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>> GT racismo Publicação trimestral do Ministério Público de Pernambuco Evandro Magalhães A formação do povo brasileiro passa necessariamente pela história de conquis- tas, dos colonizadores, dos indígenas, dos negros e de todos os imigrantes que aqui aportaram mais tarde. Todos possuidores de uma bagagem interior de crenças e costumes, porém nem todos conseguiram exercê-los em sua plenitude, especialmen- te pelo forte aculturamento induzido ao índio e da escravidão impingida ao negro no limiar histórico. Mesmo assim, em respeito às suas tradições de origem e ao ideal de liber- dade, a resistência aos costumes do novo mundo subsistir àquela época, passando de geração em geração, o que faz o Bra- sil de hoje ser também constituído por inúmeras comunidades que ainda pro- movem suas próprias crenças e costumes da forma mais autêntica possível, não se podendo fechar os olhos a essa realidade. Este é o Brasil... Um país plural e ao mesmo tempo identificado pela língua e pelos sentimentos de liberdade. E é nessa identificação que nossa lei maior edita em seu art. 5º. – primeiro artigo dedicado aos Direitos e Garantias Fundamentais – o direito ao tratamento igualitário e o de liberdade por Princípio; e mais especificamente em seu inciso VI: a inviolabilidade da liberdade de consci- ência e de crença, e o livre exercício dos cultos religiosos. Falando-se no respeito às tradições dentro desse pluralismo, a lei maior foi mais além. Vedou expressamente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecerem cultos religiosos ou igrejas, ou embaraçar o fun- cionamento dessas comunidades (art.19, inc. I). Se a liberdade é exercida sem que se fira a liberdade do próximo, enfatica- mente pelo respeito às demais garantias fundamentais e individuais, a convivên- cia pode e deve ser pacífica. A despeito de toda essa identificação e das garantias postas em nossa lei maior, é preciso a participação de todos, sobre- tudo do Poder Público em aperfeiçoar as políticas voltadas ao tratamento igua- litário e efetivá-las. Não se pode aceitar, por exemplo, as diferenças salariais ainda existentes entre o trabalho do branco e o trabalho do negro que exercem a mesma atividade, sendo mais acentuada quando se fala no trabalho da mulher. É preciso corrigir! Não esqueçamos também que a mis- cigenação se fez presente na formação de nosso povo, resultando numa gama de matizes e misturas de crenças e costumes. Produtos da culinária, da vestimenta, da música, sofreram grandes influências, re- fletindo hoje em nosso modo de ser. As- sim, independentemente da cor, sexo ou religião, lembremos sempre, em fim, que somos todos brasileiros e que devemos ser iguais em direitos e deveres. IGUAIS EM DIREITOS E DEVERES NÚMERO 3 DEZEMBRO 2005 EDITORIAL Como parte importante da temática da discriminação racial, o terceiro número do Informativo destaca a discriminação aos cultos religiosos de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, ouvindo pessoas diretamente interessadas na discussão e procurando tornar visível a necessidade de enfrentamento da dura realidade da população afrodescendente. Essa discriminação é resultado de violentas manifestações de repúdio aos cultos religio- sos africanos, que, no passado, contavam com o beneplácito da própria Lei Maior, já que a primeira Constituição do Brasil, de 1824, estabelecia que somente os brancos estrangeiros residentes no país, em geral imigrantes europeus e norte-americanos, tinham o privilégio da liberdade religiosa, obrigando os negros a praticarem seus cultos na clandestinidade, ou revestidos de aparato católico, de modo a ser aceito ou evitar o confronto com as autori- dades. Na concepção do Concílio Vaticano II, o direito à liberdade religiosa deve ser con- hecido e protegido pela Ordem Jurídica dos povos como forma de expressão da liberdade da pessoa humana, porque se funda na sua natureza e consiste na própria concepção de dignidade. Daí porque essa imunidade se estende inclusive àquelas pessoas que não sentem necessidade de buscar ou aderir a uma verdade religiosa. A Constituição Brasileira de 1988, no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, assegura que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e sua liturgia. (artigo 5o, inc.VI,CF de 88). Tal garantia inscrita na nossa Carta Magna estabelecendo a laicidade do Estado não é suficiente para assegurar a plena liberdade dos cultos de origem africana. Na prática, o povo afrodescendente ainda sofre com a discriminação religiosa de setores conservadores de Igrejas Evangélicas através de manifestações públicas de ataques aos seus cultos, respaldados também no racismo institucional à medida em que os praticantes das religiões afro são sutil- mente tratados pelas próprias instituições como pessoas potencialmente marginalizadas. Refletir sobre a luta do negro pela sua liberdade é pensar na discriminação que consiste em omitir dos livros oficiais, até bem recentemente, sua verdadeira história e sua busca por ua busca por condições de vida digna, que possibilite o pleno desenvolvimento de suas pot tencialidades. Queremos reafirmar à população negra e a todos que sofrem qualquer espécie e de discrimi- nação o compromisso institucional do Ministério Público de Pernambuco com essa luta, om essa luta, que é de toda a sociedade. Religião e discriminação Na concepção do Concílio Vaticano II, o direito à liberdade religiosa deve ser conhecido e protegido pela Ordem Jurídica dos povos como forma de expressão da liberdade da pessoa humana pessoa humana 8 - GT RACISMO - NÚMERO 3 - DE ZEMBRO 2005 >> Promotor de Justiça com atuação na Vara de Família da Capital e Secretário-Geral do Instituto Brasileiro de Direito de Família Secção Pernambuco RACISMO E INJÚRIA QUALIFICADA O Grupo de Estudo do GT Racismo defende a posição de que as ofensas verbais com conteúdo racista sejam consideradas como crime de racismo e não injúria qualificada por elementos referentes à raça, cor, etnia ou procedência nacional. A tese foi defendida pelo Promotor de Justiça Roberto Brayner (foto) Sampaio no VI Congresso Estadual do Ministério Público de Pernambuco e suscitou acalorada discussão entre os congressistas, tendo sido aprovada por maioria. Segundo consta da referida tese, caso ocorra uma desclassificação do fato que inicialmente foi denunciado pelo MP como racismo para injúria qualificada, a vítima deve ser intimada para que exerça o seu direito de queixa no prazo decadencial. O tema foi discutido em Seminário realizado pela Prefeitura da Cidade do Recife comemorativo do dia nacional da consciência negra. São conclusões da tese: 1. Em decorrência de inconstitucionalidade, é inaplicável o § 3º do artigo 140 do Código Penal Brasileiro; 2. É obrigatória a intimação da vítima de ofensas com elementos racistas quando houver a desclassificação do fato inicialmente tipificado como crime de racismo para o de injúria qualificada, contando-se, a partir de então, o prazo decadencial.

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Page 1: NÚMERO 3 IGUAIS EM DIREITOS E DEVERES GTracism … · como a umbanda e o candomblé, ... Os “despachos”, os “ebós”,as “comidas de santos”, as invocações de Ogum, Oxalá,

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GTracismo Publicação trimestral do Ministério Público de Pernambuco

Evandro Magalhães

A formação do povo brasileiro passa necessariamente pela história de conquis-tas, dos colonizadores, dos indígenas, dos negros e de todos os imigrantes que aqui aportaram mais tarde. Todos possuidores de uma bagagem interior de crenças e costumes, porém nem todos conseguiram exercê-los em sua plenitude, especialmen-te pelo forte aculturamento induzido ao índio e da escravidão impingida ao negro no limiar histórico.

Mesmo assim, em respeito às suas tradições de origem e ao ideal de liber-dade, a resistência aos costumes do novo mundo subsistir àquela época, passando de geração em geração, o que faz o Bra-sil de hoje ser também constituído por inúmeras comunidades que ainda pro-movem suas próprias crenças e costumes da forma mais autêntica possível, não se podendo fechar os olhos a essa realidade.

Este é o Brasil... Um país plural e ao mesmo tempo identifi cado pela língua e pelos sentimentos de liberdade.

E é nessa identifi cação que nossa lei maior edita em seu art. 5º. – primeiro artigo dedicado aos Direitos e Garantias Fundamentais – o direito ao tratamento igualitário e o de liberdade por Princípio; e mais especifi camente em seu inciso VI: a inviolabilidade da liberdade de consci-ência e de crença, e o livre exercício dos cultos religiosos.

Falando-se no respeito às tradições dentro desse pluralismo, a lei maior foi mais além. Vedou expressamente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecerem cultos religiosos ou igrejas, ou embaraçar o fun-cionamento dessas comunidades (art.19, inc. I).

Se a liberdade é exercida sem que se fi ra a liberdade do próximo, enfatica-mente pelo respeito às demais garantias fundamentais e individuais, a convivên-cia pode e deve ser pacífi ca.

A despeito de toda essa identifi cação e das garantias postas em nossa lei maior, é preciso a participação de todos, sobre-tudo do Poder Público em aperfeiçoar

as políticas voltadas ao tratamento igua-litário e efetivá-las. Não se pode aceitar, por exemplo, as diferenças salariais ainda existentes entre o trabalho do branco e o trabalho do negro que exercem a mesma atividade, sendo mais acentuada quando se fala no trabalho da mulher.

É preciso corrigir! Não esqueçamos também que a mis-

cigenação se fez presente na formação de nosso povo, resultando numa gama de matizes e misturas de crenças e costumes. Produtos da culinária, da vestimenta, da música, sofreram grandes infl uências, re-fl etindo hoje em nosso modo de ser. As-sim, independentemente da cor, sexo ou religião, lembremos sempre, em fi m, que somos todos brasileiros e que devemos ser iguais em direitos e deveres.

IGUAIS EM DIREITOS E DEVERES

NÚMERO 3DEZEMBRO 2005

EDITORIAL DITORIAL DITORIAL Como parte importante da temática da discriminação racial, o terceiro número do Informativo destaca a discriminação aos cultos religiosos de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, ouvindo pessoas diretamente interessadas na discussão e procurando tornar visível a necessidade de enfrentamento da dura realidade da população afrodescendente.

Essa discriminação é resultado de violentas manifestações de repúdio aos cultos religio-sos africanos, que, no passado, contavam com o beneplácito da própria Lei Maior, já que a primeira Constituição do Brasil, de 1824, estabelecia que somente os brancos estrangeiros residentes no país, em geral imigrantes europeus e norte-americanos, tinham o privilégio da liberdade religiosa, obrigando os negros a praticarem seus cultos na clandestinidade, ou revestidos de aparato católico, de modo a ser aceito ou evitar o confronto com as autori-dades.

Na concepção do Concílio Vaticano II, o direito à liberdade religiosa deve ser con-hecido e protegido pela Ordem Jurídica dos povos como forma de expressão da liberdade da pessoa humana, porque se funda na sua natureza e consiste na própria concepção de dignidade. Daí porque essa imunidade se estende inclusive àquelas pessoas que não sentem necessidade de buscar ou aderir a uma verdade religiosa.

A Constituição Brasileira de 1988, no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, assegura que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e sua liturgia. (artigo 5o, inc.VI,CF de 88).

Tal garantia inscrita na nossa Carta Magna estabelecendo a laicidade do Estado não é suficiente para assegurar a plena liberdade dos cultos de origem africana. Na prática, o povo afrodescendente ainda sofre com a discriminação religiosa de setores conservadores de Igrejas Evangélicas através de manifestações públicas de ataques aos seus cultos, respaldados também no racismo institucional à medida em que os praticantes das religiões afro são sutil-mente tratados pelas próprias instituições como pessoas potencialmente marginalizadas.

Refletir sobre a luta do negro pela sua liberdade é pensar na discriminação que consiste em omitir dos livros oficiais, até bem recentemente, sua verdadeira história e sua busca por em omitir dos livros oficiais, até bem recentemente, sua verdadeira história e sua busca por condições de vida digna, que possibilite o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. condições de vida digna, que possibilite o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Queremos reafirmar à população negra e a todos que sofrem qualquer espécie de discrimi-Queremos reafirmar à população negra e a todos que sofrem qualquer espécie de discrimi-nação o compromisso institucional do Ministério Público de Pernambuco com essa luta, o Público de Pernambuco com essa luta, que é de toda a sociedade.

Religião ediscriminaçãoReligião ediscriminaçãoReligião e

Na concepção do Concílio Vaticano II, o direito à liberdade religiosa deve ser conhecido e protegido pela Ordem Jurídica dos povos como dos povos como forma de expressão da liberdade da pessoa humanapessoa humana

8 - GT RACISMO - NÚMERO 3 - DEZEMBRO 2005>> Promotor de Justiça com atuação na

Vara de Família da Capital eSecretário-Geral do InstitutoBrasileiro de Direito de FamíliaSecção Pernambuco

RACISMO E INJÚRIA QUALIFICADA O Grupo de Estudo do GT Racismo defende a posição de que as ofensas verbais com conteúdo racista sejam consideradas como crime de racismo e não injúria qualifi cada por elementos referentes à raça, cor, etnia ou procedência nacional. A tese foi defendida pelo Promotor de Justiça Roberto Brayner (foto) Sampaio no VI Congresso Estadual do Ministério Público de Pernambuco e suscitou acalorada discussão entre os congressistas, tendo sido aprovada por maioria. Segundo consta da referida tese, caso ocorra uma desclassifi cação do fato que inicialmente foi denunciado pelo MP como racismo para injúria qualifi cada, a vítima deve ser intimada para que exerça o seu direito de queixa no prazo decadencial. O tema foi discutido em Seminário realizado pela Prefeitura da Cidade do Recife comemorativo do dia nacional da consciência negra. São conclusões da tese: 1. Em decorrência de inconstitucionalidade, é inaplicável o § 3º do artigo 140 do Código Penal Brasileiro; 2. É obrigatória a intimação da vítima de ofensas com elementos racistas quando houver a desclassifi cação do fato inicialmente tipifi cado como crime de racismo para o de injúria qualifi cada, contando-se, a partir de então, o prazo decadencial.

Page 2: NÚMERO 3 IGUAIS EM DIREITOS E DEVERES GTracism … · como a umbanda e o candomblé, ... Os “despachos”, os “ebós”,as “comidas de santos”, as invocações de Ogum, Oxalá,

1999 2000

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A comemoração do Dia Nacio-nal da Consciência Negra no dia 20 de novembro, em Ouro Preto (a 95 km de Belo Horizonte) foi marcada pelo hasteamento da nova bandeira do município, cuja inscrição foi substituída a pedido de movimentos negros e afrodescendentes. Durante solenidade realizada na Praça Tira-dentes, epicentro da cidade históri-ca mineira, o antigo estandarte foi descerrado e incinerado por bom-beiros militares. Durante a queima, a nova bandeira foi hasteada, ao som do hino nacional.

Uma lei proposta pelo prefeito Ângelo Oswaldo (PMDB), san-

Uma lei proposta pelo prefeito Ângelo Oswaldo (PMDB), san-

Uma lei proposta pelo prefeito

cionada na última sexta-feira, sub-stituiu a frase estampada em latim Proetiosum tamen nigrum (Precioso ainda que negro) por Proetiosum aurum nigrum (Precioso ouro ne-gro). Embora a inscrição original se referisse ao ouro encontrado na região - de coloração escura, devido à camada de óxido de ferro que o re-cobria -, ela era considerada racista.

A Promotoria de Justiça de Olinda, pelo Promotor João Alves de Araújo, denun-ciou, em setembro passado, a pessoa de Robério de Barros Cavalcanti por crime de racismo (art. 20 da Lei 7.716/89). O referido cidadão externou ideologia racis-ta quando se dirigiu às vítimas dizendo

“lugar de nego é na jaula ou num sítio e não junto aos brancos...vocês não mere-cem morar aqui...vocês já viram ter justiça pra nego?”. As ofensas racistas foram pra-ticadas em via pública, na calçada da casa das vítimas, na frente de vizinhos. Para o Promotor do caso, a conduta do acusado

se amolda à perfeição ao tipo penal esta-belecido pelo art. 20 da Lei nº 7.716/89. A agressão ultrapassa os limites da indi-vidualidade das vítimas diretamente atin-gidas para alcançar toda a coletividade. Adenúncia foi recebida e o interrogatório realizado em novembro passado

VISITA DO RELATOR DA ONU

Em visita ofi cial ao Brasil, o Relator Especial sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Doudou Diène, esteve no dia 20 de outubro próximo passado, no Ministério Público de Pernambuco, sendo o recebido no Salão dos Órgãos Colegiados pelo Exmo. Sr. Procurador Geral da Justiça, Sales de Albuquerque e os membros do GT- Racismo. O objetivo da visita era acompanhar o desenvolvimento da política de combate às formas contemporâneas de racismo no Brasil. Na ocasião, o Relator ressaltou que “no Brasil há um racismo estrutural profundo e seu impacto nos aspectos culturais é muito forte”. Doudou Diène fi cou positivamente impressionado com o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público de Pernambuco no combate à Discriminação Racial, avaliado através das ações noticiadas nos dois primeiros números do Jornal GT-Racismo que lhe foram entregues pelo Procurador Geral. Ressaltou também o Relator o pioneirismo da iniciativa ao nível institucional.

2 - GT RACISMO - NÚMERO 3 - DEZEMBRO 2005

MP EM AÇÃO

NOVA BANDEIRA EM OURO PRETO

Nessa coluna o GT Racismo reserva espaço para publicação de notícias de ações, inquéritos e procedimentos de investigação relacionados à atuação dos Promotores e Procuradores de Justiça no combate ao racismo. Envie seu material e participe das discussões sobre discriminação e promoção da igualdade racial.

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O Capítulo III do Código Penal Brasileiro trata dos crimes contra a saúde pública. Entre estes, há o previsto no artigo 284 - crime de curandeirismo. Vale uma refl exão sobre os motivos de inclusão das condutas narradas no referido dispositivo da Lei Substantiva Penal, a realidade social atual, bem como o olhar moderno das políticas públicas de saúde. Para tanto, nos perguntamos: quais as situa-ções fáticas que atualmente são levadas à Justiça sob a tipifi cação do dispositivo em referência? Quais os danos à saúde pública que atos tidos como de curan-deirismo têm causado?

Permito-me transcrever o artigo 284 do Código Penal para melhor visualização e análise:

Art.284. Exercer o curandeirismo:I – prescrevendo, ministrando ou aplicando,

habitualmente, qualquer substância;II- usando gestos, palavras ou qualquer outro

meio;III- fazendo diagnósticos:Pena - detenção, de seis meses a dois anos.Parágrafo único. Se o crime é praticado medi-

ante remuneração, o agente fi ca também sujeito a multa.

Da leitura do dispositivo acima depreende-se que todas as manifestações religiosas que invoquem a cura até mesmo através das orações, podem ser entendidas como a prática do crime de curandei-rismo.

A jurisprudência, inicialmente, tratou de excluir de tal interpretação, os atos praticados por padres, com orações realizadas com imposição das mãos, distribuição de água benta, entre outros. Estendeu-se, também o entendimento de não confi guração do delito tipifi cado no art. 284 do CP, aos passes dados pelos Espíritas.

Todavia, em relação aos membros de religiões de origem africana, o entendimento é diverso, pois o conceito destas é de “baixo espiritismo”, segundo Magalhães Noronha, que em seu Direito Penal – Volume 4, 22ª Edição – 2000, atualizada por

Adalberto José Aranha, pág.72, assim se refere:“Dúvida qualquer pode haver de que o enten-

dimento também se aplica às práticas da macumba. Os “despachos”, os “ebós”,as “comidas de santos”, as invocações de Ogum, Oxalá, Iemanjá, Exu e outras invencionices, lérias e patacoadas, quando dirigidas à saúde das pessoas, não podem escapar à ação re-pressiva do Código.”

Note-se que a edição, datada do ano de 2000, é posterior à Constituição da República, esta de 1988, na qual é assegurada a liberdade de credo.

Carregados ainda de muito preconceito racial, transferimos a discriminação também aos credos religiosos. Por que apenas os atos praticados pelos integrantes do candomblé, macumba e umbanda são nocivos à saúde pública?

Admitirmos tal situação é o mesmo que dizer-mos que a água, quando benta por padres, fl uidi-fi cada por espíritas, não passa de água, mas quando recomendada por umbandistas passa a ser uma substância capaz de causar algum mal à saúde de alguém.

Além disso, não podemos esquecer dos bene-fícios que a fé traz à saúde. A própria medicina reconhece este fator como de grande importância no estado geral de saúde das pessoas, sendo, a esse respeito, veiculadas várias matérias nas revistas de circulação nacional.

Fulcrado nesse entendimento, o Ministério da Saúde, ao instituir a política de atenção à saúde dos povos indígenas, através da Portaria nº 70/GM, de 20.01.2004, determinou que as ações da medicina tradicional deveriam se integrar às práticas de saúde adotadas pelas comunidades indígenas, respeitando, assim, a fé e a cultura daqueles povos.

Tem-se, pois, que o tipo penal do artigo 284, cujo objeto jurídico protegido é a saúde pública, perde o sentido, pois os mais recentes estudos da medicina comprovam a infl uência da fé na cura e até mesmo na prevenção de doenças. Estes achados científi cos levaram o órgão responsável por planejar e

executar políticas de saúde para todo o país – Minis-tério da Saúde – a determinar que as ações de saúde nas comunidades indígenas sejam praticadas com harmonia entre os atos de fé e os atos médicos.

Assim, vê-se que os atos mencionados no tipo penal do artigo 284 do nosso Código Penal não são perigosos à saúde pública. Antes, pelo contrário, ajudam na própria cura daqueles que acreditam nas palavras ditas, nas águas bentas, nos chás, banhos de ervas, etc.

Se alguma das substâncias indicadas for prejudi-cial à saúde, a conduta poderá ser uma das descritas nos artigos 271, 272,273, 274, 276, 278, todos do Código Penal.

E quando a cura for prometida, através de meios secretos ou infalíveis? O tipo é o previsto no artigo 283 do mesmo diploma legal, denominado de char-latanismo.

Não se esquecendo, pois, do tipo previsto no artigo 282, que é o exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica.

Fica claro que o crime de curandeirismo, pensa-do pelo legislador de 1940 é eivado de preconceitos de um Estado onde qualquer outra religião que não a católica, era discriminada.

Situação que, felizmente, vem se modifi cando ao longo desses 65 anos, principalmente após a pro-mulgação da Carta Magna de 1988, com a garantia do direito à igualdade, independentemente de raça ou credo e à liberdade de crença.

Assim, tem-se que o artigo 284 do Código Penal deve ser excluído do nosso ordenamento jurídico. A uma, por encontrar-se em dissonância com a igual-dade e liberdade garantidas pela Constituição da República Federativa do Brasil. A duas, porque o bem jurídico que tenta proteger – a saúde pública - não é atacado pelas ações nele previstas, como já demonstrado antes, mas resguardado.

Recife, novembro de 2005.Maria Ivana Botelho Vieira da Silva

CURANDEIRISMO E SAÚDE PÚBLICA

GT RACISMO - NÚMERO 3 - DEZEMBRO 2005 - 7

Revisão Anual do PCRI visa orientar estratégias

Nos dias 3 e 4 de novembro, realizou-se em Recife, no Recife Palace Hotel, a Revisão Anual do PCRI - Programa de Combate ao Racismo Institucional. A reunião teve como objetivo produzir orientações estratégicas em relação à construção de capacidades institucionais e a sustentabilidade do Programa, identifi car as lições aprendidas e recomendar formas de gestão do conhecimento e transferência para os atores sociais interessados. Participaram pelo GT-Racismo a Procuradora Maria Bernadete Azevedo e as Promotoras de Justiça Maria Betânia e Judite Borba. A Revisão ocorreu em 3 etapas e será concluída com reunião técnica fi nal em Brasília, nos próximos dias 8 e 9 de dezembro.

NOTAS

STJ e Unb assinam convênioSTJ e Unb assinam convênioST

O Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Edson Vidigal, e o Reitor da Universidade de Brasília (UnB), Prof. Timothy Martin Mulholland, assinaram no dia 23 de novembro último, um acordo de cooperação com o fi m de apoiar a inserção sócio-econômica de estudantes oriundos do sistema de cotas daquela Universidade mediante a oferta de 40 bolsas de estágio no STJ em diversos cursos (Direito, Biblioteconomia, História, Comunicação Social e outros). A assinatura do Acordo se deu durante o Seminário “A justiça e a Promoção da Igualdade Racial” promovido pelo STJ, dentro das comemorações do Dia Nacional

da Consciência Negra.O Ministro Vidigal ressaltou em seu discurso que “uma sociedade que não combate as desigualdades comete, pelo menos, duas grandes tolices: uma social e outra econômica. Social, porque, num lugar onde pessoas são tidas como de segunda classe, jamais haverá harmonia e paz social. A econômica porque parte dos cidadãos fi ca à margem do setor produtivo, não participa efetivamente da geração de riquezas nem dos benefícios dela. Isto é, quanto mais pessoas forem incluídas na geração de riquezas de um pais, mais próspero ele será”. Na oportunidade, o Ministro Vidigal foi agraciado com o troféu Raça Negra - 2005, pela Afrobras e Universidade Zumbi dos Palmares.

DESVANTAGEM EMQUATRO DÉCADAS

Mesmo com todos os avanços recentes na área da Edu-cação, a população negra continua carregando um atraso de 40 anos de desvantagem em relação aos brancos. Segundo Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2.005 – Racismo, Pobreza e Violência do PNUD, o percentual de homens negros que tinham concluído o ensino superior em 2.000 (2,7%) era menor que a de homens brancos em 1.960 (3%). A situação de desigualdade não é restrita aos homens. Embora tenha crescido o ingresso de mulheres nas empresas e nos postos de chefi a nos anos recentes, a proporção de brancas e negras no ensino superior se manteve desigual. Em 2.000 as mulheres brancas eram as mais preparadas para o mercado de trabalho: 12% delas tinham terminado o curso superior, enquanto que as negras com o mesmo nível de ensino eram de apenas 3,1%.

CONTRA O RACISMO

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Ronaldo Sales Júnior

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando pare-cem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisa-mente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes empresta-dos os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fi m de apresentar-se nessa linguagem empres-tada.

Karl Marx, 18 de Brumário

As narrativas historiográfi cas ofi ciais cris-talizaram imagens da população negra como apática, infantilizada, desmobilizada e exclu-ída dos processos de participação política. Ao contrário, organizações e intelectuais negros atuaram, buscando transformações sociais através não apenas da revolta violenta, mas, também, através de formas de organização de suas próprias vidas (quilombos, irmanda-des, associações...), ações judiciais, políticas públicas e reformas legais, dialogando com setores da elite e com visões de cidadania próprias de cada período histórico.

Graças à luta dos movimentos sociais ne-gros, Zumbi faz, hoje, parte do panteão de heróis nacionais, e o dia de sua morte sim-boliza o luto e a luta do povo negro (com seus heróis e heroínas anônimos que verte-ram suor, sangue e leite para construção de um Brasil menos pálido), tornando-se o Dia Nacional da Consciência Negra. A experi-ência política e social de Palmares e a fi gura heróica de Zumbi são exemplos maiores da-quela ancestralidade na luta pela liberdade e pela construção de uma sociedade justa. A ancestralidade é uma fonte inesgotável de pulsão, energia, movimento, criatividade e exemplo a ser seguido pelos herdeiros da tradição. A ancestralidade está no ritmo dos tambores e dos corações, na rebeldia dos ca-belos e das idéias, no movimento das danças e das marchas, na substância dos lábios e das palavras, na cor do corpo e da alma, corada no sangue e na pele, na largueza do hori-zonte para onde aponta seu nariz, no suor, sangue e leite derramados, enfi m, no Axé assentado.

Porém, para além do símbolo, há a histó-ria que precisa ser conhecida por todos, pois é a história de nosso país, da diáspora negra no Brasil e nas Américas.

No início do século XVII, temos as primeiras referências, em documentos, a uma comunidade formada por escravos fugidos, por volta de 1605, a cerca de 60 quilômetros da costa do que é hoje o estado de Alagoas. Já em 1612, Palmares adquire grande fama, e os colonizadores portugue-ses enviam uma expedição punitiva, sem sucesso. A comunidade de Palmares viria a crescer continuamente. A entrada dos ho-landeses, em 1630, favoreceria, em certo sentido, a comunidade de refugiados, pois os colonizadores portugueses e os invasores holandeses estariam ocupados uns com os outros. Mesmo assim, em 1640, os holande-ses viam o quilombo de Palmares como “um sério perigo”, mandando Bartolomeu Lintz para conseguir informações. Ele descreveu o quilombo como composto de dois grandes assentamentos: uma aldeia grande na Serra da Barriga e uma menor à margem esquer-da do rio Gurungumba. Em 1644, Rodolfo Baro liderava forças holandesas no ataque à comunidade, onde viveriam, então, seis mil pessoas, tendo sido mortas cem e capturadas 31, dentre as quais sete indígenas e crianças mulatas. Em 1645, Jürgens Reimbach ata-cava Palmares, descrito já como composto por nove aldeias.

Com a expulsão dos holandeses em 1654, os portugueses retomaram os ataques ao quilombo, subestimando Palmares, em expedições modestas e infrutíferas. Doze anos depois da expulsão dos holandeses, os quilombolas começaram a atacar fazendas para conseguir armas, libertar escravos e vingar-se de senhores e feitores. Em 1670, o governador de Pernambuco denunciou os colonos que contrabandeavam armas de fogo para os rebeldes. Os ataques a Palmares prosseguiram e, em 1675, na campanha de Manoel Lopes, Zumbi se destacava como lí-der dos quilombolas, governados por seu tio Ganga-Zumba. Em 1677, Palmares compre-enderia mais de 60 léguas (360.000m) e dez aldeias. Em 1678, Fernão Carrilho capturou os dois fi lhos de Ganga-Zumba. Em Recife, embaixadores do quilombo e as autoridades estaduais fi rmaram um tratado de paz. Isso demonstrava um nível alto de organização política dos quilombolas de Palmares. Zum-

bi, contudo, não confi ava nas autoridades. Revoltando-se contra o tratado, matou seu tio e proclamou-se rei de Palmares. Os ataques portugueses intensifi caram-se nos anos seguintes, sem sucesso, até que o paulista Domingos Jorge Velho ofereceu-se, em 1685, para conquistar os índios de Pernambuco, o que o levaria, também, ao combate aos escravos fugidos e quilombolas de Palmares. Os colonos ainda insistiram em contar com as forças locais, sem êxito, e começaram a perseguir mais intensamente aqueles que colaborassem com os fugitivos. Dois anos depois, Jorge Velho e o gover-nador de Pernambuco chegaram a acordo para a destruição de Palmares. Em 1691, o Conselho Ultramarino ordena a destruição de Palmares. Em fevereiro de 1694, cerca de cem anos após sua criação, Palmares foi destruída, após um cerco de mais de quatro anos, por Jorge Velho à frente de sua tropa de índios e mamelucos com mais de nove mil soldados. Em 1695, Zumbi foi encon-trado, morto e exposto em praça pública.

Palmares deixava de existir, mas sua imagem não seria mais esquecida, apesar de todos os esforços para calar ou diminuir este esforço e grandioso empreendimento histórico, político, cultural, econômico e social, que foi Palmares. Apesar de toda sua extensão geográfi ca (infl uenciando além de suas fronteiras físicas e, mesmo, da nação brasileira de então) e temporal (por exem-plo, durou mais tempo que a experiência da URSS no século XX), Palmares continua sendo tratado como um simples acidente histórico, menos importante, por exemplo, do que a Inconfi dência Mineira ou a Con-federação do Equador. Acrescente-se que Palmares foi uma experiência política e so-cial que se deu no período em que a Europa (ainda e sempre nossa referência de história “universal”!) vivia suas primeiras revoluções liberais (a Revolução Inglesa de 1640, e a Revolução Gloriosa de 1688) – a experiên-cia da República na Inglaterra durou pouco mais de 10 anos.

Portanto, tanto como história quanto como ancestralidade, rememoração ou co-memoração, Palmares precisa ser evocado para atualizar nossa luta por justiça.

ZUMBI: FANTASMA HISTÓRICO OU ANCESTRALIDADE VIVA

GT RACISMO - NÚMERO 3 - DEZEMBRO 2005 - 54 - GT RACISMO - NÚMERO 3 - DEZEMBRO 2005>> * Doutor em Sociologia pela

Universidade Federal de Pernambucoe militante negro

Zumbi: palavra de origem EWE/FON, dialetos originários do Daomé e Togo, cujo signifi cado é: Imortal, Fantasma,Morto-Vivo, etc.

Page 4: NÚMERO 3 IGUAIS EM DIREITOS E DEVERES GTracism … · como a umbanda e o candomblé, ... Os “despachos”, os “ebós”,as “comidas de santos”, as invocações de Ogum, Oxalá,

DICA DE LEITURA

O NEGRO DA CHIBATAFernando Granato, Editora Objetiva, 140 páginas

“Uma vida marcada pela tragédia. Uma trajetória entre a fama e o desamparo. Um homem simples que acabou tornando-se o primeiro herói brasileiro do século XX. João Cândido, o nosso almirante negro, queria acabar com os maus-tratos na Marinha. E assim foi. O mestre-sala dos mares mudou a rota da história ao liderar a Revolta da Chibata naquele novembro de 1910. Sua coragem, no entanto, teve um preço alto demais.‘O Negro da Chibata’ é fruto de dois anos de pesquisa do jornalista Fernando Granato. Neste relato impressionante, o leitor acompanhará o dia-a-dia da revolta, as repercussões políticas, os atos heróicos, as investidas cruéis e os dramas pessoais deste personagem que o país não pode esquecer.”

6 - GT RACISMO - NÚMERO 3 - DEZEMBRO 2005

O INFAME COMÉRCIO Jaime Rodrigues , Editora da Unicamp, 240 páginas

O livro é resultado de minuciosa pesquisa do historiador Jaime Rodrigues, que focaliza o processo de escravização e migração forçada na rota que ligava Angola ao Rio de Janeiro entre 1780 e 1860, analisando as negociações que levavam as caravanas do interior aos barracões do litoral angolano, as condições de vida e de trabalho nos navios negreiros. O autor revela a infi nidade de intermediários que operacionalizavam cada uma das fases do tráfi co, antes, depois e durante a viagem marítima. “Sem dúvida um livro inova dor, que traz um olhar diferente sobre um tema clássico da história do Brasil” (Sílvia Hunold Lara).

JUSTIÇA PROÍBE LIVRO DE EDIR MACEDO SOBRE CULTOS AFROSNo início de novembro, a Igreja Universal

do Reino de Deus foi obrigada a suspender a venda e recolher das livrarias o livro “Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?” escrito pelo bispo Edir Macedo em virtude de liminar da juíza federal da 4ª Vara da Bahia, Nair Pimenta Bueno. A decisão vale para todo o território nacional. A liminar foi requerida em sede de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal sob alegação de que a obra é preconceituosa e discriminatória e “dedica quase que a totalidade de suas páginas a pro-mover ofensas às religiões afro-brasileiras”.

O MPF sustentou que trechos da publi-cação tratam as religiões de origem africana como “seitas demoníacas”, “modo pelo qual o demônio age na Terra” ou “canais de atuação dos demônios”. Os Procuradores da República também afi rmaram que o bispo responsabiliza a Umbanda, o Candomblé e a Quimbanda “pela destruição do ser humano” e pelo uso de entorpecentes.

O livro é vendido nas igrejas, livrarias evan-gélicas e pelo sistema de entrega em domicílio. Em 2000, já haviam sido vendidos mais de 2 milhões de exemplares.

ENTREVISTA

EXPEDIENTE

GT-RACISMO - MPPE

Sales de Albuquerque, Procurador Geral de Justiça

Maria Bernadete Martins Azevedo (Coordenadora), Gilson Roberto de Melo Barbosa (Sub-coordenador), Judith Pinheiro Silveira Borba, Roberto Brayner Sampaio, Maria Ivana Botelho Vieira da Silva, Helena Capela Gomes Carneiro Lima, Taciana Alves de Paula Rocha Almeida, Maria Betânia Silva e Janeide de Oliveira Lima.www.mp.pe.gov.brE-mail: [email protected]. Promotor de Justiça Roberto LyraRua do Imperador, 473 - S tº Antônio Recife/PE Fone: 3419-7000Jornalista Responsável:Ricardo Melo Registro Profi ssional: 2.204 - MG

GT RACISMO - NÚMERO 3 - DEZEMBRO 2005 - 3

A discriminação como forma de violência foi discutida no VI Congresso Estadual do MP,

realizado no período de 10 a 13 de agosto, pela Associação do Ministério Público de Pernambuco, na cidade de Gravatá, que teve como tema “A Construção dos Direitos Humanos no Estado de Pobreza”. A Professora e

Procuradora da Universidade Federal do Paraná, Dora Lúcia Bertúlio, convidada para discorrer sobre a discriminação como forma de violência, destacou as várias formas de discriminação, tais como de gênero, de orientação sexual e a discriminação racial, alertando para uma refl exão no sentido de nos percebermos como produtores e reprodutores de uma cultura discriminatória, que naturaliza a concepção de que algumas

pessoas são inferiores. Doutora pela Universidade de Harvard (USA) e especialista em direito e relações raciais, ela alertou sobre a importância do papel do MP no combate às discriminações, sobretudo a racial como uma das formas mais violentas de violação dos direitos humanos. A mesa do debate foi coordenada pela Procuradora de Justiça Maria Bernadete, Coordenadora do GT-Racismo do MP- PE.

Existe preconceito ou discriminação aos cultos afro e como ocorre?O preconceito é histórico, fruto do racismo. Como a sociedade foi formada para inferiori-zar tudo que se refere à população negra, as religiões de matriz africana sofrem precon-ceito. São tratadas com chacotas, com piadas e em muitas vezes sofrem humilhações de adeptos de religiões cristãs.

O Sr. já foi chamado como representante da re-ligião afro para fazer inauguração ofi cial de algum órgão público ou privado?Nunca, talvez alguém como Manuel da Costa que é babalorixá famoso ou Raminho de Ox-ossi tenham feito alguma coisa do tipo.

Acerca da rotulação, por meio da mídia, da religião afro ser uma coisa do mal, demoníaca, vocês sen-tem isso como fruto discriminação racial em razão da origem da religião ou é simplesmente por conta de divergência religiosa?A herança africana vai ser durante muito tem-

po associada a algo ruim, o racismo produziu esse pensamento. É o combate ao racismo po associada a algo ruim, o racismo produziu esse pensamento. É o combate ao racismo po associada a algo ruim, o racismo produziu

que deve sempre levar em conta a religião como foco da resistência cultural negra.

Vocês já ingressaram na justiça para tentar impe-dir que ocorra esse tipo de discriminação à religião de vocês? Não

Os privilégios e o status que o Estado reconhece para a Igreja Católica e Evangélica não são os mesmos dados para religião de vocês. Isso no seu entender é fruto de discriminação racial em razão da religião?Como a religião é esteriotipada, os políticos em geral preferem pegar pelo que é o senso comum, valorizar e privilegiar o cristianismo em troca de voto.

Porque não existem templos para realização das cerimônias afro como acontece nas igrejas católi-cas e evangélicas?

A tradição do candomblé é uma tradição fa-miliar, da convivência. Existem templos sim, porém não nas dimensões das igrejas que se espalham quase como um modelo de capital-ismo. O candomblé é praticado em geral na casa da mãe ou pai de santo. Dependendo da história de convivência na comunidade e das condições fi nanceiras, os templos são grandes ou pequenos. Mas em geral são registrados no nome do resposnável da família da pessoa que dirige o terreiro.

Vocês têm difi culdades de conseguir do Estado apoio com relação à isenção de impostos?Sim, ainda existe também pouca informação do povo do santo.

Vocês têm conhecimento de manifestação religio-sa no remanescente de quilombos nos interiores?Conheço experiência nos quilombos com igreja católica, devido à catequização. O que se tem muito são pessoas que cultuam orixás mas não comentam.

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Lindivaldo Junior é formado em História, Diretor da Igualdade Racial da Prefeitura do Recife e militante do movimento negro.

LINDIVALDO JUNIOR

FRASE>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>“ Se a população branca do Brasil formasse um país à parte, ela estaria em 44º lugar

no ranking mundial do IDH, enquanto a população negra ficaria em 105º”.Conclusão de tese de doutorado de Marcelo Paixão, economista, doutor em Sociologia e professor da Universidade do Rio de Janeiro,

coordenador da ONG AfroBrasileiro e um dos autores do Relatório do Desenvolvimento Humano no Brasil, da ONU.

PROFESSORA DORA LÚCIA BERTÚLIO FAZ ALERTA EM CONGRESSO ESTADUAL

O preconceito ou discriminação aos cul-tos afro e não é novidade no Brasil. Para o pai-de-santo Wellington Chalane, do Terreiro Marlene de Oxum isso acontece desde a épo-ca dos escravos. “Isso porque nossa religião é predominantemente de negros e os negros sempre foram discriminados. Veja-se a ofi cia-lização dos casamentos nos cultos afros com efeito civil que não existe, mas existe na igreja católica e evangélica”. Chalane, que nunca foi convidado para solenidades ofi cias, mas não vê nisso uma discriminação, considera que a imagem de coisa do mal e do demônio, atri-buída ao candomblé vem em parte por conta da sua própria desorganização interna. Inde-pendentemente das divergências religiosas, ele reconhece que os evangélicos são mais organi-zados. “A falta de união entre os candomblés é que leva a isso. De não ter um programa de rádio, de não se juntarem para entrar na justi-ça reivindicando seus direitos”, analisa.

A falta de união entre os adeptos do can-domblé também é apontada como uma das razões para que a religião não construa seus templos, como acontece com os católicos e evangélicos. “Ele se unem para comprar ter-renos e custear as despesas do templo, porém no candomblé fi ca por conta do pai de santo. Se não tiver alguém para ajudar, ele utiliza o quintal da casa para fazer as cerimônias. Mas hoje dia existem muitos candomblés que já têm seu próprio templo. Aqui, por exemplo, o candomblé funciona há trinta anos e ainda não tivemos condições de fazer um templo próprio”, diz o pai-de-santo.

Chalane diz que o número de evangéli-cos vem crescendo entre os remanescentes de quilombos. “Eles já não adoram os orixás, são todos evangélicos, devido à infl uência dos brancos. Quando se fala no assunto de can-domblé, eles repugnam logo dizendo que isso é coisa do satanás”.

PAI-DE-SANTO ANALISA PRECONCEITOBispo Edir Macedo sob acusação de preconceito

Erramos- Na edição anterior, o nome do escritor Rainer Maria Rilke saiu grafado como José Maria Rilke.

- Na última frase sobre a I Ofi cina realizada em 31 de março e 01 e abril, não saiu o nome do servidor Ivan Telles, seu autor.