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O CASO DOS SIMULADORES DE DIREÇÃO VEICULAR: DIFICULDADES DO ARRANJO FEDERATIVO NA POLÍTICA DE TRÂNSITO DÊNIS ALVES RODRIGUES T ARCILA PERES SANTOS

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O CASO DOS SIMULADORES DE DIREÇÃO

VEICULAR: DIFICULDADES DO ARRANJO

FEDERATIVO NA POLÍTICA DE TRÂNSITO

DÊNIS ALVES RODRIGUES TARCILA PERES SANTOS

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Painel 42/127 Organização em rede para a gestão interfederativa de políticas públicas

O CASO DOS SIMULADORES DE DIREÇÃO VEICULAR:

DIFICULDADES DO ARRANJO FEDERATIVO NA POLÍTICA DE TRÂNSITO

Dênis Alves Rodrigues

Tarcila Peres Santos

RESUMO

Inspirado no modelo de sistema federativo de política pública, o Sistema Nacional de Trânsito, diferente do exemplo exitoso do SUS, apresenta grandes dificuldades na

execução dos seus serviços em função de conflitos de competências e de relacionamento entre os entes federados. O presente artigo tem como objetivo analisar através de um estudo de caso a implementação dos Simuladores de

Direção Veicular no Brasil, iniciativa de competência do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), operacionalizada pelo DENATRAN (Departamento Nacional

de Trânsito), que teve como propósito a redução no número de acidentes e mortes no trânsito. Por meio de um emaranhado de resoluções, buscou-se controlar o setor privado e os departamentos estaduais de trânsito e implantar a medida em todo o

Brasil. Entretanto, o caráter fiscalizatório e punitivo das normatizações, aliada à baixa coordenação junto aos entes federados, dificultou a adoção do uso dos

simuladores no território nacional. Hoje, o caso ilustra claramente os gargalos na execução da política de trânsito decorrentes do arranjo federativo adotado. Palavras-chaves: Política de trânsito. Simuladores de Direção veicular.

Federalismo.

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CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO

O tema da Segurança no Trânsito vem chamando cada vez mais a

atenção de autoridades nacionais e internacionais. Segundo dados do DATASUS,

em 2013, foram registradas mais de 41 mil mortes no Brasil1. No mundo todo, as

mortes decorrentes de acidentes representam mais de 1,24 milhão de vítimas por

ano. Esse cenário coloca o Brasil em 4o lugar no ranking de mortes por acidentes no

mundo, ficando atrás apenas da China, Índia e Nigéria.

Diante dos números alarmantes, a Organização das Nações Unidas

(ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançaram o Plano Global para a

Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020, com o objetivo de apoiar o

desenvolvimento de planos nacionais e locais para o enfrentamento do problema. O

Brasil aderiu como signatário do acordo mundial e desenvolveu seu Plano Nacional

de Redução de Acidentes e Segurança Viária para a década 2011-2020. Nele, há

medidas que contribuem para a redução dos acidentes, mortes e sequelas de

trânsito no país.

Essas iniciativas são de ordens diversas: passam pela adoção de

veículos mais seguros, pelo aumento da segurança nas vias urbanas e rodovias,

pelo desenvolvimento de programas e campanhas para melhorar o comportamento

dos usuários no trânsito, por investimentos em educação para o trânsito e

fiscalização, por melhorias na formação dos condutores, entre outros. Além da

redução do número de mortes e vítimas decorrentes dos acidentes de trânsito,

essas iniciativas visam também conter os gastos públicos (com resgates, tratamento

hospitalar, policiamento etc.), sociais (atrasos, ausências em função dos

congestionamentos), de infraestrutura (conserto de postes, sinalização, recuperação

de vias etc.), além dos impactos emocionais, que são incalculáveis.

Os acidentes de trânsito são decorrentes de três fatores: o fator veículo

(daí a necessidade dos equipamentos de segurança veicular, das vistorias e das

evoluções tecnológicas nos veículos), fator via (relacionado à importância dos

investimentos públicos na malha viária e à correta sinalização), e o fator humano

1 Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/pext10uf.def>. Acesso em: 29

mar. 2015.

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(que é responsável por cerca de 90% dos acidentes de trânsito, sendo a imprudência,

a negligência, a imperícia e a inexperiência do condutor as principais causas, segundo

estudo da ONU intitulado Global Status Report on Road Safety 2013).

O foco das atenções nas ações para a segurança no trânsito deve ser,

sobretudo, no fator humano. Para mudarmos o comportamento dos usuários no

trânsito, é necessário atuarmos fortemente na melhoria da formação dos condutores.

Neste sentido, o Governo tem tentado aprimorar o modelo de formação dos

motoristas e motociclistas. A tentativa de adoção dos Simuladores de Direção

Veicular no Brasil deriva dessas medidas governamentais, mas que, por diversas

dificuldade de implementação, não obtiveram o êxito esperado. Adiante iremos

discorrer sobre esse processo de implantação dos simuladores de direção veicular

no Brasil.

Segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) 2 , o

Simulador de Direção Veicular (SDV) é um equipamento composto por estrutura

física, hardware e software que uti liza recursos de simulação e realidade virtual para

o aprimoramento do processo de treinamento e formação de condutores de veículos

automotores3, com foco na categoria “B”4.

A implantação do referido SDV ocorreu a partir de um estudo denominado

“Estudo do uso de simuladores e Recursos de Realidade Virtual pra Formação de

Condutores em Auto Escola”, elaborado pela Fundação CERTI5. De posse deste

estudo, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) definiu os requisitos para o

desenvolvimento do SDV no Brasil. Entretanto, não foram definidos todos os

padrões e procedimentos para a sua aplicação.

Nota-se que foi realizado um trabalho de concepção focado no equipamento em si, em seu hardware e software, porém não houve aprofundamento no

que se refere aos requisitos pedagógicos e operacionais de aplicabilidade pelos instrutores dos CFCs. (ONSV, Avaliação dos simuladores de direção veicular, 2013).

2 Para mais informações acessar: http://www.onsv.org.br/. Acesso em: 29 mar. 2015.

3Definição extraída do relatório do ONSV, intitulado: Avaliação dos simuladores de direção

veicular.2013. Disponível em: <http://www.onsv.org.br>. Acesso em: 21 fev. 2015. 4 De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (Lei n

o 9.503, de 23/09/1997), no inciso II, do artigo

143 define-se veículo abrangido pela categoria B, como aquele motorizado, não abrangido pela

categoria A, cujo peso bruto total não exceda a três mil e quinhentos quilogramas e cuja lotação não exceda a oito lugares, excluído o do motorista.

5 Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (CERTI), Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC).

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Há no Brasil apenas quatro empresas para fornecerem o SDV 6

homologados com certificações emitidas pelos Organismos Certificadores de

Produtos (OCP), acreditados pelo INMETRO 7 e credenciados pelo Departamento

Nacional de Trânsito (Denatran).

A obrigatoriedade de utilização dos simuladores no processo de formação

de condutores estava prevista para vigorar a partir de janeiro de 2014. Todavia, por

meio da Resolução 473/14, o CONTRAN, Conselho Nacional de Trânsi to, prorrogou

esse prazo até 1o de julho de 2014. Ainda, o PL 4.449/12, que estabelecia a

obrigatoriedade dos simuladores em todo o país, foi rejeitado pela Comissão de

Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.

Esse histórico conturbado na tentativa de implementação dos

simuladores lembra muito o conhecido episódio do “Kit de Primeiros Socorros”, que

por meio da Resolução Contran no 42, de 21/05/1998, tornava obrigatório o porte

do Kit de Primeiros Socorros em veículos automotores. Essa resolução seguia a

determinação do art. 112 do Código de Trânsito Brasi leiro (CTB)8, que criou a

obrigatoriedade do estojo de primeiros socorros e a exigência de que fosse

mantido em local de fácil acesso. Mas ele foi revogado pela Câmara dos

Deputados depois das autoridades perceberem a incapacidade de aplicação do

disposto no artigo, uma vez que o uso do kit poderia causar sérios prejuízos à

saúde dos vitimados, se não uti lizados adequadamente, e que nem todos os

condutores conseguiram adquiri-lo no mercado.

Situação similar e recente é o caso dos extintores de incêndio do tipo

ABC, cuja implantação estava prevista para início de 2015. Todavia, por dificuldades

na compra deste produto, sua implantação foi prorrogada, novamente.

6 As empresas que tiveram seus simuladores homologados são: PROSIMULADOR Tecnologia de Trânsito S.A. (São Paulo – SP); REALDRIVE Simuladores Ltda. (Santa Maria – RS); REAL Simuladores Ltda. (Pouso Alegre – MG); INDRA Esteio Sistemas S.A. (Curitiba – PR), conforme

estudo do ONSV. 7

Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, para mais informações acessar: http://www.inmetro.gov.br. Acesso em: 14 mar. 2015.

8 Lei federal n

o 9.503, de 23 de setembro de 1997.

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6

Diante deste cenário, o presente artigo tem como objetivo analisar as

dificuldades do arranjo federativo na política de trânsito, tomando por base a

experiência com a implementação dos Simuladores de Direção Veicular (SDV) no

Brasil. A adoção dos SDV foi uma iniciativa de competência do Contran,

operacionalizada pelo Denatran, que teve como propósito a redução no número de

acidentes e mortes no trânsito.

A metodologia adotada para a realização deste trabalho é a de estudo de

caso, com análise da legislação e regulamentação pertinente, de estudos técnicos e

outros documentos públicos, tais como sítios eletrônicos, informações publicadas na

imprensa e audiência pública na Câmara dos Deputados.

Como ficará comprovado nas próximas páginas, a implantação dos SDV

não foi bem sucedida no Brasil, muito embora tenhamos fortes indícios (estudos e

pesquisas 9 ) da eficiência deste equipamento, melhorando o processo de

aprendizagem dos futuros condutores de veículos. Parte do insucesso se deve ao

emaranhado de resoluções do Contran que buscou controlar o setor privado e os

departamentos estaduais de trânsito para promover a adoção do simulador (SDV), o

que acabou por gerar desconfiança e descrédito na sua implantação. Assim, o

caráter fiscalizatório e punitivo das normatizações, aliada à baixa coordenação junto

aos entes federados e demais atores envolvidos, dificultou o uso dos simuladores de

direção veicular no território nacional, deixando de ser obrigatório. Hoje, o caso

ilustra claramente os gargalos na execução da política de trânsito decorrentes do

arranjo federativo adotado.

CAPÍTULO 2 – ARRANJO FEDERATIVO NO BRASIL E A SUA (DES)COORDENAÇÃO DAS POLÍTICAS DE TRÂNSITO

A Constituição Federal de 1988 inovou no pacto federativo ao colocar,

junto aos Estados e ao Distrito Federal, os Municípios como ente federativo.

Também definiu algumas atribuições aos membros da federação e, em alguns

casos, fixou as competências na execução de determinadas políticas públicas.

9 Como exemplo podemos citar o estudo do OSNV, 2013 e Lucas, 2013.

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7

Conforme destaca Schmidt (2013), tomando por referência as políticas sociais, a

estrutura institucional pós-1988 “configurou a descentralização de competências em

um federalismo de tipo cooperativo, caracterizado pela existência de funções

compartilhadas entre as diferentes esferas de governo”. Segundo Almeida e

Carneiro (2003, p. 129):

[...] o federalismo cooperativo comporta graus diversos de intervenção do

poder federal e se caracteriza por formas de ação conjunta entre instâncias de governo, nas quais as unidades subnacionais guardam significativa autonomia decisória e capacidade própria de financiamento.

Schmidt (2013, p. 37) afirma que

[...] embora marcada pela descentralização, a Carta também trouxe

aspectos de continuidade em relação ao admitido no período anterior, traduzida em uma centralidade decisória em que a União segue como ente federativo que efetivamente define qual o modelo das políticas a serem

implementadas de forma descentralizada.

Souza (2004, p. 37) também coloca que o processo de

descentralização/municipalização no Brasil não implicou a transferência de

capacidade decisória para as esferas subnacionais, mas sim a delegação de

responsabilidade sobre a implementação.

Além disso, Arretche (2012, p. 170) ainda destaca a “ [...] distinção

conceitual entre execução (policy-making) e autoridade decisória (policy decision-

making)” pois, “[...] é mais útil do que a clássica distinção entre estados federativos e

unitários para dizer os efeitos centrífugos das relações central-local [...]”. As políticas

de Saúde e Educação seriam exemplos de políticas públicas que tem clara divisão

de atribuições, pois a União normatiza (policy decision-making) e repassa verbas

para que os governos subnacionais implementem as políticas (policy-making).

Uma observação a esta análise é que, de acordo com Abrucio (2005):

A atuação coordenadora do governo federal ou de outras instâncias federativas não pode ferir os princ ípios básicos do federalismo, como a

autonomia e os direitos originários dos governos subnacionais, a barganha e o pluralismo associados ao relacionamento intergovernamental e os controles mútuos. É preciso, portanto, que haja processos decisórios com

participação das esferas de poder e estabelecer redes federativas (ABRUCIO e SOARES, 2001) e não hierarquias centralizadoras.

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A política de trânsito no Brasil foi estabelecida pelo Código de Trânsito

Brasileiro (CTB) em 1997. Para Schmidt (2013), ele define atribuições, desde o nível

federal, para a implementação descentralizada e padronizada pelos Estados e

Municípios. Ainda, de forma complementar, organismos federais emitem resoluções

– Conselho Nacional de Trânsito (Contran) – e portarias – Departamento Nacional

de Trânsito (Denatran) para padronizar a realização dos serviços de trânsito no país,

cabendo aos níveis subnacionais a implementação segundo a forma prevista para

todo o território nacional. Schmidt (2013), ainda, organiza no quadro abaixo as

competências de cada ente junto à política de trânsito.

Quadro 1 – Distribuição das competências na política de trânsito terrestre urbano no Brasil

Fonte: Schmidt (2013, p. 57)

Nota: Os dados do quadro restringem-se ao ambiente urbano, sobre o qual estados e municípios possuem atribuições de execução.

Um ponto importante a ser destacado é que, diferente do que ocorre nas

políticas de Educação e Saúde, na área de trânsito, os órgãos federais responsáveis

pela regulamentação e coordenação da política, Contran e Denatran, não repassam

verbas para a implantação e execução de políticas pelos entes subnacionais e,

também, não há vinculação de verba (porcentagem da arrecadação) prevista na

atual Constituição Federal para esta área (Trânsito).

Para analisar o caso da implantação dos Simuladores de Direção Veicular

(SDV) nos processos de habilitação na categoria “B” (carro) , vamos utilizar análises

de Arretche e Abrucio. De maneira geral, no Brasil, encontramos grandes

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9

dificuldades na implementação de políticas públicas, com destaque para a

resistência política ou burocrática – tratando-se de um Neo-Weberian State (NWS),

de acordo com POLLITT e BOUCKAERT, 2011 e RODRIGUES, 2015. Nesta linha,

temos, Arretche (1996):

[...] as feições do sistema descentralizado se tornam crescentemente

heterogêneas no território nacional, dadas as diferentes possibilidades financeiras e administrativas e as distintas disposições políticas de governadores e prefeitos [...].

É certo que temos um modelo federativo muito complexo, uma vez que

ele conjuga os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), três níveis da

federação (União, Estados e Munícipios), além de diversos partidos políticos e as

gramáticas brasileiras (Nunes, 2010)10.

Ao analisarmos a estrutura institucional do Brasil, precisamos considerar,

além da questão Federalismo x Unitarismo, a relação entre os entes federados:

[...] preciso acrescentar outro vetor analítico, pouco explorado no Brasil , bem como no estudo de outros países. Trata-se da análise do problema da

coordenação intergovernamental, isto é, das formas de integração, compartilhamento e decisão conjunta presentes nas federações. (Abrucio, 2005, p. 41)

A política de trânsito mostra claramente a necessidade de uma

coordenação federal, realizada através do Contran e do Denatran (policy decision-

making), conforme diretrizes do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Cabendo aos

estados e municípios a execução da política (policy-making).

Dentro desta linha de raciocínio temos que:

[...] resultados de políticas públicas não podem ser diretamente deduzidos

da categoria federalismo nem mesmo da categoria descentralização. Diferentemente, dependem do modo como se combinam essas distintas dimensões nas políticas setoriais. Diferentes arranjos setoriais relativos à

autoridade para executar políticas, para tomar decisões com relação às regras de sua execução e, finalmente, de controle sobre recursos, afetam decisivamente a capacidade de discordância dos governos subnacionais.

(ARRETCHE, 2012, p. 147)”

10

Este último é uma referência ao livro de Nunes (2010), conforme consta nas referências deste trabalho, onde o autor debate o clientelismo, o corporativismo e o insulamento burocrático no

Brasil.

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10

Nos casos das políticas onde há o repasse de verbas para a sua

execução, há maior tendência à adesão dos entes federados à coordenação federal.

No entanto, temos políticas, como a de Trânsito, onde há forte regulamentação

federal, sendo boa parte realizada pelo Poder Executivo, mas não há repasse de

verbas aos governos subnacionais. Quanto a questão da regulamentação federal,

segundo Arretche (2012, p.162):

A edição de portarias ministeriais tem sido o principal instrumento de coordenação das ações nacionais em saúde. Isso quer dizer que a principal

arena de formulação da política nacional tem sido o próprio poder executivo

federal e, marginalmente, o Congresso Nacional.

Ainda assim, não pretendemos defender que os órgãos subnacionais

carecem de maior poder de decisão, pois em alguns casos isso causaria diferentes

formas de implantação da política e diferentes regras para o mesmo setor.

A superação dessas dificuldades não pode ocorrer apenas por iniciativa dos governos locais, dada exatamente sua heterogeneidade na capacidade de

mobilizar recursos próprios e dada a escala local de sua atuação. Apenas o

governo central pode desempenhar essa tarefa, sob pena de que se

aprofundem as desigualdades regionais. É certo que uma proposição desse

tipo não está isenta de preferências e valores, mas parece-me que as tendências de reforma do Estado brasileiro apontam para um novo papel a

ser desempenhado pelo governo federal: de forte regulação das políticas

nacionais, de correção das desigualdades regionais e de compensação das

insuficiências locais. (ARRETCHE, 1996).

Mas a centralização da decisão no poder executi vo federal exige uma

grande responsabilidade na coordenação das políticas públicas. Também necessita

de acompanhamento da sua execução, monitoramento e fiscalização dos atores

envolvidos em nível subnacional para garantir a sua efetividade. Além disto, a falta

de financiamento federal sugere uma grande necessidade de convencimento e

articulação junto aos demais atores envolvidos no processo.

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11

CAPÍTULO 3 – O CASO DOS SIMULADORES DE DIREÇÃO VEICULAR (SDV)

Neste capítulo será estudado o caso da implantação dos simuladores de

direção veicular (SDV), coordenada pelos atores federais (Contran e Denatran) e

implementadas pelos Departamentos de Trânsito Estaduais e Distrital (Detran).

Processo este que contou com a participação dos Centros de Formação de

Condutores (CFCs) e das empresas homologadas para fabricarem e

comercializarem o Simulador de Direção Veicular (SDV), além de impactar

diretamente na vida de milhares de cidadãos.

Para atingir este objetivo utiliza-se a metodologia do estudo de caso, a

qual iremos explicar e justificar na próxima seção.

3.1 Aspectos metodológicos

A opção pelo estudo deste caso teve vários fatores motivadores.

Primeiramente, este é um caso de grande repercussão e debate nacional,

impactando diretamente na vida da população que está se habilitando na categoria

“B”, bem como dos demais atores envolvidos no processo. Além disso, é um caso

contemporâneo, tornando-o um bom laboratório para estudos. Para termos uma

ideia dos números da área de Trânsito, em 2009, o Brasil tinha mais de 51 milhões

de condutores habilitados11.

Ainda, reforçando a importância de analisarmos a política de trânsito, tem-

se a oportunidade de estudar casos relacionados às atividades-fim do Estado, já que

nestas situações a população percebe melhor os seus impactos e pode avaliar

melhor os seus resultados, pois:

Os desdobramentos da implementação de boas ações de gestão pública(...) ainda não foram capazes de produzir impactos no âmbito das áreas

finalísticas. Há exceções, mas a regra acompanha o paradoxal contraste relativo à modernização dos meios descolada de avanços nas atividades -fim. Abrucio e Gaetani (2006, p. 23-24).

11

Informação extraída do sítio eletrônico da AND (Associação Nacional dos Departamentos de Trânsitos), disponível em: <http://www.and.org.br/o-transito-em-numeros>. Acessado em 17 jan.

2015.

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12

Quanto à escolha da metodologia de caso único (single case), é

justificada nas palavras de Mariotto et al (2014, p. 362), pois “a single case study

may bring an important contribution to theory development if the particulars of the

case are seen as opportunities to make further adjustments in an already crystallized

understanding of reality.”.

Por outro lado, procurando dar maior consistência ao presente estudo,

será realizada a triangulação de informações (MARIOTTO et al., 2014; YIN, 2010),

através de uma adequada revisão de literatura, análise das legislações e

regulamentações envolvidas, bem como dos manuais e estudos atinentes, além de

pesquisa e análise das entrevistas concedidas aos meios de comunicação, notas e

informativos publicados na imprensa, análise dos sítios eletrônicos das categorias

(classes como os CFCs) e órgãos envolvidos, onde procuraremos extrair com maior

exatidão os acontecimentos neste processo.

3.2 Estudo de caso da implantação dos simuladores de direção nos processos

de habilitação

Para bem compreender todo este processo, precisa-se analisar o seu

histórico, principalmente quanto à sua formulação e implementação. Destacamos

alguns momentos importantes ao longo do processo de implementação dos

simuladores: as inúmeras resoluções Contran que alteraram o processo de

habilitação, a escolha do formato para homologação dos respectivos equipamentos

de SDV e as diversas prorrogações quanto ao início da obrigatoriedade das aulas no

SDV para o processo de habilitação na categoria “B” (carro) .

Podemos entender como marco inicial desta política pública o ano de

2009, quando o Denatran solicitou que estudos fossem realizados pela Fundação

Certi, através do Termo de Cooperação Técnica firmado com a Universidade Federal

de Santa Catarina (conforme Portaria Denatran no 642 de 11 de dezembro de 2009),

onde foi realizada uma análise para avaliar a importância e necessidade de se

adotar a utilização de SDV no processo de habilitação da categoria “B” (carro).

Como resultado, o estudo apresentou parecer favorável e sugeriu

especificações técnicas (de hardware e software, principalmente) que constaram,

oportunamente, das resoluções do Contran.

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13

Assim, considerando o ciclo da política pública, e analisando o momento

da formulação de alternativas (SECCHI, 2010, p. 33), percebemos que houve a

preocupação em realizar um estudo preliminar para verificar a necessidade e

adequação da proposta de SDV. Todavia, vale reforçar que o estudo não abordou

questões sobre a implementação do simulador de direção veicular, nem sugeriu em

que momento do processo de habilitação ele deveria ser inserido. Ele se ateve às

questões técnicas, pedagógicas e objetivas de sua utilização e formatação

(hardware e software).

Assim, a partir deste momento, sucederam inúmeras resoluções do

Contran que procuravam regulamentar a implantação e utilização dos SDV, bem

como regular a atividade dos Detrans, CFCs e empresas homologadas para

fabricarem e venderem o SDV, num processo que incluía diversos atores, em vários

estados, inclusive alguns contrários à sua implantação.

Antes de debatermos as regulamentações, procurando facilitar a

compreensão do processo de primeira habilitação (permissão para dirigir12) para a

categoria “B” (carro), a figura 1, abaixo, mostra o seu fluxo sem a inserção das aulas

de simuladores de direção veicular.

Figura 1: Diagrama básico com as principais etapas do processo de primeira habilitação, antes da inserção das aulas em simuladores de direção veicular.

Fonte: Elaboração própria com base na legislação de trânsito e na regulamentação do CONTRAN.

Notas: (1) Com fundo azul (“Permissão para dirigir”) é demonstrado o recebimento do respectivo documento.

(2) LADV – Licença para Aprendizagem de Direção Veicular.

12

Conforme parágrafo 2o, do artigo 148 do CTB (Lei n

o 9.503, de 23 de setembro de 1997).

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14

Também para compreender melhor este complexo emaranhado de

regulamentações, o quadro 2, abaixo, permite uma visão global das principais

regulamentações que procuraram implantar a utilização do SDV no Brasil.

Quadro 2: Síntese das principais normas que regulamentaram a utilização dos

simuladores de direção veicular

Norma Data Principais impactos

Portaria

DENATRAN no 642

Dezembro/2009 Solicita estudos sobre o Simulador de Direção

Veicular (SDV) para a categoria “B”.

Resolução

CONTRAN no 420

Outubro/2012 Primeira regulamentação da utilização do SDV

para a categoria “B”. Coloca o simulador como obrigatório e com implantação até 30/06/2013.

Resolução

CONTRAN no 422

Novembro/2012 Disciplina a nova estrutura curricular básica do

curso teórico-técnico de formação de condutores para obtenção da Permissão para Dirigir na categoria “B”, incluindo o SDV.

Resolução

CONTRAN no 423

Novembro/2012 Permite o uso comparti lhado do SDV pelas

entidades de ensino (CFC).

Resolução

CONTRAN no 435

Fevereiro/2013 Altera as aulas em SDV, que são desvinculadas

do curso teórico-técnico e colocadas após o exame teórico e antes da realização das aulas práticas, podendo ser oferecidos pelos CFCs do

tipo “A”, “B” e “AB”(1).

Resolução CONTRAN

no 444

Junho/2013 Altera, novamente, as aulas em SDV, agora passam a ser ministradas após início das aulas

teóricas e antes da expedição da Licença para Aprendizagem de Direção Veicular (LADV). Prorroga a implantação para até 31/12/2013. Cria

obrigações para as empresas que querem fabricar e fornecer SDV.

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15

Resolução

CONTRAN

no 473

Fevereiro/2014 Altera as aulas em SDV, novamente, passando a

ser ministradas após a conclusão das aulas teóricas

e antes da expedição da Licença para Aprendizagem de Direção Veicular (LADV). Prorroga a obrigatoriedade dos simuladores para

01/07/2014.

Resolução

CONTRAN

no 493

Junho/2014 Aumenta a carga horária dos processos de

habilitação (formação de condutores de veículos),

deixa facultativa a utilização das aulas em SDV, podendo uma parte das aulas práticas serem trocadas por aulas em SDV. Embora suas regras

entrassem em vigor a partir de 1o de dezembro de 2014, ele faculta que algumas aulas práticas já

pudessem ser trocadas por aula em SDV, no período compreendido pela publicação da norma até a data em que ela entra em vigor.

Fonte: Elaboração própria, com base nas respectivas regulamentações

Nota: (1) O CFC do tipo “AB” pode exercer as atividades do CFC do tipo “A” (que fornecem o curso

teórico-técnico dentro do processo de habilitação) e do CFC do tipo “B” (que fornecem os serviços de

ensino prático – aulas práticas, dentro do processo de habilitação), conjuntamente.

Diante deste quadro, evidencia-se a falta de capacidade de coordenação

dos órgãos federais para a implantação desta política pública. Esta questão é

ressaltada por Schmidt (2013, p. 101), onde: “Em eventos da área, gestores públicos

e representantes de organizações estatais e não governamentais têm debatido

sobre a necessidade de melhor aparelhamento institucional e de recursos humanos

para a entidade.”. Assim, percebe-se que há falta de uma estrutura organizacional

(aqui nos referimos ao tipo de entidade, funcionários técnicos, recursos financeiros e

orçamentários, bem como uma maior autonomia) e a capacidade de coordenação.

Outro ponto que fica explícito, com base no quadro 2, são as inúmeras

mudanças do momento em que o curso em SDV deveria ser implantado dentro do

processo de primeira habilitação para a categoria “B”, o que demonstra falta de

planejamento pedagógico, inclusive.

Esta questão se mostra deveras importante, pois afeta, e muito, qual

participante (ator) do processo irá comprar e disponibilizar o serviço ao cidadão.

Dentro do processo de habilitação, temos os Centro de Formações de Condutores do

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16

tipo “A” e os Centros de Formação de Condutores do tipo “B”13, que são credenciados

pelos Departamentos de Trânsito Estaduais e o Distrital, os quais devem autorizar e

fiscalizar o seu funcionamento. Por outro lado, temos o cidadão que convivia com a

indefinição quanto ao momento em que deveria fazer o curso e quanto à sua

obrigatoriedade. Ainda, a adoção dos SDV impactaria, necessariamente, em aumento

do custo para o cidadão se habilitar na categoria (“B”).

O debate volta a se fortalecer dentro do Legislativo (Câmara dos

Deputados), principalmente por conta do projeto de Decreto Legislativo no

1.263/2013, que visou sustar a aplicação da Resolução no 444, de 25 de junho de

2013, do Conselho Nacional de Trânsito.

Por derradeiro, após muitos debates e com muitos estados que optaram

por não implantar as aulas em SDV, o Contran, como uma última tentativa de

implantar a política, ou ao buscar uma saída honrosa, publica a Resolução no 493,

de 05/06/2014. Nesta, ele torna a utilização do SDV facultativa, podendo trocar aulas

de direção em veículos (aulas práticas) por aulas em SDV, conforme consta no

quadro 2, acima. Um ponto importante nesta resolução é que, paralelamente, o

Contran aumenta a quantidade de aulas práticas necessárias para se habilitar

(obtenção da CNH).

Há que se fazer um adendo importante, uma vez que durante esse

processo o debate é reforçado na Câmara dos Deputados, tendo em vista o Projeto

de Lei no 4.449/2012, que propunha tornar obrigatório a uti lização do SDV nos

processos de habilitação.

Diante deste quadro, é possível imaginarmos o quão complexo esta

questão foi para o cidadão que tentava entender todo o processo de habilitação na

categoria “B”, considerando as possíveis mudanças em seu fluxo em decorrência

destas alterações, pois, em situações normais, a legislação de trânsito já é

“complexa, o que dificulta o entendimento e compreensão de todas as regras e

todas as situações previstas por parte dos cidadãos.” Rodrigues (2015, p. 111).

Neste caso, sua complexidade foi aumentada.

Para facilitar a compreensão dos atores envolvidos neste processo, bem

como suas responsabilidades e dificuldades, tem-se o quadro 3, abaixo.

13

Conforme relatórios, entrevistas e sítios eletrônicos pesquisados, os preços dos simuladores de

direção veicular – SDV, variam entre R$30 mil e R$40mil.

Page 17: o caso dos simuladores de direção veicular: dificuldades do arranjo

17

Quadro 3: Atores x Responsabilidades x Dificuldades

Órgão Responsabilidade Dificuldade

Contran – Conselho

Nacional de Trânsito

Regulamentação da

implantação do SDV

Efetuar proposta

(regulamentação), considerando as

oposições encontradas durante o processo.

Denatran – Departamento Nacional

de Trânsito

Formulação da proposta e responsável pela

coordenação federal da implantação, homologar

empresas que fornecem SDV, além de apoiar o Contran

Efetuar pesquisa, proposta e,

principalmente, coordenar a implantação junto aos

órgãos estaduais, CFCs e empresas do setor

(SDV).

Detran – Departamento Estadual de Trânsito e

Distrital

Implantar a norma

federal em seu estado ou distrito, executando

a política e fiscalizando os participantes do processo

Coordenar a

implantação, no estado, uma vez que cabe aos

CFCs, via de regra, adquirirem o SDV

CFC – Centro de

Formação de Condutores

Comprar o equipamento

(SDV) e ministrar as respectivas aulas

Custo do SDV e insegurança na

efetivação de sua implantação e

obrigatoriedade.

Empresas homologadas

para fabricarem e venderem o SDV

Adequarem-se as normas e

disponibilizarem o SDV em todo o país

Instalarem o SDV em

CFCs de todo o país e insegurança quanto a

efetivação da implantação (obrigatoriedade) do

SDV.

Cidadão

Pagar pelas aulas e

conhecer o processo de habilitação

Aumento do custo do

processo com a implantação do SDV e

insegurança quanto a sua obrigatoriedade e

data de implantação.

Fonte: Elaboração própria

Nota: (1) Quadro feito com base nas legislações e normatizações federais e estaduais, além das

análises das publicações na imprensa.

Page 18: o caso dos simuladores de direção veicular: dificuldades do arranjo

18

Novamente o debate sobre este tema é aprofundado na Câmara dos

Deputados, uma vez que em abril/2014 o PL 4.449/2012, já mencionado, é

considerado inconstitucional pela Comissão de Constituição e Justiça e de

Cidadania (CCJC). Todavia, a Câmara dos Deputados realizou uma audiência

pública, em 23/04/2014, onde propõe a discussão do tema.

De acordo com informações do sítio eletrônico da Câmara dos

deputados14, a referida audiência pública trouxe argumentos que defendem os dois

pontos de vista, ou seja, os que apoiam a utilização dos simuladores de direção

veicular (SDV) e os que são contrários à sua implantação. O quadro abaixo procura

explicitar estes posicionamentos.

Quadro 4: Síntese das visões dos atores que participaram da audiência pública na Câmara dos Deputados sobre a implantação dos simuladores de direção veicular em

23/04/2014

Ator Posicionamento quanto a

implantação do SDV

Denatran Favorável

Sindicato dos Centros de Formação de Condutores do Rio Grande do Sul

Favorável

Sindicato das Auto Moto Escolas e Centros de Formação de Condutores de São Paulo

Favorável

Sindicato das Autoescolas do Ceará Contra

Federação Nacional das Autoescolas e Centro de Formação de Condutores

Contra

Federação Nacional das Autoescolas e Centro de Formação de Condutores

Favorável

Deputado federal Domingos Sávio (PSDB-MG) Favorável

Deputado federal Hugo Leal (Pros-RJ) Favorável

Deputado Federal Marcos Rogério (PDT-RO) Contra

Fonte: Elaboração própria

Nota: (1) Esta análise foi feita com base no discurso realizado pelo respectivo ator durante a citada audiência pública, conforme informações publicadas no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados

15.

(2) Embora o posicionamento do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), no documento sobre a avaliação do SDV se coloca favorável a utilização do SDV, na citada audiência pública, seu representante se mostrou favorável a utilização do SDV, mas fez críticas a qualidade dos

equipamentos até então disponíveis, por este motivo não foi registrado no quadro acima.

14

Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/>. Acesso em: 7 mar. 2015. 15

Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRANSPORTE-E-TRANSITO/466438-USO-OBRIGATORIO-DE-SIMULADORES-POR-AUTOESCOLAS-GERA-

POLEMICA-EM-AUDIENCIA.html>. Acesso em: 10 jan. 2015.

Page 19: o caso dos simuladores de direção veicular: dificuldades do arranjo

19

Com base nos relatos foi criado o gráfico 1, abaixo, que retrata as

divergências sobre a implantação do SDV.

Gráfico 1: Análise dos posicionamentos dos participantes da Audiência pública na Câmara dos Deputados sobre a implantação do simulador de direção veicular

Fonte: Elaboração própria

Nota: (1) Realizado com base nos relatos da audiência pública, conforme sítio eletrônico: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRANSPORTE -E-TRANSITO/466438-USO-

OBRIGATORIO-DE-SIMULADORES-POR-AUTOESCOLAS-GERA-POLEMICA-EM-AUDIENCIA.html, Acesso em: 10 jan. 2015.

Conforme o Gráfico 1, depreende-se que não há uma unanimidade

quanto à importância da implantação do SDV, mesmo com 66,67% dos atores

tenham se mostrado favoráveis a sua implantação. Por outro lado, é importante

percebermos que não houve posicionamento de Detrans registrados, o que poderia

enriquecer a análise. Mas, considerando as informações levantadas, as causas que

aparecem como motivadoras do problema da implementação do SDV são: a falta de

planejamento, apoiada nas constantes alterações da regulamentação; a falta de um

maior debate sobre o assunto com os atores envolvidos no início do processo; este

que só veio a ocorrer quando o problema já estava evidenciado; dúvidas sobre a

eficácia da utilização dos simuladores de direção veicular (SDV), apoiada na falta de

pesquisas; e o preço do SDV.

66,67%

33,33%

Relação Favoráveis x Contra

Favorável

Contra

Page 20: o caso dos simuladores de direção veicular: dificuldades do arranjo

20

A conclusão, em termos de regulamentação, até o presente momento, foi

a alteração feita pelo Contran, através da Resolução no 493/2014, de 05 de junho de

2014, que aumentou a carga horária das aulas práticas de direção veicular para no

mínimo de 25 (vinte e cinco) horas/aula – no caso de primeira habilitação – e o

mínimo de 20 (vinte) horas/aula – no caso de adição de categoria. Ainda, manteve o

percentual de 20%, em ambos os casos, de aulas noturnas.

Assim, aceitando a dificuldade da implantação da obrigatoriedade do

SDV, a citada norma também tornou sua utilização optativa e permitiu, como forma

de incentivar o seu uso, a substituição das aulas de prática de direção veicular para

a categoria “B” por aulas realizadas em SDV, limitadas a 30% (trinta por cento).

Tendo em vista a gama de alterações, foi dado um novo prazo para

adaptação de todos os atores envolvidos nos processos em pauta: 1o de dezembro

de 2014.

3.3 Federalismo no Brasil e as Políticas de Trânsito – análise com base no

estudo de caso

Tendo em vista o estudo efetuado na seção anterior, vamos agora

analisa-lo à luz da teoria escolhida.

Desta forma, vale ressaltar que parte significativa da teoria é embasada

na centralização regulatória do setor, indicando que, embora tenhamos um modelo

federativo, existe uma centralização, principalmente da normatização, das políticas

no Brasil. As informações levantadas neste trabalho nos permite depreender que, de

fato, a normatização do setor é centralizada na União, cabendo, subsidiariamente

aos Departamentos de Trânsito ou aos órgãos de trânsito estaduais, distrital e

municipais, a regulamentação da adequação da norma federal em sua unidade

federativa.

Estes apontamentos se baseiam, principalmente, no fato de que a política

de Trânsito tem sua base no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), lei promulgada

pelo Congresso Nacional, que repassa grande poder de regulamentação para o

Executivo da União, poder este exercido pelo Contran. Mas cabe ao Denatran a

execução em nível federal, principalmente quanto a coordenação das políticas de

Trânsito em todo o Brasil.

Page 21: o caso dos simuladores de direção veicular: dificuldades do arranjo

21

Outro ponto que foi ressaltado na teoria é que, em outras políticas,

projetos têm êxito por conta do repasse de verbas federais aos entes subnacionais.

Todavia, percebemos que na área de Trânsito isso não ocorre, pois muito embora

existam verbas que são vinculadas à área (principalmente para educação e

fiscalização do trânsito), elas não têm sido utilizadas, ficando contingenciadas no

orçamento federal (SCHMIDT, 2013 p .99-100).

O que ocorre, de fato, é que os órgãos subnacionais precisam arcar com

os custos de implementação dos projetos da área de Trânsito e, quando estes são

repassados para o cidadão ou para as empresas do setor, como os Centros de

Formação de Condutores (CFC), como ocorreu neste caso, esses atores passam a

ter um grande poder de veto aos projetos.

Os custos dessa implantação recaem sobre os CFCs, que precisam

adquirir o SDV, e ao cidadão, que arcará com os custos das aulas com simuladores

(SDV). Ou seja, o cidadão, além de ficar inseguro durante todo o debate, com

incertezas em relação aos procedimentos para o processo de habilitação, ainda

arcará com os custos das alterações nos procedimentos.

Uma questão bastante significativa neste processo é a falta de estrutura

dos órgãos federais de Trânsito para estabelecer, de forma definitiva, o

delineamento da implementação do SDV, o que fez a iniciativa cair em descrédito.

Soma-se, ainda, a falta de planejamento e articulação, pois esses órgãos não

incluíram, desde o início do debate, atores importantes que poderiam ajudar a

implementar essa medida. Ocorreu que, até pela falta de financiamento federal, os

atores contrários à sua implantação utilizaram suas forças e poderes de veto para

dificultá-la. Isso foi observado principalmente junto aos CFCs, que iriam arcar com

parte dos aumentos dos custos por terem que adquirir o SDV, e os Departamentos

de Trânsito Estaduais (policy-making), que são responsáveis por implementar de

fato a política nos estados, regulamentando e fiscalizando todo o processo.

Assim, procurando evidenciar a aplicação do modelo teórico nas políticas

de trânsito, efetuou-se o quadro 5, abaixo:

Page 22: o caso dos simuladores de direção veicular: dificuldades do arranjo

22

Quadro 5: Distribuição intergovernamental de funções em políticas selecionadas –

Brasil

Área Normatização Financiamento Execução

Educação Federal Estados e municípios

Vinculação de gasto

Estados e municípios

Saúde Federal Transferências federais

Vinculação de gasto

Estados e

municípios

Habitação

Popular Federal

Transferências federais

Receitas próprias

Estados e

municípios

Saneamento Federal Transferências federais

Receitas próprias Estados e municípios

Transferência de Renda

Federal Federal Estados e municípios

Trânsito

Federal, subsidiariamente

Estados e

municípios

Estados e municípios (1) Estados e municípios

Fonte: Adaptação e complementação dos autores, com base no quadro 1. Distribuição

intergovernamental de funções em políticas selecionadas – Brasil, elaborado por Arretche, 2012, p.169.

Nota: (1) No caso da política de trânsito, também é importante ressaltar a participação do setor

privado, como por exemplo neste caso em estudo, pois foram responsáveis por fornecer e adquirir (CFCs) o SDV.

Page 23: o caso dos simuladores de direção veicular: dificuldades do arranjo

23

CAPÍTULO 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa procurou mostrar as dificuldades na execução da

política de trânsito, explicitando o complexo arranjo federativo que a envolve. Ainda,

procurou, com base no estudo de caso da implantação dos simuladores de direção

veicular (SDV), levantar alguns dilemas enfrentados pela área de trânsito.

Fica evidenciado que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran), órgão

federal, possui uma estrutura limitada, não realizou todos os estudos necessários,

nem um adequado planejamento para a implementação desta grande política

pública. Tudo isso gerou inúmeras mudanças de procedimentos e a não finalização

da implantação dos SDV, o que trouxe descrédito ao projeto e insegurança aos

atores envolvidos. Além disso, o seu braço executivo, o Departamento Nacional de

Trânsito (Denatran), não conseguiu coordenar e efetivar a implementação dos

simuladores (SDV), sobretudo em função da estrutura organizacional limitada.

Assim, resta claro que os entes do executivo federal responsáveis pela

coordenação e implementação das políticas de trânsito, precisam passar por

reestruturação administrativa, sendo dotados de maior autonomia administrativa e

financeira, de corpo técnico próprio capaz de auxiliar na condução das políticas de

trânsito, exercendo de forma efetiva o seu papel.

Quanto à questão federativa, verifica-se que o insucesso dessa

implantação se deu, em alguma medida, pela falta de repasse de recursos

financeiros federais e pela falta de vinculação na Constituição para gasto na área de

Trânsito. Isso fortalece os órgãos subnacionais e o mercado privado

(regulamentado), que passam a criar uma força contrária à adoção das medidas, e

que, neste caso, impediu a implantação do SDV de forma obrigatória em todo o

território nacional.

Devido à falta de financiamento da União, é necessário que os órgãos

federais citados procurem maior apoio dos atores envolvidos na execução da

política, articulando-se melhor e debatendo mais os temas e os problemas que

deverão ser enfrentados na implantação, visando diminuir, assim, as possibilidades

de veto e otimizando as chances de sucesso da iniciativa.

Page 24: o caso dos simuladores de direção veicular: dificuldades do arranjo

24

Finalizando, é necessário ressaltar que, apesar da limitação desta análise

de um único caso, por meio da triangulação dos dados e da narrativa, ilustramos os

descompassos do arranjo federativo na política de trânsito.

Uma oportunidade que surge é a necessidade de estudarmos melhor as

duas organizações, Contran e Denatran, procurando verificar, de forma mais

detalhada, a viabilidade de uma reforma administrativa para obter melhores

resultados junto à coordenação da política de trânsito.

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AUTORIA

Dênis Alves Rodrigues – Especialista em Políticas Públicas da Secretaria de Planejamento e Gestão do Governo do Estado de São Paulo. Mestre em Gestão de Políticas Públicas – EACH-USP.

Membro do GETIP/EACH-USP – Grupo de Estudos em Tecnologia e Inovações na Gestão Pública..

Endereço eletrônico: [email protected]

Tarcila Peres Santos – Especialista em Políticas Públicas da Secretaria de Planejamento e Gestão do Governo do Estado de São Paulo. Mestre em Gestão de Políticas Públicas – FGV-SP.

Endereço eletrônico: [email protected]