número 35número 35 distribuição gratuita jjan-mar 2004 · não sei bem o que dizer aos leitores...

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Jan-Mat 2004 Jan-Mar 2004 Número 35 Número 35 J J CIÊNCIA CIÊNCIA ASSOCIAÇÃO JUVENIL DE CIÊNCIA ASSOCIAÇÃO JUVENIL DE CIÊNCIA Distribuição Gratuita Distribuição Gratuita

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Jan-Mat 2004Jan-Mar 2004Número 35Número 35

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Distribuição GratuitaDistribuição Gratuita

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Cá está, afinal, a CiênciaJ Nº35!

Não sei bem o que dizer aos leitores desta publicação que se vêm surpreendidos por aparecer agora um novo director de quem nunca ouviram falar.

Pois é, sou sócio da AJC há quatro anos e fui durante algum tempo colaborador desta revista enviando fotografias e ilustrações alusivas aos artigos que iam sendo publicados. Desde que, há dois anos, deixei a revista tenho vindo sempre a adiar o meu regresso. Contudo, após ter tido conhecimento de que o Duarte Valério ia deixar a Ciencia J prontifiquei-me, de imediato, para a salvar. Por isso, aqui estou eu pronto para cumprir com aquilo que disse aos colaboradores: «No que depender de mim A CIÊNCIAJ NÃO VAI FICAR DE MOLHO!». É isso que vou tentar fazer e prometo dar o meu melhor para que, trimestralmente, possam ter em mãos esta revista. Sim, sei que não vai ser nada fácil! Mas conto convosco, leitores atentos da CJ, com as vossas críticas, opiniões e sugestões.

Não posso deixar de lembrar que, na minha opinião de leitor, o Duarte foi, ao longo destes três anos, fundamental para a exucução deste projecto e a sua disponibilidade, organização e preocupação com a revista foram inigualáveis.

Resta-me dizer-vos que admiro imenso todos aqueles que se interessam por ciência e quero deixar bem claro que num país com tão pouca cultura científica a existência de uma associação como esta e de pessoas assim deixa-me profundamente feliz. Está nas nossas mãos, jovens de Portugal, mudar o estado da ciência nesta Terrinha Lusa, porque é a Ciência que comanda a evolução dum estado e são os sonhos que lhe dão vida. Como dizia António Gedeão (homem profundamente ligado ao ensino e divulgação da Ciência): «....sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos duma criança...». Vamos então sonhar com um Portugal diferente!

Capa .............................................................................................1 Fotografia de Matusalem Marques.

AJC não pára ................................................................................3 Paga as quotas! Além disso tens artigos sobre o EJC do ano passado, sobre a Reunião Anual, e artigos dos Núcleos Regionais de Lisboa e de Braga.

Ciência na Net ..............................................................................6 Telégrafos com e sem fios.

Astronomia da FCUL .....................................................................8 Planetas Extra-solares. (Forçados pelo Filipe Lisboa alguns alunos da FCUL passarão a escrever artigos de Astronomia na CiênciaJ.)

Encantos Matemáticos ................................................................10

π. Descobre o encanto deste número!

Avulso ........................................................................................12 Uma invenção que mudou o mundo: A síntese do Amoníaco.

Avulso ........................................................................................15 Uma boa razão para lavares as mãos depois de fazeres festas a um cão.

Contra-capa ................................................................................16 Fotografia de Matusalem Marques.

Editorial por Filipe Lisboa

Índice deste número

Ficha Técnica Edição / Propriedade Associação Juvenil de Ciência

Director Filipe Lisboa

Colaboraram neste número, entre outros... Ana Pina, Duarte Valério, Filipe Lisboa, João Bento, João Nunes, Matusalem Marques, Mónica Martins, Rita Ramos, Núcleos Regionais de Braga e Lisboa da AJC, Comissão Organizadora do XXI Encontro Juvenil de Ciência, Comissão Organizadora da XVI Reunião Anual da AJC

Edição Internet http://www.ajc.pt/cienciaj/

Redacção e Produção CiênciaJ Associação Juvenil de Ciência R. Tomás Ribeiro 40 R/C Esq. 1050 - 230 LISBOA Tel.: 213 520 370 e-mail: [email protected]

Periodicidade Trimestral

Tiragem 3000 exemplares

Impressão Editorial do Ministério da Educação Estrada de Mem Martins, 4 2726- 901 MEM MARTINS

Depósito Legal n.º 119965 / 98

Associação Juvenil de Ciência — Contactos de Norte a Sul Sede — Contactos do Núcleo Regional de Lisboa — [email protected]

Núcleo Regional de Braga Núcleo Regional do Porto Núcleo Regional de Coimbra Núcleo Regional de Lisboa Rua dos Chãos 70, 2º andar, sala 4 R. Alexandre Herculano 203 - 1º E. C. Universidade (Coimbra) R. Tomás Ribeiro 40 R/C Esq. 4710-230 BRAGA 4000-054 PORTO Apartado 3007 1050-230 LISBOA Tel. e Fax 253 615 238 Tel. 222 086 236 3001-401 COIMBRA Tel. 213 520 370 Telem. 966 657 296 Fax 222 086 205 [email protected] [email protected] [email protected] [email protected]

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XXI Encontro Juvenil de Ciência

A Invicta estremeceu com a chegada de cerca de 50 jovens que apostam na c iência. Este acontecimento iniciou-se no dia 3 de Setembro, prolongando-se até ao dia 12, e várias foram as consequências para esta cidade à beira Douro.

Estamos, pois claro, a falar do XXI Encontro Juvenil de Ciência.

Desde as habituais palestras e apresentações de trabalhos, passando pelos grupos de trabalho e visitas a centros de investigação, meia centena de alunos do ensino secundár io e univers i tár io (portugueses, espanhóis e são- -tomenses) encantaram as cidades do Porto e Vila Nova de Gaia.

Mas não se ficaram por aí. Visitaram também as famosas Caves do Vinho do Porto, o Museu e a Casa de Serralves, o Visionarium e o Parque Biológico de Gaia.

Fica aqui o convite para que não

AJC não pára pelo Núcleo Regional de Lisboa e pela Comissão Organizadora do XXI Encontro Juvenil de Ciência

Foto de grupo do Encontro Juvenil de Ciência

Já pagaste as quotas de 2004?

As quotas de 2004 já estão a pagamento! A Assembleia Geral dos sócios da AJC fixou o valor das quotas para este ano em 5 € (cinco euros). Como vês não é nada que não se possa suportar! Pensa que imprimir, ensacar e enviar esta revista custou, o ano passado, por cada sócio, mais de seis euros... Portanto, ao receberes a revista, lembra-te que, mesmo com as quotas pagas, a Associação ainda está a fazer um esforço financeiro nesse sentido.

Os Estatutos dizem que é um dever dos sócios «pagar pontualmente uma quota anual» (artigo 9º, alínea a). Não deixes de cumprir o teu dever! Assim, se és sócio da AJC e tens mais de dezoito anos, envia já os teus 5 € para um dos núcleos regionais da AJC. Tens as moradas na página 2 desta revista. (Também podes ir pessoalmente ao núcleo pagar... mas nesse caso o melhor é telefonares primeiro a ver quando é que lá está alguém.) O recibo ser-te-á enviado pelo correio.

Dos Estatutos:

Artigo 6º — Admissão, Exclusão e Suspensão (...) Dois. Os sócios são suspensos automaticamente quando não cumprirem com o pagamento das quotas. A suspensão é levantada após a regularização da falta. Por suspensão entende-se a perda do direito de voto nas reuniões da Assembleia Geral, do direito de requerer a convocação extraordinária da Assembleia Geral, do direito de eleger e ser eleito para os órgãos da AJC e do direito de propor a constituição de um Núcleo Regional da AJC, mantendo-se todos os outros direitos e deveres. Três. Os sócios podem ser excluídos se a falta de pagamento das quotas se mantiver, por actos que atentem contra os fins e o bom nome da Associação e por actos que perturbem o seu regular funcionamento.

Artigo 9º — Deveres Constituem deveres dos sócios: a) Pagar pontualmente uma quota anual; (...)

Artigo 15º — Competências A Assembleia Geral tem competência genérica, cabendo-lhe nomeadamente: (...) b) Aprovar o Plano Geral de Actividades e o Orçamento Geral anuais [incluindo o valor das quotas]; (...)

Artigo 21º — Competências Cabem à Direcção os seguintes poderes e funções: (...) d) Propor à Assembleia Geral o montante das quotas;

Do Regulamento Interno:

Artigo 18º — Quotas Um. Os sócios maiores de 18 anos devem pagar uma quota anual de valor fixo até ao dia 1 de Janeiro do ano civil a que a quota se refere. Dois. Os sócios menores de 18 anos estão isentos do pagamento de quota até ao fim do ano civil anterior àquele em que os completem. Três. A quota deve ser paga na Secretaria da Direcção ou numa Direcção de Núcleo Regional.

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condutora deste projecto. Neste contexto, o Núcleo de Braga continuará a subscrever algumas das mais conceituadas revistas de divulgação científica. Para além disso, pretendemos adquirir alguns livros de carácter científico, indispensáveis em qualquer secção de Ciência de uma Biblioteca.

Outro dos objectivos é ampliar o mini-centro de recursos disponível na nossa sede, adquirindo algum material multimédia. Estas propostas visam conferir maior autonomia ao núcleo e atrair mais jovens ao mesmo.

6. Realização de projectos:

Projecto 1

Designação do projecto — Ciência Itinerante

Destinatários — Escola / Exposições / Apresentações / Eventos

Organização — Núcleo Regional de Braga

Calendário — 2004/01/01 a 2004/12/31

Descrição — Este projecto consiste na criação de um espaço destinado à divulgação científica, em particular da AJC, nos mais diversos eventos. Este projecto engloba também a criação de um espaço interactivo, com diversas actividades, experiências e exposições.

Projecto 2

Designação do projecto — Núlceo de Braga na Escola

Destinatários — Escolas Básicas e Secundárias

Responsáveis — Núcleo Regional de Braga

Organização — 2004/02/15 a 2004/06/31

Descrição — O Objectivo principal desta actividade é a realização de actividades em escolas da região, preferencialmente com turmas em que os alunos se inserem na faixa etária dos 15-18 anos. Como aconteceu em 2003 e também em 2002, pretendemos também este ano realizar esta actividade contando também com a participação dos grupos da AJC.

Projecto 3

Designação do projecto — Origens

Destinatários — Todos os jovens, em especial os sócios da AJC.

Organização — Núcleo Regional de Braga e Grupo de Imagem e Fotografia

Calendário — 2004/01/01 a 2004/12/31

Descrição — A Associação Juvenil de Ciência comemorou este ano 16 anos de existência. Pensamos assim que se torna necessário compilar alguns dos mais importantes documentos desta Associação (nos mais diversos suportes), evitando assim que uma parte importante da vida da AJC se perca. Este ano será executada uma primeira fase do projecto.

Projecto 4

Designação do projecto — Fim de Semana Científico

Destinatários — Todos os jovens dos 16-23 anos

Responsáveis — Núcleo Regional de Braga

Organização — 2004/02/01 a 2004/05/01 e 2004/10/01 a 2004/12/01

Descrição — Este projecto vem dar continuidade ao «Fim de Semana Científico» realizado com sucesso no ano de 2003. Pretendemos assim, aproveitar os dias de semana nos quais os estudantes têm uma carga horária menor para realizar pequenas actividades com a duração de dois dias no máximo. Esperamos que a regularidade das actividades origine o hábito de

percam outra oportunidade. Apareçam no próximo Encontro Juvenil de Ciência.

Núcleo Regional de Lisboa

Admitem-se voluntários para experiências Nucleares!

Se queres experimentar este fantástico e revolucionário meio de nutrir algo mais que o teu corpo durante a refeição, não vais certamente perder os jantares científicos que o núcleo de Lisboa vai continuar a organizar!

No seguimento dos últimos jantares científicos com o Professor Manuel Baptista, e com o Professor Jorge Buescu, vamos em breve realizar mais dois, que prometem alimentar a tua fome de saber!

Mantém-te informado em www.ajc.pt/forum ou pede já informações para o [email protected], ou 213520370.

Não te esqueças também que a mediateca do núcleo e as suas instalações estão disponíveis para as utilizares... aparece que nós estamos à tua espera!

Os desejos de muita Ciência!!!

Núcleo Regional de Braga

Caros Leitores (sócios / não sócios / outros):

Com a chegada do ano 2004, o Núcleo de Braga concluiu com sucesso o seu terceiro ano de Funcionamento!

Como todos sabem actividades não faltaram e os dois últimos meses de 2003 foram então escolhidos fazer um balanço de tudo o que aconteceu até aqui e estabelecer novas directrizes para o futuro (... ah, também estivemos presentes na celebração do dia Mundial da Ciência, como não podia deixar de ser).

E como devem estar curiosos para saber as novidades aqui fica o plano de actividades proposto para o ano 2004, que contempla os seguintes pontos:

1. Promover a imagem da Associação, tendo em vista o alargamento da respectiva área de implantação e a obtenção de apoios institucionais:

● Actualizar o web-site;

● Actualizar o folheto de apresentação do Núcleo de Braga;

● Actualizar a lista de sócios, de forma a optimizar a divulgação de eventos.

2. Seminários, Palestras, Conferências e Exposições: a realização destas actividades será feita sempre que o nosso núcleo seja solicitado e eventualmente iremos promover algumas palestras informais de temas actuais e interessantes para os jovens.

3. Protocolos: sempre que possível a Direcção do Núcleo Regional de Braga tentará celebrar convénios com entidades associativas ou instituições oficiais com interesses comuns.

4. Actividade editorial (publicações):

● Remodelar a edição do panfleto de apresentação e divulgação do Núcleo de Braga;

● Participar em todos os números da revista CiênciaJ com um artigo referente ao núcleo e tentar incentivar os sócios do núcleo a colaborar com a revista.

5. Mediateca — mini-centro de recursos:

● Como vem sendo hábito, a mediateca é um dos espaços ao qual a direcção esta mais atenta. A criação de uma mediateca de qualidade, em detrimento da quantidade tem sido a linha

Na página... ...onde se lê... ...há um erro porque...

16, linha 3 «tentava» se devia ler «tentativa».

31, linha 3 do hino «Ut queant laxis» «as maravilhas das tuas acções» se devia ler «as maravilhas das [tuas] acções». O pronome possessivo não surge no texto latino, embora

esteja subentendido que as acções em questão sejam as de S. João Baptista.

Errata do número 33-34 da CiênciaJ

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nosso Sócio Honorário Prof. Doutor António Manuel Baptista e com o nosso «anfitrião» Prof. Doutor João de Lemos Pinto), do espectacular passeio de «buga» por Aveiro... e, claro, do convívio!!!! Só para os mais distraídos e para todos aqueles que não participaram poderem ver o que realmente perderam aqui fica o programa completo:

Também para que f ique registado, é importante que todos saibam quais os órgãos eleitos durante a Assembleia, cujos membros estão discriminados na tabela acima.

Como podem «ler», foi um fim-de-semana MUITO bem passado! Só nos resta agradecer mais uma vez aos nossos colaboradores em Aveiro (Prof. Arquimedes, Rita Mo ta, And ré L i ndo ) , ao departamento de Física da Universidade de Aveiro (em especial do Prof. Doutor Lemos Pinto), a CMJ-Aveiro e a todos aqueles tornaram possível e contribuiram para o Sucesso da «RIAcção 2003»!

A Organização: António «Pardal» Correia

e Gustavo Paiva

frequentar as instalações do núcleo. Nesta actividade e mais uma vez a articulação com os diversos grupos da Associação é fundamental.

Projecto 5

Designação do projecto — Mini-cursos

Destinatários — Jovens do Ensino Secundário e Superior

Organização — Núcleo Regional de Braga e Grupos da AJC

Calendário — 2004/01/01 a 2004/12/31

Descrição — A realização de actividades entre os vários grupos da associação com o núcleo de Braga tem sido uma constante desde a sua criação. Neste contexto a elaboração de um projecto destinado exclusivamente à realização de mini-cursos é fundamental. Com uma duração de uma ou duas sessões estes mini-cursos pretendem ser uma iniciação numa determinada área científica, e onde podemos encontrar, para além de uma exposição teórica, uma dimensão prática.

Mas para que tudo corra ainda melhor que em 2003, precisamos da tua ajuda! Participa, colabora, propõe projectos, envia sugestões... aquilo que te apetecer, mas FAZ!! (Os nossos contactos estão na página 2.)

Saudações AJCianas.

RIAcção

A XVII Reunião Anual da Associação Juvenil de

Ciência

Provando o seu dinamismo, a Associação Juvenil de Ciência escolheu a Cidade de Aveiro para a realização de uma das actividades de maior importância desta associação: «RIAcção — a XVII Reunião Anual da AJC». O evento destinado a todos os jovens portugueses, sócios e não-sócios da AJC, teve lugar na Cidade da Ria — Anfiteatro do Departamento de Física da Universidade de Aveiro — de 28 de Novembro a 1 de Dezembro de 2003.

O tempo que se fez sentir durante o fim de semana não foi o ideal, mas o «ambiente» entre todos os participantes esteve sempre óptimo. Este ano, a organização idealizou uma reunião anual diferente, com um programa científico mais consistente que o habitual. Muitas foram as actividades dentro do próprio encontro, mas é inevitável falar da «tradicional» Assembleia Geral, da Tertúlia (com o

« R I A c ç ã o » Científica aconteceu em Aveiro!!!

Hora Sexta Sábado Domingo Segunda

8h00

Pequeno Almoço Pequeno Almoço Pequeno Almoço

9h00

Assembleia Geral 10h00

Eleições Despedida

11h00

12h00

13h00 Almoço Almoço

14h00

Assembleia Geral

Passeio «buga»

15h00

16h00

17h00

Recepção 18h00 Sessão Especial

19h00

20h00 Jantar Jantar Jantar

21h00

42 Tertúlia Laboratório aberto 22h00

23h00

24h00 Convívio Convívio Convívio

Mesa da Assembleia

Geral: Joana Revez Pedro Rodrigues Sílvia Mesquita

Conselho Fiscal: Joana Revez Pedro Rodrigues Sílvia Mesquita

Conselho Consultivo: Ana Rita Pires Joana Revez Pedro Rodrigues Rui Baptista Sílvia Mesquita

Direcção: António Correia Edson Oliveira Luís Diogo Renato Alves Ricardo Monteiro

Direcção do Núcleo

Regional de Lisboa: João Alves João Cortes Luís Diogo

Direcção do Núcleo

Regional de Braga: Gustavo Paiva Paula Barbosa Luís Caldas

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Telégrafos com e sem fios

Depois de uma interrupção de mais de três anos, podes voltar a ler artigos desta secção, que foi publicada outrora, entre os números 2 e 15 da CiênciaJ. Os conteúdos continuam a ser mais ou menos os mesmos: assuntos interessantes (espero eu), relacionados com Ciência, acerca dos quais se encontram informações na Internet — tudo acompanhado, claro, dos endereços respectivos.

(Talvez seja uma boa altura para lembrar que todos os números antigos da CiênciaJ estão on-line na página da Associação Juvenil de Ciência, em

http://www.ajc.pt/cienciaj

Para leres os artigos antigos desta secção, vai ao índice de secções.)

A página do Prof. James Calvert

O Prof. James Calvert, da Universidade de Denver (no Colorado, nos EUA), tem um repositório enorme de informação

potencialmente útil (ou pelo menos interessante). A maioria dos artigos que ele aloja são científicos (há excepções, como uma bela colecção de quase meia centena de receitas culinárias!). Conto voltar a falar da página dele em artigos de outros números1. O endereço da página é

http://www.du.edu/~jcalvert/

Mas por hoje fico-me por um dos primeiros assuntos que lá vêm tratados: o telégrafo. (É logo a primeira ligação no canto superior esquerdo.)

O telégrafo... sem fios

Talvez penses que foi algo que surgiu só com a electricidade. Mas tudo depende daquilo a que se chama telégrafo. Etimologicamente, um telégrafo é um aparelho para transmitir mensagens escritas à distância. Entre as primeiras geringonças que se fizeram para esse fim contam-se umas maquinetas que se construíam no cimo dos montes, e que tinham umas tábuas no cimo dum mastro que subiam e desciam por meio dumas alavancas. Uma letra correspondia a uma certa configuração

Ciência na Net por Duarte Valério

das tábuas (e portanto das alavancas). Era preciso que houvesse várias geringonças dessas, a uma distância não muito grande umas das outras (aí uns 30 km, no muito), e que em cada uma dessas houvesse sempre um fulano de atalaia

(que visse bem ao longe, ou, melhor, tivesse um par de binóculos!). O primeiro dispunha as tábuas nas configurações que correspondiam às sucessivas letras da mensagem, o segundo repetia o que primeiro fazia, o terceiro repetia o que o segundo fazia, o quarto repetia o terceiro, e por assim adiante.

Estás a ver que isto trazia imensos problemas. Nos dias de nevoeiro o sistema não funcionava lá muito bem. E bastava um gajo enganar-se a meio que lá ficava a mensagem enganada. Como havia dezenas de tipos a transmitir uma mensagem entre o ponto de partida e o ponto de chegada (cá em Portugal houve um sistema desses no princípio do século XIX, e entre o Porto e Lisboa tinha mesmo de haver bem mais de uma dúzia de postos — agora imagina o que era em países como a França, que ainda são

maiores que Portugal), a probabilidade de pelo menos um se enganar não era pequena.

Na página

http://www.telemuseum.se/historia/optel/otsymp/Home.html

tens vários artigos sobre a implementação destes sistemas em vários países da Europa (embora não, infelizmente, em Portugal; para isso podes sempre consultar a «Nova História de Portugal», editada pela Presença em 13 calhamaços; no volume 9 há um mapazinho da rede de telégrafos ópticos). Houve vários sistemas: na figura ao lado podes ver um deles, e na página do Prof. Calvert até há uma animaçãozinha.

E agora com fios...

A electricidade forneceu um sistema mais eficiente (e imune às condições meteorológicas). É verdade que era preciso anda a estender fios eléctricos por todo o lado, mas construir maquinetas com tábuas no cimo dos montes também não era barato, e assim ao menos bastavam dois fulanos, um no princípio e outro no fim. A electricidade não precisava de mais tipos no meio a retransmitir a mensagem.

Houve ideias para tudo. Uns queriam colocar dezenas de fios entre o emissor e o receptor, e depois usar cada fio para uma só letra. Mas como usar um só fio é mais fácil, também houve quem se lembrasse de usar uma corrente eléctrica cujo sentido se podia trocar. O receptor seria um galvanómetro, que é um aparelho com um ponteiro que dá um salto quando é atravessado por uma corrente. Trocando o sentido da corrente, o ponteiro ora salta para

1 Já me referi a esta página no artigo "O som", da secção "Prelúdio", publicado no número 32. Os fundamentos científicos da Música são um dos muitos interesses do Prof. Calvert.

Um dos vários sistemas de telégrafo óptico que houve

Esquema de um galvanómetro caseiro; em http://www.eas.asu.edu/~holbert/wise/galvanometer.htm

tens instruções sobre como construir um com material simples

Talvez penses que o telégrafo foi algo que surgiu só com a electricidade. Mas tudo depende daquilo a que se chama telégrafo.

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a esquerda, ora para a direita. Depois era arranjar um código, em que cada letra correspondia a uma sucessão diferente de saltos para um lado e para o outro.

O sistema que acabou por vingar também usa um só condutor, mas em vez de recorrer a duas direcções de um ponteiro, usa

sinais breves e s i n a i s longos. O código mais conhecido é o código Morse; os sinais breves e longos são c o n h e c i d o s por pontos e t r a ç o s . T a m b é m houve quem se lembrasse de usar sinais b r e v e s , médios e longos, ou ainda outros e s q u e m a s m a i s

complicados. Isso permitiria diminuir o número de sinais necessários para cada letra ou número, porque o número de combinações aumentaria, mas era uma confusão tão grande que cedo se viu que era melhor ter mesmo só dois tipos de sinais. Estes podiam ser escritos numa tira de papel com uma haste que subia e descia, ou simplesmente ser amplificados por uma campainha e interpretados pelo receptor a partir do som (a princípio havia quem desconfiasse deste método, mas à medida que os operadores ganhavam prática provou-se que era muito mais rápido ouvir em vez de olhar para a tira do papel).

E a partir daí...

O telégrafo eléctrico foi um grande catalisador da engenharia. Foi preciso arranjar boas baterias para fornecer

electricidade, descobrir materiais para isolar os fios que transmitiam electricidade, desenvolver aparelhos de medição, etc.. O pior era mesmo o comprimento do fio: vários quilómetros de um cabo condutor têm uma resistência eléctrica desgraçada, pelo que foi preciso arranjar uns aparelhómetros para fortalecer o sinal eléctrico de vez em quando, para distâncias a partir de umas centenas de quilómetros.

O telégrafo também facilitou muitíssimo o desenvolvimento dos caminhos de ferro, permitiu a transmissão instantânea de notícias a grandes distâncias (que dantes demoravam tempos infindos)... Foi um dos instrumentos que mais ajudou a mudar o mundo que havia antes.

Tudo isto, com grande cópia de pormenores históricos e técnicos, está descrito na página do Prof. Calvert. Outra página muito interessante é a do Prof. Thomas Perera, da Universidade Estatal de Montclair (na Nova Jérsia, nos EUA):

http://www.chss.montclair.edu/~pererat/telegrap.htm

Lá tens imensas ilustrações (imensas, mesmo) sobre o assunto.

Hoje em dia, como temos telemóveis, televisão por cabo, e essas porcarias todas, nem imaginamos como o telégrafo revolucionou o mundo. E contudo foi das invenções mais notáveis do seu tempo.

Os índios americanos não gostavam lá muito do telégrafo, e de vez em quando entretinham-se a queimar os postes, o que dava

cabo da qualidade de serviço

Um dos tais aparelhos que fazia barulhinhos para se decifrar o código de ouvido

Modelo de telégrafo fabricado no laboratório de Thomas Edison

Página de um manual de um telégrafo

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Planetas Extra-solares

Desde sempre que a Humanidade especula e sonha com um possível encontro com seres de outros planetas. Os «extraterrestres» presentes em inúmeros livros e filmes mostram que o desejo destes «Encontros Imediatos de 3º Grau» sempre fez voar a imaginação dos autores de tais livros e películas. Porém, é bem evidente que a busca de tais civilizações passa pela procura de planetas onde possam habitar. E é exactamente nessa fase que nos encontramos hoje em dia, embora estejamos ainda numa etapa muito jovem dessa procura…

É natural que já desde a antiga Gréc i a se pensasse na possibilidade da existência de outros planetas em torno de outras estrelas, mas a mais antiga prova de uma tal afirmação data de 1600, aquando da morte de Giordano Bruno. Este pregava a possível existência de outros planetas a orbitar em torno de estrelas, cada qual com a sua versão de Jesus! Monge herege e defensor da ciência, foi condenado à execução na fogueira pela inquisição.

Métodos de detecção de planetas extra-solares...

Mas passaram-se mais de 350 anos para que as primeiras p r o v a s d a existência de planetas para além do nosso Sistema Solar chegassem de facto. Os métodos u t i l i z a d o s actualmente para a detecção destes p l a n e t a s p r e n d e m - s e essencialmente com um factor: a de t e c ç ão de p e r t u r b a ç õ e s provocadas por estes na estrela mãe. Sabe-se que u m p l a n e t a provoca variações

periódicas na velocidade de rotação da estrela em torno de si própria. Quando o planeta se encontra no ponto mais próximo da estrela (periélio), a sua velocidade de translação é maior e, consequentemente, a velocidade de rotação da estrela também é maior. Se o planeta tiver massa suficiente e estiver suficientemente próximo da estrela, estas variações podem ser detectadas. Este é o método mais utilizado actualmente, pois é

Avulso por João Bento

não só o mais simples de utilizar, mas é também aplicável praticamente a todas as situações.

Por outro lado, a influência que o planeta exerce sobre a estrela pode ser tal, que se detectam variações da posição relativa da estrela em relação a todas as outras estrelas «de fundo». Se se notar que a estrela em questão se desloca

periodicamente no céu, tanto em translação c o m o e m distância, pode- -se concluir que existe algo a provocar esse movimento. O movimento de translação é detectado por paralaxe, o que limita muito o â m b i t o d e estrelas às quais este método p o d e s e r aplicado, já que estas variações

de posição deixam de ser detectáveis a grandes distâncias. A variação da distância à Terra é determinada utilizando o efeito de Doppler para a luz (desvio p a r a o vermelho). Se esta estrela não pertencer a um sistema binário de estrelas, existe, portanto, um planeta a orbitar em seu torno.

Existe ainda um terceiro método, m a s q u e , embora seja mais intuitivo, se limita apenas a casos muito r a r o s e necessita de u m a c o m -b i na ç ão de co i n c i dênc i as oportunas. É um m é t o d o semelhante a um trânsi to planetário. Se o plano da orbita d o p l an e t a estiver alinhado com a direcção da Terra, a i n t e n s i d a d e luminosa da

Desde sempre que a Humanidade especula e sonha com um possível encontro com seres de outros planetas.

Imagem artística de um pla-neta Extra-solar

A varição da posição da estrela pode dizer- -nos se ela se faz acompanhar de um

planeta

Efeito de Doppler: à medida que a estrela se afasta a sua cor aproxi-

ma-se do vermelho

Tal como todos os gigantes gasosos do siste-ma solar outros planetas gigantes poderão

ter anéis.

O planeta que orbita em torno da estrela 70-Virgem está suficientemente próximo desta

que uma das suas luas possa ter água líquida.

Como será ver o pôr, não do Sol, mas da es-trela Upsilon-Andromedae?

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estrela diminui l i g e i r a m e n t e q u a n d o o planeta «passa em f r en te» desta. Se estas diminuições de i n t e n s i d a d e luminosa forem p e r i ó d i c a s , então existe algo opaco que orbita a estrela, l o g o , u m planeta.

Através de todos estes métodos já f o r a m d e t e c t a d a s dezenas de planetas. E, como é bastante frequente a divulgação de n o v a s d e s c o b e r t a s , t o r n a - s e i m p o s s í v e l afirmar com exactidão qual é o número de planetas extra s o l a r e s descobertos até hoje, até porque grande parte das descobertas ainda não estão confirmadas cientificamente. Porém, hoje em dia é possível

afirmar que, e n t r e o s p l a n e t a s confirmados e o s q u e carecem desta m e s m a confirmação, existem já mais de 135 já detectados. E o número t e n d e a crescer.

Mas mais um

pouco de

história...

o primeiro planeta a ser d e s c o b e r t o data de 1991,

quando foi detectada a variação de pulsação de um pulsar (o B1257+12). Ora, esta pulsação está associada à sua rotação, o que leva imediatamente à conclusão de que algo orbitava em seu redor. Todos os indícios levaram à conclusão de que se tratava de um planeta, embora esta conclusão não tenha sido aceite prontamente, devido ao já conhecido violento processo de formação de um pulsar. A partir desse dia, o número não parou de crescer. Entre outros, descobriu-se um planeta numa estrela bem próxima de nós, a Lalande 21185, a qual é a quarta estrela mais próxima de nós. Porém, todos os planetas descobertos são planetas gasosos e todos semelhantes a Júpiter. Ainda não é possível detectar planetas do tipo terrestre, visto que estes não têm massa suficiente para que possam provocar perturbações detectáveis na respectiva estrela. Por outro lado, após a detecção de alguns elementos curiosos, tais como planetas com mais de quatro vezes a massa de Júpiter mas a distâncias médias da estrela inferiores à da orbita de mercúrio, toda a teoria da formação do Sistema Solar foi abalada. Foi necessário repensar vários aspectos e tirar novas conclusões.

Mas não pensem que esta investigação é só feita por investigadores estrangeiros.

O português Nuno Santos, investigador no Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa e no Observatório Astronómico de Lisboa, descobriu, em colaboração com o Observatório de Genebra, um largo conjunto de planetas e vários possíveis candidatos. Isto mostra

que também é p o s s í v e l a p o r t u g u e s e s trabalharem na vanguarda da c i ê n c i a , b a s t a n d o apenas que se d e d i q u e m arduamente ao seu propósito. Este mesmo i n v e s t i g a d o r continua, ainda hoje (e espera-se que o faça por muitos e largos anos em d i a n t e ) , a

exercer a sua profissão utilizando os melhores telescópios do mundo para o fazer.

Este tema é, portanto, uns dos temas mais actuais na Astronomia de hoje em dia. É um assunto em voga, que certamente não deixará de nos surpreender nos próximos anos, e que deixará as portas abertas para a exploração mais profunda do Universo.

As imagens apresentadas foram retiradas do site:

http://www.dotphoto.com/GuestViewAlbum.asp?AID=207098

Descoberto pela variação de posição da respectiva estrela este planeta é o único com massa semelhante à da Terra. À parte deste

dado nada mais sabemos sobre ele.

Dado que se prevê que os planetas gasosos sejam mais abundantes é mais provável encon-

trarmos um planeta parecido com a terra na órbita de um desses gigantes gasosos. Como

exemplo note-se que os satélites de Júpiter são rochosos.

Talvez seja possível ao homem vir a habitar num planeta assim.

Outros planetas poderão ter a mesma percepção da Via Láctea desde que também estejam na nossa galáxia. Caso contrário, poderão ver como ela é vista de fora, algo que nos é impossível.

Observatório Astronómico de Lisboa, na Tapada da Ajuda

Um bonito sistema «solar», por enquanto, longínquo e inacessível.

10

Os números têm exercido o seu fascínio desde o inicio da civilização. E hoje, tal como sempre, vivemos num mundo rodeado por eles. Porém, há números que, pelas suas particularidades especiais, se tornam mais distintos que os restantes. π, é sem dúvida, um deles.

Como se sabe, π, o m a i s famoso e notável de todos os números da h i s t ó r i a un i versal , representa o quociente do perímetro de uma circunferência pelo seu diâmetro. Com uma existência de cerca de 4000 anos, este curioso número tem vindo a perder muito do seu mistério mas pouco do seu encanto: vamos perceber porquê...

Os primeiros vestígios...

As estimativas de π mais antigas que se conhecem remontam ao Médio Oriente (ao Antigo Egipto e à Babilónia). Podemos encontrá-lo no Antigo Testamento (1 Reis 7, 23), evidenciando π com valor igual a 3. Na Babilónia (cerca de 2000 a.C.) supôs-se que o mesmo seria

ao passo que os egípcios, para calcular a área de um círculo, utilizavam a regra «dividir o diâmetro em nove partes, tirar uma dessas partes e quadrar», ou seja:

Como

Ou seja,

É este valor que encontramos no papiro de Rhind (1500 a.C.).

Foi, no entanto, com os Gregos que π ganhou um significado mais profundo, sendo que um dos «três problemas famosos da antiguidade» era encontrar uma forma de «quadrar o círculo».

Encantos Matemáticos por Mónica Martins

Arquimedes (287-212 a.C.) propôs-se descobrir um processo para a determinação de π, utilizando um método que, por meio do cálculo das áreas de polígonos regulares, com um número crescente de lados, até chegar ao de 96 lados, obteve como

aproximação os valores entre 3,1410 e 3,1428, sendo este último (igual a 22/7) conhecido como a melhor aproximação de π utilizando o quociente de 2 inteiros menores que 100.

O Pi do Renascimento...

Com a época do Renascimento nasce um novo mundo matemático, bem como a necessidade de se encontrar uma fórmula para π. Foi nesta brilhante época que os matemáticos chegaram à descoberta das

representações de π por séries infinitas.

François Viète (1540-1603), através do método dos limites, apresentou em 1592, pela primeira vez, uma fórmula para π:

Seguiu-se Wallis (1616-1703) com a fórmula:

E em 1673, Leibniz (1646-1675) descobriu que:

Apesar da sua simplicidade, esta série é pouco prática, uma vez que converge muito lentamente. Para podermos obter quatro casas decimais correctas temos de ter presentes na expressão matemática cerca de 10000 termos da série.

Só alguns anos mais tarde, o astrónomo John Machin (em 1706) introduziu uma variação nesta série, aumentando significativamente a sua convergência; a nova fórmula é dada por:

A fórmula de Machin é uma das que ainda hoje é usada, pelos programas de computadores, para calcular os dígitos de π.

A Natureza de Pi...

Ao longo dos séculos, muitos foram aqueles que se dedicaram à descoberta das casas decimais de π. Leornado de Pisa (Fibonacci) em 1220, encontrou apenas 3 c a s a s decimais correctas, o matemático Al-Kashi, em 1436, calculou π com 14 casas decimais, e Machin chega finalmente à 100ª casa em 1706. Qual o objectivo destes e os de outros cientistas que neste âmbito trabalharam? Fundamentalmente o de fazer o estudo da natureza deste número, saber afinal se temos presente um número racional ou não, daí a preocupação em calcular cada vez mais casas decimais, na procura de uma

"O número é a causa e o princí-pio de tudo"

Pitágoras (~580-497 a.C.)

Arquimedes

François Viète

John Wallis

Leibniz

Com uma existência de cerca de 4000 anos, este curioso número tem vindo a perder muito do seu mistério mas pouco do seu encanto...

⎡ ⎤⎛ ⎞ ⎛ ⎞= − =⎜ ⎟ ⎜ ⎟⎢ ⎥⎝ ⎠ ⎝ ⎠⎣ ⎦

2 2

22 162

9 9

rA r r

+ 138

π= 2A r

π =2

A

r

π ⎛ ⎞= ⎜ ⎟⎝ ⎠

2

16

9

π =

× − × − + ×…

2

1 1 1 1 1 1 1 1

2 2 2 2 2 2 2 2

π × × × × × ×=× × × × × ×

2 2 4 4 6 621 3 3 5 5 7

π = − + − +…1 1 11

4 3 5 7

π = −1 14arctg arctg

4 5 239

11

1058209749445923078164062862089986280348253421170679821480865132823066470938446095505822317253594081284811174502841027019385211055596446229489549303819644288109756659334461284756482337867831652712019091456485669234603486104543266482133936072602491412737245870066063155881748815209209628292540917153643678925903600113305305488204665213841469519415116094330572703657595919530921861173819326117931051185480744623799627495673518857527248912279381830119491298336733624406566430860213949463952247371907021798609437027705392171762931767523846748184676694051320005681271452635608277857713427577896091736371787214684409012249534301465495853710507922796892589235420199561121290219608640344181598136297747713099605187072113499999983729780499510597317328160963185950244594553469083026425223082533446850352619311881710100031378387528865875332083814206171776691473035982534904287554687311595628638823537875937519577818577805321712268066130019278766111959092164201989380952572010654858632788659361533818279682303019520353018529689957736225994138912497217752834791315155748572424541506959508295331168617278558890750983817546374649393192550604009277016711390098488240128583616035637076601047101819429555961989467678374494482553797747268471040475346462080466842590694912933136770289891521047521620569660240580381501935112533824300355876402474964732639141992726042699227967823547816360093417216412199245863150302861829745557067498385054945885869269956909272107975093029553211653449872027559602364806654991198818347977535663698074265425278625518184175746728909777727938000816470600161452491921732172147723501414419735685481613611573525521334757418494684385233239073941433345477624168625189835694855620992192221842725502542568876717904946016534668049886272327917860857843838279679766814541009538837863609506800642251252051173929848960841284886269456042419652850222106611863067442786220391949450471237137869609563643719172874677646575739624138908658326459958133904780275900994657640789512694683983525957098258226205224894077267194782684826014769909026401363944374553050682034962524517493996514314298091906592509372216964615157098583874105978859597729754989301617539284681382686838689427741559918559252459539594310499725246808459872736446958486538367362226260991246080512438843904512441365497627807977156914359977001296160894416948685558484063534220722258284886481584560285060168427394522674676788952521385225499546667278239864565961163548862305774564980355936345681743241125150760694794510965960940252288797108931456691368672287489405601015033086179286809208747609178249385890097149096759852613655497818931297848216829989487226588048575640142704775551323796414515237462343645428584447952658678210511413547357395231134271661021359695362314429524849371871101457654035902799344037420073105785390621983874478084784896833214457138687519435064302184531910484810053706146806749192781911979399520614196634287544406437451237181921799983910159195618146751426912397489409071864942319615679452080951465502252316038819301420937621378559566389377870830390697920773467221825625996615014215030680384477345492026054146659252014974428507325186660021324340881907104863317346496514539057962685610055081066587969981635747363840525714591028970641401109712062804390397595156771577004203378699360072305587631763594218731251471205329281918261861258673215791984148488291644706095752706957220917567116722910981690915280173506712748583222871835209353965725121083579151369882091444210067510334671103141267111369908658516398315019701651511685171437657618351556508849099898599823873455283316355076479185358932261854896321329330898570642046752590709154814165498594616371802709819943099244889575712828905923233260972997120844335732654893823911932597463667305836041428138830320382490375898524374417029132765618093773444030707469211201913020330380197621101100449293215160842444859637669838952286847831235526582131449576857262433441893039686426243410773226978028073189154411010446823252716201052652272111660396...

regularidade que, até então, se julgava conseguir visualizar. Esta questão veio a ser resolvida em 1766 por Legendre que provou que π é um número irracional e que, por isso, não pode ser representado por uma fracção. Já em 1882, Lindemann demonstrou que π é transcendental, ou seja, não pode ser a raiz de qualquer equação algébrica com coeficientes racionais e um número finito de termos. Deste modo ficou provada a impossibilidade da quadratura do círculo, pois não é possível encontrar por c o n s t r u ç ã o g e o m é t r i c a (usando apenas régua e compasso, tal como os gregos ambicionavam) um quadrado cuja área seja exactamente a de um dado círculo.

Tempos modernos...

Na era da informática, os computadores assumem agora o papel dos calculadores de casas decimais do famoso número. Em 1949, o ENIAC

calculou π com 2037 casas decimais em 70 horas, sem qualquer erro. Quase vinte anos mais tarde, um CDC 6600 francês calculou 500000 casas decimais. Em 1983, uma equipa japonesa (Yoshiaki Tamura e Tasumasa Kanada) produziu 16777216 casas decimais e mais recentemente, em 1997, os mesmos calcularam 51,5 milhares de milhão de dígitos num Hitachi SR2201, em pouco mais de 29 horas.

Curiosidades

• O dia 14 de Março (14/03) é considerado o dia nacional de pi, 3,14.

• O matemático inglês William Jones, em 1706, foi o primeiro cientista a usar o símbolo π com o significado que tem hoje em dia. Trinta anos mais tarde, o suíço Leonard Euler (1707- -1783) adoptou o símbolo que rapidamente se tornou uma notação standard.

• Em 1610, o alemão Ludolph van Ceulen chegou a obter 35 decimais de pi. Este facto está gravado na sua campa e ainda hoje na Alemanha chamam número de Ludolphine ao número pi.

• Em 1983, Rajan Mahadeven foi capaz de recitar de memória 318111 decimais de π.

• Em binário π = 1100100100001111101.

• Na Grécia antiga o símbolo π era usado para denotar o número 80.

• A altura de um elefante, da pata ao ombro, é igual a 4 x π x o raio da pata.

• O π e o número 5 são muito amigos. Se somarmos as suas 5 primeiras casas decimais obtemos 20 e as primeiras 20 obtemos 100 = 5 x 20.

• A sequência 123456789 aparece pela primeira vez no 523551502ºdígito.

• π é o número de vezes que o diâmetro do círculo caberá na sua circunferência.

• Não aparecem zeros nos primeiros 31 dígitos de π.

• Há um método simples para memorizar as primeiras 10 casas decimais de π: como este número é complicado de se decorar, a mnemónica é a seguinte: «SOU O MEDO E PAVOR CONSTANTE DO MENINO VADIO, BEM VADIO». Os algarismos do número π são então coincidentes com o número de letras de cada uma das palavras da frase, ou seja, 3,1415926535.

• Aqui ficam as primeiras 4000 casas decimais de π:

3.141592653589793238462643383279502884197169399375

Legendre

O ENIAC

12

Uma invenção que mudou o mundo: a síntese do amoníaco

A nossa sociedade moderna está estabelecida numa variada base tecnológica que tem sido criada pouco a pouco, estando sempre em permanente mudança e inovação. Nesta era pós- -industrial, tomamos como garantidos muitos bens que não existiam até há bem pouco tempo, desde os automóveis até às linhas aéreas que ligam qualquer ponto do globo, desde o acesso ráp i do à i n fo rmação e a manipulação desta para nosso bem p e l a e l e c t r ón i c a a t é a o s computadores e à Internet, passando pe l as vac inas e antibióticos que eliminaram as epidemias de séculos passados.

Todos nós poderemos, pelo menos, tentar imaginar um mundo sem estas invenções. Mas há uma sem a qual seguramente todos nós não podemos imaginar um mundo, porque simplesmente nem todos nós estaríamos vivos para o fazer. Efectivamente, a nossa existência depende dela. Essa invenção é a produção industrial de amoníaco pelo processo de Haber-Bosch. Porquê essa importância desta invenção? Porque é impossível para o Mundo, através da simples agricultura biológica, alimentar mais do que 4 mil milhões de seres humanos, e nós já somos 6 mil milhões. A produção industrial de amoníaco está na base dos adubos e fertilizantes sintéticos que garantem a elevada produção agrícola actual. Por muito que alguns de nós gostemos da agricultura biológica e enalteçamos as suas vantagens, não podemos ignorar este facto.

A moderna síntese industrial do amoníaco, que passaremos a designar por processo de Haber-Bosch, foi não só um triunfo para a Humanidade, mas também um triunfo da Química. Aliás, este processo fornece um bom exemplo de alguns dos aspectos mais fundamentais da Química, que iremos apresentar mais abaixo. Mas, ao mesmo tempo, contaremos uma história do processo, que se desenrolou no início do século XX, embora tenha começado ainda no século XIX.

A maior fonte de fertilizante natural existente na segunda metade do século XIX era uma ilha ao largo do Chile com cerca de 350 km de comprimento e 1,5 m de altura em guano (fezes de gaivotas e outras aves marítimas). Esta peculiaridade natural era, como se pode facilmente compreender, bastante efémera e cedo se esgotou, em 1870, face à procura mundial. Como formas de aumentar a produção agrícola, exploravam-se minas

de salitre (rico em nitrato de sódio) no Chile. Várias tentativas ocorreram no passado para tentar sintetizar amoníaco. Por exemplo, Le Châtelier, guiado pelo seu bem conhecido princípio, pediu ao seu a s s i s t e n t e q u e c o m p r i m i s s e u m a mistura de hidrogénio e azoto gasosos, aplicando de seguida uma faísca eléctrica, na esperança de que se formasse amoníaco. Em vez disso

Avulso por João Nunes

o aparato experimental sofreu uma violenta explosão que matou o assistente. A causa da explosão não foi resultante da reacção pretendida mas sim da formação de água, pois uma vedação insuficiente permitiu a entrada de oxigénio atmosférico para a mistura reaccional. Le Châtelier, contudo, abandonou a sua intenção. Por outro lado, nas suas experiências, Priestley e Cavendish, no século XVIII, ao passarem faíscas eléctricas pelo ar, recolheram óxidos de azoto ao dissolverem-nos em soluções alcalinas. A ideia de fixar o azoto atmosférico através de faíscas

eléctricas numa mistura de azoto e oxigénio culminaria no processo do arco, implementado na primeira década do século XX, que era bastante dispendioso pois exigia g r a n d e s q u a n t i d a d e s d e electricidade. Outro processo descoberto era o da cianamida de cálcio, patenteado pelos alemães Adolf Franck e Nikodem Caro, que podia ser utilizado directamente como fertilizante, ou ser convertido em amoníaco reagindo-o com água. A cianamida de cálcio era produzida fazendo passar azoto por pó de carboneto de cálcio numa retorta a 1000º C:

CaC2 + N2 F CaCN2 + C

Embora este processo fosse s imp les , r eque r i a g randes quantidades de energia eléctrica para se formar o carboneto de cálcio numa fornalha de arco eléctrico com coque.

E m s u m a , o s p r o c e s s o s desenvolvidos até 1905 eram bastante dispendiosos e portanto

não conseguiam satisfazer a procura por amoníaco. É neste ponto que um brilhante químico físico alemão, de nome Fritz Haber, se dedica à procura de uma solução ousada: sintetizar amoníaco a partir dos seus elementos, azoto e hidrogénio gasosos.

A química por detrás da reacção

Antes de prosseguirmos com a nossa história vamos apresentar a química por detrás da reacção, o que facilita a compreensão quer do processo citado, quer das dificuldades em sintetizar amoníaco a partir dos seus elementos no estado natural.

A termodinâmica, como o próprio nome indica, é o ramo da Ciência que estuda as transformações de energia em sistemas dinâmicos. Portanto, quando falamos de termodinâmica química estamo-nos a referir às variações de energia que os reagentes e os produtos sofrem quando ocorre uma reacção. Ora, uma reacção química tem tendência a ocorrer se os reagentes, ao se converterem em produtos, diminuírem a sua energia (porque os sistemas tendem para um mínimo de energia para serem estáveis). Assim, termodinamicamente, os compostos sofrem reacções para originarem produtos mais estáveis. Quantitativamente, existe uma equação que exprime este comportamento, a que se dá o nome de equação de Gibbs ou energia livre de Gibbs1:

ΔrG = ΔrH - TΔrS

O termo ΔrH designa-se variação de entalpia de reacção e dá conta da energia gasta em quebrar as ligações dos átomos das moléculas reagentes e da energia libertada em formar as ligações entre os átomos das moléculas dos produtos. O termo ΔrS é a variação de entropia da reacção, contabilizando a

É impossível para o Mundo, através da simples agricultura biológica, alimentar mais do que 4 mil milhões de seres humanos, e nós já somos 6 mil milhões.

Figura 1 — Campos de cultivo no Wisconsin, E.U.A..

1 O símbolo Δ significa variação de uma dada quantidade finita. O índice r significa a energia envolvida durante a reacção. Por outras palavras, ΔrG refere-se à diferença entre a energia de Gibbs final e a inicial, ou seja, ΔrG = Gf—Gi (e aqui o i é de inicial e o f é de final).

Figura 2 — Perfil de energia potencial de uma reacção, onde se verifica a

passagem dos reagentes para produtos mais estáveis.

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reacção, a partir dos quais calculou a constante de equilíbrio da reacção, e mediu experimentalmente concentrações de amoníaco a determinadas pressões e temperaturas.

Ao mesmo tempo, outro químico físico, Walther Nernst, também se dedicou ao mesmo trabalho. No entanto os dados experimentais dos dois químico-físicos não concordavam entre si. Nernst, com os seus resultados, convence-se de que as pressões necessárias seriam demasiado altas. O debate entre estes dois químico-físicos, oriundo da discrepância entre os valores de Nernst e os obtidos por Haber, levam este último a efectuar novas medições da quantidade de amoníaco em equilíbrio. Haber acaba por, através das suas experiências e do seu extenso conhecimento de químico-física, prever correctamente quais as pressões e temperaturas onde a quantidade de amoníaco produzida seria suficiente para ser de interesse industrial, sendo à volta de 200 atmosferas e cerca de 500º C. Tais pressões, no entanto, eram bastante elevadas para os laboratórios da época, pelo que Haber desenvolve a sua própria aparelhagem para testar a sua previsão. Como a reacção praticamente não ocorre à temperatura ambiente, Haber trabalhou a temperaturas médias para poder acelerar a reacção (tornando mais importantes as pressões elevadas). De qualquer modo, seria necessário utilizar um catalisador para obter quantidades apreciáveis de amoníaco em pouco tempo. Já se sabia que diversas reacções gasosas podiam ser aceleradas à superfície de certos metais. Como exemplo, o próprio processo de Ostwald (1902), em que se oxida amoníaco a ácido nítrico, era realizado num catalisador de platina. Segue-se um processo de tentativa e erro por parte de Haber para encontrar o melhor catalisador. O aparato experimental utilizado por Haber incluía regeneração da mistura reaccional, uma vez que a quantidade de amoníaco produzida era pequena. Assim, a reacção processava-se em circuito fechado, efectuando-se admissão dos reagentes para manter a conversão de amoníaco e a pressão constante. Tal experiência é realizada a 2 de Julho de 1909, trabalhando a 200 atmosferas e 500º C, com um catalisador de ósmio, obtendo-se uma conversão de 8%, perante uma assistência de peritos da firma BASF (Badische Anilin- und Soda-Fabrik), entre os quais figurava o engenheiro metalúrgico Carl Bosch (embora tenha saído mais cedo). O sucesso alcançado nesse dia satisfez bastante os peritos. A BASF (que tinha experimentado com o arco eléctrico) compra a patente de Haber por 1 pfennig por quilograma de amoníaco produzido, o que rende milhões de marcos a Haber (que mais tarde usará para financiar pesquisas no instituto Kaiser Wilhelm para a química física e electroquímica onde virá a ocupar o cargo de director). Onde tantos tinham falhado, Haber, através do seu extenso conhecimento de químico-física, engenho e inovação, tinha sucedido. Havia-se demonstrado a possibilidade de sintetizar amoníaco.

Voltando à química da reacção, porque é que são necessárias tais condições de pressão e temperatura? Por um lado, dado que a constante de equilíbrio é termodinamicamente independente da pressão, sabemos que, ao aumentar esta, de acordo com a equação global que envolve os reagentes hidrogénio e azoto em fase gasosa em equilíbrio com o amoníaco, tal obriga a que a pressão de produto aumente juntamente com a dos reagentes e assim se forme mais produto:

1/2 N2(g) + 3/2 H2(g) F NH3(g)

Sabe-se que esta reacção apresenta uma variação de entalpia de reacção (para todos os efeitos a variação de entalpia corresponde à da formação de NH3 a partir de reagentes no estado padrão a 298 K) de ΔfHº = - 46,11 kJ mol-1, tendo como

variação de energia livre ΔfGº = - 16,45 kJ mol-1, que é maior do que ΔfHº, o que seria de esperar pois o sistema em fase gasosa sofre uma diminuição de entropia3. No entanto, a reacção não ocorre espontaneamente à temperatura e pressões ambientais. Efectivamente, as energias de activação são demasiado elevadas, pois é necessário quebrar as ligações H—H (ligação simples) e N∫N (ligação tripla), cujas entalpias

Entropia

A entropia é uma medida da desordem de um sistema e advém da 2ª lei da Termodinâmica, que afirma: «num sistema isolado a entropia deve sempre aumentar durante uma transformação espontânea». Tal deve-se ao facto de estatisticamente serem muito mais prováveis acontecimentos que levam à desordem do que à ordem, especialmente a nível microscópico onde o número de partículas é enorme. Como exemplo o açúcar dissolve-se no café porque são mínimas as configurações de velocidades que levariam todas as moléculas a formar de novo o cubo de açúcar, mas inúmeras as configurações que o dispersam. Se o leitor tentar encher uma caixa de fósforos de uma só vez atirando estes para o ar, irá desesperar com o enorme número de casos em que tal não ocorre.

desordem do sistema (ver a caixa de texto Entropia). Se os produtos são menos energéticos que os reagentes então ocorre libertação de energia e nesse caso ΔrH é negativo, o que juntamente com ΔrS positivo (maior desordem), leva a que ΔrG (energia livre de Gibbs) seja negativo, o que indica que a reacção é espontânea (tende para a minimização de energia). Pode-se demonstrar através das definições matemáticas de entalpia e entropia, por aplicação de derivadas parciais, que a energia de Gibbs pode ser expressa pelas variáveis pressão e temperatura, pelo que é uma equação muito útil para os químicos. Refira-se ainda que se pode calcular a energia de Gibbs a pressão constante través dos calores trocados durante uma reacção (variações de entalpia) e que relacionamos a constante de equilíbrio químico2 K com a energia de Gibbs através de

-ΔrG = nRT ln (K)

Nesta equação, n é o número de moles, R é a constante dos gases perfeitos, T é a temperatura absoluta (em Kelvin, não em graus Celsius) e ln é a função logaritmo, na base natural. No entanto, esta equação não se refere ao tempo que demora a se obter o equilíbrio, pelo que uma reacção pode ser espontânea e no entanto ser tão lenta que não ocorre. Tanto o leitor como eu somos termodinamicamente mais estáveis decompostos em água e dióxido de carbono, mas tal (felizmente!) não ocorre porque a energia de activação (para quebrar as ligações das nossas moléculas) é demasiado elevada. Contudo, ao aumentar- -se a temperatura está-se a fornecer calor e portanto a vencer essa barreira de energia de activação, pelo que rapidamente tendemos para o estado termodinamicamente mais estável se nos queimarmos! Refira-se ainda que, como toda a termodinâmica, esta equação só é válida em sistemas (e suas vizinhanças, se as estudarmos) isolados, na ausência de campos externos (como o gravítico, por exemplo).

Amoníaco a partir do ar

Dito isto, podemos voltar à nossa história. Haber já possuía uma brilhante carreira como químico físico na Escola Superior Técnica de Karlsruhe (Alemanha), tendo começado a leccionar com 25 anos, publicado livros da especialidade (em termodinâmica e electroquímica) e participado em inúmeras experiências e investigações. Dedica-se então, a partir de 1905, à procura de uma síntese viável do amoníaco. Nas suas experiências, Haber pretendeu determinar a quantidade de amoníaco em equilíbrio com os reagentes azoto e hidrogénio, compreendendo que a

solução para o problema passava por determinar o equilíbrio químico. Obteve valores para os calores de

Figura 3, ao lado — Fritz Haber.

Figura 4, em baixo — Aparelhagem experimental

utilizada por Haber.

2 Esta constante será tanto maior quanto for maior a quantidade de produtos em equilíbrio com os reagentes (e tanto menor quanto for menor quantidade de produtos em equilíbrio com os reagentes)

3 O índice º deve-se ao estado dos reagentes e produtos. Concretamente, tais variações das referidas energias são reportadas para condições PTN (pressão e temperatura normais), isto é, temperatura de 273 K e pressão de 1 atmosfera.

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de dissociação a 298 K são, respectivamente, de 436 kJ mol-1 e 945 kJ mol-1.

O moderno processo de síntese do amoníaco consiste numa reacção de catálise heterogénea (catalisador sólido e mistura reaccional gasosa), pelo que a reacção de síntese ocorre entre espécies adsorvidas à superfície do catalisador. A ligação dos reagentes com o catalisador enfraquece a ligação e portanto baixa a energia de activação, acelerando a reacção (mas não leva a formar mais produto, atingindo-se simplesmente o equilíbrio mais depressa).

Os diversos estudos realizados incidem precisamente sobre esta reacção catalisada. Com o acumular de dados e informação, foi possível apresentar um mecanismo para a reacção:

N2(g) + * F N2*

N2* + * F 2N*

H2(g) + 2* F 2H*

N* + H* F NH* + *

NH* + H* F NH2* + *

NH2* + H* F NH3* + *

NH3* F NH3(g) + *

Neste mecanismo, * representa um centro activo (local do catalisador onde se liga uma molécula de reagente). O passo lento é a dissociação da molécula de azoto, cuja elevada entalpia de dissociação demonstra claramente essa dificuldade. Note-se que todas as espécies competem pelo mesmo tipo de centro activo. Estas conclusões estão de acordo com os dados experimentais (por exemplo, estudos de adsorção/desorção a diferentes pressões e temperaturas, quantidade experimental de amoníaco em equilíbrio, etc…), comprovando a validade do mecanismo.

Para terminar a nossa história, seguiu-se depois o scale up do processo por Carl Bosch, isto é, a passagem do laboratório para a produção à escala industrial. Inicialmente os reactores rebentavam porque o hidrogénio naquelas condições de pressão e temperatura atacava o aço (liga de ferro e carbono) do reactor promovendo a sua descarbonização (remoção do carbono). Bosch empregou uma camada de aço macio (menos carbono na liga) reforçada externamente por aço duro. Entretanto Haber e Mittash (químico da BASF) realizaram mais de 20 000 experiências à procura do melhor catalisador (porque o ósmio era caro e pouco estável em condições industriais), percorrendo a tabela periódica toda com diferentes composições químicas e fases cristalinas para o catalisador. Finalmente encontraram um catalisador barato de ferro na fase α, feito a partir de (Fe3O4) promovido com pequenas quantidades percentuais de K2O, Al2O3 (óxido

Gás natural

Remoção de enxofre

«steam reforming» 1º reformador

Conversão de CH4 residual

2º reformador

Conversão de CO em CO2

Remoção de CO2 por adsorção

Remoção de CO2 e CO residuais por metanação

Síntese de NH3

Azoto

Separação de NH3 por condensação

Reciclagem de mistura reaccional

Figura 6 — Esquema em bloco da produção de amoníaco em moderna instalação de síntese de amoníaco. O hidrogénio

obtém-se modernamente do gás natural ou petróleo.

de alumina), SiO2 (dióxido de silício), MgO e CaO, principalmente. A mistura gasosa de síntese consiste em 1:3 de azoto e hidrogénio puros, sendo o azoto obtido por destilação fraccionada do ar e o hidrogénio por reacção de vapor de água com carvão quente (gaseificação do carvão):

C(s) + H2O(g) F H2(g) + CO(g)

2C(s) + O2(g) F 2CO(g)

Mantinha-se a regeneração da mistura reaccional e removia-se o amoníaco por condensação, obtendo-se rendimentos de 95% (com a regeneração da mistura reaccional, claro!). Este é o processo de Haber-Bosch. A produção de fertilizantes é fácil, bastando oxidar o amoníaco a ácido nítrico e fazer uma neutralização ácido-base deste com amónia (solução aquosa de amoníaco), produzindo-se sal de nitrato de amónia. A amónia também se pode combinar com sulfatos e fosfatos, para produzir sais fertilizantes destes dois. Refira-se que o impacto ambiental resulta de uma má dosagem por parte do agricultor da quantidade de fertilizante a usar, sendo o principal poluente não a amónia ou o nitrato mas os fosfatos.

O processo de Haber-Bosch marcou o início da engenharia química ao sujeitar a reacção a manipulação em diferentes condições de pressão e temperatura. A química feita neste início do século XX foi de tão elevada qualidade que, apesar de muitos estudos subsequentes, o amoníaco continua a ser produzido actualmente pelo processo de Haber-Bosch, e o catalisador utilizado ainda é praticamente o mesmo encontrado por estes investigadores. A Fritz Haber foi atribuído o prémio Nobel da Química em 1918 pela síntese do amoníaco a partir dos seus elementos, vindo Carl Bosch a receber também um prémio Nobel da Química em 1931, juntamente com Friedrich Bergius, pela descoberta e desenvolvimento dos processos químicos de alta pressão.

A produção industrial de amoníaco está directamente correlacionada com o aumento de população durante o século XX e o amoníaco é o segundo produto químico industrial mais importante nos Estados Unidos. Terminamos o artigo com a apresentação de um esquema em bloco (ao cimo da página) de

uma moderna fábrica de amoníaco.

Bibliografia

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www.pubs.acs.org/subscribe/journals/tcaw/10/i02/html/02chemch.html

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Atkins, P. W.; Paula, J. de — Physical Chemistry. 7th Edition. Oxford: Oxford University Press, 2002.

www.geocities.com/bioelectrochemistry/haber.htm Figura 5 — % NH3 produzido vs temperatura a diferentes pressões.

concentrações de equilíbrio de NH3

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Equinococose — hidatidose

A equinococose - hidatidose é uma doença parasitária causada pelo parasita Echinococcus granulosus que está incluída na lista de Zoonoses (todas as doenças e infecções naturalmente transmitidas entre vertebrados e o Homem) devido às suas possíveis consequências mortais no ser Humano e à sua fácil dispersão1.

A sua distribuição é mundial calculando-se ser devida à g r a n d e v a r i e d a d e d e hospedeiros intermediários (animais que transportam e alimentam as fases imaturas do parasita) que entram no seu ciclo de vida. Nestes incluiem-se: o gado bovino, caprino,

Avulso por Ana Pina

Ou então a um novo quisto hidático quando a bolsa é rebentada ainda no hospedeiro intermediário.

O quisto hidático só é detectado em quatro situações:

● nos animais:

- no matadouro, durante a inspecção de carnes e vísceras,

- ou durante uma necrópsia;

● no homem:

- acidentalmente, durante uma cirurgia de rotina,

- ou quando a pressão do quisto hidático sobre as vísceras atinge tais proporções, que se começam a manifestar alguns sintomas de doença hepática,

1 Pertencentes também a esta listagem encontram-se doenças mais conhecidas como a brucelose, tuberculose e raiva.

Uma simples razão para lavarmos as mãos depois de afagarmos um cão...

ovino e, em menores proporções, o suíno e a própria espécie Humana. O animal alvo deste parasita (onde o parasita atinge o seu estado adulto e ganha a capacidade de produção de ovos — hospedeiro definitivo) é o cão e é no seu intestino delgado que o mesmo encontra as condições necessárias para se reproduzir.

Os seus ovos, então libertados nas fezes, têm de ser ingeridos por um dos possíveis hospedeiros intermediários para continuarem o seu desenvolvimento. E é já no intestino delgado do hospedeiro intermediário que as larvas perfuram o ovo (onde se encontravam protegidas das condições ambientais mais agressivas e comprometedoras da sua sobrevivência), atravessam a parede intestinal e entram na circulação sanguínea e/ou linfática. Qual(quais) o(s) seu(s) destino(s)? Orgãos importantes como o fígado, pulmões e cérebro, onde se desenvolvem ao ponto de formar um quisto hidático.

O que é um quisto hidático?

Um quisto hidático é uma formação parasitária, semelhante a uma bolsa de água, constituída por centenas a milhares de protoscólices (tipo escólices — «cabeças» — das ténias, cheios de ganchos, para se poderem agarrar à mucosa intestinal do hospedeiro definitivo). Cada um destes protoscólices dá origem a um novo parasita no intestino delgado do cão, após a ingestão de vísceras contaminadas cruas e/ou mal cozinhadas.

neurológica ou respiratória, consoante a sua localização.

O único tratamento possível, no caso do Homem, é a cirurgia e mesmo assim esta é complicada porque, se o quisto rebentar, deixamos de ter um para termos centenas destes!!! Logo, o mais fácil é mesmo prevenir!

Prevenção

Sabemos que só podemos apanhar esta parasitose através do hospedeiro definitivo, o cão que, devido aos seus hábitos de higiene pessoal, consegue transportar ovos da sua região anal para a língua e desta para o resto do seu corpo (pêlo) e tudo o que daí possa lamber (incluindo caras de pessoas, mãos, alimentos partilhados...). Então a prevenção resume-se a, se não soubermos o estado de desparasitação do cão, evitar lambidelas extras, não partilhar comida, nem misturar lavagem de loiças de cão com a da família e LAVAR SEMPRE AS MÃOS depois de lhe fazermos festas.

Se tivermos maneira de controlar o que o cão come e dar assistência veterinária, devemos evitar dar-lhe vísceras (principalmente fígado e pulmões) mal cozinhadas e mantê-lo sempre interna e adequadamente desparasitado.

Pastos contaminados por fezes

Ingestão de ovos

Larvas passam mucosa intestinal e entram na circulação

Ingestão de ovos

Ingestão de vísceras cruas ou mal cozinhadas

CCiicclloo ddee vviiddaa Equinococcus granulosus

Uma publicação da

ASSOCIAÇÃO

JUVENIL DE CIÊNCIA

Com o apoio de

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Editorial doMinistério daEducação