o administrador nÃo sÓcio nas sociedades limitadas
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Direito
O ADMINISTRADOR NÃO SÓCIO NAS SOCIEDADES LIMITADAS: deveres
jurídicos e responsabilização
Júlio César Pogorzelski Gonçalves
Belo Horizonte 2009
Júlio César Pogorzelski Gonçalves
O ADMINISTRADOR NÃO SÓCIO NAS
SOCIEDADES LIMITADAS: deveres jurídicos e responsabilização
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Direito.
Orientador: Rodrigo de Almeida Magalhães
Belo Horizonte 2009
FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Gonçalves, Júlio César Pogorzelski G635a O administrador não sócio nas sociedades limitadas: deveres jurídicos e
responsabilização / Júlio César Pogorzelski Gonçalves. Belo Horizonte, 2009. 196f. Orientador: Rodrigo de Almeida Magalhães Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Responsabilidade dos administradores de sociedades. 2. Sociedades
limitadas. 3. Responsabilidade (Direito). 4. Desconsideração da personalidade jurídica. I. Magalhães, Rodrigo de Almeida. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.
CDU: 347.724
Júlio César Pogorzelski Gonçalves
O ADMINISTRADOR NÃO SÓCIO NAS SOCIEDADES LIMITADAS: deveres
jurídicos e responsabilização
Trabalho apresentado ao
Programa de Pós-Graduação em
Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, área de
concentração em Direito Privado.
Doutor Rodrigo de Almeida Magalhães (Orientador) – PUC Minas
Doutor César Fiúza – PUC Minas
Doutor Jason Soares de Albergaria Neto – Faculdades Milton Campos
Belo Horizonte, 10 de Dezembro de 2009.
A dedicatória deste trabalho direciona-se em primeiro tempo aos meus dois
filhos, Davi Sodré Pogorzelski e Júlia Sodré Pogorzelski, que mesmo
desconhecendo agora o significado destes escritos, possam um dia sobre eles
quedarem-se reflexivos e neles enxergar, sobretudo nesta dedicatória, mais uma
dentre as tantas manifestações de amor que tenho procurado sobre eles despejar,
assim como servir-lhes de incentivo à pesquisa, às letras e ao contínuo ato de
aperfeiçoamento do saber.
À minha mãe e irmã, Tereza e Adriana Pogorzelski, dedico este trabalho com
intuito representativo de vitória concedida por Deus a nossa família, cuja tradição
nos estudos acadêmicos é praticamente inexistente. Foram elas também, cada qual
com sua parcela de participação, ainda que indireta, que viabilizaram este feito.
No seguimento, dedico este trabalho a toda a sociedade acadêmica,
desejando fazer somar às muitas formulações teóricas concentradas na área do
Direito Empresarial, mais uma, que espero seja concebida como de significativa
expressividade.
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor Jesus Cristo, acima de tudo, por toda a graça em meu favor
dispensada, dia-a-dia, sem a qual os muitos desafios que experimentei ao longo de
minha vida por certo não seriam transpostos.
Ao Professor Manoel Barbosa da Silva, a quem conheci nos bancos da
universidade. Homem de admiráveis e ímpares características, suficientemente
capazes de dignificar a magistratura federal, assim como o genuíno significado do
que seja ser humano. Sua mão, quando requerida, juntou-se à minha em auxílio
para triunfar ante aos mais diversificados desafios que cotidianamente tendem a
afetar qualquer indivíduo. Suas ações expressam o íntegro significado do que seja
um amigo, verdadeiro e incondicional companheirismo que poucos no curso de sua
vida conseguem experimentar. Sua amizade é um privilégio e uma benção divina.
Seu nome, daqueles que a gente lembra com amor até o último sopro de vida.
Ao Professor Flávio Couto Bernardes, outro homem de notável brio, daqueles
cuja companhia é, por si só, de elevada agradabilidade e um aprendizado de
fidalguia. O seu incentivo à conclusão deste trabalho, assim como a confiança e
valorização depositados em minha prática docente foram por demais significativos.
Ao Professor Jason Soares de Albergaria Neto, profissional do ensino
acadêmico, pelo exemplo deixado em sua prática docente como um educador,
corporificando para mim um dos maiores referenciais a que sempre me reportarei
enquanto professor.
Ao Professor Rodrigo de Almeida Magalhães, pelas orientações que tornaram
possível a conclusão deste trabalho, assim como pelas palavras sempre otimistas
desde que este estudo era apenas incipiente. Um incentivador cujos característicos
são indispensáveis a este tipo de atividade educacional.
A minha querida e amada esposa pela compreensão necessária quanto aos
muitos momentos que lhe subtraí minha presença, por certo sobrecarregando-a no
cuidado com nossos amados filhos, assim como em tantas outras tarefas.
O homem que não está se preparando para algo melhor, prepara-se na realidade, para algo pior. O hábito é o principal moderador das ações humanas; façamos, por conseguinte, todo o possível por contrair e conservar bons hábitos. (Francis Bacon) O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto do seu ponto de vista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele. (Paulo Freire) Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrela que estabeleceste, que é o homem, que dele te lembres, e o filho do homem, que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco menor do que Deus e de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste: ovelhas e bois, todos, e também os animais do campo; as aves do céu, e os peixes do mar, e tudo o que percorre as sendas dos mares. Ó Senhor, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome. (Davi, em Salmos, 8:3-9)
RESUMO
A responsabilidade civil é instituto jurídico de grande importância em todos os
segmentos do meio jurídico. No âmbito empresarial assume repercussão elevada
quando se liga às figuras dos sócios e administradores de sociedades empresárias,
pessoas naturais das quais emanam todos os direcionamentos para, através da
empresa, se obter a consecução do objetivo social da pessoa jurídica. Este trabalho
concentrou pesquisa específica na figura do administrador não sócio das sociedades
limitadas empresárias, pessoa natural, que não integrando o quadro societário, é
chamada a exercer atividades administrativas de gestão e representação,
perquirindo os aspectos jurídicos viabilizadores de sua responsabilização civil ante a
sociedade, os sócios e terceiros, dentre os quais o Fisco. A legislação, as
construções doutrinárias e um pontual apanhado de decisões pretorianas
envolvendo o tema da responsabilização dos administradores e sócios de
sociedades serviram de suporte metodológico à pesquisa. Os resultados apontaram
inicialmente pela aplicabilidade do instituto da responsabilização civil à figura do
administrador não sócio em razão dos atos lesivos decorrentes do exercício irregular
de sua função, somente quando devidamente apurado e cabalmente comprovado
que tais prejuízos decorreram de conduta culposa ou dolosa desse administrador, ou
seja, a responsabilidade civil do administrador não sócio somente pode se
operacionalizar sob a forma de responsabilidade subjetiva. Concluiu-se, outrossim,
que a despeito de o ordenamento jurídico oferecer as diretrizes permissivas dessa
responsabilização, as decisões propugnadas no Judiciário, em muitos casos, com
elas não se coadunam, notadamente quanto ao atendimento dos seus requisitos, no
mais das vezes em absoluto desprezo às garantias constitucionais do devido
processo legal e do contraditório, tudo isto, diga-se, como resultado de um desvio de
perspectiva acerca dos traços peculiares de alguns institutos jurídicos, dentre os
quais o da desconsideração da personalidade jurídica.
Palavras-chave: Sociedades Empresárias. Administrador não sócio.
Responsabilização civil. Teoria geral da responsabilidade civil. Teoria ultra vires
societatis. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
ABSTRACT
The civil liability is legal institute of great importance in all segments of the legal
community. Under high business takes effect when you connect to the pictures of
members and directors of entrepreneurs, individuals of which emanate from all
directions for by the company to achieve the goal of achieving social entity. This
research work focused on specific figure administrator is not a partner of limited
partnerships entrepreneurs, natural person, not integrating the corporate structure, is
required to perform activities of the management and representation, perquirindo the
legal enablers of their civil liability to society, members and third parties, among
which the tax authorities. The legislation, the doctrinal constructions and picked off
one of his rulings involving the issue of accountability of directors and shareholders of
companies served as a methodological support to research. The results indicated
initially by the applicability of the Institute of civil liability to the figure of the
administrator is not a partner because of the acts that harm resulting from the
irregular exercise of its function only when properly established and well-established
that such damage arose from negligent or intentional conduct of an administrator, or
is, the liability of the administrator was not a shareholder can only operate in the form
of subjective responsibility. It was concluded further that despite the legal guidelines
provide permissive of this accountability, the decisions advocated the judiciary in
many cases, they are inconsistent, especially regarding the fulfillment of their
requirements, more often than not at all contempt for constitutional guarantees of due
process and adversarial, all say that as a result of a shift of perspective about the
peculiar features of some legal institutions, among which the disregard of legal
personality.
Keywords: Society Entrepreneurs. Administrator not partner. Civil liability. General
theory of the civil liability. Theory ultra vires societatis. Theory of disregard of legal
entity.
LISTA DE ABREVIATURAS
Art- Artigo
Arts- Artigos
C.Civil- Código Civil
C.Comercial- Código Comercial
n.º- Número
Org.- Organizador
LISTA DE SIGLAS
CDC- Código de Defesa do Consumidor
CLT- Consolidação das Leis do Trabalho
CTN- Código Tributário Nacional
LSA- Lei de Sociedades Anônimas (Lei n.º 60404/1976)
SEBRAE- Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................13 2 A FIGURA DO SÓCIO NAS SOCIEDADES LIMITADAS....... ...............................16
2.1 Sociedade limitada: fixação temática do tipo so cietário................................17
2.2 Origem histórica............................... ..................................................................21
2.3 Regime jurídico: normatização legal vigente e p retérita Erro! Indicador não definido.................................25
2.3.1 Normatização legal pretérita..............................................................................26
2.3.2 Normatização legal vigente ..............................................................................28
2.4 Competência suplementar: normas da sociedade simple s e lei de sociedades anônimas ................................ .............................................................29
2.4.1 Regência suplementar pelas normas da sociedade simples............................40
2.4.2 Regência suplementar pelas normas da sociedade anônima ..........................40
2.5 Os sócios e suas deliberações ...................... ..................................................41
2.5.1 Deliberações via assembléia de sócios............................................................42
2.5.2 Deliberações via reunião de sócios..................................................................45
2.5.3 Outro pressuposto: quorum de deliberação .....................................................47
2.6 Classificação dos tipos de sócios .................. .................................................49
3 A FIGURA DO ADMINISTRADOR NAS SOCIEDADES LIMITADA S...................52
3.1 A administração enquanto órgão social .......... ...............................................53
3.2 Administrador: abordagem conceitual e classificação ..................................58
3.2.1 Administrador sócio ..........................................................................................63
3.2.2 Administrador não sócio ...................................................................................64
3.3 Escolha e designação dos administradores ........... ........................................68
3.3.1 Escolha e designação de administrador sócio .................................................69
3.3.2 Escolha e designação de administradores não sócios.....................................71
3.3.3 Designação: formalidades necessárias à produção de efeitos jurídicos ..........71
3.4 Poderes do administrador ........................... .....................................................72
3.5 Deveres jurídicos concernentes à função............ ...........................................77
3.6 Do vínculo jurídico entre o administrador e a s ociedade..............................81
3.6.1 Formação do vínculo........................................................................................81
3.6.2 Efeitos jurídicos do vínculo...............................................................................82
3.7 A destituição do administrador..................... ...................................................88
4 A TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRA SILEIRO ...........90
4.1 Responsabilidade: aspectos conceituais ......... ..............................................91
4.1.1 Conceito Léxico................................................................................................93
4.1.2 Conceito Doutrinário.........................................................................................94
4.1.3 Conceito Legal .................................................................................................97
4.2 Responsabilidade civil: definição e pressuposto s ........................................99
4.3 O dano enquanto elemento indissociável à respon sabilização civil ..........107
4.4 A reparação do dano: função valorativa e preste za.....................................110
4.5 Espécies de responsabilidade civil ................. ..............................................114
4.5.1 Responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual .....114
4.5.2 Responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva..................116
4.5.3 Responsabilidade civil por fato próprio e responsabilidade civil por fato de terceiro ....................................................................................................................118
4.6 Da distinção entre responsabilidade civil e respons ável legal ...................118
5 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR NÃO SÓC IO NAS sOCIEDADES LIMITADAS............................... ......................................................121
5.1 A responsabilização no direito empresarial enqu anto efeito do descumprimento ou não de um dever jurídico......... ..........................................124
5.2 A responsabilização lato sensu do administrador: pressupostos objetivos................................................................................................................................127
5.3 As implicâncias da desconsideração da personali dade jurídica da sociedade.......................................... .....................................................................130
5.4 A teoria ultra vires societatis ..........................................................................134
5.5 A responsabilização do administrador não sócio perante a sociedade.....140
5.5.1 Dos aspectos peculiares relativos ao vínculo jurídico entre o administrador não sócio e a sociedade limitada ...................................................................................141
5.5.2 Dos efeitos jurídicos do vínculo jurídico obrigacional atinentes à responsabilização civil do administrador não sócio.................................................147
5.6 A responsabilização do administrador não sócio por débitos tributários e previdenciários da sociedade ....................... .......................................................153
5.6.1 Responsabilização pelos débitos tributários...................................................153
5.6.2 Responsabilização pelos débitos previdenciários ..........................................163
5.7 A responsabilização do administrador não sócio por débitos trabalhistas da sociedade.......................................... .....................................................................166
5.8 A responsabilização do administrador não sócio perante terceiros..........174
6 CONCLUSÃO ........................................ ..............................................................178
REFERÊNCIAS........................................................................................................185
13
1 INTRODUÇÃO
Por um longo período o Código Comercial de 1850 ofereceu as diretrizes para
o tratamento das relações jurídicas atinentes à constituição, administração e
dissolução das sociedades civis e mercantis, cuja denominação classificatória
transmudou-se, a partir do Código Civil de 2002, respectivamente, para sociedades
simples e sociedades empresárias. A Sociedade Limitada – diversamente do que
ocorreu com as Sociedades Anônimas –, por se tratar de uma sociedade mercantil
da qual não se tinha até a data de edição do Código Comercial notícia no meio
jurídico universal, não recebeu tratamento legal deste diploma. O ordenamento
jurídico brasileiro somente agregou lei de regência específica das Sociedades
Limitadas sessenta e nove anos após a edição do Código Comercial de 1950,
através do Decreto n.º 3.708 de 10 de janeiro de 1919 que, por sua vez,
permaneceu vigente por oitenta e quatro anos, até a edição da Lei n.º 10.406 de 10
de janeiro de 2002, por alguns denominada “Novo” Código Civil. O Código Civil de
2002, a despeito dos tantos outros temas que disciplina, passou à condição de
diploma regente das sociedades civis e empresárias, excluindo-se a Sociedade
Anônima que, por sua vez, continuou regulamentada pela Lei n.º 6.404/1976.
Um considerável número de estudos e trabalhos envolvendo o eixo temático
das sociedades empresárias se seguiram após a vigência da Lei n.º 10.406/2002.
Na sua grande maioria, voltados a estabelecer critérios comparativos entre a
Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada, regulada pelo Decreto n.º
3.708/1919 e a Sociedade Limitada disciplinada pelo Código Civil (Lei n.º
10.406/2002) em seus artigos 1.052 a 1087.
Em sentido oposto, este estudo visa focar a pesquisa nos aspectos relativos à
responsabilização civil dos administradores das Sociedades Limitadas,
especialmente do administrador não sócio, figura que do Código Civil de 2002
recebeu propósito até então não verificado na legislação que o precedeu.
O trabalho, dada a formatação didática que reclama, acabará por registrar
obviamente equiparações entre o tipo de Sociedade Limitada tratada no Decreto n.º
3.708/1919 e o da Lei n.º 10.406/2002, notadamente abarcando figuras de
expressiva importância e conexão com o tema, dentre as quais, cite-se, o sócio e o
14
administrador sócio, assim também outros aspectos e institutos jurídicos que se
vinculam à natureza estrutural deste tipo societário.
É então de se dizer que a proposta deste estudo compreende a apresentação
de proposições que, oriundas da coleta de construções teórico-científicas, visam
tratar os aspectos gerais do tipo societário empresarial de responsabilidade limitada,
perpassando pela abordagem temática dos efeitos jurídicos obrigacionais nascidos
para os sócios e administradores dessa sociedade a partir de sua constituição. No
seguimento, explorar a teoria geral da responsabilidade civil perquirindo seus efeitos
em relação ao administrador não sócio. Em outra formulação, e verticalizando mais a
proposta, seria dizer que o objetivo principal deste trabalho será o de identificar e
fixar, assim como os deveres jurídicos, os requisitos e modalidades de
responsabilidade civil aplicáveis à figura do administrador não sócio das sociedades
limitadas, não sendo outra a razão por que seu título remete ao vocábulo
responsabilização, ladeando, no entanto, os aspectos processuais
instrumentalizadores dessa responsabilização no âmbito judicial.
Sendo esta a proposta, o trabalho será estruturado em seis capítulos, a saber:
Introdução, A figura do sócio nas sociedades limitadas, A figura do administrador nas
sociedades limitadas, A teoria da responsabilidade civil no direito brasileiro, A
responsabilidade civil do administrador não sócio das sociedades limitadas, e
Conclusão.
Os capítulos 1 e 6 apresentarão, respectivamente, os aspectos introdutórios
do estudo e as conclusões obtidas a partir da pesquisa. Já os demais capítulos,
numerados de 2 a 5, tratam cada qual do contexto temático proposto, na medida da
especificidade de seu título, conforme se passa a demonstrar.
O capítulo 2, intitulado A figura do sócio nas sociedades limitadas,
concentrará exploração nos aspectos gerais e históricos das sociedades limitadas,
assim como nos integrantes do seu quadro societário, no seu regime jurídico e nos
embates doutrinários que se estabeleceram à época da vigência do Decreto n.º
3.708/1919.
O capítulo 3, cujo título é A figura do administrador nas sociedades limitadas,
tratará do órgão societário administração e do administrador, concentrando
abordagem nos aspectos conceituais, classificatórios e obrigacionais, assim como
na identificação do vínculo jurídico entre a sociedade e o administrador não sócio e
os efeitos jurídicos que desse vínculo emergem.
15
O capítulo seguinte, capítulo 4, pretenderá inicialmente fixar o conteúdo
semântico da locução responsabilidade civil, dissociando-a, no que pertine, do
vocábulo responsabilidade, a fim de bem delimitar a proposta temática do trabalho.
No seguimento, a abordagem se concentrará nos aspectos atinentes aos
pressupostos da responsabilidade civil, sua função valorativa e presteza, assim
como nas classificações doutrinariamente atribuídas a este instituto jurídico.
O capítulo 5 abrigará a perspectiva central do trabalho, onde se buscará
estabelecer uma conexão entre os temas tratados nos capítulos que o precederam,
a fim de identificar a esfera jurídica de responsabilização civil do administrador não
sócio. De conseguinte, seu objetivo será o de localizar os pontos de identificação
entre as obrigações legais e contratuais dos administradores não sócios e a
aplicação do instituto da responsabilidade civil. Para tanto, será necessário perquirir
se a responsabilização civil dos sócios, conforme pretendida pelo legislador, se
distingue daquela a afetar o administrador não sócio, bem como necessário se fará a
visitação a alguns outros institutos jurídicos que se vinculam à questão das
obrigações sociais, como a teoria ultra vires societatis e a desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade.
Encerrado o trabalho na capitulação mencionada, espera-se que ele possa
contribuir significativamente à comunidade acadêmica, assim como aos estudiosos e
aplicadores do Direito, haja vista a incipiência do tema relativo à figura do
administrador não sócio que, como já registrado, passou a assumir destaque no
ordenamento jurídico brasileiro somente a partir do advento da vigência da Lei n.º
10.406 de 10 de janeiro de 2002.
16
2 A FIGURA DO SÓCIO NAS SOCIEDADES LIMITADAS
O vocábulo sócio é uma derivação do latim societas (sociedade), e, de acordo
com De Plácido e Silva, traduz a idéia de “membro ou pessoa pertencente a uma
sociedade ou associação; equivalente a sócio, associado, parceiro”. (SILVA, 2008,
p.1.221).
O léxico Houaiss (2004), dentre as acepções que disponibiliza para o
vocábulo, refere-se a sócio como “aquele que compartilha (algo) ou faz coisas em
conjunto com (outrem); companheiro, parceiro, aliado; aquele que se associou a
outro para abrir uma empresa comercial, industrial, de serviços etc.”.
A necessidade humana de promover agrupamentos de indivíduos para a
consecução de resultados é bem retratada por Hernani Estrella:
O princípio da sociabilidade é inerente aos seres humanos. Deriva da necessidade de completarem as próprias forças, conjugando-as, para vencerem as resistências formidáveis que lhes opõem o meio físico, que os circunda e envolve, a superarem obstáculos que lhes dificultam a obtenção dos fins os mais modestos e a satisfação das necessidades mais elementares. Em todos os campos da atividade humana, com maior ou menor intensidade, em tempos e épocas diversas, sempre se manifestou o espírito associativo, para a realização de fins religiosos, morais, artísticos, ou, designadamente, para facilitar a obtenção de resultados materiais. Redunda-se em harmônica e coordenada concentração de várias forças dirigidas para um mesmo fim, inalcançável de outro modo, ou alcançável com menor utilidade [...]. (ESTRELLA, 2004, p. 10).
Sob um enfoque genérico, a palavra sócio concentra primeiramente a idéia de
alguém, pessoa natural ou jurídica que, por distintas razões, se vincula a outrem em
vista de objetivos comuns. A materialização dessa vinculação faz nascer a
sociedade e, em vista da relação jurídica que se forma, emerge uma nova situação
jurídica para os sócios, porquanto a partir desse momento agrega-se à condição do
sujeito de direito outro qualificativo: o de sócio de outrem, a quem juridicamente
passou a se vincular. Soma-se a isto, como corolário lógico, o fato de que essa
vinculação associativa espraia efeitos para além da relação entre os sócios,
notadamente entre eles e o ente que fizeram nascer: a sociedade em si.1
1 José Edwaldo Tavares Borba, em seu Direito Societário, ratifica esse entendimento ao dizer que “Entre o sócio e a sociedade há uma relação de participação.” (BORBA, 2004, p.37).
17
Nesse sentido, tem-se a seguinte inferência: sócio e sociedade são figuras
ligadas por uma simbiose tal que não se lhes permite cogitar da existência de uma
quando ausente a outra. A sociedade só existe porque alguém se associou a
outrem, transmudando a sua condição jurídica para a de sócio; ausente o vínculo
associativo, também ausente a figura do sócio e, decorrente disso, ausente a
sociedade.2
Transmudando a abordagem genérica relativa à figura do sócio para caminhar
em direção à construção de outra que privilegie a especificidade, mais afinada ao
tema deste trabalho, registre-se de início que, no mesmo sentido, a figura do sócio
na Sociedade Limitada acusa existência a partir do vínculo jurídico estabelecido
entre duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas. Esse vínculo jurídico se
estabelece, no caso desta modalidade societária empresarial, visando a exploração
de atividade empresária, cujo significado concentra-se na exploração de atividade
econômica organizada, voltada à produção ou a circulação de bens ou serviços
objetivando o lucro3, sendo este o seu desiderato comum.
2.1 Sociedade limitada: fixação temática do tipo so cietário
Considerando que o capítulo de abertura deste trabalho elege como eixo
temático a figura do sócio nas Sociedades Limitadas, importa que se fixe o tipo
societário a que se direcionará a abordagem, delineando assim a modalidade de
sociedade empresária a que se pretendeu referir.
2 Esta inferência encontra ressalvas no Direito Empresarial pátrio. Veja-se, por exemplo, os casos da Sociedade Unipessoal, da subsidiária integral (Lei n.º 6.404/76, art.251) e algumas empresas públicas que desde a sua constituição acusam apenas um “sócio”. Há também situações circunstanciais em que a lei permite a manutenção temporal da sociedade quando o quadro societário se viu atingido pela redução a apenas um dos seus outrora integrantes. A manutenção da denominação de sócio para estes sujeitos que surgem de forma isolada no contrato social ou estatuto, assim como a de sociedade para a pessoa jurídica a que se vinculam parece-nos um contra-senso, uma vez que a figura do sócio, como já se frisou, nasce de um vínculo associativo com outrem, pois sequer pode-se conceber, nesta situação específica, que o sócio seja sócio da sociedade que constituiu. Assim, a sociedade que pretendeu o Direito Empresarial ver existente ou mantida nestas situações descritas, é nada mais do que figuras representativas da pessoa jurídica existente, mas não uma legítima sociedade, porquanto ausentes os sócios. 3 Conforme art. 966 do C.Civil/2002. (BRASIL, 2004, p.162).
18
O substrato comum a todo tipo de sociedade denominada limitada está na
limitação de atribuição de responsabilidade obrigacional àqueles que integram o seu
quadro societário. Assim, a sociedade, enquanto pessoa jurídica, malgrado o que
sugere inicialmente o adjetivo, não é limitada, senão os efeitos jurídicos que recaem
sobre os sócios quanto à insuficiência de fundos sociais para satisfazer as
obrigações da sociedade.
A noção jurídica de Sociedade Limitada sempre esteve vinculada ao efeito
delimitativo da extensão da responsabilidade pessoal dos sócios pelas obrigações
contraídas pela sociedade (TEIXEIRA, 1956). Nesse sentido a crítica de Carvalho de
Mendonça quanto às expressões sociedade de responsabilidade limitada e
sociedade de responsabilidade ilimitada, reputando-as equivocadas por entender
que a limitação da responsabilidade, quanto às obrigações sociais, é efeito jurídico a
incidir com exclusividade sobre a figura dos sócios, e não sobre a sociedade, que
responde ilimitadamente com todo o seu patrimônio pelas obrigações que contrair
(CARVALHO DE MENDONÇA, 1938). Reforçando essa tese, pontuou Vinícius José
Marques Gontijo:
Não seria mesmo viável, tecnicamente classificar as sociedades quanto às suas responsabilidades patrimoniais, na medida em que todas as sociedades respondem ilimitadamente por suas obrigações, tanto que podem ter a sua falência declarada e todos os seus bens arrecadados para honrar os seus compromissos. São os sócios que respondem, com ou sem limitação, pelas obrigações sociais. (GONTIJO, 2004, p.190).
Sob esta configuração classificatória – que toma como referência a extensão
da responsabilidade dos sócios quanto às dividas sociais – no universo societário
contemporâneo somente dois tipos societários revestem-se da condição de
sociedades limitadas: as Sociedades Anônimas e as Sociedades Limitadas em
sentido estrito.4 No primeiro tipo, Sociedades Anônimas, a responsabilidade dos
4 Em período que antecedeu a introdução das Sociedades Limitadas em sentido estrito no ordenamento jurídico pátrio, o que ocorreu com o Decreto n.º 3.708 de 10 de janeiro de 1919, o único tipo societário que se revestia dessa classificação eram as Sociedades Anônimas. Ressalte-se, porém, que as Sociedades Simples podem também, dependendo da manifestação dos sócios, serem classificadas quanto à extensão da responsabilidade dos sócios em relação às obrigações sociais como sociedades limitadas (C.Civil, art.997, VIII). A responsabilidade dos sócios será sempre ilimitada no que tange às obrigações da sociedade empresária perante terceiros quando se tratar de Sociedade em Nome Coletivo, Sociedade em Comum e sociedades irregulares. Nestes casos, os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais, subsidiariamente no caso das sociedades em nome coletivo e irregulares e, solidariamente, nos casos das Sociedades em Comum. Assim, em se tratando de sociedades irregulares e em nome coletivo, os sócios, após verificada a insolvência da sociedade empresária – o que implica em subsidiariedade –, serão chamados ao pagamento dos
19
sócios, denominados acionistas5, não ultrapassa a realização do capital subscrito
individualmente, ou, dito de outra forma, cabe ao acionista integralizar o que
corresponde à sua subscrição, na exata formatação ao que foi prometido quando da
aquisição da(s) ação(ões), e nada mais (ASCARELLI, 1947). No segundo tipo,
Sociedades Limitadas stricto sensu, os sócios somente serão envolvidos nas
consequências jurídicas do inadimplemento e insolvência da sociedade quando
restem quotas ainda não totalmente integralizadas.6 Sendo essa a conformação
fática, todos os sócios respondem pela integralização do capital social
solidariamente (TEIXEIRA, 1956). Nos dois casos, ressalta-se, trata-se de
responsabilidade subsidiária em face da sociedade, condicionada ao
inadimplemento e insolvência, e, no caso das Sociedades Limitadas stricto sensu,
especificamente, soma-se ainda a responsabilidade solidária entre os sócios.
A Sociedade Anônima, regulamentada pela Lei nº 6.404/1976, a despeito de
ser espécie do gênero sociedade limitada, escapa à noção de Sociedade Limitada
referenciada no tema deste trabalho, e, em razão disso, ladeia-se o interesse
investigativo de seus característicos para centralizar o foco da pesquisa na
Sociedade Limitada em sentido estrito, enquanto espécie do mesmo gênero.
Um outro aspecto quanto à classificação das Sociedades Limitadas para a
presente abordagem reclama consideração: o da empresarialidade, elemento
ausente nas Sociedades Simples7, tipo societário que também pode se inserir na
créditos de terceiros, enquanto na Sociedade em Comum, poderão receber esse chamamento a qualquer tempo, confundindo-se o seu patrimônio pessoal com o da sociedade, independente da verificação da insolvência da sociedade. 5 Egberto Lacerda Teixeira considera “censurável” a utilização do termo sócio para designar pessoa detentora de ações nas Sociedades Anônimas, defendendo somente a utilização do termo acionista. (TEIXEIRA, 1987, p.9). 6 C.Civil/2002, art.1.052: “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”. (BRASIL, 2004, p.178). 7 José Waldecy Lucena, ao tratar da nomenclatura atribuída pelo legislador a este tipo de sociedade, bem como de sua natureza não empresarial, verberou: “Foi diante dessa conceituação do código, classificando as sociedades em duas classes – sociedade empresária e sociedade simples, que asseveramos, ao início deste item, que os seus ilustres Projetistas não adotaram escorreita terminologia, eis que, coerentemente e como referido, haveriam de escolher um adjetivo que se opusesse ou se distinguisse do adjetivo utilizado na primeira classe – empresária (sociedade empresária), o que não ocorre, à evidência, com o adjetivo simples (sociedade simples), que se opõe ou se distingue do que é complexo. Por isso, preferimos nominá-la, em oposição à sociedade empresária, como sociedade não-empresária, podendo esta adotar o tipo da sociedade em comandita simples e da sociedade limitada, qual dispõe o artigo 983, 2ª parte, mas não os tipos das
20
classificação genérica de Sociedades Limitadas8. Mauro Rodrigues Penteado,
invocando construções teóricas de Asquini, esclareceu a questão relativa aos
elementos distintivos das Sociedades Simples, limitadas ou não, quando
comparadas com as sociedades empresárias:
Ambas as espécies de sociedades, a empresária e a simples, têm natureza contratual, segundo definição do art.981 do Código Civil.[...] Do cotejo entre os arts. 966 e 981 aparecem os três elementos que distinguem a sociedade empresária da sociedade simples, porque ambas exercem atividade econômica, e também, com maior nitidez, a noção de atividade empresária, para fins de definição do empresário.[...] (i) a sociedade simples reúne pessoas “simplesmente” (e aqui vale a redundância) para o exercício de atividade econômica; na sociedade empresária a atividade econômica exercida deve ser de forma “organizada”, (ii) na sociedade simples as pessoas se reúnem para o exercício de atividade econômica, fazendo contribuições em bens ou serviços e partilhando entre si os resultados; também a sociedade empresária exerce atividade econômica mercê contribuição dos sócios e partilha dos resultados, mas o faz “profissionalmente”; (iii) a sociedade simples exerce qualquer atividade econômica; já na sociedade empresária a atividade econômica está voltada para a produção ou a circulação de bens ou serviços; [...]. (PENTEADO, 2007, p.94-95).
Do que se percebe, a Sociedade Simples, não é sociedade empresária.
Faltam-lhe alguns elementos, ou, ainda, por haver a sua atividade se subsumido ao
modelo legal descrito no art.966 do C.Civil, que lhe retira o caráter empresarial.9
Esta formatação, porém, não lhe impede seja classificada como sociedade limitada
enquanto gênero.10 A não-empresarialidade, nesse sentido, afasta-lhe da
sociedades por ações, já que estas serão sempre sociedades empresárias (art.982, p.u.)” (LUCENA, 2003, p.48). 8 Conforme Rubia Carneiro Neves, acompanhando o entendimento de outros teóricos, “O contrato de sociedade simples pode ser revestido com a forma prevista especificamente para ela, ou com a forma de um dos tipos societários empresariais”. (NEVES, 2004, p.176). Valida esse entendimento a regra inscrita no inciso VIII, art.997, do C.Civil/2002, que ao tratar dos elementos do contrato social deste tipo societário, incluiu a manifestação volitiva dos sócios quanto à responsabilidade subsidiária ou não pelas obrigações sociais. Da leitura do inciso VIII do artigo 997, bem como do artigo 1007 do C.Civil, depreende-se que a Sociedade Simples, de acordo com o disposto no seu contrato social, poderá conceber aos seus sócios atribuição de responsabilidade limitada, ilimitada ou mista. A responsabilidade dos sócios, pelas dívidas da sociedade, serão limitada, ilimitada ou mista em relação ao montante participativo de suas cotas sociais quando assim dispor o contrato social. Trata-se de um faculdade conferida pelos incisos VII e VIII do artigo 997 e pelo artigo 1007 do diploma referido. 9 C.Civil/2002, art.966, parágrafo único: “Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.” (BRASIL, 2004, p.162). 10 José Waldecy Lucena, em várias passagens de sua obra ressalta a ausência do caráter empresarial das sociedades simples, assim como a possibilidade de constituir-se sob a modalidade
21
abordagem pretendida contextualmente para este trabalho, que tematiza as
Sociedades Limitadas em sentido estrito.
Por todo o exposto, a locução Sociedade(s) Limitada(s) designará neste
trabalho exclusivamente a espécie societária Sociedade Limitada em sentido estrito,
e empresária, ou seja, o modelo societário a que o C.Civil de 2002 reservou
capitulação consubstanciada pelos artigos 1.053 a 1.087, pelo que se deve ladear,
neste estudo, inferências que invoquem qualquer outro tipo societário.
2.2 Origem histórica
Dissertar sobre a origem histórica da figura do sócio, especificamente nas
Sociedades Limitadas, reclama a exploração de aspectos concernentes à origem
histórica das Sociedades Limitadas, isto se justificando não só pela concentração do
tema deste trabalho nesta modalidade societária, mas sobretudo pelo fato de que a
origem histórica da figura do sócio nas Sociedades Limitadas se confunde com a
própria origem dessas sociedades.
O estudo sobre a temática histórica das Sociedades Limitadas, em especial
quando invocada a sua origem, pareceu durante certo tempo prejudicado pelo fato
da inexistência de um consenso doutrinário acerca do tema. Lecionaram Rubens
Requião (1998) e João Eunápio Borges (1959) que enquanto para alguns o
surgimento das Sociedades Limitadas decorreu da instituição britânica de uma
sociedade denominada Limited by Garantee, para outros, por sua vez, justificando
que a sociedade instituída na Inglaterra não passava de uma sociedade anônima
simplificada voltada a limitar a responsabilidade dos sócios, o berço legítimo desse
tipo de sociedade empresária foi germânico, quando a Alemanha, em 1892,
promulgou uma lei que tratava das Gexenllschaften mit beschraenkter Haftung ou
GmbH, vale dizer, Sociedades de Responsabilidade Limitada (REQUIÃO, 1998).
De melhor interesse que esse impasse envolvendo a filiação das Sociedades
Limitadas a este ou aquele sistema, estão as contingências que afetavam a
de sociedade limitada. Dentre as quais: “a sociedade não-empresária, que o Código nomina de sociedade simples, pode constituir-se sob o tipo de sociedade limitada (art.983)”. (LUCENA, 2003, p.63).
22
estruturação jurídica das sociedades empresárias em período precedente ao
surgimento daquele tipo societário.
Conforme Requião (1998) ao final do século em que se viu surgir as
Sociedades Limitadas extraterritório nacional – século XIX –, os tipos de sociedades
empresárias mais adotados eram os da Sociedade Anônima e o da Sociedade em
Nome Coletivo. As Sociedades Anônimas ofereciam, já desde aquela época, uma
estrutura jurídica voltada para o atendimento de grandes corporações empresariais
que tinham como nota distintiva expressivos aportes de capital, um sistema
organizacional rígido, bem como uma modalidade de responsabilização societária
em que os sócios só respondiam pela integralização de suas contribuições
representadas em ações. Já as Sociedades em Nome Coletivo, classificadas
doutrinariamente como sociedades de pessoas11, caracterizavam-se por um tipo
societário que mesmo vinculando os sócios através da responsabilidade solidária
pelas dívidas sociais, ofereciam uma grande vantagem em relação à sua
constituição, diferindo significativamente nesse aspecto das Sociedades Anônimas,
eis que requeria um modelo menos burocratizado de ato constitutivo. Tais
particularidades se destacam nos seguintes escritos:
[...] um novo tipo de sociedade que oferecesse ao comércio, numa síntese feliz, as vantagens das sociedades comumente denominadas de pessoas e, ao mesmo tempo, as vantagens da sociedade anônima. Sem os inconvenientes de umas e outras. Isto é, uma sociedade de organização e estrutura mais simples, mais fácil e menos pesada, a anônima, e na qual, como nesta, todos os sócios, sem exceção, assumem uma responsabilidade limitada sem os graves riscos patrimoniais a que, nas outras sociedades, ficavam expostos ou todos os sócios ou, pelo menos, um ou alguns deles. E, sem que a limitação da responsabilidade seja obtida à custa de qualquer restrição quanto á faculdade de gerir a sociedade [...]. (BORGES, 1959, p.131).
Esse quadro evidenciava uma polarização, em cujos extremos encontravam-
se dois tipos societários e, posta entre eles, a vacância a uma sociedade empresária
em que a responsabilidade dos sócios estaria vinculada somente à sua contribuição
ao capital societário, em sentido oposto ao que ocorria com as Sociedades em
Nome Coletivo, e, em relação aos atos constitutivos, que se bastassem pelo singelo
11 Para Carlos Fulgêncio, assim como para expressiva doutrina, a nota característica comum às sociedades de pessoas está em que sua constituição societária sobreleva é “a predominância do intuitu personae no seu funcionamento. Nessas sociedades, as pessoas, ao se associarem, levam em conta os companheiros e sua capacidade para o bom êxito da empresa, sendo o capital, na hipótese, secundário”. (PEIXOTO, 1956, p.53).
23
agregamento de atos, ao revés do que já se encontrava estabelecido para a
constituição das Sociedades Anônimas. (LOBO, 2004).
Nesse contexto nasceram então os primeiros estudos inclinados ao
surgimento das Sociedades Limitadas, enquanto forma societária com estrutura
jurídica adequada ao atendimento, a priori, de pequenas e médias empresas.
Os países incipientes a assimilarem a necessidade da criação de um novo
modelo societário foram a Inglaterra, a França e a Alemanha, e isto se justifica pelo
fato de que àquela época – final do século XIX – tais países se encontravam em
franca expansão industrial e comercial.
Na Inglaterra e na França o que se verificou inicialmente foi a instituição de
uma remodelagem na estrutura jurídica das Sociedades Anônimas, visando,
essencialmente, a atribuição limitada de responsabilidade dos acionistas sobre os
débitos das companhias, não se tratando então, da criação de um novo modelo
societário. Na tratativa da questão relativa ao impasse sobre a filiação das
Sociedades Limitadas ao sistema inglês ou germânico, Rubens Requião, tecendo
minúcias, informa que os dois modelos adotados pela Inglaterra, a despeito de
objetivarem a imposição de limites à responsabilidade dos sócios, configuravam na
verdade modelos de sociedades anônimas.
Na limited by shares, por exemplo, a responsabilidade do acionista não ultrapassava o valor da ação, e nas sociedades limited by garantee, estabelecia-se, na liquidação da sociedade, um passivo social até certa importância, previamente fixada no estatuto. (REQUIÃO, 1998, p.401).
Na França, a instituição de uma Sociedade Limitada por ações teve duração
curta – apenas 4 anos – pois, objetivando somente afastar a intervenção estatal
através da manutenção de um determinado patamar do capital social, fez-se uso de
um modelo que perdeu sua razão de existência a partir da chegada, em 1867, de um
diploma legal que revogava a lei das Sociedades Limitadas, permitindo sua
conversão à Sociedade Anônima.
A Alemanha, por sua vez, buscou a criação de uma forma societária que “sem
o aparato e as dificuldades de constituição das sociedades anônimas, pudesse
reduzir a responsabilidade de seus associados à importância do capital social”
(REQUIÃO, 1998, p.402). Foi então que, inspirado nos ideais que pugnavam pelo
equilíbrio das vantagens entre as sociedades de pessoas e as sociedades de
24
capital, indispensáveis ao atendimento das necessidades econômicas daquele país,
o Congresso alemão aprovou o projeto de lei das Sociedades Limitadas, resultando
na lei que levou o seu nome (Gexenllschaften mit beschraenkter Haftung)12, datada
de 20 de abril de 1892. Essa iniciativa resultou em um significativo avanço na
quantidade de Sociedades Limitadas daquele país em relação às Sociedades
Anônimas existentes, sendo estas últimas sobrepujadas em número muito superior
por aquelas em curto período temporal, o que, desde aquela época, denotava uma
tendência mundial. Portugal, em 1901, apresentou-se como o primeiro país após a
Alemanha a recepcionar o novo tipo de sociedade empresária. (REQUIÃO, 1998).
Considerando que a iniciativa germânica implicou no surgimento de um novo
tipo societário, em contraposição à alteração de um tipo societário britânico e francês
já existentes, inafastável a inferência de que cabe à Alemanha o título de pátria
genitora das Sociedades Limitadas.
Sob influência dos bons resultados verificados em Portugal, o Brasil, após
aprovação do projeto de lei do deputado gaúcho Joaquim Luiz Osório, que traduzia a
reprodução das letras do projeto de 1912 de Herculano Inglez de Souza, adotou o
tipo societário das Sociedade Limitada somente em 1919, através do Decreto n.º
3.708 de 10 de janeiro. (BORGES, 1959). Não diferente do que ocorreu em outras
searas, no Brasil a Sociedade Limitada passou a constituir a forma mais comum de
estrutura jurídica empresarial, perpetuando essa condição até os dias atuais,
ocupando assim o espaço outrora reservado a outros tipos societários, como já
previa João Eunápio Borges:
A sociedade por cotas de responsabilidade limitada não se confunde com nenhum dos outros tipos de sociedade, nem se reduz a subespécie de qualquer deles. Tem, ao contrário, fisionomia jurídica e função econômica próprias que lhe asseguram posição definida e peculiar entre as suas coirmãs mais velhas que, com exceção da anônima, estão sendo banidas por ela da vida mercantil. (BORGES, 1959, p.129).
O Decreto n.º 3.708/1919 perdeu sua eficácia em 11 de janeiro do ano de
2003, data que marcou o início da vigência do C.Civil de 2002 que, com exceção
das Sociedades Anônimas, abarcou o tratamento legal das demais sociedades
empresárias, assim como das associações e fundações.
12 Cuja tradução é Sociedades de Responsabilidade Limitada.
25
Diante desse quadro, impõe-se convir, pela logicidade de dados e pela
vinculação da figura do sócio ao tipo societário da Sociedade Limitada, que a origem
histórica a se atribuir a esta figura corresponde àquela de surgimento da Sociedade
Limitada qual seja, no âmbito extranacional 1892, na Alemanha, enquanto no âmbito
nacional, 1919.
2.3 Regime jurídico: normatização legal vigente e p retérita
A disciplina jurídica atinente à figura do sócio será obviamente aquela que
regula o tipo societário a que se encontra vinculado. Constando a Sociedade
Limitada como o modelo societário de que se ocupa este estudo, a abordagem de
sua evolução legislativa oferecerá naturalmente os subsídios teóricos à identificação
do arcabouço normativo legal regente de um de seus elementos de maior destaque:
o sócio.
Em nossa pátria, as Sociedades Limitadas experimentaram ao longo de sua
existência regulamentação advinda de quatro diplomas legais: inicialmente pelo
Decreto n.º 3.708 de 10 de janeiro de 1919 que a denominava Sociedades por Cotas
de Responsabilidade Limitada, com assistência subsidiária do Código Comercial de
1850 e supletiva da Lei n.º 6.404/197613. Mais recentemente, pela Lei n.º 10.406 de
10 de janeiro de 2002 que tratou de atribuir-lhe nova denominação e determinar,
também, competência de regência supletiva às normas da Sociedade Simples nos
casos em que contrato social não remeta esta regência à Lei das Sociedades
Anônimas.
Enquanto a o Decreto n.º 3.708/1919 tratou resumidamente das disposições
gerais das Sociedades Limitadas, em não mais do que dezenove artigos, ao Código
Comercial de 1850 – através dos artigos 300 a 302 – coube a regulamentação do
seu título constitutivo14. À Lei das Sociedades Anônimas o mencionado Decreto
13 Em que pesem os desacertos doutrinários acerca da matéria, conforme se mostrará mais adiante. 14 Art.2º do Decreto n.º 3.708/19: “O título constitutivo regular-se-á pelas disposições dos arts. 300 a
302 e seus números do Código Comercial, devendo estipular ser limitada a responsabilidade dos sócios à importância total do capital social”. (BRASIL, 2008, p. 759).
26
atribuiu atividade suplementar de regulamentação. A Lei n.º 10.406/200215, por sua
vez, atraiu para si o tratamento mais amplo desse tipo societário, conferindo a
possibilidade de regência supletiva pelas normas da Sociedade Simples ou,
mediante manifestação volitiva dos sócios no contrato social, pelas normas das
Sociedades Anônimas.
Considerando que em período anterior ao atual Código Civil as Sociedades
Limitadas tinham sua regulamentação legal tratada pelo Decreto n.º 3.708/1919,
pelo Código Comercial e pela Lei n.º 6.404/1976, para em momento posterior ter seu
tratamento abarcado pela Lei 10.406/2002, conclui-se que o regime jurídico
legislativo desse tipo societário se materializou em nossa pátria através de quatro
diplomas legais.
2.3.1 Normatização legal pretérita
A normatização legal das Sociedades Limitadas chegou ao Brasil em 1919
através do Decreto n.º 3.708. Produto dos esforços legislativos de um parlamentar
gaúcho, Joaquim Luiz Osório, que a par das repercussões sociais e econômicas que
o novo modelo de sociedade empresária – à época mercantil – vinha causando nos
países em que já se encontrava adotado, submeteu, em 1918, à Câmara dos
Deputados um projeto de lei que, sem modificações, resultou aprovado.
No entanto, em período anterior, registram-se outras duas tentativas, porém
baldas, de introdução de um modelo societário que contemplasse positivamente as
necessidades econômicas do país à época, favorecendo o estímulo à mercancia,
porém com eminente redução dos riscos quanto à responsabilidade dos sócios,.
Depois da fracassada tentativa do Conselheiro Nabuco de Araújo, em 1865, que
pretendeu introduzir no país um modelo de Sociedade Anônima simplificada,
inspirado na lei francesa de 1863, Herculano Inglez de Souza, em 1912, após ter
recebido do governo uma encomenda de revisão do Código Comercial vigente,
15 Dentre os seus trinta e seis artigos que regulamentam as Sociedades Limitadas, localizam-se alguns que passaram a disciplinar matérias outrora reservadas à subsidiariedade da Lei de Sociedades Anônimas, dentre as quais: conselho fiscal, forma de deliberações dos sócios, aumento e redução do capital, administração da sociedade por pessoa estranha ao quadro societário.
27
inspirado na lei portuguesa de 190116, inclinou-se à adoção da sociedade por cotas
incluindo-a em seu projeto.
Somente, então, após decorridos seis anos, o deputado Joaquim Luiz Osório
fez valer por completo o trabalho de Inglez de Souza, apresentando projeto de lei
que nada mais era do que a expressão idêntica do trabalho anteriormente produzido
por este último. O referido projeto, que não sofreu ínfima alteração quando foi
submetido à apreciação dos deputados, resultou aprovado, transmudando-se para a
condição de primeiro diploma regente das Sociedades Limitadas no Brasil.
(REQUIÃO, 1998).
Sendo que o capítulo deste estudo volta-se à abordagem acerca das
regências pretérita e contemporânea das Sociedades Limitadas, e por assim dizer
do regime jurídico atinente à figura do sócio, importa registrar que esse tipo
societário foi acolhido inicialmente pelo Decreto n.º 3.708 de 10 de janeiro de 1919,
recebendo, supletivamente, amparo da Lei das Sociedades Anônimas e dos artigos
300 a 302 do Código Comercial. A polêmica doutrinária levantada sobre a questão
relativa a esta aplicação suplementar da Lei das Sociedades Anônimas ou do
Código Comercial tem espaço reservado para exploração em item seguinte deste
trabalho.
É bem verdade que o Decreto n.º 3.708/1919, exatamente por se tratar de um
diploma legal bastante sintetizado quanto aos temas que pretendeu regular para um
tipo societário merecedor de cuidados não tão modestos, suscitou outras
controvérsias doutrinárias que, por sua vez, não terão espaço de avaliação e
registros neste trabalho, a fim de que se evite demasiada explanação acerca de
tópico que foge à verticalização proposta neste estudo. Desse estudo, além do que
já foi registrado a título conclusivo, acrescente-se nessa mesma linha conclusiva,
que a regência legislativa atinente à figura do sócio, como decorrência lógica,
acompanhou a da Sociedade Limitada, inclusive quanto à suplementaridade
referenciada.
Encerrada a exposição acerca das principais particularidades envolvendo a
normatização pretérita das Sociedades Limitadas, direciona-se agora a abordagem
para as particularidades de sua legislação vigente.
16 Portugal foi o primeiro país a adotar o modelo de Sociedade Limitada inspirado no modelo alemão
de 1892.
28
2.3.2 Normatização legal vigente
Após 11 de janeiro de 2003, data que denota a entrada em vigor do C.Civil de
2002, as Sociedades Limitadas empresárias passaram a ser regidas pelas normas
contidas neste diploma, mais especificamente em seus artigos 1.052 a 1.087. A
partir desse advento, que nas palavras de Teixeira (1987, p.2) encerra uma
“extraordinária sobrevivência do diploma de 1919”, toda a matéria relativa às
Sociedades Limitadas, desde sua constituição à sua dissolução, passou a ter como
regime disciplinar legal precípuo o Código Civil.
Em período anterior à vigência da mencionada lei, as matérias societárias
recebiam tratamento normativo do Código Comercial e de outras leis esparsas.
Essas matérias foram, em boa parte, incorporadas pela Lei n.º 10.406/2002.17 Dessa
incorporação excluiu-se tão somente a normatização relativa às Sociedades
Anônimas que, regida pela Lei n.º 6.404/1976, assim permaneceu.
A matéria relativa às Sociedades Limitadas foi abrigada no capítulo IV, título
II, do livro II do referido diploma, ofertando a este tipo societário um certo
ajustamento aos apelos doutrinários e jurisprudenciais, se aproximando mais das
exigências práticas das relações sociais, consoante apelos que se impunham no
decorrer do período de oitenta e três anos, compreendidos entre o antigo e o atual
diploma regente (CARVALHO, 2004). Ocorre que o anteprojeto elaborado pela
equipe de Miguel Reale prostrou-se no Congresso Nacional por não menos que 27
anos, fazendo-se valer somente em 2002, de tal forma que a nova regulamentação
das sociedades acabou por frustrar as expectativas da sociedade jurídica, vez que
suas omissões e elementos retrógrados não contemplaram o ajustes reclamados.
O Novo Código Civil Brasileiro foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio
prescindindo a reflexão e o debate prévio que reclamava. Não sem razão, críticas
ácidas têm atingido o novo diploma, dentre as quais se insere a de Vinícius José
Marques Gontijo, que assim pontuou a questão: “[...] o nosso legislador poderia ter
sido muito mais feliz ao elaborar as normas que regem as sociedades limitadas. A
17 A parte primeira do Código Comercial de 1850 e o Decreto n.º 3.708/19 foram integralmente revogados, permanecendo em pleno vigor a legislação esparsa que oferece tratamento específico a determinados institutos, verbi gratia, a que se refere aos títulos de crédito, razão pela qual entende-se que peca a alegação que atribui ao Código Civil de 2002 a revogação do Código Comercial ou, ainda pior, a de haver abarcado integralmente o Direito Comercial.
29
técnica adotada está longe de ser a desejada”. (GONTIJO, 2004, p.199).
Reiteradamente tais críticas pontuam que o legislador pátrio, ao elaborar o novo
Código Civil, nada mais fez do que reproduzir o Código Civil italiano, promovendo
ínfimos ajustes, ladeando assim toda a significativa evolução doutrinária e
jurisprudencial construída até aquele momento quanto às matérias societárias.
Sabe-se que as leis, ao ingressarem no sistema jurídico, não trazem soluções
prontas, a despeito da eficácia e efetividade que pretendem. Em função da dinâmica
dos fatos sociais, reclamam ser objeto de estudos sistematizados e contínuos
ajustes o que, por certo, não deixará de ocorrer com os dispositivos do Código Civil
que passaram a regular as Sociedades Limitadas, porquanto já chegam com uma
defasagem mais significativa do que habitualmente ocorre.
Chamando a campo uma analogia interessante, é de se observar que o
Decreto n.º 3.708/19, primeiro diploma legal regente das Sociedades Limitadas,
apresentou-se como uma reprodução da Lei de Sociedades por Cotas de
Responsabilidade Limitada adotada em Portugal. O Código Civil de 2002, por sua
vez, seguiu sistemática semelhante, uma vez que pareceu de melhor prática ao
legislador reproduzir, com algumas ressalvas, o diploma italiano da mesma espécie.
Percebe-se assim, no que concerne aos modelos referenciais e até mesmo
paradigmáticos para a elaboração dos códigos de 1916 e de 2002, que recebemos
primeiramente uma herança portuguesa para, em momento posterior, acolhermos
quase em sua integralidade, os preceitos do diploma civil italiano, o que implica em
dizer que assumimos novamente a condição de herdeiros de normas que, antes de
tudo, mereciam precedente reflexão e posteriores ajustes para satisfazer ao menos
as necessidades jurídicas tão bem dimensionadas na doutrina e na jurisprudência.
2.4 Competência suplementar: normas da sociedade simple s e lei de
sociedades anônimas
Como demonstrado, o eixo temático da suplementariedade normativa, de que
trata o artigo 18 do Decreto 3.708/1919, foi objeto de intensos debates doutrinários,
situação que também já desenha contornos semelhantes em relação à exegese da
30
norma contida no parágrafo único do artigo 1.053 do Código Civil de 200218,
situação essa que, diga-se, vem em sentido inverso à expectativa de Egberto
Lacerda Teixeira quando, em 1987, em seu estudo comparativo das Sociedades
Limitadas e Anônimas, ao comentar esta norma até então somente como posta no
projeto do C.Civil, vislumbrou-lhe atributos capazes de eliminar o conflito da
suplementariedade suscitado pelo diploma anterior.
Aprovado que fosse o Projeto de Código Civil (n.634/75) tal como se encontra no seio da Comissão Revisora do Congresso Nacional, o problema tomaria novo enfoque. É que o art. 1.090 do citado Projeto declara que “a sociedade limitada rege-se, nas omissões deste capítulo, pelas normas da sociedade simples”. Afastar-se-ia, assim a dúvida ora existente: o capítulo da lei sobre sociedades simples (civil) seria .supletivo do próprio capítulo das sociedades limitadas. (TEIXEIRA, 1987, p.3-4).
Em sentido oposto à mencionada expectativa, a norma disciplinadora da
regência suplementar das Sociedades Limitadas não eliminou o antigo embate
acerca da aplicabilidade do diploma de regência das Sociedades Anônimas, até
mesmo porque, cogita-se, é possível desconhecesse que tal norma, quando da
edição do C.Civil de 2002, fosse imediatamente seguida por outra que previsse
regência supletiva pela LSA.19
Antecedendo a exploração das particularidades atinentes à matéria, é didático
e de bom alvitre o exame do conteúdo semântico dos vocábulos supletividade e
subsidiariedade20, eis que reiteradamente utilizados pelos teóricos que serão
referenciados.
Sob o aspecto jurídico, lecionou Tavares Borba que a distinção entre
18 C.Civil de 1916, art.18: “Serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas”. C.Civil de 2002, art.1.053: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”. (BRASIL, 2002, p.189) 19 “Na interpretação desse parágrafo único têm ocorrido divergências: há os que entendem que as regras da sociedade anônima seriam supletivas também no caso de omissão de dispositivos das sociedades simples, e há os que entendem que o caso seria mesmo de se optar entre um e outro tipo societário para que a supletividade ocorra. De qualquer forma, parece que, em princípio, passarão a coexistir dois tipos de sociedade limitadas, as reguladas supletivamente pelas regras que disciplinam as sociedades simples e as reguladas supletivamente pela lei das sociedades anônimas, conforme for da escolha dos contratantes.” (CARVALHO, 2004, p.225-226). 20 Importa referenciar aqui que o Decreto n.º 3.708/1919, em nenhum de seus dispositivos, faz menção a qualquer dos dois vocábulos.
31
aplicação supletiva e aplicação subsidiária, reside em que esta, a subsidiária,
importa em suprimento das omissões apresentadas pela lei de regência (Código
Civil), ao passo que a aplicação supletiva invoca o suprimento das omissões
apresentadas pelo contrato social (BORBA, 2003).21
Atento à distinção dos termos, Gontijo (2004) informa que o legislador do
novo diploma regente das sociedades empresárias adotou posição explícita quanto
aos efeitos pretendidos, defendendo que o termo subsidiariedade senão expresso
literalmente, como ocorre no artigo 99622, se manifesta intencionalmente com
conteúdo semântico de complementaridade nos demais dispositivos onde o
vocábulo omissão se faz presente. O fundamento jurídico em que se lastreia essa
opinião está nas disposições textuais de alguns artigos do C.Civil de 200223, que
para o doutrinador se quedam suficientes para demonstrar a intenção do legislador
em atribuir o caráter de substituição24 ao utilizar o vocábulo supletiva, e o caráter de
complementaridade quando fez uso do vocábulo subsidiária. Este posicionamento,
obviamente, implica diretamente na questão concernente à regência das Sociedades
Limitadas, contrastando com outros posicionamentos doutrinários conforme será
demonstrado mais à frente.
Não se tomará parte aqui, por ora, na evidente distinção conceitual adotada
por Borba e Gontijo quanto ao conteúdo dos dois vocábulos e sua aplicação à
matéria, sendo que o objetivo de trazer a lume tais concepções reveste-se de
contribuição didática tendente a evidenciar o sentido pretendido pelas construções
teóricas que a seguir serão apresentadas, assim como outros aspectos que serão
abordados no seguimento do trabalho. Importa alertar então, que a utilização neste 21 O léxico Houaiss oferece ao vocábulo “subsidiário” o seguinte sentido: que ajuda, socorre, reforça, aumenta. E, quanto ao vocábulo “supletivo”, oferta a noção de algo que completa ou serve de suplemento e que, sendo de um paradigma diferente, é tomado para complementar um paradigma defectivo. (HOUAISS, 2004) 22 C.Civil/2002, art.996: “Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual.” (BRASIL, 2004, p.168). 23 Conforme mencionado pelo autor: arts. 996, 1.040, caput do art. 1.053, caput do art. 1.057 e art.1.089. 24 A posição de GONTIJO (2004, p.202), extraída do léxico Novo Aurélio, como informa, no sentido de atribuir ao termo “supletiva ou “supletório” a noção daquilo que “substitui” ou “que faz as vezes de algo” não se coaduna com os léxicos Houaiss (2004) e Larousse (1993), que tanto para estes termos, como para “subsidiário” invocam noção exclusiva daquilo que vem para completar, ou seja, de caráter acessório. Interessante, ainda quanto a isto, que este mesmo caráter exclusivo de complementaridade é o sentido atribuído aos dois termos pelo Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva (2008).
32
trabalho, de um ou outro vocábulo, mediante citações diretas ou indiretas, e de
maneira distinta, objetivou somente preservar a forma expressa pelos teóricos.
Partindo então para o exame da questão pontual deste item, que se refere à
supletividade normativa para as Sociedades Limitadas, em período que antecedeu o
atual Código Civil e o que a ele se refere, registre-se que dentre as correntes que
trataram do tema em relação ao antigo diploma, estava a de Waldemar Ferreira,
para quem “A lei de sociedades anônimas é destarte supletiva, não da lei de
sociedades por cotas, mas de seu contrato orgânico. Não supre a vontade do
legislador, mas a vontade dos contratantes da sociedade por cotas” (FERREIRA,
1991, p.461).
Desta forma, resultado de uma exegese literal do mencionado dispositivo, a
corrente capitaneada por Waldemar Ferreira entendia que o artigo 18 invocava
aplicação supletiva a incidir tão somente quando verificadas omissões no contrato
social e, ainda, somente onde coubesse, justificando a locução “na parte aplicável”.
Outra corrente defendia a aplicação subsidiária da Lei das Sociedades
Anônimas para abarcar outros aspectos além das omissões do contrato social.
Nessa linha de entendimento, porém com notas teóricas distintas, três são os
estudiosos que melhor fundamentaram a tese.
O primeiro deles, João Eunápio Borges, doutrinador com fortes inclinações ao
entendimento de que as Sociedades por Cotas de Responsabilidade Limitada
classificam-se como sociedades de capital, contribuiu para esta questão oferecendo
parecer de que a subsidiariedade a que se refere o artigo 18, do Decreto n.º
3.708/1919, deve ser entendida sob o aspecto de que, se manda o dispositivo legal
que se aplique a Lei de Sociedades Anônimas quanto às matérias não tratadas nos
contratos e estatutos, não deve ser de outro o entendimento com relação às
matérias não tratadas na Lei das Sociedades por Cotas de Responsabilidade. Essa
posição aponta para uma supletividade ampla da Lei de Sociedades Anônimas
(BORGES, 1967).
Egberto Lacerda Teixeira, a seu turno, entendia que a exegese do
mencionado artigo invocava a supletividade da LSA não somente às omissões do
contrato social, mas, sobretudo, à possibilidade de servir de fonte complementar à
Lei das Sociedades por Cotas naquilo em que esta se mostrasse faltosa no
tratamento de determinadas matérias, condicionando porém esta aplicabilidade ao
ajustamento a que se refere a “parte aplicável”, mencionado no dispositivo
33
(TEIXEIRA, 1987, p.3).25 Posição que, como se vê, invoca a noção de
subsidiariedade concebida por Tavares Borba (BORBA, 2003).
Entendimento semelhante é o de Carlos Fulgêncio, para quem a atenção aos
princípios inerentes às sociedades de pessoas, antes de qualquer intento em aplicar
a subsidiariedade da LSA, deve ser observada. Sua inferência decorre do
entendimento de que, havendo sido utilizada a expressão “na parte aplicável” pelo
dispositivo legal em análise, não há que se conceber aplicação subsidiária ampla da
LSA sem que se verifique, antes, evidente compatibilização entre os tipos societários
(PEIXOTO, 1958, p.9).26
Conforme se evidencia, o elemento comum ao entendimento desses três
autores, e que os coloca em posição diferenciada com relação ao de Waldemar
Ferreira é que, enquanto este entendia que a aplicação subsidiária da Lei de
Sociedades Anônimas à Sociedade por Cotas só seria possível para suprir a
ausência de matéria estatutária, aqueles se inclinavam ao entendimento de que a
supletividade mencionada no artigo 18 do Decreto n.º 3.708/19 atinge não só as
matérias que deixaram de ser tratadas nos estatutos sociais, mas também aquelas
ausentes no próprio Decreto.
Rubens Requião (1998), quanto ao tema, ofertou interpretação mais
complexa, defendendo que a aplicação supletiva das normas da LSA nas
Sociedades por Cotas de Responsabilidade Limitada deveria obedecer a uma certa
ordem. Essa ordem compreenderia primeiramente o exame do contrato social para
verificação de suas omissões e, existindo elas, a supletividade seria, em primeiro
tempo do Código Comercial, especificamente de sua parte em que trata das
sociedades comerciais. Após cumprida esta etapa, qual seja, a do aplicador do
direito ter recorrido à consulta do contrato social e depois ao Código Comercial, só
então caberia à LSA o oferecimento de subsídios legais para regular a Sociedade
por Cotas de Responsabilidade Limitada naquilo em que aqueles deixaram de suprir.
Percebe-se em Requião uma construção teórica que invoca determinadas 25 “Somos de parecer, que a lei das sociedades anônimas deve funcionar como fonte supletiva do contrato social, não apenas para complementar aquilo que foi insuficientemente tratado ou esboçado nele [...] mas, e principalmente, para preencher-lhe, de um lado a omissão verdadeira e total, e de outros, complementar, na parte aplicável, a lacuna da própria lei das sociedades por cotas”. (TEIXEIRA, 1987, p.3.). 26 “Para aplicação de algum dispositivo de lei das sociedade anônimas à sociedade por cotas, urge, inicialmente examinar, se a norma não se choca com os princípios da sociedade intuito personae. E, sempre que houver harmonia, deve-se suprir as lacunas do Decreto 3.708, com o disposto na Lei das S.A., porque assim o determina o art.18 do mesmo diploma legal”. (PEIXOTO, 1958, p.9).
34
etapas a serem cumpridas antes da aplicação da LSA, reputando como imprópria
sua aplicação imediata sem que antes se efetuassem empreendimentos de consulta
ao contrato social e, em seguida, ao Código Comercial. O elemento diferenciador do
seu entendimento em relação aos demais teóricos aqui referenciados diz respeito à
utilização prévia do Código Comercial no tocante à matéria das sociedades, para só
após se cogitar da utilização dos dispositivos da LSA. A seguir o entendimento do
mencionado autor por suas próprias letras:
Não vemos como possível, desde logo, de plano, aplicar-se supletivamente a Lei das Sociedades Anônimas, como se fosse subsidiária do Decreto de 1919. Isso significaria igualar a sociedade limitada à anônima, o que não condiz com nosso sistema legal. Sendo a lei das sociedades por cotas omissa, cabe às partes estabelecerem as normas que desejam imprimir-lhe, em cláusula contratual. Cumpre, pois, em primeiro lugar examinar o contrato, lei entre as partes. Sendo o contrato omisso, deve apelar-se para as regras gerais do Código Comercial, referentes à disciplina das sociedades comerciais. [...] Na ausência de dispositivo adequado no Código Comercial, só então deve lançar-se mão da Lei das Sociedades Anônimas por analogia, assim mesmo quando o dispositivo dessa for adequada ao tipo da sociedade de que se trata.” (REQUIÃO, 1998, p.407).
Conforme se mostrou, a diversidade de entendimentos doutrinários de
elevada expressão reclamavam certa atenção do aplicador do Direito no que tange à
exegese e aplicação da supletividade referida no artigo 18 do Decreto n.º 3.708/19.
A fim de fixar uma posição para este trabalho, em relação ao tema em pauta,
entende-se que a posição interpretativa do dispositivo referenciado adotada por
Egberto Lacerda Teixeira e Carlos Fulgêncio melhor se assemelham à pretensão do
legislador, qual seja, a de aplicação da LSA como subsidiária da Lei de Sociedades
Limitadas somente nas matérias que não estabeleçam choque entre a natureza de
uma e outra sociedade. Entendimento este que difere do de João Eunápio Borges
(1967), para quem a aplicação da supletividade deve ser integral e sem ressalvas. A
despeito deste pontual entendimento, registra-se que não deverá escapar à
observância do intérprete a averiguação do modelo de estrutura econômica
consignado no instrumento de constituição, a fim de que se tome em consideração,
outrossim, se a sociedade pretendeu constituir-se sob a forma de sociedade de
pessoas, de capital ou híbrida, neste último caso, reunindo aspectos de uma ou
outra (GONTIJO, 2004).27
27 Independentemente do conteúdo explicitado no contrato social, entendiam-na como de capital, em seu tempo, João Eunápio Borges e J.X. Carvalho de Mendonça e, como de pessoas, Waldemar
35
A supletividade, questão que, como se mostrou, gerou diversidade de
interpretações quando da vigência do Decreto n.º 3.708/1919, foi tratada de modo
distinto pelo novo diploma legal. Enquanto aquele decreto determinava que, “na
parte aplicável”28, a regência supletiva deveria ser a da LSA, o Código Civil de 2002,
no parágrafo único do artigo 1.05329, veio oferecer aos sócios a faculdade de
optarem entre a supletividade da Sociedade Simples ou da Sociedade Anônima,
devendo, neste último caso, trazer o contrato social previsão expressa, pelo que,
omisso quanto a isto, ter-se-á a aplicação supletiva das normas regentes das
Sociedade Simples.
De acordo com Tavares Borba, a aplicação subsidiária das normas das
Sociedades Simples contempla não só as Sociedades Limitadas. As normas de
cunho genérico desse tipo societário recepcionado pelo Código Civil de 2002
revestem-se de legitimidade para tratamento da “parte geral do direito societário”,
razão pela qual sua supletividade comporta aplicabilidade a qualquer tipo societário
tratado naquele diploma, incluindo-se as Sociedades Anônimas (BORBA, 2004,
p.105).
Para Borba não há dúvida de que nas omissões “de sua regulação específica,
aplicam-se à sociedade limitada as normas da sociedade simples” (BORBA, 2004,
p.105), tratando-se, no seu entender, de aplicação subsidiária. Parece em nada
haver se equivocado, haja vista que o caput do art.1.053 do C.Civil é categórico
quanto à fixação das normas regentes do tipo societário em pauta: aquelas cujo
conjunto, artigos 1.051 a 1.087, integraram no novo diploma um capítulo30
denominado “Da Sociedade Limitada”. Bem fixadas pelo legislador as normas
regentes da Sociedade Limitada, na segunda parte do dispositivo foi da mesma
forma preciso ao informar que a presença de omissões no bojo do conjunto
normativo referenciado invocaria a regência complementar das normas
Ferreira e Rubens Requião. Por seu turno, De Plácido e Silva e Fábio Ulhôa Coelho concebiam a classificação da sociedade por cotas como híbridas. (GONTIJO, 2004, p.196-197). 28 C.Civil/1916, art.18: “Serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas”. (BRASIL, 2002, p.189). 29 C.Civil de 2002, art.1.053: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”. (BRASIL, 2002, p.189). 30 Capítulo IV, do Título II (Da Sociedade), do Livro II (Direito de Empresa). (BRASIL, 2004, p.162).
36
regulamentadoras da sociedade simples, sem mencionar, no entanto, tratar-se de
regência supletiva ou subsidiária o que de fato em nada importa, haja vista o
conteúdo semântico dos vocábulos.
No entanto, ao comentar a supletividade referenciada no parágrafo único do
artigo 1.053, Tavares Borba defende que, ainda que invocada no contrato, a
aplicação supletiva da LSA “destina-se a suprir as omissões do contrato, incidindo
naquelas hipóteses a respeito das quais poderia dispor o contrato”, e atingirá
somente as “matérias que se encontram abertas à convenção das partes, limitando-
se, portanto ao que for compatível com a natureza e a condição da sociedade
limitada” (BORBA, 2004, p.106). Assim, percebe-se em Tavares Borba que o
aspecto teleológico incutido no parágrafo único do art.1.053 do C.Civil vigente é o de
limitar a aplicação supletiva da LSA às omissões do contrato social e somente em
matérias que são reservados a este instrumento, de modo a não afetar nenhuma
das disposições normativas regentes das Sociedades Limitadas.
A segurança com que Borba trata do tema sucintamente em seu Direito
Societário, porém, não reflete menor grau de conflito doutrinário. Ao contrário, sem o
nenhum sinal de retração dessa tendência, a matéria relativa à regência
complementar de normas disciplinadoras das Sociedades Limitadas, assim como se
verificou quando da vigência do antigo estatuto legal, permanece polêmica. Não
sendo o propósito deste trabalho examinar a fundo a questão, apenas algumas
teorias envolvendo o tema serão elencadas, a fim de justificar o posicionamento que
será adotado.
Jorge Lobo (2004), sem vincular a aplicação da regência supletiva à omissão
do contrato, como o fez Borba, com este concorda no sentido de que se o
instrumento constitutivo da Sociedade Limitada não prever o conjunto normativo que
responderá pela regência supletiva este será o das Sociedades Simples e, prevendo
ser a LSA, este será o diploma. Porém, observa Lobo que o parágrafo único do
artigo 1.053, não excepcionando o contido em seu caput, indica que a Sociedade
Limitada rege-se, nas omissões das normas a ela dedicadas em capítulo próprio do
C.Civil, pelas normas da Sociedade Simples, em qualquer situação, pelo que
deverão ser aplicadas antes das normas da LSA, mesmo havendo previsão
contratual dessa supletividade. Disse o doutrinador:
[...] na falta de normas cogentes que disciplinem a sociedade limitada,
37
aplicam-se as normas cogentes sobre as sociedades simples, conforme determinação expressa do caput, do art. 1.053, do Código Civil; na falta de normas cogentes das sociedades limitadas e das sociedades simples, o contrato social poderá prever a aplicação supletiva da LSA. (LOBO, 2004, p.59)
E arremata:
[...] o Código Civil, ao admitir a regência supletiva da LSA desde que prevista no contrato social da sociedade limitada, não excepcionou a regra do caput, do art.1.053, mas apenas pretendeu deixar patente a sua licitude e eficácia. (LOBO, 2004, p.60).
Acompanha essa linha de entendimento André Lemos Papini, para quem no
“sistema trazido pelo novo Código Civil, seria impossível a existência plena das
sociedades limitadas sem o suporte das regras da sociedade simples” (PAPINI,
2004, p.209). Entende este autor que as regras que integram a regulamentação das
Sociedades Simples são fundamentais para as Sociedades Limitadas, uma vez que
algumas dessas regras são ausentes tanto no capítulo que trata especificamente
deste tipo societário, como na LSA.
Outro detalhe de importância é que as matérias relativas à constituição e
dissolução das Sociedades Limitadas, no que for omisso o Código Civil, não
poderão receber tratamento da LSA, ainda que se faça previsão da subsidiariedade
no contrato social. Justifica-se tal proposição pelo fato de que as Sociedades
Anônimas, diversamente das Limitadas, adotam um regime de constituição e
dissolução fundados no sistema de classificação institucional, e não contratual.
Assim, devido ao tamanho antagonismo que se verifica entre as regras de
constituição e dissolução das Sociedades Anônimas com relação às Sociedades
Limitadas em face à classificação destas quanto a este tema – sendo a primeira
institucional e a segunda contratual –, não há como se considerar possível a
aplicação das normas de constituição e dissolução contidas na LSA, devendo-se
lançar mão apenas das normas contidas no Código Civil, ainda que este se mostre
deficiente no tratamento da matéria.
Em sentido absolutamente oposto, está a doutrina de Gontijo quanto à
matéria da supletividade a que se refere o parágrafo único do art.1.053 do C.Civil. O
autor oferta à LSA um espectro autonômico ímpar, ao dizer que “a sociedade
imitada, contratual e híbrida, poderá ter como regulamentação, conforme haja ou
não disposto no contrato social, a Lei de Sociedades Anônimas ou o Código Civil,
respectivamente” (GONTIJO, 2004, p.203). Defende que a eleição no contrato social
38
da regência supletiva pela LSA invoca ladear, num primeiro momento, a completa
aplicação do C.Civil, pelo que ficaria reservado a este diploma apenas
regulamentação suplementar, ou seja, para aquelas matérias que a LSA não tratou.
Fundamenta essa posição, sobretudo, na forma de utilização pelo legislador dos
vocábulos subsidiária e supletiva, defendendo, como exposto alhures, que este
último invoca a noção de substituição, sendo este o conteúdo semântico que
pretendeu o legislador atribuir ao verbete no parágrafo único do art.1.053 do C.Civil.
Sob o prisma do contexto exclusivamente legal e linguístico, adota-se o
seguinte posicionamento: primeiramente, a utilização dos vocábulos subsidiária ou
supletiva, não foi em tempo algum utilizada pelo legislador com objetivo de imprimir-
lhes conteúdo semântico distinto, senão o de invocar o aspecto de
complementaridade. Tanto que não há nas disposições do C.Civil que tratam das
Sociedades Limitadas nenhum registro dos vocábulos subsidiária ou subsidiário, o
mesmo ocorrendo em relação às normas regentes das Sociedades Simples. Assim,
parecem infrutíferas as formulações que tomam tais vocábulos como referência para
retratar a questão da regência suplementar das Sociedades Limitadas.
No entanto, se adotada a teoria de Tavares Borba para delinear posição
acerca da regência suplementar a que se refere o parágrafo único o art.1.053 do
C.Civil, esta é a proposição: determinada matéria, mostrando-se faltosa de
tratamento no Código Civil na parte que trata das Sociedades Limitadas, e referindo-
se a questões que se encontram “abertas à convenção das partes, [...] compatível
com a natureza e a condição da sociedade limitada” (BORBA , 2004, p.106),
teremos antes uma aplicação da supletividade, pois, precedendo o recurso aos
dispositivos normativos constantes na Lei de Sociedades Anônimas ou na de
Sociedades Simples, será o contrato social o instrumento utilizado para a supressão
da omissão da lei. Entende-se, em acompanhamento a Rubens Requião, que a
vontade dos sócios, expressa nas cláusulas do contrato social, mostra-se
ensejadora de consulta prévia antes que se recorra a qualquer outra disposição,
razão pela qual deverá o interessado na situação fática observar primeiramente o
contrato social para dele extrair-se a carência apresentada pelos dispositivos legais
do Código Civil que tratam das Sociedades Limitadas.
Não atendendo o contrato social à necessidade que se impôs, porque
também deixou de tratar a matéria por omissão ou porque dela não poderia tratar, aí
sim ter-se-á a aplicação subsidiária que implica na utilização de outros dispositivos
39
legais para suprimir a omissão da lei, e não do contrato.
Nessa mesma linha de entendimento vem a contribuição de Fábio Ulhoa
Coelho que assim se expressa:
A aplicação às sociedades limitadas da Lei das Sociedades Anônimas, nos assuntos não regulados pelo capítulo próprio do Código Civil e quando prevista pelo contrato social, está sujeita a duas condições: omissão do contrato social e contratualidade da matéria. [...] Se o tema não é tratado no contrato social – e não poderia ser tratado mesmo –, então a legislação das sociedades anônimas é inaplicável às limitadas. (COELHO, 2002, p.365-366).
Para esses dois autores há um entendimento comum: que a aplicação das
disposições da LSA às Sociedades Limitadas quando desejarem expressamente os
sócios, só será possível às matérias de natureza contratual, compatíveis com “a
natureza e a condição da sociedade limitada” (BORBA , 2004, p.106), devendo ser
rejeitado o intento de se fazer uso dessa supletividade para tratar “de aspectos
sobre os quais os sócios contrataram e naqueles sobre os quais não podem
contratar” (COELHO, 2002, p.365).
Nesse passo, é de se inferir que, quanto aos procedimentos de integração
normativa, desejando os sócios que as omissões de tratamento do Código Civil
sejam supridas mediante a aplicação subsidiária da LSA, só poderão fazê-lo se a
matéria sujeita à referida aplicação: a) comportar esta possibilidade: b) estiver dentre
aquelas que esses sócios tem liberdade de contratar; e c) não estiver dentre as que
escapam ao âmbito de suas negociações.
Ultrapassada a questão, passa-se então ao tratamento das implicâncias
relativas à escolha efetuada pelos sócios no contrato social, quanto aos dispositivos
normativos que servirão de referência supletiva para suprir as omissões do Código
Civil e do contrato social das Sociedades Limitadas.
Considerando que a lição de Tavares Borba, quanto à diferença entre
aplicação subsidiária e aplicação supletiva, serviu com exclusividade para
dimensionar exemplificativamente a posição adotada neste trabalho no que toca à
regência suplementar das Sociedades Limitadas, notadamente em relação ao
conteúdo do parágrafo único do artigo 1.053 do C.Civil, esta distinção terminológica
será abandonada nos escritos que se seguirão, para dar lugar ao verbete
suplementar que, entende-se, reflete também o caráter de complementaridade
normativa pretendida pelo legislador.
40
2.4.1 Regência suplementar pelas normas da sociedade simples
A ausência de manifestação expressa no contrato social acerca da regência
normativa suplementar implicará na aplicação dos dispositivos das Sociedades
Simples para suprir as omissões verificadas no capítulo próprio reservado pelo
Código Civil às Sociedades Limitadas e às verificadas no contrato social. Neste
caso, tendo-se como disciplina suplementar as normas referentes às Sociedades
Simples, os sócios, objetivando suprir as omissões da lei no capítulo específico
regente das Sociedades Limitadas, deverão observar as normas contidas nos artigos
997 a 1.03231, estes da Sociedade Simples, sendo tais dispositivos considerados o
“arcabouço escolhido pelo legislador” (REQUIÃO , 2003, p.464) para tratar do perfil
das sociedades de pessoas.
2.4.2 Regência suplementar pelas normas da sociedade anônima
De outra forma, desejando os sócios o estabelecimento da regência
suplementar pelas normas da Sociedade Anônima, deverão ser respeitados dois
pressupostos: primeiramente, que o contrato social faça previsão acerca da escolha
dos sócios quanto a esta supletividade; em segundo lugar, que o contrato social se
apresente omisso no tratamento da matéria que será submetida à regência da LSA,
e; que a matéria tenha natureza contratual, ou seja, que esteja desvinculada da
obrigatoriedade à aplicação do Código Civil, sendo conferido aos sócios o poder de
sobre ela deliberarem.
Respeitada a observância a esses pressupostos, não haverá nenhum óbice à
aplicação suplementar dos dispositivos da LSA às matérias não reguladas pelos
dispositivos que tratam das Sociedades Limitadas.
31 A bem da verdade, o tratamento legal acerca das Sociedades Simples se estende até o artigo 1.038 do Código Civil. Ocorre que as normas contidas nos artigos 1.033 a 1.038, por tratarem da dissolução das sociedades, devem, necessariamente, serem aplicadas na Sociedade Limitada independendo da opção quanto à supletividade escolhida pelos sócios – quer da Sociedade Anônima ou da Simples. Assim, é de se identificar no artigo 1.032 o limite de observância dos sócios que por ela optaram.
41
Do conjunto de inferências até aqui obtidas, extrai-se que o regime jurídico
atinente à figura, aos interesses, obrigações e responsabilização dos sócios das
Sociedades Limitadas, será aquele disposto nas normas que traduzem tratamento
específico a este modelo societário, assim como as normas do contrato social e das
Sociedades Simples, e, ocasionalmente, as normas das Sociedades Anônimas,
observando-se sempre a particularidade temática que se pretende abarcar.
2.5 Os sócios e suas deliberações
De acordo com os apontamentos delineados nos primeiros escritos deste
capítulo, denominam-se sócios das Sociedades Limitadas aqui referidas aquelas
pessoas físicas que, em função de um objetivo comum, que é a atividade
empresarial, reúnem empreendimentos de capital a fim de constituir o patrimônio
dessa sociedade e, por assim dizer, trazer à existência fática um ente denominado
pessoa jurídica (BORGES, 1959).
O capital social é a expressão patrimonial das sociedades empresárias, e
Ascarelli a ele se referindo, afirmou que “a garantia dos credores está afinal no
patrimônio social”, constituído como “um dado estatutário que à sociedade é livre
fixar, como entender oportuno” (ASCARELLI, 1947, p.152-153). Dentre outros
desejos expressos no contrato social pelos sócios, está o de disponibilizar recursos
para a formação do capital social, sendo que essa disponibilização poderá invocar
formatações distintas. Poderá, de acordo com a vontade de cada participante,
ocorrer em quantidade mais, ou menos, expressiva.
É então de se dizer que as constituições da sociedade e do capital social se
manifestam como deliberações preliminares dos sócios. A primeira reflete o
interesse de reunirem-se com o fim de atingir um objetivo comum que, no mais das
vezes, é o lucro. A segunda, constituição do capital social, apresenta-se como a
mais relevante das deliberações, pois será o que de fato possibilitará, inicialmente, a
persecução do seu objetivo social e, por assim dizer, a existência da Sociedade
Limitada.
No rol de deliberações dos sócios, encontram-se duas categorias: as
deliberações informais e as deliberações formais. As primeiras compreendem as
42
deliberações que tratam de assuntos que dispensam o encontro dos sócios, não
exigindo a adoção de certas formalidades legais. A exemplo, tenha-se as
deliberações que tratam da contratação ou dispensa de um empregado. As
deliberações formais, por sua vez, são aquelas que, por tratarem de assuntos de
maior interesse da sociedade limitada, revestem-se de certas formalidades legais
que, se não respeitadas, sujeitam sua eficácia e validade ao insucesso.
Por se tratarem de deliberações que podem importar em alterações
significativas nos direitos dos sócios ou de terceiros, podendo delas advir
expressivos efeitos internos e externos à sociedade, estas últimas precisam revestir-
se de certa formalidade a fim de que se possa, sobre elas, viabilizar a incidência de
mecanismos de controle de interesse dos próprios sócios, da sociedade e também
de terceiros.
Em se tratando de Sociedades Limitadas empresárias, as formalidades
procedimentais deliberativas ocorrem inicialmente a partir de dois conclaves, cuja
escolha foi deixada pelo legislador ao alvedrio dos sócios: a assembléia de sócios e
a reunião de sócios32. Cada qual se traduz em evento que promove o encontro de
significante parcela ou totalidade dos sócios para deliberarem em colegiado os
assuntos de interesse da sociedade. A assembléia de sócios e a reunião de sócios,
assim postas, invocam para si a noção de “órgão corporativo supremo da sociedade
limitada” (LOBO, 2004, p.284).
2.5.1 Deliberações via assembléia de sócios
A Sociedade Limitada, cuja composição do quadro societário for superior a
dez sócios deverá, necessariamente, instalar a assembléia de sócios como foro
legítimo para tratar das deliberações sociais. É o que se extrai da norma contida no
parágrafo 1º, do artigo 1.072 do Código Civil. (BRASIL, 2004).
As matérias sujeitas, necessariamente, à deliberação dos sócios via
32 C.Civil/2002, art.1.072: “As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art.1.010, serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato. §1º A deliberação em assembléia será obrigatória se o número dos sócios for superior a 10 (dez).” (BRASIL, 2004, p.182).
43
realização de assembléia são: 1.matérias indicadas no contrato; 2.aprovação das
contas da administração; 3.designação dos administradores, quando feita em ato
separado; 4.destituição dos administradores; 5. quando não tratado no contrato, o
modo de remuneração dos administradores; 6 modificação no contrato social;
7.incorporação, fusão, e dissolução da sociedade; 8.cessação do estado de
liquidação; 9.nomeação e destituição dos liquidantes, bem como o julgamento de
suas contas; 10.pedido de recuperação judicial33; 11.eleição do conselho fiscal e
remuneração dos seus membros34.
Desta forma, por imposição legal, se verificada na composição societária um
número superior a dez sócios, as matérias acima elencadas deverão ser objeto de
deliberação somente mediante a realização de assembléia que, por sua vez, deverá
revestir-se das formalidades legais35. De outra forma, quando o número de
componentes do quadro social não ultrapassar o número de dez, poderão os sócios
dispor no contrato social que as deliberações acerca das matérias elencadas nos
artigos 1.066, 1.068, 1.071 do C.Civil, assim como outras de seu interesse, serão
tomadas mediante reunião de sócios e não em assembléia. Assim, a despeito de a
sociedade possuir um número inferior a onze sócios, de acordo com o disposto no
parágrafo 1º do artigo 1.072 infere-se que é indispensável a manifestação no
contrato social acerca da preferência dos sócios sobre o expediente a ser adotado.
De outra forma, em se verificando omissão quanto a esta matéria, as deliberações
terão de ser tomadas necessariamente em assembléia que, por sua vez, comporta
um formalismo composto por mais elementos, sendo pois, mais rigoroso.
Quanto à periodicidade de realização das assembléias de sócios, o artigo
1.078 impõe que o conclave ocorra “ao menos uma vez por ano”, devendo realizar-
se em período que não ultrapasse quatro meses do término do exercício social. De
acordo também com este dispositivo, deverão, necessariamente, constar na ordem
do dia os seguintes assuntos: contas dos administradores, balanço patrimonial e de
resultado econômico, designação de administrador quando assim for necessária. O
tema relativo à tomada de contas dos administradores, o da deliberação sobre o
33 Matérias elencadas no artigo 1.071 do C.Civil de 2002. (BRASIL, 2004, p.182). 34 Matérias elencadas nos artigos 1.066 e 1.068 do C.Civil de 2002. (BRASIL, 2004, p.180-181). 35 Que, em relação à convocação, instalação e funcionamento obedecerá o disposto nos artigos 1.073 a 1.075, e parágrafos 1º e 2º do art.1.078 do C.Civil. Já quanto ao quorum de deliberações, reclamam observância os arts.1.061 e 1.076 do mesmo diploma. (BRASIL, 2004, p.183-184).
44
balanço patrimonial e o de resultado econômico, assim como o da eleição do
conselho fiscal se os sócios assim deliberarem pela necessidade desse órgão, e a
remuneração dos membros do conselho fiscal36, tratam-se de temas que não podem
deixar de constar na ordem do dia da assembléia ordinária anual, porquanto a
norma é impositiva neste sentido. Quanto aos demais temas referidos nos incisos II
e III do artigo 1.078 do C.Civil, assim como o relativo à eleição do conselho fiscal, a
sua conveniência é que ditará por sua indispensabilidade ou não.
Modesto Carvalhosa registrou que mesmo as reuniões de sócios devem ser
realizadas, no mínimo, anualmente, por entender que as matérias relativas às contas
e administrações financeiras são de interesse “não apenas aos sócios, mas
sobretudo dos credores e do Poder Público” (CARVALHOSA, 2003, p.193).
A convocação das assembléias se expressa como obrigação dos
administradores, uma competência que Carvalhosa denominou de “principal”37
(1998, p.536). No entanto, verificando-se inércia dos administradores por período
superior a sessenta dias no que tange à convocação de assembléia com previsão
legal ou contratual, poderá qualquer sócio expedir o ato convocatório. Outra situação
que confere aos sócios não administradores legitimidade para a convocação de
assembléia, é a que se refere também à inércia do administrador em promover a
convocação quando decorridos oito dias da entrega do pedido de realização da
mesma, efetuado pelo sócio ou pelos sócios detentores de mais de 20% do capital
social. Por último, ocorrendo de os administradores não convocarem assembléia
nos 30 dias seguintes aos quatro meses seguintes ao do exercício social, tem o
conselho fiscal legitimidade para fazer a convocação.38
As demais formalidades, como a que se refere ao modo de convocação das
assembléias, assim como ao quorum de instalação e votação nas assembléias
encontram-se referenciadas, como já registrado, nos artigos 1.073 a 1.075, 1.078,
1.061 e 1.076 do C.Civil, respectivamente, e, como esta matéria refoge ao eixo
temático central deste trabalho, não será tratada com especificidade. Tais
formalidades, no entanto, serão melhor apreciadas em outro capítulo deste estudo 36 C.Civil/2002, art.1.068. “A remuneração dos membros do conselho fiscal será fixada, anualmente, pela assembléia dos sócios que os eleger”. (BRASIL, 2004, p.181). 37 Competência essa que contrasta com a substitutiva atribuída ao conselho fiscal, e com a subsidiária, delegada aos sócios. (LOBO, 2004, p.302). 38 Ex vi do artigo 1.073 do C.Civil. (BRASIL, 2004, p.183).
45
quando se referirem aos procedimentos necessários à deliberação para designação
de administrador não sócio.
A seu turno o tema invoca apenas o registro de que para ostentarem eficácia,
devem as decisões assembleares revestirem-se das formalidades legais e
contratuais. Sendo dessa forma, as deliberações dos sócios ocorridas em
assembléia estarão aptas a produzir todos os efeitos jurídicos a elas inerentes. Ao
revés, desatendidas as formalidades legais e contratuais, as deliberações
assembleares invocam pelo menos dois efeitos jurídicos negativos: a) a nulidade ou
a anulabilidade das deliberações;39 b) a responsabilização ilimitada daqueles que
aprovaram deliberadamente as matérias capazes de ensejar prejuízos.40
2.5.2 Deliberações via reunião de sócios
O artigo 1.072 do Código Civil preceitua que as deliberações dos sócios
poderão ser tomadas em assembléia ou em reunião de sócios. A reunião de sócios é
a outra das duas vias legítimas para os sócios deliberarem acerca de assuntos de
maior envergadura para a sociedade, em especial aqueles tratados no artigo 1.071
do C.Civil de 2002. (BRASIL, 2004).
Para que os sócios possam fazer uso da reunião de sócios em detrimento do
uso das assembléias, dois são os pressupostos. O primeiro, como já dito, refere-se à
composição do quadro societário, eis que se composto por número superior a dez
sócios impõe a lei a assembléia como foro. O segundo pressuposto refere-se à
necessidade de se fazer constar no contrato social a manifestação volitiva dos
sócios de que suas deliberações sejam tratadas via reunião de sócios. A omissão
quanto a este aspecto, e possuindo a sociedade quadro societário composto com
número inferior a onze sócios, resultará automaticamente na adoção da reunião de
sócios como foro de deliberações. Assim, nesse caso, há de vir expresso no contrato 39 Registra Matiello (2008, p.311) a distinção entre os institutos da nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos: “A nulidade decorre da inobservância de preceitos de ordem pública, cuja tutela se faz necessária à paz social e à segurança das relações jurídicas. [...] O mesmo não acontece com os anuláveis, em que marcantemente predomina o interesse particular, sendo certo que a sua relevância para a coletividade afigura-se apenas secundária.” 40 C.Civil/2002, art.1.080: “As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram”. (BRASIL, 2004, p.184).
46
social o desejo dos sócios de fazerem uso da assembléia como foro deliberativo
(LUCENA, 2003).
Outro detalhe de significância estratégica e que se mostra recomendável, é
que o contrato social disponha também acerca das regras a serem aplicadas nesse
expediente. Tal inferência encontra fundamento na regra inscrita no parágrafo 6º do
artigo 1.072, replicada no artigo 1.079: “Aplica-se às reuniões dos sócios, nos casos
omissos no contrato, o disposto na presente Seção sobre a assembléia” (BRASIL,
2004, p.184). Com efeito, se o contrato social não dispuser acerca das regras
próprias a serem aplicadas às reuniões de sócios – como, por exemplo, sua
periodicidade, competência e modo de convocação, quorum de instalação e outros –
, as formalidades que deverão ser adotadas serão aquelas atinentes à assembléia
(LUCENA, 2003).
A lei possibilitou aos sócios escolherem sobre a adoção do instrumento de
deliberação quando a sociedade não for composta por número superior a dez
sócios. Concedeu-lhes, outrossim, a possibilidade de deliberarem acerca das
formalidades e regras a serem adotadas quando optarem pela reunião dos sócios. A
omissão total ou parcial dos aspectos formais dessa reunião no contrato social
implicará na aplicação supletiva das formalidades e regras relativas às assembléias.
E essa prerrogativa legal dos sócios, de determinar as regras a serem
aplicadas quanto à realização da reunião, oferece-lhes ampla seara de deliberações
acerca do tema. Ressalvando-se a necessária apresentação para registro da ata ou
de outro documento que informe as deliberações dos sócios na Junta Comercial,
poderão adotar critério bastante diversificados aos das assembléias, inclusive
eliminando alguns procedimentos como a convocação da reunião via publicação nos
diários oficiais e jornais de grande circulação.
Por fim, tenha-se que, não diferente do que ocorre com as assembléias, a
reunião de sócios poderá ser substituída por documento que contenha a matéria que
seria objeto de deliberação no conclave. A presença deste documento deliberativo,
que por sua vez só se legitima com a firma de todos os sócios consentindo a
deliberação nele constante, supre a realização da reunião de sócios.41
Com relação ao registro deste documento na Junta Comercial tenha-se o
seguinte: se o tema nele tratado integrar aqueles constantes no artigo 1.071 do
41 C.Civil, art.1.072, §3º: “A reunião ou assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas”. (BRASIL, 2004, p. 182)
47
C.Civil, haja vista sua expressiva significância para a sociedade ou para terceiros, o
registro torna-se indispensável.42
2.5.3 Outro pressuposto: quorum de deliberação
Conforme visto até aqui, os pressupostos que antecedem as deliberações
mais significativas para a Sociedade Limitada, assim como para terceiros a ela
vinculados direta ou indiretamente, são a convocação e realização da assembléia ou
reunião dos sócios. Para a instalação da assembléia deve ser respeitado o quorum
mínimo de participantes, devendo ser de ¾ do capital social na primeira convocação
e de qualquer número para a segunda. No que se refere à reunião dos sócios, o
quorum de instalação será aquele determinado pelo contrato social ou o mesmo das
assembléias quando este se mostrar omisso no tratamento da matéria. Trata-se do
quorum de instalação, instituto distinto do quorum de deliberação. O primeiro tem por
desiderato a reunião de um número mínimo de sócios para a realização da
assembléia ou da reunião de sócios; o segundo, por sua vez, a despeito de reclamar
também a presença de um número mínimo de sócios, objetiva a legitimação das
deliberações. Assim, tem-se como objetivo da existência do quorum da instalação a
realização da assembléia ou da reunião de sócios, ao passo que o quorum de
deliberação objetiva legitimar juridicamente os efeitos pretendidos pelos sócios nas
deliberações.
A chegada do C.Civil de 2002 trouxe uma certa complexidade à matéria que
envolve o quorum de deliberação, ofertando tratamento legal diferenciado para cada
matéria. Conforme já apontado, de maior interesse para este estudo é o registro
exclusivo dos quoruns que envolvam a figura dos administradores, sócios ou não,
haja vista sua relação com o eixo temático deste estudo.
Para que os sócios possam deliberar acerca da designação de administrador
42 Outro, porém, é o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho (2002), para quem o instrumento deliberativo supre a realização e o registro da reunião. Tal inferência não deve prosperar, posto que, primeiramente, a lei não trata deste aspecto ao fazer menção à possibilidade de substituição da reunião de sócios pelo documento deliberativo e, em segundo tempo, porque se mostra óbvia e hialina a importância de se endereçar a terceiros certas deliberações dos sócios, razão pela qual não se pode prescindir de efetuar o registro dessas deliberações no órgão que abriga as particularidades inerentes a cada sociedade empresária.
48
não sócio quando o capital social ainda não estiver totalmente integralizado far-se-á
necessária a deliberação unânime dos sócios.43
Já quando a matéria objeto da deliberação dos sócios for a destituição de
sócio nomeado administrador no contrato social44, ou a designação de administrador
não sócio quando o capital da sociedade estiver integralizado em sua totalidade45, o
quorum de deliberação deverá ser de 2/3 do capital social.
Será de mais da metade do capital social – maioria absoluta – o quorum de
deliberação que vise tratar das seguintes matérias: designação de administrador em
ato separado, destituição de administrador que não seja sócio, e remuneração dos
administradores.46
Por último, deverá o quorum de deliberação ser de maioria simples –
presença à reunião ou assembléia de mais da metade dos sócios – quando as
matérias objeto das deliberações sejam atinentes à aprovação das contas dos
administradores.47
Esse quadro normativo evidencia o cuidado do legislador em atribuir ao sócio
que ofereceu maior contribuição à formação do capital social poder mais elevado de
direcionamento aos negócios da sociedade. Nesse contexto, a participação dos
sócios nas deliberações passa a ser diretamente proporcional às contribuições que
efetuaram ao capital social.
Outro detalhe interessante é que, optando os sócios que as deliberações
ocorram via reunião dos sócios, as formalidades dessa reunião deverão, no mais
43 Art. 1.061 do Código Civil Brasileiro: “Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, quando o capital não estiver integralizado (...)”. (BRASIL, 2004, p.179). 44 Parágrafo 1º, artigo 1.063, do Código Civil Brasileiro: “Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a 2/3 (dois terços) do capital social, salvo disposição contratual diversa”. (BRASIL, 2004, p.180). 45 Artigo 1.061 do Código Civil Brasileiro: “Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, quando o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização”. (BRASIL, 2004, p.179). 46 Artigo 1.076, inciso II, do Código Civil Brasileiro: “Ressalvado o disposto no artigo 1.061 e no § 1º do art. 1.063, as deliberações dos sócios serão tomadas: (...) ; II – pelos votos correspondentes a mais de ½ (metade) do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV e VIII do art. 1.071”. (BRASIL, 2004, p.184). 47 Artigo 1.076, inciso III, do Código Civil Brasileiro: “Ressalvado o disposto no artigo 1.061 e no § 1º do art. 1.063, as deliberações dos sócios serão tomadas: (...) ; III – pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada”. (BRASIL, 2004, p.184).
49
das vezes, respeitar o quorum de deliberação estatuído em lei, o que implica dizer
que a prerrogativa concebida em lei aos sócios de tratarem no contrato social as
regras e formalidades acerca da reunião dos sócios, não se espraia a tal ponto de
atingir também o quorum deliberativo, por se encontrar já definido nos dispositivos
legais supra mencionados. No entanto, a lei de regência das Sociedades Limitadas,
vale dizer, o C.Civil de 2002, enumera duas possibilidades de fixação do quorum de
deliberação distinto do tratado em lei.
A primeira refere-se à possibilidade de os sócios ajustarem em cláusula
contratual que o quorum de deliberação poderá ser maior ou menor que os 2/3 do
capital social a que faz menção o parágrafo 1º do artigo 1.063, quando se refere à
destituição de sócio nomeado administrador no contrato. A segunda possibilidade de
fixação do quorum de deliberação distinto do que pede a lei, é a que se refere à
norma contida no inciso III do artigo 1.076. Este dispositivo concede aos sócios a
possibilidade de ajustarem quorum deliberativo maior do que o designado pela lei,
quando a matéria estiver sujeita à aprovação por maioria simples.
Excluídas essas duas hipóteses, deverão os sócios respeitar o quorum
deliberativo estipulado em lei, sob pena de não o fazendo, ver-se frustrada a
deliberação pela sua anulabilidade, deixando assim, de produzir os efeitos jurídicos
por eles desejados. Pode essa ocorrência resultar, inclusive, em responsabilização
ilimitada dos que positivamente deliberarem matéria que sirva de causa para
qualquer forma de prejuízo, à sociedade ou a terceiros.
2.6 Classificação dos tipos de sócios
A taxonomia, em qualquer seara que se apresente, invoca um processo
subjetivo, concentrado na reunião de característicos comuns e ao mesmo tempo
opostos do objeto a ser classificado. No âmbito jurídico o processo de classificação
dos seus institutos e instituições não é diferente, razão pela qual se trará a lume
neste estudo apenas cinco categorias de sócios reconhecidamente incontroversas
para os teóricos desta ciência.
50
Sem desprezar a validade de outras classificações possíveis48, no âmbito do
direito societário os sócios, enquanto pessoas naturais ou jurídicas que se associam
com objetivos comuns para auferir resultados também comuns, podem ser
classificados na seguinte formatação: 1. sócio acionista e sócio cotista; 2. sócio
majoritário e sócio minoritário; 3. sócio administrador e sócio não administrador;
4.sócio com responsabilidade limitada e sócio com responsabilidade ilimitada; 5.
sócio remisso; 6. sócio dissidente e sócio retirante; 7.Sócio pessoa jurídica.
Conforme De Plácido e Silva, sócio acionista “é a designação atribuída à
pessoa portadora, ou proprietária de ações de uma companhia ou de uma sociedade
em comandita por ações” (SILVA, 2008, p.1.322). Nas sociedades por ações
comumente recebem a denominação de acionistas. O sócio cotista, por sua vez é a
denominação atribuída ao sócio de sociedades limitadas.
Designa-se a expressão sócio majoritário para referenciar a pessoa, natural
ou jurídica, detentora da maior parte do capital social da sociedade e, ao revés,
minoritário, aquele que não detém essa condição, sendo uma e outra classificação
importantes quanto às deliberações assembleares, eis que os votos de tais
deliberações obedecem a contagem considerando proporcionalmente o valor
agregado por cada sócio ao patrimônio social.
Por seu turno, os sócios administrador e não administrador, invocam o
elemento administração da sociedade. O sócio administrador será aquele designado
pelos demais integrantes do quadro societário para o exercício dos “poderes de
gestão e representação” (ABRÃO, 1995, p.68-69) da sociedade, direcionando-a à
consecução do seu desiderato. O sócio não administrador é aquele integrante do
quadro societário que não recebeu poderes de gestão e tampouco de representação
da sociedade, restando-lhe, porém quanto a estas atividades o poder de fiscalização
que, conforme registra Nelson Abrão, pode se dar “de maneira esporádica e informal
ou de maneira organizada” (ABRÃO, 1995, p.123).
A responsabilidade assumida pelos sócios ou a eles atribuída perante as
obrigações sociais será o elemento caracterizador das figuras do sócio de
responsabilidade limitada e de responsabilidade ilimitada. No primeiro caso o sócio
tem sua responsabilidade limitada à integralização do capital social subscrito. É o
48 Verbi gratia, sócio capitalista, comanditado, comanditário, excluído, falecido, liquidante, oculto, ostensivo, remanescente, solidário substituto (SILVA, 2008, p.1.322-1.324); sócio menor, sócio cônjuge (BORBA, 2004 p. 42 e 46). Sócio falido.
51
caso dos sócios cotistas e dos sócios acionistas. Como regra, integralizado o capital
social, não respondem pelas obrigações sociais. Como exceção, respondem pelas
dívidas sociais quando identificada a prática de atos contrários ao estatuto social ou
à lei. Verificada a insuficiência de fundos sociais para satisfazer os credores, os
acionistas das Companhias podem ser chamados a integralizar o valor prometido na
aquisição das ações e nada mais. Os sócios cotistas das sociedade limitadas, por
sua vez, na mesma situação fática, podem ser chamados para integralizar o valor
relativo não só às suas cotas sociais, mas também em relação às dos outros sócios.
Eis aí o limite objetivo de sua responsabilidade: a capitalização do patrimônio social.
(GONTIJO, 2004, p.191).
Sócio remisso é a denominação atribuída ao sócio inadimplente em relação à
prestação obrigacional assumida de integralizar o valor de cota social adquirida.
Essa condição, a de sócio remisso, viabiliza, de per se, sua exclusão do quadro
societário. (SILVA, 2008, p.1.323).
Nas orientações de De Plácido e Silva dissidente “é o sócio que não concorda
ou não aprova uma deliberação tomada pela maioria dos sócios” (SILVA, 2008,
p.1.322) nos conclaves que reclamam deliberações por maioria de votos. Retirante,
a seu tempo, é vocábulo que pretende designar a figura do sócio que, sua exclusão
do quadro societário se processe através de manifestação volitiva própria.
Há, outrossim, o sócio pessoa jurídica, como tal aquele cujo nascimento se
inicia com o registro do seu ato constitutivo no órgão, e que posteriormente passa a
integrar o quadro societário de outra sociedade juntamente com outras pessoas
naturais ou mesmo exclusivamente jurídicas. Este formato societário não é possível,
porém, nas sociedades em conta de participação e sociedades em nome coletivo,
haja vista que de acordo com o art.1.039 do C.Civil, tais sociedades somente
poderão ter o seu quadro societário composto por pessoas naturais. (BORBA, 2004,
p. 48).
Como registrado de início, não são poucas as classificações cabíveis à figura
do sócio. Porém restringiu-se neste trabalho às apresentadas primeiramente em
razão de sua possível conexão com o eixo temático do estudo proposto, e, em
segundo tempo, em face da incontrovérsia doutrinária que paira sobre os tipos
mencionados.
52
3 A FIGURA DO ADMINISTRADOR NAS SOCIEDADES LIMITADA S
Alberto Xavier, secundando os ensinamentos de Francesco Corsi sobre um
conceito genérico de administração, define-a materialmente como o “conjunto de
atos tendentes à realização do objeto social” (XAVIER, 1979, p.20). Sabendo-se que
a Sociedade Limitada é um modelo societário capaz de minimizar os riscos
decorrentes do exercício da empresa em relação ao patrimônio pessoal dos sócios
(BORGES, 1959), suas atividades49, no âmbito interno e externo, revestem-se de
elevada importância não só para o atingimento do objetivo social, mas sobretudo
para que este princípio, o da separação patrimonial, se mantenha inatacável.
A empresa, que é a atividade de natureza econômica, sistematizada e
organizada, exercida pelo empresário com o fito de viabilizar a produção e circulação
de bens e serviços50, se operacionaliza através de um órgão denominado
administração, cuja composição comporta distintas moldurações, como bem
esclarece Pontes de Miranda:
Pois que é pessoa, a pessoa jurídica tem capacidade de direito. Pois que não precisa de representação legal, tem capacidade de obrar, capacidade negocial, de atos jurídicos stricto sensu, de atos-fatos jurídicos e de atos ilícitos. Quem pratica os seus atos é o órgão, ou são os órgãos, se em caso de distribuição de funções; porque os órgãos são parte dela como o braço, a boca e o ouvido são órgãos da pessoa física. (PONTES DE MIRANDA apud LUCENA, 2003, p.398)
Outro dado interessante, porém não menos óbvio, é a simbiose que se
diagnostica entre as figuras da administração e a do administrador, de tal forma que
por vezes se compromete uma abordagem temática dissociando-os. Ocorre que a
despeito de a administração, inicialmente, sugerir um sistema de gestão empresarial,
que se materializa através de uma pessoa, o administrador, surgem conjunturas em
que a utilização de qualquer dos dois termos pode perfeitamente estar invocando o
órgão de gestão, ou pessoa. Ainda que despropositadamente, Helly Lopes Meirelles
49 Atividades a que o professor Eduardo Goulart Pimenta assim se referiu quanto à sua operacionalização: “Se os empregados da sociedade contribuem para a empresa com o fator trabalho, os sócios e credores com o fator capital e a natureza com a matéria-prima, cabe ao administrador, em síntese, a tarefa de dar organização a estes fatores de produção, combinando-os de forma a efetivamente transformá-los em uma empresa.” (PIMENTA, 2007, p.102). 50 Conforme prescrito pelo artigo 966 do C.Civil.(BRASIL, 2004, p.162).
53
ao assinalar que “os termos administração e administrador importam sempre a idéia
de zelo e conservação de bens e interesses” (MEIRELLES, 1998, p.83), acaba por
reforçar esta integração semântica dos vocábulos que, nos escritos de Rubens
Requião, receberam particular destaque: “O gerente, diretor ou administrador, é um
órgão da sociedade comercial (empresária). Existe, nesse particular, perfeita
identificação entre a pessoa jurídica e a pessoa física” (REQUIÃO, 2003, p.443).51
Eduardo Goulart Pimenta esclarece que existem duas correntes teóricas que
se debruçaram sobre o tema: uma, a corrente subjetiva, que “identifica o órgão com
a pessoa física que o integra”; outra, a corrente objetiva, que desvincula o órgão da
pessoa que o compõe, atribuindo à noção de órgão somente ao conjunto de
competências “legalmente fixadas”. Aderindo à corrente objetiva, registra: “Não se
deve confundir, entretanto, tais órgãos com as pessoas físicas que os componham,
os chamados agentes. O órgão não se confunde com a pessoa que o integra. A
Diretoria é um órgão; os diretores são agentes deste órgão” (PIMENTA, 2007,
p.104).
Pertinente a inferência, porém sua relevância ganha destaque acentuado
quando a abordagem se volta à fixação das responsabilidades do administrador, dos
sócios e da sociedade, distintamente. Por se tratar de matéria reservada a outro
capítulo deste trabalho, surge por ora apenas como uma curiosidade prefacial a que
se pretendeu dar registro, de tal forma que a dificuldade de dissociar o administrador
e a administração nenhum prejuízo trará a este capítulo, cujo propósito se situa na
apresentação dos elementos de maior importância à figura do administrador,
excluindo-se a responsabilização, esta, como dito, reservada para outra pauta.
3.1 A administração enquanto órgão social
Quando regularmente constituída, a sociedade ganha personalidade jurídica e
status de sujeito de direitos e obrigações. Porém, para que a sociedade limitada
51 No mesmo sentido, para quem o administrador é órgão da sociedade, dentre muitos outros, BORBA (2003, p.60), LAMY FILHO e BULHOES (1996, p.426); LUCENA (2003, p.400); PEIXOTO (1956, p.287); TEIXEIRA (1956, p.99).
54
possa se manifestar no meio jurídico, carece que o faça por meio de seus órgãos
(SILVA, 2003). Partidário da teoria que concebe a administração como órgão,
Rubens Requião (2003) destaca a construção teórica elaborada por Pontes de
Miranda, no sentido de que as manifestações volitivas de interesse da sociedade se
fazem expressar através deste órgão. Em sendo assim, as manifestações da
administração se traduzem em manifestações da própria sociedade empresária, que
se faz presente através deste órgão, afastando nesse sentido qualquer formulação
teórica que visualize na administração uma atuação no lugar da sociedade, com
caráter de substituição. Daí haver evocado Pontes de Miranda o verbete presentante
para designar a pessoa que na administração das sociedades, nas diversas
modalidades de atuação, não substitui representativamente a figura da sociedade:
[...] o órgão não representa, presenta. A pessoa jurídica é que assina o título de crédito, ou qualquer título circulável, ou o instrumento público ou particular de contrato, ou qualquer ato jurídico, negocial ou não, posto que a mão que escreve seja a do órgão da sociedade, uma vez que o nome de quem materialmente assina integre a assinatura. A pessoa jurídica pode outorgar poderes de representação. Mas o órgão tem outros poderes, que resultam de sua investidura, na conformidade dos atos constitutivos ou dos estatutos, ou de lei. O representante figura em nome do representado; o órgão não é figurante; quem figura é a pessoa jurídica, ela se vincula em seu próprio nome. (PONTES DE MIRANDA, 1961, p.113).
A noção de administração enquanto órgão societário, postulada por Pontes de
Miranda52, recebeu prestigiado acolhimento da doutrina pátria, não diferente do que
ocorreu também em relação à nota distintiva que formulou para os vocábulos
presentante e representante. No entanto, com relação a esta nota, mesmo
efusivamente reconhecida, aplaudida e reproduzida, os escritos doutrinários
frequentemente se seguiram fazendo uso dos termos representante e
representação53, porém sem desejar com esta técnica linguística estabelecer um
52 Porém, deve-se recohecer, formulada inicialmente por Gierke. (PEIXOTO, 1956). 53 Ilustrativamente, o seguintes apontamentos: “[...] a acepção estrita de administração não se basta com a gestão, exige além disso a representação : esta dicotomia gestão-representação, como fundamento do conceito jurídico de administrador encontra-se bem patenteada no art. 144 da Lei 6.404 quando afirma poderem competir a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular.” (XAVIER, 1979, p.20-21 – grifos nossos). “[...] internamente, em suas relações com os sócios, o gerente exerce poder de gestão; em seu relacionamento com terceiros, o de representação [...]”. (ABRÃO, 1988, p.86 – grifos nossos). “como órgãos da sociedade, os administradores não representarão os interesses particulares dos sócios, ou de certo grupo de sócios, e sim o interesse da emprêsa”. (TEIXEIRA, 1956, p.99 – grifos nossos).
55
conteúdo que invocasse a substituição da sociedade em seu sentido estrito54, como
ocorre no mandato, cuja teoria organicista repudia. (SILVA, 2003, p.29).
Por tais razões, de natureza linguística e usual, os vocábulos representante e
representação não serão preteridos neste trabalho. Porém utilizados, sempre
invocarão as noções de presentante e presentação postuladas por Pontes de
Miranda, em detrimento de qualquer formulação vinculativa às figuras do mandatário
ou procurador.
O tema envolvendo a natureza jurídica da administração social foi alvo de
construções teóricas que lhe atribuíam a condição de sistema de gestão
consubstanciado no mandato, havendo ainda, como informou Peixoto (1956, p.286),
alguns poucos que a viam como “mera locação de serviços”. Em obra
contextualizando as Sociedades Anônimas, Alfredo Lamy Filho e José Bulhões
ressaltaram essa dimensão histórica envolvendo a dicotomia em análise,
assinalando que “A relação entre a companhia e o administrador já foi conceituada
no passado como modalidade de contrato de mandato, mas hoje é pacífico o
entendimento de que o administrador é órgão da companhia.” (LAMY FILHO;
BULHÕES, 1996, p.426).
Dentre os teóricos que propugnavam a teoria do mandato, estava Cesare
Vivante, que “via na relação entre administrador e sociedade administrada uma
modalidade do contrato de mandato, pelo qual aquele estaria obrigado a colocar em
prática a vontade desta” (PIMENTA, 2007, p.102). Eduardo Goulart Pimenta,
opondo-se a esta teoria registrou:
Embora defendida por autor do porte de Cesare Vivante, esta concepção foi – e ainda é – alvo de numerosas e agudas críticas como a de Tullio Ascarelli (reproduzida por Requião), para quem a teoria em questão não se sustenta face à constatação de que os administradores da sociedade podem manifestar e implementar sua vontade pessoal na gestão dos negócios sociais, o que os diferenciaria da figura do mandatários, a quem incumbe
54 E isto até bem se justifica quando se vai buscar nos léxicos, jurídicos ou não, o conteúdo semântico dos vocábulos representante e representação, eis que flexibilizam a acepção tanto para designar, respectivamente, a pessoa que age em nome de outrem (mandatário, procurador) ou a atuação em nome de outrem, ou, ainda e também respectivamente, a pessoa que se apresenta, torna-se presente para registro de seus próprios interesses, de sua causa, ou o ato pelo qual se representa a si mesmo (HOUAISS, 2004). De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, corrobora esse entendimento com as seguintes anotações: “representação. Do latim repraesentatio, de repraesentare (apresentar, estar presente, reproduzir), é o vocábulo empregado na linguagem jurídica nos mais variados sentidos, embora todos eles se fixem na acepção etimológica do vocábulo. Representação. Em ampla significação jurídica, calcada no conceito etimológico do vocábulo: reprodução, ato de estar presente, apresentação à vista, representação exprime a presença de alguma coisa ou a ação de se fazer presente, isto é, visível atual”. (SILVA, 2008, p.1.209).
56
pura a tão-somente efetuar, pôr em prática, o desejo do mandante. É a partir deste pressuposto – qual seja: o de que o administrador da sociedade tem poderes para interferir na vontade da pessoa jurídica administrada, ao contrário do que se verifica no caso do mandatário – que Pontes de Miranda concluiu que o administrador da sociedade é, na verdade, um órgão da pessoa jurídica [...]. (PIMENTA, 2007, p.102-103).
No mesmo sentido, partidário da teoria organicista, Egberto Lacerda Teixeira
(1956, p.99) escreveu que como “órgãos da sociedade, os administradores não
representarão os interesses particulares dos sócios, ou de certo grupo de sócios, e
sim o interêsse da emprêsa”, inferência esta esposada como o entendimento de
Tavares Borba55:
O administrador é órgão da sociedade, não se confundindo, pois, com o procurador. Este, por força de um mandato, representa a sociedade no âmbito restrito dos poderes que lhe foram conferidos. O administrador, sendo um órgão, detém a plenitude dos poderes de administração da sociedade, ressalvadas as limitações constantes do contrato social. O mandatário tem apenas os poderes que lhe forem expressamente outorgados; o órgão tem todos os poderes, exceto os que lhe forem expressamente retirados. O mandatário não gera a vontade, apenas a transmite conforme as instruções do mandante; o órgão gera a vontade social, sendo ele próprio uma força ordenadora dos interesses que manifesta. (BORBA, 2003, p.60-61).
Ainda que não mais pairem dúvidas doutrinárias acerca de noção de órgão
societário que tanto a administração quanto o administrador atraem para si,
impróprias se apresentam as construções teóricas que desprezam a relação jurídica
contratual havida entre os administradores e a sociedade.56 Para Alberto Xavier,
sobreleva em significância e importância a correta identificação da relação jurídica
visada quando da formulação da teoria organicista da administração social:
55 Acompanhando tantas outras construções teóricas similares, dentre as quais a de Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto: “Pela maneira como se define, o mandato menos se ajusta aos administradores das sociedades, pois se com êle é que uma pessoa pratica um ato jurídico em nome de outra, há aí a existência de duas pessoas distintas: o representante e o representado. Ora, os administradores não agem em nome da sociedade, mas apenas por intermédio seu é que ela manifesta a sua vontade. [...] quando a sociedade age por intermédio de seus administradores, é ela mesma quem pratica o ato jurídico; os gerentes, frente a terceiros, são a própria sociedade.” (PEIXOTO, 1956, p. 287) 56 Exemplo desse desprezo se verifica nos apontamentos de Teixeira (1956, p.99): “A natureza jurídica dessa representação já foi objeto de largos e intermináveis debates, prevalecendo, no passado, a idéia privatística de que os administradores seriam meros mandatários da sociedade, ou mesmo, dos sócios. O desenvolvimento da noção de emprêsa, a concepção institucional das sociedades mercantis, preferentemente as anônimas, contribuíram eficazmente para o repúdio da solução contratualista.”
57
A característica de “órgão” da sociedade reporta-se predominantemente às relações da pessoa jurídica com terceiros; mas ela não deve deixar na sombra o fato de existir uma relação jurídica entre a sociedade e o administrador, em cujo conteúdo se inserem os respectivos direitos e deveres. Essa relação jurídica tem a sua fonte num contrato de administração (Geschäftsführvertrag) constituído pela fusão da nomeação (Bestellung) e da aceitação (Annaham dês Bestellung). Tal contrato é um contrato obrigacional que tem por objeto a designação de certa pessoa para o cargo de administrador, com todos os poderes e deveres que lhe são inerentes. Como bem observam Raul Ventura e Brito Correia “não se trata de regular, através de acordo de vontades o estatuto jurídico da situação de administrador. Este entende-se regulado por lei, pelos estatutos e por deliberações sociais; o administrador, ao aceitar o cargo, aceita-o em bloco, sem modificar ou acrescentar”. (XAVIER, 1979, p. 22-23).
Com efeito, a caracterização da administração como órgão da sociedade
limitada importa bem mais para as relações externas do que para aquelas que se
articulam no âmbito interno, sem contudo desmerecer sua importância também
nesse contexto.57 Ocorre que as relações jurídicas articuladas com terceiros (externa
corporis) reclamam legitimação da administração para vincular obrigacionalmente a
sociedade, e os efeitos jurídicos decorrentes dessas relações assumem distintos
formatos se operacionalizadas sob a ingerência de um mandatário ou sob a
ingerência da própria sociedade, haja vista que as limitações no primeiro caso são
bem mais espraiadas (PEIXOTO, 1956).
As relações internas não desprezam, como já dito, a importância da
caracterização da administração como órgão societário, porém de maior relevância
para este âmbito, é a caracterização da natureza jurídica da relação entre a pessoa
do administrador e a sociedade, que, na formulação de Xavier, é contratual, aspecto
que parece ter sido preterido por Lamy Filho e Bulhões ao confrontarem a natureza
jurídica contratual (mandato) stricto sensu, com a natureza jurídica lato sensu da
administração. Não incorre em equívoco Xavier, na medida em que sendo a
administração órgão das sociedades limitadas, sua composição implica na
designação de pessoas para ocuparem a função de administradores, isto se
materializando através de uma relação jurídica contratual. Registra-se, no entanto,
que uma caracterização meramente contratual não se basta para identificar o perfil
desta relação, haja vista a multiplicidade de modelos contratuais concebidos pela
ordem jurídica, dentre os quais os de emprego, de prestação de serviços autônomos
57 Anota Lucena (2003, p.402) que: “Obrará sempre o gerente/administrador, em atividades tanto de gestão (internamente), como de presentação (externamente) [...]”.
58
e até mesmo o de mandato.
Sendo de interesse deste item capitular apenas a identificação da
administração como órgão que externa a vontade das sociedades limitadas, reserva-
se para outro item deste estudo a abordagem relativa à contratualidade da relação
havida entre a sociedade e o administrador, assim como as particularidades dos
efeitos jurídicos que dessa relação contratual emergem.
3.2 Administrador: abordagem conceitual e classificação
Não diferente do que ocorre com tantos outros vocábulos, o conceito de
administrador invoca considerável flutuação semântica, porque sujeito ao âmbito de
sua aplicação. No Direito Empresarial, que é o âmbito de interesse deste estudo,
merecem destacada atenção os conceitos de administrador aplicado às Sociedades
Limitadas, assim como na mesma medida o aplicado às Sociedades Anônimas, dois
modelos societários que a técnica jurídica agregou compatibilização à figura,
afastando dessa forma desdobramentos polissêmicos.
A doutrina não apresenta um conceito unificado de administrador. Concentra
por vezes a construção de sua noção à resolução da dicotomia órgão/mandato, que
possui relação direta com o exercício de suas funções. Em outros momentos,
valoriza os elementos que fazem referência somente à sua origem e composição58 o
que por certo não atende ao fim a que se presta uma conceituação. Conceituar, que
é a construção de sentido para algo, requer a reunião de elementos caracterizadores
do instituto e não apenas o registro isolado deste ou aquele elemento, sendo que
neste último caso pode-se conseguir quando muito uma concepção genérica,
prejudicial à identificação do instituto em sua particularidade.
Consoante o novel sistema instalado pelo C.Civil de 2002, o administrador de
sociedade limitada é a pessoa natural ou conjunto delas59, sócias ou não60. Tem
58 Ilustrativamente, uma das concepções formuladas por Coelho (2002, p.236): “Administradores são os membros do conselho de administração e da diretoria.” 59 C.Civil, art. 1.060: “A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.” (BRASIL, 2004, p.179).
59
essa condição contemplada a partir de uma designação deliberativa dos sócios
levada a registro no estatuto social ou em ato separado, para que, fazendo uso da
firma ou denominação social com exclusividade61, internamente e perante
terceiros62, no desempenho de suas funções, pratique atos jurídicos voltados à
maximização do sucesso pretendido no exercício da empresa. Não deve descurar no
exercício dessas funções, do zelo necessário à não incidência de prejuízos à
sociedade, aos sócios e a terceiros63.
Na seara doutrinária, conforme já exposto alhures, a concepção de órgão
social a que se vincula a administração tem aplicação também à figura do
administrador, tese reforçada por Tavares Paes (1978, p.3), para quem os
administradores “são órgãos societários que impelem a sociedade para a
consecução de seu objetivo”. Essa concepção organicista, aliás a mais recorrente,
tem como nota dominante a função exercida pelo administrador da sociedade, que,
sabe-se, vai além das atribuições conferidas a um mandatário ou a um mero
representante. Revestida a administração da condição de órgão societário de uma
sociedade – que mesmo dotada de personalidade jurídica somente pratica atos
jurídicos através da ação humana – será o administrador quem irá gerir e executar a
vontade do ente coletivo, materializando sua atuação com vistas à consecução do
objetivo social, o que justifica se lhe atribuir a noção de órgão societário. Evidencia-
se aqui, a simbiose mencionada na abertura deste capítulo entre administração e
administrador.
Divergem efusivamente desta atribuição de órgão ao administrador Eduardo
Goulart Pimenta e Vinícius José Marques Gontijo. Para o primeiro deve-se evitar a
confusão entre a administração, que é órgão da sociedade empresária, e a “pessoa 60 No caso de administrador não sócio. C.Civil, art.1.061: “Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços, no mínimo, após a integralização.” (BRASIL, 2004, p.179). 61 C.Civil, art.1.064: “O uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes.” (BRASIL, 2004, p.180). 62 C.Civil, art.1.022: “A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador.” (BRASIL, 2004, p.173). 63 C.Civil, Art.1.011: “O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.” C.Civil, Art.1.016: “Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.” (BRASIL, 2004, p.171-172).
60
física que o integra” a qual atribuiu a noção de “agente”. (PIMENTA, 2007, p.104). Já
Gontijo defende a existência de um órgão social nominado “administradores” que,
por sua vez, não é e não se confunde com as pessoas a que se referem. Assim,
para o mencionado professor, “as pessoas que atuam no órgão com ele não se
confundem” e “exercem o poder na condição de mandatárias”. (GONTIJO, 2005,
p.91).
Parece não haver dúvidas acerca da necessidade de se afastar a “confusão”
mencionada pelos doutrinadores, até mesmo porque enquanto os administradores
são pessoas naturais, a administração é uma criação institucional, um órgão
societário. Não se pode também desprezar que a vontade do órgão administração
se expressa através de agentes como pontuou Pimenta. No entanto, daí a afastar-
lhes a condição de órgãos parece um despropósito, eis que assim como a
administração se apresenta perante terceiros como a própria sociedade, não há
como entender que o administrador se revista de qualquer outra condição que não a
da própria administração. Daí a pertinência da já mencionada lição de Rubens
Requião de que existe, “nesse particular, perfeita identificação entre a pessoa
jurídica e a pessoa física” (REQUIÃO, 2003, p.443). Nesse sentido, não há como
concordar com a intenção de Pimenta e Gontijo de afastar da figura do administrador
a condição de órgão social das sociedades empresárias, quanto mais a de lhe
atribuir a de mandatário64, discordância amparada também nos seguintes escólios:
O administrador, sendo um órgão, detém a plenitude dos poderes de administração da sociedade, ressalvadas as limitações constantes do contrato social. O mandatário tem apenas os poderes que lhe forem expressamente outorgados; o órgão tem todos os poderes, exceto os que lhe forem expressamente retirados. O mandatário não gera a vontade, apenas a transmite conforme as instruções do mandante; o órgão gera a vontade social, sendo ele próprio uma força ordenadora dos interesses que manifesta. (BORBA, 2003, p.60-61).
Moderna é a tendência de substituir a expressão representantes, que antes consagrava a doutrina e usavam os Códigos, pela expressão órgãos, atendendo a que as pessoas físicas não são meros intermediários da vontade da pessoa moral ou seus simples representantes, o que pressupõe duas vontades, a do mandante e a do procurador, mas uma só, que é a da entidade, emitida nos limites legais [...]. A substituição de uma por outra expressão tem a seu crédito a exatidão científica, pois que no órgão da
64 Eduardo Goulart Pimenta não aderiu à teoria de que o administrador de sociedade empresária é um mandatário desta. Disse, ao contrário, que “o administrador da sociedade tem poderes para interferir na vontade da pessoa jurídica administrada, ao contrário do que se verifica no caso do mandatário”.(PIMENTA, 2007, p.103).
61
pessoa jurídica não há representação técnica, porém representação imprópria [...]. (PEREIRA, 2004, p.314).
Nessa linha de entendimento, Alberto Xavier, em sua obra Administradores de
Sociedades, registrou que os “administradores são órgãos da sociedade, isto é, são
os seus representantes orgânicos, investidos formalmente num status constituído
por uma pluralidade de direitos e deveres.” (XAVIER, 1979, p.29). Uma formulação
conceitual que, como se percebe, nada difere da referida por Tavares Paes,
destacando-se a condição de órgão social. Disse ainda o jurista:
A representação que é privativa dos administradores é uma representação orgânica, no sentido de que lhe advém da investidura num cargo – ufficio privato, na terminologia de Ferrara e Mesineo – que reveste a natureza jurídica de órgão da sociedade, ou seja, de centro de manifestação de vontade da pessoa jurídica. (XAVIER, 1979, p.20).
Indissociável, de conseguinte, à figura do administrador, a noção de órgão
social. No entanto uma formulação conceitual centrada exclusivamente no elemento
organicista acaba por desprezar outros elementos, cujo destaque se evidencia na lei
regente. Nesse passo, uma construção conceitual que valorize também outros
elementos invocaria para o administrador de sociedade limitada a seguinte noção:
pessoa(s), integrante(s) ou não do quadro societário, escolhida(s) pelos sócios para
com exclusividade fazer(em) uso da firma ou denominação da sociedade, a fim de
desempenhar zelosa e proativamente as funções que, internamente e perante
terceiros, favoreçam no mundo jurídico o exercício da empresa e a consecução dos
objetivos sociais.
Quanto ao nomem iuris, o advento do Código Civil de 2002 importou na
supressão da denominação “sócio-gerente” como designativa da pessoa que
desempenhava a função de administrador da sociedade. O novo diploma legal, nos
artigos que tratam especificamente da administração das Sociedades Limitadas
(arts. 1.060 a 1.065), não faz menção a outra denominação para se referir àquele
que dita os rumos da gestão e das relações negociais da sociedade senão a de
administrador, o mesmo ocorrendo em relação aos ditames legais relativos às
Sociedades Simples.65
65 Lucila de Oliveira Carvalho destaca a importância de se distinguir duas figuras presentes no C.Civil de 2002: o gerente e o administrador de sociedades: “Cabe notar que o novo Código Civil trata, no Título IV (Dos Institutos Complementares), da figura do gerente, mas com uma conotação completamente diferente daquela do Decreto nº 3.708/19.”
62
José Waldecy Lucena, ao comentar a opção do legislador brasileiro em
substituir os termos “gerencia/gerente” por “administração/administrador”,
classificando-a inclusive como preconceituosa, tem-na como “incompreensível, haja
vista que, em legislações alienígenas, aquelas palavras continuam prestigiadas e de
que é exemplo o novo Código de Comércio de França” (LUCENA, 2003, p. 401).66
Em que pese as várias contribuições do jurista ao Direito Empresarial, assentir com
sua justificativa seria, isto sim, postura preconceituosa e também incompreensível,
uma vez que ao legislador pátrio não se pode imputar decréscimos de ordem
valorativa por não ter reproduzido as opções de outros legisladores, quanto mais
quando se tem no vocábulo administrador um signo linguístico genérico que se
presta à identificar, em qualquer sociedade, uma figura designada è gestão e
organização diretiva de negócios.
Em sentido contrário ao entendimento de Lucena, José Edwaldo Tavares
Borba:
No direito brasileiro, o vocábulo “gerente” sempre teve uma dupla acepção, tanto servindo para designar o gerente social, o chamado sócio-gerente, que é um órgão da sociedade, representando-a e obrigando-a perante terceiros, como também para indicar o gerente administrativo (gerente de loja, gerente de agência bancária), que é empregado com poderes de administração e com hierarquia em relação a outros empregados que se colocam sob sua direção. [...]. O antigo sócio-gerente, órgão da empresa, passa a nomear-se simplesmente administrador. Com isso, a tendência será a completa harmonização da nomenclatura. Passando-se a rotular como diretores os administradores executivos de todas as sociedades, a exemplo do que acontece com a sociedade anônima. (BORBA, 2004, p. 60).
A denominação, como destacam outros teóricos, é de pouca ou nenhuma
importância, sendo que o elemento de destaque é a função efetivamente exercida.
Importa sublinhar que a doutrina que do tema se tem ocupado é pacífica em reconhecer a irrelevância do nomen iuris atribuído a um sujeito para efeitos
De fato, o Capítulo III do novo Código Civil (Dos prepostos) enumera os prepostos da sociedade, entre os quais o gerente e o contabilista e outros auxiliares. No art. 1.172, o gerente é definido como o preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência. Além disso, o art.1.173 prescreve que, quando a lei não exigir poderes especiais, o gerente se considera autorizado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados. Criou-se, assim, uma categoria especial de representante, o gerente, preposto da sociedade, que age por mandato e não se confunde com o administrador.” (CARVALHO, 2003, p.223). 66 Complementa Lucena: “[...] sempre preferiram os administradores ser chamados diretores, à semelhança dos administradores das anônimas, prática que por certo será mantida na novel sociedade limitada.” (LUCENA , 2003 , p.401).
63
da sua rigorosa caracterização jurídica. Assim, por exemplo, o fato de alguém se intitular “diretor técnico”, “diretor jurídico”, “administrador geral” não significa necessariamente que possa qualificar-se como administrador em sentido técnico; reversamente pode um verdadeiro administrador utilizar título ou expressão que não retratem o seu real status jurídico. (XAVIER, 1979, p.25).
Ratificam esse entendimento Tavares Borba e Fábio Ulhoa, que entendem
apropriado e legítimo o uso de outras denominações. Para o primeiro, o
administrador pode também ser chamado de diretor (COELHO, 2002), enquanto
para o segundo, é certo atribuir ao administrador a denominação gerente ou diretor
(BORBA, 2003). Quanto a isto, não se emitirá neste estudo qualquer parecer,
adotando-se, no entanto, ao administrador de Sociedade Limitada a denominação
que a lei lhe atribui, qual seja, administrador.
Inovação também trazida pelo C.Civil/2002 é a classificação dos
administradores de sociedades limitadas em duas categorias: administrador sócio, o
antigo sócio-gerente, e o administrador não sócio, pessoa estranha ao quadro
societário.67
3.2.1 Administrador sócio
De acordo como que dispuser o contrato social, na Sociedade Limitada a
administração poderá ser exercida por um ou mais sócios, e também por terceiros
que por eles tenham sido designados.
De acordo com o art. 1.060 do C.Civil, a(s) pessoa(s) que irá(ão) administrar
a Sociedade Limitada, sendo sócio(s), necessita(m) ser designada(s) ou no contrato
social, ou em ato separado (BRASIL, 2004).
O Código Civil de 2002 não tratou de forma diversa do diploma de 1916 a
matéria relativa ao exercício da administração pelos sócios quando estes não
determinarem no contrato social a quem compete esta função. No capítulo referente
às Sociedades Simples, que conforme já visto comporta aplicação suplementar às
normas das Sociedades Limitadas, o legislador repetiu o que ditava o Decreto n.º 67 Waldo Fazzio Júnior (2003, p.193) defende também uma outra categoria de classificação, a da “administração plúrima” da sociedade limitada, que, porém, não será objeto de apreciação neste trabalho, cujo eixo temático encontra-se voltado exclusivamente à figura do administrador não sócio.
64
3.708/1919 quanto ao silêncio do contrato social no que tange à administração da
sociedade68, mantendo a regra de que, “Não indicando o contrato social o
administrador ou administradores da sociedade, nem sendo estes eleitos em
separado, segue que todos os sócios serão gerentes/administradores”. (LUCENA,
2003, p.403).
Para fins de uma elaboração conceitual mais específica, tem-se que o
administrador sócio da sociedade limitada é a pessoa integrante do seu quadro
societário, por ela escolhido através de deliberação dos sócios, designado em
contrato social ou ato separado para a prática de atos que fomentem o sucesso na
condução dos negócios necessários à empresa, impulsionando-a à persecução e
consecução dos objetivos sociais.
3.2.2 Administrador não sócio
Em perspectiva futurista, Egberto Lacerda Teixeira, nos idos de 1956, já se
referia a uma tendência predominante do direito comparado “no sentido de permitir o
exercício da gerência a estranhos. Invoca-se, entre outras razões, a de proporcionar
às sociedades por quotas o concurso prestimoso de pessoas altamente capacitadas
ou de técnicos que não desejam correr à álea do negócio”. (TEIXEIRA, 1956, p.100).
A Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002, denominada Novo Código Civil, veio
contemplar a possibilidade de o administrador da sociedade ser figura estranha ao
quadro societário. Permite a Lei, explicitamente, que a administração da Sociedade
Limitada seja atribuída a terceiro estranho ao quadro societário, desde que no
estatuto social se faça constar previamente a anuência dos sócios quanto a esta
possibilidade.69 A bem da verdade, esta possibilidade de certa forma já existia para
as Sociedades Limitadas quando vigente o Decreto n.º 3.708/1919, porém sobre
outra molduração, expressa na figura do gerente-delegado.
68 C.Civil/2002, art. 1.013: “A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios.” (BRASIL, 2004, p.171). 69 C.Civil, art. 1.061: “Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização”. (BRASIL, 2004, p.179).
65
O administrador não sócio é pessoa estranha ao quadro societário que, após
prévia deliberação dos sócios, é designado em ato separado para a prática de atos
que fomentem o sucesso na condução dos negócios necessários à empresa,
impulsionando-a, da mesma forma que o administrador sócio, à persecução e
consecução dos objetivos sociais.
Enquanto para o administrador sócio mostra-se suficiente que sua designação
tenha ocorrido através de simples menção em cláusula do contrato social ou em ato
separado, para o administrador não sócio sua designação implica em primeiro tempo
na prévia permissividade ofertada pelo contrato social e, em segundo tempo, em
elevado quorum de aprovação dos sócios de entregarem a terceiro estranho ao
quadro societário a administração da sociedade.
Saliente-se, porém, que a possibilidade de pessoa não sócia exercer a
administração das sociedades limitadas, como disposta no regime legislativo
anterior, importa em situação jurídica distinta da trazida pelo C.Civil de 2002 em seu
artigo 1.061. Contemporâneo do Decreto 3.708/1919 quanto à sua vigência, o
Código Comercial tinha em seu artigo 334 regra que vedava ao sócio fazer-se
substituir nos exercício das funções, sem que houvesse consentimento expresso e
unânime dos demais sócios.70 Por seu turno, o artigo 13 do Decreto regente das
sociedades limitadas continha regra permissiva da delegação pelo sócio-gerente do
uso da firma71, entendendo a doutrina que esta delegação poderia tanto favorecer a
substituição do sócio-gerente por outro sócio, ou, ainda, por terceiro (LUCENA,
2003, p.405). Percebe-se que enquanto no C.Comercial de 1850 o requisito para a
delegação dos poderes do sócio-administrador centrava-se no consentimento
unânime de todos os sócios, para a lei reguladora das sociedades limitadas
destacava-se como requisito a inexistência no contrato social de cláusula que
vedasse esta prática.
70 C.Comercial, Lei 556 de 25 de Junho de 1850, art. 334: “A nenhum sócio é lícito ceder a um terceiro, que não seja sócio, a parte que tiver na sociedade, nem fazer-se substituir no exercício das funções que nela exercer sem expresso consentimento de todos os outros sócios; pena de nulidade do contrato; mas poderá associá-lo à sua parte, sem que por esse fato o associado fique considerado membro da sociedade.” 71 Decreto 3.708/1919, art. 13: “O uso da firma cabe aos sócios-gerentes; se, porém, for omisso o contrato, todos os sócios dela poderão usar. É lícito aos gerentes delegar o uso da firma somente quando o contrato não contiver cláusula que se oponha a essa delegação. Tal delegação, contra disposição do contrato, dá ao sócio que a fizer pessoalmente a responsabilidade das obrigações contraídas pelo substituto, sem que possa reclamar da sociedade mais do que a sua parte das vantagens auferidas do negócio.” (BRASIL, 2008, p.763).
66
O entendimento firmado pela doutrina, quanto aos requisitos apontados nos
dois diplomas, foi o de que para a nomeação de gerentes-delegados bastava
inexistir no contrato social vedação nesse sentido e que, quanto aos poderes desses
delegados, seriam os mesmos atribuídos ao sócio-gerente que lhe delegou a função,
arredando assim a configuração do mandato (CARVALHO, 2004). Comentando o
tema, pontuou Teixeira que por força de “interpretação construtiva, a doutrina e a
prática sancionada pelo Registro de Comércio têm aceito a nomeação de gerentes
não-sócios através do mecanismo jurídico da delegação de poderes prevista no art.
13 do Decreto n. 3.708/19 [...]” (TEIXEIRA, 1987, p.10).72 Nesse passo seguiu a
doutrina majoritária, entendendo haver o Decreto 3.708/1919 “adotado plenamente o
instituto da delegação e segundo o qual o gerente-delegado era investido dos
poderes de gerência e passava a usar a firma social, muito embora a delegação
fosse do sócio-gerente e não da sociedade”. (LUCENA, 2003, p.407).73
Xavier (1979) destacou que o tema da delegação dos poderes do
administrador a terceiros surge como questão prévia quando se pretende a
abordagem da distinção entre administrador, delegados e mandatários da
sociedade. Invoca para o administrador da S.A., acionista escolhido pelo colegiado
de sócios, também a condição de delegado ao atribuir-lhe, fundado em doutrina
estrangeira, a denominação de administrador delegado, ao passo que aos
administradores não sócios das Sociedades Limitadas atribuiu a denominação de
gerentes-delegados. Interessante esta pontuação, porque ela integra a explicação
do autor quanto às figuras do mandatário e do administrador, admitindo a primeira
para o caso das Sociedades Anônimas, que seria a outorgante do mandato para
atuações pontuais, bem definidas do mandatário, sem afetação das funções,
deveres e responsabilidades do administrador da companhia, e, quanto às
Sociedades Limitadas, admitindo somente a figura do administrador, sócio ou não,
72 A interpretação a que se refere o jurista tomou como objeto para o trabalho de exegese, além dos dois diplomas mencionados, um dos dispositivos do projeto de Inglês de Souza para a elaboração do Código Comercial, cujo texto é o seguinte: “a outro sócio ou a mandatário especial, devendo a substituição ou o mandato especial constar da assinatura a ser anotada no registro da firma”. (PEIXOTO, 1956, p.292). 73 A referida delegação não encontrava espaço nas Sociedades Anônimas, e assim permanece, em vista da regra contida em seu artigo 139: “As atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto.” Porém, defendeu Alberto Xavier ser possível a constituição de mandatários da companhia pelos administradores de S.A., o que difere de serem mandatários dos próprios administradores. (XAVIER, 1979, p.29).
67
ambos porém, delegados. Vale reprodução os escritos do jurista:
Os administradores são órgãos da sociedade, isto é, são os seus representantes orgânicos, investidos formalmente num status constituído por uma pluralidade de direitos e deveres. Não assim os mandatários, que são investidos no estatuto complexo de administrador, não têm seus direitos, nem suas responsabilidades, podendo isoladamente, acidentalmente exprimir – sob pontos específicos – a vontade da sociedade, nos termos constantes do mandato. Aliás, note-se que o mandato, nos termos do art. 144, parágrafo único, deve ter objeto específico e duração determinada. Um mandato que conferisse os poderes gerais de representação que caracterizam a posição jurídica do administrador teria o significado de uma delegação de funções e como tal seria absolutamente nulo por infringir disposição proibitiva da lei. Já nas sociedades por quotas a situação é radicalmente distinta: como se sabe, os administradores das sociedades por quotas são os gerentes designados nos estatutos ou, sendo este omisso, a totalidade dos sócios (Decreto 3.708, art. 13). Ora, nestas sociedades não vige proibição de delegação das funções de administração idêntica à constante do art. 139 da Lei 6.404. Pelo contrário, o citado art. 13 afirma que “é lícito aos gerentes delegar o uso da firma somente quando o contrato não contiver cláusula que se oponha a essa delegação”. Assim, ao lado do sócio-gerente, temos gerentes que não são sócios, ou seja, gerentes-delegados. O gerente delegado é um verdadeiro administrador e não simples mandatário da companhia. O ato de delegação transfere-lhe em bloco o status jurídico de gerente, na plenitude dos seus poderes e responsabilidades, investindo assim o terceiro na qualidade de órgão da sociedade, ou seja, num vínculo de representação orgânica. (XAVIER, 1979, p.29-30).
Tais inferências vêm em contribuição para forjar outras de interesse mais
contemporâneo, dentre as quais a de que o administrador não sócio é órgão das
Sociedades Limitadas, e a de que é incontestável a proximidade das figuras do
gerente-delegado e do administrador não sócio, tanto que a seu tempo o primeiro
poderia sem nenhum óbice receber a denominação de administrador não sócio, eis
que assim o era.
Quanto às distinções de maior importância entre as figuras, destaca-se
primeiramente a que se refere à permissividade. Para que fosse permitida a
nomeação de gerente-delegado, o contrato social precisava não vedar
expressamente; já para a nomeação do administrador não sócio, a regra do
art.1.061 do C.Civil de 2002 é a de que o contrato precisa conter cláusula
permissiva. Outra distinção concerne à escolha e destituição. Enquanto o gerente-
delegado recebia a delegação do(s) sócio(s) designado(s) gerente(s) podendo por
este(s) ser destituído da função, o administrador não sócio, referido pelo C.Civil de
2002 (art.1.061), é designado a partir da aprovação unânime ou de maioria absoluta
dos sócios, administradores ou não, sendo reservado somente a estes sócios o
68
poder de destituí-lo função.
Ademais, em sentido inverso do que ocorre atualmente, não havia à época do
gerente-delegado, regra que permitisse a sua designação direta desde o momento
inicial de constituição da sociedade, e isto, como informa Carlos Fulgêncio da Cunha
Peixoto (1956), em razão do caráter personalístico, intuitu personae, que por muito
tempo prevaleceu para as sociedades limitadas, que impunha o exercício da
gerência a que integrasse o quadro societário. Assim, se quem delegava os poderes
da gerência não era a sociedade, senão o sócio nomeado gerente, infere-se que
surgia como requisito inicial para a designação do gerente-delegado existência
prévia da figura do sócio gerente. Conforme Requião (2009), a nova conformação da
modalidade de administração exercida por terceiro estranho ao quadro societário
trazida pelo C.Civil de 2002 elimina a figura do gerente-delegado, de tal forma que
inviabilizada está a delegação de poderes, no formato outrora concebido, pelo
administrador da Sociedade Limitada.
O administrador não sócio surge então, no mundo do direito empresarial
contemporâneo brasileiro a partir do advento do C.Civil de 2002, não como uma
figura incipiente, senão como uma realidade jurídica inovadora em alguns aspectos
de natureza formal no que toca à designação de administrador estranho ao quadro
societário das Sociedades Limitadas, quando comparada à extinta figura do gerente-
delegado. Ambos, é de se ressaltar, em tempo algum mandatários da sociedade ou
dos sócios.
3.3 Escolha e designação dos administradores
A questão relativa à escolha e designação dos administradores das
sociedades empresárias limitadas é de natureza meramente legal e estatutária,
devendo se processar inicialmente sob a forma de deliberação colegiada dos sócios.
Os aspectos formais, concernentes às deliberações dos sócios quanto a esta
matéria, bem como o quorum deliberativo necessário para legitimar essa escolha,
estão diretamente vinculados ao momento em que ela se processará (LUCENA,
2003), à condição do administrador em relação à sociedade – se sócio ou não –, ao
instrumento de designação do mesmo, e à condição do capital social.
69
Excluindo-se os casos que ensejam nomeação judicial do administrador, os
administradores das Sociedades Limitadas serão sempre escolhidos através de
processo eletivo dos sócios. Os sócios manifestarão sua intenção de escolher o
administrador mediante deliberação da maioria societária qualificada. Esta votação
poderá ocorrer de duas formas: a primeira, sem maiores formalidades que é a
própria votação em forma de um ajuste aberto e acertado entre eles – usual em
momentos próximos à formação da sociedade –, ou através da utilização de uma via
de formalização mais complexa, com votos em secreto e rigidez de controle da
votação, bem como dos documentos a ela vinculados. Esta última é mais presente
nos casos em que se promove a substituição do administrador por outro, em
sociedades que não estão utilizando do expediente de escolha do administrador pela
primeira vez.
São variadas as formas da deliberação bem como o quorum deliberativo
necessário à escolha do administrador. Quanto ao quorum de deliberação, deverão
os sócios observar o instrumento de designação e/ou a condição daquela pessoa
em relação à sociedade, bem como a situação do capital social quanto à sua
integralização.
De acordo com o artigo 1.060 do Código Civil, a designação do administrador
nas Sociedades Limitadas, deverá ocorrer através do contrato social ou através de
ato separado (BRASIL, 2004, 179). A despeito de a lei regente não fazer menção,
entendemos que a designação do administrador, quer pela via do contrato social ou
através do ato separado – salvo quando se tratar do ato constitutivo da sociedade e
da designação do primeiro administrador que necessariamente deverá ser via
contrato social – cabe aos sócios escolherem o que melhor se lhes afigura.
3.3.1 Escolha e designação de administrador sócio
Quando a escolha do administrador da Sociedade Limitada recair sobre
integrante do quadro societário, importa aos sócios, a fim de conhecerem
previamente o quorum deliberativo necessário, observar se a designação ocorrerá
através do contrato social ou de ato separado.
Ausentes nos capítulos reservados às Sociedades Limitadas, assim como às
70
Sociedades Simples, regras que tratem especificamente da matéria relativa ao
quorum de deliberação para escolha do administrador sócio, evidencia-se a intenção
do legislador de reservar ao estatuto social poder normativo sobre este tema.
Interessante nesse sentido as observações de Tullio Ascarelli e João Eunápio
Borges acerca das particularidades do contrato social das sociedades empresárias.
A sociedade nasce, a meu ver, de um contrato e mais precisamente de uma subespécie, talvez ainda descuidada de contratos, que propus chamar de plurilateral. [...]. Tal contrato, entretanto (e também sob este aspecto se revela a sua peculiaridade) visa a disciplina de uma atividade ulterior em relação a um fim que unifica os vários interesses das diversas partes; tem por isso um caráter instrumental. Já deste fato decorrem peculiaridades que, afinal, se relacionam com a tutela de terceiros. [...] Visa o contrato, a constituição de uma organização, a disciplina de uma atividade ulterior para a consecução de determinado escopo e, portanto mister se faz organizar a gestão da sociedade. (ASCARELLI, 1947, p.143/144). Duplo significado tem a palavra sociedade e duplo efeito gera o contrato de sociedade. Como qualquer contrato bilateral, o de sociedade cria relações obrigatórias entre as partes que o celebram, isto é, gera direitos e obrigações para os sócios. Além disso, efeito mais importante e que lhe é peculiar, ele dá nascimento a uma pessoa jurídica que, aos olhos da lei, tem existência real tão efetiva como a das pessoas naturais que, pelo contrato de sociedade, a geraram. (BORGES, 1959, p.11).
Pretendendo os sócios que o administrador sócio tenha sua designação
registrada no contrato social, o quorum deliberativo deverá ser o da maioria simples,
ou seja, pela maioria simples quando se tratar de primeira designação, e de ¾ do
capital social quando se tratar de designação que importe em alteração contratual.74
De outra forma, quanto desejarem os sócios que a designação ocorra em ato
separado, o quorum deliberativo deverá ser aquele informado pelo contrato social,
sendo que silente o instrumento, será o de mais da metade do capital social, ou seja,
o de maioria absoluta do capital social (LUCENA, 2003).75
74 Conforme se extrai das regras contidas nos seguintes dispositivos do C.Civil/2002: Art. 1.071, II c/c art.1.076, II. (BRASIL, 2004, p.184). 75 Diverge desse entendimento o professor Fábio Ulhoa Coelho (2002, p.438), para quem, sempre, o quorum deliberativo deverá ser de ¾ do capital social. Fundamenta sua posição interpretando a designação como uma modificação do contrato social o que, para este estudo, não procede, pois, não se pode chamar de alteração contratual o ato que importa na primeira designação em contrato social do administrador sócio. Ou seja, entende-se que o contrato social – e não suas alterações – enquanto documento que traz as primeiras deliberações dos sócios acerca do nascimento da sociedade, quando registrar a designação do administrador, tal designação não pode ser entendida como
71
3.3.2 Escolha e designação de administradores não sócios
A condição do capital social, em relação à sua integralização, reclamará dos
sócios certa atenção quando desejarem que a escolha do administrador recaia sobre
pessoa que não integra o quadro societário. Pretendendo nomear um administrador
não sócio em momento que o capital social não se encontra totalmente
integralizado, só poderão fazê-lo mediante deliberação positiva unânime. De modo
diverso, se esta pretensão ocorrer em momento que o capital se encontre
integralizado em sua totalidade, o quorum deliberativo terá de ser de 2/3 do capital
social. Tratam-se de regras inscritas no artigo 1.061 do C.Civil/2002.76
A designação deste administrador, por sua vez, poderá ocorrer tanto através
do contrato social como em ato separado, e produzirá efeitos perante a sociedade
após registrada a investidura mediante apostação de sua firma no termo de posse
do livro de atas da administração. Perante terceiros, sua designação produzirá
efeitos somente após averbada sua nomeação no registro competente.
3.3.3 Designação: formalidades necessárias à produção de efeitos jurídicos
O vínculo jurídico, a relação jurídica entre a sociedade o administrador
designado em ato separado, se verá consumada somente após a assinatura do
termo de posse no livro de atas da administração. Essa formalização, de acordo com
a regra inscrita no artigo 1.062 do C.Civil/200277, é requerida em todos os casos em
alteração contratual, razão pela qual é de fácil inferência que o inciso I do artigo 1.076 não tem aplicação nesta situação, ao contrário do que ensina o mencionado doutrinador. 76 Comentando a regra do quorum estabelecida no art.1.061, José Waldecy Lucena a classificou como absurda a exigência da unanimidade ou do quorum qualificado de dois terços, por entendê-los muito elevado, ao mesmo tempo em que aplaudiu a iniciativa do Deputado Ricardo Fiúza em propor projeto de alteração do Código Civil em que o mencionado artigo passaria à seguinte redação: “O contrato pode permitir a designação de administradores não sócios”. (LUCENA, 2003, P.410). 77 C.Civil/2002, art.1.062: “O administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo mediante termo de posse no livro de atas da administração. §1º Se o termo não for assinado nos 30 (trinta) dias seguintes à designação, esta se tornará sem efeito.
72
que o administrador foi designado em ato separado, sendo ou não sócio.
A par disso, tem-se, a depender do caso, a designação no contrato social ou
em ato separado como pressuposto inicial para a formação do vínculo jurídico entre
o administrador e a sociedade. A designação ocorrendo em ato separado, para que
gere os efeitos jurídicos pretendidos, deverá se seguir da assinatura do termo de
posse no livro de atas da administração, sendo que a ausência desta formalidade
compromete a eficácia da designação.
Com relação aos efeitos jurídicos da designação do administrador perante
terceiros, seja de que forma ela ocorrer – via contrato social ou ato apartado – tal só
terá início a partir do efetivo registro na Junta Comercial do documento que o elevou
a tal função.
3.4 Poderes do administrador
A abordagem do tema relativo aos poderes do administrador corresponde
mais diretamente às competências, às atribuições reservadas legalmente a quem
desempenha esta função em uma sociedade empresária.78 É então que este item do
estudo volta-se, com exclusividade, à exploração das prerrogativas funcionais do
administrador, ou seja, à identificação das situações fáticas em gênero e espécie –
no que for possível esta última – em que está o administrador legitimado a atuar no
exercício de sua função, de tal forma que a abordagem temática relativa aos deveres
jurídicos, stricto sensu considerados, ficou reservada para item posterior.
Sendo a limitação da responsabilidade dos sócios em relação às obrigações
sociais um dos princípios norteadores das Sociedades Limitadas, a formatação das
atividades exercidas pela sociedade terá significativa importância para a
incolumidade do mencionado princípio, na medida em que certos limites são §2º Nos 10 (dez) dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer seja averbada sua nomeação no registro competente, mencionando o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o ato e a data da nomeação e o prazo de gestão”. (BRASIL, 2004, p.180). 78 O vocábulo competência traz consigo a idéia de legitimação, e quando vinculado a alguma pessoa, procura designar a capacidade atribuída a ela juridicamente, conferindo-lhe aptidão ou poder. (SILVA, 2008, p. 319). Assim também o vocábulo atribuição, que comporta duplo sentido: o primeiro designando prerrogativa, privilégio e competência (SILVA, 2008, p. 1.698); o segundo, designando uma obrigação, um dever jurídico, uma responsabilidade (HOUAISS, 2004).
73
legalmente estabelecidos para o exercício da empresa.
A sociedade externaliza a sua vontade através de seus órgãos.79 A gestão
interna, bem como a representação no âmbito externo necessária à realização de
negócios jurídicos, refletem a externalização de sua vontade e se operacionaliza
através da administração. Daí a assertiva de Alberto Xavier de que “a acepção
estrita de administração não se basta com a gestão, exige além disso a
representação” (XAVIER, 1979, p.20).80 Teorizando a distinção entre os poderes de
gestão e o de representação da sociedade, Modesto Carvalhosa pontuou que:
Representação é o poder de manifestar externamente, em relação a terceiros, a vontade social. Gestão é o poder de deliberação e decisão dos administradores. O poder de representação é mais amplo que o de gestão, pois aquele compreende também a execução das decisões e deliberações que são manifestações de vontade surgidas no âmbito interno da companhia e que, na maioria dos casos, tornam-se eficazes mediante o exercício da representação”. (CARVALHOSA, 1982, p.94-95).
A eleição pelos sócios do administrador de uma sociedade, sócio ou não,
quanto mais neste último caso, reflete um ato de fidúcia que reclama
correspondência, no sentido de se esperar da pessoa eleita para a assunção dos
misteres administrativos a adoção de procedimentos que proativamente se
harmonizem à consecução dos fins a que foi criada a sociedade, permeados sempre
por uma conduta leal e diligente, aos sócios que a elegeram e à própria sociedade.
O limite dos poderes conferidos ao administrador, para os atos de gestão e de
representação da sociedade, será aquele determinado no contrato social (PAES,
1978). Omisso quanto a esta matéria, conforme disposição do artigo 1.015 do C.Civil
de 2002, terá o administrador amplos poderes de gestão, excetuando-se os atos que
impliquem em oneração ou venda de bens imóveis, quando tais se confrontarem
com o objetivo social, do que dependerão, então, da aprovação majoritária dos
sócios.81 Percebe-se que o legislador atribuiu elevada importância ao contrato social
79 Dentre os quais, verbi gratia, a reunião de sócios, a assembléia de sócios e o conselho fiscal. 80 Ainda sobre a gestão e representação, pontuou o teórico: “[...] esta dicotomia gestão-representação, como fundamento do conceito jurídico de administrador encontra-se bem patenteada no art. 144 da Lei 6.404 quando afirma poderem competir a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular.” (XAVIER, 1979, p.21). 81 C.Civil/2002, art.1.015: “No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.” (BRASIL, 2004, p.171).
74
no que tange à fixação de poderes aos administradores.82 Carvalho de Mendonça já
defendia que o estatuto social ou a lei silenciando em relação à limitação dos
poderes do administrador, era-lhe deferida uma atuação ampla, geral em favor da
realização dos fins sociais: “cabe aos sócios-gerentes, em geral, praticar o
necessário para a administração da sociedade, independentemente de autorização
especial dos sócios”. (CARVALHO DE MENDONÇA, 1945, p.164).
A atividade empresarial das Sociedades Limitadas está estritamente
vinculada à prática de negócios jurídicos que, por sua vez, geram para ela, a
sociedade, direitos e obrigações. Tais relações, no entanto, não podem se
concretizar senão por intermédio da atuação do administrador que a (re)presenta,
cujos poderes para tanto encontram delimitação na manifestação volitiva dos sócios
inserta no contrato social ou mesmo em ato apartado, assim como na lei, cujos
comandos gerais direcionam-se a qualquer sujeito de direito. Sabendo-se que os
administradores são pessoas “legalmente autorizadas a praticar atos jurídicos em
nome, por conta e risco da sociedade personificada” (PIMENTA, 2007, p.100), disso
decorre a importância de que o referido instrumento consubstancie-se em redação
primorosa e atenta a esta matéria.
Dentre os poderes conferidos ao administrador pelos sócios que o elegem,
nenhum se mostra de maior relevância do que o de representação da sociedade.
Trata-se de um poder de atuação externa ao âmbito da sociedade, inerente à figura
da administração societária, e que lhe concede condições de executar, em nome
dela, os mais diversificados negócios jurídicos. Consoante doutrina de Pontes de
Miranda, já explicitada em item deste estudo, o administrador, na condição de
presentante legal da sociedade, torna presente a vontade da sociedade.
Trazer a lume os poderes dos administradores, a fim de que se tornem
conhecidas as limitações das suas atribuições funcionais, como já dito, implica na
tentativa de traçar uma diagnose das competências, das prerrogativas deste órgão.
Alguns teóricos já enfrentaram com mais profundidade esta experiência.
Diversificando a tendência de dizer que amplos são os poderes do administrador
82 Sistemática que se repete, sendo a mesma que orientou esse tema para as Sociedades Limitadas quando da vigência do Decreto 3.708/1919, assim como, desde aquele tempo até os dias atuais, para as Sociedades Anônimas, que no artigo 144 do seu diploma regente (Lei 6.404/76) traz a seguinte regra: “No silêncio do estatuto e inexistindo deliberação do conselho de administração (artigo 142, n. II e parágrafo único), competirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular.” (BRASIL, 2008, p.1.037).
75
desde quando não excetuados no contrato social ou na lei. Carvalho de Mendonça e
Teixeira de Freitas, nesta ordem temporal, elaboraram corajosamente um elenco de
competências correspondentes implicitamente à função do administrador,
exemplificativas obviamente (LUCENA, 2003).
Na redação sintetizada de Egberto Lacerda Teixeira, o elenco de
competências do administrador, estruturado por Carvalho de Mendonça, ficou assim
registrado:
a) Todos os atos compreendidos no objeto da sociedade e exigidos pela função normal da empresa, tais como comprar mercadorias e matérias-primas; vender produtos fabricados ou destinados à revenda, a prazo ou a dinheiro; locar prédios para instalação do estabelecimento, fábricas, escritórios, armazéns; ajustar contas, cobrar dívidas e dar quitação; contrair empréstimos e operações de crédito; b) subscrever obrigações sociais, como contratos in genere, letras de câmbio, notas promissórias, cheques, conhecimentos, warrants, etc.; c) usar de medidas conservatórias de direito, como interrupção de prescrição, inscrição de ônus reais, etc.; d) nomear e demitir empregados; e) representar a sociedade em juízo, ativa ou passivamente, e nomear advogados com todos os poderes ad judicia; f) exigir dos sócios as quotas e contingentes a que se obrigaram nos prazos e pela forma convencionados no contrato social. (TEIXEIRA, 1956, p.102).
Como se percebe, tais competências refletem um modelo de atuação
consubstanciado nas práticas mais comuns dos administradores de sociedades, de
tal forma que acabaram por se tornar na seara doutrinária um referencial, assim
como o da formulação exemplificativa proposta por Teixeira de Freitas que, similar,
posto não idêntica, nas letras de Pontes de Miranda assim ficou registrada:
a) os direitos da sociedade à cobrança das quotas ou sua integralização; b) em caso de perdas sociais, constantes dos balanços anuais, ou dos balanços intercalares, exigir dos sócios que tenham de responder por elas a prestação ou as prestações respectivas; c) cobrar as dívidas ativas da sociedade, dar quitação, ou reformá-las ou inová-las; d) pagar as dívidas passivas da sociedade; e) prestar a cada sócio o que, de conformidade com o contrato social, tenham de receber para despesas próprias (ou outros fins); f) proceder à distribuição dos lucros sociais, a que, segundo o contrato social e o balanço, os sócios tenham direito; g) assinar as concordatas dos devedores, assim como o que concerne à distribuição das massas concursais; h) alienar ou fazer outros negócios jurídicos, que caibam na atividade social, desde que o bem não faça parte do capital social; i) adquirir, a dinheiro, ou a crédito, bens móveis ou imóveis, que sejam necessários às operações da sociedade, ou para seu uso ou consumo; j) dar em locação bens móveis ou imóveis desde que o prazo não exceda o da duração da sociedade, nem se choque com o contrato social; k) tomar em locação bens imóveis, por tempo que não exceda o da duração da sociedade, em contra o que resulta do contrato social; l) assinar, pela
76
sociedade, contratos de trabalho que forem necessários à atividade social; m) contratar empreitada, ou outros contratos de que a sociedade necessite; n) propor ações e opor exceções, que cabem à sociedade e defender a sociedade nas ações propostas contra ela e exceções que contra ela foram opostas. (PONTES DE MIRANDA, 1965, p.406).
O que sobreleva em importância quanto aos poderes dos administradores é
que estes deverão atuar nos estritos limites da lei e do contrato social. Sendo esta a
referência primeira, a verificação acerca dos limites impostos pelos sócios no
contrato social assume significância ímpar, eis que nele se diagnostica pontualmente
as prerrogativas endereçadas ao administrador. Ausente manifestação do contrato
social, a referência a ser tomada pelo administrador acerca dos seus poderes será,
no caso das Sociedades Limitadas, a Lei, mais especificamente o artigo 1.015 do
C.Civil/2002, que lhe atribui a prática de “todos os atos pertinentes à gestão da
sociedade”. (BRASIL, 2004, p.171). Além do contrato social e da lei, outros são os
elementos referenciais capazes de auxílio ao procedimento que visa identificar os
poderes do administrador, destacando-se aqueles em que haja manifestação
explícita dos sócios. Não deve descurar o administrador, obviamente, das
competências fixadas para outros órgãos, de tal forma que evite encampá-los.
Quanto ao tema da necessária observância ao contrato social, o seguinte
escólio de Egberto Lacerda Teixeira:
Há que distinguir, portanto, entre a prática de atos estranhos ao objeto social (abuso) e a prática de atos que, embora dentro do objeto social, o foram com inobservância dos preceitos estatutários (excesso). Duas sortes de relações jurídicas estão em jogo. Uma, de ordem interna, entre o gerente e os sócios. E outra, de projeção externa, entre a sociedade e os terceiros com quem o gerente contratou. Internamente, se o gerente, embora desrespeitando cláusulas estatutárias, procedeu com a concordância explícita ou tácita dos outros sócios, é óbvio que nenhuma responsabilidade pessoal lhe pode ser assacada pelos sócios. Se, todavia, os atos abusivos do gerente não foram autorizados, ou ratificados, pelos sócios, cabe a estes a ação de responsabilidade que o caso comportar. [...] Externamente, a firma do gerente empregada dentro dos limites objetivos e subjetivos, traçados pelo contrato social, obriga a todos os sócios, isto é, vincula a sociedade. Se empregada em negócios estranhos ao objeto social, a firma do gerente não deve vincular a sociedade nem os sócios que a tais não anuíram. (TEIXEIRA, 1987, 46-47).
Embora possa haver um ou outro item sobre o qual este estudo não se afina
com os pontos de vista do autor, como ocorre por exemplo quanto à inexistência de
responsabilidade da sociedade ante terceiros pelos atos que o administrador
cometer com excesso de poder, ponto que será melhor explorado em outro capítulo
77
deste trabalho, certo é que sua teoria se afina a de tantos outros de sua época,
acabando por incorporar um referencial.
Como “centro de manifestação da vontade da pessoa jurídica” (XAVIER,
1979, p.21), a administração social encontra na pessoa do administrador a forma de
operacionalizar suas atividades internas e externas. Na condição de órgão de
representação da sociedade, eis que age em seu nome e interesse, o administrador
não responderá pelo exercício regular de gestão (PAES, 1978). Disso emerge
elevada importância de que o administrador, em sua atuação funcional, paute suas
ações dentro dos limites impostos pela lei e pelo contrato social, sendo que, de outra
forma, caracterizada a ilegalidade em sua forma estrita, ou o excesso de mandato,
poderá responder civil e penalmente pelos prejuízos que causar decorrentes dessa
inobservância.
3.5 Deveres jurídicos concernentes à função
A consulta ao contrato social e à lei é um imperativo intimamente ligado à
identificação das competências do administrador. De tais competências, extraem-se
aquelas que são meras prerrogativas, no sentido de que se revestem da condição
de faculdades atribuídas ao administrador. São, assim, faculdades. Há, de outra
forma, aquelas que são deveres jurídicos, ou seja, que assumem a condição de
prestações obrigacionais, a exemplo, a estrita observância ao objeto social que, por
ser elemento designativo da capacidade negocial da sociedade, é também elemento
fixador de limites à atuação do administrador.
O exame e observância a todo o conteúdo do contrato social e à lei surgem
como deveres jurídicos inaugurais dos administradores de sociedades limitadas
empresárias, dos quais não devem se descuidar, a fim de extrair do primeiro
instrumento o animus empresarial da sociedade, os seus poderes e limites, eis que,
conforme pontuou Gustavo Saad Diniz, no “caso das sociedades empresárias, o
núcleo fático volitivo é emanado dos órgãos com poderes de representação da
pessoa jurídica, de acordo com o que é determinado pelo contrato social.” (DINIZ,
2003, p.112).
Constituída a relação jurídica obrigacional entre a sociedade empresária e o
78
administrador, surge para este a condição de devedor de múltiplas prestações
obrigacionais. Passa à condição de devedor da sociedade empresária, dos sócios,
de terceiros que realizam operações negociais com a sociedade, do poder público e
da sociedade civil (TEIXEIRA, 1956). Algumas dessas obrigações são de fácil
identificação em razão da própria natureza da função, consubstanciada
essencialmente na gestão interna e externa das atividades empresariais da
sociedade, com vistas à consecução do seu objetivo e, consequentemente, à
obtenção do lucro, como registrou Pimenta:
A tarefa do administrador é conduzir a sociedade no exercício da empresa. A sua atribuição jurídica para contrair direitos e obrigações em nome da sociedade é mera decorrência do verdadeiro ônus que possui: empregar seus conhecimentos e habilidades pessoais para, diante das limitações materiais e financeiras e das circunstâncias econômicas que o cercam, gerar lucro a partir da atividade empresarial desenvolvida pela sociedade. (PIMENTA, 2007, p.101)
Mesmo reconhecendo a impossibilidade de uma enumeração taxativa dos
deveres dos administradores de sociedades, e por esta razão defendendo uma
abordagem mais genérica do tema, Tavares Paes arrola alguns desses deveres sem
pretensão de esgotá-los, que neste estudo serão reproduzidos na medida de sua
conveniência e atualidade com a legislação em vigor, suprimindo-se alguns
comentários do autor. Sob a epígrafe deveres funcionais no direito comparado,
elencou o autor os seguintes:
1. Dever de cuidar da ordenada escrituração comercial da sociedade [...]; 2. Dever de apresentar o balanço da gerência e outros documentos [...]; 3. Dever de não obter crédito não autorizado da sociedade a seu favor [...]; 4. Dever de apresentar à assembléia um relatório sobre as convenções existentes, diretamente ou por interposta pessoa entre a sociedade e um dos seus gerentes [...]; 5. Dever de prestar caução, quando não seja dispensada;83 6. Dever de convocar a assembléia de sócios [...]; 7. Dever de requerer diversos registros [...].84 (PAES, 1978, p.15).
83 De prática pouco habitual no Direito Societário brasileiro, a caução acusa surgimento no âmbito das Sociedades Anônimas, passando posteriormente a integrar norma do Decreto 3.708/1919 (Art. 12 - Os sócios-gerentes poderão ser dispensados de caução pelo contrato social.) Obsoleto o instituto da caução, notadamente pela sua quase inaplicabilidade porque no mais das vezes dispensada, até mesmo nas Sociedades Anônimas, o C.Civil de 2002 deixou de discipliná-lo. No entanto, isto não importa em sua inexigibilidade e isto por duas razões: a) pela aplicação supletiva das normas das Sociedades Anônimas que ofertam tratamento jurídico à matéria; e b) pela disposição desta exigência no contrato social. (LUCENA, 2003, p.475-476). 84 Correspondência com os arts.1.020, 1072, 1.012 do C.Civil/2002. (BRASIL, 2004, p.171-172 e 182).
79
Sabe-se que os deveres dos administradores ultrapassam os acima
referenciados, sendo tantos outros, como por exemplo o de observar as condições e
limites de sua atuação preconizados no contrato social quando houver administração
colegiada, plúrima (LUCENA, 2003).
Outras obrigações possuem conteúdo mais abstrato, principiológico, como é o
caso dos deveres de diligência e de lealdade, haja vista que o seu conteúdo
semântico invoca certa imprecisão, como comenta Tavares Paes, ao dizer que a
“diligência e o interesse social [...] não podem ser definidos em lei”. (PAES, 1978,
p.11). Tais deveres, contudo, assumiram elevada importância no universo do Direito
Empresarial, contribuindo para a aferição de desempenho do administrador
(COELHO, 2002, p. 440).
Reproduzindo norma paradigmática, de comando genérico e sintético, da
LSA85 quanto aos deveres dos administradores, o artigo 1.011 do C.Civil de 2002, ao
dizer que o “administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o
cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração de seus próprios negócios” (BRASIL, 2004, p.171), acabou por
destacar o dever de diligência como dos principais concernentes à atuação funcional
do administrador. Em crítica ao jargão “bom pai de família” por tê-lo impróprio como
designativo do que seja o dever de diligência, Tavares Paes evocou noção do
direito alemão do “gerente ordenado e consciencioso”. (PAES, 1978, p.17-18).86
A catalogação de todos os deveres jurídicos do administrador se tornaria uma
tarefa melhor aceita em trabalho específico, haja vista o quanto a pontuação de cada
um deles poderia se arvorar, consumindo muitas páginas, sem contar o risco que se
correria de escapar a menção de algum deles e em razão disto ser objeto de crítica
oportunista. Sobre isto comentaram Orlando Gomes e Tavares Paes, o primeiro
85 Lei. 6.404/1976, art.153: “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.” (BRASIL, 2008, p.1.039). 86 Pimenta (2007, p.113) pontua que “o emprego da ‘capacidade técnica e profissional’ no desempenho das funções reflete a noção do dever de diligência do administrador, o que parece uma atribuição um pouco limitada, uma vez que a diligência invoca tantos outros elementos dissociados da capacitação técnica e profissional, como, verbi gratia, o próprio ânimo do agente. Ausente o elemento anímico, que em nada se relaciona com a capacidade técnica ou profissional, de nada servem tais capacitações porque o seu ‘emprego’ se verá frustrado.” Por isso, entende-se, mencionou Tavares Paes o predicado “consciencioso”.
80
dizendo que a qualificação dos deveres funcionais seria possível de se obter através
do uso dos critérios sintético e analítico, e o segundo dizendo que a despeito de o
critério analítico oferecer mais segurança, impossível a enumeração taxativa dos
deveres dos administradores (PAES, 1978).
Não deve ser por outra razão que os juristas que doutrinaram acerca da
matéria não se aventuraram nesta tarefa, conduzindo seus escritos apenas em
abordagem identificadora das referências mais genéricas acerca dos deveres do
administrador (PAES, 1978), donde sempre se avultou em importância os deveres
de diligência e lealdade. Deveres esses que possuem vínculo finalístico com o
princípio do neminem laedere, máxima do Direito Romano, correspondente ao dever
geral de que a ninguém se deve prejudicar (CAVALIERI FILHO, 2007, p.1).
Como deveres de diligência tem-se a obrigação do administrador em conduzir
os negócios da sociedade com as cautelas e emprego de técnicas que denotem
postura zelosa, sempre com vistas ao atingimento do objetivo social. Quanto ao
dever de lealdade, este se manifesta como obrigação do administrador em manter
reservados os negócios sociais, deixar de usar em seu beneficio ou de terceiro
oportunidades negociais direcionados à empresa as quais teve acesso em função do
cargo que exerce, proteger os direitos da sociedade, e outros da mesma ordem.
(REQUIÃO, 2009). Tavares Paes, quanto ao dever de lealdade, nominou de “regras
de ouro do decálogo do administrador”, as seguintes vedações:
I- usar, em seu benefício, ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício do seu cargo; II – omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia; III – adquirir, para vender com lucro, bem ou direito que se sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir. (PAES, 1978, p.24).
Negligenciando o administrador tais deveres de diligência e de lealdade,
desrespeitando as normas legais ou as disposições contidas no contrato social,
configurado ou não o excesso de poder87, será responsabilizado pelos danos que
causar a ela, aos sócios e aos terceiros que terão em desfavor dele ação de
87 Do qual é espécie, conforme Lucena, o desvio de poder. Nas palavras do autor: “Correto de conseguinte, classificar-se o desvio de poder como uma espécie do excesso de poder. Se o ato é praticado in fraudem legis, verifica-se o desvio de poder. Se o ato é praticado contra legem, ocorre o excesso de poder propriamente dito.” (LUCENA, 2003, p. 436). Cita, ainda o autor a lição de Comparato: “o desvio de poder consiste, assim, num afastamento não da forma mas do espírito da lei, representando ao típico de fraus legi, e não contra legem”. (LUCENA, 2003, p. 437).
81
responsabilização (FERREIRA, 2003, p.93). Nesse sentido é a lição de Trajano de
Miranda Valverde:
Na sociedade por cotas de responsabilidade limitada, os sócios gerentes, como nas sociedades anônimas, não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade. Respondem, porém, para com esta e para com terceiros, solidária e ilimitadamente, pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei. (VALVERDE, 1955, p.87)
Nesse passo, entende-se que no exercício de suas atividades funcionais,
surgem para o administrador como deveres gerais, a diligência e lealdade perante a
sociedade e os sócios, a estrita observância à lei e ao contrato social, notadamente
quanto ao objetivo social e às competências que lhes foram atribuídas, de tal forma
a afastar a incidência de prejuízos de qualquer ordem à sociedade empresária, aos
sócios, a terceiros que com ela hajam ou não estabelecido negócios jurídicos, assim
como à sociedade civil.
3.6 Do vínculo jurídico entre o administrador e a s ociedade
Já se viu que o administrador é órgão da sociedade limitada empresária,
através do qual ela externaliza sua vontade em direção à consecução do objetivo
social e do lucro. Em vista disso, inafastável a inferência de que entre o
administrador e a sociedade há um liame, um vínculo jurídico.
3.6.1 Formação do vínculo
Em se tratando de sociedade empresária limitada, de acordo como a Lei n.º
10.406/2002 (Novo Código Civil), o vínculo jurídico entre ela e seu(s)
administrador(es) poderá ocorrer de três formas: a primeira concerne à designação
de um ou mais administradores no próprio contrato social; a segunda, por meio da
82
designação feita em ato separado88 quando se tratar de administrador não sócio ou,
sendo sócio, nos casos em que sua designação não conste no contrato social89; a
terceira, menos comum, por decisão judicial90.
A consumação do vínculo jurídico entre o administrador designado em ato
separado e a sociedade depende, no entanto, de uma outra formalização, qual seja,
a assinatura do termo de posse no livro de atas da administração, ex vi do artigo
1.062 do C.Civil/2002. A assinatura do termo de posse, na verdade, compreende a
todos os casos em que o administrador for designado em ato separado, quer seja ou
não sócio.
Tem-se então, por conseguinte, como formação do vínculo jurídico entre o
administrador e a sociedade, por primeiro, o contrato social quando se tratar de
administrador sócio. Já em se tratando de administrador não sócio ou de
administrador sócio que não tenha essa função mencionada no contrato social, a
formação do vínculo jurídico se materializará a partir da designação em ato separado
somada à assinatura do termo de posse no livro de atas da administração. Vale
frisar, quanto a esta última formalidade exigida, que somente a designação em ato
separado, de acordo com a lei, compromete a eficácia da designação do
administrador. O parágrafo 1º do artigo 1.062 diz que “se o termo não for assinado
nos 30 (trinta) dias seguintes à designação, esta se tornará sem efeito.” (BRASIL,
2004, p.180).
3.6.2 Efeitos jurídicos do vínculo
Estabelecido o vínculo jurídico entre a empresa e o administrador, constituída
está uma relação jurídica obrigacional.
Orlando Gomes (2001), em sua obra Introdução do Direito Civil, comenta que
o conceito de relação jurídica foi, com grande contribuição da doutrina pátria,
88 C.Civil/2002, art.1.060: “A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.” (BRASIL, 2004, p.179). 89 C.Civil/2002, art.1.062: “O administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo mediante termo de posse no livro de atas da administração.” (BRASIL, 2004, p.180). 90 Ex vi do art.49 da Lei n.º 10.406/2002 (Novo Código Civil). (BRASIL, 2004, p.37).
83
permeado de “confusões”. Informa o autor que alguns doutrinadores, ao se referirem
à expressão relação jurídica, trataram-na sob a égide do conceito relativo à situação
jurídica subjetiva. O referido autor infere que o conceito de relação jurídica é passível
de determinação a partir de dois aspectos:
No primeiro é o vínculo entre dois ou mais sujeitos de direito que obriga um deles, ou os dois, a ter certo comportamento. É, também, o poder direto de uma pessoa sobre determinada coisa. No segundo, é o quadro no qual se reúnem todos os efeitos atribuídos por lei a esse vínculo, ou a esse poder. Em outras palavras, é o conjunto de efeitos jurídicos que nascem de sua constituição, consistentes em direitos e deveres. (GOMES, 2001, p.93).
Hans Kelsen, ao tratar do conceito de relação jurídica, apresentou a seguinte
contribuição: “Relação entre normas, ou seja, entre o dever jurídico e o direito reflexo
que lhe corresponde, sendo este último o dever jurídico, isto é, a própria norma
jurídica [...]” (KELSEN apud DINIZ, 1998, p.120-121).
Von Thur, por sua vez, entende a relação jurídica como “Relação entre uma
pessoa e uma coisa (direito real); entre duas pessoas (direito pessoal); entre uma
pessoa e determinado lugar (domicílio)” (THUR apud DINIZ, 1998, p.121).
De Plácido e Silva (2008) atribui à relação jurídica o vínculo jurídico capaz de
estabelecer uma união entre uma pessoa e um objeto91, inclinando-se mais pela
vertente teórica que privilegia o entendimento de que a relação jurídica invoca os
direitos reais, excluindo de sua conceituação o vínculo possível e óbvio entre duas
pessoas como defendida por Von Thur e Orlando Gomes, assim como a relação
jurídica emanada da força legal como frisou Kelsen.
Em sentido semelhante está a formulação de Olímpio da Costa Júnior, para
quem a relação jurídica é “vínculo individual, direto e concreto entre sujeitos certos e
determinados”. (COSTA JÚNIOR, 1994, p.13) Sendo a relação jurídica um vínculo
entre sujeitos certos e determinados, fácil é concluir que para o referido autor, não
há espaço para a concepção de que a relação jurídica pode se ocupar das relações
entre pessoas e coisas e também entre pessoas e lugares, afigurando-se um
conceito demasiadamente excludente e coadunado com a vertente subjetivista.
Privilegiando também as pessoas na formulação conceitual de relação
jurídica, Houaiss e Villar a conceberam como:
91 “É a expressão usada para indicar o vínculo jurídico, que une uma pessoa, como titular de um direito, ao objeto deste mesmo direito.” (SILVA, 2008, p.1.195).
84
Relação que une duas pessoas em razão da ocorrência de um fato com relevância jurídica, onde uma das partes, sujeito ativo, possui um direito subjetivo em relação à outra parte, sujeito passivo, que possui o dever de realizar a devida prestação; relação de direito. (HOUAISS; VILLAR, 2001, p.2.420).
Percebe-se, então, dos conceitos articulados, ora a exclusão da pessoa de
um dos pólos da relação jurídica, ora a exclusão da res, confirmando assim a
assertiva de Orlando Gomes quanto às “confusões” que permeiam a formulação
conceitual doutrinária de relação jurídica.
As dissonâncias são evidentes. Enquanto Orlando Gomes, De Plácido Silva e
Olímpio da Costa Júnior concebem a relação jurídica como um vínculo, Hans
Kelsen, Von Thur e o dicionarista Houaiss a entendem como relação. A isto se soma
o fato de que o vínculo citado por Gomes o foi em sua mais simples concepção, ou
seja, apenas vínculo; De Plácido referiu-se a vinculo jurídico e Olímpio da Costa
Júnior a vínculo individual.
No entanto, requer este estudo a adoção de um dos critérios formulados, a
fim de vinculá-lo ao propósito do capítulo. Entendendo que a formulação conceitual
apresentada por Orlando Gomes abarca todas as situações passíveis de serem
classificadas como relação jurídica, adere-se a ela, promovendo, no entanto, alguns
ajustes para que assim se conceba um conceito similar: Relação jurídica é o
vínculo92 entre dois ou mais sujeitos de direito que obriga93 um deles, ao outro, a
terceiro, ou entre si, a agirem de acordo com um comportamento esperado94. É
também o poder95 direto de uma pessoa sobre determinada coisa96. É, em segundo
tempo, o conjunto de efeitos jurídicos que nascem da constituição da relação
jurídica, consistentes em direitos e deveres.
Da noção formulada para relação jurídica, cujos elementos foram em sua
grande maioria extraídos daquela proposta por Orlando Gomes, evidencia-se a
inserção do caráter obrigacional. A despeito de a obrigação estar inserta no universo
conceitual de relação jurídica, porque toda relação jurídica pressupõe uma
92 vínculo: liame que liga duas partes. Ou seja, aproxima sujeitos de direito. 93 Porque o vínculo imputa uma obrigação ao sujeitos da relação jurídica. 94 comportamento esperado: reflexo da obrigação. 95 Reflete o direito potestativo, a facultas agendi. 96 A título de exemplo, o poder exercido por um proprietário de imóvel sobre este imóvel.
85
obrigação, seja ela qual for, a semelhança de conceitos é bastante considerável. A
notável similitude entre os conceitos pode ser melhor verificada em algumas
construções doutrinárias arrolada por Serpa Lopes:
Segundo POTHIER, a obrigação consiste um vínculo de direito, que nos subordina a respeito de outrem a dar-lhe alguma coisa ou a fazer ou não fazer alguma coisa. AUBRY et RAU toma-a, porém, como a necessidade jurídica, por força da qual uma pessoa fica subordinada em relação à outra, a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, ao passo que POLACCO apresenta-a como a relação jurídica patrimonial, por força da qual uma pessoa (que se diz debitor) é vinculada a uma prestação (de índole positiva ou negativa), em face de outra pessoa (que se diz credora). Para DÉMOGUE, a obrigação apresenta-se como a situação jurídica, que tem por objeto uma ação ou obtenção de valor econômico ou moral, da qual certas pessoas devem assegurar a realização. LACERDA DE ALMEIDA definiu-a como ‘o vínculo jurídico pelo qual alguém está adstrito a dar, fazer, ou não fazer alguma coisa’. Entretanto, mais concisa é definição de DERNBURG, considerando as obrigações como ‘relações jurídicas, consistentes num DEVER DE PRESTAÇÃO, tendo valor patrimonial, do devedor ao credor’. (LOPES, 1962, p.9-10).
Para Orlando Gomes obrigação “é, numa relação jurídica, o lado passivo do
direito subjetivo, consistindo no dever jurídico de observar certo comportamento
exigível pelo titular desta”, assim como o “vínculo jurídico em virtude do qual uma
pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de outra”, cujo elemento
“decisivo do conceito é a prestação.” (GOMES, 2000, p.6). Percebe-se a utilização
da expressão vínculo jurídico, diferente do que fez quando conceituou relação
jurídica, utilizando-se somente do termo vínculo. Reforça a correlação entre a
prestação, a satisfação e obrigação.
Das concepções apresentadas, verificamos que a prestação é o elemento
comum. Os citados autores, no labor conceitual de obrigação, inclinaram-se pela
necessidade de um determinado sujeito da relação, vínculo ou situação jurídica
observarem um dever, um encargo a ele atribuído, vale dizer, uma prestação. Esse é
o ponto comum.
Dissonâncias se evidenciam, porém, quando inserem essa prestação num
determinado contexto de aplicação. Enquanto Lacerda de Almeida e Orlando Gomes
concebem a obrigação como um vínculo jurídico, Polacco e Dernburg a concebem
como relação jurídica, e Démogue como situação jurídica. Infere-se, num primeiro
momento, tratar-se de uma sinonímia entre vínculo jurídico, relação jurídica e
situação jurídica, até mesmo porque, nas formulações de Orlando Gomes, percebe-
86
se a utilização ora da locução vínculo jurídico, ora de relação jurídica. Mas é também
Orlando Gomes quem pondera que “Situação jurídica é toda categoria geral que se
específica numa relação jurídica (...). Situação jurídica é o gênero do qual a relação
jurídica constitui uma das espécies.” (GOMES, 2001, p.102).
Considerando esse detalhe, conclui-se que se a relação jurídica constitui uma
espécie de situação jurídica, de tal forma que para a conceituação de obrigação,
melhor uso é o da expressão relação jurídica vez que sempre atrelada a uma
obligatio. Enquanto a situação jurídica exprime um contexto mais genérico que pode
não implicar necessariamente em uma obrigação, o mesmo não se pode inferir da
relação jurídica que, sempre, é obrigacional.
A despeito das dissonâncias apresentadas pelos autores e aqui referidas, o
conceito de obrigação que melhor se ajusta para este estudo, assim como pela
técnica utilizada, será aquele formulado por Dernburg, do qual Serpa Lopes o tem
como mais apropriado: “relações jurídicas, consistentes num dever de prestação,
tendo valor patrimonial, do devedor ao credor.” (LOPES, 1962, p.10).
Empós as noções cediças apresentadas acerca dos conceitos de relação
jurídica e de obrigação, apropriada então se mostra um explanação acerca da
relação jurídica obrigacional, que, como é de fácil percepção, conjuga os dois
institutos, de tal forma que se evidencie a existência dessa modalidade de relação
entre o administrador e a sociedade limitada empresária.
Numa tentativa de promover uma somatória dos elementos que compõem os
dois conceitos, a fim de se chegar ao conceito de relação jurídica obrigacional,
verificou-se balda e frustrante a intenção. Ocorre que, conforme demonstrado, a
proximidade conceitual entre os institutos da relação jurídica e da obrigação é
evidente e redundante em muitos aspectos. A seara que a obrigação encontra
abrigo será sempre a relação jurídica; relação jurídica sem obrigação (vínculo
obrigacional) é inconcebível, diferente do que acontece com a situação jurídica; a
relação jurídica, como a obrigação, é um vínculo entre sujeitos; a prestação está
para a obrigação nos mesmos moldes da relação jurídica. Enfim, os conceitos se
entrecruzam, confundindo-se, pois cada instituto está diretamente vinculado ao
outro. Despicienda então, mostra-se a inserção do vocábulo obrigacional quando se
quer dizer que uma relação jurídica tem caráter de imputar uma prestação a outrem,
pois a expressão relação jurídica, de per se, compreende o vínculo obrigacional
entre sujeitos de direito, onde a um ou ambos será atribuída uma prestação jurídica
87
obrigacional.
Washington de Barros Monteiro registrou com muita propriedade que as
fontes de obrigações são os contratos, as declarações unilaterais de vontade, os
atos ilícitos e a lei, elegendo esta última como fonte primária e única de todas as
obrigações. Uma verdade que não pode ser contestada pois, como ele mesmo
expõe,
As obrigações que nascem das declarações unilaterais de vontade são igualmente obrigações que derivam da lei, porque é esta que lhes dá plena eficácia. Assim também quanto às obrigações provenientes de atos ilícitos, porque é a lei que impõe ao culpado a obrigação de ressarcir, consagrando-lhe a responsabilidade civil. (MONTEIRO, 2001, p.3).
Isto remete a outra inferência, mais simples e óbvia porém não merecedora
de descarte: se a relação jurídica obrigacional implica em um vínculo entre sujeitos
de direito, este vínculo obrigacional deverá nascer de um contrato, ou de uma
declaração unilateral de vontade, ou de um ato ilícito, ou da lei, sendo que esta
última sempre será a fonte primária, enquanto as outras fontes são circunstanciais.
A par de todo o exposto, impositiva, de conseguinte, a conclusão de que a
relação jurídica obrigacional traduz-se num vínculo obrigacional pessoal que imputa
a um sujeito uma prestação de dar, fazer ou não fazer, que tem como elementos a
incidência de uma norma jurídica sobre uma situação fática juridicamente concebida,
os sujeitos ativo e passivo da obrigação, o objeto e o vínculo jurídico específico
(COSTA JÚNIOR, 1994).
Sendo assim, no contexto em que uma relação jurídica obrigacional
compreende necessariamente um vínculo obrigacional entre sujeitos de direito, e
que esse vínculo terá como fonte primária a lei e secundária um contrato, uma
declaração unilateral de vontade ou ainda um ato ilícito, inafastável a inferência de
que entre o administrador de sociedades limitadas empresárias e estas há uma
relação jurídica obrigacional, nascida a partir de um vínculo jurídico legal e
contratual.
O contrato e a lei são, pois, as fontes do vínculo jurídico entre a sociedade o
seu administrador. Já o ato separado que designa o administrador, a despeito de
não se revestir da condição de contrato social, é um instrumento contratual que
representa a manifestação de vontade das partes, e mais, consagrado pela lei
regente. O administrador é a figura contratada para gerir os interesses da sociedade
88
e esta, por sua vez, é a contratante. A particularização da natureza jurídica dessa
relação contratual, identificadora do tipo de contrato, será melhor explorada em outro
capítulo deste estudo.
Como decorrência desse vínculo jurídico tem-se então o estabelecimento da
relação jurídica obrigacional entre administrador e sociedade, e atrelada a esta
relação, um arcabouço de prestações obrigacionais para um e outro, cuja
inobservância pode ensejar a responsabilização de ambos.
3.7 A destituição do administrador
A cessação do mandato do administrador pode ocorrer em razão de distintas
situações: a) destituição; b) renúncia; c) decurso de prazo ajustado para a
administração, sem recondução.
O administrador é destituível ad nutum, ou seja, a qualquer tempo e, na
maioria dos casos, prescinde de justificação (LUCENA, 2003). Porém, assim como
sua designação, a destituição do administrador importa na necessidade de os sócios
atentarem para o quorum deliberativo legal ou normativo, este último convencionado
no contrato social.97
No entanto a destituição poderá ocorrer de forma diversa à deliberação dos
sócios, sendo o que ocorre, por exemplo, quando o exercício do cargo de
administrador teve prazo de duração fixado no contrato social ou em ato apartado,
de acordo com a opção pretérita dos sócios. Nesta situação, decorrido o prazo de
duração do exercício de administrador e não havendo recondução, deverá
sociedade providenciar imediatamente o substituto para a função.
Em se tratando de designação de administrador por tempo indeterminado e
desejando os sócios promoverem a destituição do mesmo, há que ser observado
primeiramente, no que tange ao quorum deliberativo dessa matéria, se o
administrador foi designado no contrato social ou em ato apartado. Se sócio, ou não,
97 Interessante o registro do autor de que “a demissibilidade ad nutum” do administrador é “uma garantia dada pela lei aos consócios, para lhes assegurar o controle do governo e a administração da sociedade, ainda que esta tenha somente dois sócios. É um ponto de equilíbrio entre a amplitude de poderes do administrador e o governo da sociedade, este pertencente aos sócios, que controlam e fiscalizam aquele”. (LUCENA, 2003, p.481).
89
com designação em contrato social, a sua destituição reclama deliberação de 2/3 do
capital social, isto se o contrato social não contemplar outro quorum, maior ou
menor. Quanto aos administradores designados em ato apartado do contrato social,
quer sócios ou não, impõe o inciso II do artigo 1.076, que sua destituição via
deliberação implica na observância do quorum que deverá ser o da maioria absoluta
dos sócios, ou seja, de mais da metade do capital social.
Lucena entende que assim como é dado ao corpo societário destituir ad
nutum o administrador, este poderá também “renunciar às suas funções, sem que
seja obrigado a justificar o ato e sem ter que indenizar a sociedade”. (LUCENA,
2003, p.482). Esta inferência merece alguns ajustes. Ocorre primeiramente que a
renúncia sem justificativa do ato e tampouco sem indenização somente será possível
se houver concordância dos sócios, eis que se desse ato decorrer prejuízo para a
sociedade, o administrador poderá ser chamado a responder pelo dano. Não se
pode ladear a existência de um ajuste contratual, do qual surgiu um vínculo e uma
relação jurídica obrigacional para ambas as partes. Quando verificada que a
designação se deu por prazo determinado, a situação se agrava tanto para um
quanto para outro lado, eis que, em havendo cláusula indenizatória, não há, prima
facie, como afastar a indenização referida por Lucena, senão através da
apresentação de uma justificativa albergada pela ordem jurídica. Sintetizando, certo
é que em se constatando prejuízo pela destituição ou renúncia do administrador, a
indenização somente será afastada pela condescendência do prejudicado, ou,
senão pela justa causa enquanto elemento excludente da responsabilidade.
Pontes de Miranda, também citado por Lucena, quanto ao tema registrou:
A incumbência, no contrato de sociedade, pode ser a prazo, ou sem prazo. Se sem prazo, os poderes podem ser retirados quando a maioria dos sócios o entenda, em assembléia geral. Se há prazo, para que os poderes sejam retirados, é preciso que haja denúncia cheia, isto é, denúncia em que se alegue “causa legítima superveniente”. Se a incumbência foi posterior à conclusão do contrato e não há cláusula contratual que regule a denunciabilidade, essa é vazia, e podem ser afastados os gestores sócios”. (PONTES DE MIRANDA, 1965, p.123).
Diante de tais ponderações, não há como concordar com Lucena quanto à
liberalidade de se destituir o administrador ou deste renunciar sem implicâncias
indenizatórias, de modo que este posicionamento deixa de considerar alguns
aspectos concernentes à teoria geral dos contratos, assim como à teoria geral da
90
responsabilidade civil.
Mitigando o teor da afirmação, Lucena apresenta um rol de situações fáticas
caracterizadoras da justa causa: “incapacidade física ou mental, má conduta notória,
incapacidade técnica, negligência habitual, má gestão, concorrência desleal,
violação dos estatutos ou da lei, excesso ou desvio de poder” (LUCENA, 2003,
p.484).
O que de fato precisará se observar no caso de destituição do administrador,
sócio ou não, são os aspectos relativos ao quorum deliberativo imposto pela lei ou
pelo contrato social diretamente relacionado com o instrumento de designação, sem
contudo atribuir uma liberalidade completa dos sócios desvinculada dos aspectos de
ordem indenizatória e da justificativa, eis que em algumas circunstâncias um ou
outro podem quedar-se inafastáveis.
4 A TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRA SILEIRO
91
O universo normativo do Direito, voltado a construções que visem privilegiar a
regulamentação das relações sociais, cuja complexidade se acentua à medida das
evoluções dos seus múltiplos mecanismos, consagrou a responsabilidade civil como
interessante capítulo do conhecimento jurídico, bem como categoria fundamental da
ciência do Direito.
4.1 Responsabilidade: aspectos conceituais
Em capítulo introdutório de seus escritos sobre o tema da responsabilidade
civil, Gagliano e Pamplona Filho (2006, p.1), estratégica e didaticamente ofertam a
seguinte indagação: “De quem é responsabilidade?”. O objetivo da formulação,
obviamente, é de natureza instigatória, desejando invocar no receptor da indagação
reação que de acordo com o contexto pode assumir resposta distinta. E isto porque
o vocábulo responsabilidade invoca significativa flutuação terminológica. Não
obstante, de todas as acepções consagradas pelo uso no âmbito jurídico ou fora
dele, duas são sempre recorrentes: a responsabilidade enquanto atribuição de um
dever, de uma obrigação originária decorrente da assunção de um compromisso,
jurídico ou não; e a responsabilidade enquanto atribuição de um dever de responder
por uma determinada situação fática que teve origem no descumprimento de uma
obrigação originária. Nesse passo, a responsabilidade pode ser jurídica ou
descambar para outros campos da realidade social, pois como alertou José de
Aguiar Dias, a “responsabilidade não é fenômeno exclusivo da vida jurídica, antes se
liga a todos os domínios da vida social” (DIAS, 2006, p.4). Porém, conforme se
mostrará, não é sob tão ampla acepção que o vocábulo é empregado no Direito.
Na tentativa de ilustrar as citadas acepções, pode-se exemplificar para a
primeira o fato de que ao gerarem um filho, os pais são os primeiros responsáveis
pela sua formação escolar, ou seja, sob este aspecto, estão moral e juridicamente
obrigados, ao menos, a matricularem este filho em uma escola. Se, ao contrário,
deixam de matriculá-lo, são responsáveis pelos efeitos danosos dessa negligência,
no sentido de que deverão arcar com as consequências jurídicas e sociais negativas
do fato. Em um e em outro exemplo percebe-se a noção de obrigação, sendo uma
originária e outra decorrente, sucessiva. Nesse sentido, respondendo a pergunta de
92
Gagliano e Pamplona Filho, os responsáveis pela matrícula do filho são os pais,
assim como responsáveis também são pelos eventuais danos que causarem a ele
caso não envidem os esforços necessários para a efetivação dessa matrícula.
Responderão, assim, pelas obrigações assumidas ou impostas a partir do fato
jurídico e social da paternidade e da maternidade.
Dessa dicotomia vocabular extrai-se a inferência de que o termo
responsabilidade faz parte do reino das palavras cuja conotação é preciso definir,
especificar bem os seus limites e o sentido que guarda em determinadas situações,
de tal forma a se evitar o risco de distorcer a mensagem que pelo seu uso se
pretende lograr. Então, como questão que deve ser preliminarmente enfrentada,
mercê do tema em estudo que reclama uma perspectiva tecnicamente mais
adequada, é importante bem dimensionar o conteúdo semântico pretendido para as
locuções responsabilidade e responsabilidade civil, que previstos em profusão na
doutrina e na legislação, expressam conceitos diversificados de acordo com a
diversificação de aspectos em que são apresentados, haja vista serem habituais na
linguagem jurídica as polissemias.
Pertinente, por conseguinte, até por um imperativo de precedência lógica, a
tematização primeira do vocábulo responsabilidade, considerando os
posicionamentos dos léxicos e da doutrina jurídica, cujo elevado e notável grau de
refinamento teórico se evidenciam. Tal vocábulo penetra tanto no mundo do Direito,
como fora dele, segundo acepções diversificadas e não coincidentes, sendo isto o
que justificaria a célebre locução articulada por José de Aguiar Dias de que “Toda
manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade”,
inferência da qual resulta o “problema de fixar o seu conceito, que varia tanto como
os aspectos que pode abranger, conforme as teorias fiolosófico-jurídicas.” (DIAS,
2006, p.3).
Sendo de interesse abordar as questões conceituais para a utilização do
vocábulo particularmente no Direito, o ponto introdutório deste capítulo consistirá,
então, em uma abordagem conceitual de responsabilidade, a fim de conjugá-la
posteriormente ao instituto da responsabilidade civil. Para tanto, a exploração
temática invocará as formulações conceituais dos léxicos, da doutrina jurídica e da
legislação.
93
4.1.1 Conceito Léxico
Os dicionários da Língua Portuguesa, Houaiss, Aurélio e Larousse,
respectivamente, dão à responsabilidade a seguinte conceituação:
1. Obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros; 2. Caráter ou estado do que é responsável; 3. Dever jurídico resultante da violação de determinado direito, através da prática de um ato contrário ao ordenamento jurídico. (HOUAISS;VILLAR, 2001, p. 2.440). 1. Qualidade ou condição de responsável. 2. Jur. Capacidade de entendimento ético-jurídico e determinação volitiva adequada que constitui pressuposto penal necessário da punibilidade. (FERREIRA, 1986, p.1.496). 1. Caráter ou estado de responsável. 2. Obrigação geral de responder pelas conseqüências dos próprios atos ou pelos de outros. 3. Responsabilidade civil, obrigação legal de reparar dano causado a outrem, seja pela inexecução de obrigação nascida de um contrato, seja por ato danoso praticado com culpa ou dolo, ou ainda pelo fato ocasionado por um terceiro ou por um animal. (GELLIS, 1993, p.380).
Sob o prisma eminentemente jurídico, o Vocabulário Jurídico de De Plácido e
Silva, e o Dicionário Jurídico de Maria Helena Diniz, consignam para o vocábulo
responsabilidade as seguintes acepções:
Forma-se o vocábulo de responsável, de responder, do latim respondere, tomado na significação de responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou. Em sentido geral, pois, responsabilidade exprime a obrigação de responder por alguma coisa. Quer significar, assim, a obrigação de satisfazer ou executar o ato jurídico, que se tenha convencionado, ou a obrigação de satisfazer a prestação ou de cumprir o fato atribuído ou imputado à pessoa por determinação legal. A responsabilidade, portanto, yem ampla significação, revela o dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja a obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção. (SILVA, 2008, p.1.224). 1. Dever jurídico de responder por atos que impliquem dano a terceiro ou violação de norma jurídica. 2. Qualidade de ser responsável. 3. Imposição legal de reparar dano causado. 4. Situação daquele que deve responder por um ato ou fato. (DINIZ, 1998, p.170).
Comum às formulações conceituais apresentadas, máxime as extraídas dos
léxicos jurídicos, a bipartição da noção de responsabilidade em dever ou obrigação
94
originária e em dever ou obrigação sucessiva, conforme discorrido no início deste
capítulo.
4.1.2 Conceito Doutrinário
Extrai-se das formulações articuladas pela dogmática jurídica, uma atribuição
preferencial ao vocábulo responsabilidade como atribuição obrigacional de indenizar,
imposta à pessoa que incorrer em ato cujo desdobramento implique prejuízos a
outrem. Ou, dito de outra forma, como um dever jurídico sucessivo, precedido de um
fato danoso.
Serpa Lopes (1962), em seu Curso de Direito Civil, indica no termo latino
respondere a origem do vocábulo responsabilidade, que se traduzia no fato de uma
pessoa ser garantidora de alguma coisa. Na mesma obra apresenta as definições de
responsabilidade concebidas por Sourdat para quem "é a obrigação de reparar o
dano resultante de um ato de que se é autor direto ou indireto", assim como a
concepção de Pierson e De Villé como a “obrigação imposta pela lei às pessoas no
sentido de responder pelos seus atos, isto é, suportar, em certas condições, as
conseqüências prejudiciais destes". (LOPES, 1962, p.187).
Aguiar Dias, a seu turno, registrou que:
Mais aproximada de uma definição de responsabilidade é a idéia de obrigação. A noção de garantia, empregada por alguns autores, em hábil expediente para fugir às dificuldades a que os conduz seu incondicional apego à noção de culpa, como substituta da responsabilidade, corresponde, ela também, à concepção de responsabilidade. A palavra contém a raiz latina spondeo, fórmula conhecida, pela qual se ligava solenemente o devedor, nos contratos verbais do direito romano. Dizer que responsável é aquele que responde e, portanto, que responsabilidade é a obrigação cabente ao responsável é, além de redundante, insuficiente, porque, por aí, a definição permanecendo na própria expressão verbal que se pretende aclarar, não dá solução ao problema que se quer resolver, a começar pelos conceitos. Digamos, então, que responsável, responsabilidade, assim como, enfim, todos os vocábulos cognatos, exprimem a idéia de equivalência de contraprestação, de correspondência. É possível diante disso, fixar uma noção, sem dúvida ainda imperfeita, de responsabilidade no sentido de repercussão obrigacional (não interessa investigar a repercussão inócua) da atividade do homem. Como esta varia até o infinito, é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de responsabilidade, conforme o campo em que se apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público ou privado.
95
(DIAS, 2006, p.4).
Mesmo reconhecendo para a responsabilidade a noção de “resultado da ação
pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever ou
obrigação” (DIAS, 2006, p.5), conferindo-lhe assim uma acepção bem ampla, menos
pontualmente marcada no dever de indenizar um dano sofrido, em linhas seguintes
o autor parece ter optado em atribuir-lhe a noção de obrigação ou dever jurídico
sucessivo, ligando-a dessa forma à prévia ocorrência de um dano.
Marton estabelece com muita lucidez a boa solução, quando define responsabilidade como a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estar previstas. (DIAS, 2006, p.5).
Nessa mesma linha conceitual que privilegia o aspecto obrigacional
indenizatório à noção de responsabilidade, seguiram outros autores:
A noção de responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos. [...] Do que se infere que a responsabilização é meio e modo de exteriorização da própria Justiça e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar o outro, ou seja, o neminem laedere. (STOCO, 2004, p.118).
A responsabilidade, embora escorada no mundo fático, tem sustentação jurídica. Depende da prática de um ato ilícito e, portanto, antijurídico, cometido conscientemente, dirigido a um fim, ou orientado por comportamento irrefletido, mas informado pela desídia, pelo açodamento ou pela inabilidade técnica, desde que conduza a um resultado danoso no plano material ou imaterial ou moral. (STOCO, 2004, p.120).
Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em, sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. (CAVALIERI FILHO, 2007, p.2).
Pode-se afirmar, portanto, que responsabilidade exprime a idéia de restauração do equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano.[...] Coloca-se, assim, o responsável, na situação de quem, por ter violado determinada norma, vê-se exposto às consequências não desejadas decorrentes de sua conduta danosa. (GONÇALVES, 2007, p.1-2).
A palavra “responsabilidade” tem sua origem no verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de assumir com as consequências
96
jurídicas de sua atividade, contendo, ainda a raiz latina de spondeo, fórmula através da qual se vinculava, no Direito Romano, o devedor nos contratos verbais. (GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, 2006, p.1-2).
[...] a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às conseqüências do seu ato (obrigação de reparar. (GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, 2006, p.9).
Não obstante o desencontro doutrinário que por vezes se percebe acerca do
significado etimológico do vocábulo, ora garantia, ora obrigação lato sensu e ora
obrigação stricto sensu (indenizatória), percebe-se como já dito, um destaque
preferencial de atribuir-lhe a noção de um dever de reparar certo dano sofrido.
Considerada exclusivamente sob esse aspecto, sob essa ótica, a responsabilidade
seria o dever jurídico sucessivo de restituir ou compensar a ocorrência fática danosa.
No entanto, aderir a esta perspectiva conceitual deturparia o alcance
conceitual pretendido pelo vocábulo, notadamente quando se declina a uma análise
mais atenciosa ao seu significado etimológico, cuja correspondência no vernáculo da
língua portuguesa está para o termo responder que, por sua vez, assim como
responsabilidade, não está vinculado com exclusividade ao dever de reparação de
danos. O que se diz, é facilmente identificável na grande maioria dos registros
conceituais apontados até aqui. No entanto, a sua natureza de obrigação sucessiva,
ou dever sucessivo, acaba por receber maior relevo, em detrimento do seu aspecto
mais geral e amplo, que é o de um dever, possuidor ou não de um liame com certa
circunstância fática danosa.
A seara normativa apresenta-se como excelente laboratório para corroborar
essa noção de responsabilidade enquanto dever, moldurado porém sob o formato de
obrigação lato sensu de flutuação semântica facilmente identificável, vez que ora o
vocábulo é utilizado pretendendo-se designar a atribuição de um dever jurídico
imposto legalmente em razão de diversificadas situações jurídicas, outras vezes em
razão da ocorrência de um dano, no mais das vezes gerado a partir do exclusivo
descumprimento de outros deveres jurídicos.
97
4.1.3 Conceito Legal
“Não é função do legislador ministrar definições. Elas devem ser evitadas,
porque de nada adiantam num texto e fogem à missão simplesmente normativa
deste. Definir constitui tarefa que pertence à doutrina e não a um corpo de leis.”
(MONTEIRO, 2003, p.7).
Parece que atentos à recomendação de Washington de Barros Monteiro, os
legisladores no mais das vezes têm evitado incluir nos textos normativos conceitos
de institutos jurídicos. As pesquisas deste estudo não diagnosticaram na legislação
pátria dispositivos que explicitamente ofereçam um conceito de responsabilidade. O
termo é recorrente, porém sua definição não se evidencia literalmente, ensejando do
intérprete perquirir o aspecto finalístico da norma, sua função teleológica, donde se
evidenciam, como já dito, os seus dois sentidos: o de dever jurídico desvinculado de
uma ocorrência fática danosa e o de dever jurídico a ela vinculado. Quanto a este
último, é o que se verifica, a exemplo, no artigo 16 da Lei n.º 8.884/94 (Lei
Antitruste), cujo texto normativo é o seguinte: “As diversas formas de infração da
ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade
individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente.” (BRASIL, 2009).
Outros são os dispositivos legais em que o vocábulo responsabilidade
assume acepções distintas. O Código Civil de 2002 (BRASIL ,2004), dentre outras,
tem inscritas as seguintes regras:
Art.400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa [...]. Art.830. Cada fiador pode fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua responsabilidade [...]. Art.932. São também responsáveis pela reparação civil: [...]. Art.1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
O Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 131, destaca que “são
pessoalmente responsáveis”, “o sucessor”, o “cônjuge meeiro”, e o “espólio” “pelos
tributos devidos pelo de cujus”, em evidente intenção de atribuir-lhes prestação
obrigacional originária, desvinculada in totum do caráter indenizatório de dano
98
precedente. (BRASIL, 2006, p.82) Assim, no mesmo diploma, outros dispositivos:
Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.(BRASIL, 2006, p.82). Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: [...].(BRASIL, 2006, p.82).
Como se vê, tratam-se de prestações obrigacionais de imposição legal, cujo
fato gerador está completamente dissociado da ocorrência de um fato danoso. No
diploma regente das Sociedades Anônimas, Lei n.º 6.404/1976, ainda a título
exemplificativo, no artigo 158 percebe-se a mesma intenção quando o legislador
disse que o “administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que
contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão”, ao passo
que nos artigos 99 e 104, a seguir transcritos, outra já é a intenção, pois evidencia-
se o caráter indenizatório da obrigação:
Art.99. Os primeiros administradores são solidariamente responsáveis perante a companhia pelos prejuízos causados [...].(BRASIL, 2008, p.1.021). Art.104. A companhia é responsável pelos prejuízos que causar [...]. (BRASIL, 2008, p.1.023).
As normas legais arroladas são suficientemente precisas para revelar os dois
aspectos, as duas concepções adotadas pelo ordenamento jurídico quanto ao
conteúdo semântico do vocábulo responsabilidade: uma, a de atribuição de
obrigação de velar por algo, de dever que traz em si uma conduta comissiva ou
omissiva cuja especificidade depende da situação jurídica concreta, porém
desvinculada por completo da ocorrência de um evento danoso. Outra, a de
atribuição de obrigação resultante da inobservância do dever e da obrigação
previamente atribuídos, como assim se mostrou: “responsáveis pela reparação civil”,
“é responsável pelos prejuízos que causar”, “responsáveis perante a companhia
pelos prejuízos que causar”. Enfim, claro está que não somente a doutrina mas
também a legislação pátria se perde numa diferença sutil que há entre os vocábulos
responsabilidade e responsabilidade civil, sendo que a primeira será tomada para
99
este estudo como atribuição constituinte de uma obrigação em sentido amplo, de um
dever, enquanto a segunda como o processo que resultou na imputação de outra
espécie de responsabilidade: a responsabilidade civil propriamente dita, que impõe o
dever de indenizar, de responder por atos danosos, o que seria a responsabilização.
Enquanto para o vocábulo responsável cabe aplicação à pessoa da qual se espera o
cumprimento desses deveres.
A par disso, registre-se por derradeiro que a responsabilidade deve ser
concebida como a atribuição de um dever, de uma obrigação. E sempre será. No
entanto, imperativo que se lhe afastem as conceituações e empregos do vocábulo
como uma obrigação exclusiva de indenizar, de responder por danos emergentes.
Isto, como já registrado, é também responsabilidade, porém, esta responsabilidade
resulta, por primeiro, de uma ocorrência fática danosa que pode ou não advir do
descumprimento de um dever98. A responsabilidade civil, cujo desiderato é a
responsabilização de alguém, imputando-lhe uma obrigação ou dever de responder
por danos causados, é uma responsabilidade ulterior e dependente de um evento
danoso, razão pela qual a melhor técnica reclama não seja concebida como
sinonímia de responsabilidade, porque enquanto esta é gênero, aquela, a
responsabilização, é a consequência jurídica da responsabilidade civil.
4.2 Responsabilidade civil: definição e pressuposto s
De acordo com Miguel Reale, a experiência social é “disciplinada por certos
modelos de organização e de conduta que denominamos normas ou regras
jurídicas” (REALE, 2004, p. 93).99 Na mesma esteira, Paulo Nader (1996, p.99)
registrou que as normas jurídicas dispõem sobre fatos e consagram valores.
Os citados autores, assim outros, ao registrarem observações dessa
98 A responsabilidade civil objetiva prescinde do ilícito. 99 Paulo Nader, acompanhando o entendimento de Miguel Reale acerca da sinonímia entre regras jurídicas e normas jurídicas, escreveu: “As expressões norma e regra jurídicas são sinônimas, apesar de alguns autores reservarem a denominação regra para o setor da técnica e, outros, para o mundo natural. Distinção há entre norma jurídica e lei. Esta é apenas uma das formas de expressão das normas, que se manifestam também pelo Direito costumeiro e, em alguns países, pela jurisprudência.” (NADER, 1996, p.100).
100
natureza, procuram particularizar a significativa importância de um sistema
normativo enquanto instrumento regulador das atividades sociais, pois a “norma
jurídica exerce justamente esse papel de ser o instrumento de definição da conduta
exigida pelo Estado. Ela descreve ao agente como e quando agir.” (NADER, 1996,
p.99). Ingressando a norma disciplinadora do convívio social no mundo jurídico,
assume caráter imperativo, cogente, impondo observância aos grupos a que se
dirige especificamente ou a todas as pessoas, de acordo com o grau de
generalidade e abstratividade pretendidos.
No amplo espectro normativo das relações sociais, nos mais diversos
sistemas jurídicos, inserem-se normas de conteúdo axiológico e finalístico
específico, dentre as quais, as que sistematizam o instituto jurídico da
responsabilidade jurídica, que se cinde em responsabilidade civil e responsabilidade
penal (STOCO, 2004).
Diferentemente do que ocorre com o vocábulo responsabilidade, que
conforme demonstrado assume feições conceituais distintas dentro e fora do mundo
jurídico, mormente bipartidas, para a locução responsabilidade civil designa-se com
exclusividade a noção de instituto jurídico regulamentador das circunstâncias fáticas
em que se impõe a alguém o dever jurídico de reparar os atos lesivos delas
decorrentes. Na lição de Caio Mário, “quando se tem em vista a efetiva reparação do
dano, toma-o o direito a seu cuidado e constrói a teoria da responsabilidade civil.”
(PEREIRA, 2004, p. 660).
Malgrado inexistir, ao que parece, dissonâncias doutrinárias acerca do
aspecto finalístico da responsabilidade civil, donde a reparação do dano surge como
elemento nuclear, percebe-se nas diversas construções conceituais um desencontro
em relação aos pressupostos para a responsabilização civil, notadamente quanto à
consideração do elemento comportamental, reclamando ou não a prática de um
ilícito.
Tradicionalmente, os pressupostos da responsabilização civil são três100: a) a
culpa, que compreende a negligência, a imprudência, a imperícia e também o
100 Há ainda quem eleja como quarto elemento a “ação ou omissão” (GONÇALVES, 2007, p.35), o que parece desarrazoado haja vista que o elemento culpa sempre se materializará por meio de um ato comissivo ou omissivo.
101
dolo101; b) o dano que corresponde ao prejuízo material ou moral suportado pela
vítima (PEREIRA, 2004, p.661); c) e o nexo de causalidade que, melhor do que ser
considerado como a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e
o dano verificado102, é “a vinculação direta e imediata entre os danos e o
acontecimento lesivo” (MATIELLO, 2008, p.266).
No âmbito da dogmática jurídica, duas teorias foram elaboradas cujo objeto
de verificação científica se centrava na eleição ou rejeição do elemento culpa: a
teoria da culpa, também denominada teoria da ação, e a teoria do risco.
A teoria da culpa, que teve em Vohn Ihering, Domat, e Pothier seus grandes
expoentes, influenciou grande parte dos sistemas jurídicos, de tal maneira que a
fórmula de Ihering “sem culpa, nenhuma reparação” passou a servir de standard
para a responsabilização civil, destacando especialmente o elemento subjetivo, a
conduta humana como pressuposto. (DIAS, 2006, p.57-61).103 O C.Civil brasileiro de
2002, mesmo adotando um sistema híbrido, que prestigia também o elemento risco,
caracterizador da responsabilidade objetiva, evidencia em seus dispositivos haver
mantido a tradição, elegendo a culpa como princípio geral da responsabilidade civil.
Ao menos é o que se extrai da combinação dos seus artigos 927104 e 186105.
(PEREIRA, 2004, p.666; CAVALIERI FILHO, 2007, p.22-23; GONÇALVES, 2007,
101 Comentando o art.186 do C.Civil/2002, Gagliano e Pamplona Filho (2006, p.24) pontuaram: “Embora mencionada no referido dispositivo de lei por meio das expressões ‘ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência’, a culpa (em sentido lato, abrangente do dolo), não é em nosso entendimento, pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código, considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde desse elemento subjetivo para a sua configuração (a responsabilidade objetiva).” 102 Porque esta formulação acaba por eleger a conduta humana culposa ou dolosa que, conforme se demonstrará, nem sempre será requerida para a responsabilização. 103 Esse elemento subjetivo, a conduta humana, como representativa da noção de culpa, informa José de Aguiar Dias, decorre de uma interpretação restrita do sentido da palavra francesa faute, utilizada no Código Civil Francês como elemento necessário à responsabilização civil. Defende o autor que o vocábulo, na verdade, tem dois sentidos: um, objetivo, que representa “infração à maneira de agir de um tipo-modelo determinado”; outro, sim, subjetivo, como “senso moral imputável ao agente”. (DIAS, 2006, p.59). 104 C.Civil/2002, art.987: “Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.” (BRASIL, 2004, p.166). 105 C.Civil/2002, art.186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, 2004, p.56).
102
p.11).106 Percebe-se no conteúdo dos mencionados dispositivos a “coexistência da
doutrina subjetiva e da teoria do risco” (PEREIRA, 2004, p.666), modelo que no
entendimento de Alvino Lima já era presente não no Código anterior, mas no
ordenamento jurídico nacional (DIAS, 2006, p.62).107
A teoria da culpa ensejou no passado severas críticas que tinham como foco
o aspecto do modelo moral que pretendeu estabelecer, assim como a questão
relativa ao onus probandi. Saleilles e Marton foram expoentes das teorias incipientes
que combateram o princípio da culpa subjetiva, este último registrando que:
[...] a doutrina subjetiva da culpa, originária de Bizâncio, aparecendo sob a capa de um aspecto falseado da culpa moral, como conseqüência das dificuldades inerentes à sua realização, não conseguiu corresponder à idéia de uma responsabilidade sã e vigorosa, mas, bem ao contrário, conduz, pelos, seus efeitos, a inconvenientes desmoralizadores. (MARTON apud DIAS, 2006, p.63)
Raymond Saleilles, explicando a origem do que chamou de “grande erro”, no
tocante à adoção do sistema da culpa subjetiva nos padrões em que fora concebida,
registrou:
O grande erro e a grave omissão da teoria moderna do direito civil consistem precisamente em que, embora assistindo à obra de distinção entre o delito e a reparação, libertando esta idéia das restrições objetivas da Lei Aquilia – obra realizada pelas codificações européias e, em primeiro lugar pelo Código francês – pensava poder manter esse ponto de vista ingênuo e antiquado, segundo o qual o fundamento da reparação não se poderia encontrar senão no delito, e que, portanto, sempre que se deparasse uma responsabilidade sem delito, conviria de qualquer forma imaginá-lo. (SALEILLES apud DIAS, 2006, p.63).
O erro criticado por Saleilles, como já referido, teve repercussões em vários
sistemas jurídicos, inclusive no brasileiro, donde se percebe que mesmo havendo a
responsabilidade civil sem culpa ocupado maiores considerações da doutrina e da 106 “Nosso Código Civil de 1916 perfilou-se à teoria subjetiva. O Código de 2002 coloca a responsabilidade subjetiva como regra geral, mas o art.927, parágrafo único, inova ao permitir que o juiz adote a responsabilidade objetiva no caso concreto, não somente nos casos especificados em lei, mas também quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (VENOSA, 2006, p.253). Rui Stoco (2004, p.127), sobre o tema, também registrou que “o Código Civil de 2002 adotou, como regra, a culpa como fundamento da responsabilidade no art.186, e condicionou o dever de reparar ao princípio da culpabilidade.” 107 Em posição diversa e equivocada, defende Cavalieri Filho (2007, p.22) que os artigos 1.527, 1.528 e 1.529 do C.Civil de 1916 reportavam normas de responsabilidade objetiva. Ocorre que os elementos dessas normas evidenciam a necessidade de que o comportamento humano fosse reprovável, notadamente pela negligência ou imperícia daquele a quem se reportam como obrigado a responder pelo dano.
103
legislação, há ainda quem consiga articular formulações teóricas que invoquem o
comportamento humano culposo como elemento indissociável à reparação de
danos. É o que se percebe, verbi gratia, quando Rui Stoco informa não haver
“responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem
jurídica” (STOCO, 2004, p.131). Seguindo o mesmo processo defeituoso de
identificação dos pressupostos da responsabilização, Caio Mário da Silva Pereira
afirmou ser a responsabilidade civil “a obrigação de reparar o dano imposta a todo
aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito ou causar prejuízo a outrem”. (PEREIRA, 2004, p.660)108 Tais postulados
servem para atender exclusivamente a noção de responsabilidade civil subjetiva.
Com efeito, tais considerações emergem como reminiscências de um passado em
que a conduta culposa, ilícita, era sempre requerida, “de tal forma que a significação
de responsabilidade foi inteiramente assimilada pela culpabilidade” (DIAS, 2006,
p.64).
Não escapou a Gagliano e Pamplona Filho o quanto este equívoco tem
permeado as construções teóricas que indissociam o elemento culpa do instituto da
responsabilidade civil:
Embora mencionada no dispositivo de lei por meio das expressões “ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”, a culpa (em sentido lato, abrangente do dolo) não é, em nosso entendimento, pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código, considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde desse elemento subjetivo para sua configuração (a responsabilidade objetiva). Ora, se nós pretendemos estabelecer os elementos básicos componentes da responsabilidade, não poderíamos inserir um pressuposto a que falte a nota de generalidade. (GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, 2006, p.24).
Diante dessa vinculação deficiente do elemento culpa à responsabilização,
Morin, citado por Aguiar Dias, sugeriu uma formulação para mitigar as
consequências equivocadas e negativas de que poderia advir: “O problema da
reparação dos danos sofridos por uma pessoa dever ser proposto desta maneira:
108 E o interessante é que em outras formulações muitas vezes os autores que elegem a culpa como elemento indissociável à responsabilização civil no direito brasileiro, se contradizem, dispensando-o, donde se dá a perceber as deficiências nas formulações que invocam ora o conceito de responsabilidade civil, ora os seus pressupostos : “No novo Código Civil, assentou-se, como princípio geral da responsabilidade civil, a culpa (art.927) admitindo, entretanto, a responsabilidade sem culpa quando a lei expressamente o estabelecer, inclusive com a instituição do risco criado (art.927, parágrafo único), associando destarte as duas noções: a de culpa como fundamento geral da responsabilidade e a do risco por extensão.” (PEREIRA, 2004, p.666).
104
quem deve reparar os danos? E não assim: quem é responsável?”. (DIAS, 2006,
p.64).109
A insuficiência então da teoria subjetivista da culpa para justificar a
responsabilização civil ensejou, ao final do século XIX, o nascimento da teoria da
responsabilidade objetiva, consagradora do elemento risco, ladeando o ilícito
(GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, 2006). Assentou-se inicialmente nas construções
teóricas de Raymond Saleilles e Louis Josserand110, “precursores da teoria do risco”
(DIAS, 2006, p.72), teoria para a qual “o fato danoso gera a responsabilidade pela
simples razão de prender-se à atividade do seu causador” (PEREIRA, 2004,
p.664).111
Saleilles e Josserand desenvolveram importantes estudos cujo objetivo era
aprofundar as estruturas fundamentais da teoria do risco, elaborando assim
construções de significativo impacto para o Direito, dentre as quais a de
deslocamento do ônus da prova, transferido-a quem é chamado à
responsabilização, de tal forma que somente se escusaria provando a culpa da
vítima ou que o evento se deu em decorrência de força maior. (DIAS, 2006, p.81).
Defendendo a teoria do risco que “considera o fato em si mesmo e dele faz
derivar a responsabilidade”, José de Aguiar Dias (2006, p.97) informa que vários
diplomas legais aderiram a ela, citando no direito estrangeiro a lei da Dinamarca de
1906 que trata da responsabilidade derivada de acidente de automóveis, seguida
pelas legislações da Áustria (1908), Alemanha (1909) e Itália (1912). Quanto ao
direito aéreo destaca convenção internacional que tornou a responsabilidade
objetiva reconhecida por todos os países. Dentro do território nacional, as regras
jurídicas que positivaram a responsabilidade objetiva, estão inseridas especialmente
em leis especiais. São elas:
[...] o Decreto n. 2.681, de 1912 (responsabilidade das estradas de ferro por danos causados aos proprietários marginais), a legislação de acidentes do
109 Essa formulação, a despeito de seu favorável aspecto finalístico, aqui neste estudo não pode ser bem recepcionada, haja vista que ao termo “responsável”, como já demonstrado, não se pode atribuir significação exclusiva do dever de reparar o dano. Nesse sentido, aquele que está obrigado ao cumprimento de qualquer prestação obrigacional é, por ela, responsável, não diferente do que ocorre com aquele a quem se imputa o dever de responder por um dano que, a seu passo, também é uma obrigação. 110 Josserand propunha inicialmente a aplicação da teoria objetiva ao fato de coisas inanimadas, e Saleilles defendia a substituição da culpa pela causalidade. (DIAS, 2006, p.72). 111 Os irmãos Mazeaud foram opositores ferrenhos à teoria do risco (DIAS, 2006, p.85).
105
trabalho (Lei n. 5.316/67, o Decreto n. 61.784/67, Lei n. 8.213/91), as Leis n. 6.194/74 e 8.441/92 (seguro obrigatório de acidentes de veículos – DPVAT), Lei n. 6.938/81 (referente a danos causados no meio ambiente), além do próprio Código de Defesa do Consumidor ( Lei n. 8.078/90), que também reconhece a responsabilidade objetiva do fornecedor do produto ou serviço por danos causados ao consumidor. Isso tudo sem esquecermos da responsabilidade objetiva do Estado, nos termos do art.37, §6.º da Constituição da República. (GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, p.137).
A teoria do risco serviu de marco teórico para a denominada responsabilidade
objetiva, que prescinde do elemento subjetivo da culpa para privilegiar a vítima em
algumas situações legalmente previstas com a reparação do dano, sem que lhe seja
imputado o ônus da apresentação dos elementos probatórios que evidenciem a
ilicitude do comportamento do agente ou de alguém que a ele se ligue.
Em retomada ao tema concernente à definição de responsabilidade civil, é de
se registrar que as incongruências relativas à invocação dos pressupostos que ao
instituto se ligam, devem servir de alerta para os que desejam se arriscar na difícil
tarefa da conceituação. Conceituar a responsabilidade civil invocando sempre o
elemento subjetivo da culpa não se afeiçoa à boa técnica, haja vista, como
demonstrado, que esse elemento pertine a uma das suas modalidades, qual seja, a
da responsabilidade civil subjetiva. Desse modo, a construção conceitual deverá
privilegiar critérios que compreendam o instituto em sua integralidade, valorizando,
por sua vez, os elementos básicos, estruturantes da noção de responsabilidade civil,
preterindo-se os elementos que importem em correspondência com apenas uma ou
outra de suas modalidades.
Atento a esta particularidade do ato de conceituar, Milton Paulo de Carvalho,
invocando elementos das responsabilidades subjetiva e objetiva, lecionou com muita
propriedade e acerto que a noção sistemática de responsabilidade civil deveria ser a
de
[...] conjunto de princípios e normas que disciplinam a obrigação de reparar o dano resultante do inadimplemento de um contrato, da inobservância de um dever geral de conduta ou, nos casos previstos em lei, mesmo da prática de ato lícito. (CARVALHO apud STOCO, 2004, p.120).
É certo que em razão de o C.Civil de 2002 ter-se perfilhado à teoria subjetiva
da responsabilização, “a sede legal da responsabilidade civil – art.186 – é,
precisamente, o ato ilícito” (GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, 2006, p.31). A prática
de ato ilícito que redundar em dano por certo invoca a responsabilização, não sendo
106
outra a teleologia a se extrair das normas contidas nos seus artigos 186112 e 187113.
No entanto, também é certo que em tais normas não se vislumbra intenção alguma
do legislador em vincular a reparação do dano somente quando presente o ilícito, a
violação do direito, a conduta culposa. Por isso não dá para concordar com a
proposição de Sergio Cavalieri Filho, assim como a de outros teóricos, de que “a
obrigação de indenizar só ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa dano a
outrem” (CAVALIERI FILHO, 2007, p.18). Assim fosse, não haveria como se atribuir
aos empresários individuais e às empresas a responsabilização,
“independentemente de culpa”, pelos danos gerados pelos produtos que colocaram
em circulação, assim como não seria possível atribuir ao empregador a
responsabilização, também independentemente de culpa, pelos danos
experimentados pelos empregados em decorrência de suas atividades laborais.
Casos, dentre outros, que invocam a noção de responsabilidade civil objetiva, onde
a ilicitude da conduta não é elemento que irá definir o dever de indenizar
mencionado por Cavalieri Filho. Por isso, absolutamente pertinentes os
apontamentos de Gagliano e Pamplona Filho, quando informam que “a imposição de
indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente” de tal forma que
“poderá haver responsabilidade civil sem necessariamente haver antijuridicidade”
(GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, 2006, p.31).
Sob uma concepção sistemática, pode-se então definir a responsabilidade
civil como um instituto jurídico, composto de princípios e normas regulamentadores
das circunstâncias fáticas em que se impõe a alguém o dever jurídico de reparar os
atos lesivos delas decorrentes. Sob a concepção pessoal, subjetiva, pode a
responsabilidade civil ser entendida como a obrigação114 atribuída a quem legal ou
112 C.Civil/2002, art.186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, 2004, p.56). 113 C.Civil/2002, art.187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” (BRASIL, 2004, p.57). 114 Há quem defenda equivocadamente, como Cavalieri Filho (2007, p.2) e Gonçalves (2007, p.3), não ser a responsabilidade civil uma obrigação, classificando-a apenas como um dever jurídico sucessivo, teoria que não pode ser bem recepcionada haja vista quando se sabe que um dever jurídico classificado como sucessivo, não desnatura a sua condição de obrigação em sentido lato, notadamente quando se tem como fonte suprema das obrigações a lei. Assim, se a lei impõe um dever jurídico de indenizar a quem descumpriu dever jurídico originário, nasce relação jurídica obrigacional entre o responsável pela reparação do dano e o lesado. Nesse sentido,corroborando a correspondência entre obrigação e responsabilidade civil, os seguintes conceitos de responsabilidade
107
contratualmente deva responder pelos danos experimentados por algum sujeito de
direito.115
Quanto aos pressupostos da responsabilidade civil, há que se considerar a
bipartição do instituto em responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil
objetiva.116 Para a responsabilidade civil subjetiva, os três pressupostos clássicos:
culpa, dano, e nexo de causalidade. Para a responsabilidade civil objetiva, que
prescinde do elemento subjetivo culpa, donde a conduta humana em sentido estrito
perde relevância, dois são os pressupostos: o dano e o nexo de causalidade.117
4.3 O dano enquanto elemento indissociável à respon sabilização civil
Elemento que é bem aceito e em razão disso deixou de invocar controvérsias
doutrinárias no que toca à sua indispensabilidade à responsabilização civil é o dano.
Também seria de se estranhar se fosse de outra forma, haja vista o desiderato
precípuo do instituto da responsabilidade civil que é exatamente a reparação do
prejuízo experimentado pelo lesado. Assim, pois, as palavras de Rui Stoco, de que a
“responsabilidade civil envolve, antes de tudo, o dano, o prejuízo, o desfalque, o civil: “[...] a obrigação de reparar mediante indenização quase sempre pecuniária, o dano que o nosso fato ilícito causou a outrem” (GIORGI apud STOCO, 2004, p.119); “[...] a responsabilidade civil traduz a obrigação da pessoa física ou jurídica ofensora de reparar o dano causado por conduta que viola um dever jurídico preexistente de não lesionar (neminem laedere) implícito ou expresso na lei” (STOCO, 2004, p.120). 115 Em auxílio a este entendimento, os seguintes registros de Orlando Gomes: “Quem infringe um dever jurídico "lato sensu", causando dano a outrem, fica obrigado a ressarci-lo. A infração pode ser de dever estabelecido numa relação jurídica ou na própria lei, ou do princípio geral de que ninguém deve prejudicar os outros” (GOMES, 2002, p.179). 116 A fim de reforçar essa posição, os seguintes apontamentos de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: “Assim, a nova concepção que deve reger a matéria no Brasil é de que vige uma regra geral dual de responsabilidade civil, em que temos a responsabilidade subjetiva, regra geral inquestionável do sistema anterior, coexistindo com a responsabilidade objetiva, especialmente em função da atividade de risco desenvolvida pelo autor do dano [...].” (GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, 2006, p.15-16). 117 Sobre o nexo de causalidade na responsabilidade objetiva, relevante o ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira de que “o princípio da responsabilidade civil da pessoa jurídica ampliou-se com a conquista da teoria do risco, segundo a qual o dever indenizatório decorre da relação de causalidade entre o fato e o dano, hoje expressamente prevista no parágrafo único do art.927 do Código Civil, como cláusula geral a dizer que haverá obrigação de reparação ‘quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem’ ". (PEREIRA, 2004, p.333).
108
desequilíbrio ou descompensação do patrimônio de alguém” (STOCO, 2004, p.122),
refletem um entendimento padrão na dogmática jurídica, como decorrência de um
processo lógico-sistemático.
Cogita-se de responsabilização civil sem culpa, porém não sem o dano, de tal
forma que este elemento objetivo assume papel destacado na viabilização jurídica
da indenização e do ressarcimento, realidade que compromete sobremodo a
articulação formulada por Sergio Cavalieri Filho quando lhe atribui a condição de
“grande vilão da responsabilidade civil” (CAVALIERI FILHO, 2007, p.70). O
substantivo vilão não se harmoniza em nada ao que representa o dano para o
fenômeno jurídico da responsabilidade civil, tendo em vista tratar-se de elemento
preponderante, sem o qual a responsabilização sequer pode ser cogitada. O dano
alçado à categoria de vilão da responsabilidade civil é de uma impropriedade ímpar,
porque elemento cuja essencialidade e relevância ofertam subsídio jurídico para a
operacionalização do instituto. Se há que se cogitar de sua vilania seria ante o
lesionado, ou até mesmo ante a sociedade que direta e indiretamente experimentam
as suas repercussões. Deveras equivocada a colocação do doutrinador, redime-se
mediante a elaboração de um conceito preciso de dano:
Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é a lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral. (CAVALIERI FILHO, 2007, p.71).118
O estudo da matéria reclama indagar acerca das classificações que a doutrina
formulou para o dano. A tradição categoriza o dano em patrimonial e moral,
bipartindo-se o primeiro em dano emergente e lucros cessantes. Com proficiência
Rui Stoco bem sintetizou os aspectos concernentes à categorização referida:
118 Cavalieri Filho (2007, p.71) faz ainda interessante e pertinente observação comparativa quanto à utilização das locuções diminuição do patrimônio e diminuição de bem jurídico quando utilizadas na conceituação de dano: “Quando ainda não se admitia o ressarcimento dano moral,conceituava-se o dano como sendo a efetiva diminuição do patrimônio da vítima. Hoje, todavia, esse conceito tornou-se insuficiente em face do novo posicionamento da doutrina e da jurisprudência em relação ao dano moral e, ainda, em razão da sua natureza não patrimonial.” A não patrimonialidade do dano moral referida por Cavalieri Filho, encontrou em Carlos Roberto Gonçalves (2007, p.357) corroboração nos seguintes termos: “Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc.[...].”
109
O dano pode ser de ordem patrimonial, também dito material, ou de ordem moral, traduzindo-se aquele em danos emergentes, ou seja, aquilo que efetivamente se perdeu, e em lucros cessantes, quer dizer, aquilo que se deixou de ganhar, ou seja, o reflexo futuro do ato sobre o patrimônio da vítima. [...]. O chamado dano moral corresponde à ofensa causada à pessoa a parte subjecti, ou seja, atingindo bens e valores de ordem interna ou anímica, como a honra, a imagem, o bom nome, a intimidade, a privacidade, enfim, todos os atributos da personalidade. (STOCO, 2004, p.130).
Há, outrossim, a possível classificação do dano em direto e indireto. Enquanto
o dano direto seria o resultado do evento lesivo, objetivamente considerado, o dano
indireto, também denominado dano reflexo ou em ricochete, consiste em um prejuízo
experimentado reflexamente por pessoa que se encontra ligada à vítima do dano
direto, ou seja, um dano cuja existência só se materializou em razão da existência
de outro dano que o precedeu (GONÇALVES, 2007).
Merecem destacada atenção os requisitos do dano indenizável. Gagliano e
Pamplona Filho (2006, p.38) informam que “para que o dano seja efetivamente
reparável (indenizável – hipótese mais freqüente e, por isso, usada normalmente
como gênero – ou compensável), é necessária a conjugação” de alguns requisitos
“mínimos”. Destacam que o dano sofrido precisa representar afetação a um bem
jurídico tutelado, patrimonial ou moral, atribuído a um sujeito de direito. Invocam a
necessária certeza do dano, que se relaciona com a noção de dano emergente
(dammun emergens), no sentido de que somente se viabiliza a reparação de dano
efetivamente experimentado pela vítima, ladeando assim o dano que tem fonte em
meras elucubrações abstratas, hipotéticas. Por último, destacam como requisito do
dano indenizável a sua subsistência no momento em que se busca a sua reparação,
isto é óbvio em sentido mais objetivo, sem se considerar a questão da gradação do
dano pelo decurso de tempo, de tal forma que se o dano já foi reparado
espontaneamente pelo responsável em fazê-lo, não se pode mais cogitar como
viável nova reparação (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006).
Tais registros denotam que o dano é indiscutivelmente o primeiro elemento a
se considerar como necessário ao desencadeamento da reação do ordenamento
jurídico em proveito da vítima, quando esta pretenda a operacionalização finalística
do instituto da responsabilidade civil. Constitui-se o dano, outrossim, como valioso
instrumento de dosimetria da reparação, haja vista o desiderato do instituto,
consubstanciado na indenização integral do prejuízo suportado, ou mesmo a sua
110
compensação119 quando impossibilitada a restauração do statu quo ante. Daí a
necessidade de que o interessado, em ação de indenização, empreenda esforços
para trazer elementos probatórios suficientemente capazes de demonstrar a cabal e
efetiva afetação de bem jurídico120, assim como a sua subsistência, quer se trate de
dano patrimonial ou dano moral (GONÇALVES, 2007).
4.4 A reparação do dano: função valorativa e preste za
O Direito, considerado especialmente em sua acepção normativa, constrói
modelos jurídicos121 capazes de repercutir diretamente na estruturação de outros
modelos, os comportamentais verificados na trama social. Sobre isto disse Miguel
Reale:
119 Alguns autores preferem utilizar vocábulos distintos de indenização para se referir ao ato de reparação do dano moral. Matiello (2008, p.269) defende “que o vocábulo reparação se ajusta com maior pertinência à recuperação da esfera psíquica lesada”. Gagliano e Pamplona Filho (2006, p.38) referem o termo compensável. Carlos Roberto Gonçalves (2007, p.337) ao considerar que indenizar “significa reparar o dano causado à vítima, integralmente” prefere para a reparação do dano moral a utilização dos termos reparação (lato sensu) ou compensação. Já Cavalieri Filho que se serve com frequência dos vocábulos ressarcimento e compensação bem sintetizou a questão que inclusive serviu de fundamento para a adoção neste trabalho dos termos compensável e compensação para se referirem à reparação do dano a direito personalíssimo: “Com efeito, o ressarcimento do dano moral não tende à restitutio in integrum do dano causado, tendo mais uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompense, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida. Substitui-se o conceito de equivalência, próprio do dano material, pelo de compensação, que se obtém atenuado, de maneira indireta, as conseqüências do sofrimento. Em suma, a composição do dano moral realiza-se através desse conceito – compensação –, que além de diverso do de ressarcimento baseia-se naquilo que Ripert chamava ‘substituição do prazer, que desaparece, por um novo’” (CAVALIERI FILHO, 2007, p.78). 120 Matiello (2008, p.265), quanto ao aspecto probatório do dano pontuou: “A prova da efetiva minoração havida compete ao credor, eis que a existência de danos emergentes não se presume. Sem que se desimcumba a contento do ônus probatório que sobre si recai, o credor não terá direito à indenização pleiteada. Esta será deferida na exata medida da amplitude dos danos resultantes do evento lesivo, nem mais e nem menos do que isso.” 121 Explicando a noção de modelo jurídico, Miguel Reale escreveu: “[...] um modelo jurídico pode ser expresso por uma única regra de direito, ou por um conjunto de regras interligadas, conforme a amplitude da matéria: em ambos os casos, porém, há sempre uma unidade de fins a serem atingidos, em virtude da decisão tomada pelo emanador do modelo através da respectiva fonte.[...] Os modelos jurídicos correspondem antes às modelagens práticas da experiência, e a formas do viver concreto dos homens, podendo ser vistos como estruturas normativas de fatos segundo valores, instaurados pelas fontes de direito em virtude de um ato concomitante de escolha e prescrição.” (REALE, 2004, p.185).
111
Das fontes de direito resulta toda uma trama ordenada de relações sociais que, em virtude das matrizes de que se originam, são dotadas de garantia específica, ou sanções. Opera-se, desse modo, através da história, o processo de “modelagem jurídica” da realidade social, em virtude de sempre diversas e renovadas “qualificações valorativas” dos fatos. (REALE, 2004, p.183-184).
Consubstanciado nessa realidade, o autor concebe validade ao pensamento
de Montesquieu, de que a lei “exerce uma função pedagógica, educativa, que não
teria se o Direito fosse mera reprodução ou cópia de realidades subjacentes em si
plenas e conclusas.” (REALE, 2004, p. 188).
Reconhecendo como muito difícil a tarefa de definir o Direito, Tércio Sampaio
Ferraz Júnior não deixa porém de atribuir-lhe reconhecimento como “um dos mais
importantes fatores de estabilização social, posto que admite um cenário comum em
que as mais diversas aspirações podem encontrar uma aprovação e uma ordem”.
(FERRAZ JÚNIOR, 2003, p.32).
Tais inferências acusam pertinência com o estudo da função valorativa e
presteza do fenômeno jurídico da reparação do dano, que é a pedra de toque do
instituto que responsabilidade civil, pois como já lecionava Caio Mário, o “efeito da
responsabilidade civil é o dever de reparação”. (PEREIRA, 2004, p.662).
Recepcionado o instituto da responsabilidade civil pelo ordenamento jurídico,
transmite à sociedade um de seus valores fundamentais, o seu mais elementar
princípio: o de que a ninguém se deve lesar, expresso na máxima neninem laedere,
de Ulpiano122. Esse princípio valorativo, tomada a lição de Miguel Reale, assume a
formatação de modelo jurídico, cujo desdobramento, não resta dúvida, implica
diretamente na dinâmica das ações concebidas pelos sujeitos sociais.
Os aspectos axiológicos da reparação do dano e sua função são comumente
cogitados pela doutrina, que na análise da questão considera as correspondentes
implicâncias do dano e de sua reparação para o lesionado, para a sociedade e para
aquele sobre quem recairá a responsabilização.
É unânime o entendimento de que a reparação do dano se presta à
restauração do patrimônio do lesionado ou à compensação dos sofrimentos por ele
experimentados. Carlos Alberto Bittar bem representou esse entendimento,
anexando também a essa modalidade de reparação a sua função valorativa para a
122 “O jurisconsulto romano Ulpiano proclamou três preceitos como princípios fundamentais do direito: honeste vivere (viver honestamente), neminem laedere (não lesar outrem) e suum cuique tirbuere (dar a cada um o que é seu).” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p.2).
112
sociedade.
Havendo dano, produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparação, como imposição natural da vida em sociedade e, exatamente, para a sua própria existência e o desenvolvimento normal das potencialidades de cada ente despersonalizado. É que investidas ilícitas ou antijurídicas no circuito de bens ou de valores alheios perturbam o fluxo tranqüilo das relações sociais, exigindo, em contraponto, as reações que o Direito engendra e formula para a restauração do equilíbrio rompido.[...] Realmente, a construção de uma ordem jurídica justa – ideal perseguido, eternamente, pelos grupos sociais – repousa em certas pilastras básicas, em que avulta a máxima de que a ninguém se deve lesar. Mas, uma vez assumida determinada atitude pelo agente, que vem a causar o dano, ao mesmo tempo em que se faça sentir ao lesante o peso da resposta compatível prevista na ordem jurídica. Na satisfação dos interesses lesados é que, em última análise, reside a linha diretiva da teoria em questão, impulsionada, ab origine, por forte colaboração humanista, tendente a propiciar ao lesado a restauração do patrimônio ou a compensação pelos sofrimentos experimentados, ou ambos, conforme a hipóteses, cumprindo-se assim os objetivos próprios. (BITTAR, 1993, p.16).
Sabendo-se então que o “homem que causa dano a outrem, não prejudica
somente a este, mas à ordem social” (PONTES DE MIRANDA apud DIAS, 2006,
p.11), o aspecto da positiva repercussão social que a reparação do dano provoca
passa a ser incontestável.123 Sobre essa repercussão, Sílvio de Salvo Venosa
obtemperou com precisão que
Por meio dessa reparação restabelece-se o equilíbrio na sociedade. A reparação do dano e os meios conferidos pelo direito para se concretizar essa reparação outorgam aos membros da sociedade foros de segurança. Um dano irreparado é sempre um fator de insegurança social. Pessoa alguma se conforta em não ter o seu prejuízo reparado. (VENOSA, 2006, p.254).
Se a reparação do dano material se presta a “estabelecer o equilíbrio
econômico-jurídico alterado pelo dano” (DIAS, 2006, p. 55-56), reintegrando, “na
medida do possível, o prejudicado na situação patrimonial a que se encontrava”
(MICHELAN, 2003, p.262-263), assim como oferta contribuição para o
estabelecimento de certo equilíbrio social, não resta duvidoso também o seu aspecto
123 Parece ser outro o entendimento de Taís Cristina de Carvalho Michelan, expresso nas seguintes palavras: “A sanção penal não oferece nenhuma possibilidade de recuperação ao prejudicado, sendo sua finalidade apenas restituir a ordem social ao estado anterior à turbação. Não se cogita, na responsabilidade civil, de verificar se o ato que causou dano ao particular ameaça, ou não, a ordem social. A responsabilidade civil emerge do simples prejuízo, que também viola o equilíbrio social, mas que não pressupõe as mesmas medidas de restabelecê-lo, também porque outra é a forma de consegui-lo.” (MICHELAN, 2003, p.262-263).
113
pedagógico, no sentido de que oferece contribuição educativa ao agente do dano, à
sociedade concebida em seus mais diversos setores e, também, à própria vítima, de
modo a contribuir para que a prática de atos lesivos seja cada vez menos aspirada.
Assim, a reparação do dano, ainda que por via reflexa, acaba por favorecer
pedagogicamente os processos de internalização valorativa do princípio de que a
ninguém se deve lesar.
Essa função pedagógica, educadora da reparação do dano, é mencionada
pela doutrina especialmente quando se refere aos danos morais, donde também se
evidencia uma outra função, que se refere mais particularmente ao lesionante: a
função sancionatória, punitiva. Aliás, prática bem recorrente essa em nossa pátria a
de se pretender ensinar fazendo uso de sanção expiatória.
Tem prevalecido, no entanto, o entendimento de que a reparação pecuniária do dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor. Ao mesmo tempo que serve de lenitivo, de consolo, de uma espécie de compensação para atenuação do sofrimento havido, atua como sanção ao lesante, como fator de desestímulo, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem”. (GONÇALVES, 2007, p.375).
Gagliano e Pamplona Filho atribuem, inclusive, à reparação civil natureza
jurídica sancionadora, sintetizando em três as funções a ela conferidas:
“compensatória do dano à vítima; punitiva do ofensor; e desmotivação social da
conduta lesiva.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p.21).
Registre-se então, a título de conclusão deste item, o seguinte: a função
axiológica da reparação do dano se evidencia em todas as esferas sociais, haja vista
o seu conteúdo pragmático e pedagógico, eis que, na mesma medida em que impõe
uma sanção reparadora, acaba por transmitir valores, dentre os quais o de que a
ninguém se deve lesar, e que, em isto ocorrendo, a reparação da lesão é imperativo
lógico e jurídico. Em caso de dano material, patrimonial, presta-se à tentativa de
reconduzir a vítima do dano ao status quo ante, ou seja, de restabelecer sua
condição econômica precedente à lesão. Em se tratando de dano moral, cuja origem
foi a afetação a direito personalíssimo, presta-se a reparação a compensar a vítima,
haja vista a que natureza do bem jurídico afetado não comporta recomposição.
Quanto à figura do agente causador do dano, sem prejuízo da função
pedagógica, a natureza punitiva da reparação se evidencia como mecanismo que
tenciona a reprimir novas ações lesivas, assim como mecanismo de resposta e
114
ensino a outros membros da sociedade.
4.5 Espécies de responsabilidade civil
O instituto da responsabilidade civil, que tem na reparação do dano o seu
principal efeito jurídico desejado, quer se operacionalize através da indenização ou
da compensação, comporta categorização didática em espécies. Trata-se de
categorização de construção doutrinária, uma vez que o legislador, em sua tarefa de
elaboração da norma jurídica, não se importou com este eixo temático.124
As espécies de responsabilidade civil tradicionalmente invocadas pela
doutrina são: as responsabilidades contratual e extracontratual; as
responsabilidades subjetiva e objetiva; as responsabilidades por fato próprio e por
fato de terceiro.125
Em razão de atender satisfatoriamente as pretensões e a sistematização
didática deste trabalho, a abordagem das espécies mencionadas se limitará à tarefa
de elencar os elementos caracterizadores de cada qual, ladeando-se digressões
outras como, verbi gratia, as que se inclinam ao debate das questões polêmicas
envolvendo o tema.
4.5.1 Responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual
Os deveres jurídicos resultam de imposição legal ou se originam de relações
jurídico-negociais, sendo mais frequente a fonte contratual, situação jurídica onde se
articulam as vontades dos indivíduos. A origem, a fonte da relação obrigacional
existente entre os sujeitos de direito é elemento determinante para a configuração 124 Esta inferência se confirma através de simples conferência das normas contidas no Título IX do Código Civil de 2002, que particulariza o tratamento “Da Responsabilidade Civil”. 125 Reconhece-se, no entanto, a possibilidade de outras modalidades de classificação da responsabilidade civil, como a responsabilidade por fato de animais, responsabilidade pelo fato da coisa, responsabilidade do Estado, e algumas outras cuja denominação se dá pela especificidade do tema a que se vincula, porém neste estudo serão preteridas nesta fase classificatória por não apresentarem vinculação tão íntima ao eixo temático proposto.
115
da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual. Identificado o dano, e sendo
este gerado a partir do descumprimento de dever jurídico estabelecido
contratualmente, diz-se que a responsabilidade civil será contratual. Ao revés, se o
dano teve origem em descumprimento de preceito legal, a responsabilidade civil
classifica-se como extracontratual ou aquiliana (CAVALIERI FILHO, 2007).
Ilustrativamente, pode ocorrer situação, e não são poucas, em que um
determinado sujeito não se encontre vinculado juridicamente por contrato a outro
sujeito de direito. Porém, em ocasião que se verifique a prática de ato lesivo
envolvendo-os, como ocorre por exemplo em acidente de automóvel provocado por
inobservância a comando legal estatuído em lei de trânsito, o infrator poderá ser
obrigado a reparar o prejuízo que causou, configurando-se a responsabilidade civil
extracontratual. Ainda no seguimento ilustrativo, pode-se vislumbrar ocorrência em
que determinado empregado ou preposto, descumprindo norma contratual ajustada
com seu empregador venha a causar-lhe prejuízo, ou vice-versa. Sabendo-se que a
origem do dever jurídico inadimplido é contratual e identificado o dano, tem-se os
pressupostos para a caracterização da responsabilidade civil contratual.126
Para Orlando Gomes, a culpa assume especial relevância na apreciação da
responsabilidade contratual.
Sendo a culpa o principal fundamento da responsabilidade contratual, o dever de indenizar surge somente quando o inadimplemento é ato, ou omissão, imputável ao devedor. Importa pois, para a exata fixação da responsabilidade apreciar a sua conduta a fim de verificar se, de sua parte, houve falta da diligência requerida ou malícia. Do contrário, não será responsável. (GOMES, 2004, p.181)
Isto não significa, no entanto, que o elemento culpa seja preterido na
apreciação da responsabilidade extracontratual. Não se pode vincular a noção dessa
modalidade de responsabilidade civil à prescindibilidade da conduta culposa do
agente, sendo certo, como já registrado alhures, que os casos de responsabilização
civil sem culpa são pontualmente definidos no ordenamento jurídico. Não fosse
assim, José de Aguiar Dias não teria registrado que a “responsabilidade
extracontratual no direito brasileiro assenta, por doutrina pacífica, no princípio da
culpa.” (DIAS, 2006, p.561).
126 Classifica-se também como responsabilidade civil contratual “quando a obrigação deriva de declaração unilateral de vontade ou de situações legais que se regulam como se fossem contratuais.” (GOMES, 2004, p.179).
116
O que pretendeu frisar Orlando Gomes foi que não se cogita, num primeiro
momento, da responsabilidade civil contratual sem a verificação da conduta culposa
de quem inadimpliu cláusula contratual. Sabe-se, no entanto, que desejando os
contratantes ajustar cláusula estabelecendo situação fática em que se atribui
responsabilidade civil a um ou outro independentemente da constatação de conduta
culposa, isto será possível em razão do princípio da autonomia da vontade das
partes, entendimento corroborado pela seguinte asserção de Savatier: “a
responsabilidade contratual se funda na autonomia de vontade, ao passo que a
responsabilidade extracontratual independe dela.” (SAVATIER apud STOCO, 2004,
p.137).
Desta forma, a origem do vínculo obrigacional entre agente causador do dano
e a vítima desse dano, se contratual ou legal, é que definirá se a responsabilidade
civil assumirá a espécie contratual ou extracontratual.
4.5.2 Responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva
Se as responsabilidades contratual e extracontratual configuram-se como tais
a partir da identificação da origem do vínculo obrigacional entre lesante e lesionado,
as responsabilidades subjetiva e objetiva reclamam para sua classificação a
identificação da necessidade ou não da conduta culposa para a imputação da
responsabilização civil.
Sendo certo que a “idéia de culpa está visceralmente ligada à
responsabilidade”, em razão disso atribui-se à conduta culposa, “de acordo com a
teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva”.
(CAVALIERI FILHO, 2007, p.16). A responsabilidade subjetiva é sempre lastreada
no elemento subjetivo da culpa, de tal forma que para que a responsabilidade civil
subjetiva se operacionalize, constituindo obrigação de reparação dos resultados da
ação danosa, a culpa constitui-se como elemento indispensável a acompanhar
outros dois pressupostos, o dano e o nexo de causalidade. Nesse sentido, a
reparação do dano, em se tratando de responsabilidade subjetiva, só será possível
se o lesionado levantar material probatório suficiente para provar a conduta culposa
do agente causador do prejuízo.
117
A responsabilidade civil objetiva, a seu turno, apoiada na teoria do risco,
dispensa o elemento culpa, de tal forma que a responsabilização se operacionaliza
com a constatação de apenas dois pressupostos, a saber, o dano e o nexo de
causalidade. A responsabilidade civil objetiva, malgrado não corresponder à
modalidade adotada preferencialmente pelo C.Civil de 2002, que privilegiou a
modalidade subjetiva de responsabilização, ganhou destaque neste diploma.127
Um aspecto de merecida importância, inovador no C.Civil de 2002, foi a
discricionariedade atribuída aos magistrados para, fazendo uso de suas convicções
pessoais, atribuírem a certa atividade a classificação ou não de atividade de risco,
atribuição essa suficientemente capaz de imputar responsabilização objetiva. Assim,
além dos casos especificados em lei que dispensam o elemento culpa, a parte final
do parágrafo único do artigo 927128 elege outras possibilidades fáticas, que poderão
decorrer dessa análise subjetiva do magistrado. Percebe-se assim, que na mesma
esfera de importância que a regra contida no art.186 do C.Civil de 2002 está para a
configuração da responsabilidade subjetiva, a regra do parágrafo único do artigo 927
deste mesmo diploma está para a configuração da responsabilidade objetiva.
Reconhecem alguns autores tratar-se o artigo 927 de um dos dispositivos
“mais polêmicos do novo Código Civil”, sob o fundamento de que o termo risco, “pela
sua característica de conceito jurídico de indeterminado, ampliará consideravelmente
os poderes do magistrado” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p.138).
Exemplificativamente, pode-se citar como modelo de responsabilidade civil
objetiva aquela descrita na regra do artigo 931 do C.Civil, que impõe aos
empresários individuais o dever de responderem pelos danos que seus produtos
vierem a causar.129
127 Ressaltam Gagliano e Pamplona Filho (2006, p.136) que o “novo Código Civil, por seu turno, afastando-se da orientação da lei revogada, consagrou expressamente a teoria do risco e, ao lado da responsabilidade subjetiva (calcada na culpa), admitiu também a responsabilidade objetiva, conforme se infere da leitura do seu artigo 927 [...]”. 128 C.Civil de 2002, art.927, parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (BRASIL, 2004, p.156). 129 C.Civil de 2002, art.931: “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.” (BRASIL, 2004, p.157).
118
4.5.3 Responsabilidade civil por fato próprio e responsabilidade civil por fato de
terceiro
A responsabilidade civil por fato próprio, ou direta, foi considerada por
Mazeaud e Mazeaud o “direito comum da responsabilidade” (DIAS, 2006, p.563).
Isto porque imputa o dever jurídico de reparar o dano causado ao próprio agente
desse dano, sendo este seu elemento distintivo em relação à responsabilidade civil
por fato de terceiro.
Na responsabilidade civil por ato de terceiro, ou indireta, como decorre de sua
denominação, determinada pessoa é chamada a responder civilmente por atuação
de terceiro, que a ela se vincula juridicamente pela via contratual ou legal.
Ilustrativamente, para um e outro caso, registre-se as seguintes situações: a
primeira, para a responsabilidade por ato próprio, o fato de o administrador de uma
sociedade empresária, no exercício de suas funções, agir deliberadamente contra as
disposições do contrato social ou da lei, ou, ainda, com excesso de poder.130 A
segunda situação exemplificativa, caracterizadora da responsabilidade por ato de
terceiro, é aquela em que o empregador responde pelos atos dos seus empregados
“no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele”, conforme norma
disposta no inciso III, do artigo 932 do C.Civil de 2002.
4.6 Da distinção entre responsabilidade civil e respons ável legal
Conforme satisfatoriamente tratado no início deste capítulo, o legislador pátrio
sem cerimônia utiliza-se reiteradamente do termo responsabilidade para referir-se a
uma obrigação, ou seja, a uma prestação obrigacional, sem deixar porém lhe
escapar a utilização do mesmo termo quando pretende referir-se à obrigação de
reparar um dano, ou seja, à responsabilidade civil. Tal ocorrência é tão evidente que
que Rui Stoco registrou:
130 Conforme as normas contidas nos seguintes dispositivos do C.Civil de 2002: Art.1.013, §2º; art.1.016; art.1.017. (BRASIL, 2004, p.171-172).
119
Digamos então, que responsável, responsabilidade, assim como todos os vocábulos cognatos exprimem a idéia de equivalência de contraprestação, de correspondência. É possível, diante disso, fixar uma noção, sem dúvida ainda imperfeita, de responsabilidade, no sentido de repercussão obrigacional da atividade do homem. (STOCO, 2004, p.119).
Importa aqui, neste item, reforçar a fixação de algumas diretrizes adotadas
neste trabalho quanto à utilização do mencionado vocábulo. De acordo com o já
registrado acerca do tema, o verbete responsabilidade deve ser concebido como
designativo da atribuição de um dever, de uma obrigação, seja ela sob que
modalidade se apresenta. Daí, exsurge a inferência de que não incorre em equívoco
o legislador ou o jurista que se refira à responsabilidade civil utilizando-se apenas
em seus escritos ou expressões verbalizadas o termo responsabilidade. No entanto,
pecam sobremodo, um e outro, se pretenderem atribuir-lhe exclusivamente a noção
de dever jurídico de reparar as consequências de um ato lesivo, ou seja, o mesmo
sentido de responsabilidade civil.
A locução responsabilidade civil como já registrado, comporta ao menos duas
acepções: uma, de instituto jurídico, composto de princípios e normas
regulamentadores das circunstâncias fáticas em que se impõe a alguém o dever
jurídico de reparar os atos lesivos delas decorrentes. Outra, de natureza subjetiva,
como obrigação atribuída a quem legal ou contratualmente deva responder pelos
danos experimentados por algum sujeito de direito.
A par disso, e desejando-se privilegiar o rigor técnico gramatical e mesmo
jurídico, os escritos deste trabalho estão permeados pelo cuidado de se fazer
agregar ao vocábulo responsabilidade outro, civil, quando o objetivo é referenciar o
instituto civilista, ou, ainda, referenciar o atributo, a obrigação consistente no dever
jurídico de reparação do dano. Entende-se, assim, que o termo responsabilidade
deve ficar adstrito somente à representatividade de obrigações e deveres não
consistentes de reparar dano sofrido, aplicando-se melhor, nesses casos, o vocábulo
responsabilidade civil.
Não são poucas as normas legais cujo conteúdo se vislumbra atribuição de
dever jurídico distinto da reparação de ato lesivo. Trata-se de modalidade de
responsabilidade legal. Exemplificativamente, e a título de reforço, além dos muitos
dispositivos abrigados no Código Tributário Nacional131, o Código Civil nos artigos
295, 400, 585, 680, 830, e 1.671 (BRASIL, 2004), evidencia a figura do responsável
131 Notadamente os artigos 123, 128, 131, 132, 133.
120
legal na concepção aqui defendida. As pessoas referidas na lei através dessa
molduração que lhes atribui dever jurídico originário, independentemente da prática
de uma conduta antijurídica causadora de lesão a direito alheio, são responsáveis
legais, não se tratando de responsabilidade civil. Ocorre que uma das notas
distintivas de maior importância está exatamente na dispensabilidade do dano para
que alguém seja considerado responsável legal, ao passo que esta dispensabilidade
não se verifica na responsabilidade civil.
À responsabilidade civil, eis que decorrente de comando geral legal, não pode
escapar também a noção de responsabilidade legal. No entanto, em havendo
denominação própria para referir-se a este fenômeno jurídico, melhor que ela
prevaleça, sendo este o critério adotado neste trabalho. E, quanto à locução
responsável legal, atribuir-se-á como expressão designativa de deveres e
obrigações dos administradores decorrentes da relação jurídica obrigacional, não
considerando sua responsabilização como fato decorrente do dever legal ou
contratual de recomposição de fato danoso.
121
5 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR NÃO SÓC IO NAS
SOCIEDADES LIMITADAS
É de longa data que as atividades empresariais têm recebido notório
reconhecimento de sua importância ante os mais diversos setores sociais, haja vista
a sua efetiva participação na molduração das estruturas da sociedade civil,
notadamente no âmbito econômico, de tal forma que evidente, como registra Arnold
Wald, a “importância crescente da empresa como coração da vida econômica na
sociedade contemporânea” (WALD, 2005, p.6), porquanto
É pois, o elemento central da economia moderna, caracterizada pelas suas várias facetas: entidade econômica, por ser centro de produção ou de circulação de bens, entidade social, por desenvolver uma verdadeira parceria entre capital e trabalho e, por fim, entidade jurídica, por constituir um complexo de direito e de obrigações, sujeito de direito que mereceu um tratamento próprio no Código Civil. (WALD, 2005, p.6).
Reconhecendo a relevância das atividades empresariais para os cidadãos e
para a sociedade civil, o Estado, que também é diretamente beneficiado132, atua
diversificadamente fomentando as iniciativas voltadas para este fim. Uma das
maiores expressões de fomento do Estado à atividade empresarial no Brasil foi a
própria instituição das sociedades limitadas, que como se sabe, mitiga sobremodo
as possibilidades de que o insucesso da empresa afetem o empreendedor. É o caso,
também, de diplomas legislativos como a Lei das Micro e Pequenas Empresas (Lei
Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006) que oferece um regime
diferenciado de tributação. Existem ainda atividades administrativas de capacitação
e incentivo ao empreendedorismo, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas - SEBRAE.
Revestem-se também de grande notoriedade os riscos que decorrem das
atividades empresariais.133 Dentre tantos, aqueles concernentes aos danos que
132 Pela tributação direta e indireta que dessas atividades emerge, assim como pela empregabilidade, cujo impacto na redução da criminalidade é direto. 133 Dentre os riscos está o que corre o próprio empreendedor, que se reduzem na medida em que a “personalidade jurídica e a limitação da responsabilidade dos sócios permitem proteger o empreendedor de riscos no empreendimento societário não aceitáveis, prefixando suas participações nos prejuízos da sociedade, sendo que, se isso não de desse, a maioria das pessoas não se disporia
122
podem derivar de práticas ilícitas ou mesmo dos riscos oferecidos por algumas
dessas atividades. Conhecedor dessa realidade, o legislador sempre se ocupou em
reservar cuidado às circunstâncias fáticas nas quais os sócios e os administradores
poderiam ser agentes de prejuízos através da utilização da firma social134. Se
ocupou, também, em regulamentar as consequências jurídicas dos atos lesivos
gerados pela própria sociedade. Desse cuidado dimanaram regras jurídicas que
impõem responsabilização aos sócios, aos administradores e à sociedade
empresária quando incorrerem direta ou indiretamente na prática de atos lesivos.
E é exclusivamente a matéria relativa a uma dessas circunstâncias, a atinente
à responsabilização do administrador não sócio das sociedades limitadas, matéria
central deste estudo, que se ocupará este capítulo.
Nos capítulos anteriores a abordagem temática privilegiou alguns elementos
diretamente relacionados ao trato da proposta principal deste trabalho, muitos deles
conceituais. Registraram-se, na ocasião, algumas dissonâncias conceituais legais e
doutrinárias acerca do conteúdo semântico dos vocábulos obrigação, relação
jurídica e relação jurídica obrigacional, responsabilidade e responsabilidade civil,
assim como demonstrou-se o quanto se vinculam. Antecedendo a abordagem
proposta para este capítulo, didático e oportuno se mostra passar em revisão alguns
pontos já apresentados, a fim de bem delimitar as proposições terminológicas que
foram e ainda serão utilizadas na tratativa do tema.
Reforça-se então, a seguinte construção conceitual para obrigação: “relações
jurídicas, consistentes num DEVER DE PRESTAÇÃO, tendo valor patrimonial, do devedor
ao credor.” (LOPES, 1962, p.10). Pode-se, ainda, atribuir-se ao termo o sentido de
prestação obrigacional, o que costuma ser muito recorrente no meio jurídico.
Relação jurídica, a seu turno, expressa a noção de vínculo entre dois ou mais
sujeitos de direito que obriga um deles, ao outro, a terceiro, ou entre si, a agirem de
acordo com um comportamento esperado. É também o poder direto de uma pessoa
sobre determinada coisa. É, em segundo tempo, o conjunto de efeitos jurídicos que
a atuar no mercado, trazendo, como conseq6uência, aumento no desemprego e na criminalidade, mitigação do desenvolvimento do país, menor contribuição fiscal etc.” (GONTIJO, 2005, p.95). 134 De acordo com Waldecy Lucena, a expressão “usar da firma social e gerir em nome da sociedade são expressões sinônimas, como se depreende do art.302, nº 3, do Código de Comércio, e o ressaltou Waldemar Ferreira” (LUCENA, 2003 p.428).
123
nascem da constituição da relação jurídica, consistentes em direitos e deveres.135
Relação jurídica obrigacional é o vínculo obrigacional pessoal, que imputa a
um sujeito uma prestação de dar, fazer ou não fazer, e que tem como elementos a
incidência de norma jurídica sobre uma situação fática juridicamente concebida, os
sujeitos ativo e passivo da obrigação, o objeto e o vínculo jurídico específico
(COSTA JÚNIOR, 1994, p.35).
O vocábulo responsabilidade comporta designação genérica relativa à
atribuição de dever jurídico a uma pessoa natural ou jurídica de dar cumprimento a
uma ou mais prestações obrigacionais. Nesse sentido, ao vocábulo responsável
cabe acepção de pessoa a qual se espera o cumprimento desse dever jurídico.
Por derradeiro, responsabilidade civil reclama definição bipartida:
considerando o sistema em que se insere, define-se como um instituto jurídico,
composto de princípios e normas regulamentadores das circunstâncias fáticas em
que se impõe a alguém o dever jurídico de reparar atos lesivos decorrentes dessas
circunstâncias.136 Sob a concepção pessoal, subjetiva, a responsabilidade civil
assume noção de prestação obrigacional a quem legal ou contratualmente deva
responder pelos danos experimentados por algum sujeito de direito.
Importante, assim, fixar de início a noção de que a responsabilidade civil a
que se refere o título epigrafado neste capítulo, como sendo aquela que expressa os
deveres juridicamente atribuídos aos administradores concernentes à reparação de
danos que direta ou indiretamente tenham participado. Trata-se, dessa forma, de
estudo que busca conhecer as possibilidades jurídicas de responsabilização civil do
administrador não sócio chamado à gestão e (re)presentação da sociedade limitada
empresária.
135 Conceito estruturado a partir daquele elaborado por Orlando Gomes, nos seguintes termos: “[...] vínculo entre dois ou mais sujeitos de direito que obriga a um deles, ao outro, ou aos demais, a agirem de acordo com um comportamento esperado. É também o poder direto de uma pessoa sobre determinada coisa. É, em segundo tempo, o conjunto de efeitos jurídicos que nascem da constituição da relação jurídica, consistentes em direitos e deveres.” (GOMES, 2001, p.94). 136 Uma adaptação própria do conceito de responsabilidade civil formulado por Milton Paulo de Carvalho: “[...] conjunto de princípios e normas que disciplinam a obrigação de reparar o dano resultante do inadimplemento de um contrato, da inobservância de um dever geral de conduta ou, nos casos previstos em lei, mesmo da prática de ato lícito”. (CARVALHO apud STOCO, 2004, p.120).
124
5.1 A responsabilização no direito empresarial enqu anto efeito do
descumprimento ou não de um dever jurídico
De um modo geral, o exercício da empresa, concernente à noção funcional de
atividade empresarial137, pode ensejar a responsabilização de certas pessoas como
efeito derivado do descumprimento de um dever jurídico, ou, ainda em casos
pontuais, independentemente da ação ilícita.
Quando o tema é a atribuição jurídica de indenizar ou compensar o dano
modificador da esfera de direito alheio decorrente de atividades empresariais, a
abordagem legal e doutrinária da responsabilidade civil tem concentrado atenção na
responsabilização da sociedade empresária, dos sócios e dos administradores, haja
vista a intimidade destas pessoas com o exercício da empresa.
Na figura dos sócios, máxime do sócio administrador, sempre houve um maior
número de formulações teóricas sobre a matéria, isto se justificando obviamente em
razão da dimensão de poderes que legal e contratualmente lhe são conferidos,
dentre os quais o de gestão interna e externa dos interesses sociais. Porém
preceitos138 e teorias139 acerca da responsabilização do sócio que não exerce a
função de administrador sempre foram presentes e assim permanecem. Foi tratando
pontualmente deste tema que Pontes de Miranda formulou, dentre outras
construções, a de que “o sócio quotista, qualquer que seja, responde pelo ato ilícito
absoluto e pelo crime que cometeu, uma vez que não podia usar da firma, ou foi
além do que podia.” (PONTES DE MIRANDA, 1965, p.48).
137 Conforme Luiza Rangel de Moraes (2005, p.40), o C.Civil de 2002 acolheu a concepção de empresa do direito italiano, “partindo da tese de Asquini, “de que a empresa é um fenômeno econômico unitário, que se apresenta, no plano jurídico, ao menos sob quatro ângulos diversos: subjetivo, como empresário; objetivo, como patrimônio; funcional, como atividade; e corporativo, como instituição”. 138 Cite-se como exemplo os seguintes artigos do C.Civil/1916 : “Art.11. Cabe ação de perdas e danos, sem prejuízo da responsabilidade criminal, contra o sócio que usar indevidamente da firma social ou que dela abusar.”; “Art.16. As deliberações dos sócios, quando infringentes do contato social ou da lei, dão responsabilidade ilimitada àqueles que expressamente hajam ajustado tais deliberações contra os preceitos contratuais e legais.” (BRASIL, 2002, p.200). Há ainda, exemplificativamente sobre esta categoria, dispositivo do C.Civil/2002 com a seguinte redação: “Art.1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram”. (BRASIL, 2004, p.184). 139 Uma bastante contemporânea, inclusive, de autoria de Júlio César Lorens, cujos escritos encontram-se abrigados em obra intitulada Responsabilidade do Sócio não-administrador na Sociedade Limitada. (LORENS, 2004).
125
A responsabilidade civil no âmbito empresarial poderá operar sob a forma de
responsabilidade civil subjetiva ou responsabilidade civil objetiva. No primeiro caso,
como já salientado em capítulo anterior, o ilícito representado na conduta culposa
geradora do prejuízo, é pressuposto indispensável. Já em se tratando de
responsabilidade objetiva, a culpa não é pressuposto, eis que elemento desprezível,
importando apenas o dano e o nexo causal que o liga a determinada atividade.140
Tem-se então duas situações em que a inobservância de dever jurídico previamente
estabelecido, legal ou contratualmente, ora surge como requisito, ora como
dispensável. Em razão disso, é certo inferir que a responsabilização civil no Direito
Empresarial, dependendo das circunstâncias, pode se operar havendo ou não o
descumprimento de um dever jurídico originário.
Importa registrar, no entanto, que a responsabilização civil no âmbito
empresarial, tomadas em consideração as normas regentes da matéria, é muito
mais frequente sob a forma de responsabilidade subjetiva, ou seja, como decorrente
do descumprimento culposo de determinados deveres jurídicos, gerais ou
específicos. Ao menos, é o que se extrai do conteúdo normativo disciplinador da
matéria.
O Livro II do Código Civil, cuja epígrafe lá registrada é Do Direito de Empresa,
abriga duzentos e trinta artigos, dentre os quais, cinquenta e cinco reservados à
modalidade societária Simples e trinta e seis à Sociedade Limitada. Um olhar atento
a essas normas, uma a uma, fará perceber que apenas nove141 remetem à
responsabilidade civil dos sócios, e quatro142 à responsabilidade civil dos
administradores. Outras há, no mesmo diploma, em que o legislador referiu à
atribuição de responsabilidade, porém na forma de obrigação ou dever jurídico
originários, completamente desvinculados a evento danoso e, por assim dizer, do
instituo da responsabilidade civil.
140 Cite-se, dentre outros, como exemplo de responsabilidade civil objetiva a imposta pelo Código de Defesa do Consumidor ao fornecedor de produtos acometidos de defeitos (CDC, art.14). 141 Artigos 1.004, 1.005, 1.008, §3º do art.1.010, 1.023, 1.059, 1.070 e §3º do art. 1.078 (qdo. sócio integrar o Conselho Fiscal), e artigo 1.080. (BRASIL, 2004). 142 Artigos 1.016, 1.017, §2º do art.1.013, e §3º do art. 1.078. O artigo 1.080 não pode ser tomado como diretivo da responsabilização do administrador porque integra o rol de normas correspondentes às deliberações dos sócios, reportando-se a eles quando informa que “As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.” (BRASIL, 2004, p. 171-172;184).
126
É de se notar que as disposições contidas nas mencionadas normas, no total
de treze, todas, sem exceção, caracterizam a modalidade de responsabilidade civil
subjetiva, eis que reclamam de um e de outro o descumprimento culposo de um
dever jurídico previamente estabelecido. Em outros diplomas, outrossim, prevalece a
mesma sistemática da responsabilidade subjetiva para os sócios e para os
administradores. E não poderia ser de outra forma, haja vista o princípio da distinção
entre a pessoa jurídica sociedade143 e a pessoa natural sócio, e por conseguinte da
separação dos acervos patrimoniais de um e de outro, assim como da não
vinculação obrigacional do administrador às dívidas sociais. Giovanni Comodaro
Ferreira sobre a matéria articulou a seguinte consideração:
A principal conseqüência da personalização dos entes coletivos, [...] é sua autonomia patrimonial. Os bens dos componentes do ente coletivo não se confundem com o patrimônio destacado para a sua constituição, e a expansão deste último não importa, diretamente, um aumento dos bens dos sócios. A pessoa jurídica age como ser individual, e responde sozinha, na ordem patrimonial, pelos atos validamente praticados por seus representantes e administradores. (FERREIRA, 2003, p.92)
Não havendo regra jurídica viabilizando entendimento contrário, infere-se que
a responsabilização civil dos sócios e administradores somente se planifica sob a
forma subjetiva.
Esta realidade jurídica consignada no C.Civil de 2002, consagradora da
responsabilidade civil subjetiva para os sócios e administradores não quer implicar,
no entanto, na ausência de espaço para a operacionalização da responsabilidade
objetiva no âmbito empresarial. À sociedade empresária, no entanto, notadamente
por força da teoria do risco, é bem mais pertinente se cogitar da responsabilização
objetiva, tanto que é sabido ser esta a regra quando a matéria refere-se às relações
de consumo, de acidentes de trabalho, e por ato de seus empregados e prepostos,
três situações que serão melhor exploradas nos escritos seguintes.
143 De acordo com o art.985 do C.Civil/2002, “A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos”. Regra que se assemelha àquela contida no artigo 45 do mesmo diploma: “Começa a existência legal das pessoas jurídica de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro [...].”(BRASIL, 2004, p.166).
127
5.2 A responsabilização lato sensu do administrador: pressupostos objetivos
Caio Mário da Silva Pereira bem sintetizou a regra geral que prevalece em
relação à responsabilidades legal e civil das sociedades empresárias:
Desde que se tenha em vista um negócio jurídico realizado nos limites do poder conferido pela lei e pelo estatuto, deliberado pelo órgão competente e realizado por quem é legítimo representante, a pessoa jurídica é responsável, está adstrita ao cumprimento da palavra empenhada e responde com seus bens pela inobservância do compromisso. (PEREIRA, 2004, p.321).
Tratando-se de regra geral, cuja base legal está inserida nos artigos 47 do
C.Civil144 e 158 da LSA145, não há o menor equívoco em se assegurar que nenhum
administrador será responsabilizado civilmente pelas obrigações inadimplidas pela
sociedade empresária, ou mesmo por qualquer outra modalidade de dano, ainda
que decorrente de sua específica atividade funcional, sem que tenha havido gestão
irregular. E o conteúdo de gestão irregular ou mesmo seu revés, atos regulares de
gestão, foram explicitados pelo legislador em alguns dispositivos146, porém Gustavo
Saad Diniz, interpretando o art.158 da Lei das Sociedades Anônimas, oferece a
seguinte diretriz:
A exceção desta regra é a responsabilidade civil pessoal do administrador quando atuar: a) dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; b) com violação da lei ou do estatuto, tratando-se também de responsabilidade subjetiva, conforme entende majoritária doutrina. Patente que há a necessidade de descumprimento de dever legal para a responsabilização do administrador, bastando que haja a ocorrência fática de uma conduta ilícita, com liame de causalidade com o dano conseqüente,
144 C.Civil/2002, art.47: “Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.” (BRASIL, 2004, p.37). 145 LSA/1976: art. 158. “O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou do estatuto.” (BRASIL, 2008, p.1.041). 146 Como por exemplo, a conivência ou negligência da descoberta de atos ilícitos praticados por outros administradores (LSA, art.158, §1º); o “não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal” da sociedade (LSA, art.158, §2º); o deixar de comunicar ao órgão social responsável que sabe acerca do descumprimento de deveres pelo administrador que o antecedeu (LSA, art.158, §4º); o concorrer “para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto” desejando “obter vantagem para si ou para outrem” (LSA, art.158, §4º). Há, ainda, outros dispositivos do C.Civil/2002 que oportunamente serão explicitados. (BRASIL, 2008).
128
qualificada pelo elemento subjetivo (dolo ou culpa). (DINIZ, 2003, p.110).
Já referenciados em outro capítulo deste trabalho, os deveres de diligência,
lealdade, e de informar consagram, juntamente com as máximas do agir “com o
cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração dos seus próprios negócios”147, e “como um bom pai de família”
(PIMENTA, 2007, p.113), um standard comportamental esperado do administrador
de sociedades. A regra é agir de acordo com as diretrizes fixadas pela lei e pelo
contrato social, que podem ser particularizadas em diversas situações fáticas, de
acordo com a atividade empresarial exercida e com os poderes atribuídos ao
administrador. Sobre esta particularização acrescentou Eduardo Goulart Pimenta
que
Apenas diante das circunstâncias de cada situação particular é possível constatar se um administrador violou ou não, os padrões de conduta diligente fixados abstratamente pelo legislador. O que pode ser um ato negligente, sob determinadas circunstâncias, não necessariamente o será se outro for o contexto em que foi praticado. (PIMENTA, 2007, p.114).
Inobservando o comportamento esperado, poderá o administrador ser
chamado à responsabilização civil pelos prejuízos decorrentes dessa infração.
Fernando Melo da Silva informa quanto a isto que
[...] todos aqueles que tiverem sido prejudicados por atos de gestão praticados pelos administradores societários ao arrepio da lei, do contrato ou do estatuto social, terão ação de responsabilização em face destes, onde se deverá perquirir da efetiva prática por parte do administrador social dos atos acima delineados, para só assim lhe poder ser imputada qualquer tipo de responsabilidade patrimonial. (SILVA, 2003, p.34).
Disso conclui-se haver duas regras de elevada importância a serem
observadas quando o tema é o da responsabilização do administrador de
sociedades limitadas empresárias. A primeira, geral, é a de que o administrador não
responde pelas obrigações sociais, quer sejam elas ordinárias – como aquelas geral
e necessariamente contraídas no exercício da empresa para a consecução do seu
objetivo social –, quer sejam aquelas decorrentes de atos danosos a terceiros. A
147 Regra assim expressa no art.1.011 do C.Civil/2002: “O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.” (BRASIL, 2004, p.171).
129
segunda regra, de exceção, delimita a responsabilização do administrador aos casos
em que os atos verificados no exercício de sua função corresponderem a uma
gestão irregular, adversa ao que corresponde aos seus deveres funcionais gerais e
específicos, a serem consultados na lei e no contrato social.
Dessas duas regras, é possível extrair os pressupostos objetivos à
responsabilização do administrador. Primeiramente, sabendo-se que o dano é
pressuposto objetivo indissociável ao instituto jurídico da responsabilidade civil, não
se cogita de responsabilizar civilmente qualquer sujeito de direito sem que este
elemento seja efetivamente verificado e comprovado cabalmente. Assim, o dano
emergente, o prejuízo efetivamente experimentado por pessoa natural ou jurídica
surge como primeiro pressuposto objetivo a se considerar à responsabilização do
administrador. O segundo pressuposto será a conduta culposa (sentido lato) do
administrador como fato gerador do prejuízo. É elemento subjetivo em relação ao
administrador, e elemento objetivo em relação aos fatos sociais. Há que se perquirir
se o administrador agiu contrariamente à lei e ao contrato social, de tal forma a
configurar a extrapolação de seus poderes ou mesmo qualquer ato desidioso.148 Por
último o pressuposto comum, assim como o dano, a qualquer modalidade de
responsabilização: o nexo de causalidade. Se o prejuízo sofrido pela vítima do ato
danoso não se liga de nenhuma forma a ato antijurídico praticado pelo administrador
no exercício de suas funções, inviabilizada juridicamente está a sua
responsabilização. Vinícius José Marques Gontijo e Gustavo Saad Diniz assim
pontuaram a questão dos pressupostos:
Com efeito, para que haja responsabilização do membro que componha um órgão social, a legislação admite que, verificados ação ou omissão ilícita, o dano, o nexo causal e, conforme o órgão, o dolo ou a culpa, surge o direito à reparação, a responsabilidade civil. (GONTIJO, 2005, p.89).
Nas sociedades por cotas de responsabilidade limitada, por exemplo, o sócio administrador somente responde pelas dívidas da empresa quando houver excedido o mandato ou praticar ato contrário à lei ou ao contrato social e, ainda, desde que presente o requisito da relação de causalidade entre a sua ação ou omissão e o dano suportado pelo prejudicado (DINIZ, 2003, p.113-14).
148 Interessante a ponderação de Pimenta (2007, p.116) de que “Denomina-se dever de obediência a obrigação que os administradores de sociedades privadas têm de respeitar os limites estabelecidos por lei ou pelos atos constitutivos no exercício de sua atividade.”
130
Portanto, em conclusão, os pressupostos objetivos à responsabilização do
administrador de sociedades limitadas empresárias serão: a) o dano efetivo
experimentado por pessoa natural ou jurídica; b) a conduta culposa do
administrador, expressa na inobservância de dever jurídico consignado na lei ou no
contrato social; c) o nexo de causalidade, manifesto no liame entre a conduta
culposa do administrador e o dano experimentado. Essas “matrizes autorizadoras da
imputação” (GONTIJO, 2005, p.140) da responsabilidade civil aos administradores,
como é de fácil percepção, compreendem aqueles requisitos gerais comuns à
responsabilidade civil subjetiva, o que reforça a inferência de que a responsabilidade
civil do administrador de sociedades limitadas empresárias só se torna possível
quando operacionalizada sob esta modalidade, que tem na conduta culposa seu
elemento nuclear.
5.3 As implicâncias da desconsideração da personali dade jurídica da
sociedade
Algumas circunstâncias fáticas, quando legalmente previstas no ordenamento
jurídico, “permitem a superação do anteparo da pessoa jurídica” (DINIZ, 2003, p.
117), provocando reflexos patrimoniais na esfera dos sócios e dos administradores.
Tratam-se de situações excepcionais, porquanto, como assinalou Alexandre Macedo
Tavares, “só se estende (por determinação judicial) os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações aos bens particulares dos administradores ou
sócios, porque a mesma se afigura naturalmente não extensível.” (TAVARES, 2002,
p.12).
Dentre tais circunstâncias está a encampada pela teoria da desconsideração
da personalidade jurídica, originalmente concebida nas cortes da Inglaterra e dos
Estados Unidos como disregard doctrine ou disregard of legal entity.149 É instituto
jurídico que tem como objetivo inaugural a declaração de ineficácia da personalidade
jurídica da sociedade empresária quando identificadas atividades de subversão dos
149 Alexandre Macedo Tavares (2002, p.14) indica ainda outras denominações: “lifting the corporate veil, desestimação da personalidade jurídica, descerramento do véu corporativo, doutrina da penetração, etc.”
131
fins para os quais ela foi criada, de modo a alcançar o patrimônio dos sócios e dos
administradores de sociedades quando estes utilizarem da autonomia da sociedade
como instrumento de fraude ou ilicitude (FERREIRA, 2003).
Como alerta Laís Vieira Cardoso é importante que o valor da personalidade
jurídica não seja negado, porém “é necessário traçar normas que impeçam o seu
emprego doloso” a fim de que a pessoa jurídica não se preste “a servir como
instrumento de fins ilícitos”. (CARDOSO, 2003, p.144).
Como é de se notar, não é finalidade do instituto da desconsideração em
apreço a invalidação da personalidade jurídica ou sua anulação, senão, como
defende Giovanni Comodaro Ferreira (2003, p.94), apenas “a sua suspensão
temporária para responsabilizar os infratores que fizeram dela instrumento de
ilegalidade”. Particularidade essa já referenciada por Rubens Requião quando
registrou que
[...] o mais curioso é que a disregard doctrine não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro dos seus limites, a pessoa jurídica para determinados efeitos, prosseguindo todavia a mesma incólume para seus fins legítimos. (REQUIÃO apud GONTIJO, 2005, p.93).
Interessante também é a particularização dos efeitos da desconsideração em
relação à própria sociedade. Gontijo defende, e com razão, que
Desconsiderada a personalidade jurídica, com sua ineficácia em um caso in concreto, não se compreende a possibilidade de condenação da sociedade, mas apenas de terceiros, que serão os sócios e/ou outros membros de órgãos sociais, nunca a sociedade. A condenação da sociedade solidariamente com os sócios e/ou outros membros de órgãos sociais representaria a inexistência da desconsideração da personalidade jurídica, que teria sido considerada, tanto assim que a sociedade foi condenada. (GONTIJO, 2005, p.94).
Discute-se a origem legal do instituto no ordenamento jurídico brasileiro.
Discussão que se concentra ora na eleição da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), ora no Direito do Trabalho, e ora também no Código Tributário Nacional.150
150 Giovanni Comodaro Ferreira (2007, p.97) entende que “embora seja esta a posição da doutrina majoritária, não se deve admitir a CLT como o diploma pioneiro na inserção da disregard doctrine no sistema jurídico brasileiro. É mais pacífico o entendimento de que o Código Tributário Nacional esboçou certos princípios da teoria da desconsideração, ao tratar de algumas formas de responsabilidade nos arts. 134, inciso VII, e 135.” Mais à frente registra: “[...] cumpre registrar a contribuição trazida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) à positivação da doutrina do superamento no sistema jurídico brasileiro. Trata-se do diploma que instituiu, categoricamente, a
132
Atualmente o instituto encontra-se incorporado também nas normas do C.Civil de
2002, mais especificamente em seu artigo 50, cuja redação é a seguinte:
Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (BRASIL, 2004, p. 38).
A fraseologia jurídica contida no referido artigo está a indicar que o abuso da
personalidade jurídica é elemento essencial e primeiro para a planificação
operacional do instituto, e que a caracterização desse elemento se daria através da
verificação do desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial entre o acervo de
bens dos sócios ou administradores e o acervo de bens da sociedade. Identifica-se,
outrossim no dispositivo, a legitimatio para o seu requerimento, concentrada nas
figuras do Ministério Público e da pessoa vitimada pelo ilícito.151
teoria da desconsideração em nosso ordenamento, por meio do art.28, caput e § 5º, autorizando sua incidência nas hipóteses de reparação de danos causados aos consumidores.” (FERREIRA, 2003, p.98). Alexandre Macedo Tavares (2002, p.15), a seu turno,registrou: “Em que pese o Código de Defesa do Consumidor ter dado o definitivo impulso à propagação da louvável teoria em apreço, não podemos nos esquecer que o seu legítimo nascedouro emerge das entrevozes da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei nº 5.452/43), onde encontramos sinais claros de sua utilização, ex vi do § 2º do art. 2º do diploma legal mencionado [...].” Caio Mário da Silva Pereira sobre a influência do Código de Defesa do Consumidor nesse processo disse: “Foi o Código de Proteção e Defesa do Consumidor - Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990 - que consagrou definitivamente a disregard doctrine, assentado no art.28 o princípio geral, deduzindo os requisitos de aplicação e estabelecendo as conseqüências, autorizando o juiz a desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade na defesa do consumidor, vítima de procedimento do produtor, nas hipóteses a que alude.” (PEREIRA, 2004, p.336-337). 151 Gontijo informa que a “fraude” e o “abuso de direito” são os vícios que como pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica devem ser provados. (GONTIJO, 2005, p.94). No mesmo sentido, Caio Mário da Silva Pereira: “[...] elaborou uma doutrina de sustentação para, levantando o véu da pessoa jurídica, alcançar aquele que, em fraude à lei ou ao contrato, ou por abuso de direito, procurou eximir-se por trás da personalidade jurídica e escapar, fazendo dela uma simples fachada para ocultar uma situação danosa.” (PEREIRA, 2004, p.334). Giovanni Comodaro Ferreira oferece importante contribuição à interpretação do que seja a fraude para o instituto: “[...] o principal pressuposto e incidência da desconsideração é o propósito de se fazer uso indevido da autonomia formal da pessoa jurídica, por meio de fraude ou de abuso de direito. Alexandre Couto Silva (op.cit., p.36) esclarece que os conceitos de fraude de abuso de direito, formulados pela doutrina civilista, são inadequados àqueles utilizados pela teoria da desconsideração, fazendo-se necessária a adequação das concepções civilistas com a desconsideração. Com efeito, a extensão do conceito de fraude no ordenamento jurídico brasileiro não equivale à dimensão que lhe dá o sistema americano. Para este, qualquer artifício ardiloso engendrado para prejudicar terceiro, e que, destarte, obscureça a verdade, é qualificado como ato de fraude. Tem-se portanto, ‘um termo genérico, (que compreende) todos os meios utilizados por alguém com o intuito de adquirir vantagem de outrem por meio de falsas sugestões ou encobrimento da verdade’. Na doutrina civilista pátria, o instituto da fraude passou a representar a manobra do devedor que busca se furtar à satisfação das obrigações assumidas. Portanto, se resume ao terreno dos artifícios maliciosos que intentem lesar credores. Outras
133
O legislador no Código de Defesa do Consumidor ofereceu uma gama de
situações viabilizadoras da desconsideração da personalidade jurídica mais ampla
do que no C.Civil de 2002, conforme se extrai do texto da norma contida no artigo 28
daquele diploma:
Art.28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. [...] §5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (BRASIL, 2005, p.972).
Comentando a amplitude das situações fáticas em que esta viabiliza
desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade empresária, Cláudia Lima
Marques entende que o “reflexo desta doutrina no esforço de proteção aos
interesses do consumidor é facilitar o ressarcimento dos danos causados aos
consumidores por fornecedores pessoas jurídicas”. (MARQUES, 2006, p.441).
Quanto ao diálogo de fontes entre o CDC e o C.Civil de 2002, no que concerne à
matéria, registrou a autora:
Em relações de consumo, o art.28 do CDC tem aplicação e o CC/2002 não se aplicará a não ser subsidiariamente, no que couber (diálogo de subsidiariedade). O CC/2002, porém, ainda é importante para o aplicador do CDC, no que se refere às definições (diálogo de complementariedade) das expressões usadas no art.28 e parágrafos do CDC. (MARQUES, 2006, p.442).
O elemento comum que se extrai dos múltiplos requisitos ensejadores da
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é essencialmente
de natureza anímica, consubstanciado na “má-fé, dolo ou atitude temerária”
(BORBA, 2004, p. 33) subjetivados na ação do sócio ou administrador que utiliza
indevidamente o nome da sociedade para obter vantagens para si em detrimento da
sociedade e de terceiros, donde se diagnostica o “desvio de finalidade da pessoa
hipóteses que, no Direito americano, se enquadrariam perfeitamente na sistemática de resolução jurídica baseada no instituto da fraude, são apreciadas segundo os critérios de configuração dos outros defeitos dos atos jurídicos (erro, dolo, coação e simulação). (FERREIRA, 2003, p.99).
134
jurídica” (FAZZIO JÚNIOR, 2003, p.51). A confusão patrimonial, por sua vez, é
pressuposto de natureza objetiva para a desconsideração da personalidade jurídica.
Desta forma, consoante a disciplina legal do instituto, as implicâncias da
desconsideração da personalidade jurídica das sociedades empresárias serão
inicialmente o afastamento temporário dos efeitos da personificação jurídica da
sociedade, a sua ineficácia, a fim de redirecionar os deveres jurídicos patrimoniais
original e supostamente contraídos pela sociedade para os seus sócios ou
administradores, que passarão a responder por essas dívidas, na medida de sua
efetiva participação na atividade caracterizadora do desvio de finalidade.
Pontofinalizando, trata-se, como é notório, de instituto jurídico que pode
repercutir tanto na responsabilização civil dos sócios ou administradores quando
fazendo uso indevido da pessoa jurídica derem causa à situação danosa a
terceiros152, ou, de outra forma, simplesmente na imputação de responsabilidade ao
cumprimento das obrigações contraídas em nome da sociedade antes mesmo da
ocorrência de evento danoso, uma vez que o inadimplemento dessas obrigações, ou
a verificação do dano, de acordo com o artigo 50 do Código Civil, não são
pressupostos do instituto.153
5.4 A teoria ultra vires societatis
O contrato social das Sociedades Limitadas e o estatuto social das
Sociedades Anônimas, observadas as orientações legais de sua formatação, fixam
legitimamente um sem número de poderes e limites para a sociedade, seus órgãos e
assim também para os sócios e administradores. Em razão disso, possuem força de
152 Como é o caso da norma contida no art.28 do CDC, que toma o prejuízo causado ao consumidor como um pressuposto para a desconsideração da personalidade jurídica. O mesmo ocorrendo em relação ao art. 4º da Lei n.º 9.605/1998 que prevê ainda outra hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, dispondo que "poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica, sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente". 153 “[...] a denominada disregard doctrine significa, na essência, que em determinada situação fática, a Justiça despreza ou "desconsidera" a pessoa jurídica, visando a restaurar uma situação em que chama à responsabilidade e impõe punição a uma pessoa física, que seria o autêntico obrigado ou verdadeiro responsável, em face da lei ou do contrato.” (PEREIRA, 2004, p.334).
135
observância obrigatória.
Dentre as diretrizes fixadas através de suas cláusulas normativas, que criam
regras de obediência interna corporis, está a que indica as atividades empresariais a
serem exercidas pela sociedade, ou seja, o seu objeto social. Conforme Waldírio
Bulgarelli, os “atos dos administradores que violarem ou ultrapassarem os limites do
objeto social definido no estatuto serão ultra vires, ou seja, serão atos exercidos
além dos poderes da sociedade”. (BULGARELLI apud VERSOLA, 2003, p.129).
De acordo com a doutrina, as consequências jurídicas de maior relevância,
quando diagnosticada essa ocorrência são, ao menos, três. Primeiramente, a não
vinculação obrigacional da sociedade em negócio jurídico que extrapolou o objeto
social. Outra, a que cogita a nulidade desse negócio, e, em terceiro lugar, a que se
refere à responsabilização da sociedade e do administrador.
Em artigo sobre a matéria, Lucila de Oliveira Carvalho informa que
Segundo a teoria ultra vires, originária do direito inglês, exonera-se a sociedade de responsabilidade por atos praticados pelos administradores que não se enquadrem no objeto da sociedade. Esse objeto, segundo aquela teoria, há de compreender a idéia de atividade e fim. Assim, os atos praticados fora do âmbito do objeto social seriam ineficazes em relação à sociedade, não gerando obrigações para a sociedade nem direitos para terceiros. (CARVALHO, 2009, p. 1).154
Prossegue a autora, chamando a atenção para as transmudações que
acometeram a tese originária da teoria ultra vires societatis em relação à
responsabilização da sociedade e do administrador, ainda lá no direito americano:
Nas primeiras decisões sobre o tema, os tribunais norte-americanos aplicavam a doutrina ultra vires com vigor. Assim, sempre que uma transação fosse além do objeto da sociedade ou dos poderes dos administradores previstos no estatuto da companhia, qualquer das partes contratantes poderia invalidar o contrato, mesmo após o cumprimento total ou parcial da obrigação pela outra parte (cf. Palmiter). Posteriormente, as cortes norte-americanas começaram a perceber a insegurança jurídica gerada pela adoção desse entendimento, com danosas repercussões sobre os negócios em geral, passando, por isso, a, por um lado, somente admitir a invocação da teoria ultra vires em casos em que a obrigação não tivesse ainda sido cumprida, e, por outro lado, a interpretar os contratos e estatutos das sociedades com mais flexibilidade, reconhecendo a responsabilidade da empresa por obrigações assumidas nas condições acima referidas, mas que se pudessem entender
154 O artigo 47 do C.Civil de 2002 contém regra com idêntica teleologia, porquanto na conformidade de suas letras, “os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo” obrigam a sociedade. (BRASIL, 2004, p.37).
136
razoavelmente relacionadas com o objeto social. Com a evolução desse entendimento, a tendência que passou a prevalecer no direito norte-americano foi a de eliminar os vestígios de incapacidade das pessoas jurídicas. O princípio então seguido foi o de que nem a pessoa jurídica nem quem com a ela negocie podem se eximir de compromissos contratualmente assumidos, cumpridos ou ainda por cumprir, mediante a simples invocação da teoria ultra vires. (CARVALHO, 2009, p. 2).
Celso Barbi Filho, seguindo essa linha de entendimento, que se opõe aos
aspectos finalísticos abrigados originalmente pela teoria ultra vires e pela exegese
literal da norma contida no art.47 do C.Civil de 2002, defende a responsabilidade da
sociedade ante as obrigações firmadas em seu nome pelo administrador, ainda que
tais atos ultrapassem ou contrariem o que foi estabelecido no contrato social.
Quando uma sociedade, por meio de seus administradores, praticar atos contrários ou excedentes ao objeto social, não expressamente permitidos ou vedados pelo estatuto, responderá perante aqueles que, de boa-fé, sofreram prejuízos; sejam acionistas, sócios, credores, concorrentes ou terceiros direta ou indiretamente prejudicados. Assim, a sociedade responde perante terceiros, o administrador responde perante a sociedade, e ao sócio ou acionista fica ressalvado o direito à dissolução parcial ou à retirada. A sociedade só não responderá quando puder provar a má-fé de quem pretende responsabilizá-la. (BARBI FILHO apud CARVALHO, 2009, p.3).
Essa linha de entendimento já era defendida há mais tempo por outros
doutrinadores, dentre os quais Tavares Paes e Carvalho de Mendonça.155 O primeiro
entendia cabível a imputação de responsabilização civil ao administrador pelos
danos causados inicialmente perante a sociedade, de tal forma a não afetar na
reparação terceiro de boa-fé que realizou negócio jurídico com a sociedade. Disse o
autor: “Relativamente às restrições estatutárias (por ex., aval, fiança) entendemos
que sempre a responsabilidade será da sociedade, a que vincularão sempre,
cabendo o regresso”. E prossegue: “E se se tratar de transações relacionadas com o
155 Sobre o tema, registrou Caio Mário: “Quanto às pessoas jurídicas de direito privado, é assente que o representante ou preposto, procedendo contra direito, obriga a entidade preponente a reparar o dano causado. [...] no campo aquiliano não cabe indagar se o agente do ato danoso é representante da entidade, no sentido estrito de uma concessão de poderes específicos. Qualquer pessoa vinculada à pessoa jurídica por uma relação de representação estatutária, de comissão em forma, ou de simples preposição eventual objetivamente considerada, acarreta para aquela o dever de ressarcimento pelos atos ilícitos que pratique. Assim é que tanto responde o corpo moral pelo dano causado a terceiro por parte de um diretor seu, como o que decorre de uma transgressão legal cometida pelo motorista de seus veículos, como pelo faxineiro de suas dependências. Quando se fala em representante ou preposto, tem-se em visa o fato de, no momento do dano, estar o agente procedendo na qualidade de preposto para aquele ato.” (PEREIRA, 2004, p.322).
137
objeto social, maior razão”. (PAES, 1978, p.40). J.X. Carvalho de Mendonça,
mencionado por Paes para cimentar sua posição teórica, lecionou:
[...] o terceiro de boa-fé, que não tem direito de fiscalizar ou intervir na sociedade, e os sócios, vítimas da sua própria imprevidência ou negligência na escolha do gerente infiel, mais equitativo é que sofram o prejuízo os que para ele concorreram direta ou indiretamente. (MENDONÇA apud PAES, 1978, p.40).
É de se registrar, também, que esses posicionamentos doutrinários se
relacionam com a norma insculpida nos artigos 942, III e 927, parágrafo único, do
C.Civil/2002.156 Se não integralmente, porque o administrador pode não se
caracterizar como uma das figuras ali descritas, ao menos parcialmente quando esta
caracterização ocorrer. Mais íntima ainda é a relação como o art.10 do Decreto
3.709/1919 que atribuía responsabilidade solidária aos administradores e à
sociedade.157
Em sentido absolutamente oposto a esta linha teórica que defende a
responsabilidade da sociedade empresária pelas obrigações decorrentes dos atos
ultra vires, estão as que defendem a não vinculação obrigacional da sociedade
empresária, assim como a nulidade do negócio jurídico cuja entabulação inobservou
os limites impostos pelo objeto social. De acordo com Luiz Antônio Soares Hentz
(2000, p.118-119) a sociedade “não se vincula, assim, à obrigação em seu nome
contraída pelo sócio-gerente em atividade fora das previstas no contrato social.” Esta
teoria, considera que sendo a atividade indicada no contrato social um limite ao
poder dos administradores e também à capacidade da sociedade, “os atos
estranhos ao objeto social são insanavelmente nulos, mesmo que hajam sido
deliberados por decisão unânime dos sócios” (VERSOLA, 2003, p.129). Nesse
sentido, diagnosticados os atos ultra vires societatis, é possível que se pleiteie a
nulidade do negócio jurídico que extrapola o objeto social da sociedade (DINIZ,
156 C.Civil/2002, art.932: “São também responsáveis pela reparação civil: [...]; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; [...].”(BRASIL, 2004, p.157). C.Civil/2002, art.927: “Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (BRASIL, 2004, p.156). 157 Decreto 3.708/1919, art. 10: “Os sócios-gerentes ou que derem o nome à firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei.” (BRASIL,2008, p.759)
138
2003, p.114).
Retomando a atenção às normas legais que diretamente se relacionam ao
tema, registre-se que a análise do artigo 1.015 do C.Civil de 2002 pode oferecer
importante subsídio, eis que trata da limitação dos poderes dos administradores.158
As regras inscritas neste artigo, mais particularmente em seu parágrafo único,
direcionam à exclusão de qualquer vínculo obrigacional entre a sociedade
empresária e terceiro quando diagnosticada a ocorrência de ao menos qualquer das
seguintes hipóteses: a) esteja a limitação de poderes atribuída ao administrador
“inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade”; b) que a referida limitação de
poderes fosse conhecida do terceiro que ajustou negócio jurídico com a sociedade,
e que se faça prova desse conhecimento; c) que a operação entabulada no negócio
jurídico entre o terceiro e a sociedade seja “evidentemente estranha aos negócios da
sociedade.”
Comentando o dispositivo, Carvalho (2009, p.4) registra com acerto que “as
regras do art. 1.015 terminam por reforçar o que está no art. 47”. Infere ainda,
quanto à aplicação das regras do citado artigo que e “não obstante estejam no
capítulo das sociedades simples, poderão também ser aplicadas às sociedades
limitadas, dependendo do contrato social”.
Verifica-se, assim, um impasse entre as concepções teóricas elaboradas em
período antecedente à vigência do C.Civil de 2002 e a que a ela se seguiu. O
positivismo estrito levaria à conclusão de que a sociedade somente se obriga ante
terceiros pelos negócios jurídicos que com eles ajustou se a formatação desses
negócios observaram os limites de poderes dos administradores consignados no
contrato social quanto ao objeto de exploração empresarial. Tal interpretação
desprestigiaria completamente os interesses jurídicos do terceiro de boa-fé que, em
sua concepção, com a sociedade houvesse ajustado um regular negócio jurídico.
Alerta Carvalho que não “se pode prever, com segurança, a interpretação que será
conferida pelos tribunais aos dois citados artigos” e de que se a opção for pelo 158 C.Civil/2002, art. 1.015: “No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro; III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.” (BRASIL, 2004, p.171-172).
139
estrito positivismo “toda a construção doutrinária anterior [...] corre o risco de ser
jogada por terra.” (CARVALHO, 2009, p.4).
Como naturalmente este trabalho requer um posicionamento sobre os
diversos temas que nele se encontram contidos, opta-se pelas seguintes inferências:
A primeira, relevante a ser apontada, é a de que o administrador que realizar
negócios estranhos ao objeto social da sociedade empresária limitada em que foi
designado para geri-la, responderá perante ela pelos prejuízos decorrentes desse
desvio de poder. Trata-se de decorrência lógica ante os postulados da teoria da
responsabilidade civil.
Não há como ser integralmente recepcionada a teoria de nulidade do negócio
jurídico cumulada com simples imposição da responsabilidade civil exclusiva ao
administrador. Ocorre que o terceiro que ajustou a relação jurídica negocial, se de
boa-fé, é merecedor de que os efeitos jurídicos dessa operação se concretizem e,
não sendo do seu interesse ou mesmo da sociedade, ou ainda evidenciada a
inviabilidade dessa concretude, que responda civilmente a sociedade pelos prejuízos
que resultarem. Posteriormente é que se torna cogitável a responsabilização do
administrador perante a sociedade se esta arcou com a reparação do prejuízo
causado a terceiros resultante do ato ultra vires. Há, porém, a possibilidade de ser
acionado solidariamente com a sociedade para reparar os danos suportados por
terceiro, à escolha deste último. Aliás, a referida solidariedade esteve referida no
artigo 10 do Decreto 3.708/1919, e não há porque entender que o novo legislador
pretenderia outra formatação, absolutamente contrária ao que vinha sendo
desenvolvido em relação a este eixo temático.
Socorre ainda esse entendimento o art.158 da LSA, porquanto ao informar
que o “administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair
em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão”, está a dizer que o
administrador não é responsável legal por estas obrigações, o que difere de
responsável civil. A responsabilidade civil vai surgir dentro do mesmo dispositivo
legal, quando o administrador causar prejuízos decorrentes da “violação da lei ou do
estatuto”. Não se percebe, no artigo da LSA, assim como em outros159, disposição
159 O excesso praticado pelo administrador, mencionado pelo parágrafo único do art.1.015 pode, quando muito, afastar o vínculo obrigacional relativo ao cumprimento do negócio jurídico ajustado com terceiro, porém não a responsabilidade civil da sociedade pelos danos decorrentes da nulidade desse negócio, ou decorrentes de outra situação nascida dos atos ultra vires. Entender diferente seria transferir a terceiro de boa-fé todas as consequências jurídicas da conduta culposa ou dolosa do
140
explícita de afastamento da responsabilidade civil da sociedade por atos ultra vires,
fato que vem reforçar as teorias de Tavares Paes, J.X.Carvalho de Mendonça e
Celso Barbi Filho, e cujo desprezo seria de intelecção duvidosa.
5.5 A responsabilização do administrador não sócio perante a sociedade
O administrador não sócio é sujeito de direito, assim como a sociedade.
Ambos estão, prima facie, aptos a adquirir direitos e contrair deveres desde o
momento em que adquiriram personalidade jurídica. Esta, enquanto ente moral,
recebe este atributo jurídico a partir da inscrição do seu ato constitutivo no órgão
registral legitimado para tanto;160 aquele, desde efetuada a troca oxicarbônica com o
meio ambiente local do seu nascimento.161 A sociedade empresária é concebida no
plano do Direito como pessoa jurídica;162 o administrador, como pessoa natural ou
pessoa física. (GOMES, 2001, p.141). Sobre a noção conceitual de personalidade
jurídica César Fiúza esclarece que
Na verdade, há duas acepções para o termo. Na primeira acepção, subjetiva, personalidade é o atributo jurídico conferido ao ser humano e a outros entes (pessoas jurídicas), em virtude do qual se tornam capazes, podendo ser titulares de direitos e deveres nas relações jurídicas. [...] A personalidade possui uma segunda acepção, objetiva. É dela que se deve partir. De acordo com esta acepção objetiva, a personalidade é um conjunto de atributos e características da pessoa humana, considerada objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico. (FIÚZA, 2004, p.159).
administrador, contrariando o que resultasse de uma interpretação sistemática e histórica acerca dessa relação tripartite: sociedade-administrador-terceiro. 160 C.Civil/2002, art.45: “Começa a existência legal das pessoas jurídica de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Pode Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.” (BRASIL, 2004, p.37). 161 Importante o seguinte registro de Orlando Gomes: “A lei assegura direitos ao nascituro, se nascer com vida. Não tem personalidade, mas, desde a concepção, é como se tivesse.” (GOMES, 2001, p.143). 162 “A denominação, sem ser perfeita, dá a idéia de como vivem e operam estas entidades, acentuando o ambiente jurídico que possibilita a sua existência, enquanto que aquela outra denominação (pessoa moral), tem menor força de expressão, por não encontrar sua razão de ordem no conteúdo de moralidade que as anima. Pessoa coletiva é outro nome usado, inaceitável, entretanto [...].” (PEREIRA, 2004, p.300).
141
A capacidade de titularizar direitos e obrigações, conferida pelo ordenamento
jurídico a partir da aquisição da personalidade, consagra a noção de sujeito de
direito, que nas palavras de Orlando Gomes “é a pessoa a quem a lei atribui a
faculdade ou a obrigação de agir, exercendo poderes ou cumprindo deveres.”
(GOMES, 2001, p.142). Dessa capacidade exsurge a viabilização jurídica para a
entabulação de relações jurídicas obrigacionais, sendo isto exatamente o que ocorre
entre a sociedade e seu administrador.
5.5.1 Dos aspectos peculiares relativos ao vínculo jurídico entre o administrador não
sócio e a sociedade limitada
O administrador não sócio e a sociedade empresária se vinculam
contratualmente. Sendo a prestação de serviços163 específicos o objeto central
dessa relação contratual, o administrador, enquanto pessoa estranha ao quadro
societário da sociedade, exercerá suas funções como um empregado, ou ainda na
condição de um prestador de serviços autônomo164, dependendo da satisfatoriedade
ou não dos requisitos necessários à configuração da relação de emprego, quais
sejam:
a) a pessoalidade, ou seja, um dos sujeitos (o empregado) tem o dever jurídico de prestar os serviços em favor de outrem pessoalmente; b) a natureza não-eventual do serviço, isto é, ele deverá ser necessário à atividade normal do empregador; c) a remuneração do trabalho a ser executado pelo empregado; d) finalmente, a subordinação jurídica da prestação de serviços ao empregador. (BARROS, 2008, p.220).
163 Termo utilizado em seu sentido genérico, como atividade laboral, não desejando se reportar ao contrato de prestação de serviços autônomo (antiga locação de serviços segundo o C.Civil/1916) do art.593 do C.Civil/2002. 164 Porém nunca como mandatário, conforme salienta Maranhão e Carvalho: “Praticar atos ou administrar interesses em nome de outra pessoa ou por sua conta” poderá ser objeto de contrato de mandato, ou de contrato de trabalho. Mas será de um, ou de outro, conforme a maneira independente, ou não, pela qual a obrigação é executada. Nem se diga que no mandato existe, também, subordinação. Como bem nota Evaristo de Moraes Filho, “o mandatário prende-se às instruções concretas, limitadas, próprias para a realização de atos determinados. No contrato de trabalho, pelo contrário, a subordinação hierárquica e administrativa é geral, ampla, indeterminada, fazendo-se sentir durante toda a execução do contrato. A subordinação, aqui, é não só de grau (quantidade) como também de qualidade diferente.” (MARANHÃO; CARVALHO, 1993, p.70-71).
142
Maurício Godinho Delgado acrescenta ainda como elemento caracterizador
da relação de emprego o “trabalho exercido por pessoa física” que se distingue do
elemento pessoalidade referido por Alice Monteiro de Barros, e entendido por ele
como também indispensável. Registrou que “o fato de ser o trabalho prestado por
pessoa física não significa, necessariamente ser ele prestado com pessoalidade.”
(DELGADO, 2005, p.291). Ainda sobre os requisitos configuradores da relação
empregatícia, pontuou, comparativa e didaticamente que
[...] a prestação de trabalho pode emergir como uma obrigação de fazer pessoal, mas sem subordinação (trabalho autônomo em geral); como uma obrigação de fazer sem pessoalidade nem subordinação (também trabalho autônomo); como uma obrigação de fazer pessoal e subordinada, mas episódica e esporádica (trabalho eventual). Em todos esses casos, não se configura uma relação de emprego (ou, se se quiser, um contrato de emprego). (DELGADO, 2005, p.287).
Verificados os elementos configuradores da relação de emprego, passa-se à
verificação das circunstâncias configuradoras do trabalho autônomo. Tomando-se
em consideração os elementos da relação empregatícia, o destaque distintivo desta
em relação ao trabalho autônomo está na forma de execução do trabalho, se
autônoma ou subordinada. Como ressalta Barros (2008, p.221), o “trabalhador
autônomo conserva a liberdade de iniciativa, competindo-lhe gerir sua própria
atividade e, em conseqüência, suportar os riscos daí advindos.” De conseguinte,
será a presença ou não do elemento subordinação que irá melhor definir a
modalidade contratual do serviço ajustado e, por assim dizer, a natureza jurídica da
relação entre o administrador não sócio e a sociedade limitada empresária.165
Trabalhador empregado ou autônomo, a sociedade será para o administrador
165 Importantes as ponderações elaboradas por Delgado sobre a subordinação, notadamente acerca de sua configuração: “Contudo, a diferença essencial a afastar as suas figuras é a dicotomia autonomia versus subordinação. A prestação de serviços abrange, necessariamente, prestações laborais autônomas, ao passo que o contrato empregatício abrange, necessariamente, prestações laborais subordinadas. As duas figuras, como se sabe, manifestam-se no tocante ao modo de prestação dos serviços e não no tocante à pessoa do trabalhador. Autonomia laborativa consiste na preservação, pelo trabalhador, da direção cotidiana sobre sua prestação de serviços; subordinação laborativa, ao contrário, consiste na concentração, no tomador de serviços, da direção cotidiana sobre a prestação laboral efetuada pelo trabalhador. No plano concreto, nem sempre é muito clara a diferença entre autonomia e subordinação. É que dificilmente existe contrato de prestação de serviços em que o tomador não estabeleça um mínimo de diretrizes e avaliações básicas à prestação efetuada, embora não dirija nem fiscalize o cotidiano dessa prestação. Esse mínimo de diretrizes e avaliações básicas, que se manifestam principalmente no instante da pactuação e da entrega do serviço (embora possa haver um ou outra conferência tópica ao longo da prestação realizada) não descaracteriza a autonomia. (DELGADO, 2005, p.583-584).
143
não sócio, respectivamente, empregadora ou tomadora de seus serviços. As
especificidades das atividades concernentes à função e sua forma de realizá-las
servirão de parâmetro à identificação da natureza contratual.
Porém, mais comum é se pensar no administrador não sócio como
empregado da sociedade, especialmente na modalidade da figura dos altos
empregados.166 Alberto Xavier, em seu tempo, referiu-se ao contrato entre a
sociedade e o administrador como contrato de administração que, de acordo com
autor, tem como “conteúdo, uma prestação de serviço, que se traduz no exercício de
uma forma peculiar de trabalho – que é precisamente a gestão e representação de
empresas – e que envolve também um tipo peculiar de remuneração.” (XAVIER,
1979, p. 23). Rejeitou, no entanto, malgrado reconhecendo a possibilidade de o
administrador ser empregado da sociedade167, que se atribuísse a ele essa
condição.
A figura jurídica do alto funcionário encontra-se autonomizada no direito brasileiro – quer na lei das sociedades por ações, que se refere ao dever de informação das condições dos contratos de trabalho que tenham sido firmados pela companhia pelos diretores com os empregados de alto nível (art. 157, § 1º, alínea d) – quer na legislação trabalhista, que proclama a inexistência de estabilidade no exercício de cargos de diretoria, gerência ou outros de confiança imediata do empregador (CLT, art. 499). Não sofre dúvidas que tais funcionários desempenham funções de alta responsabilidade ou de alta gestão – Oberleitung, contraposta à mera Geschäftsfuhrung, como dizem os alemães – materialmente idênticas às que desenvolvem os administradores. Também tem de comum com estes exercerem um poder diretivo na órbita hierárquica da empresa, vista como instituição. Todavia distinguem-se dos administradores pela diversa natureza jurídica dos vínculos que os prendem à sociedade: os administradores são órgãos
166 Informa Alice Monteiro de Barros que “a doutrina nacional e estrangeira vem conceituando como altos empregados os ocupantes de cargos de confiança, investidos de mandato que lhes confere poderes de administração para agir em nome do empregador. Situam-se entre eles “os diretores gerais, administradores, superintendentes, gerentes com amplos poderes e, em síntese, todos os que exercem função diretiva e ocupam um posto de destaque.” (BARROS, 2008, p.267). 167 “Um dos pontos mais controversos relativamente ao cúmulo das posições jurídicas é o que respeita à suscetibilidade de se juntarem, na mesma pessoa a qualidade de administrador com a de empregado da sociedade.” (XAVIER, 1978, p. 50-51). Prossegue o autor: “O art. 499 da CLT estabelece: ‘Não haverá estabilidade no exercício de cargos de diretoria, gerência ou outros de confiança imediata do empregador, ressalvando o cômputo do tempo de serviço para os efeitos legais’. O fato de este preceito ressalvar o cômputo do tempo de serviço é razão bastante para rejeitar a tese daqueles que, na esteira da velha doutrina francesa, com eco noutros países, advogaram a incompatibilidade da situação jurídica do administrador com a de empregado, tese de resto expressamente repudiada no art. 157, § 1º, alínea d da Lei 6.404 que alude aos contratos de trabalho firmados pela companhia com os diretores.” (XAVIER, 1978, p. 51-52).
144
da sociedade que exercem, a par de uma tarefa de gestão, a representação (orgânica) da sociedade para com terceiros; ao invés, os empregados de alto nível encontram-se em relação à sociedade ligados por um vínculo de subordinação, característica dos contratos de trabalho, em que têm tarefas de gestão, mas não de representação. Os administradores têm poderes externos, vinculando a sociedade para com terceiros; os empregados de alto nível têm simples poderes internos, vinculando apenas os seus diretos subordinados. Os primeiros têm a gestão e a representação; os segundos apenas a gestão – embora de alto nível. (XAVIER, 1978, p.25-27).
No entanto não se pode admitir esta exclusão pretendida por Xavier senão
por pelo menos duas razões: a primeira é a de que a subordinação a que estará
sujeito o administrador não sócio empregado pode corresponder a diversos fatores,
dentre os quais, verbi gratia, estão o de cumprimento de horário e de uso de
uniforme, e não somente em relação ao serviço executado. A outra razão concerne
ao fato de que a (re)presentação da sociedade não se inviabiliza pela simples
circunstância de alguém ser empregado de uma sociedade empresária, eis que tal
poder é definido no contrato social, assim como no contrato de trabalho que
especificarão, subsidiariamente à lei, os deveres funcionais desta pessoa.
Defendendo a incompatibilidade entre a noção de órgão social que se atribui
à figura do administrador de Sociedades Anônimas e a de empregado, em sentido
absolutamente inverso ao entendimento de Alberto Xavier, Délio Maranhão registrou:
O diretor ou administrador de sociedade anônima, representante legal da pessoa jurídica, não como mandatário (o mandato pressupõe dois sujeitos), mas como uma pessoa física, da qual depende o funcionamento da própria pessoa jurídica, não pode ser, conseguintemente, empregado da sociedade, um de cujos órgãos integra. [...] Tal não pode acontecer, porém, juridicamente, quando se trate de autêntico diretor de sociedade anônima, órgão da pessoa jurídica, que é a empregadora. Na frase expressiva de Catharino, “quando a intensidade de colaboração suplanta a subordinação, no plano jurídico, desaparece a relação de emprego”. (MARANHÃO; CARVALHO, 1993, p.73)
Prossegue o autor explicando que o diretor de companhia ao assumir essa
função, assume também a de “empregador, como órgão legal da própria pessoa
jurídica”, sendo isto o que “impossibilita a coexistência de situações que, lógica e
juridicamente, se excluem”. (MARANHÃO;CARVALHO, 1993, p.74).168
168 Interessante é que o mesmo autor, apoiando-se em teoria formulada por Mario de La Cueva, acaba por referir-se ao gerente como empregado de confiança. Disse: “É óbvio que a amplitude dos poderes de representação, que o exercício do cargo supõe, tornando o empregado verdadeiro alter ego do empregador, evidencia a condição de empregado de confiança. [...] De confiança serão, portanto, como escreve La Cueva, as funções cujo exercício coloque em jogo ‘a própria existência da empresa, seus interesses fundamentais, sua segurança e a ordem essencial ao desenvolvimento de
145
A despeito de a teoria, de corrente clássica e negativista (DELGADO, 2005,
p.357)169, ter sido formulada por doutrinador de incontestável reconhecimento no
meio jurídico, não há como aceitar seus fundamentos. O tema deve ganhar
relevância a partir da consideração de dois distintos fatores aparentemente
preteridos. Primeiramente é de se considerar que a relação jurídica estabelecida
entre a sociedade e terceiros, situação em que o administrador (re)presentará os
interesses sociais é distinta daquela havida entre a sociedade e o administrador. A
noção de órgão atribuída ao administrador se presta às relações entre a sociedade e
terceiros, assim como também às relações com os demais órgãos e pessoas no
âmbito interno da sociedade, onde indiscutivelmente se vislumbra a autonomia do
órgão. Outra situação, bastante distinta, é a relação jurídica estabelecida entre a
sociedade e o seu administrador, que, conforme já registrado, deverá se constituir
sob a forma de vínculo contratual trabalhista ou de vínculo contratual para a
prestação de trabalho autônomo e, em sendo a primeira hipótese, o empregador
será a sociedade e não o órgão administrativo. O que de fato irá definir um ou outro
será exclusivamente a forma de execução do trabalho, se subordinada ou
autônoma. Aliás, esse entendimento toma reforço nos apontamentos de Barros e de
Delgado quando trataram do tema em relação ao diretor de Sociedades Anônimas,
verbis:
Apenas o percuciente exame do caso concreto é que autorizará, topicamente, a definição da situação sociojurídica examinada. O que parece essencial é se incorporar, nesse exame, o critério sugerido pelo Enunciado 269, isto é, a objetiva e sensata verificação da existência (ou não) de subordinação no caso concreto [...]. Nesse quadro, é necessário à configuração da relação empregatícia que se comprove uma intensidade especial de ordens sobre o diretor recrutado, de modo a assimilar essa figura jurídica ao trabalhador subordinado a que se reporta a Consolidação das Leis do Trabalho.” (DELGADO, 2005, p.359).
Filiamo-nos à corrente que sustenta que o diretor de sociedade anônima tanto pode ser diretor-órgão, evidentemente, sem vínculo empregatício,
sua atividade’. Caso típico é o do cargo de gerente, em face da referida amplitude de seus poderes de representação. (MARANHÃO; CARVALHO, 1993p.69) 169 Conforme Delgado: “Há dois veios explicativos na corrente clássica: para o primeiro desses veios, o diretor seria mandatário da sociedade que dirige (e que representa), razão pela qual não poderia, ao mesmo tempo, dirigir, representar e subordinar-se a si mesmo. O segundo veio da corrente negativista sustenta que o diretor é órgão da sociedade – e não simples mandatário –, sendo inadmissível sua posição à do empregado. Como órgão estruturante, definidor e comandante do destino do empreendimento societário, não poderia quedar-se como mero subordinado. Além disso, se fosse subordinado, o seria a si mesmo – eu constituiria um conta-senso.” O enunciado 269 do TST contextualiza com essa posição.(DELGADO, 2005, p.357).
146
como diretor-empregado. Tudo irá depender da forma como seus serviços forem prestados. (BARROS, 2008, p.271).
De conseguinte, tratando-se de questão a ser resolvida após análise do caso
concreto, deve-se partir para a consideração de duas outras premissas,
independentemente de qual for a forma contratual que estabelecerá o vínculo
jurídico entre administrador não sócio e sociedade, se contrato de emprego ou
contrato de prestação de serviço170: a primeira delas é o indiscutível caráter da
relação; a segunda premissa é a de que o administrador atrai para si, outrossim, a
noção de preposto eis que, de acordo com o Vocabulário Jurídico de De Plácido e
Silva, este vocábulo
[...] designa a pessoa ou empregado que, além de ser um emprestador de serviços, está investido no poder de representação de seu chefe ou patrão, praticando os atos concernentes à avença sob direção e autoridade do proponente ou empregador. (SILVA, 2008, p.1.085).
Para Sergio Cavalieri Filho “Preposto é aquele que presta serviço ou realiza
alguma atividade por conta e sob a direção de outrem, podendo esta atividade
materializar-se numa função duradoura [...] ou num ato isolado [...]”.(CAVALIERI
FILHO,2007, p.184).
Esta atribuição de preposto ao administrador não sócio tem especial
importância em razão da norma contida no art.932, III, do Código Civil de 2002,
cujos reflexos jurídicos impõem responsabilização civil aos empregadores ou
comitentes “por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho
que lhes competir, ou em razão deles”. Esta regra, ao que parece, não se aplica aos
casos em que o administrador não sócio for trabalhador autônomo, uma vez que a
letra do dispositivo informa que os responsáveis civis serão ou o empregador ou o
comitente, sendo que o tomador de prestação de serviços autônomos não se
subsume a nenhuma dessas categorias. No entanto, a inaplicabilidade desta norma
no caso de trabalhador autônomo, não inviabiliza a responsabilização da sociedade
pelos atos cometidos pelo administrador não sócio que por ventura se encontre sob
esta configuração jurídica, haja vista que o parágrafo único do artigo 927 do C.Civil
de 2002 estabeleceu responsabilidade objetiva para os que desenvolvem atividades
de risco, ou seja, “responsabilidade direta, pelo fato do serviço, e não mais pelo fato 170 Em sentido estrito, cujo regime jurídico encontra-se inscrito nos arts.593 e seguintes do C.Civil de 2002.
147
do preposto”. (CAVALIERI FILHO, 2007, p.183).
5.5.2 Dos efeitos jurídicos do vínculo jurídico obrigacional atinentes à
responsabilização civil do administrador não sócio
Vinculados contratual e juridicamente, a sociedade empresária limitada e o
administrador não sócio passam a integrar uma relação jurídica obrigacional, da qual
faz nascer para eles idêntico ônus, a saber, o de estrita observância aos deveres
jurídicos que lhes foram legal ou contratualmente imputados.
O contrato social e a lei são as fontes mais diretas da relação jurídica
obrigacional entre a sociedade limitada e o seu administrador não sócio.171 Por sua
vez, o ato separado que designa um administrador, a despeito de não se tratar do
contrato social, é um contrato que representa a manifestação de vontade das partes,
e mais, consagrado pela lei regente.
Dentre as obrigações legalmente atribuídas ao administrador perante a
sociedade, é prioritária a de observância à lei e aos dispositivos do contrato social172,
vez que esses institutos apresentam as normas diretivas da pessoa jurídica que, se
não observadas, implicam na responsabilização da sociedade empresária
(PEREIRA, 1997), na sua pessoa, e também na pessoa dos sócios, sem prejuízo da
responsabilização do próprio administrador.
Além da lei e do contrato social, que se expressam como fontes normativas
das quais se extrai mais diretamente as obrigações do administrador não sócio,
outras há que não se pode olvidar, como as deliberações diretivas dos sócios
originadas em assembléia ou reunião.173 Na condição de empregado, sobrevém
171 C.Civil/2002, art.1.060: “A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.” (BRASIL, 2004, p.179). 172 O contrato social, por se traduzir na expressão máxima do desejo dos sócios quanto a todos os aspectos que envolvem a sociedade empresária por eles concebida e também porque oferece elementos quantitativos e qualitativos acerca das especificidades da atividade empresarial que será exercida, é merecedor de atenção especial pela pessoa natural, representante de um órgão societário (administração), que estará conduzindo a gestão da empresa. 173 Ao tratar das fontes formais, Evaristo de Moraes Filho, ofereceu a seguinte classificação: autônomas as que abarcam os costumes, a convenção coletiva, o regulamento da empresa quando bilateral; e heterônomas a lei, o regulamento, a sentença normativa e o regulamento da empresa quando unilateral. (MORAES FILHO, 1971, p.111).
148
ainda como fontes o contato individual de trabalho, as sentenças normativas, as
convenções e acordos coletivos, assim como o regulamento interno da sociedade
(BARROS, 2008).
Dessa relação contratual, se empregatícia, decorrem efeitos contratuais
próprios174 do contrato de trabalho (DELGADO, 2005), como o poder empregatício
da sociedade, consubstanciado nos poderes diretivo, regulamentar, fiscalizatório, e
disciplinar. As obrigações de fazer do empregado, ou seja, obrigações de conduta,
centradas na prestação de serviços e o comportamento de boa-fé, diligência,
assiduidade e fidelidade na execução laboral também são efeitos próprios do
contrato de trabalho.175 Há também obrigações de não fazer, como não concorrer
com as atividades do empregador quando houver cláusula expressa ou tácita no
contrato ou decorrer da essência da atividade contratada (DELGADO, 2005,
p.606).176
Já o dever de reparar os danos ocasionados por um ou outro, sociedade ou
administrador, caracteriza-se como efeito conexo177 do contrato de trabalho.
174 “Próprios são os efeitos inerentes ao contrato empregatício, por decorrerem de sua natureza, de seu objeto e do conjunto natural e recorrente das cláusulas contratuais trabalhistas. São repercussões obrigacionais inevitáveis à estrutura e dinâmica do contrato empregatício ou que, ajustadas pelas partes, não se afastam do conjunto básico do conteúdo do contrato. As mais importantes são, respectivamente, a obrigação de o empregador pagar parcelas salariais e a obrigação de o empregado prestar serviços ou colocar-se profissionalmente à disposição do empregador.” (DELGADO, 2005, p.605). 175 Pode-se citar como obrigação de fazer do administrador, dentre tantas outras, aquela inscrita no art. 1.020 do C.Civil/2002, cujo texto é o seguinte: “Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial.” (BRASIL, 2004, p.172). Uma das responsabilidades mais expressivas do administrador está aí: a de prestar contas da sua administração. O poder que a ele é dado quando de sua designação compreende um universo bastante amplo e significativo. A prestação de contas importa num atestado que irá ou não positivar o desempenho desse administrador, pois através dela será possível averiguar o desempenho da empresa interna e externamente. Trata-se de uma obrigação de fazer que, se não atendida, implica em contravenção legal com conseqüências que podem levar à responsabilização do administrador. 176 Outro exemplo de obrigação de não fazer, que surge de comando legislativo, é aquela referenciada no art.1.018 do C.Civil/2002, cuja norma veda ao administrador a sua substituição por terceiro, quando diz que ao “administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar.” (BRASIL, 2004, p.172). As funções do administrador devem por ele serem exercidas, eis que de natureza personalíssima. 177 Conexos são os efeitos resultantes do contrato empregatício que não decorrem de sua natureza, de seu objeto e do conjunto natural e recorrente das cláusulas contratuais trabalhistas, mas que, por razões de acessoriedade ou conexão, acoplam-se ao contrato de trabalho. Trata-se, pois, de efeitos que não têm natureza trabalhista, mas que se submetem á estrutura e dinâmica do contrato de trabalho, por terem surgido em função ou em vinculação a ele. (DELGADO, 2005, p.605).
149
Mas o que interessa de fato, é que enquanto sujeitos de direitos e deveres, o
a administrador e a sociedade possuem deveres gerais, dentre os quais o de não
lesar a ninguém, conforme a teleologia da norma de aplicação genérica inscrita no
artigo 927 do C.Civil, da qual ninguém pode se escusar.
A gestão das Sociedades Limitadas, não diferente do que ocorre com outros
tipos societários, atrai para o administrador, em relação à empresa, deveres de
diligência e lealdade. Enquanto sujeito responsável pelos atos de fomento ao
sucesso das relações negociais necessárias à empresa, impulsionando a sociedade
à persecução e consecução dos objetivos sociais, o administrador terá de velar pelo
estrito cumprimento dos deveres decorrentes dessa situação jurídica. Sabendo-se
que a administração é órgão societário a que “são confiados poderes de
deliberação, de gestão, prestação de contas e atuação pela sociedade, de acordo
com as disposições do contrato social devidamente registrado” (DINIZ, 2003, p.89),
este fato, de per se, já invoca um substancial número de deveres jurídicos que
reclamam estrita observação pelo administrador.
A norma do artigo 1.011 do C.Civil de 2002178, com correspondência no artigo
153 da LSA179, expressa o dever de empenho do administrador em ser cuidadoso e
diligente no exercício de suas funções, refletindo a necessidade de atenção, cautela,
zelo, aplicação e cuidado ativo. Agindo “com diligência e respeitando os limites
normativamente estabelecidos para seus atos” (PIMENTA , 2007, p.117), envidando
a atenção necessária, a cautela e toda aplicação profissional na condução dos
negócios da sociedade empresária, como se estivesse na administração do seu
próprio negócio, certamente se verá livre de conseqüências que poderão conduzi-lo
à responsabilidade civil.
De outra forma, se descumpridos os deveres que lhes foram imputados por lei
ou pelo contrato social, ou ainda por outro instrumento legítimo, e provada a
existência e extensão de danos, assim como o liame de causalidade entre esses
danos e a ação comissiva ou omissiva do administrador, atendidos estarão os
requisitos para que se pleiteie a sua responsabilização. Dessa forma, o
178 C.Civil/2002, art.1.011: “O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.” (BRASIL, 2004, p.171). 179 LSA, art. 153: “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.” (BRASIL, 2008, p.1.039).
150
descumprimento de dever jurídico originário, previamente estabelecido, é requisito
elementar para se cogitar da responsabilização civil dos administradores. Evidencia-
se a modalidade de responsabilidade civil subjetiva, contratual ou extracontratual.
Esta responsabilização civil do administrador poderá constituir-se em favor da
sociedade, dos sócios e de terceiros. Quanto a um e outro, os requisitos são os
mesmos. Há, no entanto, dispositivos legais indicando algumas situações fáticas que
reportam exclusivamente à reparação de danos experimentados pela sociedade. No
artigo 1.016 do C.Civil de 2002, ao dizer que os administradores “respondem
solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no
desempenho de suas funções” (BRASIL, 2004, p.172), o legislador reservou
comando direcional indenizatório para quando o ato lesivo se vincular à atividade
funcional do administrador.
No mesmo diploma, o parágrafo 2º, do artigo 1.013 identifica situação fática
indenizatória do administrador à sociedade quando este “realizar operações,
sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria”.
(BRASIL, 2004, p.171). Explícita aqui uma obrigação de fazer, qual seja, de o
administrador conduzir seus atos de gestão da sociedade de modo a fazer
prevalecer a vontade da maioria dos sócios, sob pena de responder civilmente
perante a sociedade. Eis aqui uma acentuada subordinação do administrador.
Agindo de forma contrária, estará sujeito à reparação das perdas e danos que seus
atos causaram à sociedade. Tem, então, perante a sociedade, o dever de observar e
fazer prevalecer a vontade da maioria dos sócios.
O artigo 1.017, também do C.Civil de 2002180, aponta a responsabilidade que
tem o administrador em não permitir a aplicação de créditos e bens da sociedade em
favor próprio ou de terceiros, sem que haja o consentimento expresso da maioria
dos sócios. Trata-se de uma obrigação de não-fazer, como é o caso de não tomar
parte em deliberações contrárias aos interesses da sociedade.
Há também norma vinculando a responsabilidade civil do administrador a não
aprovação do balanço patrimonial e o resultado econômico da sociedade. Esta
norma encontra-se inscrita no parágrafo 3º do art.1.078 do C.Civil de 2002, com o
seguinte texto: “A aprovação, sem reserva, do balanço patrimonial e do de resultado
180 C.Civil/2002, art. 1.017: “O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá.” (BRASIL, 2004, p.172).
151
econômico, salvo erro, dolo ou simulação, exonera de responsabilidade os membros
da administração e, se houver, os do conselho fiscal.” (BRASIL, 2004, p.184).
Tomando em conta o que se fez registrar anteriormente, de que no capítulo
epigrafado pelo C.Civil de 2002 ao Direito de Empresa só se vislumbram quatro
dispositivos que tratam exclusivamente da responsabilidade dos administradores,
interessante é de se perceber que três deles pertencem ao rol de normas integrantes
do capítulo reservado às Sociedades Simples, e apenas um (§3º do art. 1.078) se
encontra inserido dentre aqueles do capítulo da Sociedade Limitada. Considerando
a intenção do legislador de atribuir às normas das Sociedades Simples a regência
normativa suplementar das Sociedades Limitadas181, inafastável sua aplicação à
esfera da responsabilização do administrador. Há ainda que se considerar também,
a despeito da evidente semelhança de conteúdo normativo, a possibilidade de
regência auxiliar desta matéria pelas normas da LSA conforme disposição do
parágrafo único do artigo 1.053, cujo texto informa que “O contrato social poderá
prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade
anônima.” Há, nesta lei, um item dedicado exclusivamente à responsabilidade dos
administradores, assim intitulado inclusive, concentrando em um único artigo a
tratativa do tema.
Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei ou estatuto. § 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral. § 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles. § 3º (...). § 4º O administrador que, tendo conhecimento do não-cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar fato à assembléia geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável. § 5º Responderá solidariamente com o administrador que, com o fim de
181 C.Civil/2002, art. 1.053: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.” (BRASIL, 2004, p.178).
152
obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto. (BRASIL, 2008, p.1.041).
O artigo, como é de fácil percepção, enumera algumas obrigações de fazer e
não fazer cuja inobservância e descumprimento têm íntima relação com a
possibilidade de responsabilização dos administradores. Quanto às obrigações de
não fazer, estão: no desempenho de suas funções, proceder com culpa ou dolo,
com violação da lei ou do contrato; ser conivente com os atos ilícitos dos outros
administradores; participar de ato que viole a lei ou o contrato. Dentre as obrigações
de fazer, constata-se: consignar, por escrito, sua divergência quanto aos atos ilícitos
praticado pelos demais administradores; observar os deveres impostos a ele pela lei
e pelo contrato; comunicar o descumprimento dos ditos deveres pelo seu antecessor
à assembléia geral.
Como se vê, não são poucos os cuidados que o administrador de uma
sociedade limitada com regência suplementar nas normas das Sociedades Simples
ou mesmo nas normas recepcionadas pela da Lei de Sociedade Anônima precisa
ter.
De maior relevância para este item do trabalho é registrar que a
responsabilização civil do administrador ante a sociedade se operacionalizará
sempre através da responsabilidade subjetiva, com apuração de conduta culposa. A
inobservância de comando legal ou contratual, de acordo com cada caso in
concreto, definirá a modalidade da responsabilidade, se contratual ou
extracontratual.
Se o cuidado e a diligência a serem empregados pelo administrador não sócio
surgem como standards para a linha de conduta subjetiva a ser empregada na
gestão e (re)presentação da sociedade, certo é também que o dever geral de não
lesar a ninguém não lhe pode escapar observância. Quando o desempenho de suas
funções estiver fundado em ações que evidenciem sua boa-fé, cuidado e diligência,
se exonerará da responsabilização civil, ainda que a sociedade por ele administrada
venha a causar danos a terceiros (CARVALHOSA, 2003).
153
5.6 A responsabilização do administrador não sócio por débitos tributários e
previdenciários da sociedade
5.6.1 Responsabilização pelos débitos tributários
O capítulo V do Código Tributário Nacional, Lei n.º 5.172 de 25 de outubro de
1966, recebeu a epígrafe de Responsabilidade Tributária, e foi subdividido em
quatro seções, dentre elas a que abriga os artigos 134 e 135, intitulada
Responsabilidade de Terceiros.182
Na referenciada seção, o termo responsabilidade foi utilizado pelo legislador
visando designar a atribuição obrigacional de pagamento de tributo a pessoa que
legalmente não é o contribuinte, ou seja, à pessoa sem nenhum vínculo
obrigacional originário com o fisco. No artigo 134, trata-se, tecnicamente, de sujeição
passiva indireta, operada através da “transferência da responsabilidade pelo
cumprimento de obrigação tributária, nascida originalmente a cargo do contribuinte
ou responsável por substituição” (SPAGNOL, 2004, p. 201).183 Tanto é assim que
182 Dispõe o CTN em seu art.128: “Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” (BRASIL, 2006, p. 202). Vittorio Cassone, comentando o artigo pontuou: “Terceira” (art.121, II), porque a primeira pessoa é o Fisco (art.119) e segunda pessoa é o contribuinte (art. 121, I). Pode reunir a qualidade de terceira pessoa, de conformidade com o que dispuser a lei de imposição tributária [...]. (CASSONE, 2004, p.310). 183 “A transferência ocorrerá se configurada a hipótese da norma de transferência (sucessão ou sub-rogação legal de terceiros), transferindo-se pois a responsabilidade dos sujeitos passivos diretos (contribuintes ou substitutos) para os sujeitos passivos indiretos (sucessores ou terceiros.” (SPAGNOL, 2004, p.202). No mesmo sentido, Gustavo Saad Diniz: “O sujeito passivo da obrigação principal se subdivide em dois comportamentos (art.121, parágrafo único do CTN): a) contribuinte: quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador. Se não cumpre a obrigação tributária, o contribuinte é o próprio responsabilizado pela conduta antijurídica que gerou a sanção pelo inadimplemento; b) responsável: sem se revestir necessariamente na condição de contribuinte, a obrigação do responsável decorre de disposição expressa de lei, sendo caso de modificação do sujeito que figura no pólo passivo da obrigação. O responsável não é titular da obrigação, mas a ele pode ser imponível a sanção. (DINIZ, 2003, p.120). Complementando o entendimento sobre o tema, complementa José Otávio de Viana Vaz: “Em conceito que pode ser considerado de unânime aceitação, afirma Rubens Gomes de Souza que a transferência ‘ocorre quando a obrigação tributária, depois de ter surgido contra uma pessoa determinada (que seria o sujeito passivo direto), entretanto, em virtude de um fato posterior, transfere-se para outra pessoa diferente (que será o sujeito passivo indireto)’. Assim, diferencia-se, também a ‘transferência’, da ‘substituição’, em razão do momento do nascimento da obrigação.
154
em somente um dos incisos do artigo 134 (VII) não se fez constar a oração “pelos
tributos devidos por”, seguida após, no mais das vezes, pela identificação do
contribuinte originário: menores, tutelados, curatelados, terceiros, espólio etc.184 Já
os casos previstos no artigo 135, conforme defende José Otávio de Vianna Vaz
(2003, p.119), tratam-se de responsabilidade por substituição tributária.185
De conseguinte, o artigo 134 revela inicialmente tratar-se de uma obrigação
condicionada, porquanto a responsabilidade ali referida pressupõe duas condições:
a primeira, que se verifique a efetiva “impossibilidade de exigência do cumprimento
da obrigação principal pelo contribuinte”; e a segunda, que o terceiro mencionado na
norma haja participado do ato “que configure o fato gerador do tributo, ou em relação
a este se tenha indevidamente omitido” (MACHADO, 2003, p.138).186 Tais
O fundamento da responsabilidade por transferência é o mesmo da responsabilidade por substituição, vale dizer, o Estado, para garantia de seu crédito, por praticidade, para evitar evasão, etc., tem interesse ou necessidade de cobrar tributo de pessoa diversa daquela que praticou o fato gerador.” (VAZ, 2003, p.110). 184 Lei n.º 5.172/66 – CTN, art.134: “Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.” (BRASIL, 2006, p.203-204). 185 Oportuno o registro dos esclarecedores apontamentos de Sacha Calmon Navarro Coelho acerca da distinção entre a responsabilidade por transferência e responsabilidade por substituição: “[...] o fenômeno da substituição tributária, bem demonstra que a pessoa obrigada a pagar tributo, por expressa determinação do comando da norma, é diferente da que, na hipótese de incidência dessa mesma norma, pratica o fato eleito como jurígeno (o fato gerador). [...] Cabe frisar que, nos casos de responsabilidade tributária por transferência, existe uma cláusula jurídica que imputa ao responsável o dever de pagar o tributo em lugar do contribuinte. O que se transfere é o dever jurídico, que migra total ou parcialmente do contribuinte para o responsável. Diferentemente, nos casos de substituição tributária, a pessoa que pratica o fato gerador não chega a ser contribuinte. A lei imputa diretamente o dever de pagar o tributo ao responsável tributário. O que se substitui, portanto, é a pessoa que, tendo praticado o fato gerador, deveria ser o sujeito passivo (o substituto legal tributário, como diria Hector Villegas, não substitui o contribuinte, mas a pessoa que deveria sê-lo).” (COELHO, 1999, p.592). Em sentido contrário, Hugo de Brito Machado: “A jurisprudência tem feito referência à substituição, mas na verdade de substituição não se trata. O caso é de atribuição de responsabilidade, em razão de condutas ilícitas daqueles aos quais é feita essa atribuição. As pessoas mencionadas no art. 135, que passam a ser responsáveis tributários.” (MACHADO, 2004, p.594). 186 Com o mesmo entendimento, José Otávio de Vianna Vaz: “[...] além do vínculo com o fato gerador da obrigação (art.128), é necessário que o terceiro tenha intervindo no ato ou praticado ato (omissivo ou comissivo) pelo qual fosse responsável, pois, ‘sua responsabilidade se conecta com os ato sem que tenha intervindo ou com as omissões pelas quais for responsável’. Assim, tendo em vista a negligência (ou dolo) no cumprimento do dever, por parte do terceiro mencionado na lei, a obrigação a ele se transfere, desde que não possa ser exigida do contribuinte.” (VAZ, 2003, p.115).
155
pressupostos condicionantes, por sua vez, fazem agregar à obrigação tributária o
caráter de subsidiariedade. A ocorrência desses eventos autoriza que as pessoas
referidas no artigo passem à condição de sujeitos passivos da relação obrigacional
jurídico-tributária (MURTA, 2001), ou seja, à condição de pessoas que submetidas
ao poder tributário ficam obrigadas por lei ao pagamento do tributo (CAMPOS, 2004,
p.32).187 Sobre o assunto, esclarecedores os seguintes apontamentos de Misabel
Abreu Machado Derzi:
Como se vê, a responsabilidade dos terceiros, arrolados no art.134, depende da ocorrência de fato ilícito, posto em norma secundária: ter havido, em ação ou omissão, descumprimento de dever, legalmente previsto ou contratualmente nascido, de providenciar o recolhimento do tributo devido pelo contribuinte ou de fiscalizar o seu pagamento. Basta a culpa, ainda que levíssima, para que se configure a responsabilidade do responsável com as seguintes características: 1. será subsidiária em relação à responsabilidade do contribuinte, ou seja, apenas concretizável na hipótese de inexistência de bens no patrimônio do contribuinte ou de sua insuficiência; 2. será solidária em relação aos responsáveis entre si, existindo mais de um deles, no pólo passivo da obrigação, como entre sócios nas sociedades de pessoas; [...]. (DERZI, 1997, p.88).
O artigo 134, ao trazer em seus incisos de forma enumerativa as pessoas
sujeitas ao redirecionamento da cobrança dos débitos tributários constituídos pelas
sociedades, não fez menção à figura do administrador de sociedades empresárias,
senão ao administrador de bens de terceiros, o que, por óbvio, não admite similitude
haja vista se tratarem de figuras jurídicas distintas. Das pessoas ali elencadas, a que
melhor poderia se aproximar da figura do administrador tratada neste estudo, é
aquela mencionada no inciso VII do referido artigo, vale dizer, “os sócios, nos casos
de liquidação da sociedade de pessoas”. No entanto, nenhum liame entre essas
duas figuras também poderá se estabelecer a fim de a responsabilidade mencionada
na norma atingir o administrador, em virtude também das características a cada um
inerentes. A começar que o sócio é tido como pessoa que providenciou o aporte de
uma cota parte de capital para a formação do patrimônio da sociedade, podendo ou
não vincular-se à direção dos negócios da mesma; enquanto o administrador, ao
contrário, é órgão da sociedade através do qual a mesma se manifesta, podendo ou
não ser sócio. (SEGUNDO, 2000, p.133). Hugo de Brito Machado, ao tratar dessa
187 Lei n.º 5.172/66 – CTN, art.121: “Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.” (BRASIL, 2006, p.200).
156
distinção entre o sócio e o administrador registrou:
As dificuldades para a adequada solução das questões relativas à responsabilidade tributária dos sócios e dirigentes decorre especialmente da confusão que, geralmente, se faz entre a condição de sócio e a condição de dirigente, talvez pelo fato de que em muitos casos a responsabilidade tributária é imputada a quem reúne as condições de sócio e de dirigente. Seja como for, o exame da jurisprudência a respeito do assunto bem demonstra que não tem sido feita a distinção, que na verdade se impõe, entre a responsabilidade que decorre da condição de sócio e a responsabilidade que decorre da condição de dirigente. Apenas em raros casos é referida com propriedade a distinção entre sócio e dirigente, como se vê, por exemplo, em manifestação do Superior Tribunal de Justiça a dizer “o sócio gerente responde por ser gerente, não por ser sócio. Ele responde, não pela circunstância de a sociedade estar em débito, mas por haver dissolvido irregularmente a pessoa jurídica”. (MACHADO, 2004, p.580).
A fim de complementar a inferência de que entre o administrador das
sociedades e as normas contidas no artigo 134 do CTN nenhuma relação se
estabelece, tenha-se presente também que o sócio referido no inciso VII é aquele
integrante de quadro societário da “sociedade de pessoas” que, por sua vez, além
de possuir como traço marcante a responsabilidade solidária e ilimitada entre os
seus sócios, ligação alguma pode ser estabelecida com as Sociedades Limitadas
(SEGUNDO, 2000, p.133). Converge com o exposto o entendimento de Aliomar
Baleeiro, para quem as “Sociedades de pessoas, no artigo 134 do CTN, são as em
nome coletivo e outras, que não se enquadram nas categorias de sociedades
anônimas ou por cotas de responsabilidade limitada.” (BALEEIRO, 1999, p.735).
Afastada então a incidência das normas do artigo 134 do CTN à figura do
administrador das Sociedades Limitadas188, quanto mais do administrador não sócio,
figura de atenção neste estudo, resta apurar então perquirir o dispositivo legal
remanescente dentre os dois únicos que regulamentam a responsabilidade de
terceiros em face aos débitos tributários das sociedades, qual seja, o artigo 135 do
188 Corroborando esse entendimento a seguinte ementa: “Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. execução fiscal. figuras do devedor e do responsável tributário. a execução fiscal pode incidir contra o devedor ou contra o responsável tributário, não sendo necessário que conste o nome deste na certidão da divida ativa. não se aplica a sociedade por quotas de responsabilidade limitada o art.134 do código tributário nacional; incide sobre ela o art.135, itens i e iii, do mencionado diploma legal, se o credito tributário resulta de ato emanado de diretor, gerente ou outro sócio, praticado com excesso de poder ou infração da lei, do contrato social ou do estatuto. constitui infração da lei e do contrato, com a conseqüente responsabilidade fiscal do sócio-gerente, o desaparecimento da sociedade sem sua previa dissolução legal e sem o pagamento das dividas tributarias. recurso extraordinário conhecido e provido para julgarem-se improcedentes os embargos e subsistente a penhora em bem do sócio-gerente.” (RE n.º 96607 / RJ - recurso extraordinário - relator(a): Min. Soares Munoz - publicação: DJ data: 21/05/1982, julgamento: 27/04/1982 - primeira turma). (grifou-se).
157
mesmo diploma.
Antes, porém, há de ser lembrado que, de acordo com a teoria geral da
responsabilidade civil, a responsabilização somente se opera quando constatado um
evento danoso. É de se perquirir e atentar, então, qual o evento danoso, assim como
em decorrência lógica, qual a vítima desse evento.
Contrariamente à teleologia que prevalece no artigo 134, o artigo 135 do CTN
traz norma contendo atribuição de responsabilidade ao administrador pelos débitos
tributários do contribuinte, no caso, a sociedade que está sob sua administração. O
inciso III do referido dispositivo elenca os “diretores, gerentes ou representantes de
pessoas jurídicas de direito privado” (BRASIL, 2006, p.204), como pessoalmente
responsáveis pelos débitos oriundos de obrigações tributárias dos contribuintes. No
entanto o caput explicita que tal responsabilidade está condicionada à prática de
“excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos”.189 Sobre a
questão, Ives Gandra da Silva Martins, exarou que
[...] o art.135 faz clara menção a "atos praticados com excesso de poderes ou em infração à lei, ao contrato social ou estatutos", isto é, deixa livre de dúvidas o fato de que só a prática do ato é gerador da responsabilidade. Em outros termos, apenas quem está na administração executiva, é diretor ou gerente ou representante de direito privado, pode ser responsabilizado. (MARTINS, 1998, p.53).
Ainda sobre o tema, ampliando o polêmico190 debate sobre a caracterização
dessa responsabilidade como solidária em relação à sociedade empresária, o
mesmo autor registrou:
Um outro aspecto a analisar, de plano, é se a responsabilidade das pessoas mencionadas no referido artigo, quando agindo em nome de pessoas jurídicas, excluiria a responsabilidade destas. Entendo que sim, embora não seja a opinião dominante. [...]
189 Lei n.º 5.172/66 – CTN, art.135: “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos: [...]; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” (BRASIL, 2004, p.204). 190 Dentre outros, entendem que a responsabilidade do substituto não exclui a do substituído, Luiz Alberto Gurgel de Faria e Ricardo Lobo Torres. Em sentido contrário, Sacha Calmon Navarro Coelho, Misabel de Abreu Machado Derzi, José Jayme Macedo de Oliveira e Luciano Amaro. (VAZ, 2003, p.121). Disse ainda Hugo de Brito Machado: “dizer que são pessoalmente responsáveis as pessoas que indica não quer dizer que a pessoa jurídica fica desobrigada. A presença do responsável, daquele a quem é atribuída a responsabilidade tributária nos termos do art.135 do Código Tributário Nacional, não exclui a presença do contribuinte.” (MACHADO, 2004, p.594).
158
De notar que a lei fala em “excesso de poderes” e em “infração à lei, contrato social ou estatutos”, o que vale dizer, à lei emanada dos poderes públicos e aquela válida apenas entre os particulares, por acordo mútuo, como são os estatutos sociais de uma sociedade por ações ou o contrato de uma sociedade de pessoas. Ora, sempre que os contratos ou estatutos sociais, a saber, os diplomas protetores da vida societária são violados por quem estaria na obrigação de preservá-los, é evidente que a pessoa jurídica, a que pertencem, está, como o Fisco, na posição de vítima, e não pode de vítima ser transformada em autora. Sob esse aspecto, parece-me sadia a orientação legislativa em tornar, para esses casos: a) pessoal, b) total, e c) exclusiva a responsabilidade das pessoas físicas, enunciadas no referido artigo. (MARTINS apud VAZ, p.124-125).
Com efeito, trata-se de uma responsabilidade tributária por substituição, de
sujeição passiva direta191, onde as pessoas referidas assumem a condição de
pessoalmente obrigados, ao contrário do que ocorre com a responsabilidade
atribuída às pessoas a que faz menção o artigo 134, se tratando esta de
responsabilidade subsidiária, onde tais pessoas só responderão pelos débitos do
contribuinte após verificada e esgotada a possibilidade de satisfação dos mesmos. É
nesse sentido que Mizabel de Abreu Machado Derzi teceu as seguintes
considerações:
[...] o art. 135 transfere o débito, nascido em nome do contribuinte, exclusivamente para o responsável, que o substitui, inclusive em relação às hipóteses mencionadas no art.134. A única justificativa para a liberação do contribuinte, que não integra o pólo passivo, nas hipóteses do art.135, está no fato de que os créditos ali mencionados correspondem a obrigações resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. O ilícito é assim prévio ou concomitante ao surgimento da obrigação (mas exterior à norma tributária) e não posterior, como seria o caso do não pagamento do tributo. A lei que se infringe é a lei comercial ou civil, não a lei tributária, agindo o terceiro contra os interesses do contribuinte. Daí se explica que, no pólo passivo, se mantenha apenas a figura do responsável, não mais a do contribuinte, que viu, em seu nome, surgir dívida não autorizada, quer pela lei, quer pelo contrato social ou estatuto. (DERZI, 1997, p.88-91).
Então, acusada a presença do pressuposto legal essencial, qual seja, a
prática pelo administrador de atos que importem em excesso de poderes ou violação 191 “Ao contrário do que informa parte da doutrina, somente os casos de responsabilidade por transferência (não os de substituição) caracterizam-se como sujeição passiva indireta. De fato, entre as categorias de ‘responsáveis’ – contribuinte, responsável por substituição e responsável por transferência – somente esta última possui a característica de responsabilização indireta, uma vez que nas demais a obrigação tributária nasce diretamente contra o obrigado. Nos casos de transferência, no entanto, há a incidência de duas regras jurídicas: a primeira, que faz surgir a obrigação contra o devedor originário; ante o não- cumprimento da obrigação (causa mortis, omissão, etc.), incide a segunda, que transfere a obrigação preexistente para as pessoas expressamente determinadas na lei.” (VAZ, 2003, p.110).
159
da lei ou contrato social, somente assim, a norma disposta no artigo 135 do CTN que
trata de sua responsabilização por obrigações tributárias poderá se operacionalizar.
Note-se, outrossim, que Derzi, na citação referenciada, não deixou de fazer alusão
ao fato de que a inadimplência no pagamento de tributos não configura infração à
lei, ao contrário do entendimento das procuradorias das Fazendas Públicas que, nos
mais das vezes, têm utilizado esta tese a fim de fazer prevalecer o redirecionamento
das execuções fiscais por elas ajuizadas em desfavor dos sócios das sociedades,
quer administradores ou não.
Reconhecendo que a norma invoca a substituição do contribuinte pelo
responsável, Gustavo Saad Diniz ressalta a importância da apuração inconteste e
prévia do ato infracional:
O art.135, do CTN, enumera como pessoalmente responsáveis por obrigações tributárias praticadas como excesso de poder ou ato infracional à lei, contrato social ou estatutos, enumerando, no inciso III, como responsáveis os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. A responsabilidade pessoal exclui o contribuinte, incluindo na sujeição passiva o terceiro pessoalmente responsável. O que se discute é responsabilidade pessoal exclusiva das pessoas enumeradas e que, efetivamente, tenham praticado: a) atos com excesso de poderes, em outros termos, sem concessão de poderes específicos; b) que os atos tenham sido praticados com infração da lei, do contrato social ou dos estatutos. Sem estes requisitos, reveladores de conduta ilegítima e muitas vezes ilícita, não se pode invocar a responsabilização pessoal. (DINIZ, 2003, p.120).
Outro aspecto não menos polêmico é o que debate se a regra do artigo 135
do CTN funda-se ou não na teoria da desconsideração da personalidade jurídica.192
José Otávio de Vianna Vaz informa que, “quando a lei tributária estabelecer, de
modo expresso, a responsabilidade a terceiro, não se trata, efetivamente, de
desconsideração de personalidade jurídica, mas de eleição legal de responsável.”
(VAZ, 2003, p.87). A didática e pertinente lição do autor sobre o tema foi assim
referida:
192 “A responsabilidade do sócio-gerente/dirigente por débito fiscal societário, quer proveniente da prática de um ilícito administrativo tributário formal, quer material, envolve, como é cediço, o fenômeno da responsabilidade tributária por substituição, com espeque em reflexa aplicabilidade da teoria da disregard doctrine (da desconsideração ou penetração), a qual permite que o magistrado desconsidere os efeitos da autonomia jurídica e patrimonial da sociedade para alcançar, intuitu personae, o patrimônio dos administradores, com o escopo de ilidir a consumação de fraudes e abusos de direito cometidos, em nome da sociedade, que causem prejuízos a terceiros.” (TAVARES, 2002, p.24).
160
Embora trate, também, das sociedades despersonificadas, o Direito Tributário não aceita, em tese, a desconsideração da personalidade jurídica. É certo que, por vezes, a Lei atribui, expressamente, a responsabilidade pelos créditos tributários a pessoas diversas, em razão do grau de comprometimento do agente com o ilícito praticado, mas tal atribuição não se caracteriza como desconsideração da personalidade jurídica, em sentido estrito. Nestes termos, verifica-se que, em Direito Tributário, a Lei (arts.128 a 138 do CTN) já prevê quem será o obrigado ao adimplemento da obrigação tributária. Tal atribuição de responsabilidade, entretanto, não constitui desconsideração da personalidade jurídica, propriamente dita, uma vez que, à exceção do disposto nos arts. 135 e 137, não se questiona se a sociedade foi utilizada para a prática de atos contrários ao direito, sendo a responsabilidade atribuída, ex lege, independentemente da verificação de abuso por parte do obrigado. (VAZ, 2003, p.84).
E citando Koury, informa utilizando as palavras da autora existirem vieses
doutrinários inclinados a apontar “equivocadamente, as hipóteses previstas nos arts.
134, VII e 135, III, co CTN e do art. 10 do Decreto n.3.708/19, como hipóteses de
disregard, dificultando a conceituação do instituto (VAZ, 2003, p.84)”, e conclui:
Entendemos, dessa forma, que, embora a doutrina e a jurisprudência acatem a desconsideração da personalidade jurídica em diversos ramos do direito, o Direito Tributário não a permite, em função do princípio da estrita legalidade, cuidando de responsabilizar, pessoalmente, o agente que pratica atos com excesso de poderes, infração da lei ou do estatuto. (VAZ, 2003, p.88)
Entendimento esse que se afeiçoa com o de Henry Tilbery, que defende o
seguinte:
[...] para fins de Direito Tributário Brasileiro, repetimos que não pode ser admitida a aplicação da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, nem a critério das autoridades administrativas nem do Poder Judiciário, sem norma legal expressa, o que criaria uma insegurança total para a economia legítima de impostos! Na ausência de norma legal específica, prevalecem as regras gerais de direito, sendo que os interesses fazendários são protegidos pelas normas legais referentes à fraude e à simulação. (TILBERY, 1985, p.88).
A boa leitura e exegese da norma contida no caput do art. 135, conforme os
entendimentos doutrinários de maior expressão até aqui trazidos, evidenciam
inexistir atribuição de responsabilidade subsidiária ou solidária ao administrador de
sociedades. Ao revés, evidencia-se uma atribuição de responsabilidade pessoal, um
dever jurídico originariamente imputado às pessoas arroladas nos incisos do artigo.
De conseguinte, não há como se vislumbrar tratar-se de desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade empresária, a despeito dos atos inflacionais a
que se refere. Soma-se a isto que se o fosse, as consequências jurídicas afetariam
161
também a todos os que compõem o quadro societário e não somente o
administrador, haja vista que o levantamento do véu da sociedade, característica da
disregard doctrine, não visa buscar alguém especificamente, senão a todos que por
detrás desse véu se encontram. (GONTIJO, 2005, p.97).193
Conforme menciona Alexandre Macedo Tavares (2000, p.18), a
responsabilização de terceiros por débitos oriundos de obrigações tributárias de
contribuintes, trata-se de “absoluta exceção à teoria da autonomia” patrimonial da
pessoa jurídica, pelo que, para prevalecer, impende observar a satisfação integral do
pressuposto que atinge o artigo 135 do CTN, qual seja, a comprovação, pela
Fazenda Pública credora, do ilícito, este compreendido pela “prática de conduta
faltosa (culpa subjetiva)” do administrador quando do exercício das atribuições que
lhe foram confiadas pelo corpo societário do ente coletivo. (TAVARES, 2002, p.24).
Assim, caberá à Fazenda Pública credora que objetiva ver satisfeito o crédito
oriundo da exação tributária, não só identificar a conduta faltosa do administrador,
mas fazer prova da mesma para que prevaleça o redirecionamento por ela
pretendido ao utilizar-se da norma contida no artigo 135 do CTN. (MACHADO, 2004,
p.600).194 Renato Lopes Becho, mesmo reconhecendo que um sem número de
julgados desacompanham esse entendimento, em comentário ao tema asseverou:
Resta assente para o Superior Tribunal de Justiça, em entendimento que aplaudimos, que sócio, gerentes e administradores em geral não respondem objetivamente por tributos não pagos pela pessoa jurídica, verdadeiro contribuinte. (BECHO, 2002, p.311).
Outro detalhe é que, como já registrado, a norma do artigo 135 não fez
menção ao “inadimplemento do crédito tributário”, ou mesmo ao termo “danos”, ou,
ainda, “prejuízos”, do que se extrai não ser necessário o evento danoso em desfavor
193 “[...], no entanto, a desconsideração da personalidade jurídica, por ser decorrente da decretação da ineficácia da personalidade, atinge a todos: tanto o sócio majoritário quanto o minoritário; tanto o que tem poder de gestão quanto aquele que não o tenha – em suma: todos que estavam protegidos pela personalidade da sociedade.” (GONTIJO, 2005, p.97). 194 Pellegrini, corroborando esse entendimento registrou: “A jurisprudência acerca da responsabilidade ou não de penhora sobre os bens dos sócios, diretores ou representantes (CTN, art. 135, III) é extremamente farta no sentido de que somente ocorrendo excesso de mandato ou violação de lei, dissolução irregular da sociedade, não integralização do capital social é que os bens dos sócios poderão ser penhorados (RTJ, 103:1274, 103:1222; RJTJSP 79:283; RT, 582:251, 582:92; TFR, AgI 45.298, 5a T, v.u., DJU, 18 abr. 1985, p. 5393; TFR, AC 85.005, 5a T, v.u., DJU, 22 mar. 1984, p. 3907; TFR, AC 85.005, 5a T., v.u., DJU, 22 mar. 1984, p. 3907; RJTJSP, 83:100, 81:279, 80:228; RT, 570:100, 568:217, 572:84, 578:273)”. (PELLEGRINI, 1986, p.14-15).
162
do erário público para que a responsabilidade mencionada na norma se
operacionalize. Sabendo-se que a conduta culposa não se basta para que o instituto
jurídico da responsabilidade civil opere seus efeitos, é de se inferir o vocábulo
responsabilidade, contido na norma do artigo 135, deve ser interpretado inicialmente
como designativo de dever jurídico não necessariamente decorrente de
responsabilização civil, eis que a exigibilidade do crédito tributário no caso referido
na norma se materializa com suporte fático em conduta culposa ou dolosa,
consubstanciada em atos do administrador que importem em excesso de poderes ou
violação da lei ou contrato social. No entanto, não se pode desprezar que condutas
dessa natureza podem também implicar em prejuízo a ser experimentado pelas
fazendas públicas que, enquanto credoras na relação jurídico-tributária com a
sociedade, não venham a obter o adimplemento dos créditos exatamente pela
prática desses atos. Nesse caso, evidenciado o prejuízo em desfavor do sujeito ativo
e a ele se somando prova cabal de que decorreu de conduta culposa do
administrador, na forma inscrita no artigo 135 do CTN, não resta dúvida tratar-se de
situação ensejadora da responsabilização civil subjetiva do administrador, sócio ou
não.195
Em síntese, de todo o exposto acerca da responsabilização do administrador
por débitos tributários de sociedades empresárias cujas diretrizes estão sob seu
comando, importa dizer que, dos artigos do CTN que recepcionam a matéria relativa
à responsabilidade de terceiros por débitos tributários, quais sejam, 134 e 135,
apenas este último pode ter sua norma aplicada ao referido dirigente. Deve-se
observar, no entanto, que os efeitos pretendidos pelo legislador condicionam sua
aplicabilidade à prática de ato ilícito, esta consubstanciada em atos identificadores
do excesso de poderes, infração de lei, ou violação do contrato social, devendo,
195 Esta inferência implicaria nas seguintes consequências jurídicas: conhecedora da conduta culposa do administrador as fazendas públicas poderiam de pronto direcionar a cobrança do crédito tributário diretamente a ele mesmo antes de experimentar o inadimplemento, afastando assim do pólo passivo, desde já, e antes mesmo do inadimplemento do crédito, a sociedade. De outra forma, inadimplida a prestação cabível inicialmente à sociedade contribuinte ou responsável, evidencia-se o prejuízo e, sendo assim, tem-se o elemento necessário à formação da tríade culpa, dano e nexo causal, indispensáveis na modalidade de responsabilidade subjetiva. Relacionada a esta questão, os seguintes comentários de Alexandre Macedo Tavares: “[...] a regra do art.135 do CTN não radiografa espécie de ‘responsabilidade solidária e/ou objetiva’, pois à toda evidência, reflete realidade jurídica absolutamente oposta àquela encartada no art.134 do mesmo diploma legal. Deveras, tão somente no art.134 do CTN é que podemos vislumbrar a suscitada responsabilidade solidária de terceiros, já que a obrigação passa a ter mais de um sujeito passivo que, juntamente com o devedor originário, oferece maior garantia e segurança à satisfação do crédito tributário.” (TAVARES, 2002, p.19).
163
cada qual mais do que alegada, ser provada por quem tem interesse, no caso, as
Fazendas Públicas ou mesmo a sociedade.196 Soma-se a isto tudo que a
responsabilidade referida na norma remete inicialmente à noção de dever jurídico
originário, imputado legalmente às pessoas que refere ante verificação de certas
circunstâncias ilícitas. Pode, de outra forma, assumir também a noção de
responsabilização civil desde que, neste caso, se evidenciem os pressupostos
tradicionais da responsabilidade subjetiva extracontratual, sendo esses a culpa, o
dano, e o liame de causalidade que os vincula.
5.6.2 Responsabilização pelos débitos previdenciários
Como informa Luciano Amaro, o critério de classificação dos tributos
particularizado pelos artigos 4º e 5º do Código Tributário Nacional197 não se presta
para abarcar todas as modalidades de tributos, notadamente as contribuições
sociais previdenciárias. (AMARO, 2005, p.85). Esta é apenas uma das razões pelas
quais não se pode afastar dessas contribuições a concepção de tributos, ainda que
revistam-se de característicos distintos aos dos impostos, das taxas e das
contribuições de melhorias, categorias classicamente concebidas. Comparando tais
característicos, lecionou Amaro:
É a circunstância de as contribuições terem destinação específica que as diferencia dos impostos, enquadrando-as, pois, como tributos afetados à execução de uma atividade estatal ou paraestatal específica, que pode aproveitar ou não ao contribuinte, vale dizer, a referibilidade ao contribuinte não é inerente (ou essencial) ao tributo, nem o fato gerador da contribuição se traduz na fruição de utilidade fornecida pelo Estado. Marco Aurélio Greco compara as contribuições com os impostos e taxas; liga o imposto ao poder de império do Estado; conecta a taxa com a idéia de benefício (que alguns
196 “[...] como regra de absoluta exceção à teoria da autonomia jurídica e patrimonial da pessoa jurídica, a pretensão de se alcançar o patrimônio particular dos sócios-gerentes, diretores, ou administradores, para saldar dívida contraída em nome da sociedade, somente será cabível a quem regularmente provar a prática de conduta faltosa (culpa subjetiva) destas pessoas quando do exercício de suas atribuições.” (TAVARES, 2002, p.18). 197 Lei n.º 5.172/66 – CTN, art. 4º: “A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.” Lei n.º 5.172/66 – CTN, art. 5º: “Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.” (BRASIL, 2004, p.179-180).
164
referem como contraprestação); e associa as contribuições ao “conceito de solidariedade em relação aos demais integrantes de um grupo social ou econômico, em função de certa finalidade”. (AMARO, 2005, p.86).
Informa ainda o mencionado autor que ao grupo denominado contribuições,
como categoria tributária, além das contribuições previdenciárias, que as denomina
sociais, incluem-se as contribuições econômicas e as contribuições corporativas.198
De acordo com o parágrafo único do artigo 13 da Lei n.º 8.620/1993, as
contribuições sociais devidas à Previdência Social pelas Sociedades Limitadas
empresárias serão de responsabilidade dos administradores quando a sociedade
deixar de adimpli-las, sendo sua cobrança a eles direcionada solidariamente em
relação à empresa, desde que verificado o dolo ou culpa. Assim se expressa o
referido dispositivo:
Art.13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. Parágrafo único. Os acionistas controladores, administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.
Como se percebe, o dispositivo legal condiciona a responsabilização
do administrador pelos débitos previdenciários à inadimplência, do que se extrai um
dos principais elementos da responsabilidade civil: o dano. Outra condição
necessária à responsabilização do administrador é a apuração de dolo ou culpa na
condução dos negócios da sociedade e, por assim dizer, a prática de excesso de
poderes, infração legal ou violação do contrato social, não diferente do que ocorre
com os débitos tributários, até mesmo por estarem, os previdenciários, como já
registrado, insertos nesta categoria.
Gustavo Saad Diniz, em comentário a referida norma, assim expressou seu
entendimento:
[...] apesar dos argumentos temos que a opinião mais coerente é a da caracterização das contribuições sociais como tributos. Esta compreensão, é importante ressaltar, decorrente de interpretação sistêmica do Ordenamento Jurídico Brasileiro.
198 Como contribuições econômicas têm-se as exações “que instrumentam a intervenção do Estado no domínio econômico”, ao passo que como contribuições corporativas aquelas “que se destinam a financiar a atividade de certas entidades não estatais, que exercem funções reputadas de interesse público, como os sindicatos e os conselhos profissionais”. (AMARO, 2005, p.86).
165
Esta disciplina está positivada no art.13, da Lei n. 8.620/93, que expressamente dispõe: "O titular de firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa." [...] cabe ressalvar o excesso cometido pela lei ordinária, que vai além do quanto disposto no art.135, do CTN (Lei Complementar). (DINIZ, 2003, p.122-123).
Nessa esteira, defendendo os mesmos pressupostos, Marcus Orione
Gonçalves Correia:
[...] somos da opinião, correspondente a parte da jurisprudência, que a utilização de qualquer atuação executória que atinja o sócio é possível, mesmo sem a indicação do nome do sócio na certidão da dívida ativa. No entanto, como visto, é indispensável que fique suficientemente demonstrado, nos autos, uma das duas hipóteses: a) o excesso de poderes ou infração efetiva da lei (não bastando a não quitação do tributo), do contrato social ou estatuto; b) a dissolução de fato da empresa, através de todos os meios a alcance do exeqüente. (CORREIA, 1998, p.55).
A menção, como se percebe, é à figura do sócio, mas serve perfeitamente
para ilustrar a necessidade de observância aos pressupostos referidos, uma vez que
se para o sócio, pessoa que integra o quadro social da sociedade tais são os
requisitos, ao menos esses deverão ser observados para a responsabilização do
administrador. Soma-se a isto que o autor comentava nos referidos escritos as
decisões da jurisprudência quanto à aplicação da norma do artigo 135, inciso III, e,
após, assim registrou referência de autoria de Humberto Theodoro Júnior:
A respeito da matéria confiram-se as seguintes lições: Entre os casos de gestão autorizada da aplicação do art. 135, III, do CTN, para permitir execução contra sócio-gerente, a jurisprudência atual arrola a dissolução ou extinção irregular da sociedade devedora. Neste sentido decidiu o STF no seguinte acórdão: “É legítima a citação do sócio-gerente como responsável substituto, em execução fiscal contra a sociedade por cotas liquidada irregularmente” (RE no 107.330-6-RJ, 1a T., Rel. Min. Rafael Mayer, Ac. de 29.10.85, Jurisprudência Mineira, vol. 18, p. 94). A posição atual do STJ afina-se com a do STF, como se deduz dos seguintes acórdãos recentes: “constitui infração da lei, com conseqüente responsabilidade do sócio-gerente pelos débitos fiscais da empresa, como devedor substituto, a dissolução irregular da sociedade, mediante a mera paralisação de suas atividades” (STJ, R. Esp. no 8.838-SP, 2a T., Rel. Min. Ilmar Galvão, ac. de 6.5.91, DJU, 27.5.91, p. 6.955). “age com infração à lei sócio-gerente que dissolve a sociedade
166
irregularmente, não efetuando os devidos recolhimentos dos impostos. Entendimento da Súmula no 112 do extinto TFR e desta eg. Corte” (STJ, R. Esp. no 1.335-SP, 1a T. Rel. Min. Garcia Vieira, ac. de 19.2.92, DJU, 6.4.92, p. 4.465). (CORREIA, 1998, p.55-56).
Concernente à dissolução irregular da sociedade executada por débitos
fiscais, fato que entende suficiente para que o administrador e os sócios sejam
responsabilizados civilmente, registrou:
Portanto, tanto sob o ponto de vista da jurisprudência, quanto da doutrina, constata-se que o sócio-gerente somente pode ter o seu patrimônio invadido em poucos casos, sendo um deles exatamente a dissolução irregular da sociedade. Assim, há que se diligenciar ao máximo para que, já no início da execução do débito previdenciário, existam elementos suficientes para a conclusão de que a sociedade se encontra extinta de fato. Somente assim, será possível a invasão do patrimônio do executado, sem qualquer problema futuro neste sentido. (CORREIA, 1998, p.56-57).
De qualquer forma, a responsabilização civil dos administradores de
sociedades limitadas, sócios ou não, por débitos de natureza previdenciária,
reclamará sempre, assim como ocorre quanto aos requisitos para a
responsabilização por outros débitos tributários, a conduta culposa ou dolosa do
dirigente, somada à inadimplência, ou seja, à não satisfação do crédito pela própria
sociedade empresária. É o que diz a norma cuja especialidade trata da matéria
(art.13, Lei. 8.620/93).
5.7 A responsabilização do administrador não sócio por débitos trabalhistas da
sociedade
Os créditos trabalhistas, assim como os tributários e previdenciários
constituem o rol dos débitos conhecidos como não-negociais. Os débitos não-
negociais são assim denominados em face à indisponibilidade de instrumentos dos
credores para preservar seus interesses quando da formação dos preços, a fim de
minimizar o seu risco e se preservar da insolvência do devedor (COELHO, 2002).
Conforme lição de Gustavo Saad Diniz,
A responsabilidade dos administradores por créditos trabalhistas não tem disciplina legal e a doutrina interpreta como sendo o caso de aplicação da
167
teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sendo imprescindível a apuração de utilização fraudulenta da personalidade jurídica, que deverá ser devidamente comprovada em regular processo de instrução, sob pena de violação do princípio do devido processo legal. Bens de sócio da sociedade limitada, cujo capital foi totalmente integralizado, não respondem por dívida da sociedade, mormente se não for demonstrado que, de alguma forma, tenha existido contribuição fraudulenta para a perda do capital social. (DINIZ, 2003, p.117).
Ausente norma legal expressa, que regulamente a afetação de patrimônio
diverso ao da sociedade empresária por créditos trabalhistas, abriu-se amplo campo
para construções jurisprudenciais e doutrinárias sobre a matéria, o que, por sua vez,
traz como consequência lógica maiores divergências, eis que ausente o suporte
legal. Alguns pontos chamam mais a atenção. Primeiramente, é de se destacar que
a responsabilização destacada nessas esferas jurídicas tem-se concentrado na
figura dos sócios e não dos administradores, conforme se demonstrará.
As polêmicas estão mais concentradas nos requisitos autorizadores da
desconsideração da personalidade jurídica. Na colocação supra citada de Diniz
quanto à “imprescindível apuração de utilização fraudulenta da personalidade” e sua
cabal comprovação pela via processual, no âmbito do Direito do Trabalho muitas
vezes têm escapado ao crivo do julgador. O autor assim registrou seu inconformismo
quanto ao fato:
Têm sido excessivas algumas decisões jurisdicionais que ultrapassam a pessoa jurídica tão-somente pela existência de dívida trabalhista, sem que existam bens livres da pessoa jurídica para serem penhorados. Concessa venia, criou-se uma inadmissível presunção de estado de insolvência pela falta de indicação de bens para penhora e garantia do juízo na fase de execução trabalhista, permitindo-se avançar sobre os bens dos sócios. Todavia, não há esta presunção positivada na legislação, tampouco se pode criar esta situação presumida de um fato não conhecido. (DINIZ, 2003, p.118).
Com efeito, no âmbito processual da Justiça do Trabalho esse tem sido o
critério de prevalência. Ocorre que, como já registrado, a desconsideração da
personalidade jurídica, quanto aos seus pressupostos, sofreu consideráveis
alterações, se tomada em análise a sua proposta original e a forma que assumiu na
legislação pátria. Se o redirecionamento das obrigações inicialmente concebidas em
desfavor da pessoa jurídica para os sócios e administradores na proposta original
somente se operava quando considerado o elemento anímico dessas pessoas, no
sentido de subverterem os fins para os quais a sociedade foi criada, percebe-se na
168
legislação pátria uma elasticidade dos requisitos.
A começar pelo Código de Defesa do Consumidor, que ao tratar do tema em
seu artigo 28, inovou, trazendo três outras circunstâncias fáticas até então não
concebidas como pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica:
a) a falência e/ou estado de insolvência da sociedade; b) encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração; b) obstaculizar a
personalidade jurídica da sociedade, de per se, o ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.199 Este último requisito se coaduna perfeitamente com
a noção de responsabilidade civil objetiva, uma vez que dispensa a conduta culposa
dos sócios ou administradores.
Momento seguinte, veio o C.Civil de 2002 dizer em seu artigo 50 que a
confusão patrimonial entre o acervo de bens dos sócios ou administradores e os
bens da sociedade surge também como requisito viabilizador da planificação do
instituto, pois concebida tal confusão como abuso da personalidade jurídica.
Já na seara trabalhista, como ressaltado, as construções jurisprudências têm
se pautado na teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade
para atribuir aos sócios a responsabilidade de satisfazer os créditos dos
trabalhadores. As fundamentações, porém, é que se diversificam. Há concepções
que invocam a teoria do risco da empresa que, somada à hiposuficiência do
trabalhador e à natureza alimentar do seu crédito justificariam de plano o
redirecionamento da execução para os sócios quando verificado qualquer óbice ao
recebimento desse crédito. Evidenciam tais construções a adesão à
responsabilidade objetiva dos sócios pelo crédito não satisfeito pela sociedade
empresária empregadora. Fernando Melo da Silva, sobre o assunto comentou:
Tal como sucede com o crédito tributário, o crédito trabalhista, que a ele se sobrepõe, quando inadimplido pela sociedade, por insuficiência patrimonial, enseja a responsabilização dos administradores e gerentes, sem que se necessite da perquirição do dolo ou culpa, na prática de atos que contrariem a lei, contrato social ou estatutos. [...] inúmeras são as decisões que responsabilizam os sócios-gerentes das sociedades limitadas, ou os diretores de sociedades anônimas, de forma solidária e ilimitada ao pagamento de débitos trabalhistas da sociedade da qual eram representantes. (SILVA, 2003, p.35).
199 O que nada mais é do que uma correspondência ao seguinte dispositivo da Lei n.º 9.605/98, que regulamentou os crimes contra o meio ambiente: “Art. 4º - Poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos à qualidade do meio ambiente.”
169
Nessa linha de entendimento, evidenciado o prejuízo sofrido pelo empregado,
prejuízo consubstanciado na simples inviabilização de pagamento de crédito pela
sociedade empregadora, preenchido estará o requisito para desconsiderar a
personalidade jurídica da sociedade, o que acaba por configurar, na verdade, uma
forma de responsabilidade civil objetiva em nada se assemelhando à teoria da
disregard doctrine. A seguir algumas decisões pretorianas que assumem esta
posição:
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - SÓCIO COTISTA - TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA - ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DA SOCIEDADE SEM QUITAÇÃO DO PASSIVO LABORAL. Em sede de Direito do Trabalho, em que créditos trabalhistas não podem ficar a descoberto, vem-se abrindo uma exceção ao princípio da responsabilidade limitada do sócio, ao se aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ("disregard of legal entity") para que o empregado possa, verificando a insuficiência do patrimônio societário, sujeitar à execução os bens dos sócios individualmente considerados, porém solidária e ilimitadamente, até o pagamento integral dos créditos dos empregados, visando impedir a consumação de fraudes e abusos de direito cometidos pela sociedade. (Decisão 545348-1999, TST, publicada em 27/03/2001, Relator Ministro Ronaldo José Lopes Leal.)
MANDADO DE SEGURANÇA – BLOQUEIO DE CRÉDITO DE SÓCIO. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e o princípio, segundo o qual a alteração da estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados, consagrado no art. 10 da CLT, autoriza o juiz a responsabilizar qualquer dos sócios pelo pagamento da dívida, na hipótese de insuficiência do patrimônio da sociedade, além de que a jurisprudência desta Corte Superior, assentada, em tais teoria e princípio, é no sentido de que, se a retirada do sócio da sociedade comercial se verificou após o ajuizamento da ação, pode ser ele responsabilizado pela dívida, utilizando-se para isso seus bens, quando a empresa de que era sócio não possui patrimônio suficiente para fazer face à execução sofrida. 2. Recurso ordinário desprovido. (TST – ROMS 416427 – SBDI 2 – Rel. Min. Francisco Fausto – DJU 02.02.2001 – p. 488).
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. PENHORA DE BEM DE SÓCIO. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. VIOLAÇÃO DO ART. 5º, INCISOS LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A pessoa jurídica executada tornou-se insolvente e não indicou bens à penhora, não restando outra alternativa senão a execução dos bens do sócio - à época Diretor-Presidente - com fulcro na Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Por se tratar de responsabilidade subsidiária, não há necessidade de o sócio executado participar da relação jurídica processual de conhecimento, não se podendo falar em cerceamento de defesa ou desrespeito ao devido processo legal. Nota-se que nada mais se fez do que -levantar o véu- da personalidade jurídica da empresa a fim de atingir os bens dos sócios, que se utilizaram da entidade mediante abuso de direito para o enriquecimento pessoal. Incólume o art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República. Agravo de instrumento não provido. (Processo: AIRR - 2004/2002-241-02-40.8 Data de Julgamento: 01/04/2009, Relator Ministro: Vantuil Abdala, 2ª
170
Turma, Data de Divulgação: DEJT 24/04/2009)
Tais excertos correspondem a grande maioria das decisões judiciais
trabalhistas, sem se desprezar a existência de outras mais atentas que privilegiam a
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente nos
casos em que se diagnostica por parte dos sócios comportamento irregular, contrário
à lei ou ao estatuto societário, com atenção ainda o aspectos probatório desse
requisito.
Diante das formulações consubstanciadas na mera insolvência ou
inadimplemento da sociedade para justificar a responsabilização dos sócios ou
administradores pelos débitos trabalhistas, é de se concluir por um absoluto
desvirtuamento da teoria em comento. Sobre isto já alertaram Ana Caroline Santos
Ceoli e Vinícius José Marques Gontijo:
Imperioso que se aplique a teoria da desconsideração à luz dos princípios gerais de Hermenêutica, sempre se tendo em conta os pressupostos que lhe são inerentes e as peculiaridades dos casos levados a juízo. Analisada sob um enfoque fragmentário e sectário, não resta dúvida de que o seu uso abusivo e indiscriminado atende aos fins imediatistas, como imprimir celeridade e efetividade à prestação jurisdicional em prol daqueles que postulam a satisfação de seus direitos creditícios. (CEOLI apud GONTIJO, 2005, p.96).
De fato, temos observado que na jurisprudência muitas vezes. Equivocadamente, se diz estar desconsiderando a personalidade jurídica de uma dada sociedade e se a condena solidariamente com seu administrador ou sócio. Na realidade, não houve a desconsideração alardeada, na media em que, se efetivamente tivesse havido a desconsideração da personalidade, não haveria possibilidade de condenação da sociedade pelo simples fato de que sua personalidade estaria sendo desconsiderada, ou seja, estaria sendo decretada sua ineficácia em um caso concreto. (GONTIJO, 2005, p.97).
Com efeito, notadamente nas raias do Judiciário trabalhista, percebe-se que a
pretendida desconsideração da personalidade jurídica da sociedade não afasta em
nada a responsabilidade da sociedade empregadora. Ao contrário, a sociedade se
mantém no pólo passivo da execução, agregando-se outras pessoas naturais.
Conforme mencionado, a legislação não oferece tratamento específico acerca
da responsabilização do administrador das Sociedades Limitadas quanto aos
débitos de natureza trabalhista, regulando-se a matéria por mera construção
doutrinária e jurisprudencial. Em muitos julgados tem-se feito constar a aplicação
subsidiária do CDC, do C.Civil e até mesmo do CTN para justificar a aplicação da
171
disregard doctrine, o que diagnostica a aplicação do instituto sem regras materiais e
processuais claras e precisas.
O projeto de Lei n.º 4.696 de 1998, de autoria do Poder Executivo, que tem
como objeto acrescer dispositivos à CLT para ampliar o tratamento legal acerca da
execução na Justiça do Trabalho, após ter tramitado na Comissão de Trabalho, de
Administração e Serviço Público por cinquenta e quatro meses (4,5 anos), se
encontra atualmente e desde 2004, na Comissão de Constituição e Justiça. Dos
trabalhos realizados pela primeira Comissão, no que toca à regulamentação da
matéria concernente à afetação de patrimônio estranho ao da sociedades limitadas
empregadoras, restou um substitutivo apresentado pelo Deputado Luiz Antônio
Fleury com a seguinte redação:
Art. 883-A Quando não encontrados bens da sociedade ou insuficientes os localizados para responder pelo título executivo, são também sujeitos passivos da execução trabalhista, solidariamente com a pessoa jurídica, por atos praticados em violação à lei, ao contrato, ou ao estatuto: I - os sócios gerentes das sociedades mercantis de qualquer natureza; II - os administradores das sociedades por ações e os que o tiverem sido desde a propositura da ação. § 1o Para a legitimação passiva das pessoas referidas nos incisos I e II, caberá ao exeqüente comprovar previamente, por certidão do órgão competente, a situação de cada uma delas no que tange à sua participação da sociedade ou em sua administração. § 2o As pessoas físicas referidas nos incisos I e II poderão eximir-se de responder pela execução se indicarem bens livres e desembaraçados da sociedade executada que possam responder pelo débito trabalhista. § 3º Quando citado o executado, verificar-se-á quaisquer das situações previstas no caput e, não cumprido o previsto no § 2º, proceder-se-á à citação do responsável solidário para que, em quarenta e oito horas, pague, deposite ou indique bens livres e desembaraçados da empresa, respondendo pelo prosseguimento da execução caso não o faça. Garantido o juízo e ciente o responsável solidário, este poderá opor embargos à execução, no prazo de cinco dias. Art. 883-B Quando o executado, após o ajuizamento da ação, ocultar, de alguma forma, seu patrimônio, utilizando-se, mediante aquisição ou transferência de bens, de uma outra personalidade jurídica, de qualquer natureza, pode o juiz, de ofício ou a requerimento da parte exeqüente, desconsiderá-la, declarando a nulidade dos respectivos atos jurídicos e fazendo recair a execução sobre a parcela patrimonial ocultada. (PODER EXECUTIVO, 2009).
Em trabalhos direcionados pela Comissão de Constituição e Justiça, em voto
separado, o Deputado Ricardo Fiúza assim registrou sua impressão sobre a matéria
em comento:
172
Quanto ao proposto art. 883-A 4. Impende manifestar, Senhor Presidente, a minha mais profunda preocupação em dar celeridade ao processo de execução trabalhista sem descurar, porém, da necessidade de se evitar brechas jurídicas que possam retardar o andamento dos feitos pelo eventual descumprimento dos princípios do due process of law e do direito à ampla defesa consagrados na nossa Constituição Federal, acarretando recursos para o Supremo Tribunal Federal sob a alegação de infringência desses princípios e, via de conseqüência a eternização dos processos. 4.1 Na busca desse objetivo, torna-se absolutamente indispensável que, antes de se decretar judicialmente a responsabilidade solidária dos administradores de sociedades empresárias, lhes seja dada a oportunidade de demonstrar, em procedimento sumário, que não praticaram aqueles atos relacionados como capazes de torná-los solidários com a empresa que administram ou administraram, para que não possam mais tarde alegar que lhes foi suprimido o direito de defesa e do devido processo legal. A exigência de apontar-se em concreto os atos ilícitos por eles praticados decorre do fato de que para defenderem-se precisam saber do que estão sendo acusados. 4.2 Com efeito, a responsabilização solidária do administrador pelos débitos trabalhistas da sociedade deve decorrer de atos praticados com violação da lei, do contrato, ou do estatuto, pois do contrário estar-se-ia afrontando expressamente as normas de direito societário que responsabilizam os sócios apenas pela integralização do capital por eles subscritos e os administradores tão-somente pelos atos por eles praticados em violação de lei, do contrato, ou do estatuto. (PODER EXECUTIVO, 2009).
Percebe-se uma preocupação do legislador acerca de bem definir os
pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades
empresárias, notadamente para que seja aplicada quando evidenciados o abuso de
poder e a fraude, observando-se os princípios constitucionais do devido processo
legal e do contraditório. Apresentou então o mencionado parlamentar o seguinte
texto, onde se grafa em itálico seus trechos distintivos em relação ao substitutivo do
Deputado Luiz Antônio Fleury:
Art. 883-A Quando não encontrados bens da sociedade ou insuficientes os localizados para responder pelo título executivo, são também sujeitos passivos da execução trabalhista, solidariamente com a pessoa jurídica, por atos que tenham praticado em violação à lei, ao contrato, ou ao estatuto: I - os administradores das sociedades empresárias; II - os que o tiverem sido desde a propositura da ação. § 1º. Para a legitimação passiva das pessoas referidas nos incisos I e II caberá ao exeqüente comprovar previamente por certidão do órgão competente, a situação de cada uma delas no que tange à sua participação na sociedade ou sua administração, e, bem assim apontar os atos por elas praticados em violação à lei, ao contrato, ou ao estatuto, juntando, desde logo, as provas que tiver, sem as quais não será admitida a legitimação passiva daquelas pessoas. § 2º - Chamadas ao feito, as pessoas naturais referidas nos incisos I e II poderão eximir-se de responder pela execução se indicarem bens livres e desembaraçados da sociedade executada que possam garantir o débito trabalhista, ou se comprovarem que não praticaram quaisquer dos atos enumerados no “caput” deste artigo, ou, ainda, no caso de não serem mais
173
administradores da sociedade quando de seu chamamento, provarem que ao tempo de seu desligamento a empresa era solvável. § 3º - As pessoas referidas nos incisos I e II serão chamadas ao processo mediante intimação pessoal, sendo-lhes concedido o prazo de 5 (cinco), a contar da intimação, para que se pronunciem sobre os atos a si imputados como violadores à lei, ao contrato ou ao estatuto, devendo, neste mesmo prazo, fazer prova de isenção da responsabilidade a que se refere o “ caput” deste artigo. § 4º - Apresentada defesa pelo executado solidário ou decorrido o prazo estabelecido no parágrafo 3º , sem essa apresentação, o juiz decidirá no prazo de 10 (dez) dias sobre a decretação da solidariedade ou não, das pessoas chamadas ao processo. Dessa decisão caberá agravo de instrumento, ao qual poderá ser atribuído efeito suspensivo. § 5º - Decidindo pela solidariedade, proceder-se-á a citação do responsável ou responsáveis solidários para que, em 48 (quarenta e oito) horas pague, deposite ou indique bens livres e desembaraçados da empresa, respondendo pela execução, caso não o faça. Garantido o juízo e ciente o executado responsável solidário, este poderá opor embargos à execução, no prazo de 5 (cinco) dias. (PODER EXECUTIVO, 2009).
Um outro destaque merecedor de atenção é que nas propostas referidas, o
caput do art.883-A informa que os sujeitos ali referidos respondem “solidariamente
com a pessoa jurídica”, o que comprometeria por completo dizer tratar-se de
desconsideração da personalidade jurídica que, sabe-se, tem como uma de suas
características afastar por completo a obrigação da pessoa jurídica, levantando-lhe o
véu para quem responsabilizar quem por de trás dele se encontra.
As decisões jurisprudenciais, conforme já demonstrado, têm-se inclinado à
responsabilização desde que o patrimônio da sociedade se quede insuficiente para a
satisfação do crédito trabalhista, sem espaço para a instauração do regular processo
identificador da utilização fraudulenta da sociedade. Trata-se de responsabilidade
subsidiária e, por sua vez, de responsabilidade objetiva quando da ocorrência deste
fato. O dolo e a culpa (sentido estrito) praticamente não são perquiridos, de tal forma
que esta postura adotada pelos juízos trabalhistas espraiam jurisprudencialmente
ainda mais os requisitos até então concebidos para a aplicação do instituto.
Importa registrar, outrossim, que não se percebe nos julgados e escritos
sobre a matéria, que o administrador responderia por essas dívidas. A menção é
sempre na figura dos sócios. De outra forma, no aludido projeto de lei, encontra-se
clara a menção ao “administrador de sociedades”, locução de amplo alcance
semântico, capaz de abarcar todas as mais comuns denominações atribuídas ao
gestor de sociedades empresárias, como o diretor, o gerente e mesmo o
administrador das sociedades limitadas. Isto não significa, é fato, que o
administrador, sócio ou não, deixará de ser responsabilizado por débitos
174
trabalhistas, desde que, se tenha como “imprescindível a apuração de utilização
fraudulenta da personalidade jurídica” (DINIZ, 2003, p.118).
Quando se ultrapassa a pessoa jurídica, para afetar terceiros como os sócios
e administradores, está a se invocar uma das excepcionalidades permissivas a este
comportamento, a saber, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica
ou da teoria ultra vires societatis. Porém se o fundamento para tanto é o de
indisponibilidade de recursos ou bens para satisfazer o crédito, está-se diante de
uma presunção de insolvência da sociedade que, de certa forma remeteria àquela
menção permissiva contida no Código de Defesa do Consumidor (DINIZ, 2003).
Porém, sabe-se, a presunção não se basta, ou, ao menos, não deveria se bastar
para afetar tão importante princípio societário que é o de imprimir aos sócios o dever
único de integralizar o capital social, ladeando assim o de responder pelas dívidas
da sociedade.
Quanto aos administradores não sócios, exclusivamente, é de se dizer que a
sua responsabilização deve reclamar, a todo tempo, os princípios gerais que regem
a matéria, eis que norteadores do tema no seguinte sentido: após apurada que a
atuação deste administrador, na condução dos negócios da sociedade, agiu de
forma contrária à lei ou ao contrato social, com excesso ou desvio de poderes. Se
desses comportamentos resultar dano ao empregado, não resta dúvida de que o
administrador não sócio responderá por ele. Isto, porém, não exime a
responsabilidade da sociedade, quanto mais se o administrador não sócio estiver na
condição de empregado dela, haja vista a responsabilidade objetiva que lhe é
direcionada no art.932 do C.Civil de 2002. A responsabilidade neste caso, é
subjetiva para o administrador e objetiva para a sociedade, não se tratando de
desconsideração da personalidade jurídica, notadamente porque a sociedade
permanece devedora da prestação inadimplida, sendo de todo evidente que tal
prática dos tribunais não tem afastado as consequências dos atos eivados de
irregularidades dos sócios ou dos administradores.
5.8 A responsabilização do administrador não sócio perante terceiros
Afora a sociedade, o Fisco e os trabalhadores, as atividades empresariais
175
quando exercidas sob comando gerencial irregular podem representar prejuízos a
outras pessoas, dentre as quais se encontram os sócios, os parceiros comerciais e
os consumidores. De conseguinte, decorrem da relação jurídica obrigacional
estabelecida entre o administrador e a sociedade, responsabilidades perante
terceiros. Como asseverou Michelan, os administradores poderão causar prejuízos
não só à sociedade, mas também a terceiros por conduta culposa comissiva ou
omissiva “não decorrentes da violação de obrigações pré-existentes, previstas na lei
ou no contrato social, mas pela prática de atos que atentam contra o dever geral de
bem gerir a sociedade” (MICHELAN, 2003, p.267).
Como já amplamente repisado no decorrer deste trabalho, os administradores
de sociedades limitadas empresárias somente poderão ser responsabilizados
civilmente na ocorrência, verificação e comprovação de práticas ilícitas no
desempenho de suas funções. Será, assim, “pessoalmente responsável perante a
sociedade e terceiros quando, no exercício da função, agir ou se omitir ilicitamente”
(GONTIJO, 2005, p. 91-92). Esta teoria invoca a modalidade de responsabilidade
civil subjetiva. Esta é a regra insculpida no art.1.016 do C.Civil de 2002, e é o que
deve prevalecer quando as figuras dos sócios, dos parceiros comerciais e dos
consumidores experimentarem prejuízos decorrentes de administração irregular.
Fernando Melo da Silva, assim sintetizou esse entendimento:
[...] todos aqueles que tiverem sido prejudicados por atos de gestão praticados pelos administradores societários ao arrepio da lei, do contrato ou do estatuto social, terão ação de responsabilização em face destes, onde se deverá perquirir da efetiva prática por parte do administrador social dos atos acima delineados, para só assim lhe poder ser imputada qualquer tipo de responsabilidade patrimonial. (SILVA, 2003, p.34).
Uma das formas protetivas, vinculadas legalmente pelo legislador para
resguardar preventivamente o terceiro envolvido numa relação negocial com a
sociedade, e por assim dizer também com o administrador que a (re)presentará,
refere-se à norma do artigo 1.012 do C.Civil de 2002, que direciona ao administrador
nomeado em ato separado, o dever jurídico de “averbá-lo à margem da inscrição da
sociedade”, imputando-lhe, caso não atenda ao comando legal, a obrigação de
responder “pessoal e solidariamente com a sociedade” (BRASIL, 2004, p.171) pelas
176
obrigações contraídas nos negócios jurídicos que realizar.200 Trata-se de situação
fática diretamente correspondente à figura do administrador não sócio, eis que,
como já registrado, a designação desta modalidade de administrador no mais das
vezes se operacionalizará através de instrumento separado do contrato social.
Diagnostica-se no dispositivo uma obrigação de fazer. Dispositivo legal que
apresenta mais um dever ao administrador, qual seja, o de proceder com a
averbação à margem da inscrição da sociedade. Procedendo assim isento está de
responder solidariamente com a sociedade pelos atos praticados. O princípio
teleológico desse dispositivo é a necessária publicidade como forma de garantir as
informações objetivas a todo terceiro que tenha interesse em firmar com a empresa
relações negociais. Por isso é que, deixando de averbar a sua nomeação que se
deu em ato separado, o administrador está sujeito a responder solidariamente, isto
é, nas mesmas proporções, com a sociedade pelos danos e prejuízos que ela vier a
produzir. Tem-se então, neste caso, um dever jurídico atribuído legalmente pelo
legislador ao administrador não sócio, assim como um ônus jurídico, eis que se não
atendido, será o próprio administrador que arcará com as consequências, sendo tais:
a) o de integrar o pólo passivo da obrigação originalmente contraída, juntamente
com a sociedade empresária, afastando-se assim a autonomia da sociedade quanto
aos débitos que contrai; b) o de ser responsabilizado civilmente pelo mesmo débito
quando a sociedade por ele se tornar inadimplente. Eis, então, uma das
possibilidades pontualmente previstas pelo legislador de o administrador não sócio
ser responsabilizado civilmente perante terceiros.
O administrador deverá velar pela atenção e cumprimento de todas as
normas legais e contratuais, consubstanciando-se numa responsabilidade que
implica deveres e obrigações. Seja assim perante a sociedade e perante terceiros,
porque do contrário, estará agindo em desconformidade com a norma majoritária da
administração apresentada nos artigos 1.011 do Código Civil e 153 da Lei de
Sociedades Anônimas, qual seja, a de que, no desempenho de suas funções, deve
agir com cuidado e diligência. Os tantos outros dispositivos legais expressam o que
se espera do administrador com mais especificidade: fidelidade, respeito e
atendimento às decisões da maioria dos sócios, não realização de negócios
200 C.Civil/2002, art. 1.012: “O administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade.” (BRASIL, 2004, p.171).
177
estranhos ao objetivo social, desempenho de suas funções livre de culpa ou dolo,
isenção de confusão patrimonial e de atos ilícitos, não deixar-se substituir, ser
diligente na prestação de contas, e cumprir com todos os demais atos que impliquem
em lisura no desempenho da função que lhe foi atribuída. José Waldecy Lucena
registrou as implicâncias jurídicas da inobservância desses deveres da seguinte
forma:
[...] desmandando-se o administrador na gestão dos negócios sociais, torna-se ele responsável, junto à sociedade e aos consócios, pelos prejuízos que lhes causar. Tais questões passam-se no âmbito interno da sociedade, dizendo respeito às relações interna corporis entre a sociedade, o gerente e os consócios. Mas, pode o ato do administrador, concomitantemente ou não com os prejuízos causados à sociedade e aos sócios, projetar-se externamente (poder de presentação), atingindo interesses de terceiros. (p.432) Em suma, a responsabilidade do administrador há de ser apurada, interna corporis, relativamente à sociedade e aos sócios, e, em sua projeção externa, em relação a terceiros (externa corporis). Claro que se o administrador agiu previamente autorizado pelos sócios, ou teve seus atos por estes ratificados a posteriori, não se vinculou pessoalmente, seja junto à sociedade, seja junto aos consócios. (LUCENA, 2003, p.433).
Atento a este rol de deveres, exime-se o administrador não sócio da
responsabilização civil em qualquer esfera de relação jurídica que estabelecer, seja
com os sócios da sociedade, com os parceiros comercias, assim como com os
consumidores. De outra forma, a responsabilização a incidir sobre o administrador
não sócio será absolutamente viável juridicamente, sempre sob a forma de
responsabilidade civil subjetiva, eis que requer o elemento culpa (lato senso).
178
6 CONCLUSÃO
O nascimento de uma sociedade empresária importa no surgimento,
concomitante, de diversificadas relações jurídicas, destacando-se aquelas que
vinculam os sócios entre si, os sócios e a sociedade, os sócios e o administrador,
assim como este e a sociedade. Os efeitos jurídicos desse nascimento avançam
também em direção a outras pessoas, terceiros que podem ser clientes, parceiros
comerciais, fornecedores e também as pessoas de Direito Público, como as
Fazendas Públicas e os entes da Federação.
A complexidade dessas relações pode ensejar a ocorrência de situações
fáticas em que a sociedade empresária, através de sua administração ou mesmo de
outro órgão, deliberadamente ou não, venha a causar danos que podem afetar as
pessoas que interna ou externamente a ela se encontram vinculadas. A figura do
administrador, nesse espectro fático, assume especial relevância, haja vista a
amplitude dos poderes de direção que comumente lhes são confiados.
De grande repercussão social, econômica e jurídica, as Sociedades
Limitadas, malgrado sua existência de menos de um século em todos os sistemas
jurídicos, é reconhecidamente o modelo societário de maior utilização para a
exploração de atividades econômicas empresárias em razão de duas principais
particularidades: a limitação da responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais
reduzindo-lhes este risco, e a ausência de complexidade do seu modelo estrutural.
A elevada e reconhecida importância desse modelo societário, em todos os
segmentos sociais, repercutiu dogmaticamente na formulação de um significativo
número de teorias envolvendo os mais diversificados eixos temáticos nele
concentrados, dentre os quais os que tratam da sua historicidade, sua estrutura
organicista, seu regime jurídico, e, notadamente, das consequências jurídicas
patrimoniais para os sócios e administradores.
Este estudo, cujo foco central era a identificação dos deveres jurídicos e das
situações fáticas permissivas da responsabilização civil do administrador não sócio
das sociedades limitadas, iniciou-se pela pesquisa temática de alguns institutos e
figuras jurídicas conexos ao tema, para em momento ulterior direcionar-se à tratativa
específica do seu objeto central. O resultado conclusivo dessa pesquisa ensejou
diversificadas formulações, que ora passam a ser expostas.
179
Na análise relativa aos aspectos históricos da figura dos sócios e das
Sociedades Limitadas, foi possível concluir que a historicidade daqueles se
confunde com a destas, tendo em vista que a existência dos sócios nesse modelo
societário se materializa exatamente com o seu surgimento. Essa análise permitiu
ainda concluir que o antigo embate doutrinário acerca do regime jurídico
suplementar a assistir as Sociedades Limitadas, ainda que de forma distinta, tende a
persistir, haja vista que a alteração do texto normativo sobre a matéria no C.Civil de
2002, substituindo a antiga regência suplementar que era das normas da LSA pelas
normas regentes das Sociedades Simples, não foi suficiente para eliminar as
dissonâncias teóricas outrora articuladas. Quanto a isto, a posição adotada neste
estudo foi a seguinte: os vocábulos supletividade e subsidiariedade, utilizados
exclusivamente pela doutrina e não pela lei, traduzem o sentido de
complementaridade, não sendo suficientes para, por eles mesmos, definirem a
questão da normatividade suplementar das Sociedades Limitadas. A carência de
normas nos dispositivos legais do C.Civil que regulam as Sociedades Limitadas deve
ser suprida primeiramente, antes que se recorra a qualquer outra disposição, pelas
cláusulas do contrato social, quando, é claro, a matéria for de natureza contratual.
Momento seguinte, persistindo a carência normativa, porque o contrato social
também deixou de tratar a matéria por omissão ou porque dela não poderia tratar,
aplicar-se-á a regência suplementar das normas das Sociedades Simples, ou,
havendo previsão no contrato social, das normas regentes das Sociedades
Anônimas, no que couberem.
Ainda quanto a esta questão, concluiu-se que o debate doutrinário acerca da
regência suplementar das Sociedades Limitadas sempre esteve vinculado à
classificação das sociedades como de pessoas ou de capital, mas que porém este
debate oferece pouca ou nenhuma importância quando se busca conhecer os limites
para a responsabilização do administrador. Ocorre que a regência suplementar de
um ou outro diploma não compromete o padrão de comportamento esperado do
administrador, eis que definido sistematicamente, não importando assim a qual
sistema se filie. Há um padrão comportamental esperado do administrador para que
não responda civilmente. Quando este padrão não é observado e dessa ocorrência
surgir afetação a direito alheio, o dever de reparar se fará presente,
independentemente do sistema de regência suplementar adotado.
180
A pesquisa envolvendo os aspectos e particularidades relativos à figura do
administrador possibilitou a articulação das seguintes conclusões: primeiramente, a
de que o administrador, mesmo não podendo ser responsabilizado pelo insucesso
empresarial da sociedade, atrai para si uma característica ímpar em significância, eis
que pessoa natural incumbida da persecução desse sucesso, cingindo-se da
condição de órgão responsável pelas deliberações de maior importância aos
negócios que a sociedade realiza.
Evidenciou-se, outrossim, que o administrador, assim como a administração,
órgão ao qual se vincula, a despeito de sua condição de pessoa natural, é também
órgão da sociedade empresária, haja vista a identificação indissociável entre as
duas figuras. Isto porque a sociedade operacionaliza a atividade empresária através
da administração que, por sua vez, se materializa no mundo fático através das ações
do administrador que, também por sua vez, torna presente a sociedade nos diversos
negócios e atos jurídicos necessários ou compatíveis a sua atividade. De
conseguinte, inferiu-se que as manifestações da administração e do administrador
se traduzem em manifestações da própria sociedade empresária, que se faz
presente através deste órgão.
Essa realidade jurídica, afasta da figura do administrador a classificação de
mandatário, porém deve-se observar com certa cautela o repúdio doutrinário à sua
condição de representante, haja vista o conteúdo semântico deste vocábulo. Nesse
sentido, o administrador especialmente para as relações externas, sem se desprezar
as internas, deve ser concebido como órgão social.
A análise da relação havida entre a sociedade e o administrador permitiu
concluir inicialmente acerca da existência de uma relação jurídica obrigacional de
origem legal e contratual entre ambos, e que o administrador não sócio será
empregado ou prestador autônomo de serviços, de acordo com a particularidade do
seu vínculo de subordinação à sociedade e aos sócios, sem que isso comprometa a
sua condição de órgão social. Essa realidade jurídica, por sua vez, importa na
assunção de deveres jurídicos para ambas as figuras societárias, alternando-se ora
como credoras, ora como devedoras, entre si e também nas relações com terceiros.
Pesquisando os poderes e deveres jurídicos dos administradores, sócios ou
não, concluiu-se que as suas atribuições funcionais emergem de designação legal e
contratual. Concebem-se inicialmente aos administradores todos os poderes
concernentes e necessários à administração da sociedade, ressalvando-se as
181
limitações constantes no contrato social. Devem, pois, atuar nos estritos limites da
lei e do contrato social, sendo que ausentes tais limitações, que deveriam a princípio
ser impostas pelos sócios através do contrato social ou de ato separado, os poderes
dos administradores serão amplos.
Quanto aos deveres jurídicos dos administradores, concluiu-se que o primeiro
de todos, inaugural, e de maior envergadura, é a estrita observância a todo o
conteúdo do contrato social e da lei regentes da matéria, por se tratarem de
instrumentos viabilizadores da identificação pontual dos fins da sociedade
empresária, assim como dos poderes e limites que lhe afetam. Percebeu-se,
outrossim, que o C.Civil de 2002, reproduziu norma paradigmática da LSA,
identificadora de dever genérico do administrador, qual seja, diligência no
desempenho de suas funções, que somada aos deveres de lealdade e de
obediência, formam um standart comportamental minimamente esperado, capaz de
ladear a incidência de prejuízos à sociedade empresária, aos sócios e a terceiros. A
inobservância a esses deveres gerais chamam o administrador, sócio ou não, à
responsabilização civil pelos danos dela decorrentes.
Concluiu-se, outrossim, não haver distinção entre os deveres jurídicos
concebidos legal e doutrinariamente às figuras do administrador sócio e do
administrador não sócio, haja vista tais deveres serem concebidos a partir de um
padrão genérico concebido através de formulações que antecedem a vigência do
C.Civil de 2002, e até mesmo do Decreto n.º 3.708/1919.
Antecedendo a abordagem específica acerca da responsabilização civil do
administrador não sócio, pretendeu-se uma abordagem didática envolvendo
questões sobre os aspectos terminológicos e semânticos atinentes ao vocábulo
responsabilidade e à locução responsabilidade civil, donde se concluiu: a) que o
verbete responsabilidade comporta a noção genérica de atribuição obrigacional de
cumprimento de dever juridicamente estabelecido. b) que a expressão
responsabilidade civil comporta duas acepções distintas, sendo uma a da de instituto
jurídico regulamentador das situações fáticas em que a alguém pode ser atribuído o
dever jurídico de reparar um dano, ou, ainda, a própria atribuição desse dever
jurídico. Nessa linha de entendimento, concebeu-se para o trabalho o termo
responsabilização como o ato de responsabilizar civilmente alguém pelo
cumprimento do dever jurídico de reparar um dano experimentado por alguém.
182
Após o estudo da teoria geral da responsabilidade civil, e tomando-se em
consideração o princípio da separação patrimonial dos sócios em relação ao
patrimônio societário, assim como o princípio da responsabilidade limitada dos
sócios em relação às dívidas contraídas pela sociedade empresária limitada,
concluiu-se que no âmbito empresarial só se cogita da responsabilização dos sócios
ou administradores por atos lesivos decorrentes da atividade empresarial, quando
agirem com culpa ou dolo, ou seja, quando deflagrada a conduta ilícita como fonte
geradora do dano. De conseguinte, surge a modalidade de responsabilidade civil
subjetiva, que requer o descumprimento de um dever jurídico originário, previamente
estabelecido. Nesse sentido a responsabilização do administrador de sociedades
limitadas empresárias somente poderá se operacionalizar quando preenchidos os
seguintes requisitos: a) o dano efetivo experimentado por pessoa natural ou jurídica;
b) a conduta culposa do administrador, expressa na inobservância de dever jurídico
consignado na lei ou no contrato social; c) o nexo de causalidade, manifesto no
liame entre a conduta culposa do administrador e o dano experimentado.
Foi possível concluir que os atos praticados pelos administradores, com
estrita observância ao contrato social e à lei os exime de qualquer responsabilização
civil, ainda que da atividade empresarial decorram danos em desfavor de terceiros. A
despeito das teorias ultra vires societatis e da desconsideração da personalidade
jurídica, permeadas de inúmeros equívocos como se mostrou no estudo, foi possível
concluir, com apoio da doutrina, que a inobservância pelos administradores dos
deveres gerais e específicos que lhes são atribuídos pelo contrato social ou pela lei,
não afasta a responsabilidade da sociedade ante terceiros de boa-fé pelos prejuízos
decorrentes do excesso ou desvio de poder. A desconsideração da personalidade
jurídica, considerando os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva poderá ou
não repercutir como responsabilização civil do administrador, dependendo de já
haver ou não se concretizado o dano. Pode, ao revés, repercutir na mera imputação
de dever jurídico de cumprimento às obrigações contraídas em nome da sociedade
antes mesmo da ocorrência de evento danoso.
Como regra geral conclusiva, formulou-se que sendo o administrador
cuidadoso e diligente no exercício de suas funções, agindo com cautela, zelo,
aplicação e cuidado ativo, e por assim dizer envidando a atenção necessária e toda
a aplicação profissional na condução dos negócios da sociedade empresária, como
se estivesse na administração do seu próprio negócio, somado a todos estes o dever
183
de se empenhar em não lesar ninguém, certamente se verá livre de consequências
que poderão conduzi-lo à responsabilidade civil.
Já analisando separadamente a questão da responsabilização civil do
administrador ante a sociedade, ante a Fazenda Pública, ante a Previdência Social,
ante os empregados da sociedade e ante os demais terceiros, concluiu-se:
a) Que a responsabilização civil do administrador por atos danosos
experimentados pela sociedade empresária que dirige ou por terceiros, incluindo-se
os sócios, os parceiros comerciais da sociedade e os consumidores, deverá
obedecer sempre aos requisitos elementares da responsabilidade civil subjetiva, a
saber, a culpa, o dano e o nexo de causalidade, bastando-se presentes tais
requisitos para que o administrador, sócio ou não seja chamado a responder.
b) Que na seção do capítulo reservado pelo Código Tributário Nacional para
tratar da responsabilidade tributária, regulando a responsabilidade de terceiros
através de dois artigos, 134 e 135, apenas o último pode ter sua norma aplicada à
figura do administrador de sociedades empresárias, desde que evidenciada e
provada a prática de excesso de poderes, infração de lei, ou violação do contrato
social. No entanto, é de se frisar que a responsabilidade referida na norma remete à
noção de dever jurídico originário, imputado legalmente às pessoas ali referidas.
Para assumir a noção de responsabilização civil reclamam-se os pressupostos
tradicionais da responsabilidade subjetiva: a culpa, o dano, e o liame de causalidade
que os vincula. Concluiu-se, outrossim, sobre este tema, que a responsabilidade
pretendida pela norma do art.135 do CTN não se coaduna com o instituto da
desconsideração da personalidade jurídica, contrariando alguns entendimentos
doutrinários.
b) Que a responsabilização civil dos administradores de sociedades limitadas,
sócios ou não, por débitos de natureza previdenciária, reclamará sempre a conduta
culposa ou dolosa do dirigente, somada à inadimplência, tratando-se praticamente
dos mesmos requisitos para a responsabilização por débitos tributários, conforme
norma legal que trata especificamente do assunto.
c) Que as normas de Direito do Trabalho não fazem previsão de situação
fática em que a responsabilização do administrador pode se operar, de tal forma que
a matéria tem sido regulada pelas construções doutrinárias e jurisprudenciais,
distorcendo sobremodo o aspecto finalístico da desconsideração da personalidade
jurídica, eis que, no mais das vezes, a teoria tem sido invocada sem reclamar
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qualquer ato ilícito do administrador, bastando a inadimplência e a inexistência de
patrimônio para garantir a execução.
Em conclusões finais, percebeu-se que a responsabilização civil do
administrador não sócio das Sociedades Limitadas empresárias estará sempre
condicionada ao atendimento dos princípios gerais que disciplinam a
responsabilidade civil subjetiva. A conduta ilícita desse administrador será
representada pela inobservância do dever geral de atentar aos comandos da lei e do
contrato social, agindo com excesso ou desvio de poderes, desde que de tais atos
resultem danos material ou moralmente concebíveis juridicamente. Em tempo algum
poderá ser responsabilizado civilmente pela aplicação da teoria do risco ou seja,
através da modalidade de responsabilidade objetiva, devendo sempre ser apurada e
cabalmente provada a sua conduta ilícita.
Este trabalho é resultado de uma pesquisa talvez modesta e certamente
limitada, mas suficiente no sentido de pretender oferecer ao seu pesquisador e à
sociedade acadêmica nuanças essenciais acerca dos característicos essenciais do
tema proposto, pelo que se conclui ter alcançado o seu objetivo.
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