração!).

Baal 17 - Companhia de Teatro na educação do Baixo AlentejoApartado 113 - 7830 Serpa - Portugal. Telf. 284549 488; Telm. 961 363 107email: [email protected];Web: www.baal17.pt

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O pão alentejano é o único pão que tem cabeça

PorqUe é qUe o Pão tem cabeça?

Alguém sabe responder-me a esta questão? Por mais disparatada que possa parecer. Às vezes é preciso parar para pensar nestas coisas, mesmo que não se chegue a conclusão nenhuma e mesmo que a conclusão a que se chegue não sirva absolutamente para nada a não ser poder-se colocar a questão a alguém, admirar o seu ar confuso, e responder-lhe na ponta da língua, entre um sorriso vencedor.

É daquelas coisas. Conheci em tempos um rapaz que se gabava de saber coisas assim. Que não interessavam a ninguém. Tipo quantas teclas tem um computador. Se ele gostava de olhar para a malta com cara de parva. Desculpem-me a insistência mas eu penso que descortinar esta questão, a de porque é que o pão tem cabeça, é pertinente. Principalmente porque não conheço ninguém que o saiba, e acreditem que já coloquei a questão a muita gente. Talvez não à certa. À gente que pensa estas coisas.

A minha mãe não sabe, a minha avó também não sabia. Mas as duas faziam pão com cabeça. A padeira Lisete também não sabe, nem a senhora do mini-mercado que desde sempre vende pão com cabeça, mas que responde, com a maior certeza do mundo: “Porque sim. Sempre foi assim”. Certo é que todas elas concordam: é no tender que está a fase mais delicada do processo. Tarefa difícil, essa de ajeitar a massa. Houve muita moça nova que não conseguiu apanhar

o jeito de rodar o pão de forma gentil e ritmada para, por fim, lhe colocar a cabecinha encostada ao resto do corpo. Talvez o pão com cabeça tenha sido um acidente, um improviso. Talvez tenha sido elaborado com a sabedoria e confiança da natureza onde a beleza da criação acontece, por um acaso perfeito.Mas não encontro nenhuma razão lógica para fazer um pão em que a cabeça não serve para nada. Pode servir para fazer umas sopas no final da semana, ou para uma açorda, talvez, mas de resto é só para cortar.

Nem cabe na torradeira! Dá mais jeito para agarrar, é certo. Com as mãos firmes no alto do cocuruto pode-se agarrar com confiança, sentir a sua completa corporalidade. Ainda assim esta facilidade servirá apenas se quisermos fazer do pão arma de arremesso, lançamento do pão. O pão alentejano é o único pão que tem cabeça (é preciso ter cabeça para conseguir uma coisa destas. Não é qualquer uma que se lembra disto). Agora quem é que se lembrou e porquê, sabe-se lá. É a tradição, dir-me-ão. Vem dos antigos.

Porque sim, porque foi sempre assim, como dizia a outra. O certo é que isto do tradicional pega, as pessoas gostam de comer pão tradicional, mesmo que ele lhes apareça à mesa cortado às fatias dentro de sacos de plástico. Temos parecenças, nós que nos dizemos ser pensantes e o pão. Temos vida, contamos do passado e do presente, levamos palmadinhas à nascença, envelhecemos com o tempo, temos cabeça. Alguns de nós usam-na, outros não, e, à semelhança do pão, pavoneiam-na, garbosos, porque alguém lhes deu

essa forma, e não a utilizam para nada. Acidente, acaso perfeito, sabedoria. Nós e o pão. A cabeça está lá, mas porquê e para quê? Diga-me quem souber que eu não chego a conclusão nenhuma e gostava de saber esta, nem que fosse para, tal como o rapaz que conheci em tempos, atirá-la à cara da malta. Aguentar uns segundos olhando para a cara confusa e arremessar-lhe com a resposta. Toma lá que esta não sabias tu! Falo, claro, da razão da cabeça no pão. É que o porquê da cabeça em certas pessoas, isso, isso já é outra história.

SANDRA SeRRA