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>> GT racismo Publicação trimestral do Ministério Público do Estado de Pernambuco Westei Conde y Martin Junior Os processos de elaboração e de realização propriamente dita das diversas conferências temáticas pelo País podem ser vistos como foros privilegiados de onde advêm não só os anseios da sociedade civil organizada, dos di- versos segmentos e grupos sociais em situação de vulnerabilidade, mas as principais diretri- zes e propostas que devem ser adotadas pelo Poder Público, transmudando-se em políticas públicas. Em que pese a participação do Ministério Público ainda ser tímida nestes espaços, posto que tradicionalmente ainda não se tem, no âmbito institucional, uma exata compreensão acerca da importância do envolvimento minis- terial nas fases preparatórias das conferências municipais, estaduais e nacionais, bem como no processo de escolha dos delegados e obser- vadores, afortunadamente esta realidade vem se alterando em todo o Brasil, evidenciando a necessidade de articulação entre os diversos Ministérios Públicos durante a realização des- tes eventos. Recentemente , realizaram-se pelo Brasil nos âmbitos municipais, regionais e es- taduais — as Conferências de Promoção da Igualdade Racial, culminando com a “1ª Con- ferência Nacional”, ocorrida entre os dias 30 junho e 02 de julho passados. A participação de representantes da população negra, incluin- do as comunidades quilombolas, de indígenas, ciganos, judeus, árabes e de outros grupos so- cialmente discriminados, possibilitou o diálo- go entre Estado e sociedade na busca da impe- riosa promoção da igualdade racial no País. Vários foram os eixos temáticos debati- dos nas conferências como: educação, saúde, diversidade cultural, direitos humanos e se- gurança pública, comunidades remanescentes de quilombo, população indígena, juventude, mulher negra, religiões de matriz africana. A partir de painéis, grupos de trabalho e plená- rias construíram-se inúmeras propostas que, indubitavelmente, servirão para a formulação dos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Afora as tradicionais moções (quer de apoio quer de repúdio), várias resoluções fo- ram aprovadas durante as conferências. Mes- mo se sabendo que ditas propostas não vincu- lam juridicamente os gestores, não podemos deixar de reconhecer a vinculação de conteúdo moral e político que emana destes espaços e a importância de se cobrar do Poder Público a efetivação dos compromissos estabelecidos com a sociedade. A participação do Centro de Apoio Ope- racional às Promotorias de Defesa da Cida- dania do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) nos três momentos (Conferências Municipal do Recife, Estadual e Nacional) possibilitou a feliz constatação que nossa instituição, particularmente através do seu GT- Racismo, tem adotado uma postura de vanguarda no estabelecimento de diretrizes à construção de políticas de promoção da igual- dade racial. Neste sentido, vale registrar pelo menos três grandes objetivos estratégicos pre- vistos no Plano de Atuação 2004-2007, refor- çados pelo acerto das correspondentes metas traçadas: diagnóstico e enfrentamento do Ra- cismo Institucional no âmbito do MPPE; ga- rantia à implementação da Lei nº 10.639/03 e das políticas públicas que atendam aos porta- dores do traço e da anemia falciforme. Por derradeiro, devemos — na condição de agentes políticos defensores do regime de- mocrático — compreender a riqueza democrá- tica das conferências, refletir profundamente acerca do cumprimento da nossa missão insti- tucional de defensores e promotores dos Di- reitos Humanos e sobretudo, comprometidos com a transformação social, encontrar e fazer uso criativo dos instrumentos legais que dis- pomos para monitorar o cumprimento das resoluções oriundas das conferências. Eis o belo desafio! 1. A Conferência Municipal do Recife realizou-se nos dias 15, 16 e 17 de abril . Durante os dias 27, 28 e 29 de maio aconteceu a Estadual e no período de 30 de junho a 2 de julho de 2005 deu-se a 1ª Conferência Nacional da Promoção da Igualdade Racial, em Brasília-DF. APERFEIÇOANDO A INTEGRAÇÃO >> NÚMERO 2 AGOSTO 2005 EDITORIAL Na produção do primeiro número do nosso Jornal GT- Racismo, não imaginávamos que ao lançar esta segunda edição estaríamos vivendo a tragédia da morte prematura e covarde do colega Rossine Alves Couto, o qual esteve presente na nossa Oficina realizada em abril deste ano, juntamente com Sara, sua esposa e promotora de Agrestina, comarca onde se localizam várias comunidades quilombolas, e que naquela oportunidade muito contribuiu com o seu Grupo, apontando diversas propostas de imple- mentação do nosso Plano de Trabalho. Rossini não era apenas Promotor de Justiça de Cupira, onde exercia o seu ministério com a obstinação dos que buscam a realização do sonho de igualdade prometido formalmente na Constituição e com a audácia dos que acreditam na possibilidade de mudanças. Ele era, também, marido, pai, filho, irmão e amigo, de modo que o hediondo crime, além de sua vítima, atingiu também todas essas pessoas que se viram bruscamente privadas de amor, de identidade, de sonhos, de suas referências de afeto. Nós que fazemos o GT Racismo queremos dizer, sobretudo a seus filhos e a Sara, mesmo sabendo que “para o essencial estamos sempre sozinhos”, na expressão do poeta José Maria Rilke, que queremos continuar compartilhando de sua dor, de suas dificuldades, da reconstrução de seus sonhos, porque que- remos ser presentes. Não aceitamos a impunidade dos assassinos de Rossine e de nossa colega Aparecida Clemente, assim como exigimos o esclarecimento e a identificação dos responsáveis pelo atentado ao colega Luciano Bezerra, buscando sem tréguas, todas as possibilidades, porque não formamos fileiras com os que se acostumaram com a violência, com a inércia das instituições e a banalização da morte violenta. Nesta edição, prosseguimos com o objetivo de informar sobre nossas ações institucionais no combate à discriminação racial, a fim de que o público interno e externo acompanhe a implementação das metas estabelecidas no elecidas no Plano de Atuação 2004/2007, esperando poder contar com a colab boração de todos, inclusive com críticas e sugestões, de modo que possamos ap primorar os resultados conduzindo a uma prática institucional cada vez mais democrática democrática e afinada com as necessidades da sociedade. Contra a impunidade Não formamos fileiras com os que se acostumaram com a violência, com a inércia das com a inércia das instituições e a banalização da morte violenta 8 - GT RACISMO - NÚMERO 2 - AGOSTO 2005 * Promotor de Justiça Coordenador do CAOP- Cidadania GT-Racismo em reunião: planos de ação contra a desigualdade racial alcançam o ano de 2007 Rossine Aparecida Luciano

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GTracismoPublicação trimestral do Ministério Público do Estado de Pernambuco

Westei Conde y Martin Junior

Os processos de elaboração e de realização propriamente dita das diversas conferências temáticas pelo País podem ser vistos como foros privilegiados de onde advêm não só os anseios da sociedade civil organizada, dos di-versos segmentos e grupos sociais em situação de vulnerabilidade, mas as principais diretri-zes e propostas que devem ser adotadas pelo Poder Público, transmudando-se em políticas públicas.

Em que pese a participação do Ministério Público ainda ser tímida nestes espaços, posto que tradicionalmente ainda não se tem, no âmbito institucional, uma exata compreensão acerca da importância do envolvimento minis-terial nas fases preparatórias das conferências municipais, estaduais e nacionais, bem como no processo de escolha dos delegados e obser-vadores, afortunadamente esta realidade vem se alterando em todo o Brasil, evidenciando a necessidade de articulação entre os diversos Ministérios Públicos durante a realização des-tes eventos.

Recentemente , realizaram-se pelo Brasil — nos âmbitos municipais, regionais e es-taduais — as Conferências de Promoção da Igualdade Racial, culminando com a “1ª Con-ferência Nacional”, ocorrida entre os dias 30 junho e 02 de julho passados. A participação de representantes da população negra, incluin-do as comunidades quilombolas, de indígenas,

ciganos, judeus, árabes e de outros grupos so-cialmente discriminados, possibilitou o diálo-go entre Estado e sociedade na busca da impe-riosa promoção da igualdade racial no País.

Vários foram os eixos temáticos debati-dos nas conferências como: educação, saúde, diversidade cultural, direitos humanos e se-gurança pública, comunidades remanescentes de quilombo, população indígena, juventude, mulher negra, religiões de matriz africana. A partir de painéis, grupos de trabalho e plená-rias construíram-se inúmeras propostas que, indubitavelmente, servirão para a formulação dos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

Afora as tradicionais moções (quer de apoio quer de repúdio), várias resoluções fo-ram aprovadas durante as conferências. Mes-mo se sabendo que ditas propostas não vincu-lam juridicamente os gestores, não podemos deixar de reconhecer a vinculação de conteúdo moral e político que emana destes espaços e a importância de se cobrar do Poder Público a efetivação dos compromissos estabelecidos com a sociedade.

A participação do Centro de Apoio Ope-racional às Promotorias de Defesa da Cida-dania do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) nos três momentos (Conferências Municipal do Recife, Estadual e Nacional) possibilitou a feliz constatação que nossa instituição, particularmente através do seu GT- Racismo, tem adotado uma postura de

vanguarda no estabelecimento de diretrizes à construção de políticas de promoção da igual-dade racial. Neste sentido, vale registrar pelo menos três grandes objetivos estratégicos pre-vistos no Plano de Atuação 2004-2007, refor-çados pelo acerto das correspondentes metas traçadas: diagnóstico e enfrentamento do Ra-cismo Institucional no âmbito do MPPE; ga-rantia à implementação da Lei nº 10.639/03 e das políticas públicas que atendam aos porta-dores do traço e da anemia falciforme.

Por derradeiro, devemos — na condição de agentes políticos defensores do regime de-mocrático — compreender a riqueza democrá-tica das conferências, refl etir profundamente acerca do cumprimento da nossa missão insti-tucional de defensores e promotores dos Di-reitos Humanos e sobretudo, comprometidos com a transformação social, encontrar e fazer uso criativo dos instrumentos legais que dis-pomos para monitorar o cumprimento das resoluções oriundas das conferências. Eis o belo desafi o!

1. A Conferência Municipal do Recife realizou-se nos dias 15, 16 e 17 de abril . Durante os dias 27, 28 e 29 de maio aconteceu a Estadual e no período de 30 de junho a 2 de julho de 2005 deu-se a 1ª Conferência Nacional da Promoção da Igualdade Racial, em Brasília-DF.

APERFEIÇOANDO A INTEGRAÇÃO

>>

NÚMERO 2AGOSTO 2005

EDITORIAL Na produção do primeiro número do nosso Jornal GT-Racismo, não imaginávamos que ao lançar esta segunda edição estaríamos vivendo a tragédia da morte prematura e covarde do colega Rossine Alves Couto, o qual esteve presente na nossa Oficina realizada em abril deste ano, juntamente com Sara, sua esposa e promotora de Agrestina, comarca onde se localizam várias comunidades quilombolas, e que naquela oportunidade muito contribuiu com o seu Grupo, apontando diversas propostas de imple-mentação do nosso Plano de Trabalho.

Rossini não era apenas Promotor de Justiça de Cupira, onde exercia o seu ministério com a obstinação dos que buscam a realização do sonho de igualdade prometido formalmente na Constituição e com a audácia dos que acreditam na possibilidade de mudanças. Ele era, também, marido, pai, filho, irmão e amigo, de modo que o hediondo crime, além de sua vítima, atingiu também todas essas pessoas que se viram bruscamente privadas de amor, de identidade, de sonhos, de suas referências de afeto.

Nós que fazemos o GT Racismo queremos dizer, sobretudo a seus filhos e a Sara, mesmo sabendo que “para o essencial estamos sempre sozinhos”, na expressão do poeta José Maria Rilke, que queremos continuar compartilhando de sua dor, de suas dificuldades, da reconstrução de seus sonhos, porque que-remos ser presentes.

Não aceitamos a impunidade dos assassinos de Rossine e de nossa colega Aparecida Clemente, assim como exigimos o esclarecimento e a identificação dos responsáveis pelo atentado ao colega Luciano Bezerra, buscando sem tréguas, todas as possibilidades, porque não formamos fileiras com os que se acostumaram com a violência, com a inércia das instituições e a banalização da morte violenta.

Nesta edição, prosseguimos com o objetivo de informar sobre nossas ações institucionais no combate à discriminação racial, a fim de que o público interno e externo acompanhe a implementação das metas estabelecidas no interno e externo acompanhe a implementação das metas estabelecidas no Plano de Atuação 2004/2007, esperando poder contar com a colaboração de Plano de Atuação 2004/2007, esperando poder contar com a colaboração de todos, inclusive com críticas e sugestões, de modo que possamos aprimorar os todos, inclusive com críticas e sugestões, de modo que possamos aprimorar os resultados conduzindo a uma prática institucional cada vez mais democrática a vez mais democrática e afinada com as necessidades da sociedade.

Contra aimpunidade

Não formamos Não formamos Nfileiras com os que se acostumaram com a violência, com a inércia das com a inércia das instituições e a banalização da morte violenta

8 - GT RACISMO - NÚMERO 2 - AGOSTO 2005

* Promotor de JustiçaCoordenador do CAOP- Cidadania

GT-Racismo em reunião: planos de ação contra a desigualdade racial

alcançam o ano de 2007

Rossine

Aparecida

Luciano

1999 2000

$

2001

$

20021999 2000 2001 2002

A Folha de São Paulo, edição do dia 03/6/2005, noticiou a identifi -cação do primeiro usuário brasileiro do Orkut (site de relacionamento na internet) como autor de crime de rac-ismo difundido na rede. Trata-se de um jovem de 18 anos, completados em abril, estudante da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, que criou uma comunidade sob a de-nominação “Sou Contra as Cotas pra Pretos”, por meio da qual defendia que “o lugar desses macacos sujos é na fl o-resta, e não na faculdade”. Ele também se expressou em uma comunidade vir-tual de skinheads que propaga o uso da violência contra minorias, manifestan-do sua concordância com tal prática “porque esse bando de fdp só sussega (sic) no hospital ou no túmulo.

A identifi cação foi decorrente de investigações da Polícia Civil e do GAECO (Grupo de Atuação Espe-cial e de Combate ao Crime Orga-nizado, do Ministério Público de São Paulo), iniciadas há quatro meses, de que resultou uma busca e apreensão realizada na residência do estudante, com autorização judicial. Ao depor, ele confessou a autoria dos textos, afi rmando que as referências racistas fazem parte de um passado recente,

sem seriedade: “Foi um surto que tive. Foi um momento de insensatez. Eu queria causar choque nas pessoas, pas-sar uma imagem na internet de pessoa diferente, exótica”.

O jovem, entretanto, não foi de-tido, pois, de acordo com o promotor de Justiça Christiano Jorge dos San-tos, ainda não há uma defi nição sobre o caso porque ele criou a comunidade racista quando ainda tinha 17 anos, embora as suas declarações tenham continuado expostas mesmo depois dele atingir a maioridade penal. Ainda segundo o representante do Minis-tério Público, se houver o entendi-mento de que ele continuou a incitar a discriminação e o preconceito, será oferecida uma denúncia junto a uma vara criminal, podendo ser condenado a uma pena de um a cinco anos de re-clusão – há a agravante de o crime ter sido cometido em um meio de comu-nicação social, a internet –, além de uma multa. Porém, caso a conclusão seja a de que o fato ocorreu quando o estudante ainda não havia atingido a maioridade penal, restará caracter-izado um ato infracional (previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente), podendo ser-lhe aplicada uma medida sócio-educativa.

MP MARCA PRESENÇA JUNTO À SOCIEDADE

Na Capital, a 8ª Promo-toria de Justiça de Defesa da Cidadania, com atribuições na promoção e defesa dos Direi-tos Humanos, tem atuado na esfera extrajudicial nas denún-cias de discriminação racial. São exemplos desse trabalho o caso ocorrido na Escola Clóvis Bevilacqua que resultou em uma sensibilização com parti-cipação de alunos, professores, representantes do movimento negro e da Promotora de Jus-tiça Judith Borba. Também, com base em representação do SOS Racismo, foi instaurado o Procedimento Administrativo nº 04018-2/8, com o intui-to de apurar possível prática discriminatória veiculada na campanha publicitária “sujou usa dragão” da Empresa Inter-lândia”, o que redundou na re-tirada do ar de tal propaganda e numa nova campanha publi-citária enaltecendo as mulheres de todas as raças. Outro tema que está sendo tratado pela 8ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania por pro-

vocação do Movimento Negro Unifi cado é a discriminação que sofrem os adeptos das re-ligiões afro-brasileiras.

CRIME DE RACISMO OUINJÚRIA QUALIFICADA?

A Promotoria de Barreiros denunciou a pessoa de Par-reiros Cordeiro da Silva por crime de racismo (art. 20 da Lei 7.716/89) em concurso material com os delitos de desacato e ameaça. O referido cidadão externou ideologia racista quando se dirigiu a um policial militar chamando-o de “negrinho safado”. As ofensas racistas foram praticadas em um hospital público e reite-radas dentro da Delegacia de Polícia. Para o Promotor do caso, a conduta do acusado se amolda à perfeição ao tipo pe-nal estabelecido pelo art. 20 da Lei nº 7.716/89. A agressão ul-trapassa os limites da individu-alidade do policial diretamente atingido para alcançar toda a coletividade. A denúncia foi recebida e o interrogatório está marcado para este mês de agosto.

MPPE TRAÇA PLANO DE TRABALHO EM OFICINA

Nos dias 31 de março e 01 de abril do corrente ano foi realizada a I Ofi cina para Elaboração do Plano de Trabalho do Ministério Público de Pernambuco no combate à discriminação racial, promovida pelo MPPE, PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e DFID – Ministério Britânico para o Desenvolvimento Internacional.

O evento ocorreu no Recife Praia Hotel, no Pina, nesta cidade de Recife e foi aberto pelo Exmo. Sr. Procurador Geral da Justiça, Dr. Sales de Albuquerque, além da Dra. Maria Bernadete Azevedo, Coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Racismo do MPPE, Dra. Maria Aparecida Caetano dos Santos, Corregedora Auxiliar do MPPE e Luisa Bairros - Consultora do DFID/PNUD para o PCRI, além de diversas autoridades e entidades do Movimento Negro.

Os trabalhos transcorreram com muito êxito, sob a Coordenação da Dra. Maria Lúcia da Silva – Coordenadora do Instituto AMMA Psique e Negritude – São Paulo; Mônica Oliveira – Consultora DFID – Recife e Tereza Cristina Vital de Souza, com a supervisão geral da Dra. Luisa Bairros, Coordenadora do Projeto PCRI e teve a participação de 39 promotores da capital, região metropolitana e das Comarcas sede de Comunidades Quilombolas, 9 servidores do MPPE, quatro entidades convidadas e 4 organizadores.

2 - GT RACISMO - NÚMERO 2 - AGOSTO 2005

MP EM AÇÃORACISMO NAVEGA NA INTERNET

Nessa coluna o GT Racismo reserva espaço para publicação de notícias de ações, inquéritos e procedimentos de investigação relacionados à atuação dos Promotores e Procuradores de Justiça no combate ao racismo. Envie seu material e participe das discussões sobre discriminação e promoção da igualdade racial.

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O Programa de Combate ao Racismo Institucional no Brasil (PCRI) é parte de um trabalho regional sobre raça/etnia e visa apoiar, de forma integrada, o setor público no combate e prevenção ao racismo institucional e a sociedade civil na avaliação e monitoramento desse processo. O PCRI é uma parceria estabelecida entre a Agência de Cooperação Técnica do Ministério Britânico para o Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID), o Ministério da Saúde (MS), a Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o Ministério Público Federal (MPF), a Organização Panamericana de Saúde (Opas) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

O PCRI é constituído por dois componentes inter-relacionados. O componente Municipal apóia políticas e ações que abordam a promoção da igualdade racial, com base na experiência municipal

nos estados de Pernambuco e Bahia. Já o componente de Saúde envolve uma parceria com a OPAS e o Ministério da Saúde, proporcionando um estudo de caso especial sobre como o racismo institucional pode ser tratado de modo a melhorar os indicadores de saúde.

Em Pernambuco, o PCRI está atuando também junto ao Ministério Público Estadual, numa parceria com o Grupo de Trabalho de Racismo (GT Racismo). Este GT vem desenvolvendo um plano de ações voltado para esta temática dentro da atuação do MPPE. O PCRI tem apoiado principalmente processos de sensibilização e formação de membros do MPPE em torno da identifi cação de manifestações do Racismo Institucional e formulação e implementação de ações com vistas à superação dessa problemática.

O PCRI NO MPPE

GT RACISMO - NÚMERO 2 - AGOSTO 2005 - 7

Pré-Conferência contra o Racismo, a Xenofobia e a Discriminação

O Brasil irá sediar a Conferência Santiago+5, prevista para dezembro deste ano, que avaliará os avanços ocorridos nos países do Continente Americano após da Declaração e Plano de Ação da Conferência Regional das Américas, realizada na cidade de Santiago do Chile, em 2000. Esse evento foi preparatório para a Conferência Mundial Contra a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada na cidade de Durban, África do Sul, em 2001. No entanto, a Conferência realizada em terras brasileiras, será precedida pela Pré-conferência Santiago+5, programada para os dias 10, 11 e12 de agosto, na cidade de Santiago, Chile.

NOTAS

Empresas criam programas para conscientizar seus funcionários

O respeito à diversidade é alvo de campanhas de diversas empresas brasileiras junto aos trabalhadores. O objetivo é sensibilizar os funcionários sobre a questão do negro, da mulher, dos defi cientes, da terceira idade e dos homossexuais no mercado de trabalho. A iniciativa mostra que a responsabilidade social é cada vez mais presente na ações do empresariado brasileiro. Organizações como o Banco Real, America Express, Companhia Força e Luz, IBM, JP Morgan, Kodak, Natura e Grupo Pão de Açúcar buscam criar ações afi rmativas que vão desde a criação de comitês internos a palestras e debates com profi ssionais de fora, principalmente de ONGs.

Luisa Bairros, do PNUD, é socióloga e coordenadora doPrograma de Combate ao Racismo Institucional

Mônica Oliveira é comunicóloga e assessora do Programade Combate ao Racismo Institucional em Pernambuco.

Maria Betânia Silva

Com a criação da Promotoria de Defesa do Direito à Educação, através da Resolução CPJ nº02/2003, o Ministério Público do Estado Per-nambuco redimensionou de forma signifi cativa as suas funções institucionais. Além de explicitar o seu compromisso de luta em prol dos direitos coletivos, pretendeu otimizar a atuação dos seus membros na construção da cidadania, já que fa-lar de cidadania, no nosso país, é tratar de uma noção ainda refém de discursos e papéis.

Lamentavelmente, mesmo que, às vezes, a cidadania seja exercitada, não raro, ela aparece apenas como uma sombra de dignidade ou direi-to de alguns em meio a uma multidão de afl itos desamparados. As esporádicas manifestações de cidadania, desse modo, não sedimentam direito algum e mesmo que decorram de comporta-mentos exemplares, isso não se repete insistente-mente como deveria para sugerir uma mudança comportamental generalizada. Isso faz crescer um mal-estar social que vai se tornando tanto mais insuportável quanto maior é o desejo de que vivamos sob o infl uxo de uma ação contínua de respeito generalizado a direitos individuais e coletivos, que é senão a essência, o pressuposto da cidadania.

Conscientes ou não deste cenário, esperanço-sos ou não quanto ao futuro do Brasil, todos nós brasileiros temos uma opinião quando se trata de discutir cidadania. Num discurso afi nado e cheio de vontade de ver as coisas mudarem, una-nimemente, afi rma-se que é preciso investir em Educação, pois Educação é prioridade. Não há quem duvide de que esta é o instrumento, aliás, o melhor instrumento, para formar o cidadão, e, por via de conseqüência, um país social e politi-camente desenvolvido.

Por isso, nunca é demais indagar: o que tem sido feito pela Educação no nosso país? Ou, ain-da, o que será que tem sido feito com a Educa-ção? As respostas a essas perguntas são as mais variadas possíveis e podem até ser muito longas e complexas, mas em relação a qualquer uma delas é comum ouvir como resposta aquela segundo a qual falta investimento na Educação. Se não há investimento, então, não há dinheiro e sem dinheiro, como se sabe, nada se faz sobretudo num mundo globalizado sob o encanto do ca-pital. Embora a afi rmação sobre a falta de in-vestimento seja uma resposta possível, ela é uma meia verdade.

No estado de Pernambuco, por exemplo, não se pode dizer que faltam investimentos em Educação, até porque, independentemente do governante, desde a Constituição Federal de 1988 existe a obrigação de aplicar no mínimo 25% da receita do Estado na área de Educação, conforme dispõe o art.212. Além do mais, com a implantação do FUNDEF, tornou-se certo que

15% da receita passaria a ser aplicada no Ensino Fundamental com vistas a senão eliminar, redu-zir as taxas de analfabetismo no país. Na prática, o que acontece é que a certeza dos investimentos não basta. É preciso saber como eles têm ocorri-o que acontece é que a certeza dos investimentos não basta. É preciso saber como eles têm ocorri-o que acontece é que a certeza dos investimentos

do? Isso, sim, é o que mais interessa. Em outras palavras, é preciso saber ou investigar como os investimentos estão sendo feitos e quais os resul-tados que têm produzido.

Pois bem, em vista de tais considerações, ve-jamos o que ocorre no estado de Pernambuco. Basta uma visita ao site da Secretaria de Educação e Cultura (http://portalseduc 2.interjornal.com.br/programas.kmf) para visualizar o espectro de investimentos que vêm sendo feitos na área de Educação. Nesse site, encontramos programas e projetos relativos à Educação, alguns deles orça-dos em até milhões de dólares que sugerem um benefício em alguns casos a milhões de alunos e, outros, a algumas dezenas de milhares. Ana-lisando as coisas sob esse prisma, poder-se-ia até dizer que a simples referência a milhões dispen-sa comentários sobre o que tem sido feito pela Educação no estado. O investimento aí é certo. Entretanto, a forma como isso vem sendo efetu-ado deve ser levada em conta e sugere que se faça um questionamento sobre os resultados desses investimentos. Não se trata, no caso, sequer de questioná-los do ponto de vista da legalidade ou regularidade, embora possa haver justifi cativas para fazê-lo. Trata-se, isto sim, de avaliar a ex-tensão e signifi cado dos resultados obtidos pelos investimentos já realizados ou, ainda, as expecta-tivas de resultado de outros tantos.

Uma vista d’olhos nos objetivos de cada um dos programas e/ou projetos listados no site da SEDUC suscitam refl exões e críticas que não po-dem ser desprezadas quando o que se busca é for-mar cidadão por meio da Educação. De forma esquemática, pode-se perceber que os programas e/ou projetos dividem-se em quatro grupos se-gundo o objetivo traçado para cada um deles.

O primeiro grupo reúne programas e/ou projetos, considerando que não está muito cla-ra a distinção entre esses termos, que têm como alvo a escola em sentido estrito. Digamos, a es-cola no sentido físico. São programas que envol-vem a manutenção do prédio, de suas instalações e aquisição de equipamentos etc. Dentre eles destacamos:

a) o PDE (Plano de Desenvolvimento Es-colar) que segundo informações constantes do site, já benefi ciou 511 escolas nos últimos quatro anos e em 2005 pretende benefi ciar outras 168, nas Zonas de Atendimento Prioritário. Este pro-grama, ao que tudo indica, se inscreve no progra-ma mais amplo denominado Dinheiro na Escola que, por sua vez, já benefi ciou 735 escolas;

O segundo grupo, ainda, na perspectiva do programa Dinheiro na Escola (apenas para os dois primeiros abaixo relacionados) está voltado

para a formação de professores. São eles: a) o PMRE (Programa de Melhoria de Ren-

dimento Escolar) que envolve professores de Língua Portuguesa e Matemática e Educação Indígena para as 5ª e 8ª séries do Ensino Fun-damental e conforme publicação feita através do site aguarda a sua implantação para capacitar 480 professores;

b) o GESTAR (Gestão de Aprendizagem da Sala de Aula) que busca incentivar a formação contínua de professores de Português, Matemá-tica e Educação Indígena de 1ª a 4ª séries do En-sino Fundamental, sendo fi nanciado pelo FUN-DESCOLA que já atendeu a 510 professores e;

c) o FUNDESCOLA, que criado em 1998 já tendo abrangido um universo de 709 profes-sores e benefi ciado 20.943 mil estudantes, inves-te prioritariamente na formação continuada de professores, se constituindo de 1998 até 2004 de três acordos fi rmados com o BIRD, no valor de U$1,3 bilhão.

O terceiro grupo, por seu turno, se compõe de programas destinados diretamente ao aluna-do. Dentre eles, merecem destaque:

a) o EDUQ (Programa Educação de Quali-dade) que tem por objetivo melhorar os índices de educação básica e pretende benefi ciar direta-mente, mediante a compra de equipamentos de informática, 250 mil alunos.

Orçado em U$52,5 milhões com investi-mentos que procedem do Governo do Estado e do BIRD em conseqüência de um acordo cele-brado este ano, tem-se afi rmado que esse progra-ma implicará uma revolução na área educacio-nal. Tem-se, nesse sentido, ademais enfatizado o fato de que esse projeto viabilizará a aquisição de equipamentos de informática e reforma de 150 escolas como se tudo estivesse a depender da tecnologia, independentemente de professores e alunos.

b) Projeto Avançar – Aceleração do Médio foi iniciado em 2001, passando a atender 22.503 da RMR, e teria benefi ciado 12 mil alunos com as telessalas;

c) Alfabetização de Pernambuco cujo ob-jetivo, muito sintomaticamente, é reduzir o analfabetismo no Ensino Fundamental, num estado cuja população não alfabetizada chega a 1.468.201 habitantes;

d) Se Liga e Acelera Pernambuco que, se-gundo consta, atendeu 30.360 alunos em 2004 e pretende evitar a distorção idade/série;

e) Alfabetizar com sucesso que tem como meta benefi ciar 70 mil estudantes;

f) Qualiescola que foi implantado em 1999 visando melhorar o rendimento em Matemática e Português no Ensino Fundamental da 1ª a 2ª série e que hoje, segundo consta no site, atende a 9,2 mil alunos de 33 escolas da RMR;

E, ainda, nesse terceiro grupo, convém assi-nalar os Programas de Acesso ao Ensino Supe-

EDUCAÇÃO PARA TODOS. ATÉ QUANDO ESPERAR?

GT RACISMO - NÚMERO 2 - AGOSTO 2005 - 54 - GT RACISMO - NÚMERO 2 - AGOSTO 2005

rior, quais sejam: Rumo à Universidade, Rumo ao Futuro, Prevupe e etc. Por fi m, no quarto grupo de programas, encontram-se aqueles volta-dos para atividades de Esporte e Lazer como, por exemplo, e o Projeto Segundo Tempo.

Como se pode ver, os investimentos se suce-dem ou, às vezes, se repetem e ante o esquema acima torna-se fácil verifi car que há uma preo-cupação com a melhoria dos índices de ensino/aprendizado para as disciplinas de Português e Matemática, através de programas voltados tanto para professores quanto para alunos. Também se observa que o Ensino Fundamental parece ter sido priorizado, considerando que em cinco dos dez programas aqui destacados há referência a esse nível de ensino, ao mesmo tempo em que uma série de programas dirigidos ao Ensino Mé-dio foi concebida.

E daí, mas o que é que isso tudo, enfi m, re-presenta além do que está efetivamente contido no site?

Em primeiro lugar, a existência de programas voltados à melhoria do Ensino Fundamental, inclusive, abrangendo adultos, atesta que a Edu-cação vai mal e que esse mal é antigo. Trata-se, talvez, de um problema acumulado há décadas e que provavelmente não decorre da falta de in-vestimento, mas do tipo de investimento que foi feito. Mais precisamente, ainda, trata-se de um prejuízo que decorre de um mal investimento porque indiferente ao fato de que Educação é prioridade e como tal exige uma continuidade e estabilidade no nível desse investimento, de modo a não permitir rupturas motivadas por dis-putas ideológicas ou objetivos eleitoreiros.

Isso signifi ca que a Educação não pode con-tinuar a ser objeto de programas cujo tempo de vida é previamente limitado e que não raro coincide com o lapso de tempo de um mandato eletivo, a despeito do elevado aporte fi nanceiro previsto. Salta aos olhos a gravidade da situação quando se verifi ca que há programas voltados à formação continuada de professores de Portu-guês e Matemática e à melhoria dos índices de desempenho dos alunos nessas disciplinas e não porque essas disciplinas não sejam importantes ou dispensem esse tipo de formação, evidente-mente, mas pelo fato de que Português tornou-se a nossa língua materna em virtude da chegada dos Portugueses ao Brasil e Matemática é uma ciência de operações lógicas conhecida desde a antigüidade, e como uma ciência formal abstrata não se deixa afetar por mudanças de interpretação ou de realidade, de modo que dois nunca deixou de ser dois, somente se transformando em quatro se somado a ele mesmo ou multiplicado por ele mesmo.

Portanto, se havemos de conceber programas especiais para melhorar o desempenho de pro-fessores e alunos em Português e Matemática, emprestando a tais programas o papel de álibi no investimento em Educação, além de apresen-tá-los como uma iniciativa capaz de glorifi car o nosso estado, estamos muito longe de travar uma discussão sobre a importância dessas disciplinas

tal como fi zeram Bentinho e Escobar, persona-gens do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis que, com maestria soube retratar o co-mum a qualquer ser humano e o peculiar da nos-sa sociedade. Se nos falta o mínimo para manejar o Português que dirá a literatura nessa língua. O deleite com a leitura de Machado, por exemplo, para muitos dos alunos das escolas estaduais pare-ce tão pouco provável quanto intenso o desejo e, por vezes, a frustração de ler a Revista Caras !

Estamos ainda em busca do mínimo para a Educação, enfrentando o argumento de que o que se faz é o possível! Não é de estranhar, assim, que no movimento de descida, a linha de Equa-dor não seja a única linha a servir de baliza!

Nesse diapasão, convém ainda assinalar, como segunda refl exão sobre a existência e natureza dos programas acima destacados, que há um ponto de confl uência entre eles e que esse ponto, por seu turno, indicia uma falência generalizada dos objetivos de cada um. Essa falência se manifesta exatamente na necessidade de elaborar programas voltados exclusivamente para o Ensino Médio numa perspectiva de suprir o défi cit acumula-do no Ensino Fundamental e, assim, criar uma segunda alternativa de superação do fracasso an-terior. É realmente lastimável fazer o registro de segunda alternativa de superação do fracasso an-terior. É realmente lastimável fazer o registro de segunda alternativa de superação do fracasso an-

programas que embora aplicados ao Ensino Mé-dio cumprem a função que caberia a programas já implementados para o Ensino Fundamental. Reduzir o analfabetismo, apressar o processo de conclusão do Curso Médio e evitar a distorção idade/série, por exemplo, são um atestado de que o fracasso não só é antigo como vem se acumu-lando. Tais circunstâncias no seio do sistema de Educação Pública no país e no estado de Pernam-buco, em particular, é, verdadeiramente, uma história trágica.

E, como última refl exão, vale anotar que al-guns números constantes no site da SEDUC só são elevados quanto ao montante em dinheiro disponibilizados para os programas e/ou projetos apresentados, pois quanto ao de alunos, escolas ou professores benefi ciados os números são, na realidade, inexpressivos se se considerar o total de cada um desses elementos da rede estadual de ensino. À exceção do Programa Eduq que estima atender milhões de alunos, os demais programas benefi ciaram ou benefi ciarão algumas centenas ou dezenas de milhares.

A despeito de ser a exceção, o Programa Eduq suscita, em todo caso, a necessidade de es-clarecimento, pois segundo se extrai do site, com a implantação dele estima-se um benefício para cerca de 2,17 milhões de alunos. Considerando o censo escolar de 2004, 2.786.135 era o total de estudantes do sistema estadual de ensino, in-cluindo, portanto, os alunos vinculados às esco-las privadas, federais e municipais. Se assim é, de modo instantâneo, ou o Eduq benefi ciará 100% da população do sistema estadual ou ultrapassará os 100%.

Por tudo isso e muito mais, a constatação de que a Educação vai mal e em grave estado de saúde tanto quanto a própria Saúde, diga-se de

passagem, entristece e exige medidas de salvação. Isso implica o respeito, no mínimo, ao dever le-gal do Estado de ofertar Educação e de assegurar qualidade nessa oferta, fi rmando um compro-misso a longo prazo, um prazo muito mais longo do que o tempo de um mandato de um gover-nante ou o tempo de mandato do seu provável sucessor. Em outros termos, trata-se de fazer com que o Estado cumpra a sua fi nalidade, sem delegações a terceiros, formulando uma política educacional que represente um investimento contínuo e sintonizado com todos os elementos que compõem o universo da vida escolar, sem submetê-los a pactos temporários de troca entre direitos e oferta de serviços.

É de se esperar que um dia haverá escolas com professor e professor para cada disciplina, a fi m de não perenizar situações como a que re-centemente se diagnosticou no Recife. Só para se ter uma idéia de uma história indesejável, das 197 escolas estaduais existentes na Cidade do Recife, 34 delas - das 35 que foram inves-tigadas pela Promotoria de Defesa do Direito à Educação da Capital – apresentaram défi cit de carga horária em várias disciplinas durante o ano letivo de 2004 e também 2005. Além disso, em algumas delas, mesmo apresentando défi cit, os alunos tiveram seus estudos certifi cados, sendo promovidos às séries seguintes, em alguns casos até mediante a repetição da nota obtida numa disciplina em outra de conteúdo completamen-te distinto. Por exemplo, a repetição da nota de Português em Inglês como forma de superar a falta de professor desta última.

É de se esperar, ainda, que no universo de falta de professor desta última.

É de se esperar, ainda, que no universo de falta de professor desta última.

33.560 professores, segundo informações pres-tadas pela SEDUC à referida Promotoria, os 8.440 professores contratados temporariamente possam ser substituídos por professores perma-nentemente vinculados ao quadro de professo-res do Estado, porque afi nal essa permanência é o que pode assegurar o sucesso da formação continuada e ultrapassar o número acanhado de capacitações que se tem realizado e publicizado como uma prática universalizante.

Diante disso tudo, deve-se, enfi m, perguntar quanto tempo será preciso esperar para que os alunos da rede estadual de ensino comecem a contar os anos da História Brasileira como anos de conquista de um povo ou comecem a con-tar a História dos afro-descendentes como um ponto de partida para a construção da igualdade no estado e no país. Ou ainda, quanto tempo se deve ainda esperar para que se estabeleça um ambiente ecologicamente equilibrado, onde os problemas sociais e políticos sejam temas trans-versais no currículo obrigatório das escolas sem que representem a negação desse currículo.

>> * Promotora de Justiça de Defesa da

Cidadania da Capital na Promoção e Defesa do Direito Humano à Educação

DICA DE LEITURA

A pesquisa sobre a presença negra no Brasil A pesquisa sobre a presença negra no Brasil já pode contar com um precioso documento já pode contar com um precioso documento iconográfi co. Foi lançada a mais extensa coletânea de fotografi as até aqui realizada coletânea de fotografi as até aqui realizada sobre assunto: são 340 fotografi as que compôem um painel acerca do cotidiano dos africanos e seus descendentes. O texto de George Ermakoff tem duas partes; na primeira, o autor faz uma abordagem, baseada em leituras e impressões pessoais, baseada em leituras e impressões pessoais, da trágica história dos africanos que vieram da trágica história dos africanos que vieram para o Brasil para servir como mão-de-obra para o Brasil para servir como mão-de-obra escrava. Na segunda parte, o livro trata de questões relacionadas à fotografi a brasileira no século 19, incluindo uma biografi a dos fotógrafos que integram a coletânea.

6 - GT RACISMO - NÚMERO 2 - AGOSTO 2005 2005

Comunidades remanescentesde quilombos em PernambucoMUNICIPIO COMUNIDADE FAMILIAAfogados da Ingazeira Leitão 250Afogados da Ingazeira Leitão 250Afogados da Ingazeira Umbuzeiro 40Afogados da Ingazeira Umbuzeiro 40Agrestina Furnas 50Agrestina Furnas 50Agrestina Pé de Serra 500Agrestina Pé de Serra 500Águas Belas Quilombo 100Águas Belas Quilombo 100Águas Belas Sitio Pinhão 80Águas Belas Sitio Pinhão 80Águas Belas Tanquinho 60Águas Belas Tanquinho 60Bezerros Guaribas 275Bom Conselho Angico 400Bom Conselho Angico 400Bom Conselho Isabel *Bom Conselho Macacos *Brejão Batinga 60Brejão Batinga 60Brejão Curiquinha dos Negros 180Brejão Curiquinha dos Negros 180Cabo de Santo Agostinho Doze Negros 80Cabo de Santo Agostinho Doze Negros 80Capoeiras Cascavel 200Capoeiras Cascavel 200Capoeiras Fidelão 50Capoeiras Fidelão 50Capoeiras Imbé 120Capoeiras Imbé 120Cupira Sambaquim 238Cupira Sambaquim 238Floresta Massapé 80Floresta Massapé 80Garanhuns Caluete 100Garanhuns Castanho 165Garanhuns Estiva 60Garanhuns Estrela 150Garanhuns Timbó 150Goiana Povoação de São Lourenço 80Goiana Povoação de São Lourenço 80Itacuruba Negros do Gilú 150Itacuruba Negros do Gilú 150Lagoa dos Gatos Cavuco 200Lagoa dos Gatos Cavuco 200Lagoa dos Gatos Pau Ferrado 150Lagoa dos Gatos Pau Ferrado 150Quixába Sitio Gia 60Salgadinho Conte 65Salgadinho Conte 65Salgueiro Conceição das Crioulas 800Salgueiro Conceição das Crioulas 800São Bento do Uma Jiral 80São Bento do Uma Sertote do Gado Brado 500Terra Nova Contendas 60Triunfo Livramento 40Triunfo Sitio Novo 25

* Dado em fase de pesquisa

DATA

A cidade de Mossoró , no Rio Grande do Norte, comemora com festa, todo ano, a libertação dos últimos escravos da cidade. A história registra que em 30 de setembro de 1883, Mossoró amanheceu com as ruas enfeitadas de bandeiras coloridas e folhas de carnaubeiras. Ao meio-dia, do prédio da Cãmara Municipal, o presidente da Sociedade Libertadora Mossoroense, Joaquim Bezerra da Costa Mendes, abria a sessão solene com a leitura de diversas cartas de alforria. Em seu discurso, declarava que a cidade, a partir daquele dia, estava “livre da mancha da escravidão”, cinco anos antes da Lei Áurea. Os acontecimentos daquela época são comemorados pelos mossoroenses com encenações teatrais, muita dança e música, no último dia do mês de setembro. Há cinco anos encena-se o “Auto da Liberdade”, espetáculo popular escrito em verso de cordel pelo poeta Crispiniano Neto, que rememora a abolição da escravatura. O espetáculo é apresentado ao ar livre numa arena de 23 metros de diâmetro.

QUILOMBOLAS E O DIREITOÀ PROPRIEDADE DA TERRA Trezentos e dez anos depois da morte de Zumbi, líder do movimento negro do Quilombo dos Palmares, em Pernambuco, as atenções ainda se voltam para a situação dos núcleos rurais espalhados pelo País, onde vivem populações remanescentes de quilombos. Existem grupos já identifi cados vivendo até mesmo no interior da Amazônia, e outros Estados braileiros. Os descendentes dos escravos trazidos da África já não falam as línguas de seus antepassados e muitos chegaram a perder suas referências históricas. Muitos desses grupos, sem acesso à economia regional, não sabem que o artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 garantiu aos descendentes dos fundadores de quilombos, que continuam vivendo em áreas antigas, a posse das terras que habitam. A cobertura jornalística dos movimentos no campo, em grande parte, é voltada para as ações do Movimentos dos Sem Terra (MST), que tem muitos integrantes negros, sobretudo no Nordeste. Mas há a questão específi ca do direito dos descendentes de quilombolas. A luta pelo seu reconhecimento continua.

A comunidade de Conceição das Crioulas, no município de Salgueiro (PE), tem 800 famílias

ENTREVISTA

EXPEDIENTE

GT-RACISMO - MPPEMaria Bernadete Martins Azevedo (Coordenadora), Gilson Roberto de Melo Barbosa (Sub-coordenador), Judith Pinheiro Silveira Borba, Roberto Brayner Sampaio, Maria Ivana Botelho Vieira da Silva, Helena Capela Gomes Carneiro Lima, Taciana Alves de Paula Rocha Almeida, Maria Betânia Silva e Janeide de Oliveira Lima.

www.mp.pe.gov.brE-mail: [email protected]. Promotor de Justiça Roberto LyraRua do Imperador, 473 - S tº Antônio Recife/PE Fone: 3419-7000

Jornalista Responsável:Ricardo MeloRegistro Profi ssional: 2.204 - MG

GT RACISMO - NÚMERO 2 - AGOSTO 2005 - 3

“Além da oportunidade de constatarmos que todos nós ainda somos impregnados de atitudes racistas, o encontro promovido pelo GT Racismo foi permeado por calorosos debates, auxiliando na construção de uma identidade institucional sobre o tema, além de estabelecer vários mecanismos para o combate dessa maldita forma de exclusão social”

Allisson de Jesus Cavalcanti de Carvalho – Promotor de Justiça de Arcoverde “A Ofi cina de Trabalho promovida pelo GT Racismo abriu espaço para os membros e servidores do MP discutirem abertamente a questão do racismo dentro da nossa própria instituição, primeiro e decisivo passo para que o MPPE possa defi nir metas de atuação voltadas à promoção da igualdade racial, atuando em parceria com as combativas organizações não-governamentais da comunidade negra, e munindo o Promotor de Justiça dos conhecimentos e, principalmente, da sensibilidade necessária ao enfrentamento do tema”.

Camila Mendes, Promotora de Justiça de Taquaritinga do Norte

“Considero que a Ofi cina de Racismo foi um momento de grande importância para a Instituição. Ela possibilitou que um grupo signifi cativo de membros e servidores pudessem fazer um mergulho na problemática do racismo brasileiro. O resultado é que pessoas que anteriormente jamais haviam parado para refl etir sobre o racismo puderam ter um maior conhecimento, sensibilidade e consciência em relação ao tema. Além disso, os participantes elaboraram de forma democrática e participativa um plano de atuação de combate às desigualdades raciais a ser posto em prática pelo MPPE.

Como a Sra. vê a discriminação racial no Brasil de hoje?Atualmente, a questão racial é melhor trabal-

hada. Antes, o discurso era de que não havia racismo, nem preconceito. Em 1979, imperava a tese da “morenidade” de Gilberto Freire. Hoje o assunto é tratado com mais propriedade. Mas as coisas não mudaram como o Movimento Negro gostaria; falta, ainda, a aplicação prática dessa mudança. Para acontecer, é preciso dar prioridade a duas questões: a primeira delas é a educação com a valorização da cultura negra; vários livros, por exemplo, ainda ligam a questão da abolição à Princesa Isabel e ignoram a luta dos quilombos. Isso precisa ser mudado e devidamente trabalhado em sala de aula. A outra questão é a saúde da população negra.

Os negros têm especifi cidades e, por falta de política adequada de saúde pública, eles mor-rem mais cedo. Com a população branca tem sido diferente como no caso do câncer de pele em que houve fortes investimentos e uma campanha esclarecedora da importân-cia do uso do fi ltro solar. Isso nunca ocorreu em relação às doenças da população negra - a anemia falciforme e a hipertensão. A primeira foi identifi cada no fi nal do Séc. XIX e poucos são os clínicos, pediatras e ginecologistas que têm a preocupação de identifi car a doença e encaminhar para tratamento. O mesmo se dá com a hipertensão, que acomete a população branca e negra, mas é mais grave na negra, sendo também poucos os cardiologistas que dão o devido encaminhamento. Não há uma

política pública efi caz.Quais as principais demandas do Movi-mento Negro? Políticas públicas para a área de saúde e educa-ção e a regularização fundiária dos territórios quilombolas. E, como questão secundária, a implantação de políticas afi rmativas para repa-ração dos danos históricos causados à popula-ção negra.

Qual a avaliação que a Sra. faz do trabalho do Ministério Público nessa questão? O trabalho do Ministério Público é muito posi-tivo e poderá ainda ser melhor se o Movimento Negro acompanhar mais de perto, estabelecer uma parceria objetivando sensibilizar o Poder Público para a questão negra.

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Inaldete Pinheiro de Andrade nasceu no Rio Grande do Norte e mora em Recife desde 1969. Formada em Enfermagem pela UFPE, foi uma das fundadoras do Movimento Negro do Recife. Em 1989, fundou o Centro

Solano Trindade, homenageando o grande poeta, teatrólogo e musicista pernambucano, conhecido nacional e internacionalmente, o qual era apaixonado pela cultura negra e deu-se de corpo e alma pela causa.

INALDETE PINHEIRO DE ANDRADE

FRASE>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>“ O número de consultas que uma mulher negra recebe em seu pré-natal é diferente de uma mulher branca. No que diz respeito à escola, isso é gritante. Já existe muito mais acúmulo na área da educação, há um tratamento

grosseiro, discriminatório, de piadas, de apelidos infames que as crianças negras recebem dentro da sala de aula. O que leva em conseqüência às taxas elevadas de repetência, de faltas, de evasão escolar” .

Diva MoreiraAnalista do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil) e responsável dentro da agência pelas ações de combate à desigualdade racial.