o castelo esquecidoas e chamar sua atenção para os elementos arquitetônicos e para a paisagem no...
TRANSCRIPT
48
L+D
49
L+D
projetos De Lá
Projeto inédito de iluminação em Portugal resgata a memória e a importância histórica do Castelo de Torres Vedraso casteLo esqueciDo
Por Gustavo Garde Fotos: Andrés Otero
50
L+D
51
L+D
Apesar de uma série de intervenções e pesquisas
arqueológicas, até hoje ainda não foi possível esclarecer com exati-
dão as origens e as diferentes fases de ocupação da colina onde está
instalado o imponente Castelo de Torres Vedras, na cidade de Torres
Vedras, em Portugal. Alguns estudos sobre a mais distante ocupação
humana remontam à dominação romana na Península Ibérica.
Após os romanos, foi a vez do domínio muçulmano, que reedifi-
cou o castelo. Após a reconquista cristã por parte dos portugueses
no século XII, a fortificação foi tomada pelas forças de D. Afonso
Henriques. Nos séculos seguintes, foi morada de diversos reis portu-
gueses, como D. João I, e palco de importantes decisões históricas,
como a construção da Universidade de Coimbra e a partida de Vasco
da Gama rumo às Américas.
Em 1755, um terremoto destruiu parte das edificações internas
do castelo. As obras de reconstrução foram iniciadas em 1886 e, na
década de 1980, recebeu mais alguns reparos. Hoje, 26 anos após
a última intervenção e negligenciado pela própria comunidade local,
o castelo recebe pela primeira vez um projeto de lighting design à
altura, baseado em conceitos muito específicos, buscando valorizar e
chamar a atenção para seus muros, torres e alamedas.
A iniciativa foi da empresa portuguesa Lightmotif, através da ar-
quiteta e professora da Bartlett School of Architecture and Planning
(University College of London), Maria João Pinto Coelho, também
membro do Internacional Association of Lighting Designers (Iald). O
projeto contou com o apoio da Câmara Municipal de Torres Vedras,
que disponibilizou o castelo, cuidou de toda a instalação elétrica e
viabilizou a segurança necessária.
Intitulado “Forgotten Spaces”, o evento selecionou 15 estudantes das
mais diversas áreas (arquitetura, engenharia, design, eletromecânica e
até sociologia) para, juntos, pensarem e decidir qual seria o projeto lu-
minotécnico ideal. Para tanto, os estudantes passaram uma semana no
castelo, entre 21 e 27 de maio de 2006, onde assistiram a um workshop,
ministrado pela própria professora Maria João, e participaram de uma
conferência internacional de iluminação, abordando o tema “Lighting
Design: novas oportunidades e as mais recentes tecnologias”, promovi-
da pela Associação Européia de Designers de Iluminação.
Na hora de fazer a seleção do grupo, a professora afirma que foi
levada em conta a vivência e o background. “Uma semana é um es-
paço muito curto para se desenvolver um projeto. Por isso, a forma-
ção foi um critério fundamental”. Dos 15 estudantes, apenas cinco
são portugueses. Os outros vieram dos mais diferentes cantos do
planeta, inclusive do Brasil, como a arquiteta Diana Joels, do Rio de
Janeiro. “Foi uma oportunidade para eles complementarem suas vi-
vências acadêmicas e colocarem em prática conceitos aprendidos na
Universidade. Muitos desses estudantes, inclusive, foram meus alu-
nos”, conta Maria João.
Foi com base nesse convívio, em conversas e colaborações que se che-
gou a um consenso sobre como trabalhar a iluminação do local. “Toda
a cidade se desenvolveu ao redor da colina onde está o castelo, mas
acabou esquecendo que ele existe. A idéia principal foi devolver a im-
portância do castelo à cidade, abrir seus portões e atrair a população. A
ferramenta usada para isso foi a iluminação”, aponta Maria João.
Após essa semana de atividades e estudos chegou a hora de ins-
talar as luminárias e toda a parte elétrica. Desde a porta da muralha
A primeira foto mostra como a pequena cidade
de Torres Vedras se desenvolveu nas cercanias do
imponente castelo. Na segunda foto, o castelo
com sua antiga iluminação, e abaixo o resultado
do novo projeto de lighting design
Na página anterior, vemos a entrada do castelo
e suas imponentes torres, iluminadas com lâm-
padas fluorescentes, iodetos metálicos e leds.
Abaixo, grupo realiza estudos e cálculos para
instalar as luminárias nas muralhas do castelo
52
L+D
53
L+D
até o cimo do castelo, a iluminação funciona como uma espécie de
guia, de fio condutor, orientando o visitante que percorre os espaços
internos e externos da edificação e convidando as pessoas a vivenciar
uma experiência sensorial totalmente nova.
O conceito desenvolvido teve como intenção inverter o caráter e a
configuração defensiva típica das fortificações medievais, conectan-
do o castelo à cidade e aproximando-o da comunidade onde está
inserido. A luz foi a ferramenta utilizada a fim de atrair as pesso-
as e chamar sua atenção para os elementos arquitetônicos e para a
paisagem no topo da colina. “Foram empregadas várias técnicas de
iluminação, utilizando a cor, os padrões de sombra e contrastes. Não
utilizamos movimento, a não ser o do vento, que vai se sobrepondo
à luz na sombra. A modelação da sombra nos percursos conduz o
olhar para o plano visual seguinte, induzindo o visitante a seguir seu
instinto visual”, atesta a professora. Foram instaladas no total 170
luminárias, dentro do castelo e no seu entorno.
Até a pequena população de Torres Vedras, acostumada com o es-
paço antes do projeto, se surpreendeu com o resultado. “Antes disso,
a iluminação do castelo era banal, sem o menor critério. Não se leva-
va em conta a leitura dos objetos, o rigor das formas ou a hierarquia
dos elementos que fazem parte de sua arquitetura”, acrescenta ela.
Apesar da proposta inovadora e da valorização de um patrimô-
nio que pertence não só a Portugal, mas a toda a humanidade, sua
instalação foi apenas temporária, como era a proposta inicial. Após
uma semana, as luminárias tiveram de ser retiradas e devolvidas aos
fornecedores. A experiência teve a função de mostrar às autoridades
responsáveis e à população o papel do lighting design na preserva-
ção da memória do castelo. Porém, a intenção da professora e dos
alunos é, num futuro bem próximo, tornar a instalação e o projeto
permanentes. “O objetivo foi apresentar à Câmara de Torres Vedras
uma solução real e profissional para uma instalação definitiva. Ape-
sar da própria Câmara local ter demonstrado interesse em prolongar
a instalação, tínhamos acertado com os fornecedores que o projeto
ficaria instalado por apenas uma semana”, finaliza.
As técnicas de iluminação, utilizando pa-
drões de sombra e contrastes, remetem
à uma atmosfera misteriosa e induzem o
visitante a seguir seu instinto visual
54
L+D
55
L+D
Ficha técnicaCasTelo de Torres Vedras
local: Torres Vedras (Portugal)
Projeto luminotécnico: Maria João Pinto Coelho e equipe de
alunos
Conclusão do projeto: Maio de 2006
ForneceDoresluminárias: SILL, Es-systems, Color Kinetics, TIR, ERCO, Osram
lâmpadas: Osram
sistema de automação: Color Kinetics
O conceito do projeto de iluminação teve como objetivo inverter
o caráter defensivo típico das fortificações medievais, usando a
luz para abrir as portas do castelo (acima). Na página ao lado, a
iluminação vermelha sobre o portão tem o intuito de convidar o
visitante pra dentro do castelo. A cor foi escolhida por remeter à
uma atmosfera de mistério, guerras e batalhas
Maria João Pinto Coelho é arquiteta, lighting designer, membro
do Iald e professora da Bartlett School of Architecture and
Planning - University College of London