o analfabetismo funcional
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Este trabalho tem por objetivo informar sobre o analfabetismo funcional, tambémconhecido como baixo-letramento ou semi-analfabetismo, àqueles que participamdas situações de ensino de Língua Portuguesa como meio de aquisição deconhecimentos e melhoria da capacidade comunicativa: conceituá-lo, tentarvislumbrar causas do seu surgimento, estabelecer fatos que ocasiona e perspectivaspara diminuição de sua incidência. Este conhecimento poderá dar sustentação àpráxis que objetiva o trabalho com a leitura, interpretação e escrita de textos emportuguês, nos seus variados tipos de situação, inclusive no uso de tecnologiasmodernas, como uma das formas de potencializar o aluno para lidar com asestruturas sociais vigentes.TRANSCRIPT
O ANALFABETISMO FUNCIONAL
Ana Cristina dos Reis Cruz *
CRUZ, Ana C. dos R. Artigo Científico: O Analfabetismo Funcional. Belo Horizonte:
UFMG, 10 de março de 2004. A autora graduou-se em Letras pela Universidade
Presidente Antônio Carlos - Barbacena, é escritora, professora de Língua
Portuguesa e trabalha com elaboração e/ou execução de projetos de caráter
artístico-cultural e educacional, sendo também membro da organização Poetas
del Mundo, fundadora e coordenadora do espaço virutual Mural dos Escritores e
autora das obras: Uma Gramática Holística (aulas em multimídia), Ao Meu Amor
(livro de poesias) e Versos Inéditos (Oficina Literária).
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RESUMO
Este trabalho tem por objetivo informar sobre o analfabetismo funcional, também
conhecido como baixo-letramento ou semi-analfabetismo, àqueles que participam
das situações de ensino de Língua Portuguesa como meio de aquisição de
conhecimentos e melhoria da capacidade comunicativa: conceituá-lo, tentar
vislumbrar causas do seu surgimento, estabelecer fatos que ocasiona e perspectivas
para diminuição de sua incidência. Este conhecimento poderá dar sustentação à
práxis que objetiva o trabalho com a leitura, interpretação e escrita de textos em
português, nos seus variados tipos de situação, inclusive no uso de tecnologias
modernas, como uma das formas de potencializar o aluno para lidar com as
estruturas sociais vigentes.
Palavras-chaves:: alfabetização, analfabetismo, comunicação, letramento.
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INTRODUÇÃO
Quem não se comunica, se estrumbica.
Abelardo Barbosa, o Chacrinha.
O analfabetismo funcional, baixo-letramento ou semi-analfabetismo,
neste estudo, é utilizado para designar a condição de pessoas ou grupos que sabem ler e escrever, no sentido de identificar e desenhar palavras no
papel, mas não sabem também, interpretar um enunciado e expressar-se
na sua própria língua, utilizando-se da leitura e da escrita, incorporando-
as em seu viver, como elemento transformador de sua condição pessoal, dentro do âmbito cultural, social e de trabalho.
A escolha deste tema deve-se a uma aula da Profª. Regina Lúcia Péret
Dell‟Isola - Disciplina de Stricto Sensu da FALE em Lingüística: Parâmetros
Atuais do Ensino de Português através de Textos, onde se discorreu sobre os níveis de letramento. A referência ao baixo-letramento vem de
encontro a uma preocupação de todos os educadores conscientes, pela
problemática visivelmente enfrentada por muitos adolescentes e adultos,
na sua compreensão dos fatos lingüísticos e na expressão de seus pontos
de vista, fato este que serve de empecilho para o seu crescimento pessoal, social e profissional.
O ser humano é o sujeito da fala, disto ninguém duvida. Ele está
asujeitado à linguagem falada, isto lhe é inerente – a não ser que tenha
uma deficiência fonológica séria. Mas, o sujeito letrado, da leitura e da escrita [que também incidem numa melhoria da sua fala], este é
construído através de aprendizagens vividas no contexto familiar, social,
escolar, e, pela própria necessidade, que a vida lhe impõe, de ampliar
suas possibilidades de comunicação. É visível a dificuldade de adaptação e inserção social dos iletrados.
Assim, procurou-se problematizar a natureza do baixo-letramento, e,
levando em conta a importância da discussão dos fatores que levam ao
seu surgimento, estabeleceu-se um quadro do analfabetismo funcional no Brasil, com o objetivo de que as informações e as colocações aqui
contidas possam abrir novas discussões, propostas, projetos, e, até
mesmo ações por parte de seus leitores.
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A PROBLEMÁTICA DO ANALFABETISMO FUNCIONAL DE JOVENS
E ADULTOS NO CENÁRIO NACIONAL
Para início de conversa, procura-se reforçar o conceito, proposto neste trabalho de analfabetismo funcional, tido também como baixo-letramento
e semi-analfabetismo, através do parecer de duas educadoras,
especialistas no assunto. Segundo SOARES (1998)1:
Uma pessoa é funcionalmente letrada quando pode participar de todas
aquelas atividades nas quais o letramento é necessário para o efetivo
funcionamento de seu grupo e comunidade e, também, para capacitá-la a
continuar usando a leitura, a escrita e o cálculo para seu desenvolvimento e o de
sua comunidade.
Segundo INFANTE (1994)2, foi na direção oposta à definição proposta
pela UNESCO (1978), o conceito de baixo-letramento:
Uma pessoa funcionalmente analfabeta é aquela que não pode participar de
todas as atividades nas quais a alfabetização é requerida para uma atuação
eficaz em seu grupo e comunidade, e que lhe permitem, também, continuar
usando a leitura, a escrita e o cálculo a serviço de seu próprio desenvolvimento e
do desenvolvimento de sua comunidade. *
Sabe-se que os processos cognitivos, comuns a todo ser humano, são
mobilizados de modos diferentes, dependendo das situações enfrentadas
por membros de diferentes grupos sociais. O alfabetismo ou a falta dele
surge como traço comum a várias atividades que caracterizam as
sociedades ocidentais contemporâneas: a escolarização, a ciência e a tecnologia, a burocracia e a política.
Hoje, o analfabetismo funcional é uma preocupação de toda a
sociedade, envolvendo lingüistas, literatos, pedagogos e os educadores
como um todo, como também a sociólogos, psicólogos, famílias, e, por conseqüência, os políticos. Uma pessoa, para ser considerada
alfabetizada, tem que apresentar certas competências comunicativas.
Segundo laboratório feito por OLIVEIRA (1999)3 para observação dos
diferentes níveis de letramento em jovens e adultos, chama-se a atenção para o resultado referente aos testes feitos com moradores de periferia.
Observou-se que estes resultados, além dos fatores individuais de
capacidade cognitiva, também tiveram claras relações com educação,
ocupação, salário mensal e competência na vida cotidiana. Para fazer-se menção ao resultado, vale lembrar que os testes
discriminaram os diferentes sujeitos estudados e relacionaram-se com
variáveis relevantes de seu ambiente. Isto é, embora todos os sujeitos
tenham tido um desempenho correspondente aos níveis mais baixos de
outros grupos, também incluídos nas normas dos testes, seus resultados
* Neste contraste entre o funcionalmente letrado e o deficientemente letrado, evidenciado pela fala das duas autoras, parece que Soares (1998), apropriou-se de Infante (1994) ao conceituar a pessoa letrada.
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não foram simplesmente um conjunto de resultados igualmente baixos,
acumulados de forma inexpressiva no extremo inferior de uma escala. Ao
contrário, seus resultados nos dois testes foram correlacionados e bem
dispersos ao longo da faixa de desempenho desse grupo específico. Os dados obtidos, muitas vezes, apontaram para a heterogeneidade no
interior do grupo e para diferentes fontes que contribuiriam para a
constituição do funcionamento intelectual. A seguir, uma seleção de
trechos que clareiam esta fala:
Em primeiro lugar haveria um nível básico de competência, altamente
condicionado pelas características do ambiente e disseminado entre os
membros da comunidade: qualquer pessoa sabe como ir de casa ao trabalho,
como preparar algum tipo de alimento ou como lidar com dinheiro, por exemplo.
(...) Há um nível intermediário de competência que não é generalizado e que
caracteriza alguns indivíduos como mais capazes que outros; esses indivíduos são
cruciais para a vida da comunidade, e podem ter algumas vantagens no
decorrer de suas vidas por serem capazes de lidar melhor com os recursos
disponíveis no ambiente. (...) No nível mais elevado de competência encontram-
se alguns indivíduos chave na comunidade, que foram denominados de “focos
de competência”, por concentrarem a maior parte das habilidades necessárias
à solução dos problemas enfrentados pelos membros da comunidade em geral,
dominando quantidade de “informações úteis” (como encontrar um advogado
ou um médico, onde é o hospital mais próximo, como fazer para adotar uma
criança, por exemplo), conhecia a cidade muito bem e dominava o sistema
burocrático (como tirar documentos, preencher formulários, etc). Um destes
“foco de competência” era um aluno do curso de adultos. Era um excelente
aluno e liderava o grupo na maior parte das atividades desenvolvidas em sala de
aula. Também tocava violão, sabia coordenar jogos de salão, escreveu peças
de teatro, compôs músicas e criou roteiros de shows para os alunos
apresentarem. Os demais alunos contavam com ele para tudo. (Cit., 1999).
A partir do século XX, com o advento da globalização, criou-se o mito
de que o desenvolvimento humano seria garantido e inevitável, em
decorrência do desenvolvimento da ciência (possibilitando a qualidade da técnica) e do desenvolvimento industrial e tecnológico. A educação
passou, então, a ser relegada a um segundo plano, a não ser quando
formadora de mão-de-obra, o que foi desastroso.
Ao atentar para o fato, a sociedade tem tentado se mobilizar. O analfabetismo funcional tem sido tema de fóruns, seminários, revistas,
jornais, passando a ser pauta também de programas de governo, na
tentativa de reverter esta situação.
Os resultados da pesquisa feita pelo Sistema Estadual de Análise de
Dados Educacionais - SEAD, em São Paulo, publicados na Revista VEJA (2000)4, desmistifica este pensamento, apontando que, nas grandes
corporações brasileiras,
48% dos funcionários têm dificuldades com comunicação escrita, e se fosse
mais detalhada, apontaria outras dificuldades como: a pouca habilidade para
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analisar criticamente uma informação, a falta de cultura geral e dificuldades
com comunicação oral e na sociabilização de idéias, muito provavelmente,
dificuldades com outras formas de comunicação.
É fato que, toda pessoa, tendo ou não passado pela escola, por se
encontrar em uma sociedade escolarizada, precisa se submeter ao
processo de legitimação de sua comunicação que passa pelos sentidos do
padrão gerado pela escolarização. Ser um semi-analfabeto, ou seja, não conseguir acompanhar os estudos, ter dificuldade de interpretar, de
aprender, de ler e de escrever, leva a pessoa mostrar-se como um ser de
um grupo à parte que só ganha evidência enquanto grupo à parte (deve
ter acompanhamento especial). Suas origens são visíveis: vêm de regiões carentes de infra-estrutura, alguns são marginalizados em
conglomerados, vivendo muito próximos da situação de miséria.
Nota-se que, na maioria das vezes, estas pessoas têm uma
experiência de vida muito aquém da necessária para serem consideradas letradas - por dificuldade de acesso ou falta de recursos financeiros para
ter acesso a uma boa escola, ou, ainda, por falta de hábitos de leitura no
grupo em que estão inseridas, ou a soma destes fatores. Fato é que não
tiveram acesso a um ambiente favorável, nem a bons professores ou
livros. No entanto são sobreviventes. São pessoas tentando extrapolar suas limitações. O depoimento de MANUEL (2003)5, nos mostra a
importância de se estabelecer o hábito da leitura:
Quando se fala em escritor fala-se em livro e quando se fala em livro, vem à
mente falas eternas de educação, cultura e lazer. Na nossa vida de homens em
constante construção de letramento, sabemos que cartilha hoje é coisa do
passado.Sabemos que não mais procede a fala de que o poeta nasce feito, pois
tudo acontece através da socialização. O letramento é interpretar conteúdos e
produzir bem, é saber que linguagem se usa em qualquer situação. Aprendi a ler
cedo. Li centenas de gibis, depois foto novelas. Foi no "jornal das moças" [de
minha mãe] - que lia os versos de Luiz Otávio; no "Eu sei tudo" - as charadas
poéticas de bons sonetistas; na revista O Cruzeiro [na coluna Garotas] extraí esta
trova que foi para a Praça XV, em 1974, Garota tua bondade, tonteia qualquer
parceiro. Pedaço de tempestade, no céu de rapaz solteiro; nos Arquivos
Implacáveis - do João Condé, tive acesso a farto material de reportagem; e
enriqueci meu vocabulário nas páginas das "Seleções". Os livros do Clube do
Livro, por anos, fizeram parte da minha vida e, sempre lia e relia, na contra-capa,
os versos de Castro Alves.
ESCOLA PÚBLICA: CAMPO FÉRTIL AO ANALFABETISMO FUNCIONAL
A FOLHA DE SÃO PAULO (2001)6 publicou uma matéria que ilustra isto
muito bem:
Pelo menos 2.800 (4,3%) dos 65.406 estudantes da 5ª à 8ª séries da rede pública
de ensino das regiões de Campinas e de Jundiaí estão com escolaridade
atrasada ou não sabem ler. A informação consta de levantamento obtido pela
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Folha na semana passada nas Diretorias Regionais de Ensino nas duas cidades.
(§)As estatísticas do Estado revelam um panorama mais preocupante na cidade
de Jundiaí, onde foi detectado que 235 (4%) dos 5.800 alunos que freqüentam a
5ª série da rede fundamental de ensino possuem dificuldade em leitura, podendo
ser considerados semi-analfabetos. (§) São considerados semi-analfabetos os
alunos que terminam os primeiros quatro anos do ensino fundamental sem
conseguir acompanhar os estudos, possuem dificuldades de interpretação,
aprendizagem, leitura e escrita e, por isso, precisam de acompanhamento
especial. (§) A região coberta pela Diretoria Regional de Jundiaí também
levantou que 492 alunos, ou 2,7% dos 17.987 estudantes de 5ª a 6ª séries da
cidade, de Campo Limpo Paulista e Várzea Paulista têm dificuldades para ler e
escrever. (§) Essas crianças freqüentaram o ciclo de alfabetização (da 1ª à 4ª
séries) na rede pública municipal e foram considerados com alfabetização
defasada pelo Estado, que as avaliou e as reteve por um ano para um programa
especial de educação. (§) Segundo o secretário da Educação de Jundiaí, (...), o
município está investindo na capacitação de professores para reduzir o índice de
alunos que saem das suas escolas sem uma base de alfabetização. (§) As duas
diretorias de ensino da região de Campinas, que também incluem escolas de
Valinhos e Vinhedo, não forneceram números de semi-analfabetos da rede, mas
revelaram que, dos 47,4 mil alunos que estudam entre as 5ª e 8ª séries do ensino
fundamental, 2.341 estudantes (4,9%) estão com escolaridade atrasada. (§) Esses
alunos precisam ter seus estudos atualizados pelo programa de classes de
aceleração, criado pelo Estado após a determinação da não-retenção de
alunos por repetência, em vigor desde 1996.(§) As crianças que estudam nas
classes de aceleração da 5ª série nessa região são 1569. Eles representam 3,3%
do total de alunos do ensino fundamental administrado pelas Diretorias. (§)
Segundo doutoranda em educação pela Unicamp (...), os alunos que chegam
com defasagem de ensino ao ciclo da 5ª à 8ª série, provavelmente sairão das
escolas sem uma educação adequada. (§) "A Alfabetização hoje é vista como
um processo, e se faz entre a 1ª e a 4ª série, não no outro ciclo"(...).
É estranho observar que, simploriamente, há duas imagens cristalizadas, colocadas pelo governo que tenta se redimir, perante a
sociedade: do aluno como deficiente (tem dificuldades de aprendizagem)
e do professor como incapaz (precisa de cursos de capacitação). Quer
dizer, a culpa costuma ser dirigida aos professores e alunos, quando isto não é tão simples assim, pois são eles as grandes vítimas do descaso que
a classe política vem tendo com a educação no país. Só que a sociedade
não acredita mais nesta mentira. LOPES JÚNIOR (2002) 7 desabafa:
Nesta 2ª feira, dia 15 de outubro, milhares de escolas em todo o país estarão
comemorando o Dia do Professor. (...) Quanto às homenagens aos professores,
sinceramente, preferiria que eles fossem homenageados com salários mais dignos
e condizentes com a sua importância para o desenvolvimento na Nação
brasileira, embora receie que meu desejo não vá se realizar tão cedo.
Continuarão sendo mal remunerados, tendo de se esfalfar de tanto trabalhar
para trazer um ridículo salário para sustentar suas casas e filhos, sem a menor
condição física ou financeira ou motivação para se reciclar, aprender mais e
mais se atualizar, para mais e melhor poder ensinar suas multidões de crianças.
(...) Apesar de falidos e mal pagos, maltratados mesmo, destratados até,
muitos/as professores/as vêm se empenhando em viciar seus alunos em Leitura.
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Aos poucos, inoculam nas crianças e adolescentes noções de cidadania,
ecologia, história, tradição, valores, conhecimento e, melhor, estimulam à
reflexão pessoal, abrindo, assim, caminhos para que tenhamos cidadãos mais
capazes de escolher seus próprios destinos, mas são heróis isolados.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a aptidão para
ler e produzir textos – dos mais variados gêneros e temas – com
proficiência é o mais significativo indicador de um bom desempenho
lingüístico e, conseqüentemente, de letramento. Um escritor competente
deve, portanto, saber selecionar o gênero apropriado a seus objetivos e à circunstância em que realizará seu discurso. A escola deve preparar para
isto, mas não o faz. Todos parecem saber o papel da escola. DESCARDECI
(1997)8 coloca:
O papel da escola enquanto formadora de leitores deve ser o de apresentar o
código escrito como mais uma forma de representação do mundo, valorizada
em sociedades letradas, sem isolá-la do conjunto de formas disponíveis para a
composição de mensagens.
Mas, segundo LUGARINHO (2002) 9, não é bem isto que acontece:
Certa vez, quando ainda me encontrava lecionando Língua Portuguesa no
antigo 2º grau, um colega, professor de Física, procurou-me para solicitar uma
ajuda em uma situação embaraçosa. Queria ele que os alunos realizassem uma
experiência colocando um objeto em movimento, de acordo com a descrição
da trajetória do objeto por ele descrita. Segundo o colega, não havia jeito dos
alunos conseguirem entender como colocar em prática o que a descrição
determinava. Não consegui ajudá-lo naquele momento, mas, mais tarde, pude
refletir e verificar que aqueles alunos eram os mesmos que eram incapazes de
comporem uma redação legível, com coerência e coesão, que estes mesmos
alunos não eram incentivados a compreenderem que uma narrativa simples
contém uma ação que abre uma seqüência de ações, outra que sustenta a
seqüência de ações e mais uma que encerra a mesma seqüência de ações.
Eram incapazes de compreenderem a estrutura de uma narrativa, simplesmente
porque não liam estórias, quaisquer estórias... e estavam numa escola que se
dizia "privilegiar" o ensino da Língua!
É importante ressaltar, nesta declaração, a importância da interação
entre os professores de uma escola na condução do seu processo de
ensino-aprendizagem. Sabe-se que uma das funções da escola é habilitar
para uma boa leitura, seja de um bilhete ou de um romance. Mas o que se vê hoje é que muitas crianças não entendem o que lêem, apenas
decoram. E isto incide também sobre a sua dificuldade de escrever. GUIDI
(2004) 10 aborda, muito bem, este aspecto:
Sabemos que, para escrever, é preciso ler. Poderíamos dizer que quem não lê,
não escreve. Agora dizer que quem lê muito escreve bem já é uma outra
questão. É claro que a leitura em permanência, essa constância da leitura vai
tornando esse leitor alguém muito mais perspicaz para ter a avaliação de toda
tipologia de textos, de verificar como se produzem esses textos. Então,
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provavelmente, essa pessoa terá na sua bagagem condições de vir a escrever
melhor. Também o fato de você estar em contato permanente com a imagem
do texto escrito evita uma série de problemas que são aqueles de que se
queixam todos: erros de ortografia e falta de habilidade para construir orações.
Mas isso não é uma regra, é claro que não. Agora, é preciso dizer que a leitura é
uma aprendizagem específica e a escrita também. Elas têm naturezas diferentes,
mas são indissociáveis, leitura e escrita. Então, ler bem possibilita alguém vir a
escrever bem, mas não é uma regra absoluta nesse sentido.
O DIRECIONAMENTO POLÍTICO-SOCIAL DA EDUCAÇÃO NO BRASIL É
UM FATOR GERADOR DE UMA ESCOLA DESACREDITADA E, POR
CONSEGUINTE, DE UMA ALFABETIZAÇÃO MAL-FEITA.
PFFEIFER (2001)11 faz uma crítica coerente sobre a fala demagógica,
feita em cima do problema do baixo nível de alfabetização do brasileiro:
Práticas discursivas que produzem um deslize de sentidos na referência ao
problema do analfabetismo enunciado. O problema passa a ser o sujeito referido
como analfabeto. Vejamos. O analfabetismo acarreta males ao país, seus
habitantes, os índices evidenciam (são marcados por) a precariedade do grau
de instrução (não é o país que possui baixo índice de alfabetização, são os
habitantes que não possuem instrução), habitantes que devem estar prontos ao
sacrifício pela pátria que é perder seu endêmico analfabetismo. A
responsabilidade pelo analfabetismo desliza para o analfabeto. (...) Reduzir o
índice de semi-analfabetismo é muito diferente de reduzir o índice de semi-
analfabetos. esse tipo de formulação só se dá quando já há o trabalho
ideológico dos sentidos que associa o processo de não-alfabetização e sua
conseqüência - o estado de estar semi-analfabeto - , reduzindo o processo ao
sujeito que o sofre, cristalizando no imaginário de todos o problema do semi-
analfabeto: sua existência. Trago essa cristalização dentro de um texto formulado
por uma pesquisadora que, se confrontada com essa análise, diria, muito
provavelmente, que jamais teria tido a intenção de colocar no sujeito qualificado
como semi-analfabeto a responsabilidade de seu estado-ser-existência. Como
vemos o problema não é das intencionalidades, mas do trabalho ideológico de
sentidos dominantes na formação social em que nos inserimos.
A personificação do problema: o governo procura não enxergar o problema do analfabeto funcional, como de uma conjuntura de fatores
nacionais, inclusive a própria política, não se trata do semi-alfabetismo
brasileiro, mas de um semi-analfabeto que deve ser extinto. SILVA
(2001)12 estabelece um marco para o início deste processo da queda
vertiginosa da qualidade no ensino brasileiro:
Desde a década de 70, quando se inicia a deterioração do ensino brasileiro
público, o ensino da leitura e da escrita é deficitário, sem que soluções tenham
sido devidamente encontradas. Isto quer dizer que, quando da entrada nas
exigências do mundo da escrita, o brasileiro encontra dificuldades em conduzir,
com autonomia, práticas específicas.
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Parece que os nossos governantes se esquecem, como bem nos coloca
OLIVEIRA (1997)13, que:
Quando se considera uma determinada instituição social no contexto de uma
certa sociedade, como a escola na complexa sociedade contemporânea, a
reflexão tem que se referir tanto à possibilidade de múltiplas trajetórias para
diferentes indivíduos e grupos como às especificidades culturais em jogo, que
definem a finalidade de tal instituição. A intervenção educativa teria que atuar
sobre indivíduos necessariamente diversos, no sentido de lhes dar acesso àquela
modalidade particular de relação entre sujeito e objeto de conhecimento que é
própria da escola, promovendo transformações específicas no seu percurso de
desenvolvimento.
Ao contrário do que supõe o senso comum no país, a indigência de
leitura e o tédio em escrever é mais do que um problema de ordem educacional ou cultural. É mais uma dimensão da exclusão social, da não
participação, da perda de capacidade de intervenção social manifestadas
na leitura e na escrita.
A população, como um todo, sempre escuta ou lê sobre propagandas da administração pública anunciando campanhas de promoção do livro e da
leitura, mas, a classe educadora sabe, que, quase sempre, os resultados
destes esforços são medíocres, localizados e não desencadeiam um
processo perene. Educação, saúde, cultura e segurança são carros-chefes das campanhas
políticas. O país ainda se debate contra o analfabetismo mas avança. As
taxas de alfabetização e escolarização cresceram vertiginosamente, mas
isto não implicou num correspondente apego ao livro, à leitura e à escrita. E aí surge o nosso grande problema: uma alfabetização que não funciona,
que não liberta a pessoa, que não lhe dá asas para voar.
Uma investigação de problemas de linguagem, feita pela Associação
Brasileira de Lingüística – ABRALIN, relatada por CARVALHO (1997)14,
mostrou que as crianças analisadas se encontram deficitárias em pontos, que podem levar a pensar em procedimentos instrucionais que visassem
exemplo, visando a expansão do vocabulário, a apreensão da estruturação
da escrita, num nível geral e ainda centrado no ouvir a linguagem escrita.
E, mais especificamente, ao nível das habilidades de base, trabalhar a noção de que a linguagem é estruturada em unidades mínimas.
O Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA (2002)15,
avaliou o desempenhos dos estudantes de 41 países e deixou o Brasil
envergonhado. 4.800 adolescentes brasileiros participaram da amostra representativa dos estudantes matriculados nas 7ª e 8ª séries do ensino
fundamental e nas 1ª e 2ª séries do ensino médio. O que foi mesmo
constatado foi nosso imenso atraso escolar. O objetivo do Pisa é verificar
como as escolas estão preparando os jovens para os desafios futuros e detectar até que ponto os estudantes adquiriram conhecimentos e
desenvolveram habilidades essenciais para a participação efetiva na
sociedade. Na média geral das três áreas avaliadas: leitura, matemática e
ciências, o desempenho brasileiro também ficou em penúltimo lugar. Na
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prova de leitura, o Brasil fica à frente da: Macedônia, Indonésia, Albânia e
Peru. Nas provas de matemática, com média de 334, e ciências, em que
obteve pontuação de 375, é o penúltimo, ficando apenas em melhor
posição que o Peru. Segundo DREYER (2003)16, os resultados Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica – SAEB, vêm mostrando que os estudantes da quarta
série do ensino fundamental e médio não desenvolveram as competências
básicas de leitura e cálculo, relativas a sua faixa etária.
Os resultados da pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, feita em 2002 – encomendada pela Câmara Brasileira do Livro - CBL, em parceria com o
Sindicato Nacional dos Editores de Livros - SNEL, a Associação Brasileira
dos Editores de Livros (Abrelivros) e a Associação Brasileira dos
Fabricantes de Celulose e Papel (Bracelpa) não deixam dúvida. PAGANINI (2002)17, comentando os dados desta pesquisa, desabafa:
O número de bibliotecas públicas no país é ridículo. Em um país que possui
apenas uma biblioteca para cada dois municípios, poder comprar um livro é
condição para se tornar um leitor. Entre os alfabetizados, a pesquisa apontou 17
milhões de compradores, que adquiriram pelo menos seis livros no ano passado.
A alentadora novidade é que grande parte desse número não é composto
somente por pessoas da classe A, proporcionalmente pequena. É nas classes B e
C que se concentra o maior contingente de compradores, estimado em 12
milhões de pessoas.
Outra pesquisa nacional, feita pelo Instituto Ação Educativa/Ibope,
publicada pela UNICAMP (2003)18, também não deixa dúvidas:
A pesquisa foi feita com pessoas de 15 a 64 anos, e revela que apenas 25%
dos brasileiros têm habilidades mais refinadas de leitura, como dizem os
educadores, para ler um texto e compreendê-lo. A pesquisa revela outro
componente não menos dramático da realidade brasileira: apenas 17% da
população tem acesso ao mundo digital.(...) Os números da pesquisa nacional
feita pela Ação Educativa coincidem com algumas das informações divulgadas
recentemente pelo IBGE, entre elas os índices de analfabetismo absoluto e de
alfabetismo funcional, respectivamente em 9% e 25%, o que corresponde a ¼ da
população brasileira.
O Ministério da Educação vem empenhando-se em buscar justificativas
mais favoráveis para a constante queda do desempenho das escolas públicas, dando destaque ao despreparo do grande contingente de alunos
de baixa renda que passaram a ter acesso ao Sistema e gabando-se do
mérito de oportunizar maior acesso das camadas populares à escola. Além
disto, não prima pelo apoio às escolas particulares. Segundo PIGNATON
(2001)19:
Quando se trata da escola particular, não há grandes preocupações de
análise, realçando-se o tom da crítica pela crítica. Entrevistado pela Folha de São
Paulo em 04/12/2000, o então Ministro Paulo Renato alegou esperar um melhor
desempenho no Sistema de Avaliação do Ensino Básico – SAEB, como fruto dos
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investimentos maciços na educação, bem como que a distribuição dos
Parâmetros Curriculares Nacionais desembocasse na melhor formação de
professores – como se a transmissão do conhecimento, em forma de publicações
formais, sempre representasse apropriação ou extrapolação. O que idealizara o
Ministro a respeito dos profissionais de educação: bastaria que fizéssemos a
leitura de uns poucos livros (PCNs), que a competência viria como "num passe de
mágica"? Ora, já não teríamos feito muitas outras leituras antes destas "bíblias"?
O que vem se observando é que as políticas de educação de jovens e
adultos no Brasil, têm se caracterizado, via de regra, pelo seu viés
emergencial, compensatório, assistencialista, campanhista, sem a dimensão da educação continuada. Para GARCEZ (2001)20, professora de
Lingüística, o sistema educacional brasileiro é descontínuo:
Em um ano, o aluno pode encontrar um professor que estimule a leitura e, no
outro, se deparar com um professor que não lê, nem trabalha a leitura em sala
de aula. Tudo isso contribui para que, depois de passar 15 anos na escola, o
aluno ainda não tenha a leitura consolidada.
A visão que se mantém e que é passada para a sociedade como um
todo, é que o analfabetismo e o baixo-letramento tem um ou dois culpados: a escola ou o próprio indivíduo analfabeto. A repetência é
colocada apontada, pelo governo, como fator que contribui para diminuir o
desempenho do aluno, e não como prova que o investimento na educação
nacional é fraco. E combater a repetência, explica o então Ministro da
Educação, SOUZA (2002)21, é responsabilidade da escola e dos professores.
Os programas foram desenhados para que os alunos aprendam, não são
programas impossíveis de serem ensinados e de serem absorvidos pelos alunos.
Se isso está acontecendo, temos que buscar dentro da escola a correção dos
rumos (...)
Ainda bem que ele não continua ministro. O fato é que a educação de
jovens e adultos vem mantendo uma situação marginal na política pública
brasileira, na medida em que o setor político não costuma ter uma
dimensão universal e nem tampouco personifica um compromisso institucionalizado com o bem estar coletivo.
Quando a bomba estoura, vem sempre um novo projeto, um
investimento aqui e ali, para tapar buracos, onde já se abrem cavernas.
Tudo sem continuidade. Assim, os políticos, numa política paternalista, procuram limitar a sua prática a grupos sociais tidos como marginais e
acabam por aparentar funcionar como autêntico pronto socorro social,
criando assim um vínculo com seu eleitorado, pessoas que não enxergam
estar sendo tratados como cidadãos de segunda classe, pertencentes a segmentos mais vulneráveis da população de que deles se beneficia. De
vez em quando ganham uma caneta, um caderno e está tudo bem.
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MATERIAL E MÉTODOS
O objetivo desta pesquisa é tentar dimensionar e analisar o fenômeno
do analfabetismo funcional no Brasil, estabelecendo uma pesquisa com
bases empíricas onde se procurou traçar um perfil da população iletrada
quanto às suas habilidades de leitura, testando as hipotéticas relações entre essas habilidades e certas competências sociais e profissionais, com
base na observação de dados de pesquisas [feitas por fontes consideradas
confiáveis]; nas avaliações feitas a partir de experiências concretas de
educadores, literatos, instituições de ensino e órgãos da administração pública; e, nos pareceres de pesquisadores especializados no assunto.
14
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados das pesquisas e avaliações, vistas neste estudo apontam
para a percepção de que esta situação enfrentada hoje, é
obrigatoriamente, fruto da política de descaso educacional que tanto a Poder Público quanto a Sociedade Civil vêm tratando a questão da
qualidade no processo ensino-aprendizagem. Ficou comprovado que o
acesso à tecnologia pura e simples, não garante uma população
efetivamente educada. Comprovou-se também que a maioria dos estudantes brasileiros não lêem, nem quantitativamente nem
qualitativamente. É preciso valorizar a leitura, trabalhar a leitura,
reinventar a leitura nas escolas. A literatura, de todas as artes, é aquela
que encerra maior probabilidade de relações entre o indivíduo e o outro indivíduo, entre o indivíduo e a sociedade em que ele vive, e, ao mesmo
tempo, a transposição disso para outros níveis que são níveis da beleza ou
da expressão. Ela assegura a manutenção de uma cultura, de um povo,
de uma nação. Como se pode perder este potencial? Entretanto, não se pode fechar os olhos a outras formas de leitura que
vêm se incorporando na cultura brasileira. É interessante trabalhar
também com o material da variante. Não se tem prestado bastante
atenção na literatura incorporada nas letras de funk, no pagode, nas
histórias em quadrinhos, nos e-mails, chats e e-books da internet, nas placas informativas, nos jornais de bairro, nas revistas, nos proclamas da
igreja, nos quadros de recados da escola..., e, ainda, nas possibilidades de
leitura do que se visualiza no videogame, na televisão, no cinema, no
teatro... O ensino escolar ainda vai ficar preso apenas em cartilhas e livros didáticos?
15
Contudo, não se pode esquecer de que, além da valorização da escola e
da figura do professor, da busca de novas estratégias educacionais,
parece necessário desenvolver também, junto às famílias e comunidades,
programas de apoio para que possam auxiliar suas crianças a, pelo menos, permanecer na escola, visto que a questão das dificuldades
escolares de crianças, na realidade brasileira, mesclam, além da condição
da escola, com as condições da criança, de sua família e de seu grupo
social. Então, porque não trabalhar este fator?
Um ponto crítico, recorrente nos debates em torno do alfabetismo é a sua relação com a escolarização, pois se começa a vislumbrar que muitas
das conseqüências cognitivas e atitudinais freqüentemente atribuídas à
aquisição da linguagem escrita são, na verdade, conseqüências do tipo de
escolarização. O que a escola de hoje oferece ao aluno, ou o que ela deixou de oferecer? Esta é a grande questão.
A democratização do processo ensino-aprendizagem, observada nas
escolas a partir da década de 70, é positiva se considerarmos a maior
liberdade de ação dos vários grupos que formam o contexto escolar. Antes este processo era totalmente arbitrário. Porém, havia fatores positivos, na
forma das escolas ensinarem, anterior a esta abertura: a valorização da
figura do professor como educador, da escola como instituição e o
trabalho com a leitura que tinha lugar de destaque na escola. Pode-se até argumentar quanto a forma com que isto era feito, mas é fato que não se
escutava falar em analfabeto funcional. Quem estudou, há mais de 30
anos atrás, até a 8ª série do primeiro grau - como se falava, apresenta
hoje um preparo que não se vê nos alunos que concluem o 2º grau e
chegam à faculdade. Na dúvida, é só prestar atenção aos pais e avós que fizeram parte deste processo. Houve avanço no ensino? Sem dúvida.
Houve retrocesso? Parece que também aconteceu. A experiência mostra
que o novo não deve descartar tudo o que há no velho. Falar assim,
parece clichê, mas se aplica. Não dá para ser tão criativo, em se tratando de educação, como no universo, onde nada se cria, mas se recria, e se faz
isto trazendo inovações que atacam pontos críticos de um sistema,
conservando o que dá certo. Neste estudo, acredita-se que esteja nesta
mistura, o componente certo para ir em frente. Por que continuar nesta premissa, a cada novo „projeto educacional‟ de descartar todo o
molde anterior?
A alfabetização, no entanto, não pode ser concebida unicamente como
produto da escolarização, na medida em que a tecnologia vai atingido
cada vez mais esferas da vida das sociedade modernas, sendo também um veículo de informação e „formação‟. Até que ponto a educação à
distância tem sido explorada, diante de todo este potencial? Será
que tem existido um comprometimento, neste sentido, por parte
dos detentores destes veículos? Poder-se-ia perguntar aonde as práticas leitoras, implementadas na
escola ou nos espaços culturais, estarão levando os leitores que se
pretende formar. Estarão eles vivenciando momentos de inquietude
cultural, daqueles que formigam o curioso, que sai atrás da novidade? Estão tendo oportunidades leitoras ou mesmo
16
“oralizadoras” de usufruir da sua cultura? Estão eles sendo
percebidos como professores ou aprendizes, partilhando leituras e
experiências leitoras? Estão estas leituras sendo úteis para a sua
vida, aumentando-lhes as chances de sobrevivência, as chances de enfrentar desafios, atendendo as suas múltiplas inteligências, em
suas necessidades cognitivas, afetivas, emocionais, sociais? Ou,
estarão eles ainda, buscando clarear para si, buscando
compreender as entrelinhas dos textos e os ganhos que estão por
trás das suas ações de leitores ou de formadores de leitores? Como criar um campo fértil para o nascimento potencial de
leitores? Tudo isto e muito mais fervilha na cabeça de um educador,
comprometido com o seu trabalho.
Noutra direção, podemos também questionar: Será que os professores lêem? De que maneira eles podem incentivar as
crianças e os adolescentes, se, muitas vezes, os próprios
professores não são bons leitores?
Vale a pena considerar também quais seriam os limites das habilidades de leitura que se podem medir por meio do teste de leitura. A evidência a
esse respeito é proporcionada pela verificação da relação significativa
entre a leitura e a escrita, muitas vezes, fora do contexto escolar e de
trabalho, mas em outros ambientes e recursos, que oportunizam a formação continuada da educação iniciada no ambiente escolar, como as
diversas formas de entretenimento e informação de que se dispõe
[cinema, teatro, televisão, videogame, revistas, jornais, internet...]. Qual
seria o modo ideal de avaliar a capacidade de leitura do aluno?
A partir da detecção do nível de analfabetismo funcional do brasileiro e nos males ocasionados pelo mesmo, vários projetos e programas têm sido
criados e desenvolvidos por governos e/ou instituições privadas para
incentivar a leitura, especialmente entre crianças e jovens. Dentre eles, o
mais conhecido e amplo é o Programa Nacional de Incentivo à Leitura - PROLER, do MINC (1996)22, que preconiza que “o acesso” (à leitura) “deve
ser viabilizado através da disponibilidade de material de leitura variado e
de qualidade em bibliotecas escolares e públicas, salas de aula, salas de
leitura e em locais públicos”. A idéia está lançada, mas espera-se que os governos federal, estadual e municipal empenhem-se torná-la exequível.
Como fazer isto se nem o governo tem o compromisso de
implantar, pelo menos, uma biblioteca pública em cada cidade
brasileira? Como fazer isto, sem programas de enriquecimento do
acervo das bibliotecas das escolas públicas existentes, que andam esquecidas, principalmente no acervo literário dirigido ao Ensino
Médio?
Ainda remontando à fala, mencionada anteriormente, do ex-ministro,
Paulo Renato de Souza, quando falou sobre programas perfeitos e esclareceu que a culpa do surgimento do analfabetismo funcional é da
escola, vale esclarecer alguns pontos:
1- Esqueceu-se, porém de mencionar os professores sem salários
(porque não se pode dizer que o que um professor do ensino público recebe hoje seja salário) ainda são pagos com atraso. Ele tem que
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trabalhar em dois turnos, se não tiver que ter ainda um outro bico para
conseguir um salário decente (que lhe possibilite manter-se e à sua
família com dignidade) impossibilitando-o de se preparar mais humana e
materialmente para desenvolver um trabalho melhor. Além disto, não se percebeu ainda que efetivar professores, não é sobrecarregar a máquina
do estado. A educação é a máquina de uma nação. Deixando de fazê-lo,
não permite acontecer um trabalho sério e continuado, nem que se
estabeleçam padrões de procedimentos, baseados em experiência específica com a clientela atendida, seja ela B, C ou D. Nem lanche para
os professores, algumas escolas oferecem. Isto sem falar que ele não tem
fundo de garantia por tempo de serviço, seguro desemprego (...). É como
dizer ao professor: Tá reclamando? E lá vem aquela leléia que se escuta há décadas: ‘Lecionar é um sacerdócio. Exige sua dose de sacrifício. Os
alunos não têm culpa. Ninguém lhe obrigou a ser professor. Quer ganhar
melhor? Mude de emprego’. E quem sabe, ele mude, como muitos estão
mudando. E os governantes públicos mostram-se espantados ao perceberem que não há professores formados interessados nas suas
vagas. Talvez estejam até procurando um outro emprego, fazendo uma
outra faculdade. Quem sabe a família já não tinha avisado: Isto é muito
bonito, mas não é profissão. Do que você vai viver? O governo diz, a sociedade avisa, e, de repente, o professor público escuta, cansado de,
„carinhosamente‟ ser chamado de sofredor, ele dá um basta. Daí, surge a
grande oportunidade de abrir a escola para qualquer aventureiro que
queira dar aula, mesmo sem nenhuma formação ou preparo no conteúdo a ser lecionado, porque não conseguiu emprego em nenhum outro lugar.
É com este recurso humano que os governantes pretendem
reverter o processo ilegítimo de educação gerador do analfabeto
funcional? Você deixaria uma pessoa lhe operar se não fosse um médico experiente? Moraria num prédio que não tenha contado
com o trabalho de um engenheiro e um arquiteto responsáveis?
Compraria um remédio de um laboratório não autorizado? Será
que a educação pública brasileira é o único ramo que não se valoriza a habilitação específica?
2- O então ministro esqueceu-se de mencionar também os alunos de 2º
grau, que, em várias cidades e estados brasileiros, chegam às escolas
sem ter direito a uma merenda, nem a uma biblioteca constantemente atualizada - trazendo novidades que despertem seu interesse, nem a um
livro didático - ao qual não se deve estar preso, mas serve como material
de apoio. Muitos destes alunos trabalham durante o dia e estudam à
noite. Saem direto do trabalho para a escola com fome e cansados e já encontram seu professor também cansado. É como dizer ao aluno. Tá
reclamando. Não está bom? Paga uma escola particular. E ele não pode
pagar. É assim, apenas construindo prédios, que podem ser inaugurados
em qualquer campanha, abrindo novas vagas, de uma escola - sem infra-estrutura de funcionamento, já fadada ao fracasso, que o governo quer
oportunizar aprendizagem e qualificação do aluno de escolas públicas para
a vida e para o mercado de trabalho? Esqueceu-se que apenas um
diploma não confere preparo e, com esta postura política atual para com a
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educação pública, fada este aluno, se não ao fracasso, com certeza, a
subempregos. Preparo pressupõe conhecimento, que só poderá conferido
a estes alunos, com uma infra-estrutura melhor para a escola e mão-de-
obra qualificada de administradores, professores e apoiadores para um bom desempenho de seu processo de funcionamento enquanto instituição
promotora de conhecimento e otimizadora de capacidades de seus
educandos. Em algumas escolas, faltam ainda folhas para impressão de
material, papel higiênico (...). Só resta faltar o gis. Professor já falta. Aluno, começa a faltar. O que mais falta? Fechar as escolas públicas?
A pertinência destes últimos pontos se faz porque parece que este
pensamento não se deveu a apenas um período da administração do Ministério da Educação, ou de secretarias de educação municipais e
estaduais, no Brasil. Isto não pode continuar.
CONCLUSÃO
Sente-se que o problema do analfabetismo funcional parte tanto das
práticas educativas [relativas ao ensino da leitura e escrita], quanto da desvalorização social e política das figuras da escola e do professor. Não
há dúvidas que ainda existem escolas públicas, consideradas modelos,
que ainda sobrevivem graças ao esforço heróico de bons educadores [que
ainda não a abandonaram], parcerias com o setor privado, gincanas, doações de estudantes e familiares [já que não se pode cobrar taxas], e,
até de professores que compram material com parte de seu „salário‟. São
estas escolas [que fazem parte de um percentual mínimo] que surgem na
mostra publicitária, em canais de tv, rádio e jornal, como prova da competência do executivo público em administrar o setor educativo na
federação, num estado ou num município brasileiro. Só se esquece de
mencionar que estas escolas são exceções e raras exceções.
É senso comum que o analfabetismo funcional está intrinsecamente ligado com o trabalho da leitura interpretativa e da escrita,
concomitantemente. Durante muito tempo se acreditou e se identificou
leitura como sendo um processo apenas de decifração. A problemática da
atual prática educacional, observada no surgimento do analfabetismo funcional nos mostra muito bem que decifrar é apenas dominar um
código, o que não significa conseguir dar sentido ao que se lê e que se
consiga incorporar aprendizagem com esta leitura, ou seja, incorporação
de conhecimentos prévios necessários para um melhor conhecimento de mundo e a melhoria da expressão pessoal, quer oral, quer escrita, do
indivíduo.
Em outras palavras, a capacidade para ler [no sentido de repetir ou
reconhecer o signo lingüístico] e escrever [no sentido de desenhar
palavras], não garante a realização concreta da leitura e escrita, se não existe a assimilação de significado e competência para se expressar na
forma escrita, nas diversas situações sociais. Como conseqüência, o Brasil
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tem grande parte de sua população ativa fora do mercado de trabalho
formal, pois, embora seja um país que vem se modernizando rapidamente
e haja um trabalho bom e generalizado oportunizando o aumento do
acesso à escola de crianças e adolescentes, o país não apresenta uma sociedade com um bom grau de letramento.
De um lado, tem-se que pensar num nível de letramento, de
leiturização do nosso povo, onde muitas etapas sócio-econômico-cultural,
têm de ser vencidas. Outro lado é o custo. O acesso ao produto livro é um
tanto inacessível e caro. Acrescenta-se a isso, todos os outros fatores que já se havia falado antes, como sobre o fato de que o incentivo à leitura na
família desapareceu, ou pelo menos diminuiu muito. Delegou-se esse
papel à escola, mas a escola também tem outros muitos papéis a exercer,
além de seu papel e do professor ter sofrido um processo de desvalorização gradativa nas últimas décadas.
Em relação à prática de ensino escolar, pode-se dizer que, da mesma
forma como os professores de língua portuguesa se atém à gramática
[que também é importante e não deve ser descartada], deveriam se ater também a uma alfabetização funcional, ou seja, a um trabalho que leve ao
domínio concreto da linguagem escrita, concretizando as aprendizagens
específicas de domínio da escrita [trabalho este extensivo a todas as
outras disciplinas]. A soma das duas vertentes, deixaria os jovens mais desarmados e seguros da análise e/ou produção de quaisquer tipos de
linguagem, que deixaria de ser os grandes vilões do momento, impedindo
o crescimento pessoal, social e profissional dos jovens e adultos
brasileiros.
Percebe-se que se inicia uma nova era para a prática da leitura. Afinal o termo analfabetismo funcional serviu para alguma coisa. Levou a
sociedade a tomar um susto: sabemos ler e escrever as palavras
desenhadas no papel ou nas telas de computadores, mas somos
analfabetos? Pelo susto, dão-se os primeiros pulos. Nunca se falou tanto em incentivo à leitura como agora. Há movimentos e projetos - oficiais ou
não-oficiais, e, muitos deles, bons. Acredita-se, entretanto, que a grande
dificuldade não será iniciá-los e nem desenvolvê-los, mas dar-lhes
seqüência, de modo que viabilizem uma formação de leitor para o estudante e para o seu professor também, como para a sociedade em
geral.
É claro e notório, entretanto, que as atividades de letramento nas
escolas estão longe ainda de serem resolvidas. O ensino público, com a
conivência da sociedade, foi se deteriorando através de uma política insensata de sucatear tudo o que poderia ser visto como máquina do
estado, com exceção do administrativo, do judiciário e do legislativo,
numa concepção social democrata de privatização. A escola pública fez
parte deste processo e ainda sofre com ele. O que conforta é que a necessidade de retomada deste processo, em
relação à escola, agora parece cristalizada com o grande vexame nacional
de formar analfabetos funcionais [ou semi-analfabetos, ou iletrados, ou
cidadãos de baixo-letramento], acentuadamente, em escolas públicas de 1º e 2º graus. Qualquer que seja o nome, a realidade é a mesma. É certo
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que esta reeducação e revisão de procedimentos não tem um alcance nem
tão rápido – como se precisa, nem tão fácil – como se possa vir a pensar,
mas é um caminho a trilhar. Parece que o grande trabalho de qualquer
Ministro da Educação, dos governadores e prefeitos deste país será trabalhar para reverter esta verdadeira tragédia na educação pública.
Vale ainda lembrar que o desenvolvimento também traz novas leituras
e escritas, como foi colocado na discussão proposta. Os professores não
devem fechar os olhos para esta realidade. O conhecimento sobre práticas
de leitura e escrita não escolares, a análise das diferentes habilidades nelas envolvidas e de suas interfaces com outras linguagens é essencial
para orientar o trabalho da escola. Acredita-se que interagir com estas
novas leituras contribuirá, de modo positivo, para a que a escola, como
um todo, possa cumprir mais adequadamente sua missão de ser a principal agência de alfabetismo em nossa sociedade.
21
AGRADECIMENTO
Agradecemos à Profª. Regina Lúcia Péret Dell‟Isola, da Disciplina
Parâmetros Atuais do Ensino de Português através de Textos, do
Curso de Mestrado, na Faculdade de Letras da UFMG, pelo carinho,
dedicação, companheirismo e competência com que nos conduziu, durante este semestre, nesta instituição. Sabemos que sua lida é
árdua, exige muita dedicação, ainda assim, sempre a encontramos
solícita a nos ouvir e orientar, com a tranquilidade e firmeza que
lhe são peculiares.
Aos colegas, pela amabilidade e a formação de laços de amizade
e companheirismo durante a caminhada.
Aos funcionários das bibliotecas das áreas de humanas, pela boa
vontade com que sempre nos receberam no seu ambiente de
trabalho.
Aos meus alunos, pela rica experiência de conviver com eles, o
que me tornou sensível ao problema abordado.
22
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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