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MARIA ALCINA RIBEIRO CORREIA AFONSO DOS SANTOS ELITES SALAZARISTAS TRANSMONTANAS NO ESTADO NOVO O CASO DE ARTUR ÁGUEDO DE OLIVEIRA (1894-1978) Dissertação de Doutoramento em Letras, Área de História, especialidade de História Contemporânea, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sob a orientação do Professor Doutor Luís Manuel Soares dos Reis Torgal. FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA – 2011

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  • MARIA ALCINA RIBEIRO CORREIA AFONSO DOS SANTOS

    ELITES SALAZARISTAS TRANSMONTANAS NO ESTADO NOVO

    O CASO DE ARTUR GUEDO DE OLIVEIRA (1894-1978)

    Dissertao de Doutoramento em Letras,

    rea de Histria, especialidade de Histria

    Contempornea, apresentada Faculdade de

    Letras da Universidade de Coimbra, sob a

    orientao do Professor Doutor Lus Manuel

    Soares dos Reis Torgal.

    FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA 2011

  • Para os meus filhos Guilherme, Jos Manuel e Ins

  • RESUMO

    O assunto deste estudo, Elites Salazaristas Transmontanas no Estado Novo o Caso de Artur guedo de Oliveira (1894-1978), consiste na abordagem de uma interpretao possvel das bases ideolgicas nas quais assentou a poltica estadonovista, com particular relevncia reflexiva

    sobre a biografia de um Homem que, alm de idelogo do regime, foi uma mo poderosa e

    incansvel que o cultivou e serviu durante dcadas, marcando de alguma forma, a Histria das

    Ideias e Mentalidades do Portugal Contemporneo, com incidncia na regio de Trs-os-Montes.

    Para alm do conhecimento da carreira de guedo de Oliveira nos aparelhos poltico,

    administrativo, econmico e financeiro do Estado Novo, foi elaborado um estudo da sua

    actividade nos aspectos ideolgico, doutrinrio e cultural.

    Com efeito, para uma compreenso e juizo crtico acerca deste Poltico do Estado Novo, na

    globalidade e profundidade suficientes e justificativas da sua insero na Histria do Portugal

    Contemporneo, afigura-se este tema como original, e de relevante interesse no alargamento das

    perspectivas e vias de interpretao do referido perodo histrico, bem como para o conheci-

    mento da influncia da elite poltica salazarista de Trs-os-Montes. A metodologia utilizada no

    foi, por conseguinte, cronolgica, pese embora o acompanhamento do percurso poltico de

    guedo de Oliveira, mas, essencialmente, temtica e evolutiva, na medida em que, nos vrios

    captulos, se vai desenrolando o fio condutor da sua Ideologia e da sua Aco Poltica, no

    descurando o seu relacionamento com o elenco governamental a que pertenceu, em analogia e

    consonncia com a Identidade do Regime.

    A demonstrao que guedo de Oliveira poder, efectivamente, ser considerado um orador

    poltico, difusor da Propaganda do Estado Novo na sua generalidade (veja-se o captulo primeiro

    O modo transmontano de ser salazarista, o captulo terceiro O poder e as elites e o captulo

    quinto guedo de Oliveira: um percurso poltico, de S. Bento ao Terreiro do Pao) e do Regime

    Salazarista em particular, constitui tambm um objectivo deste estudo. A imitao do Mestre de

    Coimbra (Salazar), sempre pretendida, mas nem sempre conseguida por guedo de Oliveira,

    auscultada no percurso da sua carreira poltica de ministro, deputado, brao activo de

    estruturas como a Legio Portuguesa e a Unio Nacional foi tratada, respectivamente, no

    captulo quarto guedo de Oliveira, o pupilo de Salazar, e no captulo stimo A Ideologia de

    guedo de Oliveira.

    Uma interpretao extensiva regionalista (Trs-os-Montes) da actividade poltica de

    guedo de Oliveira, onde o Regime se implantou com profundas razes, de onde provieram,

    juntamente com ele, outras mos direitas (Ministros) que asseguraram e difundiram as linhas

    mestras estadonovistas, fez parte, tambm, do contedo deste estudo.

  • O ltimo aspecto focado, constituindo o tema do captulo oitavo Alguns contedos

    temticos da sua Biblioteca, traduziu-se numa via de, sem ultrapassar a natureza essencial do

    tema (intrinsecamente poltico), captar as linhas programticas extrinsecamente demonstrativas

    do facto de um Poltico do Estado Novo acumular a Prtica com a Ideologia, a Aco com as

    Convices, a Formao com a Informao, indubitavelmente presentes no Caso de

    guedo de Oliveira.

    Nas Concluses, aproximadas e no definitivas, formulam-se as seguintes perguntas:

    Quem foi o Homem guedo de Oliveira?

    Em que sentido poder ser interpretado como um Homem Prtico de Salazar?

    Fazem parte integrante desta dissertao dois volumes anexos:

    - O Volume Anexo I: Documentos O enunciado lgico da sua Ideologia;

    - O Volume Anexo II: Esboo de uma imagem da sua fotobiografia.

  • ABSTRACT

    The subject of the study Elites Salazaristas Transmontanas no Estado Novo O Caso de

    Artur guedo de Oliveira (1894-1978) [Salazars Elites in Trs-Os-Montes During the Estado

    Novo- The Case of Artur guedo de Oliveira (1894-1978)] is a possible interpretation of the

    ideological basis of the politics behind Estado Novo, with a particular reflexive emphasis on the

    biography of a man who was not only an ideologist from the regime, but also a powerful and

    restless hand that nourished and served the regime for decades, thus marking the History of Ideas

    and Mentalities of Contemporary Portugal, particularly in the region of Trs-os-Montes.

    One studied the career of guedo de Oliveira within the political, administrative, econo-

    mic and financial structures of the Estado Novo, as well as his activity regarding ideological,

    doctrinal and cultural aspects.

    In effect, to fully understand and elaborate a critical appraisal on this politician and his role

    within the Portuguese contemporary history, both globally and in depth, this theme is original

    and interesting to broaden the perspectives on and interpretation routes of the period being

    studied, as well as to understand the influence of Salazars political elites in Trs-os-Montes.

    Therefore, the methodology used was not chronological (although guedo de Oliveiras political

    career is followed), but rather thematic and evolutionary, since the different chapters develop the

    ideology behind his main line of thought and his political action, his relationship with the

    government, in an analogy with the Identity of the regime.

    The proof that guedo de Oliveira may, in fact, be considered a political speaker,

    a diffusor of the general Propaganda of the Estado Novo (please refer to the first Chapter

    O modo transmontano de ser salazarista [The Trs-os-Montes way of following Salazar], third

    chapter O poder e as elites [The power and the elites], and the fifth chapter guedo de

    Oliveira: um percurso poltico, de S. Bento ao Terreiro do Pao [guedo de Oliveira: a political

    path, from S. Bento to Terreiro do Pao]) and particularly of Salazars Regime is also an

    objective of this study. The imitation of the Master of Coimbra (Salazar), a permanent but not

    always attained wish of guedo de Oliveira, is easily perceived throughout his political career as

    a minister, member of the parliament, active right arm of structures such as the Portuguese

    Legion and the National Union. This topic is particularly dealt with on the fourth chapter

    guedo de Oliveira, o pupilo de Salazar [guedo de Oliveira, Salazars pupil] and on the

    seventh chapter A Ideologia de guedo de Oliveira [The Ideology of guedo de Oliveira].

    This study also includes a regionalist and comprehensive interpretation of the political

    activity of guedo de Oliveira. Trs-os-Montes was the place where the Regime grew with deep

  • and strong roots, the origin of several right-hand men of this dictatorship, who secured and

    promoted the guidelines of the Estado Novo.

    The last aspect under focus, which becomes the theme of the eight chapter Alguns

    contedos temticos da sua Biblioteca [Some thematic contents of his library], is translated into

    an attempt to capture, without surpassing the intrinsically political theme, the programmatic lines

    that extrinsically demonstrate the fact that a politician from the Estado Novo accumulated praxis

    with ideology, action with convictions, training with information, unquestionably present in the

    case of guedo de Oliveira.

    In the conclusions, which are approximate and non-conclusive, the following questions are

    put forward: Who was guedo de Oliveira, the man? How may one read him as a practical

    man of Salazar?

    This dissertation is composed of two attached volumes:

    - Volume Annex I: Documentos O enunciado lgico da sua Ideologia [Documents the

    logical statement of his ideology];

    - Volume Annex II: Esboo de uma imagem da sua fotobiografia [Sketch of an image

    from his photobiography].

  • NDICE

    AGRADECIMENTOS ................................................................................................................17

    LISTA DE SIGLAS UTILIZADAS NO TEXTO .....................................................................19

    INTRODUO............................................................................................................................21

    1. Objectivos deste estudo ..........................................................................................................21

    2. mbito cronolgico................................................................................................................23

    3. Enquadramento.......................................................................................................................24

    4. Orientao metodolgica........................................................................................................27

    5. Seleco bibliogrfica e recolha de fontes .............................................................................30

    6. Justificao do plano geral do trabalho ..................................................................................33

    CAPTULO I

    O MODO TRANSMONTANO DE SER SALAZARISTA ALGUNS EXEMPLOS..........37

    1. Uma das formas de viver o salazarismo em Trs-os-Montes:

    o ruralismo aliado ao pragmatismo ........................................................................................39

    2. Perspectivas das elites salazaristas na imprensa regional transmontana................................46

    CAPTULO II

    O MUNDO TRANSMONTANO DE GUEDO DE OLIVEIRA ...........................................61

    1. A Regio e o Regionalismo....................................................................................................63

    1.1. A Regio ..........................................................................................................................63

    1.2. O Regionalismo ...............................................................................................................67

    1.3. Os artigos de imprensa de guedo de Oliveira com carcter regionalista ......................70

    2. A economia do Nordeste, ou a prosperidade do alto Trs-os-Montes o futuro econmico do distrito de Bragana .......................................................................80

    3. As bases essenciais da Poltica regional ................................................................................893.1. A cena poltica post-blica ou as consequncias da Ditadura Militar .........................933.2. As clulas sociais de criao secular, ou os municpios..............................................95

    3.3. A regio como um s homem, ou a unidade poltica da regio ..................................97

    3.4. Hoje somos, antes do mais, servos da gleba, ou a apologia do agrarismo ..................99

    3.5. Os dirigentes naturais, ou as elites polticas ..............................................................101

  • CAPTULO III

    O PODER E AS ELITES..........................................................................................................107

    1. O poder meditico de um Notvel ...................................................................................109

    1.1. O gestor poltico............................................................................................................1091.1.1. Na primeira direco: a Unio Nacional Republicana........................................109

    1.1.2. No dilogo inter-regional....................................................................................116

    1.1.3. Na perspectiva de algumas decises autoritrias ................................................119

    1.1.4. A contestao ao autoritarismo revelado no II Congresso Transmontano .........124

    1.2. O gestor de opinio .......................................................................................................1261.2.1. A estrutura vertical das elites..............................................................................127

    1.2.2. O catolicismo tradicionalista ao servio das elites .............................................129

    1.3. O gestor de influncia ...................................................................................................1311.3.1. O Notvel entre os Notveis (1932-1939) ..................................................132

    1.3.2. O Notvel e o Povo (1940-1946)....................................................................134

    1.3.3. O Notvel institucional (1947-1949)...............................................................139

    1.3.4. O feedback de um Notvel (1950-1959).........................................................1452. As razes sociais de guedo de Oliveira e os primrdios da sua educao.........................146

    2.1. Uma imagem retrospectiva............................................................................................146

    2.2. O filho do Dr. Ablio Elsio de Oliveira........................................................................147

    2.3. Um country gentleman transmontano ...........................................................................150

    3. Dos jesutas Universidade .................................................................................................153

    3.1. Em Lisboa, Campolide ..................................................................................................153

    3.2. Em Coimbra, no n. 8 da Rua Castro Mattoso..............................................................156

    CAPTULO IV

    GUEDO DE OLIVEIRA O PUPILO DE SALAZAR......................................................159

    1. De estudante a poltico .........................................................................................................161

    1.1. O iderio do Centro Catlico Portugus .......................................................................161

    1.2. O caso de um estudante de Direito............................................................................163

    1.3. A imagem de Salazar o Mestre e o Poltico ...............................................................170

    2. A imitao do Mestre de Finanas .......................................................................................174

    2.1. A adeso assumida a Salazar.........................................................................................174

    2.2. As matrizes comuns entre o Mestre e o Discpulo ................................................177

    3. Da confiana poltica, poltica do Estado Novo................................................................181

    3.1. Defende guedo de Oliveira o Estado-Ideologia ou a Ideologia do Estado?.......182

    3.2. O desafio poltico consequente da afinidade com Salazar ............................................186

  • CAPTULO V

    GUEDO DE OLIVEIRA UM PERCURSO POLTICO,

    DE S. BENTO AO TERREIRO DO PAO ............................................................................191

    1. O deputado algumas coordenadas das suas intervenes..................................................193

    1.1. S. Bento: a influncia representativa da Unio Nacional ..............................................193

    1.2. Os temas dos seus discursos, ou o ajuste do deputado ao poltico ................................197

    1.3. As suas reflexes sobre a economia colonial ................................................................207

    1.4. Consideraes acerca da NATO....................................................................................211

    2. Uma interveno omitida .....................................................................................................213

    3. A defesa dos problemas concretos da sua regio .................................................................217

    3.1. A possvel explorao siderrgica.................................................................................224

    4. Elites parlamentares de raiz transmontana ...........................................................................226

    CAPTULO VI

    O HOMEM PRTICO DE SALAZAR ....................................................................................237

    1. O Presidente do Tribunal de Contas.....................................................................................239

    1.1. Uma questo de carreira ................................................................................................239

    1.2. Os seus estudos de ordem econmico-financeira ..........................................................243

    1.3. O contedo pragmtico e poltico dos seus temas.........................................................255

    1.4. Algumas perspectivas da histria financeira portuguesa...............................................270

    1.5. A participao na INTOSAI International Organization of

    Supreme Audit Institution ..............................................................................................2841.5.1. Em Bruxelas ........................................................................................................285

    1.5.2. No Rio de Janeiro................................................................................................292

    1.5.3. Em Viena de ustria ...........................................................................................305

    2. O Ministro das Finanas.......................................................................................................308

    2.1. Os primeiros rumos, de base poltica ............................................................................308

    2.1.1. Finanas de ontem e de hoje ...............................................................................3082.1.2. Finanas Verdadeiramente Nacionais ................................................................315

    2.2. O fomento econmico ...................................................................................................320

    2.2.1. Os princpios e generalidades financeiras abrangentes do I Plano de Fomento .322

    2.2.2. A aplicao do I Plano de Fomento ao Ultramar ................................................332

    2.3. A crise regional chega ao Terreiro do Pao e a S. Bento ..............................................338

    2.3.1. Consequncias sociais da crise agrcola ..............................................................338

    2.3.2. A questo cerealfera o centeio ........................................................................349

  • 3. O peso transmontano no regime.......................................................................................363

    3.1. Trigo de Negreiros ........................................................................................................366

    3.2. Cavaleiro de Ferreira .....................................................................................................369

    3.3. Sarmento Rodrigues ......................................................................................................373

    3.4. Trigo de Morais.............................................................................................................380

    4. O convvio e o discurso ........................................................................................................385

    CAPTULO VII

    A IDEOLOGIA DE GUEDO DE OLIVEIRA.....................................................................391

    1. O contributo para a elaborao da doutrina poltica do Estado Novo..................................393

    1.1. Filosofia e Moral Poltica do Estado Novo A Nova Constitucionalidade .................3931.1.1. Filosofia Poltica.................................................................................................3931.1.2. Moral poltica .....................................................................................................398

    1.2. A Unio Nacional Como Direco Poltica nica .......................................................4041.2.1. Caractersticas da U.N. ......................................................................................4041.2.2. Integrao da Unio Nacional no Estado Novo.................................................4071.2.3. Funes polticas da U.N....................................................................................4081.2.4. Propaganda da U.N. ...........................................................................................4101.2.5. Desvios do sentido nico ....................................................................................4151.2.6. Trs vozes discordantes ......................................................................................417

    2. O perfil da sua ideologia ......................................................................................................426

    2.1. A revelao da nova elite dirigente ...............................................................................426

    2.2. A afirmao do comando nico ....................................................................................430

    2.3. A lgica dos seus discursos nos anos trinta...................................................................434

    2.3.1. Designao dos rgos representativos primrios no Estado Novo..................4342.3.2. Dois anos de prtica constitucional ...................................................................437

    3. A realizao corporativa ......................................................................................................440

    4. A Legio no Estado Novo....................................................................................................454

    4.1. Organizao da resistncia patritica ..........................................................................4604.2. O caso espanhol ............................................................................................................4644.3. Um Inventrio dos Nacionalistas Bragananos.............................................................469

    4.4. A Unio Salazarista Braganana Grupo Clandestino................................................480

    CAPTULO VIII

    ALGUNS CONTEDOS TEMTICOS DA SUA BIBLIOTECA ......................................485

    Introduo ................................................................................................................................487

  • 1. Poltica Interna .....................................................................................................................490

    2. Ideologia e Cultura ...............................................................................................................512

    2.1. Algumas questes interpretativas acerca dos livros de ideologia e

    cultura anotados por guedo de Oliveira ......................................................................527

    3. Poltica Econmica e Financeira ..........................................................................................532

    4. Poltica colonial ....................................................................................................................546

    4.1. Um ngulo crtico do projecto colonial .........................................................................568

    CONCLUSES..........................................................................................................................573

    1. Quem foi o homem guedo de Oliveira? ........................................................................575

    2. Quem foi o poltico guedo de Oliveira? Quais as suas vias de interveno? ................575

    3. Em que sentido poder ser interpretado guedo de Oliveira como o Homem Prtico de Salazar?............................................................................................................................576

    4. Quais os quadros de referncia da ideologia autoritria de guedo de Oliveira? ...............577

    FONTES E BIBLIOGRAFIA...................................................................................................579

    1. Arquivos ou Sistemas de Informao...................................................................................581

    1.1. Institucionais..................................................................................................................581

    1.2. Privados .........................................................................................................................581

    1.3. Pessoais/Familiares........................................................................................................581

    2. Fontes Impressas ..................................................................................................................582

    2.1. guedo de Oliveira: bibliografia activa ........................................................................582

    2.1.1. guedo de Oliveira artigos na imprensa ..........................................................585

    2.1.2. guedo de Oliveira opsculos de temas regionais...........................................588

    2.2. Publicaes da autoria de Oliveira Salazar....................................................................588

    2.3. Peridicos ......................................................................................................................590

    2.4. Outras Fontes Impressas................................................................................................591

    3. Dicionrios ...........................................................................................................................594

    4. Estudos Bibliografia Consultada .......................................................................................595

    Breve cronologia do percurso biogrfico e poltico de guedo de Oliveira......................606

  • ndice de Quadros

    Quadro n 1 - Estrutura do elenco poltico nacional e regional enquadrante da via

    salazarista da qual guedo de Oliveira foi Figura Pblica................................................105

    Quadro n. 2 - Nmero de ordem da adeso das Cmaras Municipais do Distrito de

    Bragana homenagem ao Snr. Ministro das Finanas levada a efeito no ano de

    1929, integrada na globalidade das 270 Cmaras do pas. ................................................113

    Quadro n. 3 - Os tempos de influncia de guedo de Oliveira (1932-1959), como gestor

    meditico de elites..............................................................................................................131

    Quadro n. 4 - Percurso universitrio de guedo de Oliveira Plano de estudos e recenso

    sumria dos seus Mestres na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    1. ano da Nova Reforma (1912-1913) ..........................................................................164

    Quadro n. 5 - Qualificao exemplificativa das elites parlamentares transmontanas................229

    Quadro n. 6 - Mobilidade das comisses parlamentares de guedo de Oliveira ......................233

    Quadro n. 7 - Deliberaes do Ministro das Finanas guedo de Oliveira em sede

    parlamentar ........................................................................................................................234

    Quadro n. 8 - Discursos de Oliveira Salazar na Unio Nacional ou em sesses da sua

    organizao (1930-1953) ...................................................................................................433

    Quadro n 9.1 - Subscrio realizada em Bragana a favor dos nacionalistas espanhis

    1937....................................................................................................................................467

    Quadro n 9.2 - Subscrio realizada em Bragana a favor dos nacionalistas espanhis

    1937....................................................................................................................................468

  • ndice de Grficos

    Grfico n. 1 Legio Portuguesa. Distrito de Bragana 1958. Classificao dos

    Nacionalistas ......................................................................................................................478

    Grfico n. 2 - Legio Portuguesa. Distrito de Bragana 1958. Perfil socio-profissional

    dos Nacionalistas................................................................................................................479

  • AGRADECIMENTOS

    Devo o incentivo para a elaborao deste estudo a todas as pessoas minhas amigas que,

    pelo afecto, me desejaram o prosseguimento da investigao histrica, abrindo um novo rumo na

    minha vida intelectual. O que fica escrito neste trabalho tambm uma homenagem a Trs-os-

    -Montes e, em especial, minha terra, Bragana, pelas vicissitudes por que tem passado ao longo

    de dcadas e a todos os meus conterrneos que actualmente colaboram na estratgia do seu

    progresso.

    Deixo clara a grata lembrana da memria do Senhor Dr. Eduardo de Carvalho, pelo seu

    esforo de dilogo mantido com o Doutor guedo de Oliveira, no sentido de instituir em

    Bragana a Fundao Os Nossos Livros. Ningum melhor que ele o compreendeu, captando a

    sua confiana, expressa na maior considerao que guedo de Oliveira lhe dedicava.

    No plano cientfico, exprimo os meus agradecimentos ao Senhor Professor A. H. de

    Oliveira Marques, entretanto falecido em Janeiro de 2007.

    Agradeo a colaborao prestada, atravs das informaes que me facultaram no decorrer

    da investigao, s Senhoras Dr.as Graa Hespanha, Margarida Branco, Paula Cristina Ucha,

    Gabriela Ferreira Lima, Ana Maria L. Bandeira, e aos Senhores Drs. Miguel Veloso, Fernando

    Costa e Tenente Coronel Aniceto Henrique Afonso.

    Gostaria de assinalar a competncia, a forma generosa e amiga com que a Senhora

    Dr. Judite Cavaleiro Paixo acompanhou o ritmo do meu trabalho e me incentivou a

    prossegui-lo.

    Expresso a minha gratido ao Senhor Doutor Antnio Manuel Monteiro Cardoso pela

    bondade de realizar a sua leitura prvia, acompanhada de sugestes de melhoramento. Ao amigo

    de sempre, Professor Doutor Francisco Jos Terroso Cepeda, agradeo o empenho com que

    realizou a tarefa da reviso de todo o trabalho.

    E, sendo a benevolncia a mola real da amizade, no posso deixar de destacar a que me

    dispensaram os Senhores Professores Antnio Pedro Vicente, Justino Mendes de Almeida e

    Armando Alves. Nos colegas Jorge Pais de Sousa, Lus Filipe Torgal, Joana Neto e Augusto Jos

  • Monteiro, reconheo o apoio no titubeio dos primeiros passos, com a formulao dos problemas

    com que me confrontei sobre esta matria histrica do Estado Novo.

    Mas os meus agradecimentos mais sentidos e justificados vo para o Senhor Professor

    Doutor Lus Reis Torgal, pela honra que me concedeu ao aceitar ser meu orientador cientfico,

    a simpatia com que sempre me tratou, a tolerncia com que entendeu as minhas dvidas, os seus

    conselhos amigos, acompanhados das indispensveis indicaes acerca dos rumos actualizados a

    seguir nas reflexes em matria de Histria do Portugal Contemporneo.

    Pea vital desta dissertao, o Senhor Professor Doutor Lus Reis Torgal fica aqui

    consignado na sua exemplar generosidade, j que de outra maneira no poderei dar o devido e

    merecido apreo s incontveis horas de trabalho que comigo gastou, informando-me acerca da

    sua gama de conhecimentos histricos actualizados nas correntes histricas nacionais e interna-

    cionais, bem como da fecunda bibliografia de que autor, de cunho cientfico inquestionvel.

    Cumpre-me registar a grata amizade que dedico ao Senhor Engenheiro Antnio Jorge

    Nunes, Presidente do Municpio de Bragana e da Fundao Os Nossos Livros que me

    proporcionou o trabalho de investigao referente ao meu estudo.

    Deixo uma palavra de gratido ao Senhor Pedro Bandeira pela disponibilidade sempre

    demonstrada no tratamento informtico do meu texto e pela competncia profissional reflectida

    neste trabalho.

    Porm, escusado ser dizer que o maior incentivo o devo minha famlia, em particular

    insistncia e cooperao que o meu marido sempre me revelou no sentido de levar a efeito este

    projecto de difcil acesso e laborioso percurso de prospeco de fontes e adequada bibliografia.

    Manifesto, todavia, que a melhor compensao que poderia ter tido, e no tive, seria

    mostrar este trabalho a quem viveu estes tempos narrados, convivendo em Bragana com

    algumas pessoas nele referidas, conhecendo-lhes a ndole: ao meu pai, Manuel Joaquim Dias

    Correia. Partiu aos 91 anos, mas guardo dele a lembrana da palavra certa e a bonomia do seu

    juzo crtico.

    Os agradecimentos devidos a outras pessoas, involuntariamente omissos, e que aqui se

    notarem, so os que sobram no privilgio da amizade que lhes dedico.

    Coimbra e Bragana, 2011

  • LISTA DE SIGLAS UTILIZADAS NO TEXTO

    AC Aco Catlica

    AHM Arquivo Histrico Militar Ministrio do Exrcito

    AECL Associao Europeia de Comrcio Livre

    AHP Arquivo Histrico Parlamentar da Assembleia da Repblica

    AHTC Arquivo Histrico do Tribunal de Contas

    AMAI Arquivo do Ministrio da Administrao Interna

    AMF Arquivo do Ministrio das Finanas

    AN Assembleia Nacional

    AOS Arquivo Oliveira Salazar IAN/TT

    AOS/CP Arquivo Oliveira Salazar/Correspondncia Particular

    AUC Arquivo da Universidade de Coimbra

    BIAC Boletim Informativo das Actividades Comunistas Legio Portuguesa

    BIRD Banco Internacional de Reconstruo e Desenvolvimento

    BIT Bureau International du Travail

    BNL Biblioteca Nacional de Lisboa

    CADC Centro Acadmico de Democracia Crist

    CC Cmara Corporativa

    CCP Centro Catlico Portugus

    CDE Coligao Democrtica de Esquerda

    CDR Correspondncia Diversa Recebida

    CEE Centro de Estudos Econmicos

    CEI Correspondncia Expedida Indita

    CEIS20 Centro de Estudos Interdisciplinares do Sculo XX

    CSAFE Conselho Superior de Administrao Financeira do Estado

    DG Dirio do Governo

    DGFP Direco Geral da Fazenda Pblica

    DGSP Direco Geral dos Servios Pecurios

    DNE Delegao Nacional de Estudantes

    DS Dirio das Sesses da Assembleia Nacional

    DUC Delegaes Universitrias Comunistas

    DUN Distrital da Unio Nacional

    EFTA Associao Europeia de Comrcio Livre

    FEO Frente Eleitoral Oposicionista

    FLUC Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

    FMZE Fundo Monetrio da Zona do Escudo

    FNAT Federao Nacional para a Alegria no Trabalho

    FNIM Federao Nacional dos Industriais de Moagem

  • FNL/AAO Fundao Os Nossos Livros/Artur guedo de Oliveira

    FNPT Federao Nacional dos Produtores de Trigo

    Fol Flio

    GM Gabinete do Ministro

    IAN/TT Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo

    IC Instituto dos Cereais

    ILO International Labor Organization ou International Labor Office INE Instituto Nacional de Estatstica

    INP Instituto Nacional do Po

    INTOSAI International Organization of Supreme Audit Institution INTP Instituto Nacional do Trabalho e Previdncia

    LM Lei de Meios

    LML Liga da Mocidade Livre

    LP Legio Portuguesa

    MAI Ministrio da Administrao Interna

    M Mao

    Md Minuta Dactilografada

    MNF Movimento Nacional de Franco

    MNI Movimento Nacional Independente

    MP Mocidade Portuguesa

    MPF Mocidade Portuguesa Feminina

    MPLA Movimento Popular de Libertao de Angola

    MUD Movimento Universitrio Democrtico

    MUDJ Movimento Universitrio Democrtico Juvenil

    NATO Organizao do Tratado do Atlntico Norte

    NP Notcias de Portugal S.N.I.

    OECE Organizao Europeia de Cooperao Econmica

    OGE Oramento Geral do Estado

    PIDE Polcia Internacional de Defesa do Estado

    RN Revoluo Nacional

    SI Servio de Informaes

    SL Sesso Legislativa

    SNI Secretariado Nacional da Informao

    SPN Secretariado de Propaganda Nacional

    TC Tribunal de Contas

    UC Universidade de Coimbra

    UEP Unio Europeia de Pagamentos

    UN Unio Nacional

    UNR Unio Nacional Republicana

  • INTRODUO

    1. Objectivos deste estudo

    A investigao concreta para este trabalho foi iniciada em 1999 e a sua razo encontra-se

    no nosso interesse em traar a biografia poltica de Artur guedo de Oliveira (1894-1978),

    integrando-a no perodo da Histria do Portugal Contemporneo designado como Estado Novo.

    Uma das suas caractersticas, e esta a primeira preveno que nos cumpre fazer, que no do

    nosso conhecimento a existncia de qualquer estudo publicado cujo tema seja a interpretao

    global da personalidade e aco deste poltico, considerado como objecto de estudo em si

    mesmo, nas perspectiva de elite salazarista transmontana.

    A presente dissertao constituir um instrumento de trabalho a utilizar pelos historiadores

    e a despertar a sua curiosidade sobre o ambiente poltico nesta regio, tradicionalmente

    considerada de reduzido desenvolvimento cultural, com atraso econmico consequente do seu

    arcasmo ruralista e com incipiente formao poltica traduzida exclusivamente num servilismo

    em relao aos poderes institudos. A sequncia dos temas abordados nos vrios captulos no

    tem, de forma alguma, a inteno de ser paradigmtica. apenas uma estrutura pensada no

    sentido do aproveitamento e explorao temtica dos documentos encontrados e das fontes

    utilizadas. Neste sentido, no sendo por certo a sua problematizao formal a mais exacta,

    caracteriza-a, porm, o propsito de contribuir para uma viso histrica do Nordeste Transmon-

    tano e do papel desempenhado pelas suas elites na consolidao e expanso das estruturas

    salazaristas.

    Este estudo essencialmente uma biografia poltica, mas, sendo a vida de guedo de

    Oliveira exercida no mbito de diversos cargos pblicos, o conhecimento de alguns dos seus

    importantes pormenores foi extrado da anlise das vicissitudes que a preencheram. Na realidade,

    para dimensionar correctamente a sua biografia optmos por ajust-la, no limite do possvel,

    dinmica poltica do pas durante o Estado Novo. Vista num critrio linear, a biografia de

    guedo de Oliveira no foi, efectivamente, marcada por uma originalidade explcita, o seu

    percurso poltico no se caracterizou como um caso isolado, porquanto os dirigentes do Estado

    Novo, com maior ou menor vigor, com frouxa adeso ou exacerbada anuncia, todos foram

    condicionados pela poltica do regime e pela sua ideologia, pois, no fundo, eram estes os

    imperativos de conduta que norteavam os processos de subida na hierarquia do poder e os

    ganhos de prestgio no domnio partidrio.

  • 22 INTRODUO

    Deste modo, o nosso plano de observao sobre a personalidade do referido poltico foi

    conjugado com a perspectiva do contributo de algumas elites transmontanas utilizadas por

    Salazar na consolidao e na configurao interna do regime. Efectivamente, um dos propsitos

    deste trabalho caracteriza-se pela demonstrao da musculada personalidade de guedo de

    Oliveira e do enunciado da sua aco como lder salazarista, uma vezes incidente apenas no nvel

    da sua intelectualidade, outras, no nvel do exerccio da propaganda como instrumento

    dominador da opinio pblica. E neste contexto que se destacou, por exemplo, a sua liderana do

    grupo de governantes transmontanos nomeados por Salazar: Trigo de Negreiros, Cavaleiro de

    Ferreira, Sarmento Rodrigues e Trigo de Morais. Dos nove elementos que constituam o governo

    no ano de 1959, cinco eram transmontanos, pelo que nos pareceu de interesse neste estudo sobre

    guedo de Oliveira perscrutar em que sentido se exerceu a liderana que lhe foi confiada pelos

    referidos ministros (e o Subsecretrio de Estado das Colnias) e propor uma reflexo sobre

    alguns dos pressupostos explicativos desta escolha. Qual a lgica do quntuplo equilbrio

    transmontano perpetrado por Salazar, na componente governamental seleccionada pelo Decreto

    37.930 de 2 de Agosto de 1950, publicado no n. 153 da I Srie do Dirio do Governo.

    O Decreto 37.930 poder possuir, em nosso entender, a legitimidade de um smbolo, porque,

    para alm de ser uma disposio legislativa, uma das imagens que podem consubstanciar um

    sentido de um governo com predomnio de elites.

    Clarificando, em resumo, os temas deste estudo e o projecto da sua abordagem direccio-

    nada nas perspectivas da Histria e da Ideologia, propomo-nos enumerar os seguintes:

    Interpretar a biografia poltica de guedo de Oliveira como membro da elite salazarista

    transmontana, destacando a sua actividade na propaganda do regime e na defesa do Estado

    Novo. O seu discurso a expresso da ideia nacionalista, pela via da U.N., e a linha de

    fora por ele propugnada a da autoridade do Estado, pela via da L.P..

    Compreender como a ideologia de guedo de Oliveira se pautou pelo equilbrio entre a

    defesa da autoridade do Estado e a lgica do pragmatismo em matria de economia e

    finanas.

    Avaliar numa perspectiva de reviso crtica a apologia feita por guedo de Oliveira da

    teoria poltica das elites como forma do poder exercido por uma minoria, expressiva de

    uma ordem hierarquizada, sob uma forma de autoritarismo.

    Problematizar o tratamento dos aspectos ideolgicos salazaristas dos quais guedo de

    Oliveira foi intrprete. Este ltimo objectivo surgir ao longo do desenvolvimento deste

    seu Plano, emergindo do fio condutor da biografia poltica de guedo de Oliveira, porque,

    como pupilo de Salazar na Universidade de Coimbra, j se esboava o poltico no

  • INTRODUO 23

    estudante, sendo apelidado pelos seus condiscpulos um profundo conhecedor de Gabriel

    d'Annunzio.

    Efectivamente, o seu pendor no sentido da adeso poltica italiana explcito desde logo

    no discurso proferido aos microfones da Emissora Nacional em 1935, no qual disse que em

    Itlia, nas paredes dos edifcios, se podia ler o dstico Mussolini tem sempre razo, facto que,

    no seu entender, em Portugal era completamente desnecessrio. E, convictamente, adicionou:

    No fazem falta, entre ns, nem a autoridade nem as razes mussolnicas, porque est no nimo

    de todos aquilo que no foi necessrio escrever ainda o doutor Salazar tem as qualidades

    contrrias aos defeitos tpicos do povo portugus.1

    2. mbito cronolgico

    Uma das dificuldades com que deparmos foi, de facto, como referimos, a inexistncia de

    qualquer recenso histrica geral acerca do poltico guedo de Oliveira que abordasse o

    conjunto da sua actividade durante o Estado Novo. Sem esquecer as aluses feitas a guedo de

    Oliveira em alguns estudos da Histria da Economia Portuguesa durante o Estado Novo,

    algumas sintticas abordagens do seu nome em enciclopdias e, principalmente, a informao

    compulsada com rigor crtico no artigo do Dicionrio do Estado Novo dirigido por Fernando

    Rosas e J. M. Brando de Brito, da autoria de Carlos Bastien, o referido poltico no tem sido

    objecto de uma leitura problematizada de avaliao abrangente. Porm, no podemos deixar de

    admitir a excepo justamente considerada do livro publicado em 1993 pelo Conselheiro

    Presidente do Tribunal de Contas, Antnio de Sousa Franco, intitulado Fundo Documental do Doutor guedo de Oliveira Notas sobre o Doador e a sua Obra, antecedendo a descrio do Inventrio do esplio bibliogrfico oferecido pelo seu antigo Presidente, guedo de Oliveira,

    referida Instituio.

    Neste contexto, entendemos ser til iniciar uma pesquisa complementar em convergncia

    com o que de guedo de Oliveira j se sabe, mas ultrapassando a perspectiva da sua abordagem

    espordica em perodos histricos concebidos em termos de evoluo, quase sempre referentes a

    teorias de ordem econmica e financeira. Assim sendo, as questes poltico-ideolgicas vm

    ampliar o espao da observao que sobre ele exercemos, ajustando o perodo cronolgico

    abrangido por este estudo, no limitado rigorosamente aos anos da sua vida (1894-1978).

    1 In. guedo de Oliveira, Trs Discursos, edio da U.N., Lisboa, 1935, p. 27.

  • 24 INTRODUO

    Em primeiro lugar, pela necessidade de abordar dados importantes que marcaram

    respectivamente a sua infncia no Nordeste Transmontano, a sua adolescncia em Lisboa no

    Colgio dos Jesutas de Campolide e a sua formao acadmica na Universidade de Coimbra,

    concluda em 1923 com a defesa da dissertao intitulada O Imposto de Rendimento na Teoria e

    na Prtica que lhe conferiu o grau de Doutor. No podemos subestimar este parmetro cronolgico no presente estudo, o ano de 1923, em virtude de a arguio desta tese de

    doutoramento ser a nica que, no Curso de Cincias Jurdicas da mesma Universidade, contou no

    respectivo jri com a participao de Antnio de Oliveira Salazar, autor do interrogatrio na rea

    disciplinar de Economia Poltica, no dia 19 de Julho desse mesmo ano.

    Esta data, 1923, para guedo de Oliveira um n nas duas linhas que direccionam o rumo

    da sua vida. um ponto de chegada que se entrelaou com um ponto de partida. Chegada,

    deciso do seu rumo intelectual em matria de Economia e de Finanas. Partida, inevitavelmente

    acompanhada da reteno intelectual de Salazar, cuja ideologia cultivou durante o maior

    percurso da sua vida, at ao grau da sua assimilao e da sua propaganda poltica convicta.

    Em segundo lugar, porque a problemtica relacionada com os estudos das elites

    transmontanas nos condicionou a no perder de vista o interesse da rea de pesquisa detectada a

    partir dos anos vinte, incio da ascenso poltica de algumas classes que haveriam de constituir a

    futura minoria governante da regio transmontana e, at, chegar aos ministrios do Terreiro do

    Pao.

    Balizando, porm, a cronologia na qual esta investigao se pretende situar, considera-se

    que o seu mbito abrange o perodo cronolgico de 1930 at 1964, incluindo os dados biogr-

    ficos anteriores elementares a infncia, adolescncia e formao acadmica necessariamente

    situados antes da primeira data indicada.

    Enfrentar, com algum sucesso, a anlise de mais de trs dcadas da Histria do Portugal

    Contemporneo em busca da personalidade poltica de um transmontano pertencente s elites

    salazaristas, fundamentando-se nas suas intervenes pblicas de propaganda, embora ajustada a

    realidades diversas, quer fossem os discursos no mundo transmontano, na tribuna parlamentar

    da Assembleia Nacional, ou nas arenas internacionais da fiscalizao financeira, foi o objecto

    concreto da nossa investigao.

    3. Enquadramento

    Quando comemos este trabalho intentmos indagar quem foi este homem transmontano,

    portador de prestgio junto das elites salazaristas da sua regio. Com efeito, guedo de Oliveira

  • INTRODUO 25

    foi durante o Estado Novo o intermedirio entre a longnqua provncia de Trs-os-Montes e a

    capital do pas onde o poder se encontrava centralizado nos Ministrios.

    Os temas das cartas dos transmontanos que lhe so escritas revelam da parte de quem as

    escreve a confiana nele depositada na medida em que, sem temor, aludem a assuntos cuja

    abordagem seria intolervel pela maioria dos idelogos do Estado Novo e pelo poder poltico

    institudo. As questes expostas patenteiam, na realidade, uma opinio que se contrape ideia

    feita por alguns comentadores de guedo de Oliveira, referindo-o apenas como sendo um

    poltico de acentuada intransigncia no seu posicionamento ideolgico.

    A ambiguidade de algumas decises polticas tomadas no Estado Novo suscitam o

    interesse de uma reviso mais criteriosa dos atributos de algumas das suas figuras, o que, alis,

    tem sido feito por historiadores de h alguns anos a esta parte. Enquadrar o caso de guedo de

    Oliveira na sociologia poltica que caracterizou o regime , a justo ttulo, qualific-lo na sua

    identidade e esboar a imagem do seu protagonismo.

    Em sntese, quais os atributos do poltico guedo de Oliveira, no s no campo das

    elites salazaristas como na rea dos regimes autoritrios? Com efeito, o enquadramento terico

    deste trabalho teve de ampliar a sua problemtica, o que s no foi feito quando constatadas as

    dificuldades de pesquisa. A gama de realidades polticas que aliceraram o seu plano conduziu a

    uma diversidade de questes de grande complexidade. Foi o caso, por exemplo, de, quando

    perspectivamos as carncias surgidas na populao rural, traduzindo, grosso modo, o subdesen-

    volvimento, o fizemos apenas porque ele emergiu da correspondncia recebida por guedo de

    Oliveira dotada de uma fora persuasiva difcil de dissipar.

    Deste facto resultou, consequentemente, uma das reas da estrutura formal de

    enquadramento do tema O poder meditico de um Notvel, numa tentativa de clarificar ou,

    pelo menos, evidenciar alguns aspectos da sociologia poltica do Estado Novo, ligando o poder

    poltico, tal como as elites o concebiam, ao seu dinamismo, sua capacidade de resoluo e ao

    seu prestgio.

    1 O primeiro aspecto de enquadramento foi, essencialmente, a sua integrao nas elites.

    guedo de Oliveira foi, de facto, uma figura representativa de um caso de Notvel influente,

    assim como outros polticos vindos da Universidade de Coimbra, aos quais foram confiados

    cargos de responsabilidade no governo durante o Estado Novo. De qualquer maneira

    destacvel a convico que os seus discursos e intervenes parlamentares traduzem, ajustada

    coerncia do regime.

    2 O segundo aspecto de enquadramento correspondeu sua defesa da estratgia de

    equilbrio agrrio-industrial. Embora no excluindo o reconhecimento da necessidade da

    permanncia de algumas das estruturas agrrias tradicionais indispensveis ao mercado interno e

  • 26 INTRODUO

    auto-suficincia da populao, mais acentuada no interior do pas como, por exemplo, na rea

    transmontana, guedo de Oliveira defendeu entre 1935 e 1950, uma modificao na limitada

    indstria existente. Com a qualidade persuasiva que foi timbre dos seus discursos, quase sempre

    antecedidos por uma introduo alusiva extrada dos Discursos e Notas Polticas de Oliveira

    Salazar, em dialctica erudita, utilizou normalmente a Unio Nacional como instrumento-base da

    sua propaganda. Foi o caso da conferncia intitulada Industrialismo e Bem-Estar Nacional pronunciada em Setbal em 23 de Maro de 1945, subsequentemente publicada, bem como a

    explanao ideolgica produzida no II Congresso da Unio Nacional subordinada ao tema

    A Crise Moral e Econmica dos Remediados. 3 O terceiro aspecto de enquadramento foi condicionado pela sua tentativa de suavizar a

    opinio pblica acerca da crise financeira no perodo do ps-guerra, chegada directamente

    atravs da correspondncia recebida de todos os pontos do pas e, em particular, do Nordeste

    Transmontano. Neste sentido, ocupou-se da divulgao do pensamento salazarista, no mbito do

    qual admitiu a capacidade de o Estado Novo conduzir com eficincia a sua recuperao

    financeira. Por outro lado, publicou em 1947 atravs do Centro de Estudos Econmicos, o estudo

    Portugal perante as tendncias da Economia Mundial, na qual se revelou informado acerca da

    teoria econmica de J. M. Keynes. Note-se que esta sucinta aluso a alguns ttulos de guedo

    de Oliveira entender-se- como uma das vias para apreender a coordenao terica deste estudo

    e no como citaes de dispensvel formulao.

    4 Por outro lado, o desenvolvimento deste trabalho foi condicionado tambm pelo estudo

    da conjuntura poltica do Estado Novo. Alis, este quarto aspecto de enquadramento integrou

    alguns temas relacionados com o Estado Corporativo, o Estado Nacionalista e o Estado Colonial,

    incidindo particularmente nas concepes coloniais adoptadas pelos princpios do regime.

    5 Em virtude de o caso de guedo de Oliveira o exigir pelo carcter especializado em

    legislao financeira, um quinto aspecto do seu enquadramento envolveu a anlise de algumas

    das suas opes em matria de Finanas.

    6 Embora vrias outras questes de enquadramento pudessem ser apontadas, em termos

    que permitissem compreender este estudo na sua totalidade lgica, diremos apenas, em sntese,

    que, por fim, ensaimos uma viso conjuntural da sua ideologia. Alis, no poderemos prescindir

    de sublinhar que o enfoque dos aspectos ideolgicos est implicitamente relacionado com a

    concepo terico-metodolgica de fundo subjacente a todo o trabalho..

  • INTRODUO 27

    4. Orientao metodolgica

    Tendo j sido frisado no primeiro ponto desta Introduo que o problema central do

    presente estudo consistia na chamada de ateno para uma biografia poltica ainda

    insuficientemente conhecida na Histria do Portugal Contemporneo, foi nossa escolha a

    reflexo to profunda quanto possvel sobre a produo intelectual de guedo de Oliveira. De

    modo a aproximarmo-nos da clareza do seu pensamento, utilizmos um mtodo o mais possvel

    directo, frequente na gramtica discursiva acerca do Estado Novo. As transcries de textos da

    sua autoria, bem como de outras personalidades das elites transmontanas, de vrios dirigentes do

    Estado Novo e de Oliveira Salazar, tm como objectivo facilitar a interpretao da sua ideologia,

    bem como auscultar a sua formao e informao ao servio do regime. Explicar o poder de

    guedo de Oliveira ser dar credibilidade aos seus textos, aos seus discursos, interpretar as suas

    principais concepes, em sntese, compreender o seu processo integrativo no Estado Novo.

    Pensamos que este mtodo ser, porventura, mais eficaz quando feito em termos de explorao

    documental, do que a simples reproduo ou resumo da nossa autoria dos seus pensamentos e

    dos seus conhecimentos em termos de Poltica, Direito, Economia, Finanas e outras reas de

    envolvncia complementares ideologia salazarista. Foi, efectivamente, com um propositado

    enquadramento que optmos pela transcrio de textos de carcter interventivo, de fluncia

    directa e comunicativa, atravs dos quais guedo de Oliveira demonstrou caractersticas de um

    poltico, capaz de:

    enunciar os seus princpios doutrinrios;

    orientar os factores de maior sensibilidade dos seus ouvintes;

    accionar os argumentos de persuaso;

    motivar a aceitao da sua lgica ideologizada.

    Por outro lado, como explicar o carisma de guedo de Oliveira como Notvel transmon-

    tano? Abordmos alguns aspectos mais relevantes deste assunto atravs de depoimentos contidos

    na sua correspondncia particular. Evidentemente que se dizia nas cartas aquilo que em pblico

    no era conveniente referir deste modo, mais leal e confidente. O aspecto da aparente

    segmentaridade das transcries ser, portanto, superado por um esforo explicativo de

    compreenso dedutiva. Longe do nosso projecto est, na realidade, a construo de um mosaico

    de conceitos, tpicos, ou simples abordagens superficiais, secundrias, apenas teorizadas ou

    reduzidas, de forma a cortar-lhes o sentido. Na metodologia deste estudo os diversos captulos

    sero, ou procuraro ser, peas de compreenso do mesmo, ordenando e simplificando no s a

    sua complexidade como a sua heterogeneidade, to vasto o campo da sua anlise e extensa a

    quantidade de fontes utilizadas. Este quadro global, tendo como centro uma personagem do

  • 28 INTRODUO

    Estado Novo, obedeceu assim orientao de o integrar neste mesmo contexto histrico. Por

    conseguinte:

    O espao histrico deste trabalho o Estado Novo; O espao sociolgico analisado o das elites salazaristas transmontanas;

    A matriz ideolgica a do salazarismo, e o seu protagonista o poltico guedo de Oliveira, numa reflexo que pretende atingir algumas das caractersticas da sua actuao poltica,

    at esta data ainda no totalmente explicada, como seja, por exemplo, a influncia nela por vezes

    sentida da poltica italiana.

    Passaremos, por conseguinte, em termos metodolgicos, do geral para o particular, consi-

    derando que o conhecimento to correcto quanto possvel de uma poca, ou de uma determinada

    sociedade, inseparvel e das experincias subsequentes dos seus membros. A nossa opo foi

    conhecer a actividade de guedo de Oliveira e estudar em que medida ele exerceu alguma

    influncia na sua regio. A anlise sequencial do processo expositivo passar por oito temas-

    -chave, pela seguinte ordem:

    o modo transmontano de ser salazarista: alguns exemplos;

    o mundo transmontano de guedo de Oliveira;

    o poder e as elites;

    guedo de Oliveira o pupilo de Salazar;

    guedo de Oliveira um percurso poltico, de S. Bento ao Terreiro do Pao;

    o Homem Prtico de Salazar; o enquadramento da sua ideologia no salazarismo;

    alguns contedos temticos da sua biblioteca.

    Devemos esclarecer que, portanto, o mtodo de estudo de guedo de Oliveira embora

    exercido sobre a sua biografia (anlise horizontal) tambm incidente na ascenso da carreira

    poltica (anlise vertical), constituindo um estudo da sua insero no regime de Salazar.

    Entendemos a insero poltica na acepo de explicitar as suas ideias e no sentido da

    demonstrao pblica da inerncia aos princpios ideolgicos do regime, atravs de vrias

    iniciativas, de artigos nos jornais, de opsculos, reunies e palestras de carcter poltico.

    Exemplificando: em 26 de Novembro de 1928 organizou e presidiu ao I Congresso Transmon-

    tano que teve lugar em Bragana e foi largamente divulgado pelo jornal O Sculo, de 20 de Agosto de 1929. At 4 de Maro de 1932 publicou nada menos que vinte e oito extensos artigos

    no jornal A Voz sobre temas regionais e nacionais de ordem poltica, econmica e social. Revelava j ser um economista de formao jurdica, de discurso erudito, como era uso na poca,

    estruturando um conjunto de conceitos-base da poltica regional portuguesa.

  • INTRODUO 29

    Chamamos mediatizao atitude revelada por guedo de Oliveira no s de divulgar,

    como de exercer o poder na perspectiva de elite. Atravs do seu regionalismo convicto iniciou a

    sua aco integrativa junto dos Notveis transmontanos procurando, por consequncia, o

    apoio das elites regionais. Deste modo, foi progressivamente operando a sua prpria transfor-

    mao em lder, primeiro a nvel regional e depois a nvel nacional, porque o seu protagonismo,

    explicitamente por ele desejado, cultiv-lo-ia a vida inteira, com maior ou menor xito.

    A nvel das elites, procurou evitar a sua diviso interna. Quem decide ele, utilizando

    alguma base jurdica que o trabalho na advocacia desde 1925 desempenhado em Lisboa no seu

    escritrio da Rua Nova do Almada, lhe proporcionara.

    Uma das suas estratgias foi a da pacificao das difceis clivagens entre as elites, por um

    lado, e, por outro, a resoluo dos problemas primrios de ordem econmica das populaes

    rurais mais carecidas de bem estar e de actualizao cultural.

    Analisamos tambm a forma como tirou partido das lies do seu Mestre de Finanas na

    Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e como delas resultou a sua estabilidade no

    poder poltico. De pupilo, chegou a Homem Prtico de Salazar, tendo o decurso da sua carreira sido desempenhado no pas e no estrangeiro. Entendemo-lo como Homem Prtico, porque o seu

    comportamento foi uma atitude actuante, na qual o salazarismo assumido como um vnculo

    que o manipula, mas de forma voluntria e consciente.

    A vida de guedo de Oliveira pautou-se por uma permanente obedincia a Salazar,

    moldada de acordo com as necessidades estruturais do regime, accionando os mecanismos

    imprescindveis sua mobilizao e, de modo particular, sua preservao. O estigma

    salazarista marcou, efectivamente, todos os passos da sua vida, nunca adiando uma resposta

    Oposio, pois o seu iderio no foi s conceptualizante e de adeso como seu pupilo em

    Coimbra, mas actuante no contexto do exerccio do poder.

    Foram estes os traos gerais seguidos com o objectivo permanentemente sustentado de

    apanhar o fio condutor da sua prtica poltica durante o Estado Novo, teorizador e agente de um

    convicto nacionalismo e de uma reconstruo do pas baseada na sanidade financeira.

    Abriu-se, assim, nesta fase da orientao metodolgica seguida, a questo fundamental:

    como qualificar o caso de guedo de Oliveira na abrangncia dos regimes autoritrios?

    Para a anlise deste problema foi til a investigao extrada das suas viagens Espanha,

    Itlia, Alemanha, Inglaterra e aos Estados Unidos da Amrica. Alm da leitura da sua

    correspondncia, compilamos os seus passaportes no sentido de obtermos uma cronologia mais

    exacta que ajudasse a compreenso deste assunto.

    Uma outra questo fundamental que enfrentmos foi a de nos interrogarmos, atravs da

    leitura dos documentos pesquisados se, realmente, a reproduo da ideologia salazarista teve

  • 30 INTRODUO

    peso suficiente para o colocar na Histria do Estado Novo. Ou se os seus contributos possuram

    a mais-valia de alguma originalidade, ultrapassando o nvel do salazarismo no seu sentido

    restrito.

    Julgamos, efectivamente, de interesse a perspectiva de renovar os pontos de referncia

    histrica habitualmente expressos acerca de guedo de Oliveira, enveredando por uma

    metodologia baseada em documentao que os fundamenta e justifica. Na realidade, outros

    proslitos de Salazar ascenderam a cargos dirigentes apenas pela confiana poltica que

    demonstraram. deste caso um exemplo significativo o do jornalista do Comrcio do Porto Idalino F. da Costa Brochado que Antnio Ferro convidou para residir em Lisboa e dirigir o

    jornal A Verdade em 1933 sendo, dois anos depois, nomeado para liderar a Secretaria da

    Assembleia Nacional. Apenas em 1941 publicou o primeiro livro de cariz ideolgico do Estado

    Novo, integrando-se tardiamente na estrutura da Unio Nacional, em 1965. Sublinhe-se o

    pormenor (conhecido de quase todos os estudiosos) da sua leitura ofensiva acerca do carcter

    de guedo de Oliveira expressa no livro Memrias de Costa Brochado, dado estampa em 1987. No captulo deste trabalho referente actividade parlamentar de guedo de Oliveira,

    teremos oportunidade de voltar a este assunto. No o desenvolvemos nesta fase, por razes

    obviamente relacionadas com o plano geral desta dissertao.

    Concluindo, diremos que a orientao metodolgica seguida se pautou essencialmente pelo

    seguinte princpio: dar a ver guedo de Oliveira, interpret-lo, nem subi-lo no pedestal do

    Estado Novo, nem retirar-lhe a importncia histrica tida que a documentao escrita consultada

    legitima, com a objectividade requerida atravs de um esforo de exame crtico, o qual a

    Histria, como cincia, no poderia dispensar.

    5. Seleco bibliogrfica e recolha de fontes

    Muito embora as listas da bibliografia e das fontes venham indicadas no fim do texto desta

    dissertao tem sempre interesse indicar o rumo do trabalho e o porqu da sua escolha.

    Consultmos os livros, estudos antigos da autoria de guedo de Oliveira. Demos preferncia,

    nos aspectos focados de carcter regionalista, a livros de outros autores publicados no seu tempo:

    principalmente entre 1920 e 1969, porquanto nos pareceram os testemunhos de maior grau de

    realismo e de viso crtica.

    A frequente consulta da biblioteca privada de guedo de Oliveira existente em Bragana

    na Fundao Os Nossos Livros, foi indispensvel para a realizao deste trabalho. Seleccio-

    nmos os grandes temas, mais intimamente relacionados com o assunto que nos propusemos

    tratar: Histria Geral, Histria de Portugal, Poltica, Sociologia, Filosofia, Direito, Economia e

  • INTRODUO 31

    Finanas. Considerando o facto de este poltico ter oferecido um valioso esplio bibliogrfico ao

    Tribunal de Contas, lemos os livros relacionados com o nosso projecto na Biblioteca desta

    instituio, obtendo os esclarecimentos necessrios e as indicaes adequadas actividade

    desenvolvida pelo seu Conselheiro Presidente guedo de Oliveira, entre 1948 e 1964, embora

    com algumas interrupes de tempo, durante o qual se afastou para exercer outros cargos de

    ainda maior responsabilidade como, por exemplo, o de Ministro das Finanas entre 1950 e 1955.

    Foi escolhida a bibliografia mais especfica medida que a investigao avanava, lida na

    Biblioteca Nacional de Lisboa, biblioteca qual nos habitumos a recorrer, desde os nossos

    tempos de estudante na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A partir do ano de 1975

    foram consultados os Dicionrios de Histria Poltica, publicados mais recentemente, nacionais e

    estrangeiros, aos quais faremos uma referncia pormenorizada no local deste trabalho destinado

    sua meno. Para o estudo das razes acadmicas de guedo de Oliveira, escolhemos a

    Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e o Arquivo da mesma Universidade. O actual

    Ministrio das Finanas no s nos facultou a leitura de algumas das obras publicadas, de edio

    prpria, como nos distinguiu com a oferta das mais recentes e actualizadas. Mas foi,

    naturalmente, nos catlogos das editoriais nacionais e estrangeiras que escolhemos e adquirimos

    os livros necessrios a cada uma das reas abordadas, principalmente a partir do captulo V que

    trata do seu percurso poltico. As publicaes peridicas da poca de guedo de Oliveira com

    incidncia a partir dos anos trinta, existentes na respectiva seco da Biblioteca Nacional de

    Lisboa foram lidas coluna a coluna. Desde o n. 2 do Ano I do Leste Transmontano, publicado em Bragana no dia 31 de Janeiro de 1920 (no conseguimos o seu n. 1), at ao Terras de Bragana, que teve incio em 19 de Junho de 1912, percorremos toda a informao seleccionada

    nos jornais regionais transmontanos. Daqui talvez resulte a tentao de reproduzir os seus

    artigos, pelo cariz interpretativo dos factos polticos da poca.

    O trabalho mais difcil, levado a efeito persistentemente durante anos consecutivos foi,

    porm, a recolha das fontes documentais. Efectivamente, este estudo colheu as suas razes nas

    buscas realizadas nos Arquivos, como o do C.A.D.C., em Coimbra, no qual percorremos todos

    os ficheiros de scios efectivos e de scios honorrios, as Actas das Reunies e os exemplares do

    Imparcial existentes na BGUC, no sentido de encontrarmos elementos informativos acerca de guedo de Oliveira, enquanto estudante. No foi o caso. Como adiante veremos, ele foi um

    estudante de Coimbra que viveu em casa posta, com cozinheiro e criado.

    O volume de maior corpo da documentao citada foi recolhida no Arquivo da

    Universidade de Coimbra, no Arquivo Histrico-Parlamentar da Assembleia da Repblica, nos

    Arquivos (em organizao) dos actuais Ministrios das Finanas e da Administrao Interna, no

    Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Arquivo Salazar Correspondncia

  • 32 INTRODUO

    Particular, AOS/CP, proveniente da residncia oficial de S. Bento), nos Maos relativos ao registo

    da correspondncia no Gabinete do Ministro do Interior, nos Relatrios Mensais dos

    Governadores Civis e no Arquivo da Legio Portuguesa, em particular no Ficheiro de Inscries

    e no Servio de Informaes. Na Fototeca do Palcio Foz, em Lisboa, percorremos o esplio

    fotogrfico do jornal O Sculo que interessava para a fotobiografia poltica de guedo de Oliveira, de 1930 at 1964.

    A este conjunto de documentos, alguns insuficientemente divulgados, veio juntar-se a

    documentao do esplio privado da Fundao Os Nossos Livros em Bragana, na sua

    maioria indita, legada por guedo de Oliveira em testamento realizado no Cartrio Notarial de

    Bragana em 1973, dedicado Aos meus amigos do Distrito de Bragana, como penhor de

    ilimitado afecto e dedicao. So estas as suas palavras textuais de abertura da primeira

    publicao de feio poltica escrita ao servio do Estado Novo, intitulada As bases essenciais da Poltica regional, editada por Coimbra Editora em 1930. de salientar o pormenor grfico de a

    palavra poltica ter sido escrita com letra maiscula, traduzindo uma forma de salientar o

    interesse que guedo de Oliveira lhe atribua. A particularidade e a especificidade da coleco

    de manuscritos que guedo de Oliveira ciosamente guardara, at ao final da vida, era de tal

    modo profusa que foi necessria alguma persistncia na seleco, organizao e classificao,

    para ser possvel viabiliz-la como instrumento de trabalho com sentido histrico. No obstante,

    seleccionmos uma parte dos documentos essenciais, como o fim de construir uma sntese da sua

    biografia centrada na histria do Estado Novo. Aps a sua leitura, desmontmos o seu contedo

    e agrupmo-lo em vrias reas interpretativas, tendo em vista a elaborao de snteses

    abrangentes, ajustando-as aos vrios captulos deste Plano, o qual, pretendendo ser apenas um

    esboo biogrfico poltico volta de uma s figura, guedo de Oliveira, nos conduziu a um

    critrio selectivo rigoroso, separando, dividindo, pondo de lado, equilibrando, enfim, o vasto

    campo de anlise, de forma a evitar a repetio dos temas e, por outro lado, as omisses que

    prejudicassem a globalidade do projecto em causa. Porm, foi um manuscrito indito da autoria

    de guedo de Oliveira, constitudo por 70 pginas de leitura quase inacessvel, existente no

    esplio documental da Fundao Os Nossos Livros, em Bragana, que mais suscitou o nosso

    interesse pelo domnio dos argumentos relativos ao espao poltico e econmico regional.

    Reproduzimo-lo na ntegra no volume Anexo I desta dissertao, cap. II, p. 33. O seu assunto e

    ttulo a Economia do Nordeste, sem data, presumindo-se todavia com grande probabi-

    lidade de exactido, tratar-se de um dos primeiros discursos de ideologia por ele pronunciado s

    elites transmontanas nos anos trinta, integrado num ciclo de conferncias de incentivo ao

    regionalismo transmontano, levadas a efeito na Biblioteca Erudita do Museu Abade de Baal, em

    Bragana.

  • INTRODUO 33

    Deixamos para o fim a citao do nico testemunho vivo contactado que, de longe, no foi

    o que menor ateno nos mereceu. Trata-se da longa conversa pessoal que tivemos numa

    deslocao localidade de Cortios, a escassos quilmetros de Macedo de Cavaleiros, com a

    Ex.ma Senhora D. Maria Isabel Pessanha Charula de Mello, de 87 anos de idade, filha de Jos

    Jorge Garcez Palla de Mello, natural de Lisboa, e de D. Laura Beatriz Pessanha Charula de

    Mello, uma das descendentes do Visconde das Arcas, famlia brasonada oitocentista natural da

    referida localidade rural. Em Setembro de 1997 proporcionou-nos um curioso depoimento acerca

    da vida privada de guedo de Oliveira que, desde a infncia, conviveu com a sua famlia.

    guedo de Oliveira saiu de Trs-os-Montes para o Colgio dos Jesutas de Campolide, em

    Lisboa, na idade escolar, acompanhado dos amigos transmontanos Fernando Charula de Mello e

    Carlos S Miranda,2 sendo este ltimo natural de Vilar, concelho de Macedo de Cavaleiros.

    O que atrs fica dito no ser, certamente, interpretado como uma inoportuna referncia

    neste ponto da Introduo relativo ao critrio da escolha das fontes utilizadas. A verdade que

    foi realmente um motivo de algum interesse para prosseguir o estudo das elites transmontanas s

    quais guedo de Oliveira pertenceu.

    6. Justificao do plano geral do trabalho

    Dividiu-se o presente estudo, de natureza biogrfica, em oito captulos, terminando com

    algumas concluses.

    O Captulo I abordar o assunto: O MODO TRANSMONTANO DE SER SALAZARISTA

    ALGUNS EXEMPLOS. Na realidade, a ideia que se retinha em Trs-os-Montes durante o Estado

    Novo era a de uma regio fronteiria, isolada e de um ruralismo extremo. O enquadramento

    deste assunto passar pela leitura dos jornais da regio publicados na referida poca,

    nomeadamente o Terras de Bragana, rgo da UN publicado regularmente at aos anos quarenta.

    O Captulo II intitulado O MUNDO TRANSMONTANO DE GUEDO DE OLIVEIRA, abrir

    novas perspectivas, mais circunscritas sua biografia, ao conhecimento da sua regio e gnese

    do seu regionalismo, o qual serviu de suporte ao travejamento ideolgico que sempre o

    caracterizou. Por outro lado, daremos incio ao traado da sua biografia poltica, acompanhando

    a sua interveno pblica concretizada em grande nmero de artigos escritos nos jornais A Voz e

    2 Ver a fotografia deste grupo de trs crianas, futuras elites de grande projeco local, no vol. Anexo II desta

    dissertao, cap. III, p. 76.

  • 34 INTRODUO

    Dirio da Manh e, principalmente, levantaremos a questo de considerar ou no considerar o

    seu livro As bases essenciais da Poltica regional (1930) o primeiro estudo global que ganhou um sentido poltico relevante.

    O Captulo III procurar deixar evidenciada a relao O PODER E AS ELITES que

    fundamentar o seu contedo principal. Conhecidas tambm pela designao de Notveis

    (ttulo do tomo VII das Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana da autoria do Abade de Baal, contemporneo de guedo de Oliveira), as elites expressavam o poder local,

    revelando por vezes formas de procedimentos contraditrias em relao s aspiraes

    regionalistas. A problemtica que se equacionar h-de consistir na avaliao do seu poder

    interventivo, convencendo, esclarecendo, orientando, convencendo e pacificando os polticos

    salazaristas seus conterrneos.

    O Captulo IV, sob o ttulo GUEDO DE OLIVEIRA O PUPILO DE SALAZAR , ter como

    objectivo avaliar em que medida e em que sentido, Salazar, o seu Mestre na Universidade de

    Coimbra, teria marcado o rumo da sua ascenso poltica. O que se colocar em confronto ser o

    reflexo da formao acadmica recebida na formao ideolgica subsequente e na sua

    transformao no poltico de confiana do Presidente do Conselho.

    O Captulo V seguir o itinerrio de GUEDO DE OLIVEIRA NO SEU PERCURSO POLTICO,

    DE S. BENTO AO TERREIRO DO PAO. A anlise dos traos principais das suas intervenes

    parlamentares num longo perodo, desde a I IX Legislatura, de 1935 at 1969, justificar,

    por certo, uma reflexo sobre o lugar de cada uma delas na poltica conjuntural do pas.

    A problemtica essencialmente terica? Qual a sua natureza? Os seus discursos na Assembleia

    Nacional sero apenas elementos indiciadores do carcter pragmtico da sua ideologia

    denodamente conotada com o regime? Estas questo, complexa, conduzir-nos-, por sua vez, ao

    projecto de anlise que intentmos realizar no captulo seguinte.

    O Captulo VI, designado O HOMEM PRTICO DE SALAZAR (obviamente que tomada esta

    adjectivao em termos genricos) ir reflectir sobre guedo de Oliveira como um homem de

    mo: o Presidente do Tribunal de Contas e o Ministro das Finanas. Por consequncia, o

    prtico de Salazar dever traduzir, tambm, o executor, e no somente doutrinador.

    O Captulo VII, tratando A IDEOLOGIA DE GUEDO DE OLIVEIRA, situar-se- numa das

    fases finais do plano deste estudo, na natural sequncia dos captulos anteriores, tentando ser o

    seu enunciado uma viso de conjunto do seu pensamento poltico. Em que medida, ou em que

    sentido, a matriz terica da sua ideologia se aproximar da de Salazar? A pertinncia desta

    questo poder levantar, por sua vez, a ideia da alternativa de uma simples verosimilhana entre

    o perfil dos dois polticos. Ora, sendo uma das hipteses fundamentais deste trabalho o

    salazarismo em guedo de Oliveira, debruar-nos-emos concretamente sobre os estudos por este

  • INTRODUO 35

    publicados nos quais explcito o seu trajecto ideolgico. Tais so os casos de Filosofia e Moral

    Poltica do Estado Novo A Nova Constitucionalidade (1937) e A Unio Nacional Como Direco Poltica nica (1938). Merecer especial destaque a sua reflexo sobre o Corporativismo, seguida da problemtica da Legio Portuguesa qual guedo de Oliveira

    esteve ligado desde 1937, militncia que permitiu transparecer com clareza a emergncia do seu

    salazarismo.

    O Captulo VIII, surgido como uma necessidade de perscrutar a sua formao intelectual,

    intitulado ALGUNS CONTEDOS TEMTICOS DA SUA BIBLIOTECA, baseado num trabalho de

    pesquisa integrado no projecto deste estudo. A questo que colocmos foi a seguinte: guedo de

    Oliveira teria sido um erudito, um biblifilo ou um simples coleccionador de livros?

    O enquadramento do seu acervo bibliogrfico na temtica deste estudo era, por si prprio,

    indispensvel, conferindo-lhe a unidade necessria, como um organismo vital para compreender

    o seu perfil poltico. A sua biblioteca teria crescido medida que se desdobraram e se

    transformaram os seus interesses intelectuais e polticos. Os seus livros foram, efectivamente,

    uma direco de vida: a tradutora (pelo que pudemos concluir) do perfil caracterizador de um intelectual orgnico do Estado Novo.

    Finalmente entendemos (e no com menor interesse) ser conveniente para atingir uma

    complementaridade interpretativa do assunto tratado neste estudo Elites Salazaristas Transmon-tanas o Caso de guedo de Oliveira e, no propsito de conseguir uma melhor compreenso,

    uma revitalizao e uma problematizao crtica, a incluso de dois volumes anexos. O volume

    anexo I intitula-se: Documentos o enunciado lgico da sua ideologia. Ainda desconhecidos, apresentam-se inditos de Oliveira Salazar, de guedo de Oliveira e de outros polticos afectos

    ao Salazarismo. A informao que constitui o seu contedo ser, em estreita ligao com ela,

    acompanhada pelo volume Anexo II com a abordagem do tema Esboo de uma imagem da sua fotobiografia. Assim palmilharemos, embora em pequenas etapas, certo, mas objectivas, uma

    via de mais de trinta anos do Estado Novo tendo como guia, ou seja, como acompanhante, um poltico de elite, conhecedor no s do referido caminho mas tambm dos seus atalhos.

    A experincia desta investigao realizada foi at certo ponto produtiva no encontro com o

    Estado Novo, em particular convivncia com as elites salazaristas transmontanas, nos seus

    momentos de consenso e nas ocasies de conflitualidade. Quer os documentos (cartas, postais,

    telegramas, recortes de imprensa, etc.) quer as fotografias reproduzidas (de sociabilidade

    profissional e afabilidade familiar), respectivamente nos volumes Anexos I e II, constituem

    tpicos de uma realidade poltica vista em termos quotidianos e informais, recriando os

    contextos nos quais o Estado Novo se enraizou nesta regio, frutificando atravs de dcadas.

  • 36 INTRODUO

    Portanto, se no conseguimos, certo, estudar exaustivamente este poltico que to perto

    trabalhou com Salazar, pensamos ter realizado uma observao da situao poltica do Nordeste

    Transmontano, durante algumas dcadas do salazarismo, no contexto perifrico do pas. Se, por

    um lado, procurmos a figura de guedo de Oliveira tematizada no mbito das elites salazaristas

    transmontanas e desejmos tambm descodific-lo em termos ideolgicos problematizando o seu

    vnculo ideologia de Salazar, por outro lado, os volumes Anexos enveredaram por um

    conhecimento de alguns dos textos caracterizadores do seu discurso.

  • CAPTULO I

    O MODO TRANSMONTANO DE SER SALAZARISTA

    ALGUNS EXEMPLOS

  • 1. Uma das formas de viver o salazarismo em Trs-os-Montes: o ruralismo aliado ao

    pragmatismo

    Ruralismo e pragmatismo constituem uma dupla questo que importa desde j esclarecer

    para a compreenso do primeiro aspecto do tema que nos propomos tratar: uma das formas de

    viver o salazarismo em Trs-os-Montes.

    Um dos princpios difceis de entender no Estado Novo, utilizado nos discursos dos seus

    dirigentes, o da distino entre a realidade dos acontecimentos acerca dos quais reflectiam nos

    seus discursos e a sua autenticidade. No obstante existirem algumas incertezas, a identidade dos

    factos narrados era colocada em dois planos. No primeiro, situava-se a explicao conveniente

    que de forma sinttica discernisse a opo interpretativa das directrizes do Estado. No segundo,

    real de facto, mas no divulgado junto do pblico, detectavam-se divergncias em relao ao

    discurso oficial, sublinhando-se as contradies e ambiguidades, numa explanao circunstan-

    ciada e num campo de anlise mais profundo. Desta discrepncia resultavam, por vezes entre o

    pblico atento, alguns debates, algumas clivagens, tenses e conflitos, transparecendo nas

    concepes deste regime algumas sombras na sua imagem e algumas divergncias no seu

    sentido, visveis, por exemplo, na actuao das elites salazaristas.

    Efectivamente, afirmando Salazar que em poltica, o que parece, revelava de forma

    clara o seu pragmatismo porque para os polticos desta orientao, conhecer e contextualizar os

    factos era a mesma coisa que instrumentaliz-los no sentido do seu domnio, segundo a sua

    prpria vontade, e de acordo com uma ideia preconcebida. Assim sendo, uma das crticas mais

    usuais feitas ao pragmatismo, quer como teoria econmica, quer como teoria filosfica, consistia

    na sua tendncia de inverter a realidade existente. A linguagem e as expresses usadas pelos

    polticos de orientao pragmtica eram, no fundo, uma simples representao, especificamente

    utilizada para os fins a atingir que, no presente caso, seriam os princpios do iderio do Estado

    Novo. Sublinhe-se, por conseguinte, o papel atribudo ao Estado na vida econmica do pas

    como fora activa e cooperadora, numa rea perifrica como era Trs-os-Montes.

    H, ainda, e com importncia no menos relevante, outra questo que se levanta na

    problemtica deste assunto, consistindo em saber se seria, de facto, o pragmatismo deste gnero

    o mais favorvel propalada reconstruo econmica do pas e, em particular, do Nordeste

    Transmontano. Segundo Salazar, seria.3 Era evidente, porm, a necessidade de uma maior

    abertura, de um desenvolvimento econmico verdadeiro, porque o autoritarismo do Estado

    3 Cfr. Jorge Ramos do , As Ciscunstncias Ocorrentes, Notas para a compreenso do Pragmatismo Poltico de

    Oliveira Salazar, Lisboa, Publ. Dom Quixote, Salazar e o Salazarismo, 1989.

  • 40 CAPTULO I O MODO TRANSMONTANO DE SER SALAZARISTA ALGUNS EXEMPLOS

    impedia, por certo, a iniciativa privada alm de desvalorizar a circulao monetria. Se algum

    dinheiro existia na estrutura familiar transmontana, era destinado pura e simplesmente a uma

    poupana inerte, transmitida de pais para filhos.

    Em relao ao pas, e segundo Salazar, uma das bases da estabilidade econmica consistia

    na adopo do sistema anti-consumo. O ruralismo tambm representava, em sentido restrito, o

    bom senso na economia, como afirmavam os tericos adeptos do salazarismo, culminando a

    teoria econmica defendida por Salazar no estudo Questo Cerealfera. O Trigo, escrito em

    1916. Ora, sendo Portugal um pas agrcola por excelncia, tinha igualmente condies para as

    culturas hortcolas, pomares, vinhas e olivais, necessitando, porm, da criao de uma frmula

    para a agricultura produtiva, acompanhada de uma instruo agrcola, de uma rede de estradas,

    de uma comercializao e de um desenvolvimento dos transportes. Alm da cultura cerealfera,

    dizia Salazar: quando a terra convida a exercer sobre esta o ascendente natural das culturas

    mais apropriadas e remuneradoras, ento seria indispensvel a valorizao do solo ptrio []

    porque o rendimento bruto por hectar fraco, e o rendimento lquido mais fraco ainda.4 Esta foi a origem embrionria do ruralismo no Estado Novo, determinante do seu posterior

    desenvolvimento no espao geogrfico e no espao poltico abrangidos pelo salazarismo, ao

    ponto de se transformar num plano referencial da economia portuguesa a partir dos anos trinta.5

    E Trs-os-Montes no foi excepo nesta observncia.

    Neste enquadramento e completando a afirmao de Salazar de que politicamente s

    existe o que se sabe que existe, o ruralismo foi por certo uma via poltica, e, at, segundo o seu

    critrio, uma virtude, uma riqueza, uma honra devida ao passado histrico portugus. Alis

    esta era tambm a posio do Integralismo Lusitano pensado por Antnio Sardinha e referido por

    autores transmontanos da poca. Desde os anos vinte que J. Pequito Rebelo cultivava a

    valorizao econmica do agrarismo que se adaptava bem s caractersticas do solo

    transmontano. Assim sendo, compreende-se o enorme esforo feito durante o Estado Novo no

    sentido de restaurar a arcaica teoria do patriotismo da lavoura, de significativo historicismo,

    justificado pelo princpio de que devia produzir-se o suficiente para as necessidades da Grei.

    Mas no demais sublinhar que o futuro Ministro das Finanas, Salazar, ainda que nos

    primrdios do seu pensamento econmico, j entendia que a diminuio do consumo devia

    actuar como processo equilibrante em qualquer crise.6

    4 Cfr. O. Salazar, Questo Cerealfera. O Trigo, 1916, pp. 209-213. 5 Ver no vol. Anexo I, cap. I, os docs. n.os 3 e 4, pp. 18-19.

    6 Cfr. O. Salazar, ob. cit., p. 272.

  • CAPTULO I O MODO TRANSMONTANO DE SER SALAZARISTA ALGUNS EXEMPLOS 41

    Alguma exemplificao, surge, pois, necessria, na sequncia do enquadramento

    ideolgico que apontmos, explicando melhor a reproduo da estratgia agrarista de Salazar.

    Como afirmado por Lus Reis Torgal, acima de tudo, uma ideologia um sistema de representaes ideias, imagens, mitos, valores, prticas que se procura impor, conven-

    cendo, e assim alcanar um espao hegemnico, se no mesmo totalizador.7 Nesta sequncia,

    indicando alguns pontos de referncia concreta e problematizando o ruralismo aliado ao

    pragmatismo como uma das formas de viver o salazarismo em Trs-os-Montes, apontaremos

    dois factores que ajudaram a permanncia da causa agrcola nesta rea do pas:

    1 A passividade e o conformismo da sociedade transmontana, arcaica e rudimentar, na

    qual, como descreve a anlise de Sedas Nunes, a generalidade dos indivduos no possua ainda

    conscincia clara da sua prpria liberdade e da sua autonomia pessoal, situando-se as suas

    capacidades de at