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MICHEL CUTAIT NETO
O AUXÍLIO-DOENÇA NO DIREITO BRASILEIRO
MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO
PUC/SP
SÃO PAULO
2005
MICHEL CUTAIT NETO
O AUXÍLIO-DOENÇA NO DIREITO BRASILEIRO
Dissertação apresentada à Banca Exami-
nadora da Pontifícia Universidade Católi-
ca de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Di-
reito Previdenciário, sob orientação do
Professor Doutor Wagner Balera.
PUC/SP
SÃO PAULO
2005
Banca Examinadora
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
Dedico este trabalho ao Professor Wagner Balera, meu primeiro e
magnânimo mestre, homem dileto e exemplar, pessoa humana generosa,
caridosa e honesta, profissional competente e comprometido, por quem me foi
concedida a incomensurável honra de sua orientação, de seus ensinamentos e
de suas lições na Ciência do Direito, em especial, no Direito Previdenciário, que
me permitiram realizar a mais importante descoberta da minha vida: o Magistério,
inovando e alterando profunda e positivamente todo o meu destino.
A ele, meu mestre, guardo perenes e indestrutíveis meu profundo
respeito, fiel admiração e absoluta gratidão.
Também dedico este trabalho à Professora Giselda Maria Fernandes
Novaes Hironaka, verdadeira mestra, alma iluminada, ser humano incomparável,
mulher guerreira e mãe exemplar, fonte de vida, força e alegria para seus pupilos.
A ela, minha querida professora, a quem serei eternamente grato com
minha dedicação e lealdade incondicionais, devo as mais decisivas
oportunidades da minha vida, inclusive esta.
Agradeço à minha família, meu pai Michel, minha mãe Heliana, meus
irmãos Victor e Arthur, que são parte indissociável de mim e que, com seu
sincero amor, fizeram-me permanecer firme, reto, orgulhoso, austero e corajoso
diante de todos os desafios da vida.
Também agradeço ao Dr. Antonio Carlos Caricatti, homem lutador e
responsável, que me acolheu como filho, que me ofereceu seus melhores
conselhos, que me favoreceu nos momentos mais difíceis e que me permitiu
desbravar com dignidade minha honrosa trajetória profissional.
Por fim, agradeço a Deus, Pai Todo Poderoso, que é maior do que todos
e que tem abençoado minha alma, iluminado minha mente, aberto meu coração e
me protegido com sua infinita bondade.
6
RESUMO
Fundamentada na solidariedade humana, como conjunto de ações que
visam a oferecer proteção social aos indivíduos da sociedade, mantendo incólu-
mes os valores do bem-estar e justiça sociais, sustentáculos da Ordem Social,
emerge do ordenamento jurídico brasileiro a seguridade social, consubstanciada
nos serviços de previdência social, assistência social e saúde.
Cada um desses serviços oferece determinados instrumentos de prote-
ção social que podem satisfazer as conseqüências geradas por determinadas
situações da vida, definidas como risco social, garantindo que a sociedade este-
ja segura, amparada e protegida, favorecendo que cada um dos indivíduos te-
nha garantido seu desenvolvimento humano com dignidade.
Nesta concepção, a previdência social manifesta sua proteção por meio
de benefícios e serviços, prestações concretas oferecidas aos indivíduos, as
quais se justificam como específicos instrumentos de proteção social que aten-
dem a cada uma das causas de risco social que a sociedade enfrenta no mundo
da vida.
As conseqüências do risco social de determinadas situações da vida geram
necessidade aos indivíduos da sociedade, que, dinamicamente, repercutem efeitos
sistêmicos não somente na esfera individual, mas também na esfera coletiva, são
reconhecidos em muitas situações, como por exemplo, no risco social da idade
avançada, da morte, da incapacidade, e tantas outras que afetarem a sociedade.
Particularmente, dada a fundamental repercussão social que a incapaci-
dade para o exercício do trabalho repercute na sociedade, este trabalho revela-
rá as razões pelas quais esta situação se perfaz merecedora da proteção ofertada
7
pela Previdência Social, instrumentalizada por meio de um benefício previ-
denciário específico, denominado auxílio-doença, disciplinado e normatizado pela
Lei n. 8.213/91 e ancorado como resposta direta das disposições constitucio-
nais brasileiras.
No estudo do benefício previdenciário auxílio-doença este trabalho bus-
cará revelar os elementos essenciais para a conformação deste instrumento de
proteção social, suas características, suas amplitudes fáticas, suas causas, suas
conseqüências, suas finalidades, suas críticas e todas as delimitações de sua
natureza jurídica de benefício previdenciário.
Sendo assim, ao final, alocado no bojo da seguridade social e ofertado
pela previdência social, o benefício auxílio-doença surge como um instrumento
específico que visa a garantir proteção social do risco social da incapacidade
para o exercício do trabalho, permitindo que os entes protegidos, os indivíduos,
possam desenvolver sua condição humana com dignidade, condição mínima
para concretizar os ideais de bem-estar e justiça sociais buscados pela ordem
social e pela sociedade.
8
ABSTRACT
Based on human solidarity, as a set of actions that aims offering social
protection to the individuals of the society, keeping whole the values of Well-
Being and Social Justice, props of the Social Order, Social Security emerges
from the Brazilian judicial law, consolidated in the Social Welfare, Social Assistance
and Health.
Each one of these services offer certain social protection instruments that
could satisfy the consequences generated by certain situations in life, defined as
social hazard, ensuring that the society is safe, supported and protected, favoring
for each one of the individuals to have ensured his human development with dignity.
In this concept, Social Welfare manifests its social protection by means
of benefits and services, concrete services offered to the individuals, which are
justified as specific instruments of social protection that meet each one of the
causes of social hazard that the society faces in the world of life.
The consequences of the social hazard of certain situations in life generate
needs for the individuals of the society, which dynamically reflect systemic effects
not only in the individual sphere, but also in the collective sphere, are
acknowledged in many situations, such as for example, in the social hazard of
advanced age, death, disability, and so many others that may affect the society.
Particularly, given the fundamental social repercussion that disability for
working reflects in the society, this work will reveal the reasons why this situation
is deserving of the social protection offered by the Social Welfare, instrumented
by means of a specific welfare benefit, called Sick Assistance, instructed and
ruled by Law No. 8.213/91, and anchored as a direct answer from the Brazilian
constitutional provisions.
9
In the study of the welfare benefit of the Sick Assistance, this work will seek
to reveal the essential elements in conforming this instrument of social protection,
its characteristics, its phatic amplitudes, its causes, its consequences, its purposes,
its criticism and all delimitations of its juridical nature of welfare benefit.
Thus, in the end, allocated in the core of the Social Security and offered
by the Social Welfare, the Sick Assistance benefit appears as a specific instrument
that aims ensuring social protection for the social hazard of disability for work,
allowing for the protected ones, the individuals, to be able to develop their human
condition with dignity, as minimum condition to make concrete the ideals of Well-
Being and Social Justice sought by the Social Order and by society.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1. SOLIDARIEDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2. SEGURIDADE SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.1 Evolução histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.2 Conformação conceitual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.3 Princípios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.4 Entes envolvidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.5 Finalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
2.6 Bem protegido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.6.1 Risco social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
2.6.2 Cobertura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
3. SERVIÇOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
3.1 Previdência social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
3.2 Assistência social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
3.3 Saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
11
4. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
4.1 Conformação conceitual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
4.2 Relação jurídica dos benefícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
4.3 Materialidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
4.4 Sujeitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
4.4.1 Beneficiários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
4.4.2 Segurados obrigatórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
4.4.3 Segurados facultativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
4.4.4 Dependentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
4.5 Objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
4.5.1 Prestação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
4.5.2 Obrigação de pagar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
4.5.3 Elementos característicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
4.5.3.1 Tempo do pagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
4.5.3.2 Lugar do pagamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
4.5.3.3 Valor do pagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
4.6 Carência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
5. RISCO SOCIAL DA INCAPACIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
5.1 Abrangência da incapacidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
5.2 Nexo causal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
5.2.1 Causas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
5.2.1.1 Comuns . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
5.2.1.2 Acidentárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
5.2.2 Conseqüências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
12
6. AUXÍLIO-DOENÇA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
6.1 Considerações iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
6.2 Auxílio-doença comum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
6.3 Materialidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
6.4 Sujeitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
6.5 Objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
6.5.1 Pagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
6.5.2 Tempo de pagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
6.5.3 Lugar do pagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
6.5.4 Valor do pagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
6.6 Carência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
7. AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
7.1 Materialidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
7.2 Sujeitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
7.3 Objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
7.4 Outros aspectos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
CONCLUSÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
13
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objeto o estudo do benefício previdenciário
auxílio-doença como instrumento de proteção social na atuação da Seguridade
Social, segundo os ditames constitucionais e legais do ordenamento jurídico
brasileiro.
Sendo o benefício previdenciário auxílio-doença destinado a proteger a
situação de necessidade decorrente da incapacidade para o exercício do trabalho,
seu estudo se justifica pela potencial e impactante conseqüência que a incapa-
cidade para o exercício do trabalho tem repercutido na sociedade brasileira.
A possibilidade de ocorrência de acidentes e acometimento de doenças,
ou com nexo causal diretamente relacionado ao trabalho ou não, gera uma
situação periclitante à manutenção do nível de proteção social e principalmente
acarreta a prejudicialidade dos objetivos e valores que o bem-estar e a justiça
social, assentados sob o primado do trabalho, oferecem para a ordem social.
Sendo assim, compreender de forma sistemática as delimitações, os
alcances, as características, as finalidades, as conseqüências e os aspectos
críticos do benefício auxílio-doença pode ser esclarecedor e profícuo, espe-
cialmente, se esses aspectos forem analisados sob o prisma do regramento
constitucional e da disciplina normativa.
Esta metodologia tem o fim de compreender a relevância do auxílio-
doença como instrumento de proteção social destinado a alcançar os fins pró-
prios do sistema de seguridade social em sua manifestação exercida pela pre-
vidência social.
14
Para tanto, este trabalho discutirá a questão da solidariedade e dos
valores essenciais para a manutenção da ordem social, justificando o desenvol-
vimento de um sistema de seguridade social.
Depois revelará a concepção do sistema de seguridade social que se
desenvolveu historicamente no ordenamento jurídico brasileiro, bem como os prin-
cípios norteadores, os entes envolvidos, as finalidades buscadas e o bem pro-
tegido pelo sistema de seguridade social em sua atuação protetiva para a
manutenção da ordem social.
Especificará quais são as formas de atuação da seguridade social, pelos
serviços da previdência social, da assistência social e da saúde como vértices
imprescindíveis do sistema concebido pela Constituição Federal de 1988.
Mais especificamente considerada, a previdência social se revela pela
prestação de determinados instrumentos de proteção social, que podem ser mani-
festados pela prestação de serviços e benefícios, sendo estes últimos o objeto
relevante e principal no atendimento das situações de necessidade que os mem-
bros da sociedade enfrentam durante o desenvolvimento de suas vidas, das
relações sociais que vivenciam e da preservação das condições propícias para
o exercício do trabalho, que só poderão ser protegidas pelo eficaz beneplácito
dos benefícios previdenciários.
Serão estudados os elementos componentes das relações jurídicas dos
benefícios previdenciários, tanto em seu aspecto pessoal, pelos sujeitos envol-
vidos, e em seu aspecto material, pela justificativa concreta das situações de
necessidade que são protegidas, quanto em relação ao objeto, a prestação em
si, nos seus elementos característicos e outros dados relevantes para a perfeita
conformação desta relação jurídica.
Ainda, na esteira deste processo dedutivo e analítico, serão identificadas
as situações de necessidade específicas que decorrem do risco social da inca-
pacidade, por considerações históricas, e a compreensão substancial do nexo
15
causal que impõe a especial relação de causalidade entre causas e conseqüên-
cias, e que nas causas encontram uma dicotomia decorrente da afetação que
elas mantêm com o exercício do trabalho, estabelecendo um tratamento jurídico
diferenciado em cada uma dessas causas, tendo, ainda, a conseqüência como
um fenômeno comum a ambas as causas, ou seja, a conseqüência de compro-
meter a capacidade para o exercício do trabalho, que é, em suma, a situação
de necessidade a ser protegida por instrumentais adequados prestados pela
previdência social.
E por fim, como questão central deste trabalho, será apresentado o
benefício previdenciário auxílio-doença, conforme a divisão causal que se esta-
belecerá pela discussão do nexo causal antes mencionado, manifestado pelo
auxílio-doença comum e pelo auxílio-doença acidentário, compostos por todos
os aspectos estruturais que são próprios das relações jurídicas previdenciárias,
como seus sujeitos, sua materialidade e seu objeto na conformação jurídica
prevista, sistematizada e disciplinada pela Lei n. 8.213/91 e pela Constituição
Federal de 1988.
Ao final, este trabalho tentará de maneira comprometida, dedutiva e
analítica apresentar e concluir que o benefício previdenciário auxílio-doença é
um eficaz instrumento de proteção social prestado pela previdência social na
atuação da seguridade social em busca da manutenção da ordem social, e da
garantia de paz, dignidade e do desenvolvimento humano para toda a sociedade
de um Estado democrático de direito.
16
CAPÍTULO 1
SOLIDARIEDADE
Antes do estudo da Seguridade Social como o instrumento do Estado
democrático de direito que permite a manutenção da ordem social em condi-
ções favoráveis ao desenvolvimento humano, outra questão relevante que se
enfrenta, desde logo, é a expressão da solidariedade.
Esta questão não tem o condão de especificar com plenitude o que se
passa na Seguridade Social, nem tampouco pretende estabelecer todos os
limites da idéia da solidariedade. É, pois, um marco, um objetivo que estimula
a sociedade a caminhar segundo os ditames da justiça, do bem-estar e da
igualdade social.
A solidariedade se manifesta de várias formas numa sociedade demo-
crática, e isso foi conquista e fruto da história e da evolução social que diver-
sas nações enfrentaram para que esse fundamento pudesse ser transpassado
a sociedades distintas, cada qual por sua trajetória democrática.
A idéia da justiça, que há muito se discute pela filosofia, pela sociologia
e por todas as ciências dos valores humanos, está adstritamente ligada ao
conceito de solidariedade, não porque a justiça encontre seus fundamentos na
solidariedade, mas porque a solidariedade, sim, depende da idéia da justiça.
Esta relação se torna presente quando se compreende a justiça como
a justiça social, a justiça que vincula pessoas e estabelece entre elas uma
série de valores que alcançam as próprias prerrogativas, que estabelece limites
para a fruição dos bens, objetos nas relações sociais, e cria a relação interpessoal
17
não somente baseada no individualismo como exercício maior da própria
existência humana, mas sim como uma relação social, em que várias pessoas po-
dem relacionar-se de acordo com ditames de liberdade e independência.
Subsiste, portanto, a idéia de que a sociedade tem em comum determi-
nados anseios que justificam que as pessoas, individualmente, lancem mão
dos seus direitos e das suas prerrogativas em prol de valores que lhes são
uníssonos, como a preservação da vida digna, o respeito ao próximo, a compai-
xão pelas mazelas sociais, a valorização do ser humano como parte de um todo,
sem o qual o todo (a sociedade) não é capaz de seguir seu rumo no caminho
da evolução e da manutenção da espécie humana.
Mas, concomitantemente com as engenhosas relações interpessoais exer-
cidas pelos “atores sociais” que compõem a sociedade, está a figura do poder
público como instrumento que torna possível a concretização do ideal da justiça.
Por esta razão que assevera de maneira inquestionável o mestre Wagner
Balera:1
De outra parte, o Poder Público deverá criar mecanismos de con-
trole da atividade econômica que permitam afinamento constante
das estratégias sociais com vistas a ajustá-las aos objetivos ex-
pressos na Carta Magna.
E, ainda, sobre a justiça social:
[...] Esse ideal, implica na elaboração de mecanismos de prote-
ção social que, não sendo embora sucedâneos da justiça que
deva ser atingida e do progresso e do desenvolvimento que de-
vam ser alcançados, permitem equacionamento eficiente – de
conformidade com os axiomas constitucionais já referidos – das
contingências que o desenvolvimento provoca.
1 BALERA, Wagner. Introdução à seguridade social, p. 19.
18
Nesses aspectos é que a justiça está intimamente ligada à solidariedade
que permeia o conceito da seguridade, porque é pela justiça que a solidariedade
estabelece entre as pessoas uma relação de ajuda mútua, em que o valor de
cada um pode ser acrescido do valor do outro, se o objetivo de ambos é alcançar
um estado social mais propício para a manutenção de todos.
A justiça oferece à solidariedade a legítima condição para que as pes-
soas estejam todas ligadas ao mesmo ideal, e para o qual a divisão de suas
prerrogativas, bem como o compartilhamento de seus anseios, seja capaz de ga-
rantir condições favoráveis para que cada pessoa, em sua individualidade,
possa perfazer sua natureza humana.
Mas a solidariedade não depende tão-somente da Justiça, ela também
envolve a questão do bem-estar social.
O bem-estar social, assim considerado como o estado presente de uma
sociedade democrática, vale-se dos propósitos maiores do ser humano para
que todos estejam conformados segundo aquilo que a história da evolução
humana sempre travou as maiores batalhas, a garantia de uma vida digna, a
especial garantia da dignidade.
Tanto que a Carta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, fruto
dessa conquista social dos povos, já deixava muito sensível a idéia da dignidade
humana.
A dignidade como corolário direto do bem-estar social é o valor crucial
para que as pessoas, inseridas numa sociedade, possam exercer sua existência
humana com tranqüilidade, livres da violência, livres da miséria, da pobreza,
da marginalização e de qualquer forma de discriminação entre uns e outros.
A dignidade é mais que um objetivo, ela é o próprio estado da vida, é a
condição presente e imediata para que o ser humano perfaça sua vida com liber-
dade, independência e mais-valia.
19
A solidariedade oferece a dignidade ao bem-estar social um instrumento
poderoso para que todos possam usufruir as mesmas condições de vida, porque
cria entre todos uma espécie de código, um vínculo moral que condiciona a vida
de cada um ao respeito à vida do outro, e, mais que isso, um liame entre as pessoas
que possibilita um efeito multiplicador quando todos têm os mesmos objetivos.
Solidarizar é, antes de tudo, compartilhar, e compartilhar pode ser, como a
própria história dos homens já mostrou, um comportamento muito eficiente quan-
do se pretende manter a paz entre os povos e, nos povos, entre seus membros.
Isso é um dado muito importante na evolução da sociedade: a solidarie-
dade. Exercitando a imaginação, pode-se conceber uma sociedade de pessoas
egoístas e individualistas, em que cada pessoa se vale da própria e exclusiva
existência para sobreviver, pouco importando o outro ou a sobrevivência alheia.
Nestas condições, a probabilidade da evolução humana é muito remota porque
reinaria a barbárie, a violência, a sobrevivência indiscriminada do mais forte, e
porque, em diversas situações de perigo que o ser humano enfrenta em sua
existência, manter-se egoísta, individualista e afeto às necessidade pessoais é
muito arriscado se o objetivo é sobreviver, e sobreviver com dignidade.
Da mesma forma, uma sociedade de doadores e altruístas sofre do
revés, ou seja, corre riscos iminentes de que sua sobrevivência esteja prejudi-
cada pela cessão indiscriminada de suas riquezas, pelo oferecimento gratuito
dos bens da vida, e pela minimização da condição humana à exploração sub-
serviente, como já ocorreu na história grotesca da escravidão de alguns povos.
Esta sociedade também não satisfaz ao objetivo humano, da manuten-
ção da vida, porque sacrifica todos os seus membros ou a maior parte deles.
Agora, em contrapartida ao que foi explicitado nestas hipóteses, tam-
bém vale a imaginação para conceber uma sociedade solidária, cujo valor do
bem-estar social está implícito no comportamento de todos, fazendo com que
cada um, individualmente, ofereça ao outro a condição para que este também
possa exercer a própria existência, porque nessa sociedade solidária o outro não
20
é o limite, o outro é a ponte, a porta, a oportunidade de multiplicação da riqueza,
da divisão das dificuldades, da pulverização dos riscos contra a vida digna, do
compartilhamento das forças que fazem a sociedade viver melhor, e viver mais.
A solidariedade é uma ferramenta poderosa para a consecução do bem-
estar social.
E, por fim, valendo-nos dos pressupostos iniciais, temos também a
questão da igualdade social como um valor insofismável, que faz do ser humano
o único ser vivo capaz de relacionar-se segundo regras que privilegiem o
respeito ao próximo e busquem harmonia na diversidade humana e, que
compreende que a desigualdade no tratamento de uns e outros é um preço
muito custoso para todos.
Mais do que a própria consideração de que, como seres humanos, todos
são iguais em direitos e deveres, a igualdade social oferece um potente meca-
nismo de sobrevivência para que uma pessoa possa exercer sua dignidade e
sua vida em condições favoráveis para seu desenvolvimento pessoal.
Não é por outra razão que ecoa entre as sociedades civilizadas a idéia
de que todos são iguais em origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra
forma de distinção.
Conceber seres humanos distintos como iguais é uma conquista fabu-
losa porque permite que cada um, em suas desigualdades, exerça sua indivi-
dualidade em consonância com a individualidade do outro.
Esta consideração sobre a igualdade foi bem esclarecida por Moacyr
Velloso Cardoso de Oliveira:2
2 OLIVEIRA, Moacyr Velloso Cardoso de. Política social e seguridade social. Debates Sociais,
Rio de Janeiro, n. 32, 1981, p. 39.
21
A igualdade jurídica é, não obstante, um imperativo da verdadeira
democracia e, como corolário, a igualdade de oportunidades, ou
seja, a todos e a cada um devem ser proporcionados meios, os
instrumentos para a obtenção da realização plena na sociedade,
sem discriminação alguma. A utilização desses meios cada um a
fará conforme as próprias possibilidades e aptidões pessoais. O
essencial, porém, é que a oportunidade de utilizá-los lhe seja efe-
tivamente proporcionada. Isto é fundamental para o êxito de uma
política social.
A solidariedade também faculta à igualdade social um mecanismo muito
eficiente para garantir que as oportunidades sejam compartilhadas entre todos,
segundo suas desigualdades, e respeitadas as condições próprias de cada
um que são a essência da condição humana, porque pela solidariedade as
desigualdades se dissipam entre a divisão das tarefas, entre o compartilhamento
dos esforços e entre a multiplicação dos resultados decorrentes disso tudo.
A partir desse entendimento, avulta diante deste trabalho a imperiosa
necessidade de conceituação da seguridade social, cujas características princi-
pais estão intimamente ligadas à idéia de solidariedade, haja vista que a própria
Constituição Federal de 1988, quando trata da ordem social, já a privilegia em
seu artigo 193, no qual esta tem como objetivo o bem-estar e a justiça sociais,
e que tais valores, disseminados pela solidariedade, serão alcançados (ou pelo
menos buscados) pela seguridade social.
22
CAPÍTULO 2
SEGURIDADE SOCIAL
A seguridade social, no bojo da solidariedade antes discutida, nasce des-
sa idéia e se conforma no conjunto de iniciativas entre os membros da sociedade
visando ao atendimento da previdência social, da assistência social e da saúde.
Este é o conceito básico que se depreende do artigo 194 da Constituição
Federal de 1988, dispositivo constitucional que está inserido no Título VIII, Da
Ordem Social, no Capítulo II, Da Seguridade Social, em suas Disposições Gerais.
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado
de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, des-
tinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e
à assistência social.
Nesse conceito legal se verificam muitos elementos importantes para a
conceituação e o perfeito entendimento da seguridade social.
Ora, sendo um conjunto de integrado de iniciativas dos poderes públicos
e da sociedade, há considerado explicitamente que a seguridade social se mani-
festará por meio de ações, por meio de atos concretos a ser realizados pelos
poderes públicos e também pela sociedade.
Se assim será, então resta claro que há uma divisão de tarefas entre os
atores sociais, ou seja, entre os membros que compõe a sociedade, que, em
outras palavras, correspondem ao Estado (como organismo ficto que invoca o
23
poder de todos por meio de representantes da sociedade), aos trabalhadores,
às empresas e também àqueles cidadãos que usufruam algum ou qualquer
um dos serviços da seguridade social.
Aí está a primeira tangente da solidariedade que permeia a seguridade
social, porque a seguridade social será exercida por todos, pela manifestação
concreta dos membros da sociedade segundo as próprias condições e segundo
os “papéis sociais” que cada um exerce na vida em comum.
Outro elemento importante do conceito legal é a idéia de que tais iniciativas,
tais ações serão muito mais do que atos isolados, compreenderão uma série de
atos concatenados, harmônicos, estruturados, sistematizados, organizados e bem
configurados, seja pela adoção de procedimentos formais, seja pela aglutinação
de vários desses procedimentos para a consecução de um determinado fim ou,
ainda, pela disciplina harmoniosa que esses atos devem seguir, e também pela
proficiente configuração dessas ações conforme uma estrutura administrativa, siste-
matizada pela lei e organizada com o intuito de servir de instrumento para aquilo
que é o objetivo principal da seguridade social, notadamente, o bem-estar e a
justiça sociais a que se referia o artigo 193 da Constituição Federal de 1988.
Ainda do conceito legal, encontra-se como objetivo primeiro, pelo qual será
possível alcançar o objetivo principal antes mencionado, assegurar a todos o aten-
dimento dos serviços relativos à saúde, à previdência social e à assistência social,
temas que serão tratados individualmente, mas que, neste momento, servem para
marcar o horizonte da seguridade social, e, mais que isso, servem para confirmar
o aspecto instrumental da seguridade social como um mecanismo de garantias
sociais, voltados para manter a sociedade protegida por níveis especiais de justiça,
bem-estar e igualdade sociais.
Não é por outra razão que já elucidava este caminho Jean-Jacques
Dupeyroux:3
3 DUPEYROUX, Jean-Jacques, O direito à seguridade social, p. 27.
24
Deste modo, à medida que a seguridade social se torna um serviço
público, no qual se expressa uma solidariedade não profissional e
sim nacional, e à medida que o Estado se incumbe da organização
dessa solidariedade e aparece como devedor das prestações
concedidas aos atingidos pelos riscos, a idéia da seguridade so-
cial como garantia das rendas declina em favor do conceito de
uma seguridade social como garantia de um mínimo vital.
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A evolução histórica da seguridade social é importante porque o passado
pode revelar com muita percuciência quais eram os valores e as intenções da-
queles que lutaram para conquistar uma sociedade mais justa, igualitária e hu-
mana, e porque, pelo desenvolvimento histórico, a compreensão do presente (e,
por que não, o vislumbre do futuro) pode ser muito melhor desenvolvida, pois,
bem ajustado na conformação de alguns valores e especialmente na configu-
ração do conceito de seguridade social que se desenvolveu na história, o caminho
necessário para trilhar no sentido do bem-estar e da justiça sociais já não será
um caminho obscuro e inóspito.
Para tanto e para garantir a proficiência deste trabalho, a evolução
histórica partirá da realidade nacional, ou seja, do desenvolvimento do nosso
Direito pátrio, pois, na história dos povos, a evolução da seguridade social é
um tópico que valeria muito mais que um trabalho de dissertação sobre um
tema específico dentro deste manancial de assuntos e objetos de estudo, va-
leria muito mais, positivamente, um trabalho único, desenrolando todos os pro-
gressos conceituais, doutrinários, factuais e filosóficos que a seguridade social
tem por imprescindíveis.
Assim, dentro desse espírito de especificidade, e considerando que o
tema abordado neste trabalho é um braço muito específico de toda a seguri-
25
dade social, a evolução histórica a ser tratada será a do ordenamento jurídico
pátrio.
A evolução legislativa da seguridade social, no Brasil, é bem notada
pela evolução das Constituições brasileiras.
Na Constituição de 1824 pouco havia sobre a seguridade social na forma
como se afigura atualmente; havia, sim, a previsão muito discreta no artigo 179,
inciso XXXI, de que se estabeleceria uma política de socorros públicos volta-
dos para o atendimento das pessoas carentes pelos chamados montepios,
casas de socorros públicos e conventos.
Houve por esse tempo o estabelecimento de outras normas que prote-
giam determinados grupos da sociedade, mas eram ações muito pontuais,
como o Decreto n. 3.397, de 24 de novembro de 1888, que estabeleceu a Caixa
de Socorro para os trabalhadores das estradas de ferro. Houve também o aten-
dimento aos trabalhadores dos Correios, das Oficinas da Imprensa Régia, mas
tudo baseado na ajuda mútua de seus participantes, no mutualismo muito pre-
coce sobre as idéias da solidariedade e do conceito da seguridade social.
Já a Constituição de 1891, por seu artigo 75, cria o primeiro “benefício”
(aqui entendido somente como uma vantagem econômica) em favor do funcio-
nário público, assegurando uma aposentadoria em caso de invalidez no servi-
ço à Nação.
Importante ato normativo que surgiu em 1923, e segundo a doutrina,
tornou-se o marco do Direito Previdenciário, foi a Lei Eloy Chaves, Decreto n. 4.682,
de 24 de janeiro de 1923, que criou o primeiro sistema de previdência social
para atender, especificamente, aos trabalhadores ferroviários, com as denomi-
nadas Caixas de Aposentadoria e Pensões dos ferroviários, garantindo a eles
a proteção em caso de invalidez e morte, além de proteção a título de assis-
tência médica.
A Lei Eloy Chaves abriu caminho para a proteção a outros trabalhadores,
que se seguiu em atos normativos posteriores, como o dos portuários, os dos
26
trabalhadores dos serviços telegráficos, do serviço de energia elétrica e transpor-
te e do serviço público.
O Brasil, coadunado com os movimentos políticos e sociais que pulsa-
vam em outros países pelo mundo contemporaneamente à conquista de diver-
sos direitos sociais voltados ao trabalhador pela criação da Organização Interna-
cional do Trabalho (OIT) em 1919, também passou por um processo de extensão
dos direitos incipientes que nasceram da Lei Eloy Chaves, cuja modificação
mais relevante foi a reformulação das Caixas de Aposentadoria e Pensões
pelo Decreto n. 20.465, de 1o de outubro de 1931, em que se modificou a
organização daquele sistema inicial, de responsabilidade de cada empresa e ser-
viço envolvido, para fazer com que os benefícios da época fossem divididos
por categorias profissionais.
Cada uma das categorias teve, então, organizado o próprio fundo, por
meio dos Institutos de Pensões, cuja manutenção era realizada por meio de contri-
buições dos três principais membros da sociedade, os empregadores, o empre-
gado e o Estado.
A criação desses Institutos e suas configurações davam o pontapé inicial
para o novo sistema previdenciário brasileiro, mas ainda estava descentralizado,
com a organização e gerenciamento desses fundos pelos próprios agentes, ain-
da muito afetos ao sistema de mutualismo que fora concebido outrora.
Com o advento da Constituição de 1934, os Institutos receberam o res-
paldo constitucional, e os benefícios obtidos até então foram legitimados pela
Carta Magna, por suas disposições constantes nos artigos 121 e 170, que
traziam o direito à assistência médica, a direitos sociais e o direito a benefícios
como a aposentadoria dos funcionários públicos.
Nesse diploma constitucional, a idéia do financiamento do sistema dos
Institutos de Pensões ficou explícito pela repartição do ônus entre os membros
da sociedade, o que intensificava ainda mais o caráter econômico do sistema,
que, nesse momento, foi denominado previdência.
27
A Constituição de 1937, por sua vez, outorgada após três anos da anterior,
não representou um grande marco histórico na evolução dos direitos previdenciários
ou modernamente chamados direitos da seguridade social, tanto que timida-
mente dispunha sobre determinados “seguros” a certos trabalhadores protegi-
dos em casos de velhice, invalidez, vida e para acidentes do trabalho, confor-
me se depreendia do artigo 137 daquele diploma constitucional.
Quase dez anos depois, nasceu para o ordenamento jurídico brasileiro
o Diploma Constitucional de 1946.
Essa Constituição formalizou a idéia da previdência social, quando assim
a denominou inserida no Título V, Da Ordem Econômica e Social, nas garantias
previstas no artigo 157, que tratava especificamente da legislação trabalhista
e da previdência social.
Dentre os 17 incisos do artigo 157, emergia o inciso XVI.
Art. 157. A legislação trabalhista e a da previdência social obede-
cerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a
melhoria da condição dos trabalhadores:
[...]
XVI – previdência, mediante contribuição da União, do emprega-
dor e do empregado, em favor da maternidade, e contra as con-
seqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte,
além do inciso XVII, que obrigava a instituição do seguro pelo empregador con-
tra os acidentes do trabalho.
Importante notar que a Constituição de 1946 nascia no bojo de uma
sociedade marcada pela revolução dos paradigmas sociais e trabalhistas que
garantiram aos trabalhadores uma série de direitos e prerrogativas sociais que
ainda não tinha sido legitimada pelo poder e pelo Estado, e que pela Constituição
28
de 1946 passou a ser considerada como direitos essenciais da dignidade do
trabalhador e, conseqüentemente, do bem-estar e da justiça social.
Vale, ainda, relembrar que essa conformação sobre os direitos trabalhis-
tas e muitos dos direitos previdenciários atuais subsiste desde aquele momento
histórico, haja vista que a própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o
Decreto-lei n. 5.452, de 1o de maio de 1943, é vigente até hoje.
Importante conquista legislativa para a evolução da previdência social
fora a instituição da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), Lei n. 3.807,
de 26 de agosto de 1960, que sistematizava a previdência social, criava e expan-
dia benefícios, estendia o direito à assistência social a outras categorias de traba-
lhadores, e compunha a disciplina quase completa de todos os direitos e garan-
tias sobre a previdência social.
A LOPS vigeu até 1991, quando surgiram as atuais leis previdenciárias,
e, assim sendo, temos como a lei antepassada mais próxima do que se afigura
hoje como previdência social e mais adiante seguridade social.
Importante adendo à Constituição de 1946 foi a implementação da
Emenda n. 11, de 1965, que criou formalmente a idéia da “regra de contrapar-
tida”, cujo entendimento será tratado mais adiante, mas que, adredemente,
tem seus vértices na idéia de que “nenhuma prestação de serviço de caráter
assistencial ou de benefício compreendido na previdência social poderá ser
criada, majorada ou estendida sem a correspondente fonte de custeio total”, exa-
tamente nos termos do acréscimo ao artigo 157 daquele diploma constitucional.
A Constituição de 1967, alterada posteriormente pela Emenda n. 1, de
1969, sofreu pouquíssimas modificações quanto aos direitos previdenciários,
sendo mais relevantes, naquela época, os atos normativos expedidos pelo Poder
Executivo, como decretos-lei, leis ordinárias e leis complementares que amplia-
vam a proteção constitucional à outras categorias de trabalhadores e acrescen-
tavam novas sistematizações a respeito da matéria previdenciária.
29
Em 1988, fruto de um dos maiores momentos históricos da sociedade bra-
sileira, foi promulgada a vigente Constituição da República Federativa do Brasil.
Especificamente quanto à evolução da previdência social, houve, enfim,
a sistematização efetiva de um programa sociopolítico-econômico que estabe-
leceu as diretrizes fundamentais para a formação, criação, organização e dis-
ciplina de um sistema próprio, um sistema autônomo e universal, o denominado
Sistema da Seguridade Social, entabulado no Título VIII, Da Ordem Social,
Capítulo II, Da Seguridade Social, pelos artigos 194 e seguintes até o artigo
204, tratando da seguridade social bem como da previdência social, da saúde
e da assistência social.
Com a Constituição de 1988 o ordenamento jurídico brasileiro formaliza
e institui o Sistema de Seguridade Social, como resultado da evolução histó-
rica que formou o arcabouço jurídico necessário para que a sociedade brasileira
tivesse garantidos seus direitos e prerrogativas em prol da justiça, do bem-estar
e da igualdade social.
A partir de 1988, muitas outras leis e atos normativos legais surgiram disci-
plinando a questão da seguridade e, nesta oportunidade, seria muito dispen-
dioso e prolixo estender o conhecimento de uma a uma das regras que disci-
plinam o Sistema da Seguridade, sendo, porém, oportuno fazer menção às
Leis ns. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, consecutivamente, respon-
sáveis pela instituição do Plano de Custeio e do Plano de Benefícios a que se
referia o artigo 59 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, con-
forme dispositivo a seguir:
ADCT
Art. 59. Os projetos de lei relativos à organização da seguridade
social e aos planos de custeio e de benefício serão apresentados
no prazo máximo de seis meses da promulgação da Constituição
ao Congresso Nacional, que terá seis meses para apreciá-los.
30
Há críticas sobre a questão do prazo em que as Leis ns. 8.212 e 8.213
foram instituídas, porém, de alguma forma, atualmente, depois de uma série
de reformas, alterações normativas e inclusive acréscimos por meio de emendas
constitucionais (a saber, principalmente a Emenda Constitucional n. 20, de 1998),
tanto a Constituição Federal de 1988 como as duas leis aqui referidas são as
principais fontes de direito que guarnecem o Sistema da Seguridade Social.
2.2 CONFORMAÇÃO CONCEITUAL
O Sistema da Seguridade Social estabelecido pela Constituição Federal
de 1988 representou um avanço sobre os programas de proteção social ofere-
cidos à sociedade, e sua conformação correspondeu ao novo conceito que se
pretende para a idéia da seguridade social desenvolvido em várias nações
estrangeiras, que sempre foram, nesse aspecto, a vanguarda do desenvolvi-
mento sistemático dessas garantias, principalmente pela realidade histórica que
se afigurou nesses países, que muitas vezes não correspondia à evolução que
se operou no Brasil.
Essa nova concepção, por assim dizer, da seguridade social pode ser
muito bem delineada pela esclarecedora conclusão de G. Mazzoni in artigo
traduzido da revista I Problemi della Sicurezza Sociale:4
[...]
a) a seguridade social é um princípio ético-social não redutível a
um sistema de exclusão de outros: existem, com efeito, outros
sistemas de seguridade social, mas o escopo mínimo da segu-
ridade social é a libertação do homem da indigência e da miséria.
Tal objetivo concretiza o princípio inscrito no artigo 22 da Decla-
ração dos Direitos do Homem, isto é, do direito de cada indivíduo,
4 MAZONI, G. Existe um conceito jurídico de seguridade social? Texto traduzido da revista
Problemi della Sicurezza Sociale, n. 2, mar./abr. 1967.
31
na qualidade de membro da sociedade, à proteção da seguridade
social;
b) a prevenção dos riscos sociais, a generalização da cobertura
das necessidades essenciais a toda a população, o automatismo
das prestações, a unidade de orientação ou da gestão adminis-
trativa, a participação financeira do Estado não são características
absolutas da seguridade social, mas podem caracterizar um dado
sistema, por exemplo, de base seguradora obrigatória ou de ser-
viço público, mas deve tratar-se sempre de um serviço público
divisível, isto é, exeqüível através de uma pluralidade de presta-
ções individuais;
c) a seguridade social nada mais é que um dos aspectos do “Es-
tado Social” no qual se insere como elemento essencial, mediante
o pressuposto de uma solidariedade social que permita uma rela-
tiva distribuição da renda;
d) a seguridade social não exclui que, em uma “sociedade de
bem-estar”, possam ser utilizados, de forma autônoma, quer os
instrumentos da previdência (obrigatória, mutualística ou volun-
tária, integrativa ou supletiva, de categorias profissionais ou parti-
culares), quer os de assistência (pública e privada, inclusive o
“serviço social”) ou, ainda, os de cobertura de determinados riscos,
mediante contrato, pelo contraente mais abonado;
e) se a seguridade social não encontra na Constituição italiana
uma norma que a ela se refira expressamente, tal fato não impede
que toda a nossa Constituição seja inspirada, em suas normas
fundamentais, na garantia dos cidadãos e, em suas normas
programáticas de tutela social, nos princípios da seguridade social;
f) e, finalmente, é de considerar a repercussão que a introdução
de um sistema de seguridade social pode causar sobre as rela-
ções de trabalho. Pode-se prever, alem do mais, que o empre-
sariado seria aliviado dos “ônus sociais” de competência da comu-
32
nidade, pelo princípio da solidariedade geral, tais como a doen-
ça, a invalidez (não a devida a acidentes ou a doenças profissio-
nais) e a velhice; ficariam, contudo, a seu cargo os riscos profis-
sionais propriamente ditos e os riscos derivados da posição de
subordinação do trabalhador (riscos de perda de emprego),
exceto, conforme dissemos acima, as formas voluntárias ou com-
plementares da previdência, decorrentes dos contratos coletivos
ou de medidas de âmbito empresarial.
Embora extensa a citação, é mister que se faça neste ponto uma corre-
lação entre esses conceitos ao Sistema de Seguridade Social estabelecido
pela Constituição de 1988, para que, dentro de uma interpretação teleológica,
seja possível verificar se o modelo instituído pela Constituição de 1988 encon-
tra amparo no moderno conceito da seguridade social.
Efetivamente o Sistema de Seguridade Social que foi desenhado na
Constituição de 1988 não é a única forma de proteção e atendimento aos
anseios mínimos da sociedade atinentes às garantias individuais para a obten-
ção de uma vida digna e livre; há outras formas, tanto por disposições de conteú-
dos trabalhista, cível e penal e, ainda, outras de caráter geral que compreen-
dem um substrato fértil para a manutenção dos níveis mínimos de proteção aos
membros da sociedade.
A seguridade social no Brasil não corresponde a um determinado e único
serviço de proteção social, pelo contrário, a política de proteção social oferecida
pelo sistema brasileiro alcança diferentes níveis de proteção, seja quanto aos
entes protegidos (os sujeitos), seja quanto ao objeto oferecido à proteção dos
sujeitos, seja, também, quanto aos riscos e bens jurídicos relevantes que são
a justificativa para a concepção de um sistema de serviços públicos divisíveis,
autônomos e independentes, segundo os critérios da lei.
A seguridade social no Brasil também se afigura um dos aspectos do
“Estado social”, e tem como fundamento a questão da solidariedade como um
33
caminho para o atendimento dos reclames da justiça, do bem-estar e da igual-
dade sociais, cujo estudo fora objeto de explicitação no item 1 deste trabalho.
Da mesma forma que as considerações citadas não excluem da
seguridade social o atendimento pela previdência social ou pela assistência
social, com a possibilidade ainda de cobertura por outras formas particulares
de atendimento dos riscos, também, assim o é o Sistema da Seguridade Social
que se propôs ao ordenamento jurídico brasileiro, e mais que isso, porque
ainda há a previsão de o sistema atender além dos dois primeiros, também, à
cobertura dos riscos próprios da saúde como mais um serviço público, sem
olvidar ainda a possibilidade da previdência privada e a previdência comple-
mentar, que estão bem definidas dentro do Sistema da Seguridade Social tra-
zido pela Constituição Federal de 1988.
Diferentemente da realidade normativa italiana a que se referia o texto
citado, a Constituição Federal trouxe expressamente a disciplina e a sistemá-
tica da seguridade social, evitando, para a perfeita compreensão do conceito
moderno, que os caracteres do sistema sejam, somente, deduzidos por regras
e princípios internos de normas fundamentais, pois, no Brasil, esses caracteres
estão bem delimitados pela Constituição.
Outro elemento importante lembrado pela grandiosa citação de Mazoni,
é a repercussão que a previsão de um sistema de seguridade social acarreta
para a questão das relações de trabalho, pois, pela idéia da solidariedade, todos
os membros da sociedade participam das ações e iniciativas do sistema, pois,
de uma forma ou de outra, todos têm interesse naquilo que o artigo 193 da
Constituição Federal de 1988 adotou como primado de toda a ordem social,
seja, pois, o “trabalho”, uma vez que é pelo trabalho que a sociedade alcança
a dignidade, o bem-estar e a justiça sociais.
Considerar o trabalho como um primado garante que todos os envolvi-
dos nesta relação social estejam envolvidos nas questões decorrentes desse
“contrato”, especialmente, quanto ao “ônus social” que deverá ser repartido,
34
solidariamente, entre todos os membros da sociedade para a garantia de co-
bertura, proteção e atendimento às situações de risco que nascem pelo fato
do trabalho.
Desse modo, segundo o novo conceito de seguridade social que foi
alcançado historicamente por diversas nações do mundo, temos que o Sistema
da Seguridade Social oferecido ao ordenamento jurídico pátrio encontra funda-
mento nos anseios da sociedade, que desenvolvida a partir da idéia da solida-
riedade, da justiça, do bem-estar e da igualdade, satisfaz o desenvolvimento
humano e social.
2.3 PRINCÍPIOS
A Constituição Federal de 1988 é o depositário das normas fundamentais
e essenciais para a conformação do ordenamento jurídico de uma nação basea-
da no Estado democrático de direito, tanto que Hans Kelsen já estruturava o
ordenamento jurídico a partir de uma norma hipotética fundamental, que servia de
base, fundamento e legitimação à norma hierarquicamente inferior, notadamente,
a Constituição de uma nação, como se dá nos países de tradiçãojurídica do
direito posto, estruturado por leis e organizado segundo um sistema hierárquico
e harmonioso de regras sobrepostas umas sobre as outras, uma servindo de
validade para a seguinte e assim sucessivamente.
Nessa concepção, tem a Constituição Federal de 1988 papel fundamental
para estabelecer o espírito programático dos operadores e aplicadores do Di-
reito, sejam os legisladores, sejam os magistrados, sejam os “instrumentistas”
das leis, sejam os estudiosos, pois para cada um deles o espírito da lei deve
servir de base hermenêutica, de fundamento normativo e também de horizonte
legislativo, indicando a todos o caminho pelo qual a sociedade brasileira, por seu
“Estado democrático de direito”, pretende seguir na busca e na consecução
dos seus valores mais fundamentais.
35
Para tanto, a Constituição Federal de 1988 desenvolveu um rol de obje-
tivos no parágrafo único do artigo 194, que correspondem ao valores pelos
quais a seguridade social deve transpor para atingir os fins a que ela se destina.
Tais objetivos podem ser, corretamente, tratados de verdadeiros princí-
pios, pois têm em seu bojo a essência e o espírito daquilo que o legislador
constituinte assumiu como responsabilidade para o desenvolvimento do Sistema
da Seguridade Social.
São princípios porque determinam um conteúdo programático, ilumi-
nam o caminho dos aplicadores do Direito e mostram os valores ideais que a
seguridade social pode alcançar. É a luz no caminho da ordem social quando
se aventura na busca pela justiça e bem-estar social.
Art. 194.
[...]
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei,
organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I – universalidade da cobertura e do atendimento;
II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às po-
pulações urbanas e rurais;
III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e
serviços;
IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;
V – eqüidade na forma de participação no custeio;
VI – diversidade da base de financiamento;
VII – caráter democrático e descentralizado da administração, me-
diante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores,
dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos
colegiados.
36
A cada um desses incisos corresponde um princípio próprio da seguri-
dade social, e assim, ditos, pois estão, cada um deles, e todos eles, em perfeita
consonância lógica e sistemática para compor um arcabouço normativo condi-
zente, estruturado e organizado, pautado pela complementaridade de cada
um dos princípios que se sobrepõem e se completam numa formação holística
e harmoniosa.
Como este trabalho trata da questão específica da prestação dos serviços
da seguridade social, especialmente, e desde já anunciado, do benefício previ-
denciário auxílio-doença, objeto principal deste estudo, é relevante e interessante
a compreensão do teor teleológico de cada um desses princípios.
A universalidade da cobertura e do atendimento corresponde ao princípio
primeiro que traz, desde então, a diretriz essencial do Sistema da Seguridade
Social.
Universalidade é a qualidade daquilo que é universal e, portanto, daquilo
que envolve um universo de coisas, de bens e de sujeitos, todos uníssonos na
mesma realidade, ou seja, a universalidade é a característica do sistema que
assegura e engloba o universo social de uma sociedade, ou, então, é a qualidade
que denota ao sistema a afetação geral e irrestrita ao membros da sociedade,
às relações jurídicas entre eles, e aos objetos que correspondem aos vínculos
sociais.
Se a universalidade se dá na cobertura, é necessário verificar a abran-
gência da idéia de cobertura, nascida do instituto do seguro do Direito Civil
(ponto de partida para a nova concepção da seguridade social, que no passado
se organizava na forma de seguro social), que está relacionado à proteção de
determinados bens relevantes para o desenvolvimento da sociedade; na verdade,
a cobertura garante a proteção às situações da vida sujeitas ao risco de causar
algum tipo de necessidade social às pessoas ou membros que compõem a
sociedade.
37
Como a seguridade pretende oferecer uma proteção aos membros da
sociedade, para que protegidos todos tenha melhores condições de vida e digni-
dade para o desenvolvimento pessoal e social, quanto mais cobertura puder ser
garantida às situações que comprometem essa segurança social, tanto mais
objetiva e eficiente será a proteção da seguridade social.
A expressão da universalidade na cobertura esta intimamente ligada à
idéia do risco, e, neste mister, do risco social, assim chamado o risco que tem
sua afetação ligada às contingências sociais e que será objeto de estudo mais
detalhado logo a seguir.
Mas a universalidade também está dirigida ao atendimento e, quando
se concebe o atendimento, o complemento necessário é o atendimento às pessoas,
portanto, a universalidade do atendimento amplia, ou quer ampliar, a proteção
das pessoas sujeitas aos riscos, para evitar que fique comprometido o desenvol-
vimento regular e saudável da sociedade, o que afastaria os objetivos da justiça
e do bem-estar social.
No âmago deste princípio está a questão da Isonomia, sentinela cons-
tante erigida pelo artigo 5° da Constituição Federal, ou seja, de que
[...] todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer na-
tureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residen-
tes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igual-
dade, à segurança e à propriedade, [...].
Tal isonomia é que guarnece a abrangência da universalidade, pois pre-
tende garantir a todos um tratamento igualitário perante a lei e as instituições
sociais, independentemente de suas qualidades distintivas, o que, em última
análise, mantém o ideário da justiça social em constante evolução.
Consecutivamente, há o princípio da uniformidade e equivalência das
prestações, portentoso princípio que também pode ser avaliado segundo uma
38
divisão escorreita de seus vértices, ou seja, avaliado pelo prisma da uniformi-
dade e pelo da equivalência.
Nota-se, entretanto, que na Constituição há uma qualificação específi-
ca para este princípio que é sua afetação no tratamento entre trabalhadores
urbanos e rurais, que deverá ser pautado por esses mecanismos de proteção,
e, por que não, de isonomia.
A expressão uniformidade corresponde à forma comum entre dois ob-
jetos, ou seja, significa que, no tratamento entre os trabalhadores urbanos e
os rurais, as leis e seus aplicadores devem ficar atentos à questão da uniformi-
dade, impedindo que as prestações vertidas tanto a uma categoria de traba-
lhadores como a outra sejam e respeitem a mesma forma.
Em outras palavras, uniformidade nas prestações é a garantia de que
tanto trabalhadores urbanos como rurais terão direito ao mesmo manancial de
instrumentos de proteção social a ser prestados pela seguridade social. Por-
tanto, se um trabalhador urbano tem direito a determinado benefício de natureza
previdenciária, também o terá o trabalhador rural, pois entre eles não há mais
nenhuma distinção de tratamento.
Já a expressão equivalência está intimamente ligada à questão do va-
lor das prestações, pois a qualidade da equivalência, em sua raiz morfológica,
tem a igualdade como valor destinado a dois pólos distintos.
Portanto, a equivalência das prestações oferecidas aos trabalhadores
urbanos e aos rurais está adstrita ao aspecto e conteúdo financeiro e econômico
das prestações, notadamente, sobre a questão do valor, e mais que isso, so-
bre o critério utilizado para a valoração e mensuração das prestações, pois
equivalente é aquilo que tem o mesmo critério de valência, isto é, tem coinci-
dência na forma como são mensuradas e computadas as prestações.
Como restará esclarecido adiante, o critério para a mensuração das pres-
tações da seguridade social é baseado na “remuneração” decorrente da relação
39
do trabalho, pois, à exaustão, o trabalho é o primado da ordem social e sobre o
qual toda a sociedade encontra seu sustentáculo, porque a partir do trabalho é
que se torna possível a manutenção individual da sobrevivência pessoal e do
desenvolvimento humano, conforme já restou debatido anteriormente.
Na seqüência estabelecida pela Constituição Federal de 1988 encontra-se
a seletividade e distributividade das prestações.
Novamente, é pertinente tratar deste princípio segundo um entendi-
mento dicotômico, mas não oposto, e sim complementar, pois a seletividade é
o primeiro passo para a distributividade.
Pela seletividade das prestações a seguridade social encontra o funda-
mento para a justa classificação dos eventos que sujeitam os membros da
sociedade a situações de necessidade que urgem gritantes pelos instrumentos
de proteção social.
A qualidade da seletividade se manifesta na faculdade do legislador ou
do operador do Direito de avaliar dentro da sociedade quais são os eventos ou
situações da vida que merecem cobertura, ou seja, é a qualidade de selecio-
nar quais riscos sociais serão protegidos quando efetivamente surgirem no
mundo dos fatos, e que incidentes sobre os membros da sociedade prejudicam
a manutenção da segurança social e da dignidade humana.
Reconhecidas e classificadas as situações a ser protegidas pelas presta-
ções da seguridade social, compete ainda ao legislador ou operador do Direito
a correspondente atribuição para cada uma dessas situações de um determi-
nado, específico e eficiente instrumento de proteção social, a que se denomina
prestação social, ou, como se verá adiante, de benefício (neste pormenor, quando
se tratar de questão relacionada à previdência social).
Pois bem, se a seletividade garante o reconhecimento das situações a
ser protegidas, bem como oferta a cada uma delas uma prestação específica
como garantia de proteção social, é necessário que tal proteção seja instrumen-
40
talizada de maneira eficiente, e segundo critérios justos, pautados pela isonomia
já referida antes, o que se dará pela distributividade.
A distributividade é a justa aplicação da seletividade, ou seja, é o ofere-
cimento de cada uma das prestações sociais às pessoas e membros da socie-
dade que estiverem sofrendo as selecionadas situações de risco social.
Portanto, se a seletividade é a avaliação do campo de atuação da segu-
ridade social, a distributividade é a aplicação dos instrumentos de proteção
social eleitos para garantir os níveis de segurança, bem-estar e justiça sociais.
Em ambos os prismas está a concepção da isonomia, por isso que os
princípios devem manter a interação entre seus corolários, porque, concomitantes
e sucedâneos a cada etapa principiológica, a compreensão teleológica dos
Sistema de Seguridade Social fica mais clarividente e profícua.
Seguindo a ordem apresentada pela Constituição Federal de 1988, há
o princípio da irredutibilidade dos benefícios.
Benefícios são as prestações pecuniárias que perfazem a proteção so-
cial e instrumentalizam as finalidades da seguridade social no atendimento
das situações que geram necessidade aos membros da sociedade.
Neste mister, a irredutibilidade dos benefícios surge como a garantia
de que a proteção social oferecida à sociedade terá respeitado a garantia mí-
nima de manutenção do seu conteúdo econômico, não somente como corolário
do direito adquirido estabelecido no inciso XXXVI do artigo 5° da Constituição
Federal de 1988, mas também para assegurar que a proteção oferecida e pres-
tada pela seguridade social atinja as finalidades que lhe são próprias, seja na
manutenção da dignidade humana, seja na consecução do bem-estar e da
justiça sociais.
Pela irredutibilidade, tanto se verifica na responsabilidade do legislador
e do aplicador do Direito de respeitarem níveis mínimos de proteção, não per-
41
mitindo que haja redução nos patamares econômicos já conquistados pelos
membros da sociedade, os entes protegidos pela seguridade, daí sim como
corolário do direito adquirido, como também se afigura na manutenção cons-
tante e atualizada do poder econômico das prestações.
Ora, numa sociedade marcada pela inconstância econômica, financeira
e monetária, que também influencia na avaliação atuarial, cujo critério envolve
questões políticas, econômicas, sociais e demográficas, é contingente a possi-
bilidade de que o benefício (que tem caráter pecuniário) sofra instabilidades em
seu real poder econômico, e, portanto, não basta a garantia de que ele não sofra
redução, é necessário, também, que seu valor mensurável e pecuniário se man-
tenha atualizado e efetivo no cumprimento dos fins propostos, especificamente,
de oferecer aos entes protegidos a condição necessária para que eles mante-
nham a própria dignidade.
Quanto ao segundo aspecto, vale notar que a Constituição Federal, em
seu artigo 201, § 4°, estabelece que:
[...]
§ 4o É assegurado o reajustamento dos benefícios para preser-
var-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios
definidos em lei.
Voltado ao vértice eqüidistante da conformação da seguridade social
está o princípio da eqüidade na forma de participação do custeio.
Como o próprio nome sugere, esse princípio está relacionado ao pro-
blema do custeio, que fora visto anteriormente, quando mencionada a Lei n.
8.212/91, Lei do Custeio, ato normativo que estabelece e disciplina toda a ques-
tão do financiamento da seguridade social, que é a condição necessária, den-
tro da conformação conceitual já aventada, para que o sistema mantenha vivos
e operantes os instrumentos de proteção social, pois seus conteúdos pecuniá-
42
rios exigem que na contrapartida esteja um sistema garantido pelo lastro finan-
ceiro e econômico que suporte as despesas e os gastos necessários para imple-
mentar os serviços de previdência social, de saúde e assistência social.
Este enfrentamento será mais adiante tratado.
Não obstante, a eqüidade no custeio é o tratamento a ser dado na ques-
tão da participação dos membros da sociedade em suas feições solidárias de
financiamento do Sistema de Seguridade Social.
Esse financiamento, possível graças ao caráter contributivo do sistema
pela arrecadação de contribuições sociais, verdadeiros tributos vertidos dos
esforços da sociedade como forma de iniciativa desta para a realização da
seguridade social, deverá ser pautado pela eqüidade.
Na questão do financiamento e da participação dos membros da socie-
dade no custeio do sistema, a eqüidade avulta duas características essenciais
que são a isonomia e a capacidade econômica dos contribuintes, ou, vistos de
outro foco, os entes protegidos que contribuem para o sistema.
Na eqüidade da participação do custeio, a isonomia surge como o marco
relevante quando os contribuintes são considerados um a um em condições
de igualdade, quer dizer, cada contribuinte, na quota de sua participação para
financiar a seguridade social, deve receber um tratamento isonômico, não só
pela consideração de suas desigualdades, mas pela verificação de que deter-
minados contribuintes, ou determinadas categorias de contribuintes têm con-
dições muito distintas e, portanto, merecem um tratamento pautado pela iso-
nomia e pela garantia de que a justiça social será bem pactuada entre todos os
participantes do sistema.
Mas não basta a isonomia, também se revela imprescindível para o aten-
dimento da eqüidade que essa isonomia esteja de acordo com a capacidade
econômica do contribuinte.
43
A capacidade econômica é a versão aperfeiçoada da chamada capaci-
dade contributiva que sempre regeu o Direito Tributário, mas que ganhou um
conteúdo mais especial, conforme previsão do artigo 145, § 1o, da Constitui-
ção Federal de 1988, em que se estabelece:
Art. 145.
[...]
§ 1o Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contri-
buinte, facultado à administração tributária, especialmente para
conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os
direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendi-
mentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Ora, mais do que simplesmente atribuir uma carga tributária mais ro-
busta a quem tenha melhor capacidade contributiva, no tão mencionado
brocardo “quem ganha mais paga mais”, a capacidade econômica considera
não só o aspecto contributivo, mas qualifica este aspecto conforme as condições
econômicas do contribuinte, segundo seu patrimônio, seus rendimentos e a
atividade econômica exercida por ele.
Tais elementos são muito apropriados para a verificação da real condi-
ção contributiva do contribuinte e também porque, por estas características
econômicas, é possível a avaliação da justa aplicação da isonomia, visto que
determinados contribuintes oferecem ou são responsáveis por níveis elevados
de incidência de riscos sociais, ou, ainda, pela efetiva sujeição dada a outros
entes protegidos nas situações da vida que geram necessidade de proteção
social, como é o caso das empresas.
A eqüidade vale desses dois aspectos para atribuir a cada um dos
contribuintes uma determinada quota de participação no financiamento da
seguridade social, seja estabelecendo um tratamento diferenciado na arreca-
44
dação, seja conferindo a determinados contribuintes condições especiais de
financiamento ou de incentivos fiscais.
Exemplo disso é o § 9° do artigo 195 da Constituição Federal de 1988,
acrescido pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998, segundo o qual:
Art. 195.
[...]
§ 9° As contribuições sociais previstas no inciso I [Contribuição
Social das Empresas] deste artigo poderão ter alíquotas ou ba-
ses de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica
ou da utilização intensiva de mão-de-obra. [grifo nosso]
Portanto, a diferenciação no tratamento tributário dado pelo § 9° do
artigo 195 deverá levar em consideração a razão da atividade econômica ou a
utilização intensiva de mão-de-obra daquele determinado contribuinte, o que
para este dispositivo se aplica às empresas. Exemplo disso é o acréscimo no
percentual de alíquota que as chamadas instituições financeiras devem supor-
tar no pagamento da sua contribuição social sobre a folha de salários, confor-
me estabelece o § 1° do artigo 22 da Lei n. 8.212/91.
Ainda tratado sobre a questão do custeio, há o princípio da diversidade
da base de financiamento.
Por este princípio fica esculpida a idéia da necessidade do Sistema de
Seguridade Social de manter em sua base financeira as condições monetárias
favoráveis para arcar com todas as formas de proteção social oferecidas, seja
pelos instrumentos da previdência social, seja pelos da saúde e da assistência
social.
Para sua perfeita atuação, a seguridade social tem por imprescindível o
financiamento anterior e adredemente estabelecido, e não foi outra razão que o
legislador constituinte determinou no artigo 195 da Constituição Federal que o
45
Sistema de Seguridade Social será financiado pela sociedade, de forma indi-
reta e de forma direta.
De forma indireta, o financiamento se dá pelo Estado, por meio de dota-
ções orçamentárias, ou seja, transferência financeira do orçamento do Estado
para o orçamento da seguridade social, conforme disciplina orçamentária pre-
vista na Constituição e especificada na lei.
De forma direta, o financiamento se dá pela arrecadação das contribui-
ções sociais vertidas pela sociedade civil, precisamente pelos trabalhadores e
pelas empresas, isto é, pela arrecadação de um tributo, chamado contribuição
social, pelo qual o sistema encontra o lastro financeiro necessário para a manu-
tenção e expansão dos níveis de proteção social a ser ofertados aos entes
protegidos.
Esta foi, aliás, a forma consagrada desde 1934 pela legislação brasileira,
que desde então envolveu como participantes e colaboradores do sistema de
seguridade o triunvirato formado pelos trabalhadores, pelas empresas e pelo
próprio Estado.
Como as contingências da seguridade social, no exercício do seu papel
de fomentador, garantidor e protetor da ordem social, são muito custosas, e
sabidamente, onerosas, o financiamento se faz absolutamente necessário, o
que, neste diapasão, justifica o princípio da diversidade.
Diversidade nas bases de financiamento é a característica imprescindí-
vel para que o sistema tenha seu financiamento pulverizado e, portanto, multipli-
cado por diversas fontes de receita.
Normalmente são adotadas como diversidade a objetiva e a subjetiva,
pois a diversidade pode ser tanto sobre as bases de cálculo, ou seja, os fatos
incidentes da atividade tributária, como subjetiva, quando a diversidade recai
sobre diversos sujeitos de direito que são convocados pela lei a participar do
financiamento do sistema.
46
Pode-se adotar, com propriedade também, o critério da diversidade hete-
rogênea ou diversidade homogênea, sendo a primeira a diversidade que ocorre
entre dados sujeitos específicos, variando o pólo subjetivo pelo qual se obtém
o financiamento, e sendo a segunda homogênea porque o financiamento se dará
diversificado dentro de cada um desses pólos, ou seja, cada sujeito contribuinte
terá por sua responsabilidade várias formas de financiamento, diversificando
as bases de cálculo.
Como a contingência pode ser maior do aquela esperada pelas técni-
cas da ciência atuarial, a Constituição Federal estabeleceu no § 4° do artigo
195 a possibilidade da competência residual para a instituição de outras for-
mas de custeio e financiamento, segundo certas condições formais e legais,
ampliando ainda mais a abrangência da diversidade da base de financiamen-
to, conforme os termos da lei:
Art. 195.
[...]
§ 4° A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a
manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o dis-
posto no artigo 154, I.
Importante asseverar que o exercício da competência residual citado aci-
ma está afetado e exclusivamente destinado à finalidade de manter ou expandir o
Sistema de Seguridade Social, ou seja, para garantir o cumprimento do princípio
da universalidade na cobertura e no atendimento que foi esclarecido antes, pois
esta é a forma de manter ou expandir a proteção social oferecida.
Democratização é mais do que o reflexo de um Estado democrático de
direito, democratização na gestão do Sistema de Seguridade Social é a garantia
efetiva de que os membros da sociedade ou os entes protegidos sejam, este-
jam, participem, discutam, decidam e façam parte da gestão que organiza, es-
trutura, sistematiza, administra e comanda a máquina estatal chamada de Sistema
de Seguridade Social.
47
Esta democratização é fruto da conquista da sociedade que outorga a
seus representantes os poderes necessários para que ela mesma, a socie-
dade, seja organizada por um ente fictício, denominado Estado, que funcio-
na como o alicerce material para a consecução dos fins únicos de todos os
povos organizados, que é seu pleno desenvolvimento, seja no aspecto social,
no econômico, no político, seja ainda no aspecto do desenvolvimento humano.
Já a feição da descentralização na gestão da seguridade social, segundo
o desenho constitucional ofertado pela Magna Carta, deveria ser o alicerce es-
trutural e crucial para o perfeito desempenho do sistema.
Pela descentralização, a Constituição Federal de 1988 garantiu que a
gestão, a organização e a aplicação dos serviços oferecidos pela seguridade
social tenham a independência e a autonomia necessária para que esta,
paralelamente, ao Estado, possa desempenhar suas funções com o máximo de
performance, eficiência, eficácia e agilidade no atendimento aos entes
protegidos.
Tanto que foi estabelecido um orçamento próprio para a seguridade
social, conforme disposição do artigo 165, § 5°, inciso III, da Constituição Fe-
deral de 1988, pelo qual a lei orçamentária compreenderá “o orçamento da
seguridade social...”.
Faz parte do princípio da descentralização, também, a formação de um
instituto próprio e independente para gerir o sistema de seguridade, fruto da
união dos antigos Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assis-
tência Social (IAPAS) e Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), na
escorreita trilha da Constituição Federal de 1988, conforme o novo desenho
apresentado pelo legislador constituinte para a concepção da seguridade social,
foi criado pela Lei n. 8.029, de 12 de abril de 1990, e regulamentado pelo Decre-
to n. 99.350, de 27 de junho de 1990, o denominado Instituto Nacional do Segu-
ro Social (INSS), cuja atuação, também descrita na lei, tem hoje papel funda-
mental na aplicação e prestação dos serviços protetivos da seguridade social.
48
2.4 ENTES ENVOLVIDOS
Importante referência sobre a abrangência da seguridade social é a deli-
mitação dos entes envolvidos na organização, participação e fruição dos servi-
ços oferecidos pelo sistema.
Pode-se dividir os entes envolvidos segundo o critério da forma que
cada ente, cada sujeito se insere no bojo do Sistema de Seguridade Social.
Há os entes que se perfazem na organização, ou seja, os gestores do
sistema, que já foram brevemente apontados aqui, e são encabeçados pelo
Estado, como ente representativo da sociedade, do qual surge o Instituto Nacio-
nal do Seguro Social (INSS), autarquia federal, que tem por fim os atributos
conferidos no Decreto n. 99.350/90, especificamente no seu artigo 3°, conforme
segue:
[...]
Art. 3o Compete ao INSS:
I – promover a arrecadação, fiscalização e cobrança das atribui-
ções incidentes sobre a folha de salários e demais receitas a elas
vinculadas, na forma da legislação em vigor;
II – gerir os recursos do Fundo de Previdência e Assistência
Social (FPAS);
III – conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários;
IV – executar as atividades e programas relacionados com em-
prego, apoio ao trabalhador desempregado, identificação profis-
sional, segurança e saúde do trabalhador.
O INSS é estruturado por uma série de níveis administrativos, com-
postos por uma presidência, procuradoria, auditoria e diretorias, todas, por si,
compostas por diversos agentes públicos que desempenham suas funções
segundo os comandos legais.
49
Quanto à participação no sistema, conforme convocação referida no
artigo 194 da Constituição Federal de 1988, a seguridade social contará com a
participação e iniciativa pelas ações dos poderes públicos (nos níveis federal,
estadual e municipal) e da sociedade.
A efetiva participação dos poderes públicos e da sociedade envolve a
descentralização na gestão como já fora asseverado no item dos princípios e,
mais precisamente, envolve a participação no financiamento da seguridade
social, que dividido entre o triunvirato do governo (poder público), dos trabalha-
dores e empresas (sociedade), discriminam uma determinada quota de
participação, por meio de instrumentos tributários, e segundo as formas previstas
em lei, como manifestação do conceito de solidariedade que é o fundamento
para todo o Sistema de Seguridade Social.
E, também, são considerados entes envolvidos, conforme o critério da
fruição, os sujeitos de direito que usufruem os serviços e os instrumentos de
proteção social oferecidos pelo sistema da seguridade, chamados de
beneficiários.
Na esfera da previdência social, entre os beneficiários estão os segu-
rados e os dependentes.
Os segurados são os sujeitos de direito que mantêm com a previdência
social um vínculo, uma relação jurídica chamada de “filiação”, estabelecida
pelo exercício de deveres e direitos, e que têm a obrigação de participar do
financiamento da seguridade social e, em contrapartida, têm o direito de usu-
fruir todos os serviços garantidos pela previdência social.
Os dependentes, por sua vez, são os sujeitos escolhidos pela lei como
aqueles sujeitos que, por sua especial relação com o segurado, relação marcada
pela dependência econômica que os sujeita aos auspícios e cuidados do segu-
rado, merecem, por conta dessa dependência e segundo critérios de seletividade
e distributividade, ser protegidos pela previdência social como sujeitos de direito,
exercendo, somente, a prerrogativa de usufruir determinados e limitados benefí-
cios da previdência social.
50
Na esfera da saúde e da assistência social, os beneficiários correspon-
dem a todos os sujeitos de direito que, independentemente, de suas participa-
ções no financiamento da seguridade social, podem usufruir os serviços, bene-
fícios e instrumentos de proteção social oferecidos pela saúde e pela assistência
social, cujo conteúdo, muito próximo do antigo assistencialismo histórico já apre-
sentado, tem o condão de erradicar a miséria, prevenir e tratar das doenças,
desequilibrar as injustiças sociais, e garantir a todas as pessoas níveis mínimos
de sobrevivência digna para seu desenvolvimento humano.
2.5 FINALIDADES
A seguridade social, como conjunto de ações voltadas à prestação de
serviços de previdência social, de saúde e de assistência social, tem, implícitas
em sua natureza de garantidora do perfeito atendimento aos ditames da justiça,
bem-estar e igualdade sociais, o foco, o objetivo, a meta, a finalidade de atingir
níveis satisfatórios tendentes a manter os entes envolvidos em perfeita harmo-
nia e, principalmente, de proporcionar as condições mínimas necessárias para
que os sujeitos protegidos permaneçam incólumes quando sofrerem as conse-
qüências das situações da vida que geram necessidades sociais.
Por essa razão, a finalidade da seguridade social, além de prestar os
serviços de previdência social, de saúde e de assistência social, alcança um
efeito contagiante no seio da sociedade, porque guarnece aos membros da socie-
dade a efetiva garantia de preservação das condições mínimas para o desenvol-
vimento de sua existência humana, com dignidade, liberdade, independência,
segurança e paz social.
Este campo frutífero para o desenvolvimento humano condizente com os
reclames universais de respeito aos direitos do homem, já tão combatidos na
história das civilizações, haja vista normas capitulares como a Declaração Univer-
sal dos Direitos do Homem, a Norma Mínima de Seguridade Social (Convenção
102) estabelecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e tantas ou-
51
tras cartas, conferências e comissões que germinaram inúmeros documentos e
programas formais que dispunham, e ainda dispõem, sobre aqueles que são os
principais objetivos da seguridade social como fenômeno internacional de prote-
ção do ser humano, e que representam a verdadeira finalidade dos sistemas de
seguridade social desenvolvidos em cada país soberano e civilmente organizado.
Como exemplo, em portentoso trabalho concebido por Maria de los San-
tos Alonso Ligero,5 comentando sobre a Convenção 102 da OIT, tem-se que
“[...]
El Convenio 102 estableció uma adecuada complementación de
las prestaciones de base contributiva, propias de la Seguridad
Social u otras formas de Previsión Social obligatoria, com
beneficios gratuitos para personas de recursos modestos, pro-
porcionados por la assistencia social.
Dentro del âmbito de la Organización Internacional del Trabajo, di-
versas resoluciones han propiciado el desarrollo de servicios sociales
destinados a mejorar las condiciones de vida y trabajo, proveer a um
mayor bienestar humano y lograr uma coodrinacion eficiente entre
los Servicios de la Seguridad Social y otros servicios sociales.
E ainda referindo-se ao comentário de Dupeyroux (apud Sécurité sociale,
p. 75, Dalloz, Paris, 1969), sobre os artigos 22 e 25 da Declaração Universal
dos Direitos do Homem, Ligero menciona que
Para Dupeyroux, el artículo 22 parece inspirado en la tendência a
considerar que la finalidad profunda y original de la política de
Seguridad Social tiende al florecimiento de la personalidad del
individuo, mientras que el articulo 25 sugiere dos direcciones: um
5 LIGERO, Maria de los Santos Alonso. Estúdios – Los servicios sociales y la seguridad
social. Revista Iberoamericana de Seguridad Social, n. 6, nov./dez. 1971, p. 1.559-1.560.
52
derecho a um nível de vida suficiente y um derecho a uma
protección particular contra ciertas eventualidades.
Daí se permite concluir que a finalidade da seguridade social está divi-
dida e compartilhada entre duas versões de direitos, um de abrangência geral
e outro de abrangência específica.
A abrangência geral da finalidade da seguridade social alcança os va-
lores sociais mais profundos e essenciais, que são o direito à vida, ao desen-
volvimento humano e a garantia de que cada indivíduo possa exercer sua per-
sonalidade com bem-estar social e dignidade humana.
Mas, também, se infere da abrangência específica da finalidade que
haja o atendimento particular ao indivíduo ou sujeito de direitos, quando este,
enfrente as conseqüências decorrentes de certas eventualidades, fatos da vida
e situações concretas que lhe furtem quaisquer dos valores ou dos bens a ser
protegidos pela seguridade, em especial aquelas situações referidas como si-
tuações de risco social, que, embora de repercussão social, sejam enfrenta-
das individualmente por cada um dos membros da sociedade, e para quem a
solidariedade ofertada na Seguridade Social tem condições de garantir o sus-
tentáculo para a manutenção desses mesmos valores e direitos, sem os quais
a vida e o desenvolvimento humano de cada indivíduo estariam provavelmente
sacrificados.
2.6 BEM PROTEGIDO
Na seguridade social as finalidades são baseadas na proteção, no aten-
dimento e na manutenção de determinados bens da vida, bens juridicamente
relevantes pelos quais toda a vida humana se perfaz, bens que devem ser
protegidos pela sociedade, para que ela mesma permaneça em estado de jus-
tiça, bem-estar e paz sociais.
53
Tais bens protegidos estão previstos na Constituição Federal de 1988,
mas são reportados, cada qual, num dos serviços públicos instrumentais da
seguridade social, os serviços de previdência social, saúde e assistência social.
Há que se notar que os bens protegidos, todos eles, têm correlação
direta com a vida, com a dignidade e com o desenvolvimento humano, e foram
eleitos como bens protegidos porque representam os faltos pelos quais os
indivíduos carecem de proteção, pois, individualmente, não conseguiriam su-
portar as mazelas e os infortúnios das conseqüências quando esses bens pro-
tegidos estivessem ameaçados.
A prestação da seguridade social representa a ação concreta sobre
determinados objetos, os bens protegidos, considerados em seu aspecto es-
tático, quer dizer, são bens protegidos os fatos concretos e estáticos que o
indivíduo enfrenta no desempenho de sua existência, e que não estão ponde-
rados sob o prisma da conseqüência que esses fatos geram no mundo da
vida, tão-somente, portanto, considerados como fatos da vida, sem que, ainda,
tenha sido realizada a verificação dos efeitos materiais e causais decorrentes
deles.
Assim, e considerando que tais bens serão melhor tratados quando forem
estudados, especificamente, cada um dos serviços da seguridade social, surgem
como bens protegidos na previdência social os eventos de doença, invalidez, morte
e idade avançada, outros como a maternidade, o desemprego involuntário, a re-
clusão de quem mantém dependentes, e ainda acidentes do trabalho.
Na saúde, o bem protegido é a saúde como direito de todos, visando à
prevenção e ao tratamento das doenças e de outros agravos a que estão sub-
metidos os indivíduos.
E, na assistência social, são bens protegidos a família, a maternidade,
a infância, a adolescência, a velhice, a empregabilidade no mercado de traba-
lho, as deficiências física e mental dos indivíduos e a sobrevivência de deficien-
tes e idosos sem condições de sustento e manutenção próprios.
54
2.6.1 Risco social
Quando os bens protegidos surgem no mundo da vida, e, agora sim,
considerados de forma dinâmica, eles geram determinadas conseqüências que
afetam sobremaneira a vida e a sobrevivência dos indivíduos que vivem em
sociedade.
Tais conseqüências são causadas por situações da vida que geram
necessidade de proteção social, cuja expectativa de sua ocorrência é chama-
da de risco social.
Por melhor justeza de entendimento à baila a conceituação ofertada
por Armando de Oliveira Assis in Em busca de uma concepção moderna de
risco social.” 6
[...] é que uma nova concepção de “risco social” como propomos,
a noção fundamental será a de que o perigo que ameaça o
individuo se transfere para a sociedade, ou, por outra, se ameaça
uma das partes componentes do todo, fatalmente ameaçará a
própria coletividade, o que faz com que as necessidades daí
surgidas, além e acima de serem apenas do indivíduo, se tornem
igualmente necessidades da sociedade. De tal forma se nos pa-
tenteia esse fato, que nos chega a parecer mais apropriado de-
signar o perigo potencial de “necessidade social”, ao invés de
“risco social”.
Dessa forma, o risco social é o perigo, a expectativa de ocorrência de
situações da vida que gerem necessidade de proteção social.
6 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de risco social. Tra-
balho apresentado para o Concurso de Monografias, extraído do Compêndio de Seguro
Social. Rio de Janeiro: Serviço de Publicação da Fundação Getulio Vargas, p. 28.
55
Este perigo é relevante como um fato social porque a repercussão que
ele traz em suas conseqüências acaba sendo compartilhada na sociedade por
todos, e não simplesmente por cada um dos seus membros individualmente
considerados, até porque tais situações estão a ocorrer a todo o momento
numa sociedade dinâmica e ativa.
Ora, se muitos indivíduos em situações de vida semelhantes, ou seja,
em situações de exposição ao risco de comprometimento dos bens protegidos
mencionados, sofrerem o mesmo infortúnio, certamente, os efeitos dessa ocor-
rência, e a amplitude das conseqüências dessas situações, repercutirão de
maneira solidária entre os outros membros da sociedade, prejudicando a or-
dem social e gerando instabilidades sociais que tumultuam a vida coletiva,
ameaçam igualmente tanto os indivíduos como a sociedade, infeccionando a
paz e a segurança social e sacrificando a manutenção de uma sociedade equi-
librada e saudável.
Dado o aspecto dinâmico dessas situações, o risco social não deve ser
considerado como um fenômeno limitado e inerte nas dimensões de tempo e
lugar, pelo contrário, é dinâmico e mutável, devendo ser concebido de acordo
com a realidade social que suporta as contingências ameaçadoras dos bens
protegidos por determinada sociedade.
Assim, segue o douto Armando de Oliveria Assis:7
[...] porque o “risco social” assim considerado não é nenhum
estalão que se aplique indiscriminadamente a qualquer comuni-
dade; pelo contrário, ele se mimetiza ao ambiente em que for
introduzido. Essa adaptabilidade é, aliás, um dos característi-
cos marcantes dos que ornam o conceito teórico em estudo. A
7 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de risco social, cit.,
p. 30.
56
dimensão do “risco social” variará, assim, segundo as circuns-
tâncias de tempo e espaço, e conservando todas as suas quali-
dades específicas. Ele se contrairá ou expandirá de acordo com
o nível cultural da comunidade a que se destine, acompanhará
a média de bem-estar nacional, e, sobretudo, assumirá o porte
que o permitir a pujança da economia que lhe servir de base.
Nesse diapasão é que se encontram alguns dos princípios próprios da
seguridade social, conforme concepção delineada pela Constituição Federal
de 1988, especialmente quando vislumbra a universalidade na cobertura e no
atendimento, como forma de manutenção e expansão da seguridade social.
Ou seja, quanto mais abrangentes forem os riscos sociais protegidos,
ou, rigorosamente, quanto maior for o respaldo protetivo oferecido pela seguridade
social aos membros da sociedade nas situações de ocorrência dos riscos sociais,
tanto mais eficaz e responsável será o programa de política social que se desti-
ne a garantir aos indivíduos a segurança da justiça e do bem-estar social que
favorecem o desenvolvimento humano enquanto fenômeno social.
2.6.2 Cobertura
Como conseqüência direta da suposição dos riscos sociais, nasce na
esfera político-administrativo-jurídica da seguridade social a expressão deno-
minada de cobertura, que, conforme restou definido no item 2.3, refere-se ao
fenômeno de proteção às situações que geram risco social, ou seja, as situa-
ções da vida que geram necessidade de proteção e, portanto, de atuação dire-
ta daquele que foi eleito e concebido pela Constituição Federal como o conjun-
to de iniciativas dos membros da sociedade visando ao atendimento dos
serviços da previdência social, da saúde e da assistência social, o Sistema de
Seguridade Social.
57
A cobertura é a manifestação própria e específica da seguridade social
na prestação de suas finalidades precípuas.
Própria porque pela cobertura são oferecidos e prestados pelo Sistema
de Seguridade Social – como contrapartida pela participação dos membros da
sociedade em seu financiamento – os instrumentos de proteção social ne-
cessários para prevenir e remediar as situações de risco social que porventura
venham a ocorrer no mundo da vida, e que, se ocorrentes, sacrificam, corrom-
pem e prejudicam os bens protegidos, gerando instabilidade e insegurança
para a sociedade.
Específica, pois a cobertura deverá atender a determinadas situações
concretas, insurgidas contra sujeitos individualmente considerados, segundo
fórmulas e critérios da lei, que, nesta especificidade, representa a necessida-
de de cada um dos indivíduos que enfrentem as situações de risco social.
Portanto, a cobertura se instrumentaliza por medidas próprias (prestadas
pela seguridade social) e específicas (conforme cada caso concreto) chamadas
de benefícios e serviços, tendo cada qual, implícita, uma prestação correspon-
dente, ou seja, uma prestação revelada por uma “obrigação de dar” quando
forem benefícios ou uma “obrigação de fazer” quando forem serviços, indepen-
dentemente do âmbito da previdência social, da saúde ou da assistência social.
58
CAPÍTULO 3
SERVIÇOS
Na aplicabilidade do Sistema de Seguridade Social estão os serviços
próprios oferecidos como verdadeiros instrumentos de atuação na ordem social,
que se dividem, de acordo com as finalidades empossadas pela seguridade,
entre os serviços públicos da previdência social, da saúde e da assistência
social, cada qual organizado em suas estruturas organizacionais, e regidos
por regras e leis específicas que delimitam o campo de atuação e conferem a
cada um deles o arcabouço jurídico necessário para que se manifestem em
favor da sociedade.
Assim, emergem os propósitos para o entendimento de cada um desses
serviços, suas qualidades, suas finalidades e seu campo de atuação material.
3.1 PREVIDÊNCIA SOCIAL
Na seguridade social uma de suas manifestações mais pujantes e elo-
qüentes é a previdência social, serviço de natureza pública, que atende à co-
bertura de situações de risco para a proteção dos indivíduos mediante a pres-
tação de determinados instrumentos protetivos, chamados benefícios, como
também serviços previdenciários.
Pelo artigo 201, caput, da Constituição Federal de 1988, a previdência
social foi caracterizada por determinadas qualidades que, grosso modo, esta-
belecem os limites basilares do seu campo de atuação.
59
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de
regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, ob-
servados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial,
e atenderá, nos termos da lei, a: [...]
Avultam, desde logo, quatro características principais da conformação
estrutural da previdência social: a organização sob a forma de regime geral, o
caráter contributivo, a filiação obrigatória e o equilíbrio financeiro e atuarial.
Pela organização sob a forma de regime geral fica determinado que a
previdência social deverá seguir e atender ao regime geral dentro da sistemá-
tica do poder público, isto é, seu campo de atuação e o ambiente sobre o qual
suas prestações irão se desenvolver devem ser adotados em benefício de to-
dos, sem distinções de categorias profissionais, sociais e/ou políticas, abran-
gendo a totalidade e a generalidade dos indivíduos que compõem a sociedade
civil, desde que, segundo os critérios da lei, tais indivíduos possam exercer
tais direitos subjetivos de ordem pública.
No contraponto do regime geral está o regime próprio que vincula não
a totalidade dos membros da sociedade, mas tão-somente aqueles sujeitos
escolhidos pela lei conforme determinados critérios que justificariam a organi-
zação própria, por meio de organismos próprios e cuja sistematização está
deslocada das regras gerais, por exemplo, os regimes próprios de previdência
instituídos nas esferas estaduais.
Na concepção constitucional, o regime geral é praticado pelo ente fe-
deral, instituído, organizado, mantido e disciplinado pela União em favor de
todos os brasileiros.
Já o elemento do caráter contributivo é a característica histórica da
socialização dos riscos, mediante a qual cada um dos indivíduos, chamados
aqui de entes protegidos, participam do sistema por meio de financiamento
dos serviços a ser revertidos em favor de todos os protegidos.
60
O caráter contributivo se justifica pela idéia da solidariedade e denota a
necessidade que o ente protegido verta e contribua financeiramente para a pre-
vidência social, porque somente com lastro financeiro suficiente e robusto é pos-
sível a prestação dos benefícios e serviços como contrapartida desse custeio.
Há que se notar que o caráter contributivo só é exigido para a fruição
dos serviços da previdência social, enquanto os serviços da saúde e da assis-
tência social são tidos por gratuitos ou desonerados dessa obrigação.
Em verdade, portanto, é o caráter contributivo da previdência social
que garante a sobrevivência da seguridade social, inclusive para a prestação
dos outros serviços de proteção social já mencionados.
A característica da filiação obrigatória compreende o aspecto compul-
sório na participação da previdência social.
Tal fato se dá pela sujeição de determinados indivíduos, identificados e
escolhidos pela lei, para participar da composição sistemática da previdência
social.
Não só porque a eles corresponde a obrigação resultante do caráter
contributivo, que é a exigência do recolhimento de tributos para a fruição dos
instrumentos de proteção social ofertados pela previdência, mas também por-
que, atendendo aos ideários da seguridade social, a ausência dessa sujeição
obrigatória proporcionaria a potencial e perigosa ocorrência daquelas situa-
ções previamente definidas como risco social, que, se levadas a efeito, gerariam,
na falta de proteção, a insegurança e a instabilidade social repudiada pela
própria sociedade, cuja reação institucional foi a de prover tais contingências
de um sistema organizado intitulado seguridade social.
Portanto, pela filiação obrigatória, determinados sujeitos são chamados
a participar da previdência social, seja atuando no financiamento da seguridade
social, seja usufruindo de determinados instrumentos de proteção social.
61
E, por fim, a característica do equilíbrio financeiro e atuarial é a expres-
são condicional da solvabilidade e da liquidez da previdência social, que, organi-
zada pela intercessão do financiamento e da prestação de benefícios e serviços,
precisa garantir que tais contingências estejam em perfeito equilíbrio financeiro
e atuarial.
Pelo equilíbrio financeiro e como resultado dele a Constituição Federal
de 1988 estabeleceu no artigo 195, § 5°, a chamada “regra de contrapartida”
pela qual “[...] Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser
criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.
Ou seja, a concessão de benefícios e serviços pela seguridade social, e,
mais precisamente, pela previdência social, deverá manter, adredemente relaci-
onado, um custeio total, não voltado a cada uma das prestações como se fosse
um “regime de caixa” ou de “capitalização”, mas um custeio ou financiamento
suficiente para atender a todas as contingências sociais que serão protegidas
pela previdência social.
Nesse sentido, também é verdadeira a dedução contrario sensu de que
não poderá haver incremento de financiamento e custeio se isso não se reverter
na criação, majoração ou ampliação dos benefícios e serviços ofertados pela
previdência social, e também pela seguridade social.
Já o equilíbrio atuarial é o dado concreto que determina qual será a
abrangência da proteção social a ser oferecida, e, conseqüentemente, qual de-
verá ser a fonte de custeio total necessária para arcar e suportar as despesas e
a prestação dos benefícios e serviços pela previdência social.
Esse dado é obtido pela ciência atuarial, que lança mão de vários elemen-
tos objetivos, como elementos estatísticos, demográficos, populacionais e outros
que se sobrepõem um ao outro, apresentando um panorama social fecundo
para a previsão dos níveis de proteção que poderão atender às contingências
sociais que se apresentarem na sociedade durante determinado período de
tempo, segundo o horizonte do desenvolvimento e do crescimento da população.
62
Todas essas características servem para estruturar aquilo que a previ-
dência, efetivamente, tem a oferecer como meio instrumental de proteção social,
que no mesmo artigo 201, em sua parte final, faz menção à expressão “atendi-
mento” dirigida a determinados fatos já convencionados de bens protegidos,
conforme os termos da lei:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de
regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, ob-
servados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial,
e atenderá, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade
avançada;
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário;
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda;
V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao côn-
juge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no
§ 2o.
Estes são os bens a ser protegidos pela seguridade social, pois ofere-
cem risco social à sociedade considerada como um todo, na expressão de cada
um dos indivíduos que estão sujeitos a suas ocorrências e seu enfrentamento.
Para cada um desses bens protegidos haverá uma correspondente pres-
tação, seja por meio da concessão de benefícios (prestações cujo conteúdo é
uma obrigação de pagar), seja por meio do oferecimento de serviços (cujo
conteúdo é uma obrigação de fazer).
63
Vale dizer que a Previdência Social é organizada e disciplinada pelas
Leis ns. 8.212 e 8.213, ambas vigentes a partir de julho de 1991, cujas regras e
mandamentos serão oportunamente debatidos neste trabalho.
3.2 ASSISTÊNCIA SOCIAL
Outra forma de atuação da seguridade social é o chamado serviço pú-
blico da assistência social.
Pela Constituição Federal de 1988, precisamente no artigo 203, caput,
está a delimitação essencial da abrangência da assistência social, que de forma
genérica contenta-se pela hipótese de atendimento a quem dela necessitar.
Mas, na conjugação dos incisos que sucedem a previsão do caput, há,
daí sim, a previsão das finalidades da assistência social como meio de proteção
social, pelo qual:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessi-
tar, independentemente de contribuição à seguridade social, e
tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência
e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de defi-
ciência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pes-
soa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não pos-
suir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
64
Verifica-se, portanto, que a assistência social traduz a vontade da socie-
dade de manter, quando necessário, uma atuação assistencial, gratuita e geral
como ferramenta da manutenção dos níveis mínimos de condições de vida dig-
na, de desenvolvimento humano e consecução da justiça e do bem-estar soci-
ais, que foram reportados no início deste trabalho.
Ou como bem definiu Jose Manuel Almansa Pastor:8
[...] sla assistencia no es más que el instrumento protector de que
se vale la sociedad para remediar y proteger contra la indigencia.
Mas com la notoria particularidad de que, em su prístina acepción,
se dirige rectamente a subvenir contra los estados de privación o
necessidad en que la indigência consiste y no a remediar ex ori-
gine los motivos que la provocam. [...]
A assistência social está disciplinada no ordenamento jurídico brasileiro,
principalmente, pela Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a chamada Lei
Orgânica da Assistência Social.
Como subterfúgio didático, e para a proficiente adequação do tema des-
te trabalho, evitando, assim, ilações prolixas sobre temas tão fecundos e fartos
como este, dignos de teses e estudos muito mais aprofundados, este item será
desenvolvido nestes breves apontamentos.
3.3 SAÚDE
E como terceiro vértice da seguridade social, emergem os serviços pú-
blicos da saúde, que têm como proposição o atendimento das contingências
sociais enfrentadas no aspecto específico da saúde dos membros da socie-
8 PASTOR, Jose Manuel Almansa. Derecho de la seguridad social, p. 34.
65
dade, conforme se depreende do artigo 196 da Constituição Federal de 1988,
pelo qual:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Pela previsão constitucional a saúde é mais que uma contingência so-
cial, expandindo seus efeitos a todos os membros da sociedade como sendo
um direito universal, cujo encargo e dever estão decididamente vinculados à
atuação estatal, que se manifestará pelo oferecimento e atendimento de políti-
cas sociais e econômicas, tendo por objetivos principais a prevenção e o trata-
mento de doenças e outras mazelas que afetem de forma determinante fato-
res que compreendem desde a alimentação, passando pelo meio ambiente,
pelo trabalho e pelo lazer da população.
A saúde como serviço organizado e estruturado na forma de um sistema
único corresponde ao conjunto de ações e serviços prestados por órgãos e
instituições federais, estaduais e municipais, em todos os níveis da adminis-
tração direta ou indireta e das fundações mantidas pelo poder público, chamado
de Sistema Único de Saúde.
Tal sistema de saúde é disciplinado e normatizado pela Lei n. 8.080, de
19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção,
proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos servi-
ços correspondentes como instrumento de proteção social, que se manifesta
como um direito fundamental do ser humano e, por isso, encontra total legi-
timação no ideário da justiça e do bem-estar social como o caminho necessá-
rio para o desenvolvimento humano e pessoal dos indivíduos que compõem
uma sociedade civilizada e democrática.
66
CAPÍTULO 4
BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
4.1 CONFORMAÇÃO CONCEITUAL
Na trilha da sistematização que este trabalho pretende seguir como um
processo dedutivo até alcançar o tema principal, há, neste momento, a
especificação necessária para o desafio de compreender como a previdência
social, mecanismo que está inserido num conjunto mais abrangente chamado
Sistema de Seguridade Social, instrumentaliza a proteção social que pretende
garantir a segurança e a estabilidade dos indivíduos que compõem a sociedade.
Por isso que, dentro da previdência social, foram mencionadas duas
formas básicas para o atendimento dessas finalidades, que são as prestações
chamadas benefícios e os serviços.
Para manter a justa delimitação do tema, ainda, há que se fazer uma
limitação perfunctória nesta matéria, porque os serviços, prestações de nature-
za obrigacional, cujo conteúdo encerra uma obrigação de fazer e que junto com
os benefícios fazem parte do instrumental protetivo da previdência social, serão
deixados a contento pela conceituação já referida, uma vez que sua plenitude
não seria tratada de maneira condizente com sua importância na ordem social.
Então, especificamente, emerge a questão dos benefícios em matéria
de previdência social, que será o próximo ponto a ser debatido.
Sua compreensão, ainda genérica, partirá da idéia da relação jurídica,
definindo elementos estruturais, como a materialidade, os sujeitos e o objeto,
67
tradicionalmente, como se faz na análise das relações jurídicas desde os
primórdios do estudo do Direito, porque essa metodologia deverá satisfazer o
entendimento do tema.
4.2 RELAÇÃO JURÍDICA DOS BENEFÍCIOS
Os benefícios são os instrumentos pelos quais a seguridade social, em
sua manifestação pela previdência social, realiza, pratica e torna efetiva a pro-
teção social para os entes protegidos, e, assim, garante que a ordem social e
os valores da justiça, do bem-estar e da igualdade estejam incólumes, ou pelo
menos previdentes quando as situações de necessidade surgirem diante de
cada um dos indivíduos que compõem a sociedade.
Em verdade, os benefícios são verdadeiras prestações, e como presta-
ções envolvem uma série de características que são fundamentais para sua
composição e para sua efetiva materialização no mundo da vida.
Portanto, os benefícios existem no mundo da vida, no mundo dos fatos,
e são institutos que nascem a partir dos fatos da vida.
Superada a diferenciação de fato naturais e fatos jurídicos, sendo certo
que o fato natural, quando ganha a autenticação da lei ou quando repercute
em efeitos concretos que têm relevância econômica ou social, então passa a
ser tomado por fato jurídico, na apropriada conceituação que se depreende do
Direito privado.
Os fatos, tidos por fatos sociais, e que se manifestam no seio da socie-
dade, representam as situações da vida que geram efeitos, cujos reflexos são
escolhidos pelo Direito como sendo reflexos que merecem determinados
regramentos, para que eles sejam absorvidos pela sociedade como reflexos e
conseqüências toleráveis, suportáveis, solúveis e factíveis, afastando a inse-
gurança e a instabilidade social que surgiria se essas conseqüências não re-
cebessem o amplexo jurídico.
68
Por fatos sociais, e, portanto, por situações que geram conseqüências
sociais, temos, muitas vezes, determinadas situações cujas conseqüências e
efeitos na sociedade são ou devem ser repelidas como forma de garantir a
manutenção da ordem social.
Tais situações foram chamadas de situações de necessidade, que, em
sua iminência, são tidas por riscos sociais, cujo conceito já fora definido e
discutido anteriormente.
Mas esses fatos sociais, essas situações de necessidade não se con-
cretizam naturalmente, ou, melhor, não se materializam sem o envolvimento
daqueles estão diretamente envolvidos com suas conseqüências, que são os
sujeitos, o indivíduos.
Os sujeitos como agentes ou como receptores dos fatos sociais, esta-
belecem vínculos. Sejam vínculos que unem sujeitos com sujeitos, ou sujeitos
com os fatos da vida (também tidos por objetos), e sujeitos com a própria
natureza em si.
Quando essas relações ganham a proteção, o regramento e a discipli-
na do Direito, pois, como foi ressalvado, geram reflexos na sociedade que
devem ser absorvidos de maneira a mais condizente possível para os fins da
ordem social, então, são chamadas de relações jurídicas.
Ora, se os benefícios são o instrumento para garantir proteção social
quando da ocorrência de determinadas situações que, por sua vez, geram ne-
cessidades sociais aos sujeitos que a ela se submeterem, então, os benefícios
são verdadeiramente uma prestação dentro de uma relação jurídica bem delimi-
tada, que é a relação havida entre o sujeito, o indivíduo que sofre os efeitos da
situação social, cuja proteção e atendimento ficou a cargo e responsabilidade
de outro sujeito, a seguridade social, e nesta especificidade a previdência social.
Quer dizer, entre o sujeito protegido e a previdência social é formada
uma relação jurídica que tem como prestação um benefício, portanto, um be-
69
nefício previdenciário, cujo conteúdo e características serão a seguir estudados,
segundo seus elementos principais, que correspondem à sua materialidade,
aos sujeitos e ainda ao seu objeto.
4.3 MATERIALIDADE
A materialidade dos benefícios previdenciários confunde-se com a própria
situação social a ser protegida, ou seja, a materialidade é a conseqüência con-
creta e material do fato social e juridicamente relevante que gera repercussões
na ordem social, causando, primeiro, risco social, e depois necessidade social.
Portanto, o conteúdo material, concreto e fático na relação jurídica dos
benefícios previdenciários pode ser identificado por materialidade.
Na atuação da previdência social, como já foi visto, há uma série de
situações, aqui chamadas de bens protegidos, que foram escolhidas pelo le-
gislador e indiretamente pela própria sociedade democrática como sendo as
situações relevantes para o atendimento do sistema protetivo, quando elas
ocorrerem, porque em todas elas há o elemento risco envolvido, risco social,
que se operante na sociedade gera uma série de conseqüências nefastas,
ameaçadoras e inseguras para a manutenção da ordem social, e, conseqüen-
temente, para a consecução dos fins essenciais da sociedade.
Como foi identificado no item referente à previdência social, a materia-
lidade dos benefícios são as situações definidas nos incisos do artigo 201, da
Constituição Federal de 1988, que foram identificados pelas situações, ou como
constou do texto da Lei Maior, pelo eventos de doença, invalidez, morte e ida-
de avançada (inciso I e V), maternidade (inciso II); desemprego involuntário
(inciso III) e as situações decorrentes da responsabilidade pela família em caso
de baixa renda ou reclusão (inciso IV).
Cada uma dessas situações e outras que porventura forem identificadas
pela lei como situações que merecem a proteção social, segundo inclusive o
70
horizonte programático dos Princípios da Seguridade Social, especialmente
da universalidade da cobertura e do atendimento, serão tidos, na relação jurí-
dica de benefícios previdenciários, seu aspecto material, sua materialidade.
A materialidade de um benefício é sua própria razão de ser, é sua jus-
tificativa, é o motivo pelo qual os efeitos dessa relação jurídica de proteção
social se legitimam, e é também seu elemento teleológico, ou seja, é para
atender à finalidade dessas situações que os benefícios previdenciários en-
contram guarida para sua existência e efetiva aplicabilidade no mundo jurídico.
Vale notar que a eficácia dos benefícios previdenciários como instru-
mento de proteção social para as situações de necessidade será mais contun-
dente se, para cada uma dessas situações materiais identificada na Lei Maior,
houver a previsão e a prestação de um benefício específico, deveras, pela
própria especificidade de cada uma dessas situações que geram conseqüên-
cias muito distintas para os sujeitos e entes protegidos, e que só alcançarão
seus fins sociais, ou, em outras palavras, só serão perfeitamente protegidas e
sanadas, se lhes for conferida a justa e necessária prestação protetiva.
Tanto é que a Lei n. 8.213/91 trouxe um rol bem delimitado de benefícios
a ser prestados em favor dos sujeitos protegidos, o que fica bastante claro
pela enunciação do artigo 18:
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as
seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos
decorrentes de acidentes do trabalho, expressas em benefícios e
serviços:
I – quanto ao segurado:
a) aposentadoria por invalidez;
b) aposentadoria por idade;
71
c) aposentadoria por tempo de serviço;9
d) aposentadoria especial;
e) auxílio-doença;
f) salário-família;
g) salário-maternidade;
h) auxílio-acidente;
II – quanto ao dependente:
a) pensão por morte;
b) auxílio-reclusão;
[...]
Cada um desses benefícios identificados têm implícita em sua mate-
rialidade uma das causas, ou situações de necessidade, que foram adredemente
escolhidas, conforme aplicação do noticiado princípio da seletividade e
distributividade, pelo legislador constituinte.
4.4 SUJEITOS
Nesta relação jurídica do benefício previdenciário, como em qualquer
outra relação jurídica, há o elemento subjetivo que é o elemento pessoal, ou
seja, o elemento identificador daqueles que são os sujeitos entre os quais se
opera a relação jurídica, e que atuaram ou sofreram no mundo da vida, confor-
me lhes seja referido o objeto.
9 Vide nota de André Oliveira. In: Legislação previdenciária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2004, p. 88: “Com o advento da EC 20/98 a aposentadoria por tempo de serviço, inclusive
a proporcional, fora expurgada do Texto Constitucional vigente, tendo sido substituída
pela aposentadoria por tempo de contribuição, devida após o período de 35 anos, para
homens, e de 30 anos, para as mulheres, consistindo a renda mensal em 100% (cem por
cento) do salário de benefício”.
72
Se o sujeito atuar positivamente na relação, sendo o agente da ação, e,
portanto, aquele que pode exigir o efeito ou a prestação do objeto, então ele
será intitulado sujeito ativo, porque a atuação, a atividade, a ação lhe confere
direitos em relação ao outro sujeito.
Como sujeito ativo, pode ainda, caso o conteúdo da prestação tenha
aspecto obrigacional, notadamente com representatividade pecuniária, ser de-
nominado credor, pois sua atuação corresponde ao direito subjetivo de exigir
em detrimento do outro um legítimo direito de pretensão sobre o objeto que
deve ser incorporado ao âmbito pessoal e individual no mundo jurídico.
Por outro lado, e para complementar a idéia da relação jurídica, como
um vínculo entre sujeitos de direitos (excetuada a relação do sujeito com o
objeto), há o sujeito passivo, ou seja, que deve arcar com a prestação de deter-
minado objeto em favor do sujeito ativo, ou seja, sobre o sujeito passivo recai
a obrigação específica de atender à exigência e ao direito do sujeito ativo.
Do mesmo modo, quando a prestação tiver caráter obrigacional de natu-
reza pecuniária, o sujeito passivo pode ser chamado de devedor, como quem
deve prestar determinado objeto para satisfazer o direito de outro, liberando-se,
ele devedor, da obrigação que lhe competia na relação estabelecida entre ambos.
Na relação jurídica dos benefícios previdenciários também há a
vinculação entre dois sujeitos, o sujeito ativo, que são os entes protegidos, os
indivíduos selecionados pela lei para receber a prestação protetiva, e como
sujeito passivo a previdência, que tem o dever de prestar o instrumento protetivo,
neste mister, o beneficio previdenciário ao sujeito ativo.
A previdência social, sob o regime geral, já fora tratada em item pró-
prio, bastando, que lhe seja relembrada sua natureza institucional, como serviço
público devidamente instituído por lei, organizado segundo normas específi-
cas, estruturado e gerido de acordo com os aspectos democrático e descen-
tralizado, referidos no VII do artigo 194 da Constituição Federal, e ainda disci-
plinada a partir do artigo 201 da mesma Magna Carta e por suas leis orgânicas,
Leis ns. 8.212 e 8.213, ambas de 1991.
73
Resta proficiente, nesta altura do trabalho, a perfeita compreensão dos
sujeitos ativos, os sujeitos de direito, os entes protegidos na relação jurídica
de benefícios previdenciários que foram nomeados pela lei por “beneficiários”.
4.4.1 Beneficiários
O artigo 10 da Lei n. 8.213/91 classifica:
Art. 10. Os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social
classificam-se como segurados e dependentes, nos termos das
Seções I e II deste Capítulo.
Desde já, os beneficiários, gênero de sujeitos de direitos, que foram
anunciados neste trabalho como sendo os sujeitos ativos na relação jurídica
de benefícios previdenciários, em favor dos quais serão prestados os instru-
mentos de proteção social chamados benefícios (e/ou serviços, quando for o
caso), foram classificados e divididos pela lei entre duas espécies de sujeitos,
como segurados e dependentes.
Os segurados são os sujeitos ativos principais na relação jurídica de
benefícios previdenciários, pois são eles que mantém a relação jurídica propri-
amente dita com a entidade, e sujeito passivo, Previdência Social.
Esta relação entre segurados e previdência social, como já foi estuda-
do, nasce a partir da idéia da solidariedade, que legitima a participação de
todos os membros da sociedade na composição da seguridade social, para
garantir que a sociedade seja devidamente protegida quando seus membros,
individual ou coletivamente considerados, estejam em situação de necessidade.
Especificamente, por segurados, como se verá, estão os “atores sociais”
trabalhadores, por quem, todo o Sistema de Previdência Social pretende ga-
74
rantir os níveis mínimos, essenciais e necessários para a sobrevivência digna,
e, mais que isso, para manter como primado, como valor fundamental da socie-
dade a questão do trabalho.
Portanto, o segurado tem por sua quota de participação não somente o
dever de financiar o sistema de seguridade, e, pelo regime contributivo, a pre-
vidência social, mas tem o direito de exigir que, na qualidade de trabalhador,
lhe sejam prestados os benefícios e serviços que o instrumental protetivo da
previdência social ofereça, como já fora apontado no item da materialidade.
O segurado exerce essa qualidade pela filiação obrigatória que é es-
sencialmente a própria relação jurídica estabelecida com a previdência social,
que o faz sujeito de direitos e obrigações apto a exercer um e outro diante da
Previdência Social, seja exigindo a prestação de benefícios e serviços como
seus direitos, seja oferecendo e vertendo os tributos denominados contribui-
ções sociais para financiamento da seguridade social, e da previdência social,
como sua obrigação principal.
A filiação, verdadeira relação jurídica, deve ser formalizada pela inscrição
do segurado no Regime Geral da Previdência Social, e segue os moldes e as
condições do artigo 17 e seguintes da Lei n. 8.213, que alude ao regulamento
vigente, no caso o Decreto n. 3.048, de 1999.
Os segurados foram, ainda, heterogeneamente considerados, distin-
guidos entre segurados obrigatórios e segurados facultativos, que serão trata-
dos a seguir.
4.4.2 Segurados obrigatórios
Os segurados obrigatórios são as pessoas físicas identificadas no artigo
11 da Lei n. 8.213/91.
Muito mais relevante do que apontar um a um quais são os segurados
obrigatórios identificados pela lei será a consideração do aspecto obrigatório
75
que os faz manter, portanto, obrigatoriamente a relação jurídica com a previ-
dência social.
De maneira didática, conforme o artigo 11 aqui mencionado, os segura-
dos obrigatórios são os empregados efetivos e temporários (inciso I), os em-
pregados domésticos (inciso II), o contribuinte individual (inciso V), o trabalha-
dor avulso (inciso VI) e o segurado especial (inciso VII), cada qual regido de
acordo com as regras que disciplinam suas atividades.
Seria dispendioso e obtuso para o desenvolvimento regular e rítmico
deste trabalho (ainda que salutar) o desenvolvimento sistemático das caracte-
rísticas que cada uma dessas categorias mantém no exercício de suas
atividades.
O que mais interessa, em verdade, é o traço comum entre os segura-
dos obrigatórios, que, aliás, os faz, inclusive, obrigatórios na vinculação com a
previdência social.
O traço comum entre todos os segurados obrigatórios é o exercício de
uma atividade laboral.
Se a sociedade brasileira, em sua ordem social, tem como primado o
trabalho, tal fato reluz como um dado fundamental para o desenvolvimento da
sociedade, e, mais que isso, o trabalho como valor fundamental de uma socie-
dade civilizada e democrática é a condição essencial para que, individual-
mente, cada membro da sociedade conquiste a própria dignidade e possa se
desenvolver como ser humano, repercutindo diretamente por toda a socieda-
de, que terá incorporado os efeitos da justiça e do bem-estar sociais.
O que já asseverava o douto mestre Wagner Balera:10
10 BALERA, Wagner. O valor social do trabalho, Revista LTr, n. 10, v. 58, 1994.
76
Constituindo, para o homem, verdadeiro valor moral, o trabalho
adquire conteúdo e significado que não se reduz à simples ex-
pressão monetária da respectiva retribuição.
Neste diapasão, o trabalho é o dado essencial que permite estabelecer
um critério razoável, justo e legítimo para a prestação de determinados instru-
mentos de proteção social, como os benefícios e serviços da previdência social,
pois, com o fim último de preservar o primado do trabalho é que toda a orla da
seguridade social é organizada, concebida, e oferecida em forma dos serviços
da previdência social, da assistência e da saúde.
É, pois, em razão do trabalho que a previdência social revela sua fina-
lidade mais importante, porque é para garantir que o trabalho como valor, como
primado da sociedade seja preservado, ou, se assim não for possível pela
inserção maléfica e ameaçadora dos riscos sociais, que, então seja substituí-
do por medidas e instrumentos que possam oferecer as mesmas vantagens
que o trabalho oferece, isto é, oferecer aos sujeitos protegidos, beneficiários,
aquilo que é a contraprestação direta pelo exercício do trabalho, a remuneração.
Quando a previdência social elege como segurados obrigatórios os
trabalhadores identificados aqui, sendo comum entre eles o fato de exerce-
rem atividades laborais, quer a previdência social garantir pela prestação de
benefícios e serviços que esses mesmos segurados estejam protegidos
quando, em razão dos riscos sociais ou das situações de necessidade (con-
seqüências sobre os bens protegidos), seus trabalhos sejam ameaçados,
tolhidos, sacrificados ou preteridos pela ocorrência de eventos naturais, eco-
nômicos ou sociais.
Os segurados obrigatórios são, por essas razões, obrigatoriamente con-
vocados a participar da previdência social, como sujeitos de direito, exercendo
direitos e obrigações.
Daí que suas filiações decorrem da lei, da compulsoriedade da lei que
exige a efetiva vinculação desses sujeitos ao Regime Geral de Previdência Social.
77
4.4.3 Segurados facultativos
Já os segurados facultativos, conforme disposição do artigo 13 da Lei
n. 8.213/91, foram especificados como:
Art. 13. É segurado facultativo o maior de 16 (dezesseis) anos11
que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante con-
tribuição, desde que não incluídos nas disposições do artigo 11.
Nesta disposição está refletida com propriedade o princípio da univer-
salidade da cobertura e do atendimento, porque amplia o atendimento aos
sujeitos de direito que, pela razão que for, independentemente do exercício de
atividades laborais como os segurados obrigatórios, pretendem por ato volitivo
fazer parte dos auspícios da previdência social sob o vestuário de segurados,
e, portanto, são detentores de direitos e obrigações na forma da lei.
Reza clarividente no artigo 13 que a qualidade de segurado facultativo,
faculdade espontânea e volitiva que se afigura, depende da contribuição obri-
gatória, ou seja, da prestação contributiva exigida dos outros partícipes da
previdência social, como corolário fundamental do regime, que contemporiza
os direitos aos benefícios e serviços a partir da contrapartida do dever de fi-
nanciar o sistema previdenciário.
A dedução óbvia desta regra é que, interrompida a participação do
segurado facultativo na forma de relação de contribuição e financiamento, ou
seja, contribuindo por meio de tributos (especificamente para a previdência
social – contribuições sociais), a justificativa que o mantém vinculado à previ-
dência social deixa de existir e sua qualidade de segurado ou sujeito de direitos
previdenciários também.
11 Em razão da Emenda Constitucional n. 20/98, a idade mínima passou a ser de 16 anos,
alterando, tacitamente, a redação desse dispositivo, pela modificação a que foi submetida
o art. 7°, inciso XXXIII, da Constituição Federal de 1988.
78
4.4.4 Dependentes
Pela classificação oferecida pelo citado artigo 10 da Lei n. 8.213/91,
há, também, além dos segurados obrigatórios e facultativos, os chamados “de-
pendentes” como sendo a outra espécie do gênero beneficiário.
A existência dessa figura jurídica, revestida de direitos perante a previ-
dência social, tem sua relevância e propósito na relação parental mantida com
os segurados.
Quando a seguridade social, também manifestada pela previdência
social, visa atender aos entes protegidos, para lhes oferecer um instrumental
eficiente contra a sujeição aos riscos sociais e às situações de necessidade
que comprometem a ordem social, tal proteção engloba, também, aqueles que
são os primeiros a sofrer sas mazelas e infortúnios do incidentes sobre os
indivíduos, que são seus parentes, seus familiares e as pessoas, que, de algu-
ma forma, estão vivendo sob seus auspícios, responsabilidade e proteção.
O aspecto familiar é absolutamente privilegiado pela ordem social, tan-
to que, na Constituição Federal de 1988, inserido no Título da Ordem Social,
há o Capítulo VII, cuja regra matriz é o artigo 226:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado.
Os dependentes mantêm com os segurados a basilar relação familiar
com os segurados, cuja reverência tem status constitucional para o pleno de-
senvolvimento da sociedade brasileira e merece a proteção do Estado.
Ora, é exatamente por sua importância social que a relação familiar,
tratada não só pela relação sanguínea e parental, mas concebida na previdência
social como uma relação de dependência entre dois indivíduos, um eleito como
79
segurado e o outro que mantém com esse segurado um vínculo econômico im-
prescindível para sua sobrevivência e pleno desenvolvimento humano.
Sobre essa dependência, e segundo esse prisma econômico que a lei
reputou como necessário, a consideração de que a dependência é também um
bem a ser protegido, porque, inadvertidamente frustrada ou ameaçada, repre-
sentará uma situação de necessidade e, como tal, justificadora da proteção ofere-
cida pelo instrumental da previdência social.
Oportuna a consideração exegeta do brilhante Professor Wagner
Balera,12 de que:
A dependência é, na relação de seguridade, fato econômico a
que as normas conferem relevância jurídica e, nessa medida,
merece ser considerada.
Ao identificar, na dependência econômica, a situação de neces-
sidade, o ordenamento jurídico cuida de conferir cobertura ao
dependente que, em certas e determinadas circunstâncias, se
verá investido da qualidade de sujeito de direitos previdenciários.
Assim, resultaram da Lei n. 8.213/91, no artigo 16 e incisos, os sujeitos
definidos, taxativamente, como dependentes dos segurados, sendo: o cônju-
ge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer con-
dição, menor de 21 anos ou inválido (inciso I); os pais (inciso II); e o irmão não
emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido (inciso III).
Ainda sobre os dependentes, a legislação previdenciária estabeleceu
uma série de regras para disciplinar a ordem de preferência e as regras para
fruição dos benefícios e serviços destinados aos dependentes, de forma que
12 BALERA, Wagner. Da proteção social à família. Revista do Instituto dos Advogados, n. 7,
Legislação Comentada, p. 222.
80
sejam prestigiados os dependentes efetivamente afetados pela situação de
necessidade enfrentada pelo segurado, e também porque a proteção indis-
criminada de todos eles poderia repercutir negativamente no equilíbrio finan-
ceiro e atuarial da previdência social.
Os dependentes definidos pela lei, conforme aqui explicitado, devem, tam-
bém efetivar suas inscrições no Regime Geral da Seguridade Social, conforme
as regras do mencionado artigo 17 da Lei n. 8.213/91 e do Decreto n. 3.048/99.
Cumpre aqui, novamente, por precaução de exegese e primor científico,
não estender em muito as considerações sobre os dependentes, bem como
sobre os segurados, pois ainda no horizonte uma série de portentosos
enfrentamentos conceituais, sistemáticos, legais e doutrinários a ser revelados,
que exigem do trabalho o respeito à delimitação do tema proposto.
4.5 OBJETO
Se a relação jurídica de benefícios previdenciários se estabelece entre
dois sujeitos de direito que mantêm um vínculo entre si, pelo qual um confere
ao outro determinada prestação ora como forma de benefícios, ora como for-
ma de serviços, imperioso que se analise o que é transmitido de um sujeito a
outro, isto é, qual a efetiva prestação que o sujeito passivo deve oferecer ao
sujeito ativo, e que na relação jurídica de benefícios previdenciários, já conce-
bida, corresponde à prestação que a previdência social concede e instru-
mentaliza em favor do segurado ou do dependente que fizer jus àquela deter-
minada prestação, ou, mais especificamente, àquele benefício previdenciário.
Este elemento chamado prestação é o que se convencionou adotar
como o objeto de uma dada relação jurídica, pois é o objeto o elemento
“transeunte”, a coisa oferecida, o bem prestado pelo sujeito que tem o dever
de prestar para aquele sujeito que tem o direito de exigir.
81
A relação jurídica de benefício previdenciário corresponde exatamente
ao modelo tradicionalmente concebido para as relações jurídicas de conteúdo
geral, pois também, como já se viu, mantém o vínculo entre dois sujeitos ligados
pela obrigação de um em prestar determinado objeto ao outro que tem o poder
de, assim, exigi-lo, caso não lhe seja ofertado.
No campo de atuação da previdência social, duas são as formas de
prestação como modelos instrumentais de atuação com fim de garantir a pro-
teção social nas situações de necessidade que se apresentarem aos entes
protegidos, os sujeitos segurados e dependentes.
A prestação previdenciária, como objeto na relação jurídica previden-
ciária, poderá ser representada por uma obrigação de dar (dare) ou poderá ser
representada por uma obrigação de fazer (facere), segundo o conteúdo da
obrigação corresponda, respectivamente, à entrega ou dação de determinada
coisa, ou corresponda à realização de determinado fato.
Quando a prestação previdenciária for uma obrigação de dar o instru-
mento ofertado pela previdência social será chamado de “benefício”, e quando
for uma obrigação de fazer será denominado “serviço”.
Como se pretende focar o resultado deste estudo na análise da relação
jurídica de benefícios previdenciários, a análise perfunctória dos chamados “ser-
viços” será conscientemente olvidada, para centralizar a exegese no instrumento
“benefício”.
4.5.1 Prestação
A prestação consistente na obrigação de dar (dare) intitulada e deno-
minada “benefício” é o objeto da relação jurídica estabelecida entre o sujeito
passivo (previdência social) e o sujeito ativo (segurados ou dependentes).
82
Bem lembrado também por Mattia Persiani:13
Le prestazioni previdenziali consistono nello svolgimento di
un’attività positiva di dare o di fare e sono determinate dalla legge,
in relazione ad ogni singolo evento protetto. Le prestazioni possono
essere economiche, cioè constituite da uma indennità in denaro,
oppure sanitarie, comprendenti de solito l’assistenza medico-
chirurgica, le prestazioni ambulatoriali, il riconovero in casa di cura,
la somministrazione de medicinali, e la fornitura di apparecchi di
protesi e di presidi terapeutici.
Mas o benefício previdenciário atua como uma prestação instrumental
que tem como objetivo sanar, remediar e proteger os segurados e os dependen-
tes quando estes sofrerem os efeitos e as conseqüências dos riscos sociais ou
das situações de necessidade que se apresentarem no mundo da vida, efetiva-
mente, ameaçadores e comprometedores do exercício de individualidade, seja
pela manifestação do trabalho, seja pela garantia de condições mínimas de so-
brevivência, seja, ainda, pela manutenção de uma vida digna.
Sendo assim, tanto mais eficaz será a proteção oferecida pela presta-
ção do benefício quanto maior for a possibilidade de absorção, enfrentamento
e reação contra as conseqüências das situações de necessidades, ou seja, o
benefício deverá representar um meio, um instrumento eficiente, útil, versátil e
flexível para que os segurados e dependentes possam reagir positivamente
em busca do restabelecimento de seus status quo ante, verificado pela norma-
lização do exercício de seus direitos e prerrogativas fundamentais.
Com essas características, a melhor prestação é uma prestação que
tenha conteúdo pecuniário, pois, em pecúnia, em moeda, ou cujo valor nela se
possa exprimir, os sujeitos poderão dispor e fruir da prestação da melhor maneira
13 PERSIANI, Mattia. Diritto della previdenza sociale. Manuali di scienze giuridiche. Padova:
Cedam, p. 96.
83
que lhes aprouver, segundo suas prioridades na condução das soluções que
se lhes apresentem para o exercício social e individual de suas vidas.
Ainda sobre a vantagem do aspecto pecuniário, acuradamente, segue
Mattia Persiani:14
Questa funzione, infine, risulta anche dal fatto che, mediante
l’istituto delle revision, le prestazioni previdenziali sono adeguate
allo stato de bisogno anche nel tempo.
Daí que a prestação dos benefícios previdenciários, mais do que uma
obrigação de dar, é uma obrigação de pagar.
4.5.2 Obrigação de pagar
A obrigação de pagar é em curta definição um pagamento.
Se, portanto, o benefício previdenciário é o objeto da relação jurídica
previdenciária prestado pela previdência social em favor dos segurados e de-
pendentes, cujo conteúdo é uma obrigação de pagar, então, o benefício previ-
denciário é, antes de tudo, um pagamento.
O pagamento é uma das obrigações mais fundamentais e primordiais
na sociedade civilizada, desde que, historicamente, um indivíduo oferecia uma
determinada res a outro, em troca de alguma outra res que lhe interessasse,
numa clara relação social de cooperação, mutualismo e sobrevivência.
Como pagamento, já consagrado em outros ramos da ciência jurídica,
em especial no Direito Civil, para ser tido como uma prestação efetiva, ele
14 PERSIANI, Mattia. Op. cit., p. 97.
84
deve conter determinadas características próprias que delimitam, especificam
e concretizam sua eficácia.
Tais elementos são aqueles que se verificam pelos aspectos temporais,
espaciais e quantitativos, pois, esses aspectos são estruturais e fornecem todos
os dados necessários para que o pagamento repercuta nos efeitos jurídicos que
lhe são esperados.
4.5.3 Elementos característicos
Como foi apontado antes, o pagamento do benefício previdenciário de-
verá conter determinados elementos estruturais que podem ser convencionados
e compreendidos pelo tempo do pagamento, pelo lugar do pagamento e pelo
valor do pagamento.
Assim, os benefícios previdenciários serão analisados por esses as-
pectos conforme as definições que lhes foram outorgadas pelo ordenamento
jurídico pátrio, em nota, a Lei n. 8.213/91.
4.5.3.1 Tempo do pagamento
O benefício previdenciário como pagamento deverá ser prestado em
determinado tempo, segundo os critérios próprios determinados pela lei que os
estabelecer, neste caso, pela Lei n. 8.213/91, mas, como cada benefício
previdenciário atende a uma determinada contingência, isto é, atende a uma
determinada situação de necessidade, o tempo de pagamento desses benefícios
previdenciários, cujo rol ofertado pela legislação previdenciária brasileira já foi
mencionado, variará conforme se esteja diante de um determinado benefício.
A qualidade variável do tempo de pagamento do benefício previdenciário
ocorre porque cada bem protegido pelo benefício, sejam os eventos definidos
85
no artigo 201 da Constituição Federal, sejam quaisquer outros bens juridica-
mente relevantes para a manutenção da ordem social, têm contingências pró-
prias distintas uma das outras.
Por exemplo, quando a Constituição Federal de 1988 afirma que a previ-
dência social atenderá à proteção ou cobertura dos eventos decorrentes da
doença, a necessidade que surgir do risco social ou da situação da vida que
ameaçar o segurado pelo evento doença ocorrerá no tempo em momento abso-
lutamente distinto do momento em que se efetivar o evento idade avançada.
Quer dizer, para a efetiva proteção do risco doença o tempo do paga-
mento só se mostrará útil e eficaz quando vier e for prestado no momento em
que o segurado sofra a primeira conseqüência dessa contingência, quando,
de outro modo, a conseqüência da idade avançada segue um ritmo de tempo
distinto, porque não se dá por acaso como a doença (na maior parte das ve-
zes), mas se dá pelo envelhecimento, pelo passar do tempo, pela continuida-
de avançada da vida.
Ora, neste exemplo, o tempo do pagamento do benefício que atenda
ao risco social doença é distinto do tempo do benefício previdenciário que
protege a situação da idade avançada.
Portanto, para cada um dos benefícios previdenciários haverá um as-
pecto temporal específico e distinto dos demais, pois sua ocorrência depende-
rá de cada um dos eventos ou situações de necessidade a ser protegidos e
garantidos pela previdência social em favor dos segurados ou dependentes,
conforme o caso, por seus instrumentos protetivos adequados e específicos.
4.5.3.2 Lugar do pagamento
Outro elemento estrutural fundamental para a definição do pagamento,
e, portanto, para a definição do benefício previdenciário é o lugar em que tal
instrumento protetivo será prestado ao segurado ou dependente.
86
No aspecto espacial, o pagamento do benefício previdenciário segue a
interpretação sistemática que aborda a previdência social dentro de um sistema
mais amplo que é a seguridade social.
Aqui, a definição do lugar onde o benefício previdenciário será prestado
depende da sistematização da própria previdência social, pois, sendo uma obri-
gação inerente ao campo de atuação desse serviço, tal prestação será efeti-
vamente realizada no espaço e no âmbito em que se estender o instrumental
protetivo da previdência social.
Por conseguinte, é o prisma sistemático que fornecerá o elemento espa-
cial, porque a previdência social se insere e se conforma dentro do Sistema de
Seguridade Social de acordo com a composição estabelecida pela Constituição
Federal de 1988.
Voltando à análise da previdência social como um dos serviços de atua-
ção da seguridade social, basta que se identifique o lugar em que a seguridade
social tem como competência espacial para a consecução de suas finalidades,
que, pela lógica dedutiva, será possível identificar onde ou em que lugar os
benefícios previdenciários serão pagos, sendo eles um dos instrumentos de pro-
teção prestados pela previdência social, e esta, um dos vértices do Sistema de
Seguridade Social.
Como a seguridade social é um sistema, um conjunto integrado de ações
de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, cuja disciplina, organização,
manutenção e atuação é competência atribuída constitucionalmente à União,
como demonstra o artigo 22, inciso XXIII, da Constituição Federal de 1988, quando
trata do poder de legislar, então o ambiente espacial de sua atuação seguirá o
mesmo critério, senão vejamos:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
XXIII – seguridade social;
87
Portanto, se é a União que tem o poder legiferante de estabelecer as
normas, regras e leis que disponham sobre o Sistema da Seguridade Social, por
interpretação sistemática, o âmbito, o ambiente, o lugar em que a seguridade
social estende sua proteção é o espaço da União, ou seja, o território nacional.
Dessa forma, por dedução lógica, o lugar do pagamento dos benefícios
previdenciários será o território nacional, dentro, portanto, dos limites geográ-
ficos que se estendem a soberania nacional brasileira, ou, em outras palavras,
em toda o espaço da República Federativa do Brasil.
Eventualmente, haverá, determinada situação, hipoteticamente prevista
no artigo 11 da Lei n. 8.213/91, em que determinados segurados, embora es-
tejam fora do território nacional, ainda assim, receberão a prestação decorrente
dos benefícios previdenciários, mas, com clareza, que nessas circunstâncias
excepcionais de extraterritorialidade, em verdade, só foram abrangidas como
hipóteses legais porque de maneira ficta o território nacional se estenderia
além dos domínios geográficos, como é o caso dos organismos oficiais brasi-
leiros ou internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, bem como das
missões diplomáticas ou repartições consulares e diplomáticas brasileiras
sediadas em outras nações.
4.5.3.3 Valor do pagamento
Por fim, o último elemento estrutural a que se denota vetusta importân-
cia na definição do benefício previdenciário como verdadeiro pagamento é o
aspecto quantitativo, isto porque, sendo uma prestação cujo conteúdo é uma
obrigação de pagar, fundamental é a verificação do caráter pecuniário dos
benefícios previdenciários, expresso por um valor monetário, em moeda cor-
rente nacional, que, assim, será materialmente representado.
A questão do valor dos benefícios previdenciários foi debatida nas ques-
tões principiológicas enfrentadas no início deste trabalho, seja pela garantia
88
de que o valor dos benefícios será irredutível, seja quando se estabeleceu equi-
valência na prestação dos benefícios entre trabalhadores urbanos e rurais.
Novamente se afigura pertinente a idéia de que o benefício previden-
ciário tem conteúdo pecuniário, e, portanto, tem representação valorativa em
moeda, porque sua intenção como instrumento protetivo é assegurar que os
segurados ou dependentes possam enfrentar as situações de necessidade
(e apesar delas), sem o comprometimento de sua subsistência financeira,
sem o prejuízo de sua liquidez e solvabilidade econômica, ou sem sofrerem
as conseqüências nefastas nas quais, possam incorrer pelo eventual afasta-
mento do trabalho enquanto indivíduos economicamente ativos e capazes
de exercer seus direitos e prerrogativas fundamentais.
Como prestações pecuniárias, os benefícios previdenciários foram com-
preendidos pela lei como uma renda mensal, pois, satisfaz, a contento, as
necessidades de subsistência dos segurados e dependentes enquanto enfren-
tarem as conseqüências dos riscos sociais concretizados no mundo da vida.
Por isso que o artigo 33 da Lei n. 8.213/91 estabelece e conceitua que:
Art. 33. A renda mensal do benefício de prestação continuada
que substituir o salário-de-contribuição ou o rendimento do traba-
lho do segurado não terá valor inferior ao do salário mínimo, nem
superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição, ressal-
vado o disposto no artigo 45 desta Lei.
Esta disposição legal traz uma série de informações importantes sobre
o aspecto quantitativo dos benefícios previdenciários.
Primeiro, indica o benefício previdenciário como uma renda mensal, e
como tal, constitui determinado valor pecuniário em forma de renda cuja perio-
dicidade é mensal, isto é, uma fonte de renda oferecida mês a mês, segundo as
regras que lhe disciplinarem.
89
Segundo que tais benefícios previdenciários como renda mensal serão,
ainda, tidos por prestações continuadas, quer dizer que duram enquanto dura-
rem as situações de necessidade que legitimem seu oferecimento, que podem
continuar no tempo por prazos indefinidos ou não, conforme a variante fática
em que se instaure a situação de necessidade a ser protegida.
Também, e mais especificamente, o terceiro dado relevante é que o
benefício previdenciário como renda mensal continuada terá o condão, a fina-
lidade precípua, como foi ressalvando anteriormente, de “substituir” o chamado
“salário de contribuição” ou rendimento do trabalho do segurado.
Esta informação é extremamente preciosa, pois comprova a finalidade
e a justificativa principal do caráter pecuniário com que foram concebidos os
benefícios previdenciários, pois sua razão teleológica é substituir o rendimento,
a remuneração ou o valor havido em contraprestação pelo exercício do traba-
lho, tido por primado, é um dos fatos mais relevantes para a manutenção do
desenvolvimento humano com dignidade, liberdade e independência.
E por fim, ainda, a disposição citada acima concebe certos limites quan-
titativos, para determinar que o valor dos benefícios previdenciários como renda
mensal continuada que substitua o rendimento decorrente do trabalho respeite
como limite mínimo o valor do salário mínimo e como limite máximo o valor do
maior valor do salário de contribuição previsto na legislação previdenciária.
Tais limites são convencionados dentre duas poderosas ferramentas
de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.
De um lado a garantia mínima assegurada pelo artigo 6°, em seu inciso
IV, denominado “salário mínimo”, ou, conforme texto constitucional:
Art. 6°
[...]
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, ca-
paz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua
90
família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, ves-
tuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada
sua vinculação para qualquer fim;
E de outro, como ferramenta para a manutenção do equilíbrio financeiro
e atuarial, salutar para a plena efetividade do Sistema de Seguridade Social, e
também da previdência social, está o salário de contribuição em sua máxima
expressão pecuniária permitida pela lei.
Vale anotar que o salário de contribuição é a convenção legal que
corresponde à base de cálculo, ao valor mensurável sobre o qual incidirá a
contribuição social, tributo destinado a financiar a seguridade social, arrecada-
do compulsoriamente dos partícipes da previdência social (segurados traba-
lhadores) e empresas (ou empregadores). O salário de contribuição definido
no artigo 28 da Lei n. 8.212/91 terá como limite máximo a base monetária
determinada no § 5° do mesmo artigo, com a ressalva de que será reajustado
a partir da entrada em vigor dessa lei indicada, na mesma época e com os
mesmos índices que os do reajustamento dos benefícios de prestação conti-
nuada da previdência social.
Ainda avulta outra questão importante na consideração do valor dos
benefícios previdenciários, que é a forma de cálculo do valor dos benefícios,
tratada a partir do artigo 28, agora da Lei n. 8.213/91, cuja principal estipula-
ção é a criação de um conceito pecuniário que servirá de base de cálculo para
a determinação do valor do benefício previdenciário.
Nesses termos:
Art. 28. O valor do benefício de prestação continuada, inclusive o
regido por norma especial e o decorrente de acidente do traba-
lho, exceto o salário-família e o salário-maternidade, será calcu-
lado com base no salário-de-benefício.
91
E na seqüência entabula o artigo 29 da mesma lei que o salário de
benefício consiste, grosso modo, na média aritmética simples dos maiores sa-
lários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo,
devendo, ainda ser multiplicado pelo fator previdenciário,15 quando os benefí-
cios considerados forem a aposentadoria por tempo de contribuição e a apo-
sentadoria por idade.
Regra importante para a definição do valor dos benefícios é § 2° do
mesmo artigo 28 e da mesma Lei de Benefícios, segundo o qual:
Art. 28.
[...]
§ 2° O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de um
salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-
contribuição na data de início do benefício.
Se o teor dos dispositivos previstos no artigo 28 (e sucedâneos) e no
artigo 33 (e sucedâneos), ambos da Lei n. 8.213/91, forem analisados conjunta-
mente, restará definida a questão do valor dos benefícios previdenciários.
Dessa análise conjunta emergem duas questões relevantes, uma de
caráter conceitual e outra de caráter sistemático.
A questão de caráter conceitual se apresenta pela consideração de que
a definição do valor dos benefícios previdenciários, pelo mecanismo financeiro
determinado na base chamada salário de benefício, traz intrinsecamente em
seu bojo estrutural a alusão direta ao valor a ser apurado como salário de contri-
buição, o que, revela, de forma indubitável, a preocupação do legislador pátrio
15 Fator previdenciário é um multiplicador atuarial que leva em consideração as variáveis
idade, expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado ao se aposentar,
mediante a fórmula descrita no § 11 do art. 32 do Decreto n. 3.048/99.
92
em manter o equilíbrio financeiro, econômico e atuarial da previdência social
como já estipulava o artigo 201 da Constituição Federal de 1988.
Quer dizer, se o cálculo do valor dos benefícios previdenciários depende
da verificação de uma base financeira chamada salário de benefício e este,
sendo uma média aritmética e tendo como variante outra base financeira, cha-
mada salário de contribuição, cuja expressão irá definir e determinar o valor da
contribuição social (tributo constitucional destinado a financiar a seguridade
social), resta claro que o valor definido para o benefício previdenciário mantém
correlação, ao menos indireta, com aquilo que o Sistema de Seguridade Social
arrecadar a título de financiamento e custeio próprio.
Exatamente o que pretende a expressão denominada “regra de
contrapartida”, entabulada pelo § 5° do artigo 195 da Constituição Federal de
1988, cujo estudo já foi devidamente tratado em tópicos anteriores.
E a questão de ordem sistemática é que o valor dos benefícios, então
considerados segundo a fórmula matemática e financeira da expressão salá-
rio de benefício, terá de ser verificado e mensurado, sistematicamente, no côm-
puto específico de cada um dos benefícios previdenciários destinados a prote-
ger as diversas situações de necessidade amparadas pela previdência social,
segundo os elementos da base de cálculo (aqui definidos) e da alíquota, cujas
definições serão dadas pelas regras que disciplinem, especificamente, cada
um dos benefícios previdenciários e, ainda, segundo a vida contributiva de
cada um dos segurados protegidos.
4.6 Carência
Na relação jurídica de benefícios previdenciários, o sistema de segu-
ridade, mais precisamente, a normatização adotada pela previdência social
estabeleceu uma determinada condição formal para o pleno exercício dos di-
reitos por parte dos segurados e dependentes.
93
Esta condição foi adotada da técnica do seguro do direito privado, con-
venientemente chamada de “carência”.
A carência como condição formal tem guarida na especial previsão que
os sistemas de seguro necessitam de garantia da liquidez, solvabilidade e equi-
líbrio financeiro quando se prestam a indenizar determinado evento da vida.
Na concepção do seguro no direito privado a relação de cobertura se
dá pela concomitância de vários elementos.
Na relação de seguro, há o segurador e o segurado, o primeiro com o
dever de prestar uma indenização ao segundo, quando este, nas condições
contratadas e previstas na apólice (documento em que se estabelecem expres-
samente as condições do contrato), é acometido pelo sinistro, ou seja, pela
ocorrência de determinado evento, cujas conseqüências foram previamente
escolhidas para receber a cobertura pela indenização do segurador.
Tal relação de cobertura de sinistros só se torna possível graças a socia-
lização dos riscos entre diversos indivíduos que necessitem da mesma prote-
ção, pois cada um deles, individualmente, irá colaborar com o pagamento de
determinado prêmio, cuja expressão pecuniária é avaliada conforme uma série
de estatísticas e previsões infortunísticas e atuariais, para representar uma
quota suficiente junto das outras no sentido de garantir a proteção prestada
pelo segurador.
Como o contrato de seguro ficaria muito prejudicado se a cobertura
contratada para o recebimento da indenização não estivesse satisfatoriamente
resguardada por uma reserva técnica financeira (obtido pelo pagamento do
prêmio), foi concebida a figura da carência, exigindo que o segurado, antes de
usufruir as benesses da cobertura, tenha, ao menos, contribuído com um nú-
mero mínimo de prêmios para que o seguro organizado por um segurador
esteja apto, equilibrado e líquido a indenizar o sinistro sofrido pelo segurado.
94
Ora, nessa concepção, a carência é uma condição formal que presta,
somente, para resguardar o segurador e o fundo financeiro reservado para o
adimplemento das indenizações.
A carência foi alocada nas relações jurídicas dos benefícios previden-
ciários, como bem se percebe na disposição do artigo 24 da Lei n. 8.213/91:
Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições
mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao bene-
fício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses
de suas competências.
Da mesma forma, adaptados os conceitos para a realidade epistemo-
lógica dos elementos da relação jurídica de benefícios previdenciários, a ca-
rência é uma condição formal para o recebimento da prestação protetiva cha-
mada benefício previdenciário, em que tal prestação só fará parte do direito
subjetivo do beneficiário (segurado) se ele tiver, anteriormente à concessão do
benefício pela previdência social, contribuído (financiado, custeado) com o sis-
tema por meio do pagamento das suas contribuições sociais (tributo destinado
a financiar a seguridade social).
Porém, o Sistema da Seguridade Social é essencialmente diferente do
sistema que se apresenta no seguro do direito privado, porque na seguridade
existe o objetivo de atender à justiça e ao bem-estar sociais, garantindo não
somente a justa cobertura e proteção dos riscos sociais e das conseqüências
de determinadas situações e eventos da vida que geram necessidade aos mem-
bros da sociedade repercutindo entre todos, mas principalmente garantindo
que cada membro da sociedade possa, pela solidariedade compartilhada no
Sistema de Seguridade Social, exercer sua dignidade, seu desenvolvimento
humano e sua existência segundo os ditames da igualdade, da liberdade e da
independência, como alicerces básicos à sua plenitude.
95
Por este fundamento, conjugado, aliás, pelos princípios da seguridade
social, já estudados anteriormente, que norteiam e estabelecem o horizonte
programático que deverá ser o ideal desse sistema de proteção social, verifi-
ca-se que a previsão da carência, em verdade, representa um empecilho, um
entrave, um obstáculo, um retrocesso na consecução de valores fundamen-
tais, como o ideal da universalidade da cobertura e do atendimento, que são o
tópico fundamental para a constante evolução, manutenção e expansão da
proteção social garantida pelo Sistema de Seguridade Social.
Condicionar a prestação do benefício previdenciário ao cumprimento
de determinada carência é contrario sensu impedir que a seguridade social
atinja os fins a que se destina, obstaculizando a plena, geral e universal cober-
tura das situações de necessidade e do atendimento de quem, nessas situa-
ções, esteja carente de proteção social.
A carência, neste entendimento, não se coaduna com as finalidades da
seguridade social, tampouco da previdência social, e representa verdadeiro
óbice à eficiente proteção social como garantia da manutenção e alcance da
justiça e do bem-estar sociais.
Não se questione que o Sistema de Seguridade Social entraria em co-
lapso financeiro e atuarial, porque, no âmago de sua instituição como se anotou
no artigo 59 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o legislador
deveria conceber planos de custeio e planos de benefícios segundo técnicas
financeiras e atuariais que garantissem a organização, a estruturação, e a eficiên-
cia do Sistema de Seguridade Social, na proteção das contingências sociais
enfrentadas pela sociedade, consideradas no tempo e no espaço, e segundo a
realidade social, econômica, política e cultural do Brasil.
Tais planos de custeio e planos de benefícios (que fragilmente foram
concebidos, respectivamente, pelas Leis n. 8.212/91 e n. 8.213/91), para
corresponder aos anseios da sociedade e da ordem social, já deveriam consi-
derar as reservas técnicas (financeiras e atuariais) necessárias para a pronta,
efetiva e justa proteção social oferecida pelo Sistema de Seguridade Social.
96
De qualquer forma, a carência estabelecida no artigo 24 da Lei n. 8.213/
91 foi adotada e apontada segundo o critério do tipo de prestação social, ou
seja, para cada benefício previdenciário previsto no instrumental da previdência
social haverá a exigência ou não do cumprimento de determinado período de
carência para que o beneficiário faça jus ao benefício previdenciário pretendido.
Tais disposições estão no artigo 25, quando a concessão do benefício
previdenciário depende do cumprimento da carência, e no artigo 26, quando a
concessão independe do cumprimento da carência.
Essa diferenciação, segundo o arcabouço principiológico aventado, só
pode ser fruto da seletividade e distributividade que inspiram o legislador a
reconhecer na realidade social quais situações devem ser protegidas, como
devem ser protegidas, e em favor de quem a proteção deve surtir efeitos con-
cretos da prestação dos benefícios e serviços, seja, inclusive, condicionando
ou não o recebimento destes instrumentos de proteção social à exigência do
cumprimento da carência conforme o sopro da isonomia e da justiça social.
97
CAPÍTULO 5
RISCO SOCIAL DA INCAPACIDADE
Seguindo uma metodologia dedutiva e analítica, a partir deste ponto,
efetivamente, começa o enfrentamento específico do tema que motivou este
trabalho e que não poderia ser tratado sem a delimitação, circunscrição e coloca-
ção de questões absolutamente necessárias para situar a matéria a ser desen-
volvida, como o são as idéias do sistema de seguridade e seus serviços, do
instrumental protetivo que é oferecido pela previdência social, dos próprios
instrumentos de proteção social prestados aos membros da sociedade, e, neste
mister, do desenvolvimento da relação jurídica de benefícios previdenciários,
como a verdadeira manifestação da atuação da seguridade social para manter
incólume a ordem social.
Tendo sido apresentados todos esses importantes vértices, o campo
de exegese está perfeitamente limpo, arado, semeado e preparado o real obje-
tivo deste trabalho, que é apresentar o benefício previdenciário chamado auxí-
lio-doença como instrumento de proteção social na atuação da seguridade,
segundo os ditames constitucionais e legais do ordenamento jurídico brasileiro.
Entretanto, questão crucial é a verificação do risco social da incapacidade.
O risco social foi apresentado em itens anteriores de maneira genérica,
como sendo aquelas situações da vida que geram necessidade de proteção
social, cujos bens protegidos foram indicados pela Constituição Federal de 1988.
Entre esses riscos sociais brilha de gigantismo o risco social da incapa-
cidade a que estão sujeitos os membros da sociedade.
98
Como se viu, a Constituição não trouxe, expressamente no rol dos
incisos do artigo 201, a figura da incapacidade como evento que merecia a
proteção social da previdência social. Nem precisava trazer, porque a incapa-
cidade referida aqui é fruto daquilo que se convencionou adotar como primado
dentro da ordem social, o trabalho.
A incapacidade como risco social é fruto do trabalho, ou, mais precisa-
mente que isso, a incapacidade se refere ao trabalho, à especial situação que
retira, suprime, diminui e afeta o exercício do trabalho.
Este é o gravame fundamental quando se pretende proteger as situa-
ções de incapacidade, isto é, a situação de incapacidade que prejudica o per-
feito desempenho do trabalho.
Como o risco social da incapacidade para o trabalho pode se manifestar
no mundo da vida de várias maneiras, sob vários níveis e gravidades, e em
relação a diversos fatos, o legislador constituinte preferiu adotar na Constituição
Federal de 1988 um rol mais detalhado, com a identificação mais precisa dos
eventos que possam causar gravame ao exercício do trabalho.
E não seria demais supor, todavia, que os riscos sociais a ser protegi-
dos pelo sistema de seguridade estão todos relacionados ao trabalho.
Esta suposição está fundamentada na raiz da ordem social que se pre-
tende implantar na sociedade brasileira, porque, como já restou esclarecido, a
ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-
estar e a justiça sociais, por singela lembrança do artigo 193 da Constituição
Federal de 1988.
Se o primado do trabalho é a base para a consecução da ordem social,
avulta a importância fundamental que o trabalho tem para o pleno desenvol-
vimento do ser humano e da própria sociedade.
Por esta razão, qualquer situação que manche de gravame o perfeito
desempenho e exercício do trabalho merece ser, prontamente, atendida pelo
99
instrumental protetivo de que lança mão a seguridade social, e mais ainda a
previdência social.
O primado do trabalho é tão importante na concepção da previdência
social que não é exagerado afirmar que é o trabalho a principal preocupação
da previdência social quando se tem por objetivo garantir a ordem social.
Pode-se, a partir da especificidade da Constituição Federal, adotar como
gênero o evento incapacidade e como espécies três das quatro situações de
necessidade apontadas nos inciso I do artigo 201 da Constituição Federal,
quer sejam, a doença, a invalidez e a morte.
Excetua-se o evento idade avançada, porque, verdadeiramente, não
se pode deduzir que esse evento produza e acarrete, no mais das vezes, conse-
qüências de incapacidade para o exercício do trabalho. Tanto que a idade avan-
çada receberá tratamento próprio pela previdência social.
Portanto, quaisquer dos eventos, seja o acometimento de doenças,
seja a ocorrência da invalidez e definitivamente a morte, trazem em suas
conseqüências a potencial e contingente incapacidade para o exercício do
trabalho.
Como a incapacidade é contingência volúvel, há que se considerar que
haverá diferentes qualificadoras para a incapacidade, podendo ser total ou
parcial (qualificadora de gravidade) e ainda temporária ou permanente
(qualificadora de continuidade), mas não só isso, como também variando e
combinando de maneira simultânea as duas qualificadoras.
Cada combinação entre elas corresponde a uma determinada situação
da incapacidade para o exercício do trabalho, que, para a plena, eficiente e
adequada proteção, será ofertado pela previdência social um determinado be-
nefício previdenciário em favor do segurado ou dependente.
100
5.1 ABRANGÊNCIA DA INCAPACIDADE
A incapacidade para o exercício do trabalho abrange diversas situa-
ções causais que têm em comum a conseqüência de acarretar, em menor ou
maior grau, durante breve ou longo período do tempo, gravames para o pleno
desenvolvimento do trabalho como atividade mestra na sociedade que pretende
a ordem social.
Torna-se relevante compreender quais são essas causas e quais são
essas conseqüências, e, nesse ponto, quais são as qualificadoras da incapa-
cidade para o exercício do trabalho que farão distinguir o instrumento protetivo
prestado pela previdência social.
Dessa forma, a incapacidade para o exercício do trabalho pode ser
total ou parcial, segundo o grau de gravidade que lhe seja afetado.
Se a incapacidade for total, o segurado (sujeito ativo na relação de
benefícios previdenciários) tem prejudicadas sua aptidões para o trabalho, mas
não somente reduzidas, isto é, o segurado que enfrenta a situação da incapa-
cidade total não tem nenhuma condição para o exercício do trabalho, nem
para o atendimento de suas funções profissionais, muito menos a plena apti-
dão e capacidade para desempenhar qualquer atividade laboral.
De outro modo, a incapacidade para o exercício do trabalho poderá ser
parcial.
Sendo parcial, a incapacidade assim considerada não afeta integral-
mente as aptidões de que se vale o segurado no desempenho do seu trabalho
ou da sua atividade profissional.
O grau de incapacidade parcial mantém determinadas condições físi-
cas e funcionais no conjunto de habilidades do segurado que permitem, com
maior ou menor grau de dificuldade, ainda que sacrificando outras funções
laborais, que o segurado desempenhe a contento determinadas atividades
laborais que lhe preservem a manutenção do trabalho.
101
A incapacidade para o exercício do trabalho ainda pode ser considerada
sobre o grau de continuidade no tempo, ou seja, avaliada pelo tempo em que
subsistem seus efeitos em detrimento do exercício do trabalho.
Quanto ao grau de continuidade, a incapacidade poderá ser temporária
ou permanente.
A incapacidade temporária subsiste, como se depreende desta classifi-
cação, por determinado tempo, não importando, a princípio, se esse período
de tempo persistir em maior ou menor grau de continuidade, mas que seja
uma incapacidade pela qual o evento que lhe deu causa cesse em determinado
momento.
O cessar da incapacidade temporária poderá ser pela solução das con-
seqüências que limitavam a capacidade do trabalho, pela recuperação das
condições físicas ou funcionais limitantes que submetiam o segurado ao pleno
desenvolvimento de suas atividades, ou ainda pela evolução dos quadros de
gravidade que repercutam em efeitos de perda ou redução da capacidade para
o exercício do trabalho.
Em contraposição, a incapacidade para o exercício do trabalho poderá
se apresentar em grau de continuidade permanente, quer dizer, a incapacidade
deixa de ter solução no tempo, e permanece definitivamente consolidada como
gravame ao segurado no que se refere às suas condições físicas, funcionais e
em suas aptidões profissionais para o pleno exercício de suas atividades.
Não se confunda incapacidade total com permanente, nem parcial com
temporária, porque são situações distintas, que seguem conseqüências
díspares para o exercício do trabalho.
Como asseverado anteriormente, para a perfeita conformação e com-
preensão da abrangência dos efeitos da incapacidade para o exercício do traba-
lho, é necessário mesclar cada uma dessas qualificadoras, tornando possíveis
quatro hipóteses.
102
Na primeira, da incapacidade total e temporária, o segurado num primeiro
momento, após a ocorrência de determinada causa, deixa de ter condições
para desempenhar suas atividades laborais e fica afastado do trabalho.
Na segunda, da incapacidade total e permanente, o segurado perde
todas as condições para o exercício do trabalho, seja para a função ou ativida-
de profissional que for, e ainda perde tais aptidões de maneira permanente,
portanto sem solução de continuidade, devendo se afastar permanentemente
do trabalho.
A terceira, da incapacidade parcial e temporária, e a quarta, da
incapacidade parcial e permanente, em verdade, fundem-se em uma situação
somente, pois o aspecto temporal de uma incapacidade parcial só se afigura
como uma possibilidade de recuperação, o que, de algum modo, tendo solu-
ção de continuidade e cessados os efeitos da incapacidade, se subsistir a
condição parcial, então, efetivamente, haverá somente a incapacidade parcial e
permanente.
Dessa forma, o segurado que enfrente incapacidade parcial e perma-
nente mantém determinadas aptidões e habilidades para o desempenho de
suas funções profissionais em condições reduzidas de capacidade, cujas limi-
tações serão tidas por consolidadas no tempo.
Cada uma dessas situações receberá uma determinada proteção social
instrumentalizada pelos benefícios previdenciários previstos pela lei, e que aten-
dem, cada um, ao efetivo risco social que os segurados enfrentarem.
O benefício previdenciário auxílio-doença atende à incapacidade total
e temporária. A aposentadoria por invalidez protege a incapacidade total e
permanente. E o auxílio-acidente se presta à incapacidade parcial e perma-
nente (ou temporária, enquanto dure a redução da capacidade).
5.2 NEXO CAUSAL
O risco social da incapacidade para o exercício do trabalho, considerado
pela abrangência dos seus efeitos, pode ser traduzido conforme verificado acima.
103
De outro modo, a incapacidade como evento, como situação de neces-
sidade, tem, intrínseca à sua abrangência, o que se convém denominar de
nexo causal.
Como a incapacidade é uma situação de necessidade, um fato social
protegido pelo Direito, e em especial protegido pela previdência social, a
exemplo dos outros fatos da vida, ela pode ser compreendida segundo um
vínculo de causa e efeito, de causa e conseqüência.
Parece muito natural no mundo da vida que os fatos, as situações sejam
representadas por determinadas relações de causa e conseqüência. Se deter-
minado fato, aqui considerado fato social, nasce e se produz no seio da socie-
dade, ele repercute em conseqüências concretas e materiais, caso contrário
não receberia o beneplácito jurídico, muito menos receberia a coloração
protetiva prestada pelo instrumental da seguridade social.
A atuação protetiva só emerge como garantia da manutenção da ordem
social porque as situações da necessidade acarretam conseqüências dano-
sas, ameaçadoras e nocivas aos membros da sociedade, individual ou coleti-
vamente considerados.
Da observação empírica é que se torna possível a consideração da
incapacidade sobre o prisma do nexo causal, sobre a verificação de suas cau-
sas e conseqüências.
5.2.1 Causas
A incapacidade para o exercício do trabalho pode ser causada por di-
versas situações da vida, desde que tais situações acarretem lesões corporais
ou perturbações funcionais, pois é pela aptidão física e funcional que o ser
humano torna possível o exercício do trabalho.
104
O comprometimento da aptidão física e funcional pode ser causado
pelas doenças ou pelos acidentes. Justamente dois eventos que foram conce-
bidos pela previdência social como situações de necessidade que merecem
determinados instrumentos de proteção social, de determinados benefícios.
A definição exata do que venha a ser compreendido como doença ou
como acidente já não avulta de importância didática e científica para o desenvol-
vimento deste trabalho porque tais insurgências são questões que se enfren-
tam na ciência médica, e seria por demais exaustivo se tais definições guarne-
cessem este estudo.
Porém, na consideração das doenças e dos acidentes, a contingência
teórica que se enfrenta, para fins da ciência do Direito Previdenciário, é outra,
que decorre não somente do mundo dos fatos, como também da lógica e da
própria lei, como se verá adiante.
Por tais considerações as doenças e os acidentes podem ser classifi-
cados segundo suas causas tenham ou não afetação direta e determinante
pelo exercício do trabalho.
Quer dizer, determinadas doenças e determinados acidentes só se efe-
tivam no mundo da vida em razão direta do exercício do trabalho ou não, e, de
outro modo, só se efetivam em razão de fatos que não têm relação direta com
o exercício do trabalho.
Quando a razão determinante para a manifestação das causas, doença
ou acidente, não estiver relacionada com o fato do exercício do trabalho, isto
é, quando ocorrerem sem nenhuma vinculação à atividade laboral, notadamente,
porque emergem de outro ambiente circunstancial, então serão consideradas
causas comuns, em alusão às circunstâncias da vida que são comuns e ordiná-
rias a todos os segurados, independentemente da questão do trabalho.
De outro modo, quando as doenças ou os acidentes tiverem sua causa
em razão de existir algum fato relacionado ao exercício do trabalho, ou mais preci-
105
samente, algum nexo causal determinado pela efetiva, direta e imediata relação
com o exercício do trabalho e com as circunstâncias que envolvem o ambiente e
a relação do trabalho, então poderão ser classificados como de causas aciden-
tárias, em franca alusão à expressão utilizada para o evento acidente do traba-
lho que recebeu especial atenção do legislador constituinte, pela previsão do
inciso XXVIII do artigo 7° da Constituição Federal de 1988.
Embora a lei previdenciária não traga essa classificação didática, este
trabalho seguirá esse entendimento pelas razões já anunciadas e pelas outras
que seguirão adiante, todas inspiradas na propedêutica científica que permite
descodificar a epistemologia que envolve a matéria objeto deste estudo e
pesquisa.
5.2.1.1 Comuns
A Lei n. 8.213/91 não define o que compreenderiam as doenças e os
acidentes como causas comuns da incapacidade para o exercício do trabalho,
mas deixa alguns rastros lógicos, que poderão ser úteis neste propósito.
Historicamente, pela evolução legislativa das normas que atendiam às
questões relacionadas à seguridade social, à previdência social, e ao instru-
mental protetivo concebido materialmente em forma de prestações chamadas
benefícios, sempre identificaram duas questões díspares, de um lado a doença
e de outro o acidente do trabalho.
Não contava o ordenamento jurídico que, pela complexidade das rela-
ções sociais e pelo desenvolvimento do trabalho no bojo da sociedade, tais
situações, ditas doenças e acidente do trabalho, cada vez mais se aglutinassem
em causas muito próximas, exigindo da lei e das normas protetivas uma
especificidade ainda mais sofisticada.
Nas relações sociais, principalmente nas relações do trabalho, as doen-
ças também se tornaram causas muito recorrentes nas estatísticas dos eventos
que geram incapacidade para o trabalho.
106
Antigamente, ao menos, de forma sistematizada e protegida, não havia
a consideração de que o exercício do trabalho em condições precárias poderia
ser a razão determinante para o deslinde de determinadas doenças, por exem-
plo, aquelas que se originam em razão de agentes ou fatores de risco de natu-
reza ocupacional relacionados com a sua etiologia, como o cloro, o flúor, o iodo, o
ruído e a afecção auditiva, o ar comprimido e tantos outros.
Objetivamente consideradas, as doenças eram decorrentes da vida, e
não do trabalho.
Mas esta realidade se afigura, absolutamente, muito mais complexa
nos dias atuais, porque, graças ao desenvolvimento das ciências, da medicina,
da engenharia, da física, da química e outras, tornou-se possível verificar, iden-
tificar, classificar e sistematizar um conjunto incomensurável de agentes físi-
cos, químicos e biológicos que se concretizam no mundo da vida, e cujos efei-
tos podem ser invocados a estes ou àqueles eventos circunstanciais, como o
exercício do trabalho.
Assim, o legislador, atento e sensível à evolução dos tempos e das
relações sociais, ampliou o entendimento do que se tem por doença e por
acidente do trabalho, inclusive prevendo que há, dentro dessas relações sociais,
alguns fatos que não têm como causa determinante o exercício do trabalho,
seja na modalidade doença, seja na modalidade acidente.
Ou seja, há no manancial das hipóteses empíricas uma série de situa-
ções que não estão vinculadas ao exercício do trabalho, mas que da mesma
forma repercutem na conseqüência incapacidade para o trabalho.
Infelizmente, por lacuna da lei, não há definições das doenças ou aci-
dentes que não ocorram pelo exercício do trabalho, mas, de maneira lógica e
sistemática, isto avulta relevante se confrontados o conceito disposto no artigo
19 da Lei n. 8.213/91 com a expressão utilizada pelo inciso II do artigo 26 do
mesmo diploma legal.
107
Senão, vejamos restritivamente na parte que interessa a esta confrontação:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do
trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos
segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei [...];
De outro modo:
Art. 26.
[...]
II – [...] nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa [...].
Ou o legislador pretendia, realmente, diferenciar essas duas situações,
de um lado as “acidentes do trabalho” e de outro os “acidentes de qualquer
natureza”, ou o legislador criou uma confrontação por erro material e improprie-
dade terminológica.
Ainda que a conclusão resvale frágil, não parece que o legislador te-
nha, efetivamente, tropeçado em sua motivação quando cria duas expressões
distintas que atendem a fatos aparentemente distintos também, tanto que, para
suprir a lacuna criada pela falta de definição legal sobre o que se entende por
acidente de qualquer natureza, o Decreto n. 3.048/99, a par da discussão so-
bre sua legitimidade e eficácia com norma posta, supre essa carência pela
previsão do parágrafo único do seu artigo 30:
Art. 30.
[...]
Parágrafo único. Entende-se como acidente de qualquer natu-
reza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a
agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos) (...).
Por continência, pode-se supor que acidentes de qualquer natureza,
por sua generalidade, contêm os acidentes do trabalho, pois, dentre várias
108
possibilidade quanto à natureza, o trabalho é uma delas, mas, ainda assim, e
mesmo no Decreto n. 3.048/99 há uma série de outros apontamentos específi-
cos da terminologia acidente do trabalho, sempre tidos como ressalva, como é o
caso do artigo 60, inciso IX, artigo 61, inciso III, artigo 167 etc.
Em atenção ao percuciente objetivo de clarear essa problemática, em ver-
dade, o grande responsável pela confusão terminológica foi a Lei n. 9.528/97,
que alterou o artigo 86 da Lei n. 8.213/91, cuja redação original era:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido ao segurado quando,
após a consolidação das lesões decorrentes do acidente do tra-
balho, resultar seqüela que implique [...]. [grifo nosso]
E com o implemento da Lei n. 9.528/97, o dispositivo citado ficou alte-
rado para:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização,
ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes
de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que im-
pliquem [...]. [grifo nosso]
Com esta alteração o benefício auxílio-acidente, historicamente desti-
nado a proteger as situações decorrentes do acidente do trabalho, ganhou
uma abrangência que antes não podia oferecer no atendimento da incapacidade
para o exercício do trabalho, ou seja, além de proteger as situações de acidente
do trabalho, também pode promover a cobertura àqueles acidentes que não
tenham como causa o exercício do trabalho.
Exatamente esse foi o espírito teleológico do legislador quando expan-
diu a idéia de acidente, para englobar não somente os acidentes do trabalho,
mas também todos aqueles que não tenham relação direta e determinante
como causas decorrentes do exercício do trabalho.
109
A solução para essa questão não se encontra com melhor propriedade
no conflito terminológico ou na possível continência de uma expressão em
outra.
Encontra sim, e com propriedade, o necessário esclarecimento no mundo
da vida, no nexo causal, intrinsecamente considerado no aspecto causa, do
qual irrompem profundas diferenças entre as doenças ou acidentes que tenham
sido concebidos pelo fato do exercício do trabalho e por sua razão determinante,
em detrimento das doenças ou acidentes que tenham sido originados de outras
causas, outro nexo que não seja o exercício do trabalho, como exemplo, o acidente
ocorrido dentro de casa, enquanto o segurado desempenha e exerce seu direito
de lazer, ou, ainda, a doença contagiosa que tenha sido causada por determinado
agente biológico enquanto o segurado gozava de férias.
Assim, perfeitamente consideradas, as causas que repercutem na inca-
pacidade para o exercício do trabalho poderão ser classificadas como doenças
ou acidentes comuns quando seu nexo intrínseco não estiver relacionado ao
exercício do trabalho.
5.2.1.2 Acidentárias
Haja vista a classificação proposta, as causas que compõe o nexo cau-
sal das situações de necessidade de incapacidade para o exercício do traba-
lho também podem ser consideradas e denominadas causas acidentárias.
Portanto, as doenças e os acidentes que tenham relação direta e
determinante com o exercício do trabalho serão tratadas, especificamente, como
doenças profissionais e doenças do trabalho, e acidente do trabalho.
Sistematicamente, as definições de umas (doenças profissionais e do-
enças do trabalho) e outra (acidente do trabalho) foram especificadas pela Lei
n. 8.213/91.
110
Primeiramente a definição de acidente do trabalho:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do
trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos
segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei, provo-
cando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte
ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade
do trabalho.
E posteriormente, na seqüência, a definição das doenças profissionais
e doenças do trabalho:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo
anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desen-
cadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada ativi-
dade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério
do Trabalho e da Previdência Social;16
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desenca-
deada em função de condições especiais em que o trabalho é
realizado e com ele se relacione diretamente, constante da rela-
ção mencionada no inciso I.
Nessas definições há inúmeros conceitos importantes para ser desen-
volvidos, valendo, ainda, notar que os acidentes do trabalho, além de empres-
tar às doenças profissionais e doenças do trabalho os efeitos legais que sobre
ele repousam, também tiveram outras situações consideradas por equipara-
ção a eles e que foram brindadas pelos mesmos efeitos que guarnecem o risco
social do acidente do trabalho.
16 Atualmente denominado Ministério do Trabalho e Emprego pelo art. 25 da Lei n. 10.683/03.
111
Esta equiparação está no rol do artigo 21 da Lei n. 8.213/91 que traz as
hipóteses: do acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa
única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para a redução
ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou tenha produzido lesão que exija
atenção médica para a sua recuperação (inciso I); o acidente sofrido pelo segu-
rado no local e no horário do trabalho (inciso II); a doença proveniente de conta-
minação acidental do empregado no exercício de sua atividade (inciso III); e o
acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho
(inciso IV).
O artigo supracitado é mais detalhista ainda, e além da previsão dessas
situações equiparadas, trás em seu bojo taxativamente a própria casuística que
será contemplada com os beneplácitos do acidente do trabalho.
A equiparação legal estabelecida no artigo 21 revela um dado comum
nas quatro hipóteses circunstanciais propostas, ou seja, revela a ausência, em
todas as situações descritas, do elemento volitivo do segurado na prática e ação
concreta que culmina na incapacidade para o exercício do trabalho, sendo equi-
parada, tão-somente, pela circunstancial vinculação que os segurados têm com
o ambiente do trabalho ou com suas relações com os demais colegas de trabalho.
Dessa forma, e atendidas as exigências do artigo 7°, inciso XXVIII, da
Constituição Federal de 1988, o acidente do trabalho será objeto de proteção
social pelo instrumental da previdência social quando acarretar incapacidade
para o exercício do trabalho.
Aliás, o mesmo dispositivo constitucional aqui referido, em seu teor, traz
outra justificativa para a classificação e separação da causa que faz gerar a
incapacidade para o exercício do trabalho, entre causas comuns e causas aci-
dentárias, quando estabelece que:
Art. 7°
[...]
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empre-
112
gador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quan-
do incorrer em dolo ou culpa;
A justificativa é o estabelecimento discriminado e específico de um “se-
guro”, ou, melhor conceitualmente explicitando, um sistema de proteção social
próprio financiado pelos empregadores como instrumento de proteção social
efetivo composto por benefícios e serviços especiais, destinados a segurados
discriminados pela lei, e sob organização formal distinto daquele a que se
submete o Regime Geral de Previdência Social, como será, oportunamente,
estudado.
Ora, se a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, dentro do regime
de direitos sociais, um programa de proteção social a ser instrumentalizado pela
previdência social, vulgarmente conhecido por seguro acidente do trabalho (SAT)
financiado e custeado a cargo do empregador (ou empresas),17 era porque, no
seu modelo de proteção social, nos auspícios do seu arcabouço normativo, es-
tão contemplados os acidentes do trabalho como causas distintas de outros
acidentes (o mesmo se aplicando às doenças) quando ambos acarretem inca-
pacidade para o exercício do trabalho, como efetivamente proposto e discutido
neste trabalho.
5.2.2 Conseqüências
Em se tratando de nexo causal, o estudo do risco social determinado
como incapacidade para o exercício do trabalho só restará completo e satisfeito
se a relação de causalidade se demonstrar também pelo entendimento das
17 Como de fato, insurge-se artigo 22, inciso II, da Lei n. 8.212/91, pelo qual é instituída uma
Contribuição Social, adredemente destinada ao financiamento dos benefícios previstos
nos artigos 57 e 58 da Lei n. 8.213/91, e daqueles concedidos em razão do grau de
incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho se-
gundo os critérios da lei.
113
conseqüências geradas pelos eventos: a) doença ou acidentes de qualquer
natureza; b) doenças profissionais e doenças do trabalho e acidentes do tra-
balho que foram estudados acima.
A conseqüência se confunde com a própria situação a ser protegida
como já fora anotado no enfrentamento das questões dos bens protegidos e
do risco social, e que, portanto, remanescentes dos conceitos e entendimentos
já firmados até aqui, dispensam maiores discussões teóricas e conceituais.
Na relação jurídica de benefícios previdenciários que tenha por fim a
especial proteção e cobertura dos eventos de incapacidade para o exercício
do trabalho, conforme as qualificações que o caso concreto revele à subsunção
da norma, o nexo causal, a relação de causalidade se forma pela ocorrência
do fenômeno causa, doenças ou acidentes comuns ou de qualquer natureza;
e de doenças ou acidentes do trabalho,18 conjugado e correlacionado ao fenô-
meno conseqüência, que se traduz efetivamente na incapacidade para o exer-
cício do trabalho.
A incapacidade para o exercício do trabalho pode ser dividida em dois
momentos distintos, que se desenrolam, consecutivamente, conforme a evo-
lução causal natural das contingências que a incapacidade laborativa acarreta
concretamente no mundo dos fatos.
No primeiro momento, há a ocorrência da doença ou do acidente que
deve repercutir e ocasionar determinadas lesões corporais ou perturbações
funcionais no segurado.
No segundo momento, consecutivamente ao primeiro, tais lesões ou pertur-
bações só se traduzem em fatos relevantes quando, concretamente, ocasio-
narem a morte, a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade
para o exercício do trabalho, o que se depreende do artigo 19 da Lei n. 8.213/91,
18 Conforme se estabeleça uma vinculação direta e determinante na ocorrência desses even-
tos com o efetivo exercício do trabalho, como restou demonstrado.
114
bem como do parágrafo único do artigo 30 do Decreto n. 3.048/99 e que já foram
sistematicamente estudadas quando se enfrentava alhures o item da abran-
gência da incapacidade assim convencionado.
Desse modo, servem todos aqueles argumentos para finalizar e con-
cluir a questão do risco social da incapacidade como uma situação de neces-
sidade a ser protegida pelos instrumentais protetivos oferecidos pela previdência
social, que se consubstanciam nos benefícios previdenciários, destinados a
garantir a substituição dos rendimentos ou remunerações a que o segurado
faria jus pelo seu trabalho e, por uma razão ou outra decorrente da incapacida-
de, ficam prejudicados, e que, se o segurado não fosse devidamente laureado
pelos beneplácitos da seguridade social, comprometida estaria a ordem social.
115
CAPÍTULO 6
AUXÍLIO-DOENÇA
6.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Delimitado o campo de atuação da seguridade social pela instrumen-
talização protetiva de seus serviços, em especial e para o desenvolvimento des-
te trabalho, da seguridade social, que mantém armadas e disponíveis determi-
nadas prestações, benefícios e serviços, para a garantia de proteção dos
segurados e dependentes que estejam submetidos aos efeitos de determinadas
situações de necessidade, como o é a incapacidade laborativa em suas diver-
sas abrangências fáticas, torna-se apropriado adentrar na exegese do benefício
previdenciário denominado auxílio-doença.
Seguindo o entendimento mantido sobre a questão de a incapacidade
laborativa ser a manifestação de um nexo causal fático entre dois elementos
essenciais para sua ocorrência no mundo da vida, seja um evento tido por causa
e outro por conseqüência e dividida a causa entre causa comum ou causa
acidentária, a análise específica do benefício previdenciário auxílio-doença re-
fletirá essa mesma divisão, e, portanto, ele será estudado em suas duas ver-
sões, como auxílio doença comum e acidentário. A começar pelo primeiro.
A estrutura proposta para o desenvolvimento desses temas específicos
será a mesma proposta quando estudada em sua generalidade, ou seja, como
uma prestação decorrente de uma determinada relação jurídica mantida entre a
previdência social e os segurados, cujo conteúdo se exprime pela obrigação
pecuniária de pagamento do benefício auxílio-doença.
116
Não é demasiado lembrar do desenvolvimento histórico da legislação
brasileira, porque, pelas previsões normativas, é possível demonstrar como a
sociedade procurou pela evolução do tempo e amadurecimento democrático
manter determinadas situações protegidas por regras e instrumentos protetivos
que satisfizessem os anseios da segurança e estabilidade social, enfim, que
mantivessem exime a ordem social.
As Constituições brasileiras, desde a Constituição de 1946, tinham
apontado a doença como sendo uma situação de necessidade que deveria ser
protegida pela manifestação concreta do Estado.
A Constituição de 1946 previa no artigo 157, inciso XVI, entre outras
situações protegidas, o dever de proteção contra as conseqüências da doença,
segundo um regime de previdência.
Durante a vigência da Magna Carta de 1946 e imbuída do espírito das
revoluções institucionais por que passava o Estado brasileiro, em especial pelo
estabelecimento de diversas regras que disciplinavam as relações sociais, par-
ticularmente, as relações de trabalho, surgiu a Lei n. 3.807/60, que instituía a
prestação denominada auxílio-doença, segundo regras específicas em favor
dos segurados, dispostas a partir do artigo 24 até o artigo 26 dessa lei.
Em 1967, como já se anotou, surgiu nova Constituição que também
repetiu a proteção oferecida nos casos de doença, conforme se verifica da
expressa previsão do artigo 158, inciso XVI, recepcionando, indubitavelmente,
a Lei n. 3.807/60, já devidamente absorvida no ordenamento jurídico.
Pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969, houve certas mudanças for-
mais e materiais da antecedente Constituição de 1967, mas não se extirpou a
proteção aos casos de doença de acordo com a robusta disposição do artigo
165, inciso XVI, que permaneceu inalterada em seu conteúdo material.
Durante os anos da década de 1970, foram promulgadas algumas leis
esparsas que alteraram topicamente a Lei n. 3.807/60, como as Leis ns. 5.890/
73 e 6.438/77, que trouxeram modificações ao artigo 24 já referido da antiga
Lei Orgânica da Previdência Social.
117
A Constituição Federal de 1988, marco da evolução democrática brasi-
leira, dispõe sobre a proteção do evento doença no artigo 201, inciso I, man-
tendo a proteção conquistada pela história.
E a Lei n. 8.213/91, lastreada pela Lei n. 8.212/91, estabelece a partir
do artigo 59 até o 64 todas as disposições acerca do benefício previdenciário
auxílio-doença, com a regulamentação oferecida pelo Decreto n. 3.048/99.
Este é o arcabouço jurídico que insurge legitimamente o benefício auxí-
lio-doença.
6.2 AUXÍLIO-DOENÇA COMUM
O benefício auxílio-doença tem como regra matriz de sua estruturação
material a disposição do artigo 59 da Lei n. 8.213/91.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, haven-
do cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido
nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua
atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Dessa disposição avultam, essencialmente, os elementos que compõem
a estrutura da relação jurídica do benefício previdenciário auxílio-doença e, a
partir dela, dos complementos que se seguem pelos artigos sucedâneos, po-
dem ser deduzidos todos os elementos desse instrumento de proteção social
prestado pela previdência social.
6.3 MATERIALIDADE
A materialidade do auxílio-doença, como já se convencionou esclare-
cer em tópico geral, corresponde à situação material de necessidade que o
118
segurado enfrenta decorrente da incapacidade laborativa, ou, como quer a lei,
o fato de o segurado “ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua
atividade habitual”.
Tal representação pela lei corresponde a um fato no modo verbal “ficar
incapacitado” porque a lei previdenciária visa proteger eventos concretos que
sujeitam o segurado durante sua existência e durante o exercício de sua ativi-
dade profissional.
Como já foi observada, a materialidade, em sua plenitude, desenvolve-
se pelo nexo causal entre uma causa e uma conseqüência concreta e material.
A causa da incapacidade pode ser a situação da doença e a situação do
acidente, e aqui, no benefício auxílio-doença, o acidente de qualquer natureza.
Como essas causas, tidas por comuns, não têm correspondência em
sua origem circunstancial com o exercício do trabalho, podem ser derivadas
de quaisquer situações da vida que façam o segurado se sujeitar à doença ou
ao acidente de qualquer natureza que lhe ocorra.
Essa amplitude é bem explicitada no parágrafo único do artigo 30 do
Decreto n. 3.048/99:
Art. 30.
[...]
Parágrafo único. Entende-se como acidente de qualquer nature-
za ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agen-
tes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão
corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou
a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.
Tomados, a doença e o acidente de qualquer natureza, por expressões
equiparadas em suas manifestações concretas, variando apenas o agente cau-
119
sador e o deslinde circunstancial do fato, eles são causas de origem traumáti-
ca e por exposição a agentes físicos (objetos, bens e coisas), químicos (subs-
tâncias) e biológicos (seres vivos em geral), que submetem o segurado a con-
seqüências que alteram seu estado de vida, especialmente, na relação do
trabalho.
Essa especial alteração é observada na conseqüência, cuja proteção
do auxílio-doença está afetada à incapacidade para o exercício do trabalho.
Já, na conseqüência, a abrangência da expressão incapacidade para
fins do auxílio-doença é a incapacidade total e temporária para o exercício do
trabalho.
A incapacidade é temporária porque as conseqüências geradas pela
materialização das causas de doença e acidentes de qualquer natureza que,
sobre as condições físicas e funcionais do segurado no desempenho de suas
atividades laborais, são passíveis de recuperação e, espera-se, devem durar
determinado período de tempo.
Mas, além de temporária, outra condição para a percepção do auxílio-
doença é a de que a incapacidade se manifeste de forma total, ou seja, que
represente obstáculo determinante para o afastamento do segurado das suas
atividades laborais.
Para tanto, é necessário que o segurado, após a ocorrência da doença
ou do acidente que lhe causem incapacidade para o exercício do trabalho,
seja afastado de suas atividades.
No caso dos segurados empregados, o contrato de trabalho ficará
suspenso pelo período que durar o afastamento decorrente da incapacidade,
conforme disposição, prevista no artigo 63 da Lei n. 8.213/91, de que: “o segu-
rado empregado em gozo de auxílio-doença será considerado pela empresa
como licenciado”, disposição que vem, concomitantemente prevista na Conso-
lidação das Leis do Trabalho.
120
Já, para os demais segurados, o afastamento se operará de forma
natural, com a paralisação efetiva das atividades laborais que o segurado inca-
pacitado desempenhava.
O parágrafo único do artigo 59 dispõe uma ressalva muito importante
que limita a concessão do auxílio-doença, que é a de que não será devido o
benefício se o segurado já for portador da doença ou da lesão invocada como
causa, salvo quando a incapacidade for causada como reflexo da progressão
ou agravamento dessa doença ou lesão.
Não poderia ser de outro modo, pois a proteção social oferecida pelo
benefício previdenciário auxílio-doença atende ao verbo “ficar incapacitado” e
não “ser incapacitado”, isto é, o risco social protegido é a especial situação de
necessidade que altera o estado atual da vida do segurado, e não a situação a
que o segurado já esteja submetido, pois, assim, tal situação seria outra, e o
bem protegido também.
É o infortúnio da mudança circunstancial do estado de vida do segura-
do que é protegido, porque sobressai desse evento a sujeição ao prejuízo
imprevisto de o segurado perder sua capacidade para o trabalho, compro-
metendo, se não houvesse a proteção social do benefício, o seu sustento e a
sua sobrevivência.
Claro, também, que, no intuito de preservar aquelas situações em que,
embora portador de doença ou lesão, o segurado tenha condições de exercer
atividades laborais e efetivamente as exerça, a incapacidade decorra da pro-
gressão ou do agravamento da doença ou lesão preexistente, porque, nessas
circunstâncias, do mesmo modo, houve alteração do estado de vida do
segurado.
6.4 SUJEITOS
Na relação jurídica do benefício previdenciário, como qualquer relação
jurídica, há o estabelecimento de um vínculo entre dois sujeitos de direito, um
121
sujeito ativo e outro sujeito passivo, respectivamente, um com o poder e o
direito de exigir determinada prestação do outro que tem o dever e a obrigação
de prestar o objeto que se estabelece na relação entre eles.
O artigo 59 da Lei n. 8.213/91 imputa ao segurado o direito de recebi-
mento do benefício previdenciário auxílio-doença. E, portanto, nessa relação
jurídica previdenciária, o segurado é o sujeito ativo em favor de quem o sujeito
passivo vai prestar o objeto dessa relação.
Por segurado, como já foi visto, foram tomados, pela Lei n. 8.213/91,
em seu artigo 11, os sujeitos que exercem determinadas atividades profissio-
nais (os trabalhadores em geral, sejam empregados, domésticos, avulsos,
contribuintes individuais e segurados especiais), chamados, por conseguinte,
de segurados obrigatórios, cuja participação na previdência social é obrigató-
ria, pela especial iniciativa de, como um dos membros da sociedade, participar
do financiamento da seguridade social como condição fundamental para a ma-
nutenção de sua qualidade de segurado, e, portanto, de sujeito de direitos
perante a previdência social.
Também são sujeitos ativos os segurados facultativos, ou seja, tam-
bém têm direito ao benefício previdenciário auxílio-doença os sujeitos que par-
ticipam da previdência social por manifesta e livre vontade, mas, respeitadas,
de qualquer forma, as condições para a manutenção da qualidade de segurado
a que estão submetidos os obrigatórios.
Por outro lado, se há um direito a ser prestado ao segurado, de outro,
há um sujeito passivo que tem a obrigação de prestar esse direito, que na
relação previdenciária será a previdência social, por sua autarquia e ente jurí-
dico de direito público, Instituto Nacional do Seguro Social, o INSS, conforme
a Lei n. 8.029/90.
A obrigação passiva da previdência social é fruto de toda a sistemática
que se apresenta para sua conformação jurídica, e rege-se tanto pelas dispo-
122
sições constitucionais, como pelas disposições legais, que defluem a partir do
próprio artigo 1° da Lei 8.213/91, legitimado pelo artigo 7°, artigo 194 e artigo
201, todos da Constituição Federal de 1988.
6.5 OBJETO
Neste ponto, a relação jurídica do benefício previdenciário auxílio-doença
se estabeleceu em razão da ocorrência da materialidade representada pela
incapacidade para o exercício do trabalho de determinados segurados, que
podem exigir da previdência social o direito ao recebimento do auxílio-doença,
como fruto da composição estabelecida entre direitos e deveres correspon-
dentes a ambos.
Sem delongas, o que se apresenta oportuno é a compreensão especí-
fica do próprio benefício previdenciário auxílio-doença como objeto a ser pres-
tado nessa relação jurídica estabelecida entre o segurado e a previdência social.
6.5.1 Pagamento
Como prestação a ser satisfeita pela previdência social, o auxílio-doença
é uma prestação de dar (dare) com a especial característica pecuniária, pois a
vocação de qualquer benefício previdenciário, na satisfação dos fins a que se
destinam, é garantir ao segurado a substituição do rendimento ou da remune-
ração que ficaram prejudicados pelo afastamento do trabalho.
Já foi apontada a questão pecuniária como sendo a forma mais apro-
priada para a proteção dos segurados, pois, com o recebimento de determina-
da pecúnia, de determinado valor em moeda, o segurado pode satisfazer suas
(e da sua família) necessidades de subsistência e sobrevivência, para manter
sua própria dignidade humana.
123
Portanto, o benefício previdenciário auxílio-doença é um pagamento, e
como tal deve conter em sua previsão legal os elementos necessários para
sua perfeita identificação e efetiva prestação.
6.5.2 Tempo do pagamento
A Lei n. 8.213/91, no seu artigo 60 e parágrafos, estabelece o tempo do
pagamento, portanto, o momento que o direito ao recebimento do auxílio-doença
se insere no âmbito dos direitos subjetivos do segurado, e pode e deve, por
conseqüência, ser exigido pelo segurado.
Dispõe o artigo 60:
Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado
a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no
caso dos demais segurados, a contar da data do início da inca-
pacidade e enquanto ele permanecer incapaz.
Antes de esclarecer sobre a regra posta, é necessário aviventar uma
questão relativa à eficácia da lei em detrimento da efetiva concretização dos
fatos no mundo da vida.
A lei nem sempre reflete, quando estabelece questões relativas ao
tempo, o momento concreto em que se efetiva o fato juridicamente relevante,
mas, tem, por vezes, sua eficácia no tempo determinada por razões de ordem
prática, formal ou jurídica.
Como se percebe da descrição legal, a ser logo mais aprofundada, o
auxílio-doença é devido no tempo, por eficácia legal, a partir de determinado
tempo para os segurados empregados, por mera convenção legal, e não por
efetiva realidade material.
124
A incapacidade para o exercício do trabalho a que se submete o segu-
rado e que lhe dá o direito ao auxílio-doença não tem nenhuma justificativa
concreta que o condicione à imposição legal dos 15 dias a que se refere a lei,
quando menciona o direito dos segurados empregados. A incapacidade não
espera 15 dias para surtir seus efeitos e suas conseqüências sobre o segura-
do empregado.
Portanto, o tempo conferido pela lei para tornar eficaz e plenamente
exigível o direito ao benefício auxílio-doença é pura convenção jurídica, e não
retrata a efetiva e concreta necessidade que a incapacidade gera para o segu-
rado empregado.
Mas essa convenção ganha lógica e coerência quando avaliada junta-
mente com outras regras, como se verá adiante.
O tempo do pagamento do benefício previdenciário auxílio-doença foi
diferenciado entre os sujeitos protegidos, os segurados, havendo duas previ-
sões, uma referente ao segurado empregado e outra referente aos demais
segurados.
O segurado empregado tem direito ao auxílio-doença após o período
de 15 dias consecutivos, ou seja, a partir do décimo sexto dia contado da ocor-
rência da incapacidade.
Já os demais segurados, todos os outros referidos no rol do artigo 11
da Lei 8.213/91, terão direito ao auxílio-doença a partir da ocorrência da inca-
pacidade para o exercício do trabalho.
Essa diferença entre segurados empregados e os demais é expressão,
conforme entendimento mantido nas questões principiológicas da seguridade
social, do princípio da seletividade e distributividade, provavelmente porque o
legislador pátrio encontrou uma diferença significativa entre esses segurados
que pode ser deduzida pela natureza do vínculo de trabalho que se dá de
forma diferente para os empregados e para os demais.
125
O empregado está submetido ao vínculo empregatício, que, diferente-
mente dos outros segurados (com críticas ao caso dos domésticos), envolve
diretamente outro sujeito na relação social, que é o o empregador ou empresa
que mantém interesses diretos e indiretos na proteção do trabalhador, justifi-
cando, inclusive, sua participação no Sistema de Seguridade Social.
A razão para que o auxílio-doença seja prestado após 15 dias ao segu-
rado empregado é previsão do § 3° do mesmo artigo 60, pelo qual impõe à
empresa (ou empregador) a obrigação de pagar ao segurado empregado o
seu salário integral durante os primeiros 15 dias consecutivos ao do afasta-
mento da atividade por motivo de doença.
Em outras palavras, o auxílio-doença não é prestado imediatamente
após a ocorrência da incapacidade (como se deduziria por raciocínio lógico)
do segurado empregado, porque o interregno de 15 dias a que se refere a lei é
assumido às expensas da empresa ou empregador.
Mas a questão que não quer calar é por quê?
Por que a lei estabeleceu esse interregno formal de 15 dias?
Os dados estatísticos sobre a situação da incapacidade que importa no
afastamento do trabalho irrompem definitivamente para responder a essa per-
gunta, porque, a partir dos dados estatísticos e segundo uma série de variantes,
funções e informações colhidas pela previdência social, podem demonstrar,
como de fato demonstram, que parte significativa dos eventos causadores de
incapacidade são resolvidos durante o período de 15 dias. Tais informações
podem ser verificadas da Base de Dados do Anuário Estatístico da Previdên-
cia Social, que são públicas e amplamente noticiadas.
Bem verdade que mantém algum propósito esta justificativa, porque,
de outro modo, se para cada situação de incapacidade ocorrida nas relações
de trabalho o Sistema de Seguridade Social, pela previdência social, tivesse
de atuar e conferir seus instrumentais protetivos aos segurados, como é o auxílio-
126
doença, ficariam comprometidas a efetividade, a eficácia e a adequada prote-
ção de todos, pois o interregno de 15 dias é tempo suficiente (em muitos ca-
sos) para que o segurado empregado se recupere da doença ou da lesão que
o afastou do trabalho.
Por isso que essa responsabilidade social é compartilhada com as em-
presas e empregadores, porque, em geral, contingências que duram 15 dias
podem receber uma proteção mais eficaz na relação social entre particulares,
sem a intervenção da seguridade social.
Assim, conforme o § 3° do artigo 60, a empresa é obrigada, no período
de 15 dias contados da incapacidade, a pagar ao segurado empregado seu
salário integral.
Há ainda uma disposição de caráter especial sobre o tempo em que o
auxílio-doença pode ser exigido pelo segurado que é a regra do § 1° do artigo
60, pela qual, tanto para os segurados empregados como para os demais, o
auxílio-doença será devido somente a partir do requerimento,19 quando este for
efetivado na previdência social após 30 dias do afastamento pelo fato da inca-
pacidade.
Esta regra tem, ao que parece, caráter duplo, seja como precaução,
seja como punição. Precaução para aproximar o segurado da proteção ofere-
cida pela previdência social, porque a sociedade tem interesse nessa proteção,
como amplamente discutido. E punição porque, de outro modo, a lei, como sói
vetusto no Direito, não ampara aquele que “dorme” no exercício de seus direitos,
ou seja, a lei previdenciária não confere efeito retroativo àquele segurado que,
por razões injustificadas, não se valeu do seu direito em tempo oportuno, como
lhe era possível exigir e exercer.
Na questão do tempo, ainda se mostra necessário compreender, conco-
mitantemente ao momento em que o auxílio-doença nasce na esfera subjetiva
19 Pedido formal que o segurado deve fazer dirigido à previdência social para ter direito ao
benefício, conforme regras estabelecidas na lei e no regulamento.
127
dos direitos do segurado, também, o momento em que o benefício deixa de ser
devido.
Como o auxílio-doença é o benefício de protege as conseqüências da
incapacidade, parece lógico que ele será devido enquanto dure a incapacidade,
ou, como explicitou o final do citado artigo 60, “enquanto ele (segurado) per-
manecer incapaz”.
O conteúdo da expressão “enquanto ele permanecer incapaz” denota
uma série de proposições, segundo a solução que a ela se apresente.
A incapacidade pode ser finalizada ou pela recuperação, ou redução
ou agravamento das condições físicas e funcionais do segurado no desempenho
de suas atividades laborais.
Novamente, torna-se pertinente a consideração da abrangência da inca-
pacidade, pois é nela que se afiguram as possibilidades concretas e os graus
de gravidade ou de continuidade a que estão sujeitos os segurados.
Como se viu, aliás, a incapacidade do auxílio-doença tem sua abran-
gência definida pelo aspecto total e temporário, ou seja, se esses aspectos se
alterarem, a materialidade que justifica a concessão do benefício auxílio-doença
também se modifica, e outro instrumento protetivo deverá ser galgado em fa-
vor do segurado.
Assim, de forma didática, se a incapacidade do segurado for solucionada
pela recuperação das condições físicas e funcionais do segurado no desem-
penho de suas funções, então, simplesmente, o benefício cumpriu seu papel e
sua finalidade e deverão cessar seus efeitos em favor do segurado.
Por outra forma, se a incapacidade se agravar, ou seja, se a incapaci-
dade tornar-se total e permanente (ao invés de temporária), significa que o
segurado, definitivamente perdeu todas as condições para o exercício do tra-
128
balho, e como dispõe o artigo 62 da Lei n. 8.213/91, quando se refere ao segu-
rado, em sua parte final, “... quando considerado não-recuperável, for aposen-
tado por invalidez.”
Esta é a hipótese em que o auxílio-doença é convertido em outro bene-
fício, a aposentadoria por invalidez,20 porque a materialidade, a situação de
necessidade se mostra diferente em sua contingência, merecendo, portanto,
um benefício previdenciário, um instrumento de proteção social mais adequado
para satisfazer às necessidade do segurado.
E, por fim, a incapacidade do segurado poderá transmudar-se de total
e temporária, como exige o auxílio-doença, para uma incapacidade parcial e
permanente, ensejando outro benefício, o auxílio-acidente,21 pois, a proteção
condizente a quem sofra das conseqüências de uma incapacidade parcial e
permanente, que é a qualificadora da materialidade que enseja o auxílio-aci-
dente, é diferente daquela que satisfaz a materialidade do auxílio-doença, até
porque no auxílio-acidente o segurado pode, ainda que em condições reduzidas,
exercer suas atividades laborais.
Informação extremamente importante que se mostra fundamental na
persecução da efetiva proteção social a ser buscada pela previdência social, é
a que deflui soberba do artigo 62 da Lei n. 8.213/91:
Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível
de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se
a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra
atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como ha-
bilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a
subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for apo-
sentado por invalidez.
20 A aposentadoria por invalidez está prevista no artigo 42 e seguintes até o 47 da Lei n. 8.213/91.
21 O auxílio-acidente, por sua vez, está previsto no artigo 86 a que se refere a mesma lei
indicada na nota 20.
129
Como a incapacidade para fins de concessão do auxílio-doença é
aquela que se mostra total e temporária, a previdência social, para buscar a
recuperação do segurado ou garantir que ele desenvolva novas formas de
habilidades profissionais, que lhes sejam capazes de manter o desempenho
de suas atividades laborais, oferece outro instrumento de proteção social, o
serviço chamado “reabilitação profissional” de que dispõe a alínea c, do inciso
III, do artigo 18 da Lei de Benefícios.
A reabilitação profissional está disciplinada no artigo 89 da mesma lei e
visa, positivamente, proporcionar ao beneficiário (segurados e dependentes)
incapacitado para o trabalho e às pessoas portadoras de deficiência “os meios
para a (re)educação e (re)adaptação profissional e social indicados para par-
ticipar do mercado de trabalho e do contexto em que vive”.
A verificação da incapacidade para fins de concessão do auxílio-doença,
bem como para a comprovação da situação e das condições físicas e funcionais
do segurado, competem à empresa e à previdência social, conforme o caso.
À empresa, no caso dos segurados empregados, compete essa verifi-
cação, preferencialmente, quando esta dispuser de serviço médico próprio ou
em convênio, somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da
previdência social quando a incapacidade ultrapassar 15 dias, de acordo com
o § 4° do artigo 60 da Lei n. 8.213/91.
E à previdência social, tanto após os 15 dias mencionados acima, no
caso dos segurados empregados, como para todos, compete esta obrigação,
conforme se depreende do artigo 101 da mesma lei, que infere a responsabilidade
da previdência social de prestar e submeter os segurados a exame médico,
processo de reabilitação por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado
gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.
Portanto, é a perícia médica, oferecida como serviço pela previdência
social – observada somente a preferência do § 4° do artigo 60 mencionado aci-
ma –, que atesta e conclui sobre a real situação da incapacidade a que está su-
jeito o segurado, determinando, assim, qual a solução prática do caso, seja im-
130
putando outro benefício previdenciário devido, seja fazendo cessarem os efei-
tos e a proteção do auxílio-doença.
6.5.3 Lugar do pagamento
O benefício previdenciário auxílio-doença, como um dos instrumentos
de proteção social prestados pela previdência social na atuação da seguridade
social que tem por objetivo a manutenção da ordem social, segue o mesmo
entendimento acerca do lugar do pagamento que foi discutido na regra geral
da relação jurídica de benefícios previdenciários no item 4.5.3.2 deste trabalho.
O lugar do pagamento do auxílio-doença decorre da interpretação siste-
mática que se instaura no entendimento do alcance da previdência social so-
bre a sociedade brasileira.
Dessa forma, ratificando o mesmo entendimento trilhado anteriormente,
o auxílio-doença deverá ser prestado, e, portanto, recebido em todo o território
nacional, a todos os segurados que assim mantenham com a previdência social
o vínculo da filiação obrigatória para uso e gozo dos benefícios previdenciários
e serviços postos a disposição como meio de proteção social.
Vale também a regra excepcional da extraterritorialidade que se insur-
ge da situação jurídica de alguns segurados obrigatórios indicados no artigo
11 da Lei n. 8.213/91, que, embora, fora dos limites físicos e geográficos, en-
contram-se sobre os auspícios da soberania do Estado brasileiro, e, desde
que filiados, também poderão fruir do benefício auxílio-doença.
A questão do lugar do pagamento do auxílio-doença não enfrenta ou-
tras dificuldades, como é cediço pelo âmbito de atuação da previdência social,
como ente organizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que é
uma autarquia federal e segue o regime jurídico imposto pelas leis federais de
competência privativa da União.
131
6.5.4 Valor do pagamento
Outro elemento fundamental para a compreensão do objeto a ser presta-
do na relação jurídica do benefício previdenciário chamado auxílio-doença é o
seu aspecto quantitativo.
Como se discutiu, os benefícios previdenciários são realmente presta-
ções que consistem numa obrigação pecuniária, portanto, uma obrigação de
pagar, e sendo assim, consistem num verdadeiro pagamento, realizado pela
previdência social em favor dos segurados, sejam eles obrigatórios ou faculta-
tivos, que, filiados e mantendo essa condição, tenham sofrido um dos eventos
materiais causais (doença ou acidente de qualquer natureza) e em decorrência
desses eventos lhes tenham acarretado lesões corporais ou perturbações funcio-
nais que culminem, no caso do auxílio-doença, na incapacidade total e tempo-
rária para o exercício do trabalho.
Assim, a lei previdenciária não poderia deixar de prever a forma pela
qual o valor do auxílio-doença deverá ser obtido, pois a partir desse cômputo é
que se tornará exigível uma prestação certa e determinada, representada em
moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, e que, efetivamente, possa servir
como um instrumento de caráter remuneratório para substituir o rendimento ou
remuneração a que o segurado faria jus se estivesse desempenhando suas
atividades laborais.
O artigo 61 da Lei n. 8.213/91 descreveu os elementos essenciais para o
cômputo do aspecto quantitativo do auxílio-doença, e a partir dessa descrição é
possível se verificar o valor do pagamento, a título de recebimento do auxílio-
doença, que o segurado terá direito a exigir da previdência social.
Art. 61. O auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do
trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 91%
(noventa e um por cento) do salário-de-benefício, observado o
disposto na Seção III, especialmente no artigo 33 desta Lei.
132
Se o auxílio-doença consistirá numa renda mensal, então ele pode ser
deduzido aqui como uma prestação pecuniária compulsória de periodicidade
mensal, ou seja, um pagamento efetuado mês a mês, de acordo com a lei e o
regulamento quanto aos aspectos formais, em favor do segurado que sofrer a
descrição da hipótese legal que se afigura na materialidade do auxílio-doença,
a incapacidade total e temporária para o exercício do trabalho, enquanto per-
manecer sob os efeitos e conseqüências dessa situação.
O artigo 61 indica, ainda, dois elementos quantitativos fundamentais
para garantir a versatilidade do cálculo financeiro do auxílio-doença, que é a
composição do cálculo pela relação matemática entre duas variáveis, uma base
de cálculo e uma alíquota.
Nessa composição é fundamental a indicação exata do que consiste a
base de cálculo e a alíquota.
À base de cálculo se denota o valor sobre o qual determinada alíquota
deve incidir para, nessa operação, sobressair um valor certo e determinado,
que será exatamente o valor do pagamento do benefício auxílio-doença, ou
como quer a lei, o valor da renda mensal do benefício.
A base de cálculo, ainda que também possa variar, tem a função de
estabelecer um critério equivalente entre situações distintas, porque, se o cálculo
do auxílio-doença será apurado pela mesma base de cálculo para todos os
segurados, e sabendo que cada segurado exerce uma atividade profissional
distinta da dos outros, com relações de trabalho segundo regras próprias, com
remunerações de valores maiores e menores, e, portanto, sob circunstâncias
distintas, estabelecer um critério comum e equivalente é a garantia de que se
opere justiça social e tratamento isonômico entre sujeitos em situações desiguais.
Para tanto, a lei previdenciária estabeleceu que a base de cálculo será
o valor apurado no salário de benefício, que, conforme a previsão do artigo 29,
inciso II, é a “média aritmética simples dos maiores salários de contribuição
correspondentes a 80% de todo o período contributivo” do segurado, em fran-
ca vinculação à meta do equilíbrio financeiro e atuarial, entre o custeio e a
prestação dos benefícios.
133
O valor do salário de benefício é uma média de tudo que o segurado
tiver contribuído em favor da seguridade social, excluídas as menores bases
de contribuição que representem 20% de tudo.
Vale lembrar que a Lei n. 8.213/91 foi alterada pela Lei n. 9.876/99
quanto à definição da fórmula do salário de benefício, porque, antes, na redação
da Lei n. 8.213/91 a média se fazia sobre os últimos 36 salários de contribui-
ção considerados nas contribuições sociais dos segurados, até o limite de 48.
A fórmula antiga permitia um desequilíbrio financeiro gritante para a
organização monetária do sistema de seguridade, porque, apesar de o sistema
não seguir critérios propriamente ditos na forma de capitalização como se dá
em outros países, muitos segurados esperavam os últimos três anos para enve-
redar contribuições sociais mais robustas (sobre salários de contribuição mais
altos em valor considerado) ao sistema, porque isso lhes garantia um benefí-
cio previdenciário mais elevado em valor.
Verdade que tal preocupação não se dá no auxílio-doença, porque ele
decorre de situações imprevisíveis, nem tampouco se refere aos segurados
empregados, porque estes têm suas contribuições sociais obtidas diretamente
da fonte de renda, impedindo que o salário de contribuição seja flexibilizado ao
alvedrio do contribuinte.
Mas, nos outros casos, em outros benefícios, como as aposentadorias,
e para outros segurados, como os contribuintes individuais, a alteração legal
teve uma intenção positiva se vista sob o prisma da manutenção do equilíbrio
financeiro do sistema, e acarretou, infelizmente, um efeito negativo sobre o
valor dos benefícios para os segurados, porque, expande sobremaneira o
período considerado para a obtenção do valor do salário de benefício.
O outro elemento descrito foi a alíquota, e esta, na sua função de apoio
fixo para o cálculo do valor do pagamento do auxílio-doença, teve especificada
a porcentagem de 91% a incidir sobre o valor apurado na média do salário de
benefício.
134
A alíquota de 91% estaria em conformidade com a sistemática princi-
piológica e teleológica dos sistema de seguridade como meio fundamental para
a manutenção da ordem social?
E mais, a alíquota de 91% seria suficiente para retratar a finalidade
remuneratória do benefício previdenciário auxílio-doença, já que não alcança
a integralidade da garantia do máximo valor possível para o salário de benefício?
São perguntas poucas vezes respondidas, mas que têm, tanto uma
como outra, bons argumentos contrários.
Os princípios da seguridade social foram ponderados neste trabalho, e
deles se vislumbram os caminhos a que o legislador constituinte, e a socieda-
de indiretamente representada, pretendem galgar para atender aos objetivos
do bem-estar e da justiça sociais que marcam a ordem social.
Entre esses princípios destaca-se, para o propósito de responder a essas
perguntas, o princípio da universalidade de cobertura e do atendimento, e tam-
bém, de soslaio, o espírito do princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios.
Ora, se o sistema de seguridade tem por finalidade buscar a expansão
da cobertura e proteção das situações de necessidade enfrentadas pelos entes
protegidos e pretende expandir cada vez mais o rol dos entes protegidos ga-
rantindo um atendimento geral e universal a todos que dele necessitarem, en-
tão, suprimir o benefício do auxílio-doença para um patamar inferior à integra-
lidade dos 100% é impor ao benefício o sentido contrário de todo o sistema, é
determinar que a proteção oferecida pelo auxílio-doença seja contraditória,
oposta e prejudicial à evolução dos níveis de proteção social que o sistema se
propõe.
E mais, garantir uma alíquota menor que 100% é afetar um corolário da
irredutibilidade do valor dos benefícios porque, mesmo sem diminuir e reduzir
135
nominalmente o valor do benefício, incutir uma alíquota inferior aos 100% pos-
síveis é permitir que a defasagem, a desvalorização e a voracidade monetária
dos sistemas econômicos consumam pouco a pouco o real poder financeiro
do auxílio-doença, se a ele foram dadas a funcionalidade e finalidade de subs-
tituir (como proteção mínima) o rendimento ou a remuneração que o segurado
obtinha com seu trabalho.
Pode ser que o legislador não tenha percebido essas contradições
essenciais em detrimento da concepção moderna e pretendida para o Sistema
de Seguridade Social que foi desenhado na Constituição Federal de 1988.
Pode ser também que o legislador, simplesmente, tenha mantido na
atualidade, por distração, parcimônia e conservadorismo, o espírito caduco e
ultrapassado da lei que, ao seu tempo, tinha sido marco de profundas transfor-
mações sociais, como foi a Lei n. 3.807/60, que disciplinava a previdência
social naquela época.
Pela Lei n. 3.807/60 o valor do então auxílio-doença se traduzia na
expressão do § 1° do artigo 24, pelo qual:
Art. 24.
[...]
§ 1° O auxílio-doença importará em uma renda mensal corres-
pondente a 70% (setenta por cento) do “salário de benefício”
acrescida de 1% (um por cento) desse salário para cada grupo
de 12 (doze) contribuições mensais realizadas pelo segurado
até o máximo de 20% (vinte por cento), consideradas, como
uma única, todas as contribuições realizadas em um mesmo mês.
Pelo que se depreende da fórmula desse parágrafo, a alíquota ordiná-
ria do auxílio-doença seria à base de 70% subindo até 90% se o segurado
tivesse contribuído por pelo menos 20 anos, considerando que cada acréscimo
de 1% corresponderia ao período de contribuição de 12 meses.
136
Mas, a realidade social que se mostrava nos anos da década de 1960,
ainda que sobre o peso das honrosas conquistas sociais duramente obtidas,
hoje, não mais se coaduna com o espírito da nova concepção da seguridade
social como meio de proteção social para a garantia mínima de proteção social
à sociedade e à manutenção da ordem social.
Quem sabe, ainda, o legislador, ao estabelecer uma alíquota à base de
91%, não tinha em vista outra regra que pode suprir essa defasagem em relação
ao possível patamar de 100% e conseqüente integralidade do benefício, espe-
cificamente a regra de “cooperação social” de que dispõe o parágrafo único do
artigo 63 da Lei n. 8.213/91.
Nesses termos:
Art. 63.
[...]
Parágrafo único. A empresa que garantir ao segurado licença
remunerada ficará obrigada a pagar-lhe durante o período de
auxílio-doença a eventual diferença entre o valor deste e a im-
portância garantida pela licença.
Por isso que este trabalho estabeleceu a denominação de “regra de
cooperação social”, porque a Previdência Social compartilha com as empre-
sas uma iniciativa de cooperação destas em favor da sociedade, tendo como
subterfúgio o apelo de proteção social do segurado, segundo regras de origem
trabalhista que refletem nas regras previdenciárias.
O complemento que a empresa é obrigada a pagar quando o segurado
estiver gozando de licença remunerada, a título da diferença entre a efetiva
remuneração (maior) e o valor devido a título de auxílio-doença (menor) não é
suficiente para atender aos anseios de proteção social da sociedade.
Ora, a licença remunerada em caso de incapacidade é exceção à regra.
Primeiro porque somente alguns segurados contam com a licença e a
suspensão do trabalho enquanto perdurar o acinte da incapacidade, ou seja,
somente os segurados empregados têm essa benesse.
137
Segundo, porque a licença para afastamento por incapacidade, para
fins, inclusive, de gozo de auxílio-doença, tem por regra, conforme expressa
determinação do artigo 476 da Consolidação das Leis do Trabalho, uma licença
não remunerada.
A regra de licença é que ela não é remunerada, podendo ser quando
determinado acordo coletivo ou convenção coletiva disponham nesse sentido,
a fim de proporcionar ao trabalhador maior ou menor garantia trabalhista e
social. Mas não é regra.
Dessa forma, pela contundência dos argumentos explicitados nos pa-
rágrafos acima, também não se cogita lógico ou razoável que o legislador te-
nha se valido dessas defesas para estabelecer a alíquota de 91% para fins de
apuração do valor do auxílio-doença.
Embora a alíquota de 91% possa representar a flagrante contradição
aos princípios constitucionais, embora, também, possa ser fruto da herança
congênita e deficiente dos critérios que eram válidos para a realidade social de
uma lei pretérita, e, ainda, embora o legislador tenha compartilhado e agracia-
do as empresas à obrigação (cooperação social) de complementar a diferença
entre a remuneração e o valor do benefício, é certo que, na prática, e segundo
a hipótese legal do artigo 61 da Lei n. 8.213/91, o benefício auxílio-doença
será apurado pela aplicação da fórmula de incidência da alíquota de 91% sobre
a base de cálculo apurada no salário de benefício do segurado.
6.6 CARÊNCIA
Apesar da subsunção que a hipótese legal estabelece o direito do segu-
rado de receber o auxílio-doença nas hipóteses materiais que causarem a in-
capacidade para o trabalho, o artigo 59 da Lei n. 8.213/91 trouxe um empeci-
lho formal para a fruição do benefício pelo segurado, que é a carência prevista
na mesma lei.
138
A carência é uma condição formal como já se ponderou e no caso do
auxílio-doença está prevista materialmente no inciso I do artigo 25, com a consi-
deração excepcional do inciso II do subseqüente artigo 26, ambos da lei refe-
rida acima.
A regra se infirma no inciso I do artigo 25, segundo o qual:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime
Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos
de carência, ressalvado o disposto no artigo 26:
[...]
I – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) con-
tribuições mensais;
Assim, para usufruir do auxílio-doença o segurado deverá, antes, ter
contribuído para o financiamento da seguridade social, por meio da contri-
buição social a seu cargo, pelo período de 12 meses, ininterruptamente, sob
pena de, assim não fazendo, não preencher um requisito formal e legal para o
recebimento do valor do benefício.
Já se argumentou o que a carência acaba representando para o deslinde
da prestação dos benefícios previdenciários, como também acontece no auxílio-
doença, pois, apesar de garantir certa segurança e lastro financeiro ao sistema
de seguridade social, fato é que a carência impede e obstaculiza o exercício
do direito do segurado, mesmo que este, materialmente, esteja sofrendo com
as conseqüências da incapacidade para o trabalho.
Enfim, o prazo de 12 contribuições mensais exigido por carência dever
corresponder à expectativa e à previsão que os estudos financeiros e atuariais
da seguridade social corroboraram quando do implemento da Lei n. 8.212/91 e
da Lei n. 8.213/91 na composição sine qua non dos planos de custeio e plano
de benefícios exigido para o fiel cumprimento dos fins sociais que se aviventa-
ram para o modelo do Sistema de Seguridade Social no Brasil.
139
Pela previsão desse inciso I do artigo 25 não se pode deduzir, segundo
a divisão proposta para a causalidade do evento incapacidade, entre causas
decorrentes ou não do exercício do trabalho, apesar de ambas terem as mesmas
conseqüências, se a carência estipulada será exigida para o caso da incapaci-
dade por causas comuns ou por causas ligadas ao trabalho.
Quem permite essa compreensão é o inciso II do artigo 26, porque nele
se encontra a regra excepcional que outorga a determinados benefícios previ-
denciários, segundo certas circunstâncias materiais, a isenção e desneces-
sidade no cumprimento da carência.
Assevera o inciso II do artigo 26:
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes pres-
tações:
[...]
II – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissio-
nal ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após
filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido
de alguma das doenças e afecções especificadas em lista ela-
borada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previ-
dência Social 22 a cada três anos, de acordo com os critérios de
estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que
lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento
particularizado; [grifo nosso]
A exceção desse inciso se refere a duas causas que determinem o
benefício auxílio-doença: uma, quando a causa se der por “acidente de qualquer
natureza ou causa”; e outra, quando a causa for decorrente de “doença profis-
22 Atualmente denominado Ministério do Trabalho e Emprego pelo art. 25 da Lei n. 10.683/03.
140
sional ou do trabalho” mais aquelas doenças especificadas pelo Ministério do
Trabalho e Emprego que sejam relacionadas ao exercício do trabalho.
Dessa forma, a carência exigida no auxílio-doença, aqui denominado
auxílio-doença comum, segundo a classificação proposta anteriormente, só
deverá ser observada quando a incapacidade total e temporária para o exercício
do trabalho sobrevier da ocorrência de uma doença comum, não relacionada
ao trabalho, porque nos outros casos (acidente do trabalho, acidente de qual-
quer natureza e doenças relacionadas ao exercício do trabalho) lhes foi eximida
esta obrigatoriedade.
Assim, se a relação jurídica do benefício previdenciário auxílio-doença
se materializar e se subsumir conforme as hipóteses da lei, então a prestação
desse benefício será, a princípio, um adequado instrumento de proteção soci-
al oferecido pela previdência social na atuação da seguridade social para
atender à situação de necessidade da incapacidade total e temporária para o
exercício do trabalho, garantindo, assim e topicamente, a manutenção da or-
dem social.
141
CAPÍTULO 7
AUXÍLIO-DOENÇAACIDENTÁRIO
De acordo com o entendimento esposado acerca da questão do risco
social da incapacidade, como fruto da relação de causalidade entre dois fenô-
menos, um causa e outro conseqüência, sendo causa a ocorrência de uma
doença ou de um acidente, classificados pela especial circunstância do traba-
lho, e como conseqüência a concretização da incapacidade para o exercício
do trabalho.
Decorre desse entendimento, quanto à causa, que as doenças e os
acidentes podem ser separados em sua origem circunstancial como se afirmou,
fazendo surgir quatro espécies de situações, uma da doença comum compar-
tilhada com o acidente de qualquer natureza, e outra da doença profissional
ou do trabalho compartilhada com o acidente do trabalho.
Cada uma dessas situações, desde que gere a conseqüência incapa-
cidade para o exercício do trabalho, implica na instrumentalização específica
proporcionada pela previdência social que garante determinados benefícios
previdenciários conforme a necessidade do caso.
Assim também para o auxílio-doença, por isso, que, depois de estudado
o benefício auxílio-doença comum (em razão de doenças e acidentes comuns),
torna-se oportuno estudar o auxílio-doença acidentário, assim chamado porque
em sua causa está diretamente relacionado ao exercício do trabalho.
Ressalva seja feita que a Lei n. 8.213/91 não criou e estabeleceu, sepa-
radamente, dois benefícios de auxílio-doença, cada qual segundo regras próprias
142
e específicas, mas, de outro modo, a lei criou duas materialidades distintas, e
se a materialidade – que é a razão de ser do benefício – explicita a hipótese
concreta da situação da vida a ser protegida, em verdade, ela acaba por estabe-
lecer, tacitamente, duas formas de proteção, pois, em sua raiz, em sua causa
originária, as situações são distintas como tentou demonstrar.
7.1 MATERIALIDADE
A materialidade do auxílio-doença acidentário, por sua vez, diferente-
mente da materialidade do auxílio-doença comum, tem uma especial vinculação
com a questão do trabalho, não somente na conseqüência incapacidade que
justifica sua existência, mas especialmente na causa, que é o evento de que
decorre a conseqüência.
O auxílio-doença acidentário visa proteger a situação de necessidade
que a incapacidade para o exercício do trabalho repercute na vida do segurado,
exigindo o afastamento de suas atividades laborais e prejudicando o recebi-
mento de sua remuneração.
Mas essa situação de incapacidade para ganhar o louro do tratamento
“acidentário” deve ter sido causada por uma das situações previstas pela Lei
n. 8.213/91 quando disciplina o acidente do trabalho.
Tais disposições estão previstas a partir do artigo 19 até o artigo 23 da lei.
Corroborando os argumentos já apresentados anteriormente, nota-se
que o ordenamento jurídico brasileiro sempre deixou claro o tratamento espe-
cial que as questões relativas ao acidente do trabalho traduzem para a socie-
dade, não é por outra razão que o trabalho foi erigido como um primado da
ordem social.
Tanto a Constituição Federal de 1988 como as leis previdenciárias fa-
zem questão de tratar o acidente do trabalho de maneira específica, com a
143
previsão de conceitos próprios, a sujeição a regras distintas de situações co-
muns, estabelecendo um tratamento diferenciado e particularizando os efeitos
jurídicos sobre esse fato, como o disposto no § 10 do artigo 201 da Constitui-
ção Federal de 1988.
Art. 201.
[...]
§ 10 Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho,
a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdên-
cia social e pelo setor privado.
E, realmente, assim a Lei n. 8.213/91 o fez quando disciplinou a questão
do acidente do trabalho a partir do artigo 19 até o artigo 23, como já indicado.
O auxílio-doença acidentário tem como causa ou o evento doença pro-
fissional ou doença do trabalho e principalmente o evento acidente do trabalho.
As definições legais já foram anunciadas e citadas quando estudado o
risco social da incapacidade, mas, ainda sim, e à exaustão, vale lembrar.
O acidente do trabalho, segundo o artigo 19 da Lei n. 8.213/91 é definido
como:
[...] o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa
ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso
VII do artigo 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturba-
ção funcional que cause a morte ou a perda ou redução, perma-
nente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Diferente do acidente comum, o acidente do trabalho ocorre pelo exercí-
cio do trabalho, em razão dele, por causa dele, sob suas circunstâncias e no
ambiente em que se desenvolve o trabalho.
144
Também é devido o auxílio-doença acidentário quando a incapacidade
para o exercício do trabalho for decorrente da doença profissional ou doença
do trabalho, que estão definidas nos incisos I e II, respectivamente, do artigo
20 da Lei de Benefícios.
Mas não só as doenças que estão, genericamente, definidas por essas
disposições, como aquelas que são equiparadas por lei ao acidente do trabalho
e merecerão o mesmo tratamento.
O estudo de todas as vicissitudes do acidente do trabalho realmente
seria interessantíssimo, porém, tal feito exigiria outro trabalho da mesma enver-
gadura que este se propõe a ser, e, portanto, protegido pela escusa científica
que permite o respeito à especificidade do tema a ser estudado, o desenvolvi-
mento aprofundado das causas, das circunstâncias, das espécies e das regras
sobre o acidente do trabalho será limitado ao entendimento de que ele funda-
menta a concessão do auxílio-doença acidentário.
7.2 SUJEITOS
Como a Constituição Federal de 1988 pretendia, houve o disciplinante
cotejo da lei com a cobertura do acidente do trabalho, e tamanho entusiasmo
dirigiu o legislador que o tratamento jurídico dado ao acidente do trabalho
prestigia somente alguns dos segurados que o elenco do artigo 11 da Lei n.
8.213/91 organiza, define e indica como sujeitos protegidos na relação jurídica
de benefícios previdenciários.
A Lei de Benefícios não foi direta sobre quem são efetivamente os se-
gurados protegidos nas situações de acidente do trabalho, porque só fez essa
diferenciação no § 1° do artigo 18, quando enumera quais segurados poderão
beneficiar-se do auxílio-acidente (benefício concedido em razão da incapaci-
dade parcial e permanente para o exercício do trabalho), nestes termos:
145
Art. 18.
§ 1° Somente poderão beneficiar-se do auxílio-acidente os se-
gurados incluídos nos incisos I, VI e VII do artigo 11 desta Lei.
O inciso I do artigo 11 identifica o segurado empregado, ou seja, o que
mantém vínculo empregatício com a empresa ou empregador, seja empregado
efetivo ou temporário, nos termos da legislação trabalhista.
Já o inciso VI indica o trabalhador avulso, que pela definição contida
nesse dispositivo, é o trabalhador que “...presta, a diversas empresas, sem
vínculo empregatício, serviço de natureza urbana ou rural definidos no
Regulamento”.
Já o regulamento, que é o Decreto n. 3.048/99, incrementa essa defini-
ção para explicitar que o trabalhador avulso é aquele que, sindicalizado ou
não, presta serviço de natureza urbana ou rural a diversas empresas, sem
vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-
de-obra, nos termos da Lei n. 8.630/93, ou do sindicato da categoria, assim
considerados: [...] e seguem as alíneas do inciso VI do artigo 9° do decreto
aqui referido, exemplificando as categorias desses trabalhadores, por exem-
plo, o trabalhador que exerce atividade portuária de capatazia, estiva etc.
E, na ordem assumida pelo § 1° do artigo 18, também serão contem-
plados os segurados do inciso VII do artigo 11, ou assim denominados os se-
gurados especiais.
Os segurados especiais são fruto da categorização criada pela lei
previdenciária, que identificou determinados trabalhadores e suas especiais
circunstâncias de trabalho, para quem, avessos à proteção previdenciária na
legislação anterior, ganharam força institucional, e foram identificados como
outra categoria de segurados obrigatórios a ser protegidos pela previdência
social.
146
Os segurados especiais foram definidos como
o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garim-
peiro,23 o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam
suas atividades, individualmente ou em regime de economia
familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como
seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de
14 (quatorze) anos24 ou a eles equiparados, desde que traba-
lhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
Os segurados especiais foram expressamente mencionados na defini-
ção do acidente do trabalho contida no artigo 19 da mesma lei.
Os segurados empregado, trabalhador avulso e o segurado especial,
portanto, pela distribuição dada no § 1° do artigo da Lei de Benefícios, recebe-
rão o benefício auxílio-acidente.
Como já foi asseverado, a Lei n. 9.528/97 alterou a definição do bene-
fício auxílio-acidente, estendendo o benefício não somente à situação do aci-
dente do trabalho, mas a qualquer situação de acidente, ou a acidentes de
qualquer natureza.
Essa modificação trouxe uma série de confusões sobre a questão do
acidente do trabalho, porque o restante da lei não foi alterado, sendo mantidas
todas as disposições que disciplinam as situações decorrentes do acidente do
trabalho, o que, em verdade, faz surgir duas materialidades distintas.
Assim, o benéficio auxílio-acidente, antes da alteração de 1997, era
devido somente aos casos de acidente do trabalho, daí a justificativa para a
23 O garimpeiro está excluído por força da Lei n. 8.398, de 7/1/1992, que alterou a redação
do inciso VII do art. 12 da Lei n. 8.212, de 24/7/1991.
24 O inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, na redação dada pelo art. 1º da Emenda
Constitucional n. 20, de 1998, estabelece 16 anos como a idade mínima para o trabalho
do menor.
147
imputação específica desse benefício aos segurados empregado, trabalhador
avulso e segurado especial, como aduz o § 1° do artigo 18 da Lei n. 8.213/91.
Como o auxílio-acidente é benefício que decorre, no mais das vezes,
da evolução do quadro circunstancial da incapacidade total e temporária que
se verificou para a concessão do auxílio-doença, e que, por diversas razões,
tornou-se uma incapacidade parcial e permanente, representada pela consoli-
dação da lesão ou da perturbação funcional sofrida pelo segurado, a chamada
“seqüela”, em verdade, o que o legislador pretendia era imputar a proteção do
acidente do trabalho somente aos três segurados antes mencionados.
E como a proteção do acidente do trabalho envolve a concessão de
quatro prestações em forma de benefícios previdenciários, que são os instru-
mentos específicos para a proteção do risco social da incapacidade, ou seja, o
auxílio-doença, o auxílio-acidente, a aposentadoria por invalidez e a pensão
por morte, deduz-se por interpretação sistemática e teleológica que tais bene-
fícios, quando caracterizados pela especial ocorrência do acidente do trabalho
ou doenças equiparadas, somente serão devidos e prestados a esses segurados
identificados acima.
O Decreto n. 3.048/99 também não resolveu essa confusão legislativa,
identificando o tratamento diferenciado ao segurado empregado, ao trabalhador
avulso e ao segurado especial somente quando disciplina e esclarece o bene-
fício auxílio-acidente.
Seja como for, e pela impropriedade terminológica ou pela contradição
legal que a Lei n. 8.213/91 não foi clara o suficiente para esclarecer, o fato é
que as interpretações sistemática e teleológica resolvem essas problemáticas,
sendo necessário, somente, o foco e a atenção à questão da materialidade do
benefício, pois é na materialidade que se encontra a real situação a ser prote-
gida pela previdência social.
E pela materialidade, resta, ao menos, bastante razoável que no mundo
empírico, no mundo da vida há a incapacidade que decorre da causa acidente
148
de qualquer natureza ou de doenças não relacionadas ao trabalho, mas tam-
bém da causa acidente do trabalho e doenças a ele equiparadas.
Tal evidência pode oferecer a resposta para tais problemáticas, permi-
tindo deduzir que o auxílio-doença acidentário somente é devido aos segurados
empregado, trabalhador avulso e segurado especial.
Há quem diga que o tratamento específico e especial dado a esses
segurados corrompa e subverta a isonomia, mas, se realmente forem levados
em consideração os princípios que regem a seguridade social, então se pode
sustentar que o tratamento diferenciado se baseia na aplicação concreta do
princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e
serviços.
Pela seletividade o legislador reconhece e identifica as situações de
necessidade que merecem a proteção social oferecida pelo instrumental da
previdência social, determina qual instrumento de proteção, ou seja, qual be-
nefício ou serviço atende ao propósito de proteger o risco social identificado,
como se dá na proteção do acidente do trabalho.
E pela distributividade, sucedânea da seletividade, o legislador aponta e
distribui os instrumentos de proteção a cada um dos segurados, que, a seu
critério e com base na isonomia e justiça social, merecem determinados trata-
mentos, seja por suas condições pessoais, seja por suas situações sociais, seja
ainda pela circunstância que envolve o desempenho de suas atividades profissio-
nais e laborais, exatamente como se dá para a proteção do segurado emprega-
do, trabalhador avulso e segurado especial nas situações de acidente do trabalho.
7.3 OBJETO
Pelo objeto se identifica a prestação oferecida, ou, melhor, se identifica
qual o instrumento de proteção social que se presta a atender à situação de neces-
149
sidade a ser protegida, e que, pelos entendimentos anteriores, corresponde
ao benefício ou ao serviço quando estes se derem na relação jurídica
previdenciária.
O auxílio-doença acidentário como objeto da relação previdenciária que
forma entre a previdência social e os três segurados identificados acima, pres-
ta-se a atender à incapacidade total e temporária para o exercício do trabalho
decorrente da ocorrência do acidente do trabalho ou das doenças a ele
equiparadas.
Para tanto, o auxílio-doença acidentário, como prestação pecuniária
continuada, não recebeu nenhum tratamento diferenciado pela Lei n. 8.213/91
que alterasse o tempo do pagamento, o lugar do pagamento e o valor do paga-
mento, que já foram explicitados no benefício auxílio-doença comum.
Nem precisava ser diferente, porque, o que altera o benefício e justifica
o tratamento especial não são seus aspectos temporais, espaciais ou quantita-
tivos, mas sim o aspecto material, porque na materialidade é que se encontra
a situação de necessidade a ser protegida.
Portanto, o auxílio-doença acidentário também será prestado ao segu-
rado empregado após o 15° dia da ocorrência da incapacidade, aos demais (e
neste pormenor, ao trabalhador avulso e segurado especial) será devido a
partir da data da incapacidade, e para todos, se o requerimento for realizado
após 30 dias contados da data de ocorrência da incapacidade, então ele será
devido somente a partir da data do requerimento, recebendo somente os efei-
tos ex tunc da norma.
Essa disposição está, da mesma forma, prevista no caput e no § 1°,
ambos, do artigo 60 da Lei n. 8.213/91.
Quanto ao lugar do pagamento, o auxílio-doença acidentário também
será prestado no território nacional, com a ressalva da extraterritorialidade a
que alguns segurados do artigo 11 da Lei de Benefícios estão submetidos no
desempenho de suas atividades laborais.
150
E por fim, quanto ao valor do pagamento, ao aspecto quantitativo do
auxílio-doença acidentário, também consistirá numa renda mensal correspon-
dente a 91% do salário de benefício a ser apurado para cada segurado, nos
exatos termos do artigo 61 da Lei de Benefícios.
Para todos esses aspectos valem as observações, os apontamentos,
as críticas e as considerações que foram explicitadas e combatidas quando
tratadas no benefício auxílio-doença comum, e que não serão novamente dis-
cutidas para que o trabalho não se torne deveras prolixo e fastidioso.
7.4 OUTROS ASPECTOS
Há dois aspectos, um de natureza formal e outro de natureza material,
a ser explicitados no estudo do benefício auxílio-doença acidentário que o dife-
rem do auxílio-doença comum.
Primeiro, no aspecto formal, avulta a questão da carência, instituto jurí-
dico já conceituado, que, conforme a disposição do inciso II do artigo 26 da Lei
n. 8.213/91, no que tange ao auxílio-doença acidentário, foi expressamente
dispensada para os eventos de acidentes de qualquer natureza ou causa e
para as doenças profissionais ou do trabalho, e ainda para aquelas que cons-
tem na relação do Ministério do Trabalho e Emprego.
Aqui novamente se enfrenta a questão da materialidade como único
critério suficiente e razoável para sanar e esclarecer as idiossincrasias legais
a respeito do acidente do trabalho, e que, tão exaustivamente discutida neste
trabalho, deve ser levada em consideração para alcançar a conclusão de que
não se exige o cumprimento de carência para o recebimento do auxílio-doen-
ça acidentário, desde que, obviamente, os segurados protegidos estejam efe-
tivamente inscritos e filiados à previdência social.
E segundo, no aspecto material, emerge a especial disposição legal do
artigo 118 da Lei n. 8.213/91, que impõe, mais do que um direito previdenciário,
um direito de natureza trabalhista ao segurado que sofrer acidente do trabalho.
151
O artigo 118 explicita:
Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garan-
tida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu
contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-
doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-
acidente.
Resplandecem três considerações importantes.
A primeira, tempestivamente, e para finalizar a discussão sobre se existe
ou não diferença entre auxílio-doença comum e acidentário, apesar dos argu-
mentos quanto à materialidade das causas que determinam um acidente do
trabalho e um acidente de qualquer natureza, nesse artigo o próprio legislador
demonstrou sua intenção manifesta quando denominou “auxílio-doença
acidentário” como terminologia necessária para distinguir dois benefícios dis-
tintos, como se tem defendido neste trabalho.
Segundo, que a disposição contida no artigo 118 aqui citado tem caráter
material porque efetivamente confere ao segurado empregado (e somente a
ele) o direito subjetivo de exigir a manutenção do seu contrato de trabalho com
a empresa pelo período de 12 meses, até que se opere a caducidade dessa
prerrogativa.
Esse direito se dá em razão do benefício auxílio-doença acidentário, e
somente pode ser exercido pelo segurado que fez jus e gozou do benefício,
pois a contagem dos 12 meses se opera a partir da cessação do recebimento
do benefício.
Esse momento é definido pela perícia médica da previdência social,
que confere um atestado de capacidade para o segurado, seja pela alta médica
que ateste a recuperação total do segurado, seja pela constatação de que a
incapacidade é parcial, podendo, em ambos os casos, garantir ao segurado
152
que ele retorne a seu posto de trabalho, ou, no caso de reabilitação profissio-
nal, a outro que o segurado possa exercer.
Esse direito é chamado de “estabilidade”, porque garante a estabilida-
de do emprego pelo prazo de 12 meses.
Se essa estabilidade não for respeitada pela empresa, então, o segurado
tem garantido, pelas normas de direito do trabalho, que esse direito lhe seja
indenizado financeiramente como se estivesse regularmente usufruindo suas
benesses materiais.
Não é demais ponderar sobre a finalidade que inspirou o legislador a
dispor de um direito material de caráter protetivo como o da garantia à estabi-
lidade e manutenção do contrato de trabalho após a cessação do recebimento
do auxílio-doença acidentário, independentemente da percepção do auxílio-
acidente.
A finalidade repousa na especial consideração de que o segurado que
ficou afastado pela incapacidade para o exercício do trabalho decorrente do
acidente do trabalho ou das doenças a ele equiparadas pode, em muitos casos,
ficar ausente do mercado de trabalho por largo período de tempo, o que lhe
traz uma insegurança contundente e ameaçadora para ele se inserir nova-
mente em algum posto de trabalho.
Ademais, o afastamento só se deu pela ocorrência de um acidente do
trabalho, ou seja, no exercício do trabalho, e seria atroz e funesto abandonar o
segurado empregado na situação de desemprego involuntário, como se já não
bastassem todo o sofrimento, a dor e o enfrentamento em razão das conseqüên-
cias diretas da lesão corporal ou da perturbação funcional que o incapacitaram.
Há também a preocupação como aqueles segurados empregados que,
afastados da mesma forma, não se recuperam totalmente das mazelas do aci-
dente do trabalho ou das doenças equiparadas a ele, e que parcialmente recu-
153
perados ou encaminhados pelo serviço de reabilitação profissional que lhes
garantiu nova habilidade profissional, ficariam ainda mais sujeitos ao desen-
gano do mercado de trabalho, cada vez mais opressor e reticente para a absor-
ção de novos trabalhadores, quanto mais de trabalhadores que sofram alguma
limitação ou deficiência permanente.
Para tanto, além da disposição do artigo 118, e atendendo ao universo
de segurados (sejam os empregados, sejam quais forem), na esteira dessa preo-
cupação social, brilha a disposição do artigo 93 e sucedâneos da mesma Lei
de Benefícios:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está
obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por
cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas
portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
[...]
Essa obrigação se traduz na imputação da função social a que as em-
presas devem atender em favor de uma sociedade democrática que tem como
primado o trabalho para servir de base ao bem-estar e justiça sociais, como
objetivos magnânimos da ordem social.
Oxalá outras disposições legais surjam para conferir e laurear os segu-
rados e trabalhadores com direitos e prerrogativas sociais tão sensíveis e im-
portantes como esta, e, mais, que sejam estendidas, inclusive esta, a uma
universalidade ainda mais abrangente de sujeitos protegidos e de situações
de necessidade que se apresentem no mundo da vida, porque assim estarão
resguardadas as condições imprescindíveis para o desenvolvimento do ser
humano e da vida digna, independente e livre.
154
CONCLUSÕES
Ao final deste trabalho há conclusões muito satisfatórias a manifestar e
algumas críticas, sem perder de vista a real intenção e justificativa para o de-
senvolvimento do tema proposto, e para a verificação tópica do benefício
previdenciário auxílio-doença como instrumento de proteção social para o aten-
dimento das situações de necessidade decorrentes da incapacidade para o
exercício do trabalho, pois, nesse risco social, a sociedade enfrenta uma série
de contingências que comprometem o desenvolvimento digno de seus mem-
bros e que só serão protegidos pela atuação concreta da seguridade social em
busca da manutenção da ordem social.
1. Nestas conclusões avulta grandiosa a solidariedade como alicerce
essencial que justifica a organização do Sistema de Seguridade Social como
um conjunto de ações de iniciativa dos membros da sociedade, poder público,
empresas e empregadores e trabalhadores, todos envoltos na mesma finalidade
e sujeitos às mesmas contingências do mundo da vida, compartilhando do
mesmo interesse e da mesma necessidade, especialmente para a manutenção
da ordem social, que tem como primado o trabalho e como objetivos o bem-
estar e a justiça sociais, como, expressamente, determinou a Constituição Fe-
deral de 1988.
A seguridade social manifesta seus tentáculos protetivos pela atuação
direta e positiva da previdência social, da assistência social e da saúde, cada
qual pela prestação e oferecimento de instrumentos de proteção social, materia-
lizados por benefícios e serviços em favor da sociedade.
Esse Sistema de Seguridade Social está programado para buscar de-
terminados objetivos ideais que podem ser compreendidos como princípios e que
155
dirigem e direcionam a atividade do legislador, do poder público, da sociedade
e de cada operador do direito, pois se revelam valores essenciais para a manu-
tenção de níveis adequados e apropriados de dignidade humana, sem os quais
toda a ordem social ficaria comprometida em sua compactação concreta no
Estado democrático de direito.
Foi possível, também, compreender a questão do risco social como o
elemento que justifica a atuação da seguridade social, pois, como situações
de necessidade que sujeitam os membros da sociedade ao enfrentamento de
diversas conseqüências nefastas e ameaçadoras para o desenvolvimento de
uma vida digna e, comprometedoras, para a evolução do ser humano.
2. Outra conclusão que sobressai deste trabalho é que o Sistema de
Seguridade Social depende da organização e da composição de dois vértices
basilares para sua sustentação e existência, baseados na idéia do financia-
mento ou custeio, e, em contrapartida, pela prestação de benefícios e serviços.
Tal composição, compreendida como “regra de contrapartida”, é a con-
dição essencial para a manutenção e existência do Sistema de Seguridade
Social, pela atuação da previdência social, assistência social e saúde, pois os
benefícios e serviços a ser oferecidos como instrumentos de proteção social
acarretam, em especial, despesas e custos que, repartidos entre todos os mem-
bros da sociedade, pela solidariedade já aventada, necessitam de um finan-
ciamento e custeio anterior, suficientes para o atendimento e proteção de todas
as situações de necessidade que a sociedade enfrenta na ordem social.
Assim, para o Sistema de Seguridade Social foi montado e desenhado
um sistema organizado, estruturado e apto, baseado no financiamento a ser
carreado pela sociedade segundo atividades fiscais que se baseiam, ou assim
deveriam se basear, nas contingências reveladas pelos estudos e dados
técnicos, financeiros, econômicos e atuariais obtidos da própria sociedade, como
a principal base para a justa verificação do que, como e quanto será prestado
a título de proteção social.
156
É nessa concepção que surgem os benefícios previdenciários como
instrumentos de proteção social prestados pela previdência social na atuação
da seguridade social.
Especificamente, este trabalho apresentou o benefício previdenciário
chamado auxílio-doença e sobre ele muitas conclusões foram alcançadas, seja
sob a óptica da análise objetiva, seja sob o prisma da exegese crítica, a principal
conclusão foi que o benefício previdenciário auxílio-doença representa efeti-
vamente um instrumento de proteção social que atende de maneira adequada
à situação de necessidade decorrente das conseqüências da incapacidade
para o exercício do trabalho.
Na estruturação do benefício previdenciário auxílio-doença, considerado
como objeto de uma relação jurídica entre dois sujeitos, há o sujeito passivo
previdência social, que tem o dever de prestar o benefício, e o sujeito ativo,
segurados (obrigatórios ou facultativos) que têm o direito de exigir essa deter-
minada prestação quando satisfeitas as condições materiais que exige a Lei n.
8.213/91, e segundo as regras para a concreta prestação desse objeto.
Tais regras envolvem a questão da eficácia no tempo, o momento no
tempo em que o benefício pode ser exigido, o lugar onde deve ser prestado e,
na questão da aspecto quantitativo, que deve ser obtido e verificado pela apura-
ção do valor econômico do benefício a ser prestado, pois, como se viu, o auxílio-
doença é uma prestação cujo conteúdo compreende uma obrigação pecuniária,
e, portanto, o benefício previdenciário é um pagamento que deve ser satisfeito
pela previdência social em favor dos segurados.
Nessas considerações, criticamente, restou aventado que alguns desses
elementos estruturais estão em conflito com os valores principiológicos e com
o ideal de proteção social que marcam a atuação da seguridade social, como
o caso da exigência de carência como condição formal para o exercício do
benefício previdenciário, ou como o caso da estipulação da alíquota na base
de 91%, inferior, portanto, à integralidade que seria possível no cálculo do valor
157
do benefício previdenciário, tendo em vista que as aparentes justificativas para
tais deficiências não se sustentam diante do desenho constitucional com que
foi concebido o Sistema de Seguridade Social, e a própria previdência social.
3. Outra questão que avulta relevante foi a conclusão de que o risco
social da incapacidade enfrenta a constatação de que na raiz dessa conseqüên-
cia está a causa material que a justifica, ou seja, na ocorrência de certos eventos
do mundo da vida, que são a doença e o acidente, pelos quais, os segurados
sofrem e são acometidos de lesões corporais e perturbações funcionais que
podem resultar na incapacidade para o exercício do trabalho em várias conse-
qüências fáticas, seja com a morte, seja com a perda ou redução, temporária
ou permanente, da capacidade para o exercício do trabalho.
Mas, na consideração da causa, restou demonstrado que as doenças e
os acidentes podem ou não ser decorrentes do especial exercício do trabalho,
ou seja, que a doença ou o acidente podem ser desenvolvidos ou enfrentados
em razão direta e determinante pelo exercício do trabalho, por suas atividades,
em seu ambiente e por suas conseqüências.
Essa consideração faz surgir duas causas distintas que merecem trata-
mentos distintos pela seguridade social, divididas em causas comuns (não
afetas ao exercício do trabalho) e causas acidentárias (quando motivadas em
razão do exercício do trabalho), exigindo a prestação de benefícios distintos,
voltados a garantir a proteção social em cada uma dessas situações materiais.
Bem verdade que o legislador tropeçou e criou certas confusões termino-
lógicas que complicam a interpretação do hermeneuta e do aplicador do direi-
to, como foi a alteração na materialidade do benefício auxílio-acidente (outro
instrumento de proteção social sucedâneo do auxílio-doença estudado neste
trabalho) que substituiu a expressão “acidente do trabalho” por “acidentes de
qualquer natureza”, como se um contivesse o outro. No rigor terminológico,
sim, mas no campo de verificação material, no mundo da vida, nas demonstra-
ções empíricas dos fatos, não, porque a incapacidade para o exercício do traba-
158
lho ora pode ser causada por doenças ou acidentes que nada têm com o exer-
cício do trabalho, pois em campos absolutamente avessos a esse ambiente,
ora tem relação direta, em sua causa, com o exercício do trabalho.
Por isso, que, segundo essa conclusão, este trabalho preferiu o desen-
volvimento dicotômico no estudo do auxílio-doença, dividido em auxílio-doença
comum e auxílio-doença acidentário, conforme o caso.
4. De qualquer forma, e esta é a principal conclusão obtida neste traba-
lho, o benefício previdenciário auxílio-doença representa um adequado (ainda
que passível de aperfeiçoamento) instrumento de proteção social na atuação
da seguridade social, pela previdência social, no atendimento das conseqüên-
cias ameaçadoras que a situação de necessidade da incapacidade para o exer-
cício do trabalho (que no caso do auxílio-doença é uma incapacidade total e
temporária, como se demonstrou anteriormente) acarretam quando afastam o
segurado de suas atividades laborais, comprometendo seus rendimentos e
remunerações, condições essenciais para a subsistência, para a sobrevivência
e para o desenvolvimento humano de si mesmo e da sua família, como ex-
pressão concreta dos ideais do bem-estar e da justiça sociais que garantem a
manutenção da ordem social.
Assim, este trabalho, nos objetivos que se propunha desde o início, e
segundo os ditames constitucionais e legais, procurou atender e verificar todos
os elementos que envolvem o benefício previdenciário auxílio-doença, para
oferecer, humildemente, a compreensão de sua categorização e da sua existên-
cia no ordenamento jurídico brasileiro.
159
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