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.,:i T - ", § n ',§ ,=J :: ,l 4 { /,i = LEITURA CRíTICA o QUE É o epro DoHípiasMaiordePlatáo vlll. sócRArEs Ainda pouco, meu excelente amigo, enquanto eu criticava alguns dis- cursos, acusando algumas coisas de serem Íeias e elogiando outras por sua beleza, um indivíduo pôs-me, por um momento, em dificuldade, ao perguntar-me num tom inso- lente: "Como sabes, sócrates, quais as coisas belas e quais as feias? Far-me-ias o Íavor de me dizer o que é o belo?". E eu, por ignorância, confundi-me e não soube dar-lhe uma resposta satisfatória. Então, deixei essa discussão, irritado comigo mesmo e jurando que, assim que me deparasse com um de vós, que sois sábios, ouviria e aprenderia a Íim de, devidamente preparado, dirigir-me novamente ao meu adversário e retomar o combate verbal. ora, eis que estás aqui, para me instruir sobre o belo em si, e procura responder o mais claramente possÍvel para que eu não seja derrotado uma segunda vez e passe por ridículo novamente. Pois, sem dúvida, tu o sabes muito bem e esse é, talvez, um peque- no conhecimento entre os tantos que possuis. uíprRs PorZeus, certamente pequeno, Sócrates, e diria mesmo que de nenhum valor. sócRArEs Tanto melhor, aprenderei facilmente e ninguém mais poderá contradizer-me. HÍerns Ninguém, garanto-te, pois de outro modo o que faço seria insignificante e vulgar. sócRArEs Por Hera, Hípias, seria bom se conseguíssemos ter aquele homem nas mãos! Mas, e se eu te estorvar como ele Íez amim, enquanto me respondes, para que eu pra- tique o melhor possível? Já que tenho facilidade em apresentar objeções, e se isso não te desagradar, desejo propor-te as que me vêm à mente para aprender com maior solidez. HÍprns claro que sim, objeta mesmo. Porque, como eu dizia, a pergunta não é diÍícil, e tenho condições de ensinar-te a responder a outras bem mais complexas, que homem algum seria capaz de refutar-te. lx. sócRArEs ohl Como Íalas beml Então, uma vez que estás me pedindo, Íarei o pos- sível para me pôr no lugar dele e tentar interrogar-te. se, de fato, lhe fizesses aquele discurso, ao qual te reÍeriste, sobre as belas ocupações, ele, após ouvi-lo, quando paras- ses de Íalar, te interrogasse sobre o belo, que tem esse hábito, dizendo: "Forasteiro de Élide, os justos não são, porventura, justos pela justiça?',. Responde, Hípias, como se aquele homem perguntasse. HÍerns Responderia que é pela justiça. sócRArEs " Então, a justiça é algo de real? " . HÍprns Certamente. sócRArES "Assim, também, pela sabedoria os sábios são sábios e, pelo bem, todas as coisas boas são boas?". HÍpres Como não? socRArEs "lsto é, por coisas que são realmente e não por coisas que não são?,, . HÍprns Precisamente, por coisas que são realmente. sócRArEs "Pois bem, todas as coisas belas também não são belas pelo belo?,,. Híprns Sim, pelo belo. sócRArEs "Ou seja, por algo de real?". rÍptRs De real, sim. Como poderia ser de outro modo? sócRArEs "E então, Íorasteiro, dize-me" , ele retomará, ,,o que é esse belo?,,. HÍptAs E quem pergunta isso,.Sócrates, que outra coisa quer saber senão o que é ,,belo,,? socRArEs Não me parece, mas o que é "o belo", Hípias. HíprAs E no que, pois, essa pergunta diÍere da outra? r34 ursrónrA DA ARTE TTALTANA - oa lNtrcüTDADE A DUCCTo

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LEITURA CRíTICA

o QUE É o epro DoHípiasMaiordePlatáo

vlll. sócRArEs Ainda há pouco, meu excelente amigo, enquanto eu criticava alguns dis-cursos, acusando algumas coisas de serem Íeias e elogiando outras por sua beleza, umindivíduo pôs-me, por um momento, em dificuldade, ao perguntar-me num tom inso-lente: "Como sabes, sócrates, quais as coisas belas e quais as feias? Far-me-ias o Íavor deme dizer o que é o belo?". E eu, por ignorância, confundi-me e não soube dar-lhe umaresposta satisfatória. Então, deixei essa discussão, irritado comigo mesmo e jurando que,assim que me deparasse com um de vós, que sois sábios, ouviria e aprenderia a Íim de,devidamente preparado, dirigir-me novamente ao meu adversário e retomar o combateverbal. ora, eis que estás aqui, para me instruir sobre o belo em si, e procura respondero mais claramente possÍvel para que eu não seja derrotado uma segunda vez e passe porridículo novamente. Pois, sem dúvida, tu o sabes muito bem e esse é, talvez, um peque-no conhecimento entre os tantos que possuis.

uíprRs PorZeus, certamente pequeno, Sócrates, e diria mesmo que de nenhum valor.sócRArEs Tanto melhor, aprenderei facilmente e ninguém mais poderá contradizer-me.HÍerns Ninguém, garanto-te, pois de outro modo o que faço seria insignificante e vulgar.sócRArEs Por Hera, Hípias, seria bom se conseguíssemos ter aquele homem nas mãos!Mas, e se eu te estorvar como ele Íez amim, enquanto me respondes, para que eu pra-tique o melhor possível? Já que tenho facilidade em apresentar objeções, e se isso não tedesagradar, desejo propor-te as que me vêm à mente para aprender com maior solidez.HÍprns claro que sim, objeta mesmo. Porque, como eu dizia, a pergunta não é diÍícil, etenho condições de ensinar-te a responder a outras bem mais complexas, que homemalgum seria capaz de refutar-te.

lx. sócRArEs ohl Como Íalas beml Então, uma vez que estás me pedindo, Íarei o pos-sível para me pôr no lugar dele e tentar interrogar-te. se, de fato, lhe fizesses aquelediscurso, ao qual te reÍeriste, sobre as belas ocupações, ele, após ouvi-lo, quando paras-ses de Íalar, te interrogasse sobre o belo, já que tem esse hábito, dizendo: "Forasteiro deÉlide, os justos não são, porventura, justos pela justiça?',. Responde, Hípias, como seaquele homem perguntasse.

HÍerns Responderia que é pela justiça.sócRArEs " Então, a justiça é algo de real? " .

HÍprns Certamente.sócRArES "Assim, também, pela sabedoria os sábios são sábios e, pelo bem, todas ascoisas boas são boas?".HÍpres Como não?socRArEs "lsto é, por coisas que são realmente e não por coisas que não são?,, .

HÍprns Precisamente, por coisas que são realmente.sócRArEs "Pois bem, todas as coisas belas também não são belas pelo belo?,,.Híprns Sim, pelo belo.sócRArEs "Ou seja, por algo de real?".rÍptRs De real, sim. Como poderia ser de outro modo?sócRArEs "E então, Íorasteiro, dize-me" , ele retomará, ,,o que é esse belo?,,.HÍptAs E quem pergunta isso,.Sócrates, que outra coisa quer saber senão o que é ,,belo,,?

socRArEs Não me parece, mas o que é "o belo", Hípias.HíprAs E no que, pois, essa pergunta diÍere da outra?

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sócRArEs Em tua opinião, não há diÍerença?sípres Não difere em nada.sócRArEs Está claro que sabes mais do que eu. contudo, meu caro, olha só: ele pergun-ta não o que é "belo", mas o que é "o belo,,.uípras Entendi, meu caro, e eu lhe responderei o que é o belo, sem incorrer em erro.Estejas certo, Sócrates, que, para falar a verdade, o belo é uma bela jovem.sócRArEs Hípias, com os diabos, respondeste muito acertadamentel se, então, eu res-ponder assim terei respondido muito bem à pergunta, sem perigo de ser refutado?sÍpres Mas como, sócrates, poderias ser refutado, se é algo com que todos concordame quem quer que testemunhe atestará que Íalaste corretamente?sócRArEs Admitamos que assim seja. Todavia, Hípias, deixa-me retomar, por minha con-ta, o que disseste. Ele me fará, mais ou menos, esta pergunta: "Vamos, sócrates, respon-de: todas as coisas que chama de belas não seriam belas justamente porque existe umbelo em si?". Por minha vez, responderei que, se o belo é uma bela moça, então existemesmo isso que confere beleza às coisas.uíprns E temes tu, ainda, que ele possa tentar provar-te que não é belo o que dizes, ou,se tentar Íazê-lo, não se exponha ao ridículo?sócRArEs Que o tente, maravilhoso homem, estou certo disso. Mas, se por tê-lo tenta-do se expuser ao ridículo, cabe aos fatos dizerem. No entanto, gostaria de contar-te oque ele perguntaria.HíPtAs Faze isso.

X' sócnnrrs "como és claro, sócrates!", dirá. "Mas o belo não será também uma belaégua, depois que o próprio deus a louvou em seu oráculo?". o que responderemos, Hí-pias? Não diremos também que belo é uma égua, quer dizer, uma égua bela? como po-deremos ousar negar que o belo é belo?síprns É verdade, sócrates, o deus disse uma coisa correta. perto de nós, de fato, nas-cem belíssimas éguas.sócRArÊs "Bem", acrescentará, "e uma bela lira? Também náo ébela?,,. Concordare-mos, Hípias?

Híprns Sim.

só-cRArEs E, depois, tenho certeza de que ainda perguntará, a julgar pelo seu caráter:"O, meu caro, e uma bela panela? Não será isso, também, belo?',.uípras sócrates, quem é esse homem? como é inculto, ousando valer-se de tão baixaspalavras em tão elevada discussão!sócRArEs Assim ele é, Hípias, nada elegante mas grosseiro, preocupado apenas com averdade. Apesar de tudo, é preciso responder-lhe, e, em primeiro lugar, quero dar a ti aminha opinião. 5e a panela for a obra de um bom oleiro, polida, redonda e bem cozidacomo são algumas das belas peças de duplas alças, com capacidade para seis choas emuito belas; se essa Íosse a panela a que se reÍerisse, teríamos de concordar que é bela.Pois como poderíamos negar beleza ao que é belo?Hípres Não é possível, Sócrates.

sócRArEs "Portanto", dirá, "também uma bela panela é bela? Responde.,,uíprns Penso da seguinte maneira, sócrates. se bem fabricado, esse objeto será belo.Mas não merece serconsiderado belo quando comparado a umaégua, a uma jovem ea tantas outras coisas belas.

sócRArEs Ahl Agora entendo, Hípias, se fizer essa pergunta, deverei responder-lhe as-sim: "Desconheces o que bem diz Heráclito, que'o mais belo dos macacos é Íeio emcomparação com a espécie humana' e a mais bela das panelas, feia, comparada à espé-cie das m'oças, como diz Hípias, o sábio',. Não é assim, Hípias?uípres Correto, Sócrates, respondeste muito bem.

Leitura crítica 85

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HíprAS confessaremos que tem razão em dizer que o que convém a cada coisa é o quea torna bela.sócRArEs "Ora bem", dirá, "quando alguém puser no fogo aquela bela panela, da qualfalávamos há pouco, repleta de uma bela sopa de legumes, usará com mais conveniên-cia uma concha de ouro ou de lenho de figueira?,,.

xlll. H íprns Por Hércules, quem é esse homem, sócrates? Não podes me dizer quem é?socRArES Não o conhecerias, ainda que te desse o nome.HíprAs O que sei é que é um ignorante.sócRArEs É insuportável, Hípiasl Entretanto, o que responderemos? eual das duas con-chas convém melhor à sopa e à panela? Não seria a de madeira? pois, enquanto confereà sopa um odor mais agradável, não se arrisca, meu caro, com isso, a quebrar a panela,derramar o conteúdo, apagar o fogo e privar os convidados de um prato tão apetitoso.A outra, ao contrário, traria todos esses transtornos, de modo que, para mim, creio quenos deva parecer mais conveniente a concha de madeira do que a de ouro. Tens algumaobjeção?

uípras É a mais conveniente, Sócrates. Mas, de minha parte, não discutiria com um ho-mem que faz tais perguntas.sócRArES Tens razão, meu amigo. De fato, não convém sujar-te com palavras tão vulga-res, logo tu, assim esplendidamente vestido e calçado e tão famoso pela sabedoria entretodos os gregos. Mas eu não perco nada em tratar com ele. Continua, pois, a instruir-mee responde por consideração a mim. "Então se a concha de madeira é mais convenientedo que a de ouro", dirá ele, "talvez nã.o queira dizer que ela é mais bela, desde que tuadmitiste que o que convém é mais belo do que o que não convém?". ou não concor-daremos, Hípias, que a concha de madeira é mais bela do que a de ouro?ríprns sócrates, queres que eu te sugira uma definição do belo que te livrarás, de umavez por todas, de tanta conversa fiada?sócRArES se querol Não antes, porém, que me digas qual dessas duas conchas devo res-ponder que é a adequada e a mais bela.Híprns Pois bem, se te agrada, responde a ele que é a de madeira.sócRArES Agora dize-me o que ias me dizer há pouco. pelo que jáÍoi dito, se eu disserque o belo é o ouro, não vejo como demonstrar que o ouro seja mais belo do que a ma-deira. Mas, então, o que é o belo?Híprns Dir-te-ei. se não me engano, parece-me que buscas uma beleza que, de maneiraalguma e a quem quer que seja, jamais pareça feia.socRArEs Precisamente, Hípias. Agora sim adivinhaste.HÍprns Então, escuta, e, se houver alguém que ouse objetar ao que direi, estou pronto aconfessar que não sei nada de nada.sócRArEs Fala rápido, pelos deuseslHíprRs ora, digo que, sempre e para qualquer homem, o que há de mais belo é ser rico,são, honrado pelos gregos, atingir a velhice e, depois de oferecer belos funerais aos seusprogenitores, por fim receber de seus próprios filhos belas e magníÍicas honras Íúnebres.

Xlv. socnares oh, Hípias! Falaste de modo admirável, grandioso e digno de til E, porHera, admiro-te pela bondade que mostras em querer ajudar-me com todas as tuas for-ças. Mas nosso homem não se contentará e estejas certo de que agora, mais do quenunca, ele rirá de nós.

riÍprns com um riso maldoso, sócrates. se não há o que responder e ele zomba de nós,é dele próprio que ri e será provavelmente objeto de riso para os presentes.sócRArES Talvez tenhas razão. Mas perante tal resposta, como prevejo, também existeo perigo de que não se contente apenas em rir de mim.

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