o bronze da necrÓpole

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O BRONZE DA NECRÓPOLE Foi logo ao amanhecer do dia 3 de Dezembro de 1918 que um submarino alemão, num rasgo de audácia inconcebível, torpedeou três embarcações aliadas que, despreocupadamente ancoradas na baia do Funchal, se julgavam bem a seguro de qualquer surpresa. Após os primeiros instantes de assombro e de pavor, tendo voado pelos ares, em estilhaços, a canhoneira francesa «Surprise» atingida pelo torpedo no paiol da pólvora, e quando os dois barcos ingleses soçobraram feridos de morte, a artilharia de terra abriu fogo sobre o audacioso submersível, que de pronto se fazia ao largo e vomitava metralha sobre a cidade durante mais de duas horas. Desde então, no terceiro dia do mês de Dezembro, têm comemorado o aniversário duma data lutuosa para a história da Madeira. No alto da Colina das Angustias, ao entrar a cidade dos Mortos, vai o Povo em romagem até à beira de um monumento que se fica lembrando aos vindouros essas horas amarguradas, que Francisco Franco - o grande Escultor que orgulha a Madeira de lhe ter sido berço, - soube cinzelar, deixando-lhe bem impressa a

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Page 1: O BRONZE DA NECRÓPOLE

O BRONZE DA NECRÓPOLE

Foi logo ao amanhecer do dia 3 de Dezembro de 1918 que

um submarino alemão, num rasgo de audácia

inconcebível, torpedeou três embarcações aliadas que,

despreocupadamente ancoradas na baia do Funchal, se

julgavam bem a seguro de qualquer surpresa. Após os

primeiros instantes de assombro e de pavor, tendo voado

pelos ares, em estilhaços, a canhoneira francesa

«Surprise» atingida pelo torpedo no paiol da pólvora, e

quando os dois barcos ingleses soçobraram feridos de

morte, a artilharia de terra abriu fogo sobre o audacioso

submersível, que de pronto se fazia ao largo e vomitava

metralha sobre a cidade durante mais de duas horas. Desde

então, no terceiro dia do mês de Dezembro, têm

comemorado o aniversário duma data lutuosa para a

história da Madeira. No alto da Colina das Angustias, ao

entrar a cidade dos Mortos, vai o Povo em romagem até à

beira de um monumento que se fica lembrando aos

vindouros essas horas amarguradas, que Francisco Franco

- o grande Escultor que orgulha a Madeira de lhe ter sido

berço, - soube cinzelar, deixando-lhe bem impressa a

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vibração da Sua Alma, que recolheu a grandiosidade do

martírio dos que sossegavam e da dor dos que regaram

com prantos a sua perda... Num pedestal de mármore,

submergindo-se nas vagas encapeladas, um vulto possante

de homem, numa ansiedade suprema, ergue ao céu, como

que a implorar a derradeira protecção, os braços fortes e

musculosos... E no crispado das mãos e na angústia

imensa que se lê nas faces rugosas, o Artista descreveu no

bronze imortal, toda a alma daquele momento trágico.

No desespero do Pescador, que se afunda, há o desespero

de uma Raça, vai o protesto de uma Alma que vibra, que

brame, e o espírito forte que faz falar os mármores e os

bronzes com voz roquinha, que se há-de prolongar no eco

dos séculos... Numa das faces do quadrilátero que forma o

pedestal, em letras de bronze, os versos de Jaime Câmara

rezam, no «Suave Responso» a eloquência do gesto

amplamente angustioso do busto do Pescador... No Poeta,

como no Escultor, ergue-se altiva e dominante essa Alma

Portuguesa que não conhece perigos, nem dores, nem

temores... Três de Dezembro! O tempo vai rolando sobre

essa data lutuosa... Dizem que o Tempo corre para apagar

as recordações... Mas enquanto esse Bronze majestoso e

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esses versos sal morosos não vergarem sob a destruição

dos séculos, a lembrança dessas horas de lágrimas e de

sangue, de luto e de desespero, prevalecerá através das

gerações que saibam guardar as virtudes, o sabor, o sentir

e o heróico estoicismo da Raça Lusitana.