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1 O Caso Nautos: Navegar é Preciso Autoria: Cristine Hermann Nodari, Giancarlo Dal Bó, Sylvia Maria Azevedo Roesch, Pelayo Munhoz Olea Resumo Este caso de ensino tem por objetivo possibilitar reflexões e discussões a respeito da análise do ambiente competitivo, do desenvolvimento da formulação estratégica para obtenção de vantagens competitivas sustentáveis, e, da utilização das ferramentas de marketing e das alianças estratégicas para criação de valor para os clientes. Relatado a partir da ótica dos proprietários apresenta a história da Nautos Indústria Metalúrgica, fabricante de peças e acessórios para a indústria náutica, uma pequena organização de origem familiar, que se tornara líder em seu segmento no mercado brasileiro e maior fabricante da América Latina em seu setor. Entretanto, as mudanças no ambiente de negócios desestabilizaram a empresa, e o aumento da competitividade global forçava a Nautos a reformular sua estratégia para tornar- se um player com possibilidade de fazer frente aos seus concorrentes no mercado internacional. O enredo começa relatando a concepção do negócio e o histórico do crescimento da empresa na década de 80, fruto do empreendedorismo e criatividade de seus fundadores que enfrentavam desde o seu surgimento dificuldades como a distância em relação aos principais centros consumidores e a ausência de tradição em sua região de origem na fabricação do tipo de produtos a que se dedicaram. Em seguida, associado à instabilidade econômica presente no início da década de 90 apresenta as dificuldades com qual a empresa se defrontava, como a redução drástica nos volumes de produção e a alternativa de produção de componentes em outras linhas de negócio diversificando suas atividades para sobreviver. O princípio de recuperação é identificado na necessidade de uma nova abordagem estratégica relacionado com o comportamento do consumidor brasileiro e a busca pelo mercado internacional a fim de minimizar a sazonalidade de negócios enfrentada em ambiente nacional permitindo vantagens competitivas sustentáveis. Seu crescimento e dilemas de sobrevivência e expansão apresentado, corresponde à situação em que os alunos no lugar dos proprietários devem decidir sobre a orientação mercadológica levando em consideração a análise do ambiente no qual a empresa está inserida, a formulação da estratégia e das alianças com outras organizações em busca de melhores ventos. A estratégia de ensino consiste em possibilitar que o aluno vivencie os conflitos que tal situação proporciona colocando-o no papel do empreendedor ao buscar a conciliação entre os aspectos conceituais e as variáveis estratégicas presentes na situação. O caso é indicado nas disciplinas de marketing e estratégia que enfoquem mudança e posicionamento de mercado, aplicável aos cursos de graduação ou pós-graduação.

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O Caso Nautos: Navegar é Preciso

Autoria: Cristine Hermann Nodari, Giancarlo Dal Bó, Sylvia Maria Azevedo Roesch, Pelayo Munhoz Olea

Resumo

Este caso de ensino tem por objetivo possibilitar reflexões e discussões a respeito da análise do ambiente competitivo, do desenvolvimento da formulação estratégica para obtenção de vantagens competitivas sustentáveis, e, da utilização das ferramentas de marketing e das alianças estratégicas para criação de valor para os clientes. Relatado a partir da ótica dos proprietários apresenta a história da Nautos Indústria Metalúrgica, fabricante de peças e acessórios para a indústria náutica, uma pequena organização de origem familiar, que se tornara líder em seu segmento no mercado brasileiro e maior fabricante da América Latina em seu setor. Entretanto, as mudanças no ambiente de negócios desestabilizaram a empresa, e o aumento da competitividade global forçava a Nautos a reformular sua estratégia para tornar-se um player com possibilidade de fazer frente aos seus concorrentes no mercado internacional. O enredo começa relatando a concepção do negócio e o histórico do crescimento da empresa na década de 80, fruto do empreendedorismo e criatividade de seus fundadores que enfrentavam desde o seu surgimento dificuldades como a distância em relação aos principais centros consumidores e a ausência de tradição em sua região de origem na fabricação do tipo de produtos a que se dedicaram. Em seguida, associado à instabilidade econômica presente no início da década de 90 apresenta as dificuldades com qual a empresa se defrontava, como a redução drástica nos volumes de produção e a alternativa de produção de componentes em outras linhas de negócio diversificando suas atividades para sobreviver. O princípio de recuperação é identificado na necessidade de uma nova abordagem estratégica relacionado com o comportamento do consumidor brasileiro e a busca pelo mercado internacional a fim de minimizar a sazonalidade de negócios enfrentada em ambiente nacional permitindo vantagens competitivas sustentáveis. Seu crescimento e dilemas de sobrevivência e expansão apresentado, corresponde à situação em que os alunos no lugar dos proprietários devem decidir sobre a orientação mercadológica levando em consideração a análise do ambiente no qual a empresa está inserida, a formulação da estratégia e das alianças com outras organizações em busca de melhores ventos. A estratégia de ensino consiste em possibilitar que o aluno vivencie os conflitos que tal situação proporciona colocando-o no papel do empreendedor ao buscar a conciliação entre os aspectos conceituais e as variáveis estratégicas presentes na situação. O caso é indicado nas disciplinas de marketing e estratégia que enfoquem mudança e posicionamento de mercado, aplicável aos cursos de graduação ou pós-graduação.  

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Introdução A Nautos Indústria Metalúrgica é uma fabricante brasileira de peças e acessórios para

o mercado de barcos a vela, e a maior da América Latina. Produz mastros, catracas, moitões, esticadores e mais uma ampla gama de peças para embarcações de grande porte destinadas, principalmente, a regatas oceânicas.

A empresa surgiu e deve sua expansão ao espírito empreendedor de dois jovens que acreditaram em seus sonhos e aplicaram todos os esforços para a sua realização, apesar das dificuldades que enfrentaram desde o surgimento da empresa, como a distância em relação aos principais centros consumidores e a ausência de tradição em sua região de origem na fabricação do tipo de produtos a que se dedicaram.

No momento em que os proprietários da Nautos acreditavam que sua posição no mercado estava consolidada e passariam a colher os frutos de anos de intensa dedicação ao negócio, fatores externos frustraram suas expectativas, obrigando-os a buscar novas alternativas, procurar novos mercados e reformular toda a sua estratégia.

Diante da complexidade dos cenários vislumbrados pelos sócios, a Nautos encontra-se em um momento delicado de sua história. As decisões que a empresa precisará tomar para aumentar seu nível de competitividade e tornar-se um player com possibilidades de atuação em condições de igualdade com seus concorrentes no mercado global definirão os próximos capítulos de sua história. Algumas alternativas terão de ser avaliadas pelos proprietários que, neste momento, sentem-se inseguros a respeito da capacidade da organização em fazer frente aos desafios que se acercavam.

A estrutura organizacional da empresa, que conta com um quadro de 36 colaboradores, encontra-se representada ilustrativamente na Figura 1.

Figura 1. Organograma da empresa Fonte: Elaboração própria. Histórico

No início da década de 1970, Amílcar saiu de Caxias do Sul, no interior do Rio Grande do Sul, para cursar sua graduação em Porto Alegre, capital do Estado. Lá teve contato com colegas que costumavam velejar aos finais de semana no estuário do Rio Guaíba. Em

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pouco tempo, passou a ser, mais do que um companheiro de aventuras, uma fonte de solução de problemas para seus companheiros.

Naquela época, todos os acessórios utilizados nos esportes a vela provinham do exterior, sobretudo da Europa e Estados Unidos. As dificuldades para importação e o elevado custo das peças muitas vezes frustravam os planos dos velejadores, uma vez que eventuais quebras ou defeitos levavam muito tempo para serem solucionados, obrigando as embarcações a permanecer em terra.

Diante desta situação, Amílcar decidiu agir. Transportou as peças danificadas para Caxias do Sul onde, em uma pequena metalúrgica de propriedade de sua família, ele e seu irmão Júlio improvisavam ferramentas e materiais para consertá-las. Em pouco tempo, além dos reparos, já eram capazes de fabricar peças completas, e as embarcações dos colegas de Amílcar passaram a permanecer por intervalos menores fora da água.

Naquele mesmo período, em 1976, nascia na cidade uma empresa destinada a fabricação de pequenas embarcações de 18 pés, fruto do espírito empreendedor de uma família que percebeu nesta atividade uma promissora oportunidade de negócios. Sabedores das habilidades de Amílcar e Júlio e de seus conhecimentos em acessórios náuticos, incentivaram os jovens a tornarem-se fornecedores de sua indústria. Surgia assim a Nautec Indústria Metalúrgica, com o propósito exclusivo de fabricar moitões e mastros para os barcos produzidos por seu único cliente.

Infelizmente, após aproximadamente dois anos de atividade, a produção dos barcos foi descontinuada em função do inexpressivo volume de negócios efetuados, e a Nautec tornava-se, assim, um fornecedor sem clientes. Mas não por muito tempo. Amílcar e Júlio acreditavam no potencial de seu negócio e em suas competências e rumaram, com um conjunto de amostras das peças produzidas, para o Rio de Janeiro, bater à porta dos maiores estaleiros nacionais.

Impressionados com a qualidade das peças confeccionadas por uma pequena empresa sediada em uma localidade tão improvável para a indústria náutica quanto a serra gaúcha, alguns dos estaleiros visitados começaram a encomendar os produtos fabricados pela Nautec, que garantia assim sua sobrevivência imediata, bem como expandia sua linha, passando a fabricar lemes e sanitários, para atender as necessidades de seus novos compradores.

A partir de 1982, com o crescimento dos esportes a vela no Brasil e o ingresso de um investidor argentino na sociedade, a Nautec passou por um período de grande expansão e deu início à sua atuação no mercado internacional, com as primeiras exportações destinadas ao mercado holandês. Esta expansão durou até o ano de 1990, quando o Plano Collor abalou toda a economia nacional.

Desde então a Nautec, que no ano de 2000 alterou sua razão social para Nautos Indústria Metalúrgica, vêm enfrentando dificuldades para manter sua operação, apesar da tradição e da reconhecida qualidade de sua linha de produtos (Figura 1), sobretudo no segmento de embarcações oceânicas de grande porte. O mercado brasileiro para este tipo de embarcação é pouco expressivo e a Nautos tem encontrado dificuldades para ampliar sua participação no mercado externo, por motivos que serão explicitados adiante.

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Figura 2. Itens representativos da linha de produtos da empresa Fonte: Elaboração própria cedida pela empresa. Águas Rasas

Em 1976 a Nautos (que então se chamava Nautec Indústria Metalúrgica) era uma pequena empresa familiar que atendia a um cliente local, fabricante de embarcações de pesca e de lazer, com uma limitada escala de produção e escassos recursos tecnológicos, valendo-se mais do empreendedorismo e criatividade de seus fundadores do que de capacidade técnico-administrativa.

Contando apenas com o trabalho dos dois sócios-fundadores, utilizando uma parte das instalações e equipamentos da empresa da família, os primeiros tempos da Nautec assemelhavam-se mais a um passatempo do que ao início de um empreendimento comercial. Mas, com uma demanda reduzida e baixos custos para manter a empresa em atividade, o negócio seguia em frente.

Entretanto, como a aventura empreendedora de seu único cliente teve uma breve duração, a Nautec viu-se obrigada, para não seguir o mesmo destino, a buscar clientes em outras regiões do Brasil, nas quais os esportes a vela eram mais difundidos e havia, conseqüentemente, um número maior de potenciais clientes.

Em virtude da qualidade e dos preços competitivos dos seus produtos em comparação às alternativas disponíveis, todas importadas e que variavam freqüentemente ao sabor das oscilações cambiais, a Nautec, em pouco tempo, conquistou como clientes estaleiros no Rio de Janeiro e em Salvador que representaram um alento para a pequena indústria, uma vez que consumiam toda a sua capacidade de produção.

A identificação da demanda no mercado interno de peças e componentes para barcos e veleiros superou as expectativas dos sócios da Nautec, já que os estaleiros nacionais fabricavam apenas os cascos das embarcações. Assim, com a perspectiva de imensas oportunidades, a empresa já conseguia antever interessantes perspectivas de lucro.

Pouco a pouco a empresa foi consolidando sua posição de destaque. Sem concorrentes no mercado doméstico, a Nautec navegava em águas tranqüilas. Durante toda a década de 1980, embalada pelos bons ventos que enfunavam as velas da economia nacional, a empresa tornou-se líder no segmento de ferragens para embarcações oceânicas, ampliou a capacidade

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produtiva e construiu sede própria. Tudo parecia transcorrer como uma calma viagem em direção a um porto seguro. Águas Turbulentas

A chegada da década de 1990, e mais precisamente o período compreendido entre os anos 1990 e 1996, entretanto, trouxeram nuvens negras para o horizonte da Nautec. Como decorrência do confisco da poupança nacional efetuado no Plano Collor, ocorreu um quase que completo desmantelamento do mercado de embarcações a vela no Brasil. O Plano Collor é a forma como ficou sendo conhecido o oficialmente chamado Plano Brasil Novo: um conjunto de reformas econômicas e planos de estabilização da inflação, criado durante a presidência de Fernando Collor de Mello, entre os anos de 1990 e 1992. A ação, que recebeu o nome de “confisco”, consistiu no bloqueio de todos os ativos financeiros, por 18 meses, de pessoas físicas e jurídicas, que ultrapassassem o montante de NCZ$ 50.000,00 (cruzados novos), transferindo-os ao Banco Central. Como conseqüência, milhares de poupadores foram levados à ruína, empresas faliram e houve forte redução do comércio e da produção industrial.

O Plano Collor provocou sérias conseqüências na economia brasileira como um todo e, especialmente, no mercado náutico. Os esportes a vela são uma atividade dispendiosa, praticados primordialmente por integrantes de uma elite econômica. No caso das embarcações oceânicas, especialidade da Nautec, o mercado é ainda mais elitizado, uma vez que depende de equipamentos cujos custos de aquisição, operação e manutenção são elevados, acessíveis somente à parcela de maior poder aquisitivo da população.

A instabilidade econômica que se seguiu provocou uma redução superior a 50% dos volumes de produção para o mercado interno, e a presença da empresa no mercado internacional era inexpressiva. Além disto, o Plano Collor previa também a abertura gradual do mercado brasileiro à competição externa, ampliando a presença de concorrentes internacionais atuando no mercado interno. Neste período, a Nautec sobreviveu devido à reconhecida qualidade de sua linha de produtos e à diversificação do seu ramo de atuação, aproveitando sua estrutura fabril e capacidade técnica para a produção de quadros em alumínio para bicicletas, uma novidade para a época, de luminárias e de componentes eletrônicos para dispositivos de segurança (alarmes), utilizados principalmente em lojas de confecções.

A produção dos quadros em alumínio para bicicletas foi descontinuada após pouco mais de um ano de sua introdução, com a entrada no mercado de competidores chineses que apresentavam vantagens em custos com as quais a Nautec não era capaz de concorrer. Para adequar-se à nova realidade do mercado, a empresa passou por uma profunda reestruturação e o pavilhão-sede da empresa teve de ser vendido para fazer frente aos compromissos assumidos com fornecedores, que excediam a capacidade de pagamento da empresa. Seu endividamento à época representava praticamente 100% das receitas projetadas para o ano vigente.

A divisão de componentes eletrônicos para dispositivos de segurança, que alcançou um significativo sucesso e poderia garantir uma maior segurança para a organização, foi perdida em virtude de uma cisão ocorrida entre os sócios. O sócio que deixou a empresa ficou com esta divisão, que havia sido criada por ele, e levou consigo também a marca Nautec.

Com o desligamento desta divisão de eletrônicos, a empresa passou a denominar-se Nautos Indústria Metalúrgica, retomando o foco de atuação exclusivamente para o segmento náutico. Face às dificuldades com as quais a empresa se defrontava, esta retomada precisaria ser empreendida com uma nova abordagem estratégica.

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Águas Profundas No final da década de 1990 o mercado nacional apresentava sinais de melhora e a

Nautos, trabalhando agora em um pavilhão alugado, inicia um processo de recuperação gradual. Os estaleiros gradativamente vão ampliando o volume de negócios no mercado interno, e a empresa recomeça a traçar planos para o futuro.

Apesar deste princípio de recuperação, a Nautos ressentia-se de um problema que gerava uma série de transtornos para a empresa e para o qual não encontrava solução, pois estava relacionado ao comportamento do consumidor brasileiro. O grande volume de vendas ocorria nos meses que antecediam o verão, quando os velejadores realizavam a manutenção dos barcos para utilizá-los durante as férias.

Assim, grande parte do volume de produção da Nautos concentrava-se em um curto período, sendo que durante todo o restante do ano a empresa ficava com capacidade ociosa, apresentava problemas financeiros e era forçada a promover dispensas de pessoal, fato que também gerava elevados custos de demissões, readmissões e treinamento da mão-de-obra, uma vez que não era capaz de manter um quadro estável de pessoal suficientemente qualificado e comprometido com a organização.

Durante uma das reuniões para tratar de possíveis soluções para o problema de sazonalidade dos produtos, um dos sócios sugeriu que a empresa intensificasse os esforços para ampliar sua participação no mercado internacional. A empresa possuía alguma experiência com exportações, mas o volume de vendas para o mercado externo era ainda inexpressivo.

Os sócios da Nautos acreditavam que, como a Europa concentrava o maior mercado mundial para esportes a vela, a economia era muito mais estável e, principalmente, considerando o problema de sazonalidade que a empresa enfrentava, o verão naquele hemisfério acontecia no período contrário ao do Brasil, esta seria a solução mais adequada, pois poderiam continuar atendendo eficientemente o mercado nacional no período de alta das vendas e, exatamente quando se iniciasse o período de baixa, poderiam dedicar-se quase que exclusivamente ao mercado europeu.

Após alguns estudos e a adequação de sua linha de produtos às diferentes necessidades e exigências técnicas e de segurança daquele mercado, em outubro de 1997 é criada a Nautec Europe Sarl, braço comercial da empresa destinado a promover e distribuir os produtos na Europa. Depois de doze meses de atuação, o incremento nas vendas foi pequeno e a distribuição era pulverizada para vários países, o que gerava elevados custos de frete que reduziam significativamente as margens de lucro.

A manutenção de uma estrutura própria para atender o mercado externo revelou-se, assim, inviável diante do inexpressivo volume de vendas alcançado. Diante disso, a Nautos passou a buscar novas alternativas, que acabaram conduzindo-a a fechar um contrato de distribuição exclusiva, em 2002 com um grupo europeu de longa tradição naquele mercado.

Mais uma vez os resultados ficaram aquém do esperado. A presença de um distribuidor europeu, que precisava ser remunerado, entre a Nautos e os clientes, elevava os preços, reduzindo a competitividade da empresa em relação aos concorrentes internacionais. Apesar de todos os esforços realizados e da qualidade de seus produtos, o volume de exportações da Nautos continuava representando uma parcela pouco significativa de seu faturamento, girando em torno dos 15%, e o problema da sazonalidade não havia sido solucionado.

No ano de 2005 a empresa rescinde o contrato com seu distribuidor europeu e volta a atender seus clientes diretamente. Os produtos são vendidos para lojas especializadas e

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estaleiros localizados em países como França, Itália, Espanha, Inglaterra, Canadá, Estados Unidos e, na América do Sul, Argentina, Uruguai e Chile. À Procura dos Melhores Ventos

Júlio e Amílcar estavam apreensivos em relação ao futuro. O que estava em jogo eram trinta anos de dedicação exclusiva a um sonho. Ambos sabiam que o sucesso futuro da Nautos dependeria das escolhas feitas e das decisões que fossem tomadas agora. Orgulhavam-se de haver construído uma empresa que hoje era a líder em seu segmento no mercado nacional e a maior empresa do ramo na América Latina, mas, ao mesmo tempo, reconheciam que isto não seria suficiente para assegurar sua sobrevivência no longo prazo.

Os principais mercados consumidores encontravam-se fora do Brasil, e a empresa precisaria necessariamente tornar-se um player global, inclusive se pretendesse ampliar sua participação no cenário nacional. Seria necessário criar as condições para competir em níveis de igualdade com os concorrentes internacionais em seus mercados domésticos para garantir vantagens competitivas sustentáveis também internamente.

A Nautos é uma marca com pouco reconhecimento nos mercados mais relevantes para os esportes a vela, como é o caso do mercado europeu. O segmento com maior potencial de crescimento é o de embarcações de pequeno porte, como as das classes Star e Laser, e a Nautos é especializada em peças e acessórios para grandes embarcações utilizadas em regatas oceânicas, onde as margens são maiores, mas o volume é bastante limitado. Todos estes eram dilemas com os quais os sócios da Nautos tinham de lidar no estabelecimento de uma estratégia de atuação.

Algumas possibilidades eram discutidas, como o estabelecimento de alianças estratégicas que possibilitassem um acesso facilitado ao mercado externo. Estas alianças poderiam ser formadas somente na área de distribuição, como forma de reduzir custos de logística, ou ainda para transferência de tecnologia, tanto para aprimorar a qualidade de sua linha de produtos quanto para desenvolvimento de linhas específicas para segmentos de mercado com maior potencial de crescimento, como as referidas classes Star e Laser.

E quanto à marca? A empresa deveria realizar investimentos para o posicionamento da marca no mercado externo ou seria mais adequado fornecer com exclusividade para um fabricante ou distribuidor com uma marca já consolidada junto aos potenciais clientes? Vender preço ou valor? Todas as opções implicavam em insegurança e riscos. Mas a pior decisão seria abster-se de decidir. Com toda a experiência acumulada no mercado náutico, a Nautos já aprendera que, sejam quais forem as condições do mar, navegar é preciso.

As recentes instabilidades também acabaram gerando alguns desentendimentos entre os sócios. Enquanto Amílcar, Diretor Administrativo e Comercial, pretende diversificar a linha de produtos e atuar em segmentos que considera mais lucrativos, Júlio, Diretor de Engenharia, acredita que a empresa deveria focar ainda mais sua atuação, implementando diferenciais de qualidade em uma linha de produtos específica para regatas oceânicas que não encontre similar no mercado mundial.

Segundo Júlio, a empresa “precisa fazer o que os clientes querem”, ainda que isso signifique uma redução da qualidade para privilegiar os preços, enquanto Amílcar assegura que “é preciso garantir o máximo de qualidade e durabilidade, demonstrando aos clientes que vale a pena pagar mais por estes benefícios.” Como se pode perceber, ambas as alternativas são possíveis de se realizar, porém são, aparentemente, mutuamente excludentes.

É preciso que os sócios cheguem brevemente a um consenso para que a Nautos possa voltar a usufruir de bons ventos, que a conduzam em direção aos novos horizontes imaginados. Poderiam inspirar-se, para tanto, em um dos conhecidos ensinamentos do

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renomado navegador brasileiro Amir Klink, segundo o qual “um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir”, pois de acordo com o mesmo navegador, “pior que não terminar uma viagem é nunca partir.”

Notas de Ensino Utilização Recomendada

O caso foi elaborado para utilização nas disciplinas de estratégia e marketing, aplicável preferencialmente a cursos de graduação. Objetivos de Aprendizagem

O caso da empresa Nautos possibilita uma série de reflexões importantes para auxiliar o processo de ensino-aprendizagem, dentre as quais se pode mencionar:

a) a importância da análise contínua do ambiente como base para o estabelecimento da estratégia e dos objetivos organizacionais, bem como das adequações da estratégia e dos objetivos às mudanças do ambiente de negócios;

b) a correta utilização do composto mercadológico para a obtenção de vantagens competitivas sustentáveis;

c) os desafios da competição no mercado global; d) o posicionamento do produto e da imagem da marca como fonte de diferenciação.

Aplicação do caso Este caso pode ser aplicado, seja ao início da aula como incentivo para a reflexão, despertando o interesse do aluno para a aprendizagem, quanto ao final da aula expositiva realizada pelo professor, como uma complementação das teorias e conceitos abordados em sala de aula.

Com o propósito de cumprir os objetivos de ensino propostos, sugere-se-se que os professores adotem os seguintes passos para aplicação deste caso de ensino:

a) propor aos alunos que, individualmente, façam a leitura do caso de ensino; b) estimular que, em pequenos grupos, de 3 a 4 pessoas, os alunos debatam e

discutam sobre a situação-problema descrita no caso e procurem analisar e examinar hipóteses e proposições para a solução do mesmo;

c) em seguida, dispor a turma em círculo e solicitar que cada grupo apresente, de forma oral, a sua análise a respeito do caso e a possibilidade que julgue mais conveniente para a solução dos problemas enfrentados;

d) realizar um fechamento do caso de ensino estudado, propondo uma conclusão a respeito das opiniões manifestadas pelos alunos e analisando as alternativas propostas pelos mesmos.

Sugere-se ainda que a etapa destinada à leitura do caso não exceda os 20 minutos de duração. Além disso, a discussão em grupo deverá ocorrer também no máximo até 20 minutos. Nessa etapa, sugere-se que o professor forneça aos grupos as questões descritas no tópico a seguir, com o intuito de incentivar a discussão e a apresentação de alternativas para a solução do conflito.

Cada grupo deverá realizar sua apresentação no tempo máximo de 10 minutos. Logicamente, o tempo total destinado para o cumprimento dessa fase irá variar de acordo com o número de grupos existentes. Cabe salientar, ainda, que o professor não deverá fornecer uma resposta definitiva para a solução do caso, pois o objetivo é que o professor faça uma mediação das análises de todas as propostas apresentadas para solução do conflito, ponderando, juntamente com os alunos, as vantagens e desvantagens de cada escolha.

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Sugestão de Questões para Análise do Caso 1. De acordo com sua análise do caso, a Nautos é uma empresa orientada para o

mercado ou para o produto? Por quê? 2. A análise do ambiente competitivo é um importante requisito para a formulação da

estratégia. Em sua opinião, a Nautos faz uma leitura adequada do ambiente? 3. Em sua avaliação, quais as principais oportunidades e ameaças com as quais a

Nautos se depara atualmente? 4. De que forma você descreveria as forças e fraquezas da Nautos, considerando as

informações fornecidas no texto? 5. Considerando as estratégias genéricas descritas por Porter, qual delas você

considera mais adequada para o caso da Nautos? Justifique sua escolha. 6. De que formas a Nautos poderia segmentar o mercado para atendê-lo com maior

eficácia e solucionar o problema de sazonalidade descrito? 7. Dentre as alternativas descritas no caso qual você elegeria se tivesse de tomar uma

decisão? Por quê? 8. Além das alternativas citadas, você proporia outras? Quais?

Alternativas para Análise Orientação mercadológica Uma abordagem possível neste caso refere-se ao tipo de orientação mercadológica

adotada pela empresa ao longo do tempo. Como é possível perceber, a origem da Nautos tem relação com o desenvolvimento de produtos. A organização especializou-se no desenvolvimento e fabricação de peças para um determinado tipo de embarcação, e passou a enfrentar dificuldades quando este mercado entrou em um processo recessivo.

Segundo Webster (1997 apud HOOLEY; SAUNDERS; PIERCY, 2005) as organizações que terão sucesso no futuro serão as que mantiverem o foco no cliente, não no produto ou na tecnologia, e que este foco deverá ser apoiado por informações de mercado capazes de ligar a voz do cliente a todos os processos de entrega de valor da empresa. É cada vez mais necessário transformar o princípio fundamental do marketing de foco no cliente de simples discurso em prioridade estratégia.

Análise do ambiente Análise do ambiente é o processo de monitoramento do ambiente organizacional para

identificar as oportunidades e os riscos atuais e futuros que podem vir a influenciar a capacidade das empresas de atingir suas metas. Nesse contexto, o ambiente organizacional é o conjunto de todos os fatores, tanto internos como externos, que podem influenciar o progresso obtido por meio da realização dos objetivos.

De acordo com Besanko et al (2006) para formular e executar estratégias bem-sucedidas, as empresas precisam compreender a natureza dos mercados em que competem. Para tanto, a natureza estrutural do setor não pode ser ignorada como base para a formulação da estratégia.

Após ter identificado a natureza de seu mercado, Besanko et al (2006) salientam que a empresa deve se organizar internamente para realizar as suas estratégias. Para cumprir com esta finalidade, a organização estabelece os termos em que os recursos serão utilizados e como as informações fluirão pela empresa.

A formulação da estratégia Para Oliveira (2007) o conceito básico de estratégia está relacionado à ligação da

empresa ao seu ambiente. E, nessa situação, a empresa procura definir e operacionalizar estratégias que maximizem os resultados da interação estabelecida.

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Os sócios da Nautos encontram-se diante de uma série de alternativas estratégicas e devem tomar uma decisão sobre qual o melhor caminho a ser trilhado para a consecução de seus objetivos. Consoante com as idéias de Porter (1998), empresas que querem ganhar vantagem competitiva devem fazer uma escolha entre as opções, uma vez que “ser tudo para todas as pessoas é uma receita para mediocridade estratégica e desempenho abaixo da média” (PORTER, 1998).

A estrutura de Porter de estratégias genéricas poderia ser utilizada, uma vez que constituem estratégias para diferenciar a principal área de negócios. Segundo Mintzberg et al (2001) Porter acredita que há dois tipos básicos de vantagem competitiva que uma empresa pode possuir: custos baixos ou diferenciação. Isso combina com o escopo de operação de uma empresa a fim de produzir três estratégias genéricas para atingir desempenho acima da média em um setor: liderança de custo, diferenciação e foco.

Uma organização pode elaborar seus negócios de várias formas. Pode desenvolver suas ofertas de produtos dentro de determinada área de negócios, pode desenvolver seu mercado via novos segmentos, novos canais ou novas áreas geográficas, ou pode simplesmente empurrar mais vigorosamente os mesmos produtos para os mesmos mercados. Isto está de acordo com Ansoff (1977) que propôs um modelo de quatro estratégias que se tornaria muito conhecido – penetração de mercado, desenvolvimento de produto, desenvolvimento de mercado e diversificação.

Segmentação e Posicionamento Uma das alternativas sob análise da Nautos é a atuação em mercados que garantem

maiores volumes de negócios. Para Kotler (2000) a segmentação de mercado é o reconhecimento básico de que cada mercado é composto de segmentos distintos, consistindo em compradores com diferentes necessidades, estilos de compra e respostas a variações na oferta.

Após definir os segmentos de mercado a serem atendidos, a Nautos deve estabelecer um claro posicionamento competitivo, que é definido por Hooley, Saunders e Piercy (2001) como a maneira pela qual os clientes percebem as ofertas disponíveis no mercado, comparadas uma em relação às outras. Assim, a empresa deve identificar o posicionamento dos concorrentes (no mercado como um todo e nos segmentos visados) para elaborar a estratégia de posicionamento da empresa.

Alianças estratégicas Uma alternativa colocada pelos sócios da Nautos é o estabelecimento de alianças

estratégicas com outras organizações que trouxessem vantagens competitivas para atuar nos mercados internacionais, que poderiam se dar nas áreas de distribuição ou de transferência de tecnologia, por exemplo.

As competências da Nautos, associadas às de um eventual parceiro, poderiam reforçar as posições de ambos no mercado náutico. Essa complementaridade poderia superar as prováveis dificuldades iniciais normalmente enfrentadas em processo de estabelecimento de alianças. Para Lewis (1992) e Doz e Hamel (2000), as divergências comuns entre concorrentes podem se transformar em forças para competir, nos mais variados setores, quando são perseguidos objetivos comuns. Obtenção dos dados

Os dados relatados no caso da Nautos foram obtidos por meio de entrevistas concedidas pelos sócios da organização e por análise documental.

Page 11: O Caso Nautos: Navegar é Preciso - Anpadanpad.org.br/admin/pdf/epq126.pdf1 O Caso Nautos: Navegar é Preciso Autoria: Cristine Hermann Nodari, Giancarlo Dal Bó, Sylv ia Maria Azevedo

 

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Bibliografia utilizada e recomendada para análise do caso ANSOFF, H. I. Estratégia Empresarial. São Paulo: McGraw-Hill, 1977. BESANKO, D.; DRANOVE, D.; SHANLEY, M.; SCHAEFER, S. A Economia da Estratégia. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. HOOLEY, G. J.; SAUNDERS, J. A.; PIERCY, N. F. Estratégia de Marketing e Posicionamento Competitivo. 3. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. DOZ, Y. L. e HAMEL, G. A Vantagem das Alianças: A Arte de Criar Valor Através de Parcerias. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2000. KOTLER, P. Marketing para o Século XXI. 6. ed. São Paulo: Futura, 2000. MINTZBERG, H. Os 5 Ps da Estratégia. In: Mintzberg, H. e Quinn, J. B. O Processo da Estratégia. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. OLIVEIRA, D. P. R. Estratégia Empresarial e Posicionamento Competitivo. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007. PORTER, M. E. Como as Forças Competitivas Moldam a Estratégia. In: Montgomery, C. A. e Porter, M. E. (ed.) Estratégia: a busca da vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1998. ROESCH, S. M. A. e FERNANDES, F. Como escrever casos para o ensino de administração. São Paulo: Atlas, 2007.