o cartel e a formação do analista

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  • 8/12/2019 O Cartel e a Formao Do Analista

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    O Cartel e a formao do analista

    Ftima Luzia

    Vigan (1) ressalta a importncia do cartel na formao do

    analista Sendo o cartel a forma mesma da Escola, o que aconstitui, possibilita a passagem da transferncia analtica transferncia de trabalho. A Escola o lugar destapassagem, como a entende Lacan. Portanto, a transfernciade trabalho sem Sujeito Suposto Saber, uma transferncia aps a destituiodeste, dando lugar a um desejo de saber. Pensando nisto, Lacan utilizou aideia de Bion de um grupo, um lugar de trabalho sem lder. Essa era aexpresso de Bion: um grupo sem lder, sem algum que pudesse ser supostosaber, suposto poder. Lacan o chama de "Mais-um". O cartel o lugar deformao contnua, centrado na produo do sujeito, em seu desejo de saber,que Lacan nomeia de um escrito, diferente do escrito universitrio, no uma

    simples produo terica. Um escrito como escritura o que se produz emcartel, um texto que testemunha a vivacidade, legai savoir,caracterstica daposio do desejo do analista. Para Lacan, a produo no cartel otestemunho de um efeito de formao e a Escola composta pelo conjuntodesses aspectos de formao que se produzem no Cartel.

    Ler a biografia de Bion (2) fez surgir uma questo sobre a suaprpria inveno do trabalho de grupo e como essa invenoest presente em cada um, na produo prpria no Cartel deLacan. Wilfred Ruprech Bion nasceu em 8 de setembro de1897 na Inglaterra e faleceu aos 82 anos. Uma velha babdeixou nele uma marca indelvel. As lembranas desta, sobrea qual escreve aos oitenta anos de idade, esto tambm

    associadas introduo do menino num universo religioso marcado pelotemor. Sem os pais, deixa sua terra natal, a ndia ( qual nunca voltar), aosoito anos de idade, para estudar como interno num colgio pblico naInglaterra. Tem uma educao severa e ingressa aos dezessete anos naPrimeira Guerra Mundial como soldado, terminando como capito.

    Bion encontrou dificuldades em se adaptar, pois sentia aguda solido, edeclarou, quando adulto, que amargas impresses ficaram-lhe em funo do

    rgido e repressor sistema escolar, e mais tarde, da prpria guerra da qualparticipou. Encontrou nas experincias com grupos o mesmo desafio de quemse encontra em situaes de extrema tenso. A mentalidade do grupo seconstitui, segundo ele, pela contribuio individual de cada membro.Fez das marcas de uma rgida disciplina a possibilidade de uma inveno:destituir o lugar disciplinar, ou seja, do lder, para nele colocar o desejo de cadasujeito, na implicao do trabalho nos pequenos grupos. A ideia dos pequenosgrupos parece comear pela posio subjetiva de Bion.

    Lacan em seu texto Psiquiatriainglesa e a guerrarelata suas impresses comrelao ao trabalho de Bion publicado em 1943 pelo jornal cientifico The

    Lancet,Tensesinternas ao grupo na teraputica(3), e tambm fala de suavisita em 1945 ao Hospital Militar onde Bion trabalhava. Lacan reencontra

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    nesse trabalho a forte impresso dos primeiros avanos freudianos, a debuscar no prprio impasse a possibilidade viva da interveno. Lacan fazcitaes do texto de Bion, como a possibilidade de submeter esses homens auma disciplina, e aos benefcios teraputicos que ela poderia trazer. Seria peladisciplina que eles estavam reunidos ali?

    Num teatro de guerra, o que necessrio para transformar numa tropa emmarcha o agregado de irredutveis a que chamamos uma companhiadisciplinar? Dois elementos: a presena do inimigo, que consolida o grupodiante de uma ameaa comum, e um lder em quem sua experincia com oshomens permita fixar com preciso a margem a ser dada s fraquezas deles, eque possa lhes manter os limites com sua autoridade, isto , pelo fato de cadaum saber que, uma vez assumida uma responsabilidade, ele no amarela(4).

    Estes elementos citados por Lacan fazem parte do trabalho de elaborao deBion.

    Lacan coloca Bion como um lder desse tipo, ondeo respeito pelo homem a conscincia de simesmo, sendo ele capaz de sustentar diante dequalquer um esta posio. O perigo comum seria aresistncia que esses homens tinham com relaoa sua cura.

    Bion tinha meios de agir sobre o grupo; como lderdestitudo de poder, fazia parte do mesmo. Mas era nisso que o grupo tinhamais dificuldades. Sua posio deveria ser a de inrcia fingida do

    psicanalista, tendo como nico controle o de manter o grupo ao alcance deseu prprio discurso.

    O trabalho se baseava na formao de certo nmero de grupos, cada umdefinindo seu objeto de ocupao, o que era entregue totalmente iniciativados homens, sendo de livre escolha a participao, e podendo cada um seretirar a qualquer momento.

    Vigan, assim como Lacan, aponta que a estrutura do cartel seria definidacomo pequeno grupo (expresso de Bion). Basta ver em "Psiquiatria inglesa ea guerra" o entusiasmo que Lacan apresenta em sua redao.

    O pequeno grupo era o que Lacan procurava para reformar a Escola dosefeitos de massa, efeito de identificao estruturada pela IPA (InternationalPsychoanalysis Association). Lacan v o pequeno grupo como a possibilidadede um lao social que no se funda na identificao, pois Bion pensou opequeno grupo exatamente pela possibilidade que teriam de se oporem identificao.

    Lacan pensa o pequeno grupo pela via da no identificao, no peladimenso, mas pela de lao social no identificatrio, no ligado ao discurso domestre, mas ao do analista. Lacan prope como nmero mnimo para que seja

    possvel o discurso do analista, pelo menos quatro elementos, que se localizamem quatro posies. Quatroseria a funo lgica do numero mnimo para que

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    haja sujeito, ligado a um discurso que no seja o da identificao. Com relaoao nmero quatro, Lacan chama de Mais-um, o sem lder de Bion, sendo este agarantia de que os quatro no faam Um, que no obedeam lgica daidentificao. O Mais-um uma posio de exceo e permite aos quatroelementos se colocarem, cada qual em sua posio subjetiva, implicando-se no

    trabalho. O Mais-um no um Sujeito Suposto Saber.

    Notas:

    (1) Vigan, C. Sobre o Cartel - Manual de Cartis MG.(2) Deloya Daniel - Bion: uma obra s voltas com a Guerra - internet.(3) Bion, W.R - Intra-Group Tensions in Therapy. Their Study as the Task of theGroup- The Lancet revista cientfica 1943.(4) Lacan, J. - Psiquiatria inglesa e a guerra - Outros Escritos p. 113.