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ENTREVISTA - Carlos Eduardo Uchôa FagundesARTIGOSClassificação de tipos de doutrinação na universidade corporativa com auxílio daanálise fatorialA Norma Internacional SA8000: uma visão críticaO peão de boiadeiro da festa, uma questão de identidade no mundo do trabalhoO desempenho de fundos de investimento e a hipótese da eficiência forte demercado: uma análise empírica do mercado brasileiro no período de 2000 a 2005Mortalidade de pequenas empresas: uma análise financeira e econômicaAvaliação dos investimentos em Tecnologia da Informação (TI) com foco em projetosWEB: estudos de casosAdministração de serviço em hospitais: táticas utilizadas por agentes de contato-pacienteA importância da proximidade geográfica na geração de conhecimento em SLPRESENHA - Raízes do BrasilSUGESTÕES PARA LEITURA

RELAÇÕES HUMANAS

Centro Universitário da FEI

Fundação Educacional Inaciana

Pe. Sabóia de Medeiros

ISSN 0102-9835

N° 24 – abril/2008

Presidente

Pe. Theodoro Paulo

Severino Peters, S.J.

Reitor

Dr. Marcio Rillo

Jornalista Responsável

Álvaro Camargo Prado

MTB 26269

Conselho Editorial

Prof. Dr. Flávio Vieira de Souza

Prof. Dr. Renato Ladeia

Profa. Dra. Rivana Basso F. Marino

Prof. Dr. Theodoro A. Peters Filho

Composição e Arte Final

Setor de Editoração e

Composição Gráfica

A Revista Relações Humanas

é uma publicação anual do

Centro Universitário da FEI,

entidade filiada à

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS

UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS

CORRESPONDÊNCIA:

Centro Universitário da FEI

Av. Humberto de Alencar Castelo Branco,

3972 – B. Assunção – CEP 09850-901

São Bernardo do Campo – SP

Brasil

Tel.: (11) 4353-2900 r. 2018

Fax: (11) 4109-5994

E-mail: [email protected]

Número 24, abril 2008

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O pluralismo dos assuntos ligados à Administração de Empresas está fortementeretratado nesta edição de Relações Humanas. Desde um ensaio antropológico sobrea identidade do peão de boiadeiro até uma moderna metodologia para avaliar o usoda Tecnologia de Informação como diferencial competitivo, esta edição contemplavários aspectos da relação do homem com as empresas.

Carlos Eduardo Uchôa Fagundes, o entrevistado escolhido para abrir a RelaçõesHumanas, representa com grande propriedade os Administradores de Empresas àfrente do Conselho Regional de Administração (CRA) de São Paulo. Sua atuação éhistórica para a administração de empresas no Brasil e sua convicção maior está naconstante valorização da profissão. Sua entrevista mostra mais que umcomprometimento com a profissão, apontando para uma quase devoção por seuofício, servindo de reflexão para aqueles que escolheram a mesma profissão que ele.

Na área de administração, este número de Relações Humanas traz um assuntosempre polêmico: a mortalidade das pequenas empresas no Brasil, suas causasprincipais e os alertas àqueles que desejam sobreviver diante dos pequenos e médiosnegócios. Outro aspecto importante refere-se à Administração de Serviços emHospitais, baseada na figura do agente de contato-paciente, que acaba porrepresentar toda uma instituição complexa no instante no qual o paciente requerum serviço diferenciado em um ambiente psicologicamente adverso.

A atualidade e as perspectivas futuras das empresas estão presentes nesta ediçãopor dois artigos: um deles, sobre a avaliação dos investimentos em TI, trata de queformas pode-se avaliar o retorno do investimento nesta área e convertê-lo emdiferencial competitivo; e o outro, sobre a proximidade geográfica na geração deconhecimento em SLP, que se refere às maneiras pelas quais as empresasparticipantes de sistemas locais de produção interagem umas com as outras, visandoà ampliação de conhecimento de todo o sistema, tornando-o mais eficiente.

Na área específica de Relações Humanas, este número brinda o leitor com umaudacioso estudo com viés antropológico sobre o peão de boiadeiro, discutindo suasorigens e a atual crise de identidade que estão atravessando. Um artigo para ler, relere repensar as origens do Brasil. Voltados para o futuro das relações humanas nasempresas, os artigos sobre Universidade Corporativa e Norma SA8000 sãoessencialmente críticos sobre temas tão atuais que ainda requerem estudos maisprofundos.

Completa esta edição um estudo que desmistifica o papel quase premonitório que oinvestidor atribui aos fundos de investimento. O artigo analisa o comportamento domercado de ações entre 2000 e 2005.

Temos certeza de que Relações Humanas será uma leitura agradável e um convite àreflexão.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 242

Carlos Eduardo Uchôa Fagundes é Administrador de

Empresas formado pela ESAN, Escola Superior de

Administração de Negócios, em 1964, empresário dos

ramos metalúrgico e agronegócio, vice-presidente do CIESP,

presidente do Sindicato da Indústria de Lâmpadas e

Aparelhos elétricos de Iluminação – Sindilux, presidente da

Associação Brasileira de Iluminação - Abilux, membro do

conselho deliberativo do Sebrae SP e presidente do

Conselho Regional de Administração (CRA) de SP.

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“ACREDITO QUE ESTAMOS VOLTANDO AO CONCEITO

DE ADMINISTRADORES GENERALISTAS”.

Atual presidente do CRA-SP, formado pela ESAN – a

primeira escola superior de Administração do Brasil,

hoje transformada em Departamento do Centro

Universitário da FEI – diz que o Administrador deve

ter uma visão global e empreendedora.

POR RENATO LADEIA

RH – Para começar, gostaríamos que o senhorfalasse sobre sua carreira profissional desde a épocade estudante da ESAN, em São Paulo.

O curso de Administração que eu fiz na ESANfoi muito importante para a minha carreiraprofissional. Acredito que ajudou muito em minhacarreira. E tudo que eu pude conseguir até hojefoi em razão dos ensinamentos que aprendi naescola. Eu me formei em um curso de eletrotécnicae depois resolvi fazer a faculdade de Adminis-tração. Nesta mesma época, em 1961, comeceicom uma pequena indústria metalúrgica. Naqueletempo a vida era muito difícil. Nesse mesmo anoeu também me casei, em fevereiro, e em dezem-bro nasceu meu filho. Eu precisei terminar afaculdade, estudando à noite e trabalhando nafábrica durante o dia. Além disso, tinha o meu filho,que hoje é um monge beneditino do Mosteiro SãoBento, Reitor da Faculdade São Bento e Diretordo Colégio São Bento. Enfim, foi uma época muitodifícil, com a responsabilidade de cuidar de umafamília, uma fábrica e ainda cursar a faculdade.

Foram anos difíceis, mas eu trabalheiutilizando sempre os conceitos aprendidos nocurso de administração. Posteriormente, passei amilitar na representação sindical patronal, atra-vés do Sindicato do Setor de Lâmpadas eIluminação, sob a presidência do Nadir DiasFigueiredo. Comecei a freqüentar o sindicato econvidei outros colegas industriais e a entidadefoi crescendo, crescendo. Um belo dia o Nadirpassou a presidência para o filho dele, Dr. JorgeFigueiredo, depois de 36 anos à frente do sindicato.Ele assumiu o sindicato e eu fiquei na diretoria.Mas infelizmente ele teve um mal súbito e faleceue eu, por ironia do destino, acabei me tornando opresidente. Isso já faz muito tempo. Eu comeceiexatamente naqueles anos em que o sindicalismotrabalhista estava muito ativo, greves imensas noABC, o surgimento do Lula e outras lideranças.Tivemos uma greve de 43 dias no setor automotivo.E na época eu era da comissão de negociação doGrupo 14 da FIESP. Tive então a oportunidade denegociar como representante patronal – o Lula erao representante dos trabalhadores. Negociei muitocom o Lula, com o Almir Pazzianoto, o Joaquinzão,o pessoal do Dieese, o Barelli. Foi um períodomuito rico para nós. O Almir Pazzianoto, queestava um pouco sumido, publicou recentementeum livro sobre aquela época. Naqueles temposdescobrimos que nós, “patrões”, não entendíamosnada de negociação e os líderes sindicais dostrabalhadores muito menos. Em função dessainexperiência, a Fiesp organizou um grupo paraconhecer outros países e eu tive a oportunidade

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de liderar este grupo de empresários.Fomos para os Estados Unidos, ondevisitamos vários Estados, conhecendotoda a estrutura do sindicalismo norte-americano, o sistema de negociação,etc. Lá tivemos oportunidade de tercontato com negociadores dos traba-lhadores que faziam a mesma coisa quenós, na Fiesp.

Terminado este ciclo, procuramosdisseminar a experiência para outrossindicatos patronais através de semi-nários e debates sobre técnicas denegociação trabalhista. Fizemos aindauma segunda missão internacional,quando visitamos vários países daEuropa. Naquele tempo se falavamuito no Pacto de Moncloa, que eramuito recente. Lá também tivemoscontato com as técnicas de negociaçãoutilizadas, modelos de representaçãopatronal, etc. Foram experiênciasmuito interessantes. Numa terceiramissão, visitamos o Japão, buscandotambém a experiência dos empresáriosjaponeses neste campo.

RH – Como foi aplicada estaexperiência internacional no Brasil?

Isso possibilitou, naquela época,uma massa de conhecimentos impor-tantes, que contribuiu para a evoluçãoda área de relações trabalhistas que oBrasil teve a partir desta época, com osurgimento das Centrais Sindicais. Foiuma aprendizagem muito importantedurante os processos de negociação.Devo dizer que o Brasil evoluiu muitodaquela época nas relações sindicais.Hoje há um certo equilíbrio, um ama-durecimento nas relações trabalhistas,acabando o radicalismo. Cheguei atéser ameaçado de morte, precisandoandar acompanhado de um batalhãoda polícia militar. Era uma coisa muitoradical, mais da parte deles contra agente, pois eu sempre fui muitomoderado. Mas foi, sobretudo, interes-sante e até hoje estou na Fiesp e noSindicato da Indústria de Iluminação,conhecido nacionalmente e internacio-nalmente. Até o momento continuocom a minha doação à sociedade, poisalém de cuidar da minha fábrica, dafamília, das minhas coisas, enfim com

muita atividade, participo do ConselhoDeliberativo do SEBRAE SP, que éuma instituição magnífica, e do CRA.Ainda estou fazendo muita coisa poresta vida afora.

RH – Considerando a sua expe-riência como dirigente do ConselhoRegional de Administração, como osenhor vê os cursos de Administração deEmpresas hoje em relação à época emque fez o curso, nos anos 60? Houveuma evolução ou não?

A ESAN foi a primeira escola deAdministração do Brasil e o currículodo curso era baseado em Harvard(EUA). A concepção que se tinha naépoca era de que o Administradorprecisava ter uma idéia global daempresa e da comunidade onde elaestava localizada. Assim, numaempresa, abaixo do Administradorviriam todas as atividades e posições,como engenheiros, advogados,economistas, contador, médico, etc.Alguém precisa gerir tudo isso. O nossocurso sempre foi muito voltado paraum enfoque generalista, pois aformação permitia discutir comadvogados, com profissionais demarketing, vendas ou mesmo da áreade engenharia. Claro que atualmentemudou um pouco este enfoque, pois osprofissionais estão voltados mais paraáreas específicas. Mas acredito queestamos voltando ao conceito doadministrador mais generalista.Inclusive a minha bandeira no CRA éo do Administrador-empreendedor. OAdministrador com uma visão do todoe empreendedora. É também nossofoco a maior valorização do profissio-nal, porque uma das coisas que temosrepetido sempre, é que o Brasil é umpaís rico, e é rico mesmo, pela suaextensão territorial, com uma naturezafantástica, muitos recursos, etc. Temostudo e por que o povo brasileiro é tãopobre? Na verdade nós somos um povopobre de um país rico. Se pegarmos alista dos homens mais ricos do Brasile compará-los com os mais ricos domundo, podemos ver que são pobres.Se você comparar com o Bill Gates,um rapaz empreendedor dos EUA,

você vai ver que sua fortuna é 40 a 50vezes maior do que todos os ricosbrasileiros juntos. Por que isso? Foidevido a nossa herança cartorial queveio da época colonial ou é realmentea falta de administração? Se nóstivéssemos uma boa administração oBrasil seria o país mais rico do mundoou estaria entre os mais. Aí que está aimportância do administrador, mascom uma visão empreendedora, umavisão mais ampla. É essa dimensão queestamos procurando dar à profissãoatravés do Conselho (CRA).

RH – O Padre Sabóia, quando fundoua ESAN, tinha uma grande preocupaçãocom o lado humanista dos profissionaisde Administração e dos empresários.Qual é o resgate que o senhor faz destaformação humanista e cristã?

Naturalmente sou cristão. Meufilho é um monge beneditino. Enfim,estamos todos muito envolvidos comesta visão. Acho que isso é intrínsecoem minha formação. A escola nos deueste sentido também, da fraternidade,dos direitos sociais. Eu me lembrotambém que o meu diploma da ESANainda era emitido pela PUC-SP. É umaligação muito forte. Eu me lembro quetínhamos matérias como FilosofiaMoral com um professor fantástico, oPadre Mosquini, onde se discutiamquestões como balanço social daempresa. Era muito nesta visão de quea empresa faz parte da comunidade etem um papel social extremamenteimportante. Não somente o lucro pelolucro. É claro que como administra-dores precisamos ver os resultados, asobrevivência e o crescimento daempresa. Mas se passava a idéia de queempresa é uma célula viva da socieda-de, pertence à comunidade, interageconstantemente com a sociedade. Issosempre esteve muito presente para nósnaquele tempo. Isso eu mantive comigoe acredito que foi muito bom. Diferen-temente de certas faculdades focadasestritamente no lucro, no business, nonegócio. É preciso dar lucro, doa aquem doer, seja como for. Não era avisão que nós tínhamos, que era bemmais humanista, mas sempre com foco

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na eficiência, com métodos de trabalhomais participativos, mais humanos.

RH – Qual a diferença que o senhorpercebe entre o estudante de sua épocae o de hoje? No passado eles eram maisparticipativos, mais engajados politica-mente?

Jovem é jovem. Todo o jovem éidealista. Eu me lembro que nóstínhamos nossos ideais. Participá-vamos do Centro Acadêmico MorvanDias Figueiredo, que nós fundamos. Eume lembro que era uma época bastanteconturbada (antes e depois daRevolução de 1964). Havia aquelesmovimentos estudantis enormes, aUNE e tudo mais. Nós éramos univer-sitários católicos e muitas vezes nosopúnhamos aos dirigentes mais radi-cais da época. Eu tive uma participa-ção importante nesta atividade. Eu melembro dos congressos da UNE na Ruado Carmo, no sindicato dos metalúrgi-cos e aprendíamos as técnicas deesvaziamento das assembléias paraganhar a votação. Dessa forma conse-guíamos evitar certos radicalismos.Nós tínhamos esse ideal na época.Outro ideal muito forte era a nossa lutapela profissão, pois a de Administradornão era reconhecida. Quando foireconhecida, foi um balde de água fria,pois saiu como técnico de adminis-tração e nós queríamos que fosse degrau superior. Depois isso foi superado.É claro que os jovens continuamidealistas. Veja, por exemplo, o movi-mento dos cara-pintadas! Isso mostraque a função dos jovens é mudar asociedade, empurrar os mais velhinhospara frente e chacoalhar para termudanças. Por isso que eu tenhoestimulado a participação dos jovens,como o grupo de jovens empreen-dedores, jovens administradores, etc.

RH – Já que o senhor tocou naquestão do reconhecimento da profissão,pode-se dizer que implicou numa buscade reserva de mercado para o adminis-trador. Como o senhor vê esta questão?Esta reserva existe apenas no papel, poisna prática outros profissionais atuam ematividades que seriam, em tese, restritas

aos Administradores. O que o CRA temfeito para mudar esta realidade?

Esta é uma grande dúvida. Assumia presidência do Conselho no lugar doRoberto Carvalho Cardoso que ficou38 anos à frente da instituição e outroscompanheiros que lutaram pelocrescimento da profissão. Ele era daFGV e eu da ESAN, que eram pratica-mente as duas únicas escolas queexistiam em São Paulo. O meuantecessor fez um excelente trabalhodurante todo este tempo pela nossacausa. Depois do reconhecimento daprofissão foi formado o Sindicato dosAdministradores e o CRA. O queestamos procurando fazer aqui é darum outro enfoque. Temos feito algumasmudanças internas, mas também deenfoque, como falamos há pouco doadministrador-empreendedor, umenfoque nos nossos grupos deexcelência (temos hoje 21 grupos) queenvolve um pouco a idéia das novasáreas de administração, que implicamnuma certa especialização. Isso ficaum pouco em contradição com o queeu disse agora há pouco sobre a visãoglobal, mas os grupos de excelênciaestudam as especificidades da admi-nistração como os clubes esportivos.Você vê os clubes brasileiros todosquebrados por falta de uma boaadministração. O caso dos clubes delazer como o Pinheiros, que tem 37 milsócios, é uma cidade, uma comunidadeenorme. A administração hospitalar,escolar, agronegócio, lazer, terceirosetor, administração legal, que tem umpotencial enorme. O Conselho temesses grupos de excelência e está dandomuita ênfase a isso, reunindo osmaiores especialistas nesses assuntos,gerando uma grande massa deconhecimentos importantes. Tudo issoé posteriormente oferecido às facul-dades para a reformulação das gradescurriculares, criando novas disciplinasou dando novas ênfases em outras.

RH – E a reserva de mercado?Com relação a isso eu diria que o

administrador nem sempre foi muitovalorizado nas empresas. Muitaspessoas acabam galgando posições nas

organizações sem serem administra-doras, como é o caso de engenheiros,advogados, etc. que chegam a gerentes,diretores, gestores sem ter a formação.Aí as coisas nem sempre ocorrem tãobem, pois faltam conhecimentosespecíficos. Assim, a nossa luta é pelavalorização do registro profissional,pois após a conclusão do curso, oegresso é apenas um bacharel emAdministração, ainda não é um admi-nistrador. Isso somente vai ocorrerapós o registro profissional. Da mesmaforma como o médico, que sem o CRMnão pode clinicar, ou o advogado semo registro da OAB, que não podeassinar uma petição, o engenheiro semo CREA não pode assinar uma planta,etc. Por que o registro no conselho?Porque ele é o responsável pela fiscali-zação do exercício da profissão e é essafiscalização que vai garantir a qualida-de do profissional. Assim, o conselhopode agir e punir os maus profissio-nais. A importância do registroprofissional é que ele dá mais segu-rança ao tomador de serviço. Cada vezmais precisamos valorizar o registro.O CRA tem hoje 78.000 adminis-tradores registrados, mais 13.000empresas de administração e temos312 faculdades somente no Estado deSão Paulo. A nossa luta é para chegara 100 mil administradores no Con-selho. O Administrador de Empresas éhoje uma das profissões com o maiorcontingente no País e isso é muitoimportante para a sua valorização.

RH – Ainda faltam administradoresno Brasil?

Claro que sim, principalmentebons administradores, com uma visãoglobal, sistêmica. O administradorpúblico, em geral, também não temnenhuma formação. É o sujeito queconsegue uma carreira política, vaigalgando cargos políticos e depois vaidirigir uma nação, um estado ou ummunicípio. Imagine administrar umpaís deste tamanho, estados como SãoPaulo. É preciso ter visão administra-tiva. Não digo que só o administradorpode exercer esses cargos, mas seriaideal que esses administradores

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fossem como os de grandes empresasbrasileiras.

RH - O senhor acredita que com aprofusão de cursos de administração emtodo o País, é possível que no futuroesses profissionais assumam maiorparcela de cargos públicos, conseqüen-temente ampliando a sua participaçãopolítica na sociedade?

Eu não digo política no sentidorestrito, mas administração envolvetratar com pessoas, o que não deixa deser uma ação política e você precisasaber como fazer isso. Mas na visão dareestruturação, da racionalização daeconomia, da desburocratização, damaior eficiência, da valorização dosrecursos públicos. Neste sentido sim ecom isso cada vez mais vamosconseguindo mais melhorias, maisdesenvolvimento. Veja o caso do Esta-do de São Paulo, em que a adminis-tração pública tem melhorado muitode qualidade. O reflexo disso é que oEstado que tem imprimido maisinovação administrativa, como é oexemplo das compras através dopregão eletrônico, que resultou emmaior transparência, maior economia,mais segurança, produzindo benefíciospara a população e a maximização dautilização dos recursos públicos.Lembro-me que o governo de SãoPaulo, num pregão eletrônico paraaquisição de veículos, conseguiueconomizar mais de 30%. A média deeconomia nestes leilões é de 25 a 30%.Com essa economia pode-se investirmais em prol da população, construirmais estradas, hospitais, etc.

RH – No livro Raízes do Brasil,publicado há setenta anos e reeditadorecentemente, o autor, Sergio Buarquede Hollanda, afirmava que o problemado Brasil é a dificuldade de separar opúblico do privado, a predominânciadas relações pessoais e não públicas, oque impede a racionalidade admi-nistrativa. O senhor acredita que amaior participação do administrador nosetor público seria uma resposta a estadificuldade para a modernização doPaís?

Sem dúvida nenhuma. Esteaspecto, analisando o problema daspequenas empresas, gera confusão.Um diagnóstico feito pelo SEBRAErevelou que o dono da empresa utilizao caixa da empresa para pagar suascontas e as de sua família. Isso gerauma “desadministração” total, pois nãose consegue apurar receita, despesa elucro. Quando você tem a noção deadministração, você separa essas duascoisas. Pessoa física é uma coisa ejurídica é outra. Quando o adminis-trador que for empossado no cargopúblico tiver exatamente essa visão,não vai deixar misturar essas coisas.O que é recurso público e o que éprivado. Sem dúvida alguma aadministração traz essa formação queé a chave do sucesso.

RH – O grande número de facul-dades de administração de empresasque têm sido abertas em todo o Paíscausa preocupação ao Conselho?

Nós temos uma preocupaçãomuito grande com a qualidade. Essaproliferação de faculdades, cursos,envolve uma preocupação com aqualidade. Não acredito que somenteo mercado possa selecionar. É precisotambém um acompanhamento doMEC, pois não adianta formar muitosadministradores de baixa qualidade. Épreciso ter isso bem presente. É precisonão somente buscar números, maisqualidade e competência. A atividadedo conselho, com esses grupos deexcelência é buscar dar um pouco desuporte às faculdades. Assim, nóstemos uma boa interação com asinstituições de ensino, exatamente parapoder, no nosso âmbito, acompanhareste problema.

RH – Já se cogitou, no âmbito doCRA, a exemplo da OAB, implantar umexame de curso para a expedição doregistro profissional?

Esse assunto é muito discutidoaqui em São Paulo. Há muitascorrentes pró e outras contra. Tambémexiste a discussão em nível federal nosvários conselhos de administração.Ainda esta semana nós teremos uma

reunião entre os presidentes deconselho e esse é um dos temas paradiscussão. Eu penso que isso pode setransformar num mecanismo que eudiria cartorial – não sei se seria bemesse o termo. Mas eu acredito que se apessoa fez um curso reconhecido, elatem o direito de ter o seu registroprofissional. É a escola que precisa dara competência para isso. Se a escolanão é boa, puna-se a escola, não oegresso. Não vamos querer nosenganar. É o que falamos há poucocom relação à qualidade. A escola temque formar bons profissionais. Se elanão cumpre essa missão, ela não temdireito de funcionar. O que nós estamosfazendo a este respeito, aqui no Con-selho, é iniciar duas novas entidades.Um Sindicato Patronal das Empresasde Administração e estamos criandotambém a Associação Brasileira de Ad-ministração, pois enquanto autarquiaFederal, o CRA não pode utilizar seusrecursos senão de forma específica nafiscalização e no registro. Tudo issolimita a ação do CRA à sua finalidade,ou seja, a fiscalização. Havendo umaoutra entidade civil que engloba todosos administradores e empresas deadministração, como sociedade civil,pode-se fazer mais coisas, podeaparecer mais e, no sentido ético, fazermaior uso de campanhas mais amplaspara a valorização do profissional deadministração. Então é isso queestamos fazendo, iniciando essetrabalho com vistas à valorização doadministrador. A idéia é que o títulode administrador seja utilizado comoos médicos e engenheiros utilizam osseus registros.

RH – De 1941, quando começou ocurso, até 1960 apenas dez mulheres seformaram. Atualmente, ao entrar numaclasse do curso de Administração,observa-se que mais de 50% sãomulheres. Isto significa que o curso estáse tornando marcadamente feminino,ao contrário do que ocorria no passado?

Se você verificar na área derecursos humanos isso é visível. Sevocê for num congresso de recursoshumanos, aqui, na Europa ou nos EUA,

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cerca de 75 a 80% são mulheres. Issotem a ver com a sensibilidade maiordas mulheres em lidar com gestão depessoas. Como elas têm muito maissensibilidade nesta área que é muitoimportante na administração, elasacabam predominando. Eu não gostomuito da expressão recursos humanos,pois entendo que recursos são má-quinas, tratores, prensa, torno, etc., porisso prefiro gestão de pessoas. Portan-to, gerir pessoas é fundamentalmenteadministração. Por outro lado nós játemos administradoras muito compe-tentes no Brasil. Elas têm uma visãomuito forte, muito detalhista, uma per-cepção muito aguçada. Se olharmospara o mundo político vemos muitasmulheres se destacando como líderes,executivas, como foi o caso daMargareth Tatcher, Ângela Merkel eMichelle Bachelet, sem falar numaIndira Gandhi. O fato das mulheresterem uma forte participação nomercado de trabalho em condições deigualdade com os homens, revela, semdúvida alguma, que elas têm o seuespaço na Administração.

RH – Isso significa que no futuropoderemos ter uma mulher comopresidente do Conselho Regional deAdministradores?

Sem dúvida. Inclusive quandomontamos as chapas para o Conselho,procuramos fazer com que seja maiseclética possível, contemplando todasas áreas da administração, além dasmulheres que têm se destacado comoconselheiras, representando o ladofeminino, dando um toque maishumano às atividades do Conselho.

RH – Tem-se observado uma procuramuito grande de engenheiros para atuarem áreas específicas de administradores.A que podemos atribuir esse fenômeno?O engenheiro está perdendo a suaidentidade ou é o administrador que estámesmo perdendo o seu espaço?

No fundo, o engenheiro acabafazendo curso de administraçãotambém. Ele tem mais facilidade emmatemática, por exemplo. Acho muito

difícil separar no ser humano o ladode administrador ou o lado de enge-nheiro. Cada ser humano tem umpouquinho de tudo. A gente pode serum pouco médico, um pouco enge-nheiro, um pouco advogado. Quandoa pessoa se forma no nosso curso, elatem uma visão maior da adminis-tração. O ideal é uma pessoa que tenhaum pouco de tudo. Graças a Deus quenós somos assim, caso contrárioseríamos robôs. O administrador,como o médico, precisa estudar a todomomento, pois existe uma evoluçãofantástica de técnicas, metodologias,etc. É claro que em um hospital umamédica pode cuidar da administração,mas seria preferível uma pessoa queestudou especificamente para isso. Omelhor que ela pode dar para a insti-tuição é atuar dentro da especialidadedela, e contar com o administrador quevai cuidar das atividades de apoio,deixando-a cuidar das cirurgias, dospacientes, etc. Acho que isso vaificando cada vez mais claro na cabeçadas pessoas, o que leva, sem dúvida, auma valorização maior da profissão deAdministrador.

RH – Neste sentido, há uma ten-dência de uma valorização maior dosgeneralistas em detr imento dosespecialistas?

Antigamente nós tínhamos omédico clínico que olhava tudo; hojeestão todos especializados em cardio-logia, endocrinologia, pediatria, etc.Faz falta aquele médico que conhecetudo. Na administração isso tambémestá ocorrendo. Muitas vezes faltaaquele profissional generalista quetem uma visão da totalidade daorganização.

RH – Esta tendência à especializaçãoestá ocorrendo já na fase estudantil.Observa-se que muitos alunos já estãofocados apenas em disciplinas rela-cionadas ao trabalho que estão desen-volvendo nas empresas.

Eu diria a estes alunos que dessaforma eles nunca chegarão a presi-dente da empresa ou mesmo a gerente

geral. Vai ser especializado, semperspectiva de crescer. Muitas empre-sas pedem hoje um executivo empre-endedor, ou seja, aquele profissionalque vai resolver todos os problemas daempresa, em todas as áreas.

RH – Qual seria a visão de futuro doCRA em relação ao curso de Adminis-tração e a profissão?

É um pouco do que falamos atéagora. É valorizar mais a profissão, darum foco mais empreendedor aoprofissional egresso. Valorizar oregistro profissional, pois é ele quemdá a identidade do Administrador.Consolidar o CRA através dessas outrasestruturas que são parte do todo,imaginando como um bolo dividido emquatro fatias de forma que se complete.Consolidar a representação doadministrador, ficando mais próximosdas instituições de ensino, emprogramas como “O CRA vai a Facul-dade”, programas como o do “MéritoAcadêmico” e vários programas paraficarmos mais próximos do corpodocente e discente, visando melhoraresta interação. Temos um trabalhogrande para ser feito neste sentido,abrindo cada vez mais as portas doConselho para os alunos e professores.Essa aproximação visa mostrar que oConselho está aqui para garantir quea nossa profissão seja valorizada. Porisso eu considero um grande idealismode todos que estão aqui, em cargos nãoremunerados, com responsabilidades,obrigações sérias como a gestão derecursos públicos. É um ideal de fazercom que a profissão seja valorizada,reconhecida e que tenhamos bonsprofissionais em todos os aspectos,pois até com relação à ecologia épreciso de uma boa gestão parapreservar os recursos naturais egarantir o futuro e a vida das próximasgerações. Enfim, tudo passa por umaboa administração e com isso fazercom que o Brasil seja um país maisigualitário, com uma melhor distri-buição de renda. Pensando bem, tudodepende de um bom trabalho dosnossos administradores.�

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

CLASSIFICAÇÃO DE TIPOS DE DOUTRINAÇÃO NA UNIVERSIDADE CORPORATIVA COM AUXÍLIO DA ANÁLISE FATORIAL

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CLASSIFICAÇÃO DE TIPOS DE DOUTRINAÇÃONA UNIVERSIDADE CORPORATIVA COMAUXÍLIO DA ANÁLISE FATORIAL

MARCUS BRAUER

SYLVIA CONSTANT VERGARA

É crescente a disseminação de iniciativasvoltadas para o desenvolvimento do capital humanono ambiente empresarial, tendo como destaque oconceito de Universidades Corporativas - UCs. Muitasempresas adotam tal conceito e há muitas pesquisassobre as UCs no Brasil, porém são poucos os estudoscríticos acerca desse assunto. A partir dos trezecritérios de doutrinação de Olivier Reboul e no critériode doutrinação de Ivan Snook, verifica-se a ocorrênciade doutrinação na UC e os níveis de doutrinação queexistem. Tal pesquisa foi feita a partir de revisãobibliográfica das UCs, do Controle Organizacional eda Doutrinação, permitindo a construção de umquestionário fechado aplicado em uma UC brasileira.A pesquisa reduziu os 14 critérios de doutrinação comtécnicas de análise fatorial, com o objetivo de facilitarsua classificação em tipos. Os resultados destapesquisa revelaram que a doutrinação existe, porémem pequena escala, e que o doutrinador pode serclassificado em dois tipos ou grupos: o dosdoutrinadores inseguros, que para tentar suprir suasdeficiências utilizam-se de determinadas estratégiasde doutrinação, e o dos doutrinadores mal-intencionados, que utilizam estratégias dedoutrinação de forma mais forte do que o primeirogrupo, distorcendo a realidade para atingir seuspróprios objetivos. Esta pesquisa pode ser adaptadapara se avaliar docentes ou metodologias detreinamento, fornecendo aos gestores informaçõesimportantes sobre o treinamento efetivamenteeducacional (oposto do ensino doutrinário) quecontribua para o real desenvolvimento do funcionário.

Palavras-chave: Universidades Corpo-

rativas; doutrinacão; análise fatorial

Keywords: Corporative Universities;

indoctrination; factorial analysis

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The dissemination of initiatives directed towardthe development of the human capital in theenterprise environment is increasing, havingnotability the concept of Corporative Universities.Many companies adopt this concept and have manyresearches about the Corporate Universities in Brazil;however, the critical studies about this subject arefew. From the Olivier Reboul thirteen indoctrinationcriteria and from the Ivan Snook indoctrinationcriterion, it is verified the occurrence of indoctrinationin the Corporative University and the indoctrinationlevels that exist. This research was made frombibliographical research of the Corporate Universities,Organizational Control and Indoctrination, allowingthe construction of a closed questionnaire applied ina Brazilian Corporative University. With techniquesof factorial analysis, the research reduced the 14criteria of indoctrination, with the purpose to facilitateits classification in types. The results of this researchshowed that the indoctrination exists, however insmall scale, and who make the indoctrination can beclassified in two types or groups: the insecureindoctrinator, who use strategies of indoctrination tosupply yours deficiencies, and the badly intentionedindoctrinator, who use stronger strategies ofindoctrination than the first group, distorting thereality to reach its proper purposes. This research canbe adapted to evaluate professors, teachers ortraining methodologies, give to the managers animportant information about effectively educationaltraining (opposing of the indoctrinal education), thatcontributes for the real development of the employee.

MARCUS BRAUER é Mestre em Administração Pública (FGV-EBAPE), Doutorando emAdministração de Empresas (FGV-EAESP) e Professor de pós-graduação da FGVManagement e da FGV Online. É também Chefe substituto do Departamento deDesenvolvimento de Recursos Humanos da FINEPSYLVIA CONSTANT VERGARA é Mestre em Administração Pública (FGV-EBAPE), Doutoraem Educação (UFRJ), Pesquisadora e Professora de Pós-graduação da FGV-EBAPE

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 248

O processo de desenvolvimentohumano nas empresas será cada vezmais exigido para que os esforços einvestimentos tenham uma aplicaçãocom retorno adequado, deixando deser um mero processo de treinarindivíduos, para se transformar emuma atividade econômica rentávelcuja efetividade possa ser medida porseus resultados. Muitas organizações,cientes da nova realidade, passam autilizar os princípios das Organiza-ções de Aprendizagem e buscamgerenciar o conhecimento por meioda criação de universidades naprópria instituição, denominadasUCs. Estas são apresentadas comoum instrumento mais completo queos setores de Treinamento & Desen-volvimento, principalmente pelo focoem resultados e por mais adequada-mente sustentar o desenvolvimentoestratégico das empresas. Mas comoUC é um conceito relativamente novo,os estudos de natureza crítica aindasão poucos e muitos executivos,respaldando-se somente nos supostosbenefícios, implantam uma UC emsuas empresas e os resultados acabamnão sendo os esperados.

Algumas UCs priorizam o trei-namento realizado totalmente pelaprópria organização, utilizando comodocentes e organizadores dos cursosapenas os empregados da própriaorganização em vez de utilizartambém professores capacitadosoriundos da Universidade Tradicio-nal. A maioria dos treinamentos éafastada do estado-da-arte, ou seja, osconhecimentos são provenientes deuma dada corrente epistemológica esem apreciação crítica. Dessa forma,a maioria dos participantes acreditaque o conteúdo aprendido é umaverdade absoluta. Assim, uma teoriaque limite o pensamento e a reflexãodo funcionário pode ser ensinadacomo a melhor forma de se trabalhar,ou que os valores da empresa são osmais corretos e que o bom funcioná-rio deve seguí-los sem questioná-los.

Supõe-se, então, que os treinamentosou a educação continuada nas UCssejam o reflexo dos interesses dosgestores da organização em doutrinaros participantes, especialmente osfuncionários, ou seja, um novoexemplo do modelo fordista no qualgestores pensam e os funcionáriostrabalham. Os indivíduos com baixoespírito crítico podem ficar satisfeitoscom o treinamento e internalizarvalores e tecnologias como asmelhores. Tais casos são exemplos decontrole implícito realizados pelosdirigentes de uma organização.Vergara (2000, p.187) adverte que:

“...a Universidade Corporativa,voltando-se tanto para seus objetivos,estratégias e atividades específicas,corre o risco de formar “apertadoresde parafuso”, no sentido chapliniano,e perder sua competitividade por nãodispor de pessoas que dominem opensamento abstrato, os conceitos,que não desenvolvam as habilidadesrequeridas a um aprendizado contí-nuo, pessoas capazes de ler o que nãoestá escrito, de ver o que não émostrado, de ouvir o que não éfalado. Enfim, pessoas capazes defazer a diferença em um mundo deconstantes e velozes mudanças”.

Grisci e Dengo (2003) conside-ram que as UCs no Brasil configuram-se mais como um modismo do queuma inovação. Gomes (2004) questio-na se as UCs oferecem aos seusparticipantes subsídios para refletir,criticar, criar, agir, todas açõesinseridas no escopo da educação ouse, ao contrário, optam pela doutri-nação. Tais afirmações despertamdúvidas acerca do conceito relati-vamente novo de UCs e indicam umanecessidade de mais estudos sobre talassunto.

Considerando os estudos deReboul e Snook, a questão que iráconduzir a pesquisa é a seguinte: épossível reduzir os 14 critérios dedoutrinação de forma eficaz, com oobjetivo de facilitar a classificação de

níveis de doutrinação? Responder aessa questão foi o objetivo final doestudo aqui apresentado.

O artigo está estruturado em seisseções, além desta introdução. Aseção 2 aborda as UCs. A seçãoseguinte apresenta a questão docontrole organizacional. A quartaseção, apoiada nas teorias de IvanSnook e Olivier Reboul, trata dadoutrinação. Na quinta seção, sãoapresentados os aspectos metodoló-gicos e a análise de dados. Por fim, aseção 6 apresenta os resultados e asconclusões a que o estudo permitiuchegar, além de sugerir uma novaagenda de pesquisa.

A UNIVERSIDADE CORPORATIVA

Uma das áreas que provavel-mente mais sofrerá modificaçãodentro das organizações nos pró-ximos anos será a tradicional área deTreinamento & Desenvolvimento.Atualmente, ocorre uma exigênciacada vez mais intensa da área deRecursos Humanos, ou melhor, deGestão de Pessoas, para abandonarseu viés burocrático e tornar-se umefetivo centro de resultados. Atrair,desenvolver e reter talentos serãoprioridades ligadas diretamente àsestratégias das empresas cujaresponsabilidade também incluirá aeducação continuada destes talentos,entendida tal educação como pensa-mentos e ações de base funcionalista.

A UC é, no ambiente empresarial,considerada uma evolução do setorde Treinamento & Desenvolvimento.Este tradicional setor, comosubsistema da área de RecursosHumanos, revela uma grande lacunaentre o que se investe e o retornoprático, ou seja, os resultados ficamaquém do esperado. A UC objetivaque os esforços e investimentostenham aplicação prática, para setransformar em uma atividadeeconômica rentável cuja efetividadepossa ser medida por seus resultados.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

CLASSIFICAÇÃO DE TIPOS DE DOUTRINAÇÃO NA UNIVERSIDADE CORPORATIVA COM AUXÍLIO DA ANÁLISE FATORIAL

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Meister (1999) notabilizou-se pordifundir o conceito de UC. Para ela,as UC são um guarda-chuva estraté-gico para desenvolver e educarfuncionários, clientes, fornecedores ecomunidades, a fim de cumprir asestratégias empresariais da organiza-ção. Ainda segundo a autora, taisuniversidades têm como objetivosustentar a vantagem competitiva,inspirando o aprendizado perma-nente e um desempenho excepcionaldos valores humanos e, conseqüen-temente, da organização.

Segundo Meister (1999), algumascaracterísticas básicas são comuns àUC na busca do objetivo principal:tornar-se uma instituição na qual oaprendizado seja permanente. Dentreelas pode-se citar:

♦ Oferecer oportunidades deaprendizagem que dêemsustentação às questões em-presariais mais importantesda organização.

♦ Considerar o modelo da UCum processo e não um espaçofísico destinado à aprendi-zagem.

♦ Treinar a cadeia de valor eparceiros, incluindo clientes,distribuidores, fornecedores deprodutos terceirizados, assimcomo universidades que pos-sam fornecer os trabalhadoresde amanhã.

♦ Assumir o foco global nodesenvolvimento de soluçõesde aprendizagem.

A primeira UC surgiu nos EstadosUnidos e foi criada na General Electricna década de 50, embora sua difusãotenha se dado a partir da década de90. Tal universidade é denominadaCrotonville Institute e tem atuaçãomundial. Seu treinamento/ensino visaaos executivos, e também aos funcio-nários de todos os níveis hierárquicos.

Segundo Éboli (1999), em 1999os Estados Unidos possuíam cerca de2.000 UCs e, se mantida a taxa decrescimento, estima-se que em 2010

o número ultrapassará o volume deescolas tradicionais de gestão denegócios existentes no País, tornando-se o principal veículo de educação deestudantes pós-secundário. Cerca de40% das 500 maiores empresasmundiais possui estes novos espaçosformativos. Se tal conceito é ou nãomais um modismo, não se sabe, mascerto apenas é que os números sãoexpressivos e deve-se pesquisar maissobre as possibilidades e limitaçõesdas UC.

Alguns autores consideram que aemergência de UC não significa oesvaziamento do papel das escolastradicionais de gestão. Há, porexemplo, parcerias bem-sucedidasentre Universidade Tradicional - UTe UC (Ébole, 1999; Vergara, 2000). Acrítica e a reflexão, características daformação na UT, são extremamenteimportantes, tanto no meio aca-dêmico quanto no empresarial,embora Vergara (2000) afirme quenas UC reflexão e crítica, quandoexistem, normalmente estão atreladasao “como fazer” ou ao “por quefazer”, do ponto de vista econômico.

É a ausência de reflexão sobre os“porquês” e os “para quês” que podefazer da UC um instrumento dedoutrinação na direção de interessesdos dirigentes. É uma forma decontrole mais sutil, pois os funcioná-rios podem interpretar que estãosendo desenvolvidos e incorporandocondições que lhes permitam aemancipação nos termos habberma-sianos quando, na realidade, podemnão o estar sendo. Uma reflexão sobrecontrole organizacional e doutri-nação é, portanto, relevante. E é o quese fará a seguir.

CONTROLE ORGANIZACIONAL

Controle organizacional é um dosconceitos centrais da análise organi-zacional, devido a uma série defatores dentre os quais, segundoPrestes Motta et al. (1995), o fato de

as organizações não serem apenasinstâncias de produção de bens econhecimentos, como também decontrole a serviço de sistemas sociaismaiores.

Pode-se dizer que os mecanismosde controle organizacional têmpassado por transformações que vãodesde formas coercitivas e diretas atéas mais sutis (VERGARA, CARVALHOe GOMES, 2004). Como asseveraCarvalho da Silva (2002), as organi-zações contemporâneas empregamum mix de controle. Ao poder disci-plinar, amplamente discutido porMichel Foucault (1987), associam-secontroles normativos.

Para Foucault (1987), a disci-plina, fórmula geral de dominação,produz indivíduos submissos, dóceis.O poder disciplinar tem como funçãoadestrar o indivíduo para retirar omáximo possível dele. O controle,segundo o autor, pode ser identificadocomo a hierarquia, as normas, oexame. Pode, também, ser claramenteobservado nas novas tecnologias deinformação, com o surgimento dossuperpanópticos ou panópticosvirtuais (CAPELLE e BRITO, 2002).

Para Carvalho da Silva (2002),atualmente, o controle organiza-cional enfatiza mais os aspectosideacionais, construindo o processode disciplinarização por meio daelaboração de um discurso de parti-cipação que constrói a “verdade” daorganização.

Uma máscara é criada em tornodos novos mecanismos de controle,fazendo com que os indivíduospossam achar que possuem maisautonomia e a empresa, menosburocracia. O controle, aparente-mente mais suave, deixa de serburocrático e passa a ser cultural.Pode-se dizer que a cultura écompreendida como uma forma maissutil de controle organizacional queseria adaptada às necessidades deflexibilidade e descentralização queas novas condições ambientais

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impõem às organizações (CARVALHODA SILVA, 2002; WOOD JR., 2001).A constante socialização e ressocia-lização dos empregados dentro daempresa, a fim de fazê-los internalizaresta nova “visão de mundo” e estesnovos elementos culturais (valores esignificados) é um constante desafio,uma vez que permite à organizaçãoinfluenciar os comportamentos deseus membros e controlar suasperformances (PRESTES MOTTA etal., 1995).

Esta nova forma de controlesocial é, como as que lhe antecede-ram, composta de determinadosvalores e visão de mundo das elitesempresariais. No contexto empresa-rial, dirigentes tentam fazer com queseus empregados se adaptem a essasregras e internalizem os valoresestipulados. Dessa forma, a culturados dirigentes passa a constituir acultura dominante na empresa.

Prestes Motta et al (1995)alertam, também, que o processo desocialização é sempre bidirecional,com a renúncia de ampla margem deliberdade por parte do empregado,que concorda de maneira implícitacom as demandas “legítimas” daorganização, as quais lhe tolhem aliberdade, limitando seus comporta-mentos alternativos. A organizaçãoamolda, em diversos níveis, oindivíduo às suas necessidades. Essasocialização, que leva o indivíduo adesenvolver um comportamento bemmais restrito e de acordo com padrõesde seu grupo, pode ser consideradatambém uma forma de doutrinação.Os valores, atitudes e expectativas doindivíduo são reconstruídos quandoo indivíduo entra na organização eaprende que os valores da orga-nização são “melhores” e “corretos”.Tal doutrinação, segundo PrestesMotta et al., é vista como frustradorade satisfação em diversas áreas,porque com freqüência reduz o graude competência especializadanecessária à execução, ou automatiza,

padroniza e enrijece o trabalho.Carvalho da Silva (2002) acredita

que o controle, por meio da cultura,utiliza símbolos na tentativa deinfluenciar mais diretamente a visãode mundo das pessoas e amenizar aatuação controladora mais intrusivada burocracia. Independentementeda forma de controle utilizada, aestrutura de dominação nas orga-nizações atua constrangendo a açãodos indivíduos.

Uma forma freqüente de modifi-car as idéias e valores dos indivíduosé o treinamento/ensino. Nele, a orga-nização pode provocar a capacitaçãodo indivíduo de forma mais eficaz,fazendo-o refletir sobre suas tarefase ter visão global. Mas o treinamento/ensino pode também controlá-lo apartir da ênfase nos valores daempresa, vistos como uma verdadeabsoluta. O controle também podevaler-se das informações e ferramen-tas utilizadas nos cursos.

DOUTRINAÇÃO

Em relação ao conceito de dou-trinação há muitas controvérsiasmas, geralmente, a doutrinação estáligada a termos como ensino,instrução, aprendizado e também atermos pejorativos como perversão,desonestidade, imoralidade, injustiçae manipulação. Doutrinação tambémestá associada a um ensino no qualse objetiva convencer o aluno de umponto de vista. Como Chaves (2003),também aqui não se pretendesolucionar todas divergências sobreo conceito, mas situar-se dentro dascontrovérsias e em seguida apre-sentar e defender um conceito dedoutrinação.

Dentre os vários estudiosos dadoutrinação, dois autores se desta-caram na contribuição teóricarelativa à compreensão e à definiçãodo termo: Ivan Snook (1974) e OlivierReboul (1980). O primeiro consideradoutrinação como uma relação

pessoal entre doutrinador e dou-trinado. O autor critica a verificaçãoda existência de doutrinação a partirdo método de ensino, com base naanálise do conteúdo ensinado e nasconseqüências do ensino, defendendoa intenção como o único critérioaceitável.

Já Reboul contesta a tese deSnook, afirmando que ninguémdoutrina voluntariamente e que ométodo e o conteúdo devem serconsiderados na compreensão do queé doutrinação. Além disso, o autorquestiona se a instituição ou escolaestá a “serviço da classe dominante”e se é um “aparelho ideológico doEstado” (REBOUL, 1980).

Ivan Snook

Em seu livro Doutrinação eEducação, Snook (1974) analisavárias situações nas quais há dúvidasquanto à existência de doutrinação econstrói um conceito que consideraa intenção como único critério paradiscriminação da doutrinação. Alémdisso, o autor critica critériosutilizados para verificar a existênciada doutrinação além de estudar avariação e o uso deste conceito aolongo dos anos.

Para Snook (1974), uma pessoadoutrina “P” (uma proposição ougrupo de proposições) caso ensinecom a intenção de que o aluno ou osalunos acreditem em P, não obstantea evidência. Ensinar, nesse sentido, éatividade de alguém com certaautoridade assim como um professor,pois um aluno também pode ensinarum professor, mas não pode doutriná-lo. Deve-se considerar também queessa forma de ensino é uma atividadeestendida num certo período detempo pois, para que possa haverdoutrinação, umas poucas aulas nãosão suficientes. Outras observaçõesdevem ser feitas: a doutrinação nãoacontece em qualquer interação deidéias como numa conversa ou numa

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CLASSIFICAÇÃO DE TIPOS DE DOUTRINAÇÃO NA UNIVERSIDADE CORPORATIVA COM AUXÍLIO DA ANÁLISE FATORIAL

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palestra, mas somente em situaçõesde ensino; se o doutrinador ensinacom a intenção de que o aluno“acredite” em P, é porque existe uma“crença”. São inadequadas expres-sões como “doutrinado a escovar osdentes” ou “doutrinado com etiqueta”.Nestes casos, nos quais o compor-tamento predomina, os termosadequados são “condicionado” ou“treinado”.

O que distingue a educação dadoutrinação para Chaves (2003) é,basicamente, a intenção da pessoaque ensina, e é a intenção que se tornao critério básico e fundamental quepermite diferenciar entre um ensinoeducacional e um ensino doutrinal.Tanto podem a religião, a moralidadee a política serem ensinadas demaneira educacional, como podem afísica e a astronomia ser ensinadas demodo doutrinal, como bem mostramalgumas pesquisas recentes na áreada história e sociologia da ciência.

Autores que defendem que adoutrinação ocorre somente quandoexiste intenção de doutrinar baseiam-se em alguns argumentos, dentreoutros:

♦ O método não é critério paraque ocorra doutrinação. Naeducação infantil, por exem-plo, pais ou professores,utilizando-se de métodosautoritários, tentam convenceras crianças de que é precisoobedecer ou aprender tabua-das de cor. Se esses métodossão utilizados com a intençãode deformar o espírito dacriança de pensar por simesma, houve doutrinação.Caso não tenha havido essaintenção, houve educação, poisa intenção é que conta.

♦ A sinceridade do professor oabsolve. Caso um professor,sem saber ou querer, fascinaseus alunos e os ganha para asua doutrina não está doutri-nando. Assim como outro

professor que ensina doutrinasdiscutíveis como indubitáveis,somente estará doutrinando setiver a intenção de doutrinar.

♦ Qualquer assunto pode servirde matéria de doutrinação, nãosomente crenças, doutrinas oupontos de vista. Basta aintenção de que algum assuntose torne uma crença inabalávelpara ocorrer doutrinação.

Segundo Snook (1974), o termodoutrinação subentende um julga-mento pejorativo sobre uma situaçãode ensino e o fato de se persuadiroutros sobre crenças só pode serconsiderado doutrinação se algumindivíduo tem uma posição deautoridade, se o período de tempo nãofor demasiadamente pequeno e sehouver uma situação de ensino cujaintenção seja a de que alunosaprendam crenças ou pontos de vistasem que os compreendam. Snook(1974) considera também que umaanálise da doutrinação tem que levarem conta os casos que realmenteocorrem num ambiente educacionale apresenta alguns casos claros eduvidosos de doutrinação.

Olivier Reboul

Em seu livro A Doutrinação,Reboul (1980) critica fortemente ocritério da intenção como discri-minador da doutrinação, defendidopor Snook (1974), considerando quepessoas “bem-intencionadas” ou queacreditam no que estão falandopodem estar doutrinando.

Para Reboul (1980), quemdoutrina não tem a intenção dedoutrinar, mas de ensinar. O professorpode crer no que está ensinando, podenão ter a intenção de doutrinar, masestará doutrinando mesmo semperceber. Se o professor não crê noque está ensinando, ele está simples-mente mentindo, e doutrinar não é o

mesmo que mentir. Reboul (1980)também acredita que, geralmente, opróprio doutrinador foi doutrinado,assim como Hitler, antes de 1914, játinha sido doutrinado com crençasrelativas à supremacia alemã.Muito raramente um professor iráadmitir que está doutrinando, poisprovavelmente irá acreditar que estáformando o indivíduo para a toda avida. A intenção é a de formá-lo, nãodoutriná-lo. O doutrinador já está atal ponto convencido daquilo queprega, que até admite certa distorçãoda verdade para melhor convencerseus alunos.

Para Reboul (1980), ninguémdoutrina voluntariamente, ou seja, atese da intenção como critériodiscriminador da doutrinação não écorreta. Para consolidar sua tese, oautor apresenta casos onde ocorredoutrinação. Veja-se a seguir.

Treze casos de doutrinação,segundo Reboul (1980)

Ensinar doutrina perni-ciosa: Ensinar um erro nãoé, propriamente, doutrinar.Antigamente, ensinava-seque a Terra era plana ou queos marcianos eram mais

inteligentes que os homens. Adoutrinação implica que o erroé pernicioso ou prejudicial,danoso, nocivo, maligno. Porexemplo, doutrinam-se criançasquando lhes ensinam que seusconcidadãos amarelos ou negrossão preguiçosos, ladrões e cruéisdevido às suas raças.

Utilizar o ensino para pro-pagar doutrina partidária:Para Reboul (1980), a propa-gação de uma doutrina parti-dária não é doutrinação porsi própria. Se a democracia

admite partidos, também admitea livre difusão de expressar suasdoutrinas. A doutrinação ocorre

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2412

quando a propagação de umaopinião partidária se faz em lugarnão destinado a isso, principal-mente na escola. Neste caso, osque ensinam utilizam-se de suaautoridade para propagar adoutrina partidária como se nãoo fosse, de forma sutil, cometendoabuso do poder docente emproveito de uma causa ou de umpartido.Considera-se que pode ocorreralgo semelhante em uma empre-sa. Cada empregado tem seuspróprios valores, em geral bemdiferentes dos da companhia. Adoutrinação pode ocorrer nomomento em que a empresa, pormeio de seus treinamentos, venhabuscar internalizar sua cultura eseus valores no funcionário. Este,por sua vez, se vê obrigado aabandonar sua forma de pensare passa a ter os valores e objetivosda companhia como seus, ecomporta-se de modo a obedecere não questionar mais estesvalores.

Fazer aprender sem com-preender aquilo que deveriaser compreendido: O sentidopopular da palavra cate-quizar equivale a uma formade ensino na qual não se

fazem necessárias explicações edeseja-se que informações sejaminternalizadas sem questiona-mentos e sem explicações. Ocatecismo foi, durante muitotempo, ensinado por perguntas erespostas aprendidas de cor.Atualmente, grande parte dosreligiosos se opõe a isso, nãoporque rejeitem o conteúdo docatecismo, mas porque achamperigoso decorá-lo sem explicá-lo. Aprender sem compreendernem sempre equivale à doutri-nação. Áreas como Matemática,Química ou Literatura, dentreoutras, podem necessitar adquirir

conhecimentos desta forma. Umafórmula química, o nome de umpersonagem ou verbos irregu-lares são alguns exemplos dedados que devem ser memo-rizados. A doutrinação ocorrequando aquilo que poderia serensinado inteligentemente éensinado de forma a decorar eabsorver informações sem anecessária explicação ou semcompreender o que poderia sercompreendido. Em outras pala-vras, ensinar a resposta em vezde explicá-la ou ensinar os meiosde encontrá-la.Considera-se que a educaçãocorporativa não deve apenasinformar, mas formar os em-pregados. Como atualmente o“capital humano” é o grandereferencial de sucesso no meioempresarial e o conhecimentoestá se valorizando a cada dia,catequizar o capital intelectual éestratégia equivocada para osucesso das organizações a longoprazo.

Utilizar, para ensinar, oargumento de autoridade:Existe doutrinação quando,com base na utilização dopoder de autoridade, não sedeixa às pessoas a possi-

bilidade de descobrir algo por simesmas ou de acreditarem emalgo somente porque determi-nada autoridade falou.

Ensinar com base em pre-conceitos: O preconceito éum juízo anterior a qualquerjuízo e um ensino baseado empreconceitos, por exemplo,

racistas ou nacionalistas é, pordefinição, tendencioso. A dou-trinação incide aqui no conteúdoe não na forma. O ensino nazista,proposto por Hitler, é umexemplo claro de ensino precon-ceituoso, doutrinário.

Ensinar com base em umadoutrina como se fosse aúnica possível: Um professorpode ensinar história segun-do o modelo marxista; outro,administração segundo o

modelo fordista, e nem por issodoutrinam. Doutrinam se tentamconvencer de que seu modelo é oúnico válido. A doutrinação nãoé ensinar uma doutrina, masprender-se a ela e desprezar asoutras. Se somente uma doutrinaé ensinada, e ensinada comoinquestionavelmente correta, nãohá espaço para o livre debate,restando ao indivíduo aceitá-lapassivamente. Com o conheci-mento de outras doutrinas, oindivíduo teria mais facilidade ebase para criticar construtiva-mente o que é ensinado, o quemuitas vezes não é de interesseda instituição de ensino ou deuma empresa.

Ensinar como científicoaquilo que não é: Neste caso,a doutrinação ocorre quandouma doutrina utiliza indevidae abusivamente o nome daciência. Um exemplo é o

hitlerismo, que pretendia ensinarum “racismo científico”. Outrosexemplos como “socialismocientífico”, “moral científica” e“explicações científicas daguerra” também podem seenquadrar nesta forma dedoutrinação.

Não ensinar senão os fatosfavoráveis à sua doutrina:Excluir os fatos contrários aoseu ponto de vista, pode serum preconceito ou umadoutrina declarada. Nessas

situações nas quais somente sãoensinados fatos favoráveis àdoutrina, provavelmente haverálimitação ao livre debate e àabertura para críticas.

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CLASSIFICAÇÃO DE TIPOS DE DOUTRINAÇÃO NA UNIVERSIDADE CORPORATIVA COM AUXÍLIO DA ANÁLISE FATORIAL

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Falsificar os fatos desfavorá-veis à sua doutrina: Nestecaso, o ensino não é maissomente tendencioso; é men-tiroso. Para apoiar sua dou-trina, o doutrinador inventa

fatos, distorce estatísticas, fabricatestemunhos, falsifica. Pode-seconsiderar um exemplo recentecomo a falsificação de fatosfavoráveis à sua doutrina ainvasão do Iraque pelos EstadosUnidos. Visando ao petróleo doIraque, os governos dos EstadosUnidos e da Inglaterra forjaramvários fatos como provas de queo Iraque possuía armas químicase biológicas (até o final de 2004nenhuma evidência disto foiencontrada) e planos de ataquesterroristas. Um outro exemplorefere-se aos Protocolos dosSábios de Sião, utilizados até 1945pelos movimentos anti-semitas,principalmente pelo hitlerismo,para propagar o ódio contra osjudeus. Trata-se de falsas atas dereuniões secretas, sem dúvidafabricadas pela polícia tzarista,de um programa de conquista domundo pelos judeus.

Selecionar arbitrariamenteesta ou aquela parte doprograma de estudos: Não seensinam a história e a geo-grafia de um país longínquo,ou se ensina muito pouco. A

doutrinação ocorre quando sedespreza aquilo que foi excluídocomo, por exemplo, um professorensinar que a civilizaçãoocidental é “A Civilização”.

Exaltar, no ensino, determi-nado valor em detrimentodos outros: Reboul (1980)indaga se a exaltação dotrabalho na escola não terialevado a certo denegrimento

do brinquedo ou da festa, queestão, entretanto, na base da

cultura, como o trabalho. Reboultambém descreve que, em certaépoca, ser patriota na Françasignificava ser antialemão, ou sercatólico significava odiar osateus. Isto não pode, segundo oautor, acontecer num verdadeiroe correto ensino.

Propagar o ódio por meio doensino: A população ameri-cana, assim como os soldadosamericanos, receberam cons-tantemente informaçõesfalsas do governo norte-

americano, difundindo o ódio aosiraquianos, para conseguir maiorapoio na guerra contra o Iraque.No caso dos soldados houveensino, logo, houve doutrinação.Segundo Reboul (1980), um casoparticular, mas muito corrente,é o fato de inculcar nos alunos osentimento de que são incapazesde aprender algo, sendo um casode ódio, pois os alunos passam aodiarem-se e sentirem-se inca-pazes.

Impor a crença pela vio-lência: Neste caso, coloca-seo indivíduo em uma situaçãotal que não tem mais o poderde refletir; ele crê somentenaquilo que querem que

acredite. A violência coage oscorpos e, se sutil, os pensamentos.A lavagem cerebral, por exemplo,é um processo no qual se levamas vítimas a dizer, e talvez a crer,o que sabem ser falso.

Enquanto a educação se relacio-na com libertação de capacidades einteresses de toda a personalidadehumana, com o ensino baseado nacompreensão, a doutrinação serelaciona com o controle e a limitaçãodo indivíduo e com o ensino perni-cioso, preconceituoso ou tendencioso.O significado de doutrinação, paraesta pesquisa, segue a mesma linha

de raciocínio compartilhada porReboul nos treze casos de doutri-nação descritos. Embora os estudosde Reboul pareçam ser mais apro-priados, é importante a análise dostrabalhos de Snook. O estudo dasobras destes dois autores é aqui aprincipal base teórica necessária paraa construção de um conceito dedoutrinação.

ASPECTOS METODOLÓGICOSE ANÁLISE DE DADOS

Foi elaborado um questionáriofechado com 29 afirmativas com basenos 13 critérios de doutrinação deOlivier Reboul, talvez o autor maisrespeitado no assunto em questão, etambém nas contribuições de IvanSnook.

Os questionários foram preen-chidos por funcionários em cursonuma UC de uma empresa do setorpúblico.

As afirmativas 1 e 2 correspon-dem ao primeiro caso de doutrinação:ensinar doutrina perniciosa; asafirmativas 3 e 4 correspondem aosegundo caso, e daí por diante até aafirmativa de número 26. As últimastrês afirmativas, do número 27 ao 29,são baseadas nos estudos de IvanSnook. A Tabela 1 permite visualizaras 29 afirmativas que integram oquestionário e sua relação com asteorias de doutrinação.

O questionário foi aplicado a 110pessoas. Destes questionários, seteforam considerados inválidos, pornão estarem devidamente preen-chidos. Não foram atribuídos pesos,pois não foi considerado que asafirmativas variavam em termos deimportância. Os questionáriospreenchidos forneceram dados que,confrontados com as afirmações deReboul e de Snook, informam que adoutrinação na UC pesquisadaocorre, porém poucas vezes (itens emnegrito, tabela 2).

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2414

Tabela 1: Relação entre as questões do questionário e as teorias de doutrinação

Teorias de doutrinação

Afirmativas Casos de Doutrinação (Reboul, 1980) /Critério das Intenções (Snook, 1974)

1. Nos cursos se ensinam conteúdos que sejam interessantes para aumentar o retorno financeiroda empresa, independentemente de serem totalmente corretos.

2. Os professores, mesmo sabendo a resposta de uma pergunta, omitem-na para evitar que osalunos tenham conhecimento de algo que não atenda aos interesses da empresa.

3. Os cursos fazem com que você abandone sua forma de pensar ou seus conhecimentos adquiridos,e tentam moldar seus conhecimentos de acordo com os interesses da companhia.

4. Dirigentes tentam, por meio de cursos, fazer com que seus empregados se adaptem às regrasda empresa e internalizem os valores estipulados.

5. Os cursos geralmente ensinam o “como fazer” e raramente o “por quê”.

6. Os cursos estão voltados mais para a transmissão de informações de interesse da empresa doque para a formação e a educação dos funcionários.

7. Quando um professor expõe um tema, busca fazer com que os alunos reajam criticamente,dando oportunidade da apresentação de pontos de vista diferentes.

8. Os cursos favorecem o livre pensamento, as críticas e o debate de idéias.

9. Nos cursos, a empresa busca substituir os valores dos participantes por aqueles que ela consideramelhores.

10. É mais provável que ocorra um ensino preconceituoso numa Universidade Corporativa do quenuma Universidade Tradicional.

11. Os professores ensinam com base num ponto de vista, como se fosse o único possível.

12. Os professores mostram não apenas os prós, mas também os contras, ou seja, as limitaçõesdos conhecimentos que ele sabe que são duvidosos.

13. O professor ensina como corretos alguns conhecimentos que ele sabe que são duvidosos.

14. O professor não tem ótimo conhecimento do assunto, mas ensina como se o tivesse.

15. Somente são ensinados os fatos e conhecimentos que os dirigentes consideram favoráveis àempresa.

16. Professores externos ensinam o que realmente ocorre no mundo dos negócios, enquanto queos internos ensinam só o que a empresa quer.

17. Os professores chegam a distorcer fatos e informações para adequar o ensino ao interesse daempresa.

18. Os professores não se preocupam muito em ensinar algo científico.

19. Os professores não têm total liberdade para ensinar, pois têm que cumprir o conteúdoprogramático estipulado pela empresa.

20. Os professores externos (que não são funcionários da empresa) dão aulas associadas aosinteresses da empresa.

21. Os cursos exaltam a competitividade em detrimento da cooperação.

22. Os cursos passam a imagem de que sua empresa é sempre a melhor, mesmo quando isso nãoé verdade.

23. Os cursos despertam rivalidade em relação aos concorrentes da empresa, tratando-os comose fossem inimigos.

24. Os cursos transmitem a idéia de que os alunos são incapazes de aprender certos assuntos.

25. Se o aluno não concordar com o professor, pode vir a ser repreendido de alguma forma.

26. Os cursos não valorizam a liberdade de expressão.

27. Uma das intenções dos gestores da empresa é que, a partir dos treinamentos, os funcionáriossejam mais obedientes.

28. Os cursos favorecem a capacidade de pensar de maneira diferente, de inovar, de romper paradig-mas, em detrimento de favorecer apenas o melhor cumprimento das rotinas por parte do funcionário.

29. O participantes sente-se controlado por uma cultura que visa mais ao cumprimento de tarefasdo que a apresentação de idéias e sugestões.

Caso de Doutrinação n.1 – Ensinardoutrina perniciosa (Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.2 – Utilizar oensino para propagar doutrina partidária

(Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.3 – Fazeraprender sem compreender aquilo que

deveria ser compreendido (Reboul,1980)

Caso de Doutrinação n.4 – Utilizar, paraensinar, o argumento de autoridade

(Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.5 – Ensinar combase em preconceitos (Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.6 – Ensinar combase numa doutrina como se fosse a

única possível (Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.7 – Ensinar comocientífico aquilo que não é

(Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.8 – Não ensinarsenão os fatos favoráveis à sua doutrina

(Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.9 – Falsificar osfatos desfavoráveis à sua doutrina

(Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.10 – Selecionararbitrariamente esta ou aquela parte do

programa de estudos (Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.11 – Exaltar, noensino, determinado valor em

detrimento dos outros Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.12 – Propagar oódio por meio do ensino (Reboul, 1980)

Caso de Doutrinação n.13 – Impor acrença pela violência (Reboul, 1980)

Critério das Intenções (Snook, 1974)

Critério das Intenções (Snook, 1974)

Critério das Intenções (Snook, 1974)

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

CLASSIFICAÇÃO DE TIPOS DE DOUTRINAÇÃO NA UNIVERSIDADE CORPORATIVA COM AUXÍLIO DA ANÁLISE FATORIAL

15

Com os dados da tabela 2, procu-rou-se reduzir o número de critériospara facilitar a classificação de níveisde doutrinação com a técnica de Aná-lise Fatorial. Segundo Hair (2005), aAnálise Fatorial é uma técnica estatís-tica multivariada que pode sintetizar

lações em função de necessáriapadronização dos dados. Realizou-seuma extração de dados simples semrotação de vetores e, posteriormente,foi aplicada a extração de dados como método de Rotação Varimax. ARotação Varimax é a abordagem mais

erpmeS sezeVsatiuM sezeVsacuoP acnuN

6 72 13 93

9 53 83 12

4 13 05 81

3 23 05 71

3 81 25 03

4 22 45 32

1 61 65 03

5 52 05 32

3 9 94 24

31 24 33 51

11 22 83 23

2 01 53 55

1 01 63 55

4 32 64 03

tnenopmoC

seulavnegiElaitinI sgnidaoLderauqSfosmuSnoitcartxE sgnidaoLderauqSfosmuSnoitatoR

latoT fo%ecnairaV %.lumuC latoT fo%

ecnairaV %.lumuC latoT fo%ecnairaV %.lumuC

1 236,01 049,57 049,57 236,01 049,57 049,57 447,6 571,84 571,84

2 627,2 474,91 414,59 627,2 474,91 414,59 316,6 932,74 414,59

3 246, 685,4 000,001

4 510-E95,2 410-E58,1 000,001

5 610-E35,6 510-E66,4 000,001

6 610-E89,3 510-E48,2 000,001

7 610-E47,2 510-E69,1 000,001

8 610-E92,2 510-E36,1 000,001

9 710-E83,7 610-E72,5 000,001

01 710-E30,1- 710-E33,7- 000,001

11 710-E32,9- 610-E95,6- 000,001

21 610-E38,2- 510-E20,2- 000,001

31 610-E83,4- 510-E31,3- 000,001

41 510-E36,1- 410-E71,1- 000,001

as informações de um grande númerode variáveis em um número menorde variáveis ou fatores. Para extraçãodos dados foi utilizado, no softwareSPSS, o método de Análise deComponentes Principais. Tal análiseabordou o uso da matriz de corre-

Tabela 2: Ocorrência ou não de doutrinação em 103 questionários. Em negrito são os itens de maior ocorrência.

Tabela 3 : Total Variance Explained - Extraction Method: Principal Component Analysis.

Casos de Doutrinação (Reboul) – questões 1 a 26

1. Ensinar doutrina perniciosa

2. Utilizar o ensino para propagar doutrina partidária

3. Fazer aprender sem compreender aquilo que deveria ser compreendido

4. Utilizar, para ensinar, o argumento de autoridade

5. Ensinar com base em preconceitos

6. Ensinar com base numa doutrina como se fosse a única possível

7. Ensinar como científico aquilo que não é

8. Não ensinar senão os fatos favoráveis à sua doutrina

9. Falsificar os fatos favoráveis à sua doutrina

10. Selecionar arbitrariamente esta ou aquela parte do programa de estudos

11. Exaltar, no ensino, determinado valor em detrimento dos outros

12. Propagar o ódio por meio do ensino

13. Impor a crença pela violência

14. Critério das Intenções (Snook) - questões 27, 28 e 29

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2416

utilizada na pesquisa em adminis-tração e oferece ao pesquisador umadiferente visão dos mesmos dados(Hair, 2005). Os resultados encon-trados estão descritos na tabela 3.

A tabela 3 aponta que os 14 crité-rios de doutrinação foram agrupadosem dois fatores com os seguinteseigenvalues: Fator 1 = 10,632 (com75,94% de variância) e Fator 2=2,726(com 19,47% de variância). Os fatorescomuns F1 e F2 têm comunalidadesque abrangem 95,41% da variação.Nota-se, pela Tabela 3, que os fatoresF1 e F2 foram escolhidos por teremeigenvalues maiores do que um,corroborando estatisticamente talescolha. A seguir, as tabelas 4 e 5mostram as matrizes de componentessem rotação e com rotação pelométodo Varimax:

Faz-se necessário ressaltar que oF2 nas tabelas refere-se ao critério docaso 1 de doutrinação, o F3 ao critério2, e daí por diante. Analisando-se asvariáveis antes e depois da rotação,por meio das Tabelas 4 e 5 respecti-vamente, constatamos que os fatoresem geral melhoraram e foramagrupados na Tabela 6.

Os fatores F6, F8, F12 e F15 nãoapontaram dispersão considerávelapós a Rotação Varimax, e têm fatorescomuns cujos factor loadings nãoapresentam distâncias que possamjustificar a relevância de um emdetrimento do outro para a análise dovalor observado. Portanto, foramagrupados conforme respaldo teóricoe experiência dos autores.

RESULTADOS E CONCLUSÃO

A UC tem como possibilidade odesenvolvimento de um treinamentoou ensino contínuo, com base nas ne-

cessidades da empresa, permitindo aadequação do conteúdo programáticoàs suas estratégias. Isso está de acor-do com as tendências apontadas parao século XXI, como “customização” eagilidade. Além dessa possibilidade,o custo por indivíduo é menor. Dadoque as UCs transmitem e buscamfixar os valores da organização por

meio de seus cursos, elas acabamexercendo um controle sutil, porémeficaz aos seus propósitos.

Somente ensinar o que é de inte-resse da organização pode ser umagrande limitação da UC. Limitaçõessão aqui entendidas como desvanta-gens, problemas ou fatores que difi-cultam o real aprendizado, a educa-ção e a emancipação do funcionáriocomo ser pensante. O conhecimento,atualmente considerado o maior ativoda empresa, deve ser desenvolvido eestimulado de forma mais ampla.

A simples transmissão de infor-mações por meio de um ensino deforte base funcionalista não possibi-lita o desenvolvimento do espíritocrítico dos funcionários. Nessa era decompetitividade, na qual se dependemenos da tecnologia e mais de pes-soas para se obter resultadossatisfatórios e na qual as informaçõesestão disponíveis a baixo custo, oimportante é o desenvolvimento doconhecimento numa abordagem quefavoreça a crítica.

Para verificar se a educaçãocontinuada em Universidades Corpo-rativas oferece aos seus participantessubsídios para refletir, criticar, agir,ou seja, educar seus funcionários, os14 critérios de doutrinação semostraram úteis. O objetivo dapesquisa foi verificar a possibilidadede reduzir esses 14 critérios de formaeficaz. Com a tabela 6, foi viávelclassificar os 14 critérios em doisgrupos.

O grupo Component 1 tem carac-terísticas de doutrinação de cunhomenos intencional, quando compara-das ao grupo do Component 2. Ogrupo Component 1 tem as caracterís-ticas de um docente inseguro, quepara tentar suprir suas deficiênciasutiliza-se de determinadas estratégias

1tnenopmoC 3F 4F 5F 7F 9F 11F 21F

2tnenopmoC 2F 01F 31F 41F 6F 8F 51F

Tabela 6: Components X Fatores

Tabela 4: Component Matrix(a)

Extraction Method: Principal Component Analysis.2 components extracted.

Tabela 5: Rotated Component Matrix(a)

Extraction Method: Principal Component Analysis.Rotation Method: Varimax with KaiserNormalization. A rotation converged in 3 iterations.

tnenopmoC

1 2

2F3F4F5F6F7F8F9F01F11F21F31F41F51F

708,328,209,098,289,169,479,669,688,474,779,486,407,000,1

333,-715,724,454,160,-861,260,-812,634,-908,112,-217,-396,-410,-

tnenopmoC

1 2

2F3F4F5F6F7F8F9F01F11F21F31F41F51F

243,949,349,359,756,308,156,248,623,509,945,110,-610,307,

408,902,823,103,237,455,727,225,239,542,-638,789,889,117,

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

CLASSIFICAÇÃO DE TIPOS DE DOUTRINAÇÃO NA UNIVERSIDADE CORPORATIVA COM AUXÍLIO DA ANÁLISE FATORIAL

17

de doutrinação descritas na tabela 7.Já o grupo Component 2 tem ascaracterísticas de um docente mal-intencionado, que distorce arealidade para atingir seus própriosobjetivos e utiliza estratégias dedoutrinação de forma mais forte doque o primeiro.

Este modelo pode ser utilizadopara se avaliar várias formas detreinamento e de docentes, visando aum ensino efetivamente educacional,oposto do ensino doutrinário, quecontribua para o real desenvolvi-mento do aluno. Uma limitação destemodelo é o enfoque quantitativo, poisentrevistas e observações seriambastante interessantes nessa pesquisa.Acredita-se que o tema doutrinaçãopossa ser de interesse de docentes,discentes e organizações. Assim,sugere-se uma nova agenda depesquisa nestes termos:

♦ Aplicar o questionário aalunos de “MBAs” e cursos deMestrado, para verificar ahipótese que o primeiro tenhamais características de dou-trinação que o segundo.

♦ Verificar o percentual dedocentes não-doutrinadores,doutrinadores inseguros edoutrinadores mal-intenciona-dos numa instituição (empresaou faculdade). �

Tabela 7 - Tipos de doutrinação

CHAVES, E. A filosofia da educação e aanálise de conceitos educacionais.Disponível em: http://www.chaves.com.br/textself/philos/filed 77-1.htm Acesso em:10 set. 2003.

ÉBOLI, M. P. Universidade Corporativa:ameaça ou oportunidade para as escolastradicionais de administração? Revista deAdministração. São Paulo: Universidadede São Paulo, v. 34, n. 4, p. 56-64, out./dez. 1999.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis:Vozes, 1987.

GOMES, M. B. O caráter doutrinário deuniversidades corporativas. In: ENCON-TRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃONACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO,2004, Curitiba. Anais... Curitiba: Anpad,2004.

GRISCI, C. L. L.; DENGO, N. Universidadescorporativas: modismo ou inovação?Revista Eletrônica de Administração,UFRGS. Porto Alegre, v. 9, p. 1-16, 2003.

HAIR, J. et al. Fundamentos de métodosde pesquisa em administração. PortoAlegre: Bookman, 2005.

MEISTER, J. Educação corporativa: a gestãodo capital intelectual através das univer-sidades corporativas. São Paulo: Makron,1999.

MOTTA, F. P.; VASCONCELLOS, I. F. F. G.;WOOD Jr., T. O novo sentido da liderança:

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REBOUL, O. A doutrinação. São Paulo:Universidade de São Paulo, 1980.

SENGE, P. A quinta disciplina. São Paulo:Best Seller, 1990.

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SNOOK, I. A. Doutrinação e educação.Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

VERGARA, S. C.; CARVALHO, J. L. F. dosS. de; GOMES, A. P. C. Z. Controle ecoerção: a pedagogia do olhar na espa-cialidade do teatro e das organizações.Revista de Administração de Empresas:Fundação Getulio Vargas, v.44, n.3, p.10-19, jul./set. 2004.

VERGARA, S. C. Universidade corporativa:a parceria possível entre empresa e auniversidade tradicional. Revista deAdministração Pública. Rio de Janeiro:Fundação Getulio Vargas, v. 34, n.5, p.181-188, set./out. 2000.

WOOD JR., T. Organizações espe-taculares. Rio de Janeiro: FundaçãoGetulio Vargas, 2001.

Doutrinador inseguro (component 1)

2. Utilizar o ensino para propagar doutrina partidária (F3)

3. Fazer aprender sem compreender aquilo que deveria sercompreendido (F4)

4. Utilizar, para ensinar, o argumento de autoridade (F5)

6. Ensinar com base numa doutrina como se fosse a única possível (F7)

8. Não ensinar senão os fatos favoráveis à sua doutrina (F9)

10. Selecionar arbitrariamente esta ou aquela parte do programa deestudos (F11)

11. Exaltar, no ensino, determinado valor em detrimento dos outros(F12)

Doutrinador mal-intencionado (component 2)

1. Ensinar doutrina perniciosa (F2)

5. Ensinar com base em preconceitos (F6)

7. Ensinar como científico aquilo que não é (F8)

9. Falsificar os fatos favoráveis à sua doutrina (F10)

12. Propagar o ódio por meio do ensino (F13)

13. Impor a crença pela violência (F14)

14. Critério das Intenções (Snook) - questões 27, 28 e 29(F15)

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2418

A NORMA INTERNACIONAL SA8000:UMA VISÃO CRÍTICA

NOÊMIA LAZZARESCHI

VALQUÍRIA DA SILVA STAFOCHER

Este artigo é fruto de um estudo de caso sobre

as razões que levaram uma empresa de grande porte

a implementar a Norma SA8000, denominada

norma internacional de responsabilidade social, e o

impacto por ela provocado nas relações com seus

funcionários e seus stakeholders.

A análise dos dados permitiu demonstrar que,

a despeito da legislação nacional – Constituição

Federal do Brasil e Consolidação das Leis do

Trabalho – e da legislação internacional em vigor –

Convenções da Organização Internacional do

Trabalho e Declaração Universal dos Direitos

Humanos da Organização das Nações Unidas –

ocorre no País uma sistemática violação dos direitos

dos trabalhadores e dos direitos de cidadania,

expressão de total desrespeito às conquistas

alcançadas pelos movimentos sociais ao longo dos

séculos XIX e XX. Por isso, a obtenção da certificação

da Norma SA8000 pode ser um importante

instrumento para o aprimoramento das relações

capital-trabalho e do desempenho das empresas ao

comprovar o cumprimento das obrigações

juridicamente definidas, o que, por si só, já constitui

fator de redução de conflitos e de maior motivação

para o trabalho, além, é claro, de ser uma expressão

de cidadania e responsabilidade social empresarial.

This article is a result of a studying of case

about the reasons which a big company, decided

for the introduction of SA8000 International

Rule, named of social responsibility, and the

impact made by it in its relationship among its

employees and its stakeholders.

The analysis of this case regarding the

nation laws – Brazilian Federal Constitution and

Union of Work Laws – and the International

Laws – lectures Organizations – in essept,

occurs that, around the word, a systematic

violation of the worker rights and the citizenship

rights, expression of total disrespect to the

conquests goy by the social movements along

XIX and XX centuries of Work International

Organization and Universal Declaration of

Human Rights from United Nation. Due to that,

the SA8000 International Rule conquest can be

an important tool to improve the capital–work

and companies’ performance relationships,

proving the fulfillment of definite legal

obligations. That constitutes, on its on accord, a

factor of conflicts reduction and greater

motivation to the work, besides being an

expression of citizenship and social responsibility

related to companies.

Palavras-chave: Norma SA8000; norma social;

responsabilidade social

Keywords: SA8000 certification; social policies;

social responsibility

NOÊMIA LAZZARESCHI é Profª Drª do Departamento de Sociologia e do

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP

VALQUÍRIA DA SILVA STAFOCHER é Profª Drª do Departamento de

Administração da Universidade Municipal de São Caetano do Sul - IMES

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

A NORMA INTERNACIONAL SA8000: UMA VISÃO CRÍTICA

19

Até a segunda metade do séculoXX, considerava-se responsabilidadesocial das empresas o restrito cumpri-mento da legislação vigente, nacionale internacional, e a defesa dos inte-resses econômicos e financeiros deseus investidores diretos, entãofortemente ancorados nas afirmaçõesdo respeitado Milton Friedman,Prêmio Nobel de Economia de 1976,segundo as quais “a tarefa da empresae de seus gestores é otimizar o lucrodo acionista e/ou proprietário atravésdo bom uso dos recursos organiza-cionais”. Ou, em outras palavras:“empresa socialmente responsável éaquela que responde às exigências deseus acionistas”, isto é, que garante oretorno ampliado do capital investido.

De fato, há de se reconhecer queo retorno e reinversão do capitalpermitiam, até a década de 1970, ocumprimento de suas funções sociais,ou seja, gerar empregos e distribuira renda, sem o quê não se poderiajustificar moral e eticamente o modocapitalista de produção. No entanto,se essas continuam a ser as principaisfunções sociais do capital, a realidadedas novas condições econômicasglobais impôs a ampliação das res-ponsabilidades sociais das empresaspara além da mera distribuição dedividendos a seus acionistas e paraalém da geração de empregos, atéporque a modernização tecnológicae organizacional tem reduzido mi-lhões de postos de trabalho em todasas partes do mundo e as perspectivasde geração de novos são absoluta-mente desanimadoras, mesmo emcontexto de crescimento econômico.

O processo de reestruturaçãoprodutiva e organizacional a que sesubmeteram as empresas para en-frentar o acirramento da competiçãopela ampliação de mercados, provo-cado pela internacionalização docapital, isto é, pela globalização daeconomia, teve dramáticas conse-qüências para os assalariados de todoo mundo por ter desestruturado osmercados de trabalho com a elevaçãodos índices de desemprego, o estabe-

lecimento de novas e precáriasrelações de trabalho (contratotemporário, jornada parcial, trabalhodomiciliar, terceirização, subcon-tratação, emprego sem carteiraassinada, por conta própria), a redu-ção dos salários e/ou remuneração edo acesso aos benefícios sociais eprevidenciários, cujo resultado é oaumento do número de trabalhadoresno mercado informal e a intensi-ficação da desigualdade social mesmonas mais prósperas regiões.

Além disso, a reestruturação pro-dutiva e organizacional transforma anatureza do trabalho e define o novoperfil do trabalhador do século XX,cujas características são muito dife-rentes daquelas dos trabalhadores daorganização taylorista e fordista doprocesso de trabalho cujas tarefassimplificadas, repetitivas, desquali-ficadas, podiam ser realizadas a partirde um rápido treinamento, sob ocomando da gerência científica. Hoje,impõe-se o modelo da competênciaque supõe o recrutamento de traba-lhadores com alto grau de escolari-dade – no mínimo o diploma deensino médio –, com capacidade paracompreender o funcionamento datotalidade do processo de produçãoe de prestação de serviços e com ca-pacidade para efetivar os conhe-cimentos adquiridos na solução deproblemas do dia-a-dia do trabalho ena tomada de decisões. Além disso,exigem-se familiaridade com a lingua-gem técnica dos computadores e comos programas de última geração dainformática, conhecimentos básicosda língua inglesa, atualização contí-nua de informação e capacidade parautilizá-la no momento certo, dentreoutras competências. Enfim, exige-sea volta à escola, à universidade, aoscursos de especialização e extensãode excelente qualidade, aos quais agrande maioria dos trabalhadoresbrasileiros não tem acesso.

É verdade que esse quadro dasdificuldades enfrentadas nos mer-cados de trabalho pelos trabalhadoresdo mundo inteiro e, especialmente

pelos trabalhadores brasileiros, nãoresulta apenas da introdução de pro-gramas completos de racionalizaçãoprodutiva, que incluem a adoção denovas tecnologias e de novas formasde organização do processo detrabalho (just-in-time/kanban, célulasde produção ou programas dequalidade total), ou apenas a adoçãoseletiva dessas tecnologias. Se assimfosse, o Japão não apresentaria, atémeados da década de l990, os maisbaixos índices de desemprego emcomparação com as economiasindustrializadas do mundo, apesar depoder contar com mais de 300.000robôs à época.

É a conjugação de vários fatoresa variável responsável pelo agra-vamento dos índices de desempregoe do processo de flexibilização dasrelações de trabalho, tornando-asprecárias. Entre esses fatores está aindefinição de uma política industriale sobretudo de uma política global deemprego que, ao mesmo tempo e emcurto prazo, seja capaz de fomentara modernização tecnológica e oaumento do número de empregos.

No caso do Brasil, os váriosplanos econômicos de combate àinflação implicaram também reduçãodos índices de crescimento em razãodas altas taxas de juros e da sobre-valorização da moeda até 1999 –características do Plano Real –, oupela não aprovação e/ou regulamen-tação de reformas institucionaisnecessárias, como a reforma tribu-tária para diminuir a carga elevadados impostos sobre o faturamento dasempresas que as impedem de compe-tir com produtos estrangeiros, oureformas administrativas que permi-tam reduzir o déficit público. Citem-se, ainda, problemas conjunturais,nacionais e internacionais, como asdiferentes crises dos anos 90, além deabertura dos mercados que expôs aeconomia do país a uma forte pressãointernacional, etc.

Fragilizados pela situação domercado que enfraquece o movimen-to sindical, os trabalhadores tornam-

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se reféns das condições impostaspelas empresas, que, por sua vez, nospaíses em desenvolvimento, viramreféns das grandes corporaçõesempresariais e das condições econô-micas nacionais e internacionais. Oresultado tem sido a necessidade deredução de custos com a eliminaçãode postos de trabalho e a violação dasleis trabalhistas para o não paga-mento de encargos sociais queapenas prejudicam o lado fraco darelação capital-trabalho, isto é, ostrabalhadores.

Como justificar, então, para legiti-má-lo e perpetuá-lo, o modo capita-lista de produção se as suas funçõessociais primordiais não estão sendocumpridas? De fato, o desempregoatingiu 6,3% da população mundialem 2005, isto é, quase 192 milhõesde trabalhadores, segundo o relatórioanual sobre Tendências Mundiais doTrabalho da Organização Interna-cional do Trabalho – OIT. No Brasil,o país mais industrializado da Amé-rica Latina e 10ª economia mundial,o desemprego tem se mantido elevadodesde a década de 90. Em 2006 e em2007, o IBGE registrava, no primeirosemestre, uma taxa média de desem-prego da ordem de 10,1% da PEA –População Economicamente Ativa –,constituída por mais de 80 milhões debrasileiros. E considere-se que taxaselevadas de desemprego significamtaxas elevadas de pobreza. Aindasegundo aquele relatório da OIT, são500 milhões os pobres no mundo e,destes, apenas 14,5 milhões ganhammais de um dólar americano por dia.

As próprias empresas, numprimeiro momento, responderamàquela questão antecipando-se àspossíveis reações dos movimentossociais e introduziram novas práticasde responsabilidade social, práticasde respeito à legislação e ao traba-lhador que, paradoxalmente, nas duasúltimas décadas têm se tornado umavantagem competitiva por permi-tirem sua maior exposição nos meiosde comunicação de massa, poderosaferramenta de ampliação de mercado,

e por aumentarem os níveis desatisfação do trabalhador, fatordeterminante do aumento de suaprodutividade, responsabilidade ededicação, condição para a competiti-vidade e lucratividade das empresas.Essa é a origem da norma inter-nacional SA8000, cujo selo decertificação é mais uma estratégiapara se enfrentar a concorrência nosmercados nacionais e internacionais.

Hoje, ampliou-se consideravel-mente o conceito de responsabilidadesocial das empresas, graças sobretudoaos movimentos sociais que exigemuma contribuição mais efetiva docapital na construção das condiçõesde exercício dos direitos sociaisimplícitos no conceito de cidadania,reconsiderado na Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos de 1948.Assim, a responsabilidade socialempresarial refere-se a uma formaampla e diversificada de pensar asrelações da empresa com seusdiversos públicos. É muito mais queremunerar os donos do capital, re-colher impostos, patrocinar projetose fazer doações diversas; é muito maisque estabelecer relações amistosas eéticas com consumidores, clientes,fornecedores, governo e o poderpúblico; é muito mais que investir napreservação do meio ambiente, cum-prir as leis trabalhistas, implantarpolíticas de recursos humanos quepromovam a qualidade de vida dosfuncionários com carteira assinada –dentro ou fora da empresa – e de seusdependentes. Acima de qualqueroutra atitude, consiste em assumirresponsabilidade sobre todas aspessoas de cuja produtividade edesempenho a empresa depende –estagiários, temporários, terceiros,cooperados, empregados de meioperíodo, consultores, trabalhadoresvirtuais, trabalhadores com contratopor tempo determinado e traba-lhadores domiciliares, os chamadosnão-empregados. Responsabilidadesocial empresarial, portanto, écoerência em todas as atitudes daempresa, com todos os seus públicos.

Se a responsabilidade social dasempresas deveria ser exercida nesseespectro amplo, como foi delineado,moralmente correto e socialmentejusto por expressar o reconhecimentoda dívida social contraída ao longode dois séculos de exploração dosrecursos naturais e da força de tra-balho, é necessário reconhecer queainda hoje é compreendida pela gran-de maioria apenas como mais umaferramenta de gestão que pode gerarbons resultados para os negócios, namedida em que se tornou uma estra-tégia de marketing que se expressa naobtenção de certificações e selos queatestam o respeito a normas queregulamentam práticas de responsa-bilidade de maior visibilidade social.No entanto, como veremos, são mui-tos os ganhos dos trabalhadores e nãoapenas os da empresa certificada.

A Norma Internacional SA8000

A norma internacional SA8000,cuja sigla significa Social Accoun-tability, foi lançada pelo Council ofEconomic Priorities AccreditationAgengy – CEPPA – (Órgão Creden-ciador do Conselho de PrioridadesEconômicas), com sede em NovaYork, Estados Unidos, em outubro de1997. Sua formulação baseou-se nosprincípios da Declaração Universaldos Direitos Humanos, da Organi-zação das Nações Unidas, e nasconvenções da Organização Interna-cional do Trabalho. Até setembro de2005, havia 763 empresas certificadasem 46 países, entre as quais 82 noBrasil, segundo o órgão certificador.

Os nove requisitos para a obten-ção da certificação são:

♦ proibição do trabalho infantil;♦ proibição do trabalho forçado,

isto é, todo trabalho ou serviçoextraído de qualquer pessoasob a ameaça de penalidade,tal como trabalho escravo etrabalho degradante;

♦ estabelecimento de medidaspreventivas de acidentes edanos à saúde ocupacional;

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

A NORMA INTERNACIONAL SA8000: UMA VISÃO CRÍTICA

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♦ respeito à liberdade de asso-ciação e direito à negociaçãocoletiva;

♦ luta contra a discriminação nacontratação, na remuneração,no acesso a treinamento, napromoção, no encerramentode contrato ou na aposentado-ria, com base em raça, idade,classe social, nacionalidade,religião, deficiência, sexo,orientação sexual, associaçãoa sindicato ou afiliação políti-ca, além de coibir comporta-mento – inclusive gestos,linguagem e contato físico –que seja sexualmente coerci-tivo, ameaçador, abusivo ouexplorativo;

♦ proibição de práticas discipli-nares que envolvam puniçãocorporal, mental ou coerçãofísica e abuso verbal;

♦ obediência ao horário de tra-balho previamente estipulado,limitando-se as horas extras aum total de 12 por semana;

♦ salários e benefícios quegarantam condições dignas desobrevivência ao trabalhador eà sua família, de conformidadecom as leis aplicáveis, e

♦ sistemas de gestão que defi-nam a política da empresaquanto à responsabilidadesocial, não só no que concerneao respeito à legislação nacio-nal e internacional em vigor,mas também que incluam ocompromisso com a melhoriacontínua das políticas derecursos humanos, abrangen-do também seus stakeholders.

Mesmo uma rápida consulta àConstituição da República Federativado Brasil, à Consolidação das Leis doTrabalho, ao Estatuto da Criança e doAdolescente e às Convenções daOrganização Internacional do Tra-balho (algumas datadas de 1930 e1957, como as de nº 29 e 105 refe-rentes, respectivamente, à proibiçãodo trabalho forçado e do trabalhoescravo) permite verificar que todos

os nove requisitos para a obtenção dacertificação da Norma SA8000 aliestão contemplados com força de leie, portanto, seus infratores sãopassíveis de punição.

Qual, então, a necessidade dessanorma e certificação? A resposta estácontida nos parágrafos anterioresdeste artigo: a exigência de reduçãodos custos das empresas para aampliação de mercados para seusprodutos e serviços, e o aumento dosíndices de desemprego e da informa-lidade são os fatores indutores daadoção de práticas abusivas nautilização da força de trabalho –trabalho escravo, ainda muito fre-qüente nas Regiões Norte e Nordestedo Brasil, exploração de crianças emulheres, descumprimento de todasas leis trabalhistas, baixíssimossalários, às vezes de valor inferior aosalário mínimo oficial, etc. Acres-cente-se a isso a inexistência de fisca-lização eficaz por parte do Estado, oque significa que quase sempre sãodenúncias anônimas contra osinfratores e processos na Justiça doTrabalho os únicos instrumentos degarantia de cumprimento das leis.

A formulação da Norma SA8000,norma internacional de responsa-bilidade social, resultou, portanto, dacomprovação de que, em todo omundo, mais notadamente nos paísesem desenvolvimento, não se respeitaa mais elementar das responsa-bilidades sociais das empresas: oestrito cumprimento da legislaçãotrabalhista e dos direitos funda-mentais do cidadão.

A obtenção da certificação daNorma SA8000 para o recebimentodo título de empresa cidadã e respon-sável é um sintoma da generalizaçãodo comportamento irresponsável dasempresas e, ao mesmo tempo,expressão de significativo avanço naluta pelo exercício da cidadania casoessa certificação venha a se tornar, defato, um diferencial competitivo paraas empresas da mesma forma que asdemais certificações, como as da sérieISO 9000.

O Estudo de Caso

A empresa, objeto do estudo decaso que fundamenta este artigo,decidiu declaradamente pela obten-ção da certificação da Norma SA8000como mais uma estratégia para amelhoria de seu desempenho, aoconsiderá-la um eficaz instrumentode cooptação de seus funcionários,pois que a garantia de respeito às leistrabalhistas, amplamente desrespeita-das no Brasil, campeão mundial deprocessos na Justiça do Trabalho querecebe, em média, dois milhões denovos processos anualmente, é umdos fatores determinantes de suaeficiência produtiva e, em conseqüên-cia, de sua longevidade e crescimentodos negócios.

De fato, os funcionários daempresa reconheceram que acertificação da Norma SA8000 foiresponsável:

a) por uma substancial melhoriano relacionamento entre elese as chefias, cujos poderesforam limitados, atribuindo-semaior autonomia funcional atodos os funcionários e elimi-nando-se as agressões verbaise perseguições até então muitofreqüentes;

b) por melhorias na prevenção deacidentes e do desenvolvimen-to de doenças ocupacionaiscom a utilização permanentede equipamentos de proteçãoindividual e exames médicosobrigatórios periódicos;

c) apoio dos chefes na solução deproblemas pessoais e domés-ticos, como trocar a folga,acompanhar familiares aomédico, faltar para “bater umalaje”, etc.;

d) inexistência de processostrabalhistas contra a empresa;

e) pontualidade no pagamentodos salários e benefícios;

f) diversidade da força detrabalho na empresa com acontratação de homossexuais,idosos, deficientes físicos e

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mulheres para os mais dife-rentes postos de trabalho;

g) investimentos em educaçãoescolarizada para todos osfuncionários com a aberturade escola de ensino funda-mental e médio;

h) total liberdade de filiação emilitância sindical e represen-tação dos empregados junto àdireção;

i) inexistência de paralisações ougreves.

A satisfação dos trabalhadorescom a empresa se expressa nos baixosíndices de absenteísmo, em média,nos últimos dez anos, de 1,22%;turnover de 1,5%; nos aproxima-damente dois anos sem registro deacidentes do trabalho; permanênciana empresa de 5 a 10 anos e, segundoa direção, nos altos índices deprodutividade, sem que, no entanto,tenham sido fornecidos os números.

Quando a SA8000 foi implantada,a empresa deu a conhecer a todos osseus fornecedores as exigências danorma. Recorrendo a palestras, àcriação de um manual, de um questio-nário de avaliação e de um termo decompromisso cuja assinatura osobrigava a obedecer a política deresponsabilidade social do SocialAccontability, procurou eliminardúvidas e obter adesões. Os maioresfornecedores, categoria A, nãoresponderam ao questionário nemderam importância ao termo de com-promisso, fato que apontou um erroestratégico em relação a tais clientes:a empresa, por comparação, erainsignificante para os negócios dosgrandes fornecedores. Os fornecedo-res categoria A, pelo nome, reputa-ção, montante de negócios e fatura-mento, gozam de situação confortávelno mercado, não aceitando outrasexigências senão as determinadas porseus acionistas e, eventualmente, pelomercado. Outro aspecto é sua grandeexposição pública que as sujeita, commaior intensidade, ao controle doEstado (fiscalização) e da sociedadecivil (boicotes).

A empresa, então, concentrou-senos fornecedores menores sobre osquais exercia influência real e quedela dependiam para sobreviver, poisque a empresa certificadora transferepara a certificada a responsabilidadedesta tarefa, criando enormes difi-culdades para o exercício do controlesobre um grande número de for-necedores, sobretudo aqueles queutilizam na lavoura a mão-de-obra detoda a família, incluídos os filhosmenores, o que exigiu transferir acompra de produtos para interme-diários do ramo.

Além disso, é muito difícilidentificar na cadeia produtiva osfornecedores de má conduta, isto é,os que desrespeitam a legislaçãotrabalhista, não recolhem impostos,valem-se de suborno ou corrupção,etc. e, embora a empresa seja a tutoradas diretrizes da norma, sofre enor-mes limitações para abarcar todo oprocesso que envolve fornecedores eclientes. Daí a acentuada necessidadede flexibilização por parte da empresadetentora da norma.

Apesar de todas essas dificulda-des na aplicação da norma a toda acadeia produtiva e clientes, não sepode negar os ganhos dos trabalha-dores e da empresa certificada.

Considerações Finais

A Norma SA8000 padece de umacontradição dicotômica. Por um lado,reproduz basicamente a legislaçãointernacional e nacional, o que a tor-naria desnecessária por sua repetiçãodo que já está há muito juridicamenteestabelecido. Por outro lado, contudo,é importante na medida em queobriga as empresas candidatas ao seloa obedecer a lei e a exigir esse mesmocumprimento de seus parceiroscomerciais, já que sistematicamentea lei não é cumprida.

São as grandes empresas, comraras exceções, com estruturas inter-nas de controle, maior visibilidade ecultura organizacional madura, ascertificadas pela SA8000. Dentre as

já certificadas no Brasil, estão a Avon,Natura, Pirelli, Ipiranga, Petroquí-mica União e a De Nadai, primeiraempresa a obter a certificação no Paíse primeira no ramo da alimentaçãono mundo.

As empresas certificadas tendema influenciar aquelas que gravitam aoseu redor. A dúvida é saber como aspequenas empresas poderão adequar-se às exigências da Norma, pois queas altas taxas de juros – 16,25% -, deimpostos – em torno de 37,8% do Pro-duto Interno Bruto – e dos encargossociais – 102% sobre os salários pagos– dificultam a sua sobrevivência eincentivam a sonegação e o desres-peito à legislação.

Considerando-se que são aspequenas empresas as grandesgeradoras de postos de trabalho, aquestão só poderá ser solucionada, oupelo menos minorada, no âmbito doprocesso político brasileiro, isto é,pela aprovação de reformas funda-mentais – tributária, jurídica, política,trabalhista e previdenciária – peloCongresso Nacional. Enquanto essasreformas não se efetivam, é misterreconhecer a relevância social daobtenção da certificação da NormaSA8000 por se constituir numagarantia do exercício dos direitos doscidadãos trabalhadores ao mesmotempo em que beneficia as própriasempresas. �

Referências Bibliográficas

BRASIL. Consolidação das Leis doTrabalho. São Paulo: Saraiva, 2003.BRASIL. Constituição Federal do Brasil.5. ed. ver. e atual. São Paulo: Revista dosTribunais, 2000.DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREI-TOS HUMANOS DA ORGANIZAÇÃODAS NAÇÕES UNIDAS. Estatuto daCriança e do Adolescente. São Paulo:RT Legislação, 2004.FRIEDMAN, M. Capitalismo & Liber-dade. São Paulo: Arte Nova, 1977.Social Accountability International. Riode Janeiro: Granville, 2001.SÜSSEKIND, A. Convenções da OIT. SãoPaulo: LTR, 1999.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

O PEÃO DE BOIADEIRO DA FESTA, UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE NO MUNDO DO TRABALHO

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O PEÃO DE BOIADEIRO DA FESTA, UMAQUESTÃO DE IDENTIDADE NO MUNDODO TRABALHO

ÁLVARO PEQUENO

O presente artigo tem por objetivo apresentar

uma reflexão a respeito de um profissional pouco

estudado no mundo acadêmico, o peão de boiadeiro.

Sua relevância prende-se a um resgate histórico,

ainda que rápido e sem a profundidade que o tema

merece, de alguns aspectos da vida do trabalhador

que conduzia as boiadas na Região Centro Oeste.

Tomando algumas observações a respeito desse

trabalhador em pontos extremos do País, Nordeste

e Rio Grande do Sul, é focalizado esse mesmo

profissional na Região Centro-Oeste. Faz-se um

resumo do que era a comitiva boiadeira, observando-

se sua estrutura organizacional. A festa do peão de

boiadeiro é o cenário em que se dá a passagem do

peão de boiadeiro para o peão de rodeio. O texto

procura mostrar a situação de dubiedade em que se

encontra o peão da festa: dentro de um evento que

tem por origem o peão de boiadeiro o homem da

arena está num momento de crise de identidade. O

artigo mostra essa crise a partir do que o peão da

festa pensa a respeito de si mesmo em confronto

com o que o se público vê nele.

The present article aims to present a

reflection regarding a professional little studied in

the academic world, the cowboy. Its relevance is

attached to historical review, although fast and

without the depth that the theme deserves, of

some aspects of the worker’s life that led the herds

in the Região Centro Oeste. Taking some

observations about that worker in extreme

regions of the Country, Northeast and Rio Grande

do Sul, that same professional is focalized in the

Região Centro-Oeste. A summary is made of what

it was the cattle cortege, being observed its

organizational structure. The rodeo party is the

scenery in what occurs the passage of the cattle

cowboy to the rodeo cowboy. The text tries to

show the dubiousness situation in what is the

cowboy of the party: inside of an event that has

for origin the cattle cowboy, the man of the arena

is in a moment of identity crisis. The article shows

this crisis based upon what the man of the arena

thinks about himself in a confrontation with which

his public sees in him.

Palavras-chave: Peão de boiadeiro; rodeio; identidade

Keywords: cattle cowboy; rodeo; identity

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ÁLVARO PEQUENO é Mestre em Administração e

Doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2424

Procura-se, no presente texto,caracterizar o cenário e o caminhodo peão de boiadeiro no desempenhodo seu papel profissional e nadefinição da sua identidade. Para issoforam adotados dois tipos de entre-vista, oral e escrita: entrevista oralcom os peões que transportavamboiadas e entrevista escrita com ospeões que atuam nas arenas derodeio.

A entrevista oral teve por objetivoa coleta de depoimento dos peões apartir das suas lembranças da vidaque tiveram nas estradas. Sobre issonão se dispõe de documentos dequalquer espécie. Não existemcartas, telegramas ou outros registrospara comprovar o que contam.Raramente se consegue uma ou outrafotografia e, assim mesmo, mos-trando o peão fora das suasatividades rotineiras; são fotos queregistram algum instante dele nacidade e que revelam algumas desuas características, o modo de sevestir, por exemplo. Assim é que osdepoimentos orais passam a ser afonte única possível de acesso à vidaque o grupo ou os grupos deprofissionais tiveram durante a fasede transporte de boiada. Observe-seque, nas palavras de Duvignaud noprefácio de Halbwachs (1990, p. 13),o depoimento “não tem sentido senãoem relação a um grupo do qual fazparte, pois supõe um acontecimentoreal outrora vivido em comum”. Ospeões, ao fazerem seus depoimentos,em momentos diferentes da entrevistareportam-se ao cenário que é comuma todos, a região Centro-Oeste doBrasil: as mesmas estradas, asmesmas fazendas e, às vezes, as

mesmas comitivas. Além do cenário,o tempo também tem muito decomum nos relatos: décadas de 1940a 1960. Quanto à entrevista escrita,trata-se de um roteiro semi-estru-turado que se destina a obter algunsaspectos relevantes da vida do peãoque atua na arena de rodeio:identificação, atividade principal esecundária, renda, assistênciamédico-hospitalar, como ele se vê ecomo gosta de ser visto pelo público.Levando em consideração a inte-ração do peão que atua em rodeiocom o público daquele espetáculo, foifeito um levantamento da opinião dopúblico para confrontar a imagemque o peão tem de si mesmo com aimagem que o público tem dele.

É indispensável considerar que ocapitalismo tece o pano de fundo dareflexão sobre o tema peão de boia-deiro. A esse respeito cabe registrarque, após o ciclo do ouro, as áreasrurais passaram a ser ocupadas pelosinteressados na criação de gado. Talatividade econômica estendeu-sepelos séculos XVIII e XIX e sefortaleceu durante o século XX.Exemplo desse fortalecimento é aimplantação, pelos ingleses, de umfrigorífico em Barretos (SP), no anode 1913. Para esse frigoríficopassaram a ser levados bois de Goiás,Mato Grosso e Minas Gerais. Asboiadas eram tangidas em estradassem qualquer infra-estrutura,realizando viagens que duravam doisou três meses em severas condições.O condutor das boiadas era umsujeito simples, analfabeto ou “depouca leitura”, mas de desenvolvidosenso de responsabilidade, o peão deboiadeiro.

CONSIDERAÇÕES INICIAISREFERENTES AO PEÃO

Peão, na origem etimológica dovocábulo, significa indivíduo queanda a pé. O vocábulo origina-se dolatim pedo (nominativo), pedonis(genitivo), que significa pessoa quetem o pé grande. No Brasil identifica-se o peão, originariamente, como umindivíduo que seguia os bois a pé pelasprimeiras áreas ocupadas pelo gado.

A origem do peão brasileiro estánas atividades pastoris do Sul e doNordeste.

O gaúcho

Em decorrência da presença dosbandeirantes na formação do RioGrande do Sul, as pastagens daqueleestado foram apropriadas durante osséculos XVI e XVII. Nessa épocasurgiram as cercas, os corredores eas estâncias em substituição aoregime anterior em que se criava ogado solto pelas vastas planícies, quenão tinham dono nem divisas. Comodecorrência do surgimento dasestâncias tem-se a separação claraentre dois tipos de indivíduos: osproprietários (estancieiros) e otrabalhador, o peão de estância.

O trabalhador na estância, naorigem, era o gaúcho: habitante dasregiões da Argentina, do Uruguai eprofundo conhecedor das lides pas-toris. Primitivamente era identificadocomo um indivíduo andejo, maltra-pilho, sem domicílio e que, passandode uma estância para outra,trabalhava em serviços que fossemexecutáveis a cavalo. A ascendênciaétnica do gaúcho é discutível, masparece haver convergência entre ospesquisadores quanto a ele ter origemnas tribos guerreiras que habitavama Argentina, Uruguai e parte doBrasil. Conforme se depreende doregistro que Nunes (1996) faz em seudicionário no verbete gaúcho, trata-se de um mestiço descendente de

Nós somos um dos povos que menos se estudam a simesmos: quase tudo ignoramos em relação à nossa terra,

à nossa raça, às nossas regiões, às nossas tradições, ànossa vida, enfim como agregado humano independente.

(Oliveira Vianna)

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

O PEÃO DE BOIADEIRO DA FESTA, UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE NO MUNDO DO TRABALHO

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portugueses e espanhóis, nômades,hábeis cavaleiros, extremamentevalentes, desprendidos de tudo,corajosos e hospitaleiros. Várias eramas ocupações dos gaúchos: havia osdedicados à lida com gado nos moldesprimitivos, outros que praticavamroubo e contrabando de gado eaqueles que nas atividades militaresficavam com as funções de bom-beiros, mensageiros, arrebanhadoresde gado e de cavalos, ou até mesmode iscas para o inimigo, e ocupavampostos que variavam de soldado rasoa general.

Bossle (2003) informa que apartir do meado do século XIX ovocábulo gaúcho perdeu a conotaçãopejorativa e passou a receber umconteúdo nitidamente elogioso dehomem digno, bravo e destemido.Nessa nova fase destaca-se a carac-terística de ser um indivíduo corajoso,valente, de espírito cavalheiresco,nobre, hospitaleiro e com destacadoamor à terra e à liberdade. Euclidesda Cunha, em Os Sertões, publicadoem 1902, ao se referir ao gaúcho,afirmou que, numa comparação como vaqueiro do Nordeste, o gaúcho,“filho dos plainos sem fins, afeito ascorrerias fáceis nos pampas eadaptado a uma natureza carinhosaque o encanta, tem, certo, feição maiscavalheirosa e atraente” (2001, p.211). O espírito de liberdade, a práticada mobilidade com apego à terraestão bem caracterizados pelo autorde Os Sertões ao afirmar que o gaúcho“desperta para a vida amando anatureza deslumbrante que o aviventae passa pela vida, aventureiro, jovial,diserto, valente e fanfarrão, despreo-cupado, tendo o trabalho como umadiversão que lhe permite as dispa-radas, domando distâncias, naspastagens planas, tendo aos ombros,palpitando aos ventos, o pala insepa-rável, como uma flâmula festivamentedesdobrada” (idem p. 211).

Além dos traços de mobilidadeapontados pelo autor de Os Sertões, a

literatura dá ênfase aos aspectos daelegância do vaqueiro gaúcho;observa-se isso na seguinte passagemde Apolinário Porto-Alegre em Ovaqueano: “Um de contornos amplose estatura regular tinha a fisionomiafranca, jovial e insinuativa docampeiro rio-grandense. Por sobre afarda trazia o poncho de pano azulforrado de baetilha e gola de veludo,que em outro seria agaloada, porém,nele atenta sua simplicidade decostumes e maneiras, apenas remata-va por singelo trancelim”. (1973, p. 27).

O vaqueiro nordestino

O sertanejo também é um tiporegional com sua história própria eque guarda um traço coincidente coma vida do gaúcho: atividade pastoril.Cabe aceitar a descrição do sertanejofeita por um viajante estrangeiro,Henry Koster, durante uma excursãoque fez em 1810 pelas terras do RioGrande do Norte. De acordo com adescrição de Koster, o sertanejo:

♦ é um indivíduo de cor morena;♦ veste calções grandes ou

polainas de couro de cor sujade ferrugem;

♦ protege o peito com uma pelede cabrito e uma jaqueta decouro;

♦ usa chapéu de couro, baixo ede aba curta;

♦ tem os pés descalços ou usachinelos;

♦ usa esporas, faca e pistola;♦ leva na bruaca farinha e carne

assada.Para Goulart, “o vaqueiro nordes-

tino formou-se no cadinho ecológicodo sertão, com ingredientes étnicosfornecidos pelo branco e pelovermelho, ligeira tintura do negro.Deu-se essa fusão de raças, quandopassaram as mesmas a viver e aconviver no apartado modelador dahinterlândia”. (Goulart, 1966, p. 46).

A vida do sertanejo nordestino étema fértil também para a literatura

brasileira. Dos escritores brasileirosdestaque-se José de Alencar, queinicia seu romance O sertanejo trace-jando o cenário característico do Nor-deste e o seu personagem temático:

“Esta imensa campina, que sedilata por horizontes infindos, é osertão de minha terra natal. Aí cam-peia o destemido vaqueiro cearense,que à unha de cavalo acossa o touroindômito no cerrado mais espesso, eo derriba pela cauda com admiráveldestreza. Aí, ao morrer do dia, reboaentre os mugidos das reses, a voz sau-dosa e plangente do rapaz que abóiao gado para o recolher aos currais notempo da ferra”. (1995, p. 13).

Conhecidas, ainda que sucinta-mente, algumas características dospeões do Sul e do Nordeste, passemosao peão da região Centro-Oeste.

O vaqueiro da região central

Proença afirma que o vaqueiro seoriginou do índio: “do guató, do gua-ná, dos xamacocos e gauicurus, osprimitivos donos da terra; também donegro escravo que veio para as minasde ouro e, depois, para as plantaçõesde cana”. (1977, p. 63). Talvez sejaessa origem que deu os traços típicosdo vaqueiro matogrossense: um indi-víduo de estatura pouco acima da me-diana, tez morena, hábil cavaleiro ede grande resistência às dificuldadesque o cenário pantaneiro oferece.

Calazans (1977) identifica eagrupa as atividades do peão depecuária, vaqueiro, ou também peãode fazenda que, em resumo, são:

� manejar o gado;� procurar reses desgarradas;� amansar as crias e as vacas de

primeira parição;� preparar os utensílios da

ordenha;� conduzir as vacas e os bezer-

ros dos compartimentos docurral para a ordenha;

� soltar o bezerro momentosantes da ordenha;

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� prender o bezerro próximo àvaca;

� executar outras tarefas que ovaqueiro lhe delegar (ordenha,higiene do curral, distribuiçãode rações, medição e anotaçãodo leite colhido, ajuda na mar-cação do gado e outras);

� cuidar das cercas e dos cerca-dos que dividem o curral.

Observa-se o caráter absoluta-mente braçal das atividades exercidaspelo peão. Retomando o que faz esseprofissional no Sul, no Nordeste ouno Centro-Oeste, seja por umadescrição de um pesquisador técnico,seja nas palavras de um escritorromântico, o peão está adstrito àatividade determinadamente fixada àlida com o gado. Esses são algunsexemplos do que seja aquele pro-fissional que veio a ser denominadopeão de fazenda.

O LATIFÚNDIO NO PAPEL DECENÁRIO INICIAL

Com o propósito de apresentar ocenário onde atuou o peão de fazendaaté o início do século XX, cabe aquiresgatar algumas informações arespeito do latifúndio, que foi o pontoinicial das fazendas de criaçãoextensiva de gado.

O impasseDurante os primeiros trinta anos

depois de ter descoberto o Brasil, osportugueses dedicaram-se comafinco à extração do pau-brasil,matéria-prima de alto valor naEuropa. A avidez da exploração nãoera somente dos portugueses:concorriam com eles os franceses.Em decorrência da rápida devastaçãodas matas costeiras, a exploração dopau-brasil ficou sujeita a esforçosmaiores e para os quais os traficantesnão dispunham de recursos (mão-de-

obra, transporte da madeira até apraia, defesa contra os ataques deíndios). Com os franceses presentesna terra descoberta, o governoportuguês estava diante do seu grandeproblema: defesa e ocupação efetivadas terras cujo tamanho ainda eradesconhecido. Não faziam a menoridéia de que tinham diante de si maisde oito milhões de quilômetrosquadrados!

A colonização que, segundo CaioPrado Jr, é “o estabelecimento defeitorias comerciais” (1986, p. 16), foiuma alternativa de difícil aplicação:além dos traficantes de madeira, cujonegócio já estava em declínio no finaldos anos trinta, ninguém se inte-ressava seriamente pelo Brasil. Asaída do impasse somente foi possívelcom o oferecimento de grandescompensações aos que se dispuses-sem à aventura de se instalar na terradesconhecida. Assim é que o rei dePortugal abria mão de poderes sobe-ranos “em benefício de seus súditosque se dispusessem a arriscar cabe-dais e esforços na empresa” (id. p. 31).

As sesmarias

A partir da tomada das terrasocupadas pelos índios, durante oprimeiro século de colonização,implantou-se o latifúndio no Brasil,as sesmarias. Possuir terra foi um dosprincípios de força entre as classessociais. A esse respeito deve ser levadoem conta Guimarães, ao afirmar que“a ordem feudal vigente na sociedadeportuguesa de 1500 tinha sua baseinterna no monopólio territorial”. E,quanto ao possuir terra, o autorinsiste que “como a terra era, então,indiscutivelmente, o principal e maisimportante dos meios de produção, aclasse que possuía sobre ela odomínio absoluto estava habilitada asobrepor às demais classes o seu

poderio, por todos os meios de coaçãoeconômica e, notadamente, de coaçãoextra-econômica” (1989, p. 28). Emgeral, as pessoas que recebiam terraseram da nobreza, muitas delasrepresentantes do próprio governo.Podem ser citados, como exemplodisso, “D. Álvaro da Costa, Tomé deSouza, Miguel de Moura e muitosoutros, cujas sesmarias, pela suagrande extensão territorial, eramverdadeiras donatarias”, comoobserva Felisbello Freire (idem, 1989,p. 52). Antonil menciona que quasetoda a área de fazendas do sertão daBahia pertencia a somente doisproprietários1: um possuía 340 léguasno Rio São Francisco, outro, 160léguas no Rio das Velhas. Consi-derando que cada légua correspondea 6.600 metros, tem-se que os doisproprietários ocupavam o corres-pondente a 3.300 quilômetros nasmargens dos dois rios!

Sendo os sesmeiros pessoas comoutros interesses que mais lhechamavam a atenção do que a delavrar terras, ou em nada afeitas aotrabalho rural, serviram-se daalternativa de colocar pessoas nasterras para que, em seus nomes ousob suas ordens, desenvolvessemlavoura ou pecuária. A sesmariapassou a ser explorada pelo agregado,num tipo de relação de trabalho livreconvivendo com o trabalho escravo.Além disso, a mão-de-obra indígena,dolente, tinha que ser reforçada pelamão-de-obra negra, que, além delaboriosa, provava ser robusta.

Engenhos e fazendas

O modelo de colonização, iniciadoem 1530 com Martim Afonso deSousa, foi extinto pela resolução de17 de julho de 1822, devido à suaineficácia comprovada por: baixarentabilidade para o governo portu-guês, dívidas não pagas pelossesmeiros, falta de condições paraadministrar a sesmaria e, na fase

1 Sendo o sertão da Bahia tão dilatado, como temos referido, quase todo pertence a duas das principais famílias damesma cidade, que são a da Torre, e a do defunto mestre de campo Antônio Guedes de Brito (Antonil, 1982, p.200).

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

O PEÃO DE BOIADEIRO DA FESTA, UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE NO MUNDO DO TRABALHO

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final, uma onda crescente deocupação das terras cultivadas oudevolutas por grandes contingentesda população rural. Daquele períodode, aproximadamente, trezentos anosde sesmaria dois modelos deocupação territorial merecemdestaque no presente trabalho:fazenda e engenho.

Observe-se que apesar de afazenda e o engenho terem tido omesmo motivo como fato gerador dasua existência, ou seja, a políticacolonizadora, cada um teve seu rumohistórico diferente. Nas palavras deGuimarães “fixar-se-iam nos en-genhos todos os desígnios da nobrezaterritorial, neles se concentraria todaa força do monopólio da terra, toda aresistência contra a infiltração dasformas ‘plebéias’ de propriedade”(1989, p. 62). Para os engenhos diri-giam também sua atenção osmercadores de escravos, os usurários,os fornecedores de novidades euro-péias que alimentavam o luxo dosmoradores.

A pecuária foi a alternativa demaior sucesso na penetração doNordeste na segunda metade doséculo XVI. As primeiras doações deterra no interior eram claramentedestinadas à criação de gado, ficandoa faixa litorânea para exploraçãoaçucareira. Em meados do séculoXVII as fazendas de gado atingiramo Rio São Francisco e rumaram àcabeceira, coincidindo com opovoamento de Minas Gerais, queserviu de mercado consumidor departe da carne produzida. Em outrorumo, as fazendas de pecuáriafixaram-se no Piauí, no Maranhão eno Ceará, completando-se a ocupaçãoterritorial do Nordeste. Diferen-temente dos engenhos, as fazendas depecuária de criação ocupavamobrigatoriamente vastas extensões deterra. Guimarães ressalta que “aosenhor seria impossível controlardiretamente a produção. Aí a fazendarepelia a escravidão, abrindo o

caminho ao trabalho livre, utilizandoo índio numa atividade comopastoreiro, mais adequada à suacondição”. (id, ib.). Como se observa,aí está o início da atividade do peão;no caso, peão de fazenda. Mas o quevem a ser o peão de boiadeiro?

O peão de boiadeiro

É necessário começar enten-dendo o que seja o boiadeiro. Trata-se de um negociador de gado; nãocria, não engorda, não forma fazenda.Apenas negocia boi entre os criadorese os abatedores. Sai pelas fazendascomprando de um e vendendo paraoutro; quando os negócios estãofechados, chama seu capataz. Esteforma a comitiva e vai realizar osnegócios combinados pelo boiadeiro:retira as reses de uma fazenda, levapara outra; forma a boiada e leva parao frigorífico. Para fazer isso suacomitiva é composta por um grupode peões. Por ser um grupo de peõesque trabalham para um boiadeirocada integrante do grupo passa a serdenominado peão de boiadeiro.

A respeito da dúvida se é corretodizer “peão boiadeiro” ou “peão deboiadeiro”, é oportuno levar emconsideração o que diz Zequinha:2

“Então esse boi magro é que davamuita mão-de-obra para o peão deboiadeiro. E muita gente, eu aindavejo escrito, né, peão boiadeiro, nãotem nada de dizer. Peão de boiadeiro,porque boiadeiro era o patrão dele eele era peão daquele um que era boia-deiro. Não tem nada de peão boia-deiro, é peão de boiadeiro; de porqueele era empregado. E tinha o boia-deiro que era o homem que compravado criador o boi e vendia para oinvernista, esse intermediário é queera o boiadeiro”. (Entrevista gravadaem 10 de julho de 1998, em Barretos).

Até o final dos anos 50, quando a

construção de pontes e estradasasfaltadas possibilitou o transporte degado em caminhões, as boiadas eramconduzidas por comitivas. Em algunslugares do Centro-Oeste, região degrandes pastagens, ainda se usa essetipo de transporte, mas sua tendência,sem dúvida, é acabar. “Com o fim dascomitivas, deixará de existir a profis-são de peão boiadeiro e, com ela, todoum modo de viver”. (Petroucic, 2003).

As comitivas - Há significadosdiferentes para a palavra comitiva.Comitiva é o conjunto de bensnecessários para se manter um grupode peões na estrada durante o temponecessário para o transporte de umaboiada. Nesta acepção comitiva écomposta de:

� Bruaca: caixa de madeira for-rada com couro onde se colo-cam os utensílios de cozinha eos mantimentos.

� Cargueiro: burro que trans-porta duas bruacas.

� Tropa de reserva: burros parasubstituir os cargueiros cansa-dos. Os muares são em númeroum pouco maior que o dobrodos peões, liderados pelocavalo de madrinha.

� Cavalo de madrinha: Cavaloque leva um cincerro nopescoço cujo som serve paraatrair os burros e mulas, tantono pasto quanto na estrada.

Comitiva é também o grupo depeões que tem a missão de trans-portar uma boiada. É composta pelabase de cálculo de um peão para cadacem bois. Nesta acepção a comitiva écomposta de:

� Comissário: peão responsávelpelo trabalho de conduzir aboiada ao destino final; éescolhido pelo dono da boiadae cabe a ele escolher os demaispeões de sua confiança para

2 José Sebastião Domingos, sócio fundador do clube Os Independentes, instituição responsável que criou e organiza aFesta do Peão de Boiadeiro de Barretos. Zequinha foi eleito presidente para as gestões de 1958, 1977, 1978 e 1979.

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compor a comitiva É a autori-dade máxima; dele saem todasas ordens para assuntos admi-nistrativos e as regras gerais decomportamento do grupo. Éum profissional de compro-vada experiência, honrado,ético e de absoluta confiançado boiadeiro, do fazendeiro edo proprietário do frigorífico.Para se ter uma idéia do graude responsabilidade do comis-sário, observe-se o seguinte:tomando-se o preço da arrobado boi, hoje em R$ 50,00, econsiderando que cada boi,durante a viagem, pesavaaproximadamente 15 arrobas,uma boiada de 1000 cabeçasatingia o correspondente aR$750.000,00. Esse capitalficava sob a responsabilidadedo comissário durante sessentaou oitenta dias sem qualquerpapel de garantia, tais comocontrato, apólice de seguro ououtras formalidades. Bastavaapenas sua palavra. Uma outraresponsabilidade do comissá-rio é a contagem da boiada. Noinício e no final do dia faz-se acontagem dos bois que, emresumo, é da seguinte maneira:o comissário coloca-se junto daporteira, em cima da suamontaria e ordena que se façapassar a boiada; fixando oolhar num ponto dos bois, porexemplo a cabeça, ele faz acontagem mentalmente, so-mando de dois em dois. Aoatingir a quantia de cinqüentabois o comissário fecha o dedomínimo de uma das mãos;continua a contagem reto-mando do zero; ao atingircinqüenta bois dobra o dedoanular e assim por diante. Ao

fechar a mão terão passadoduzentos e cinqüenta bois,momento em que o comissáriofecha o dedo mínimo da outramão. Continuando a conta-gem, quando somar outrosduzentos e cinquënta bois elefechará o dedo anular. Assim,ao fechar quatro dedos da se-gunda mão terão sido contadosmil bois. A concentração nesseinstante é absoluta e se surgiralguma dúvida recomeça-se acontagem.

� Ponteiro: também denominadoberranteiro, é o peão que vai àfrente da boiada tocando oberrante3. Sua função é fun-damental: com o toque doberrante ele faz a comunicaçãocom a boiada e com os peões.Isso se dá por meio dos dife-rentes tipos de toque do ber-rante para diferentes situaçõesdurante o transporte daboiada:� Toque da solta ou toque de

saída: é um toque serenoque serve para animar aboiada de manhã e dar oinício à marcha4.

� Toque de estradão: toquerepicado feito durante a via-gem, para estimular o gado.

� Toque rebatedor: toquesemelhante ao de clarim,para avisar aos peões que háalgum problema; servetambém para orientar o boisinueiro5 e os peões.

� Toque da queima do alho:para avisar que o almoçoestá pronto.

� Floreio: toque livre, parasimples diversão do berran-teiro e seus amigos, pode seruma música, por exemplo.

� Cozinheiro: peão encarregadoda alimentação dos demais.Sua habilidade pode sercomprovada pelo fato de fazero mesmo tipo de comida paraas mesmas pessoas durantesessenta ou oitenta dias, duasvezes por dia. A refeição queele prepara é denominadaqueima do alho: arroz carre-teiro, feijão gordo, carneassada na chapa, farofa emandioca. Tudo é preparadocom alho.

� Peão primeireiro: peão queintegra o grupo que vai àfrente da boiada. Os peõesdesse grupo são tambémdenominados afiadores, poistêm a responsabilidade demanter a frente da boiadaafinada, estreita, para passarpor uma porteira, porexemplo.

� Peão secundeiro: peão queintegra o grupo que vai entreo primeiro e o segundo lotes.Sua função é a de rodear asreses, andar ao lado da boiada,impedindo que os bois seabram e garantindo o ritmo damarcha.

� Peão de talha: nos primeirosdias de viagem a boiada estáindócil; isso faz com que sejadividida em talhas, que sãolotes de cinqüenta bois. O peãoencarregado por tanger esselote é o peão de talha, tambémdenominado chaveiro.

� Peão arribador: peão quepersegue o boi que se desgarrae o traz de volta à boiada. Oarribador não retorna à boiadasem o boi fujão; é uma questãode honra e sob a condição deperder o prestígio entre oscompanheiros.

3 Instrumento de sopro feito com partes emendadas de chifre de boi, que serve para a lida com gado.4 Marcha é a distância que uma boiada percorre em um dia, aproximadamente cinqüenta quilômetros.5 O mesmo que sinuelo: boi experiente e esperto e que é utilizado como líder no transporte da boiada.

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O PEÃO DE BOIADEIRO DA FESTA, UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE NO MUNDO DO TRABALHO

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� Peão da culatra: peão que ficana parte traseira da boiadacuidando que os últimosanimais não se afastem.

� Peão da culatra manca: tambémdenominado culatreiro, é opeão que acompanha os boisdoentes que seguem atrás daboiada e atrás da culatra.

A FESTA DO PEÃO EO PEÃO DA FESTA

A festa do peão de boiadeiro

A festa do peão de boiadeiro é umconjunto de atrações populares queexploram o aspecto country e cujoponto central é o rodeio de cavalos etouros. Suas raízes brasileiras estãonas fazendas de gado, onde os peões,além das suas atividades normais,têm de amansar cavalos e burrosxucros. Amansar um animal éotimizar recursos e colocá-los àdisposição dos serviços de umafazenda: montaria, tração e pastoreio.Paralelamente, a destreza do peão emcima de animais xucros sempre foi, eé, alvo de admiração pelas demaispessoas do meio onde ele vive. Atémeados do século XX a exibição dessahabilidade em cima do cavalolimitava-se apenas à demonstraçãoentre os peões nas fazendas, com apresença de uma ou outra pessoa doseu convívio; a partir de 1956 essaexibição começou a existir de maneiraracionalmente organizada comoespetáculo popular em Barretos.

Origem: Na década de 1950, nacidade de Barretos-SP, vinte rapazesreuniam-se todos os finais de semanaem um bar para passar o tempo,bebendo, conversando e cantandocom a finalidade de comemoraraniversários ou qualquer coisa de seuinteresse. Depois de muitas reuniõesresolveram dar um sentido maisnobre aos encontros como, por

exemplo, alguma coisa útil para acomunidade local. Fundaram umclube, a que deram o nome “OsIndependentes”. O nome deveu-se aoconsenso do grupo de que a entidadeseria composta somente por rapazessolteiros e livres financeiramente.Zequinha, um dos fundadores,lembra-se da reação da comunidadebarretense:

“Nós, na época fomos meio apeli-dados de machismo, porque nãopodia ser casado; mas isso criouaquela curiosidade na imprensa, emquem freqüentava o clube e começoua se interessar pelo clube na medidaem que o clube foi crescendo e tal,virou curiosidade, né; não tinha nadade machismo... a gente era assim...um sistema mais conservador”.(Entrevista gravada em 10 de julhode 1998, em Barretos).

Fundado o clube, os rapazesdecidiram participar dos festejos doaniversário da cidade oferecendouma atração diferente das usual-mente programadas. Sabendo quenos arredores da cidade os peõesfaziam disputa entre si com provas dedoma e de dificuldades de perma-necer em cima de cavalos xucros,foram até eles e os convidaram aparticipar da festa da cidade, comoespetáculo a mostrar o que elessabiam fazer com suas montarias. Ospeões aceitaram o convite e fizeramacontecer o que seria a primeira festado peão de Barretos. O resultado foium sucesso tão grande que acomissão organizadora da festa deaniversário da cidade fez questão queaquela atração se repetisse no anoseguinte. Daquele ano em diante afesta tem sido realizada durante osúltimos dez dias do mês de agosto,todos os anos.

De 1956 a 1985, a festa de Barre-tos ocupava um recinto de exposiçãoagropecuária, situado na regiãocentral da cidade; com a sua evolu-ção apresentou os transtornos óbviostais como: ser grande demais para as

dimensões do recinto, apresentarperturbação aos moradores vizinhos,não haver condições de estudar a suaexpansão naquele local. Desde a suatransferência para o Parque do Peão(1985) a Festa do Peão de Boiadeirode Barretos tem demonstrado evolu-ção como evento do gênero e tem sidoexemplo de um caso bem sucedido eque passou a ser imitado em outrascidades.

O rodeio: Três são os elementosconstitutivos de uma festa do peãode boiadeiro que se realiza atual-mente: o rodeio, as atrações e a infra-estrutura. Cabe aqui ressaltar orodeio. Há os rodeios confederadose os não confederados. Confederadossão os rodeios que cumprem asexigências da CNRC – ConfederaçãoNacional de Rodeio Completo. Osrodeios confederados, quanto aoaspecto das provas, em nada diferemuns dos outros: os peões, os animais,os juízes, os locutores e os palhaçossão os mesmos. O que muda é odesempenho do animal ou do peãonas provas, cujos resultados interfe-rem na pontuação acumulada deuma etapa para outra. É exatamenteesse o fator de atração do público derodeio. O espectador que acompanharodeio aguarda a saída de determi-nados animais, bem como a saída dedeterminados peões para apreciar odesempenho de um ou de outro.Quando coincide a saída de umanimal famoso com a de um peãotambém famoso, a vibração dotorcedor de rodeio vai ao clímax,mesmo que em um tempo de provaque dura apenas oito segundos.

Não há uma história do rodeiobrasileiro. Entretanto, é razoávelconsiderar três momentos distintospara efeito cronológico.

Primeira fase: trata-se do períodoembrionário. Esta fase é identificadacom o início da utilização do boi, doburro e do cavalo no sertão, nosséculos anteriores ao século XIX. Os

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registros desse período revelam aexploração dos animais como fatoreconômico para os trabalhos detransporte e tração. Consta tambémo emprego desses animais paraentretenimento do homem, como é ocaso das cavalhadas. Nas três primei-ras décadas do século XX, identifica-se o período em que montar animaisxucros era um misto de serviço dedoma e folguedo dos peões em seusmomentos de distração.

Segunda fase: os cancioneiroscaipira e sertanejo, das décadas de1940 a 1960, registram, com regulari-dade, a presença do peão realizandofaçanhas no rodeio e desenvolvendoa relação de paixão e saudade entreas mocinhas das corrutelas. Nesseperíodo identificam-se as exibiçõesdos peões para o público nas cidadesde forma organizada com caracte-rísticas de espetáculo. Observa-se,entretanto, que as festas do peão deboiadeiro foram realizadas comesforço exclusivo dos seus responsá-veis. A participação das prefeiturasera apenas com apoio material, porexemplo, cessão de terreno eempréstimo de trator para limpeza epreparação da área.

Terceira fase: desde a década de1970, até o momento atual, registra-se o que se pode denominar períododa profissionalização das apre-sentações. Nessa fase observa-se osurgimento de fornecedores deanimais para rodeio, regulamentaçãodo rodeio e das atividades dos peõese dos outros profissionais de rodeio(juízes, palhaços, madrinhadores)com aprovação de leis específicas. Apartir da década de 1980, tendo orodeio despertado o interesse damídia6, os seus organizadores dedi-caram-se à produção de espetáculosde grande porte para dar conta dademanda de público.

A combinação do descobrimentodo rodeio pela mídia com o adventoda economia globalizada acelerou acorrida em busca das arenas de ro-deio. Araújo esclarece que, de olho noemergente crescimento do segmentocountry, especialmente o rodeio,grandes empresas têm transformadoas arenas em vitrine para seusprodutos. O investimento, feito emforma de patrocínio, tem retornogarantido (Araújo, Rodeo Life, ed. 12,1999, p. 25). A procura do grandepúblico é o que está na meta dospatrocinadores que se fazem presen-tes nos estádios de rodeio, cujosprodutos têm duas exposiçõesgarantidas: ao público local e ao damídia. Nesse redescobrimento dointerior, onde o caipira estereotipadopor Lobato foi substituído peloagroboy, não há tanto espaço para oBiotônico Fontoura quanto para acamisa de manga comprida RalphLauren e calça jeans Wrangler.

Aumentou o número de organi-zações destinadas a produzir rodeio,e aumentou a cada ano o número deapresentações, principalmente nosEstados de São Paulo, Paraná, MinasGerais, Goiás e Mato Grosso do Sul.Cinqüenta anos depois da sua primei-ra realização em Barretos, apresenta-se hoje a festa do peão de boiadeiro,no cenário nacional, com os seguintesnúmeros, aproximadamente:

No segmento encontram-secomparações do rodeio brasileirocom o norte-americano:

Como se observa, apesar de noBrasil haver festas do peão em 57%mais do que nos Estados Unidos, omontante pago em prêmios aqui nãoultrapassa o nível de 4% do que é pagolá.

Comparando-se os números doCampeonato Nacional de RodeioCompleto com os do CampeonatoBrasileiro de Futebol, tem-se:

Os números revelam que no paísdo futebol a festa do peão de boiadeiroocupa um lugar de destaque napreferência de público.

Americanização. É observávelque a festa tem ingredientes desucesso com traços norte-americanosque se destacam em relação aoselementos da cultura brasileira. Noinício era apenas festa do peão, umevento caipira com denominaçãotímida e indisfarçável rejeição pelosmoradores da cidade e de cujasatrações fazia parte o rodeio. Com ainterferência da mídia tudo mudou.A festa do peão perdeu a sua timidez,fixou-se na cidade e atingiu as cama-das sociais superiores, merecendoinvestimentos dos ramos de entre-tenimento e de serviços (restaurantes,casas noturnas de diversão, vestuário,música, calçado, cinto, chapéu,caminhonete, suvenir). Atualmente

6 Novelas que exploraram o tema Peão de boiadeiro: Pantanal e Ana Raia e Zé Trovão (década de 1990, ambas daManchete), Rei do Gado (década de 1990), da Globo e Estrela de fogo (1998) da Record. Em 2005 a Globo exibiuAmérica, cujo tema foi rodeio.

Festas por ano: 1380

Público médio por evento: 5.000/dia

Público total: 27.6 milhões de pessoas

Empregos diretos por evento: 100

Total de empregos diretos: 138.000

Empregos indiretos por evento: 2.000

Total empregos indiretos: 2.8 milhões

LISARB AUE

OIEDOR LOBETUF

Rodeiospor ano

Peões ematividade

Prêmio(U$/ano)

Público

800

1.000

25milhões

22milhões

1.380

3.000

2 milhões

27,6milhões

Renda (em R$)

Público

27milhões

27,6milhões

30milhões

4milhões

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O PEÃO DE BOIADEIRO DA FESTA, UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE NO MUNDO DO TRABALHO

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vêem-se pessoas de todas as idades,todos os níveis de escolaridade e derenda nas festas do peão.

Na relação saussuriana designificante/significado, é facilmenteentendido pela massa popular que,hoje, ir ao rodeio equivale a ir a umafesta do peão. Trata-se, também, deuma relação complementar, pois nãohá festa do peão sem rodeio, e rodeioé um bom motivo para que se façauma festa. Assim foi que, saindo deBarretos para outras localidadesbrasileiras, o curso das festas do peãono Brasil revela fortes traços dochamamento capitalista, que seutiliza de semântica apropriada aorotular os eventos. Sustenta estainterpretação o quanto se importa dovocabulário norte-americano paradenominar os eventos brasileiros,considerados adequados paraintegrar o Campeonato Nacional deRodeio Completo. Na lista dos rodeiosbrasileiros vêem-se nomes de festastão americanizados que rompem aligação dos eventos de hoje com ofato cultural motivador dos rapazesde Barretos da década de 1950.

O vocabulário corrente no mundodo rodeio brasileiro em nada lembraas raízes nacionais e deixa umaimpressão de que o estrangeiro é o

brasileiro que ouve: Bareback,Buldogging, Calf ropping, Cowboy,Qualify, Quali, Team penning, Teamropping

A americanização da festa dopeão de boiadeiro, além de estar in-serida no contexto da mundializaçãoda cultura, faz parte da modernidade.Levem-se aqui em consideração aspalavras de Pimentel, referentes àsinserções estrangeiras na festa dopeão de boiadeiro de Barretos, quecertamente buscam referênciasparadigmáticas:

“Como um espetáculo que,pensado como festa, remete para atotalidade nacional, a festa de Barre-tos procura se apresentar pública eostensivamente como um evento quese funda na ‘tradição do lugar’, mascujos elementos estruturais se apre-sentam como o mais indicativo sím-bolo de modernidade”. (1997, p.49).

Concorda-se aqui com Pimentelque, fundamentado em HannahArendt e Hayden White, define a festade Barretos como um evento fundante,ou seja um acontecimento que iniciauma série de eventos com os quais

mantém uma certa identidade comofato social ou histórico (Idem, p.46).É a partir do evento de Barretos quese começou a produzir organizada-

mente as festas do peão de boiadeirono Brasil e a imitação estendeu-setambém à importação de traçosculturais norte-americanos.

O peão da festa

Da fazenda para a cidadeAté meados da década de 1970 o

peão era um profissional na lida comgado nas fazendas e integrante decomitivas na condução de gado a pé,principalmente na região de Goiás,Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Asua participação nos circos de rodeioda cidade era uma interação com assuas atividades normais. Com oincremento das apresentações dorodeio na modalidade de espetáculopopular e conseqüente surgimento deorganizações especificamente a eledestinadas, os peões foram agregandoas exibições de rodeio às suasatividades profissionais da lida como gado: o rodeio passou a representarpossibilidade de aumento na renda7,quebra de rotina na vida que levavam,e, principalmente, oportunidade de seexibir, fazendo um espetáculo paraadmiração de terceiros a partir da suaprofissão. A arena propicia ao peão aoportunidade de alguns exercícios,que não podem passar despercebidos:saída do anonimato, ascensão social,emulação, oportunidade de novosnegócios e glorificação.

No trajeto rumo ao rodeio dascidades, o peão passou por algumasmudanças. Mudanças na vestimenta,por exemplo, revelam a transfor-mação do homem em busca deadaptação ao novo meio em quepassou a ser inserido. Na situação detrabalhador rural, o peão não dispu-nha de vestuário mais sofisticado:usava bombachas, botas de cano altoou apenas botinas de couro resistentee com polainas, camisa de mangascompridas. Complementavam avestimenta do peão de fazenda ochapéu de abas largas, a goiaca8, otirador9 e o lenço no pescoço.

7 A maioria dos peões recebe até R$ 500,00 de salário por mês. O rodeio permite concorrer a prêmios que variamentre motos, caminhonetes Ranger e S10, dependendo do porte da festa.

8 Cinto largo de couro, dotado de bolsos para guardar moedas, canivete e isqueiro.9 Espécie de avental feito em couro e com franjas que cobriam as pernas, usado na montaria.

EVENTO

Copa de Barretos de team penning etrês tambores

Forasteiros Country Rodeo

Poços Rodeo Festival

Jaguariúna Rodeo Festival

Vale Rodeio Show

Rio Preto Rodeo Country Bulls

Rodeio Total Cowboy da Arena

Cowboy do Asfalto

Cowboy Forever Rodeo

CIDADE

Barretos

Caxias do Sul

Poços de Caldas

Jaguariúna

São José dos Campos

São José do Rio Preto

São João da Boa Vista

Goiânia

Maringá

MÊS

março

março

abril

maio

maio

julho

julho

agosto

novembro

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2432

As apresentações de rodeio,durante a década de 1970, marcam atransformação do peão brasileiro sobinfluência do peão norte-americano,resultando no que Pimentel caracte-riza como “uma combinação, numaestrutura dupla, de signos que re-presentam, em nível da estrutura desuperfície, o oeste selvagem dos EUA,mas cujo imaginário é o do sertãobrasileiro, num amálgama simbólicoque produz um dublê de personagematravés da fusão entre o cowboy e ovaqueiro”. (1997, p.30).

Esse dublê, brasileiro, vive os doislados da sua vida real: quando estáno campo sua vida é a de vaqueiro,ou peão de fazenda, ou mesmo peãode boiadeiro nas estradas da RegiãoCentro-Oeste ou do Norte do País;quando vem exibir-se na cidade,assume o papel de cowboy. Muda onome da profissão e muda a suaimagem dentro do vestuário com quese mascara para o espetáculo. Amudança não é de iniciativa do peão,que sob este aspecto, é passivo. Eleque, por profissão, desde cedoaprendeu a exercer dominação, passaa ser vítima de uma dominação queaceita, porque vê conveniênciaspróprias de uma relação de negócio.O negócio, conduzido pelas técnicasdo capitalismo, a que o peão não temacesso, pode apresentar-lhe traços dealgo novo para a sua visão de mundo,mas ele entra nesse negócio e faz oque somente ele sabe fazer.

Longe das origensHá de se levar em conta que os

peões de rodeio não são os peões deboiadeiro das fazendas e das comi-tivas que fizeram o início da sua festa.E isso concretiza um afastamento dasorigens. Os peões que se exibem naarena são apenas atletas de rodeiosem condições de fazer o que o peãode boiadeiro fazia. Landinho10 éincisivo e não deixa dúvida:

“São bons peões para rodeio maspara a lida com gado não servem: nãotêm rédea, não dão rédea, não ensinamuma porteira; não servem prá aman-sar um animal, servem prá aguentarpulo, etc., mas para lida de gado nãoservem. São atletas de rodeio”.(Entrevista em agosto de 2004 noParque do Peão, Barretos, SP).

Durante a última década doséculo XX, principalmente, houve amiscigenação das origens resultandoem um quadro de atores em que semesclam profissionais do rodeio comatletas amadores interessados apenasna prática dessa modalidade deesporte: há cowboys que se tornaramempresários do rodeio sem dele seafastar e continuam na arena, háempresários, fazendeiros ou indus-triais que têm a prática do rodeiocomo um esporte de paixão, e hátambém os estudantes universitárioscom um circuito próprio de provas eaté com regulamentação em nívelfederal. As mudanças do quadroincluem também a participação demulheres nas provas e, de olho nofuturo, constam das programações osrodeios nas modalidades júnior e mi-rim, seguindo modelo barretense que,por sua vez, importou a idéia dos EUA.

Na busca da identidadeDiante dessa oscilação, que se

estende por meio século, é oportunobuscar alguns traços do peão de hoje,o peão de rodeio. Para isso foi feito,em 2004, um levantamento com ospeões e com o público de rodeio(entrevista com 104 peões e 164espectadores nas festas de Barretos,Jaguariúna, Araçariguama, Mairin-que e São João da Boa Vista). Não seestendeu o levantamento para maiornúmero de peões e de pessoas dopúblico de rodeio porque os dados jáestavam sendo repetidos nas respos-tas. Os peões entrevistados têm, emmédia, 31 anos, os homens do público

de rodeio, 28 anos e as mulheres, 22anos. Buscou-se identificar algunspontos de vista do peão e confrontá-los com os pontos de vista do públicode rodeio. Para efeito deste artigoconsiderem-se os seguintes traços:

� Como o peão se vê e como évisto pelo público.

� Pagamento das despesas deinscrição nos rodeios.

� Porque o peão participa derodeio.

Como o peão se vê e comoé visto pelo público

Observa-se na Fig.1 a autoper-cepção do peão que está na arena derodeio: a maior parte dos entre-vistados autodenomina-se peão derodeio, fazendo uma junção de parteda imagem do profissional de trans-porte de boiada a pé (peão) com partedo conceito do espetáculo que derivoudas exibições que aqueles profissio-nais faziam antes de existir a festapara o público da cidade (rodeio). Enessa junção predomina a autoper-cepção como peão de rodeio (69%),seguida imediatamente pela imagemde cowboy de rodeio (29%); a imagemde peão de boiadeiro quase desapa-rece (2%). Das três imagens sugeridasno momento da pesquisa com ospeões fica evidente que o esforço delesé pela projeção da imagem de peãode rodeio para o seu público.

O público, como se observa naFig. 2, reconhece os traços prepon-derantes do peão de rodeio (45%) edo cowboy de rodeio (35%), masainda vê o peão de boiadeiro muitopresente naquele indivíduo da arenade rodeio (20%).

Pagamento das despesasde inscrição nos rodeios

Outro traço da imagem do peãoé o pagamento da sua inscrição nasprovas de rodeio (entre cinqüenta eoitenta reais). A Fig. 3 mostra que, na10 Iolando da Costa, 78 anos. Comissário aposentado e residente em Barretos, SP.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

O PEÃO DE BOIADEIRO DA FESTA, UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE NO MUNDO DO TRABALHO

33

declaração dos peões, a minoria temsua inscrição paga por patrocinador(4%), seguida de um grupo de peõescujo prestígio os eleva ao nível de serconvidados para participar dosrodeios (9%); a maioria, porém,engrossa a fila dos comuns, que têmde custear as próprias despesas(87%). No mesmo evento em que opeão assume as próprias despesas opúblico entende que ele é amparadopelo patrocinador.

Na Fig. 4 observa-se que, naopinião do público de rodeio, o peãotem relevante proteção financeira dopatrocinador (59%). Esse traço revelauma distorção entre a realidadevivida pelo peão e a idéia que o seupúblico tem dele.

Outro aspecto que serve deindicador para buscar a identificaçãodo indivíduo das arenas é o da suamotivação para o rodeio.

Por que o peão participa de rodeio

Na Fig. 5 observa-se, peladeclaração dos peões, a força do gostopessoal, da paixão pelo rodeio,expressão da sua liberdade de opção,

para a maioria deles (63%); alémdisso, é significativa a presença dospeões no rodeio também por motivode sobrevivência, sendo esta alter-nativa um dos meios para o sustentoda vida (31%). Na opinião do público,Fig. 6, o peão não é tão livre quantoele se manifesta ser; segundo 86% dasrespostas o rodeio é a alternativa devida que o peão tem para suasobrevivência; o gosto, a paixão poressa atividade vem em segundo planode importância (14%).

Não há convergência entre asopiniões do público e as declaraçõesdos peões que atuam nas arenas derodeio. A autopercepção do peãorevela-o como ele pensa que é e revelatambém a imagem que ele se esforçaem projetar para o seu público. Opúblico, porém, o vê diferente. Aimagem de peão de rodeio é mais fortena autopercepção do peão do queaquela que ele desperta na mente doseu público.

Ficou também nítida a diferençaentre a declaração do peão e a idéiaque o seu público tem quanto aopagamento das taxas de sua inscriçãopara participação nos rodeios. É fato

que os peões, na maioria quase total,arcam com tais despesas; o público,porém, vê neles indivíduos que têmampla proteção financeira dopatrocinador.

Maior é, ainda, a diferença entreo que o peão sente diante da oportuni-dade de participar do rodeio e o queo seu público pensa a esse respeito.O peão declara ser livre para parti-cipar de algo de que ele gosta e quechega mesmo ao nível de paixão. Amaioria freqüenta as arenas de rodeioenfrentando o perigo constantesimplesmente pelo fato de gostar. Nãoé trabalho. Nem emprego. Gosta daaventura, do risco de acidentes gravese até mesmo fatais, gosta de enfrentarum animal com o objetivo de osubjugar. Se forem somadas asmanifestações dos que praticamrodeio porque gostam com aquelasdos que praticam rodeio por esporte,ter-se á significativa maioria (69%),em comparação com as declaraçõesdaqueles que o praticam por pro-fissão, ou sustento da vida (31%).

Não é isso que o público de rodeiopensa. A imagem decodificada pelopúblico de rodeio é a de um indivíduo

Fig.1 - O peão considera-se

Fig.2 - O peão que o público vê na arena Fig.4 - O pagamento das inscrições nasprovas, segundo o público

Fig.3 - Quem paga a inscrição do peão,segundo ele mesmo

Fig.5 - Porque o peão participa de rodeio

Fig.6 - Porque o peão participa de rodeio

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2434

que se submete àqueles riscos pelanecessidade de sobrevivência. Nissonão há a liberdade prazerosa dasimples prática de rodeio pelo gostopessoal, pela paixão ou até mesmopor esporte. Ou o peão faz isso ou vaiter que trabalhar em outra coisa.Para o público o peão pratica rodeiopor trabalho.

CONSIDERAÇÕESFINAIS

É inegável que a festa do peão deboiadeiro de Barretos seja um esforçopara não deixar cair no esquecimentoa figura do peão de boiadeiro. Nestetexto não se procurou fazer história,pois, conforme nos alerta Halbwachs,“a necessidade de escrever a históriade um período, de uma sociedade, emesmo de uma pessoa despertasomente quando eles já estão muitodistante no passado”. (1980, p. 80).Não é o caso, pois os acontecimentosvividos na estrada boiadeira aindapodem ser contados e recontadospelos seus atores reais. Uns estãovelhos, outros ainda em algumaatividade no ramo da pecuária. Todos,porém, facilmente encontráveis nascidades do interior do Brasil e,principalmente, nas festas do peão.Outro aspecto que impossibilita queo assunto seja história é que os relatosdos velhos peões podem facilmenteser conferidos pelos profissionaiscontemporâneos de hoje que aindaexecutam a mesma atividade nointerior do País em regiões despro-vidas de estradas, tais como pantanal,alto Xingu, região do Araguaia.

Memória coletiva, para Halbwachs,“é uma corrente de pensamento contí-nuo, de uma continuidade que nada temde artificial, já que retém do passadosomente aquilo que ainda está vivo oucapaz de viver na consciência do grupoque a mantém” (1980, p. 81). Os relatosdos peões de boiadeiro estão dentrodo conceito de memória coletiva, poiso grupo que o mantém é formado por

homens de carne e osso, com endere-ço certo, família constituída, sendoele passível de um agrupamento a umsó tempo e no mesmo espaço.

O peão que está na arena de ro-deio afasta-se da imagem do peão deboiadeiro e se aproxima de um tipoestrangeiro trazido dos EUA para oBrasil. A sua identidade representadapelo traje, por exemplo, perdeu-se: acalça jeans eliminou as bombachas;a guaiaca desapareceu e foi substituí-da por um cinto jamais usado pelopeão das comitivas boiadeiras. Achaparreira deixou de ser umasimples sobrecalça de couro de prote-ção das pernas nas passagens junto aespinhos e galhos, e hoje é uma peçacolorida e com franjas, bem ao estilode Roy Rogers, o rei dos cowboys nocinema da década de 1950. As fivelasdo peão de rodeio em nada sãobrasileiras, são cópias fidedignasdaquelas usadas nos rodeios deHouston. Nos rodeios de Houston,porque nem os cowboys do far-west autilizavam. Não é exagero afirmarque o peão de rodeio deixou-se

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vitimar por um mimetismo exage-rado, cujo resultado é o de um grupode peões brasileiros que foramcondicionados a constituir a memóriacoletiva de cowboys norteamericanos,cujas experiências esse mesmo gruponão viveu. Ele apenas sugere lem-brança das experiências dos outros,das quais nunca teve a oportunidadede participar.

É admissível que se estranhe aaplicação do conceito de memóriacoletiva de Halbwachs ao se inter-pretar a atitude dos peões brasileiros,submetidos que estão a padrõesculturais estrangeiros. O que se querdizer aqui, porém, é que o peãobrasileiro de rodeio mais se aproximado ato de “reviver” um passado quefoi de outros, que viveram em tempospassados e em outro país. Enquantoisso, os traços de identidade do peãoda festa do peão de boiadeiro, perma-necem apenas na memória coletivado restrito grupo que a mantém ecorrem o risco de desaparecer com opaulatino desaparecimento dessemesmo grupo. �

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Referências bibliográficas

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

O DESEMPENHO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO E A HIPÓTESE DA EFICIÊNCIA FORTE DE MERCADO

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O DESEMPENHO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO EA HIPÓTESE DA EFICIÊNCIA FORTE DE MERCADO:UMA ANÁLISE EMPÍRICA DO MERCADOBRASILEIRO NO PERÍODO DE 2000 A 2005

MARCELA BARBOSA DE MORAES

MARCO AURÉLIO VALLIM REIS DA SILVA

PAULO QUINTAIROS

Há um óbvio interesse dos investidores que aplicamos seus recursos em ações em prever, antecipadamente,as oscilações de preços deste mercado, para poder obterum retorno maior. No mercado acionário existe umsentimento de que os administradores de carteiras, porpossuírem um número maior de informações, deveriamobter retornos maiores que o mercado. Assim sendo, osprincipais estudos que vêm sendo feitos paradesqualificar esse sentimento e, por conseguinte,comprovar a eficiência forte do mercado, concentram-se na verificação de obtenção retornos maiores que omercado por parte desses profissionais. Neste contexto,o presente trabalho tem por objetivo avaliar, via análiseempírica, se o mercado acionário brasileiro foi eficiente,na forma forte, no período compreendido entre 2000 e2005. Para tanto, foi feita uma pesquisa bibliográficasobre o assunto, bem como o levantamento e análisede dados de dez fundos de ações. A partir dos resultadosencontrados, foi possível concluir que os profissionais demercado, no caso os administradores de carteiras, nãoobtiveram ganhos anormais no período estudado. Talconclusão comprova que os preços dos títulos seajustaram prontamente ao surgimento de novasinformações, ou seja, o mercado acionário brasileirosuportou o teste de eficiente forte no período analisado.

Stock market investors have an obvious intereston foreseeing, anticipatedly, the price fluctuations ofthis market; in this way they could get to retums higherthan the market. Among the shareholding marketthere is a feeling that the fund administrators can getto profits higher than the media market because theyposses a bigger number of information on the marketand the corporations. The studies aiming to disqualifythis feeling and, therefore, to prove the strongefficiency of the market are concentrated on theverification of attainment of higher retums that themarket on the part of these professionals. In thiscontext, this paper is going to evaluate, using anempirical approach, if the Brazilian stock market wasefficient, in the strong form, in the period between 2000and 2005. The paper contains a bibliographicalresearch on the subject, as well as the survey andanalysis of data of ten stock funds. Starting on ourresults, it was possible to conclude that the marketprofessionals, in the case the funds administrators, hadnot gotten non normal profits in the studied period.Such conclusion proves that the stocks prices wassuddenly adjusted to the sprouting of new informationreadily, that is, the Brazilian stock market supportedthe test of strong efficient in the analyzed period.

Palavras-chave: Hipótese de eficiência

de mercado; eficiência forte de mercado;

risco e retorno

Keywords: Market efficiency hypothesis;

strong efficiency market; risk and return

Artig

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MARCELA BARBOSA DE MORAES - MBA em Gerência Financeira e Controladoria

pela UNITAU

MARCO AURÉLIO VALLIM REIS DA SILVA - Mestre em Economia pela PUC-SP;

Professor do Departamento de Administração do Centro Universitário da FEI;

professor da UNITAU e Consultor Financeiro

PAULO QUINTAIROS - Doutor em Física pelo CBPF e Professor da UNITAU

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2436

Existe no mercado acionário umsentimento de que os profissionais demercado, como os administradoresde carteira, obtêm retornos maioresque o mercado. Entretanto, de acordocom a Teoria da Hipótese de Eficiên-cia de Mercado (DAMODARAN, 2002),um mercado é dito eficiente quandoseus participantes precificam ativosbaseados em todas as informaçõesdisponíveis sobre eventos que possaminfluenciar os retornos destes. Assimsendo, em um ambiente assim nãoseria possível obter retornos extraor-dinários ajustado ao risco.

O objetivo deste artigo é avaliar,via estudo empírico, a eficiência, naforma forte, do mercado acionáriobrasileiro. A análise aqui apresentadafoi delimitada aos fundos de ações dedez instituições financeiras brasi-leiras, aleatoriamente escolhidas.Todos estes fundos eram indexados aoíndice da Bolsa de Valores de SãoPaulo, sendo de administração ativa,ou seja, tinham por objetivo superaro Ibovespa. Serão analisados ecomparados com o Índice Bovespa oretorno e o risco das carteiras defundos de ações dos bancos ABNAmro Real, Sudameris, Bradesco,BankBoston, Citibank, HSBC, Itaú,Unibanco, Caixa Econômica Federale Safra, compreendendo o período de2000 a 2005. Também será apresen-tada a comparação dos desempenhosdas carteiras compostas por fundosde ações utilizando os índices deSharpe (IS), de Sharpe Generalizado(ISG) e o de Treynor (IT).

Antes de iniciar a análise compa-rativa dos ganhos dos fundos, seráapresentada uma breve discussão dostópicos mais relevantes abordados nadiscussão central deste artigo.

RISCO E RETORNO NO MERCADOACIONÁRIO E A ANÁLISE DEDESEMPENHO DE FUNDOS

O risco e retorno no mercado acionário

De maneira geral, pode-se definiro retorno como o ganho ou a perda

(total ou parcial) proporcionada porum investimento, em um período.Obviamente, no mercado de ativosfinanceiros, especialmente nomercado acionário, os investidoresalmejam aplicar um determinadocapital no presente com o intuito demaximizar a sua riqueza no futuro(GITMAN, 2004, p. 184). Sendoassim, a taxa de retorno de uma açãopode ser obtida da seguinte forma:

RP D P

Pt

t t t

t( )

( )+

+ +=+ −

11 1

onde R(t+1) é taxa de retorno esperadode um ativo no período de t (valoratual) e t+1 (valor futuro); Pt+l é ovalor do ativo no final do períodoconsiderado; Dt+l é o valor dosdividendos recebidos em t+1; Pt é ovalor presente do ativo.

Em decorrência das incertezasinerentes às aplicações de recursos nomercado acionário, determinar osvalores futuros depende “da naturezados eventos a que os valores estãoassociados, da disponibilidade deinformações a seu respeito, da in-fluência de agentes econômicos sobreos eventos e da capacidade de análisedos investidores”, como observaSanvicente e Mellagi Filho (1988).Segundo Gitman (2004) “Risco é apossibilidade de perda financeira”.Neste caso, os ativos consideradosmais arriscados são os que oferecemmaiores possibilidades de perda.

O indicador mais comum do riscode um ativo é o desvio padrão (σ), oqual mede a dispersão dos possíveisretornos de um ativo, parametrizadospela possibilidade de ocorrência decada uma delas, em torno do valoresperado. O valor esperado doretorno (E) é o retorno mais provávelde um ativo; é calculado pela médiados retornos, devidamente pondera-da pelas respectivas possibilidades deocorrências. Devido à naturezaabsoluta do desvio padrão, o coefi-ciente de variação (CV) é usado comomedida da dispersão relativa. Estamedida é útil na comparação dosriscos de ativos com retornos espe-

rados diferentes, sendo calculadacomo a razão entre o desvio padrão eo retorno esperado do investimento,

ou seja, CV

Ek=

σ

Quanto maior o coeficiente devariação, maior o risco.

Conhecendo os valores do desviopadrão e o coeficiente de variação, oanalista de investimentos tem aindavárias alternativas de escolha. A sele-ção dos investimentos é feita, então,usando o princípio de dominância deArcher e D’Ambrosio (1971). Deacordo com tal princípio, diante deum conjunto de investimentos queapresenta grau de risco equivalente,um investidor dará preferência àquelecuja taxa de retorno seja maior. Poroutro lado, diante de um conjunto deinvestimentos com a mesma taxa deretorno, a preferência do investidorserá por aquele cujo grau de risco sejao menor (ASSAF NETO, 2005).

Apesar dos modelos associaremo valor de um título ao seu risco, nãose conseguia estabelecer uma relaçãoentre a magnitude do prêmio equalquer medida de risco. A Teoriade Seleção de Carteiras foi desen-volvida para preencher tal lacuna,partindo do pressuposto que adiversificação de investimentos é umaestratégia fundamental para aproteção contra o risco. Esta teoriatem como finalidade construir umacarteira de títulos que satisfaça oinvestidor com relação à combinaçãode retorno e risco.

A técnica fundamental da teoriade formação de carteiras é combinarativos de modo a obter o maiorretorno para um dado nível de risco.Essa abordagem foi iniciada porHarry Markowitz, em 1952, eapresentada em Portfolio Selection(MARKOWITZ, 1952). Markowitz(1991) afirma que “um bom portfoliode ativos é mais que uma grande listade boas ações e títulos de dívida. Éum conjunto balanceado, que forneceao investidor proteções e oportunidadesem um conjunto amplo de situações”.Ainda segundo Markowitz (1991), “o

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

O DESEMPENHO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO E A HIPÓTESE DA EFICIÊNCIA FORTE DE MERCADO

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objetivo da análise de portfolio éencontrar as carteiras que melhor seadequem aos objetivos do investidor”.

O modelo de Markowitz implicanecessariamente no problema deestimar a covariância entre osretornos esperados dos pares detítulos incluídos em uma carteira deativos. Com o intuito de melhoroperacionalizar a Teoria do Portfolio,Sharpe (SÁ, 1999) desenvolveu ummétodo mais simples, o qual foidenominado de Modelo do ÍndiceÚnico. O princípio básico deste é, aoinvés de relacionar os retornos dostítulos em análise aos pares, rela-cionar o retorno de cada título com oretorno do índice de uma carteira querepresente o mercado dos títuloscomo um todo. Essa é uma formaindireta de relacionar os retornos dostítulos entre si. Tal simplificaçãoreduz substancialmente o número decovariâncias a serem estimadas,facilitando o trabalho dos analistas deinvestimento bem como os cálculosmatemáticos para a obtenção dascarteiras eficientes (SÁ, 1999, p. 90).Posteriormente, essa idéia acabousendo aprimorada e incorporada aoCapital Asset Pricing Model (CAPM)(SILVA et al, 2007). Assim, partindoda hipótese que o retorno associadoa cada uma das ações seja linear-mente relacionado com um índicegeral de mercado, como a reta demercado de capitais, vantagensadicionais puderam ser obtidas coma aplicação desse modelo.

O Modelo CAPM, também conhe-cido como Modelo de Precificação deAtivos de Capital, desempenha um re-levante papel na economia financeiramoderna. Ele foi proposto original-mente por Willian F. Sharpe –agraciado em 1990 pela academia deEstocolmo com Prêmio Nobel emEconomia (BODIE, KANE e MARCUS,2002, p. 217). O modelo de Sharpe ébaseado na proposição de que a taxade retorno requerida de qualqueração é igual à taxa de retorno livrede risco mais um prêmio de risco. Éimportante destacar que, apesar das

muitas críticas ao modelo original edos diversos aprimoramentos neces-sários para torná-lo efetivamente útil,a estimativa do retorno e do risco deuma ação para o processo de seleçãodas carteiras eficientes foi uma rele-vante contribuição do modelo para aevolução da teoria das finanças.

Análise de Desempenhode Fundos

Uma prática comum no mercadode ações é comparar o desempenhodas carteiras de investimentos comdiversos indicadores. Esse tipo deanálise, em geral, é vinculado apenasà rentabilidade, sendo que o riscoraramente é mensurado. Todavia, umfundo apresentar rentabilidadesuperior a outro não implica, necessa-riamente, ter melhor desempenho,haja vista que os ganhos adicionaispodem ser fruto de maior exposiçãoao risco. Com o intuito de suprir essagrave lacuna, foram criados modeloscuja função é medir o risco e o retornode portfolios. Nessa categoria, asferramentas mais utilizadas são osÍndices de Sharpe, Treynor e Jensen,os quais serão brevemente expostosa seguir.

Segundo Assaf Neto (2003), oÍndice de Sharpe é um indicador deeficiência dos investimentos, sendoseu objetivo aferir a razão entreretorno e risco. Matematicamente oíndice é definido como:

ISR Ri F

i

=−

σ

onde Ri é a média dos retornos dacarteira; RF é a taxa livre de risco; σi

é desvio-padrão amostral dos retor-nos da carteira. A partir da definiçãodo IS, é fácil ver que quanto maiorseu valor, maior é o retorno porunidade de risco e, portanto, melhoré o desempenho da carteira.

O Índice de Sharpe (IS) é umindicador de eficiência dos investi-mentos, retratando a relação entrerisco e retorno (ASSAF NETO, 2003).Vários outros índices foram criados

a partir do IS, como por exemplo, oÍndice de Sharpe Generalizado (ISG).Este índice, de acordo com Brito apudVarga (1999), pressupõe o uso de umbenchmark (neste texto será adotadoo Índice Bovespa) no lugar docomponente RF (retorno do ativo livrede risco) da fórmula original, ou seja:

ISR RP F

P

=−

σ e

ISGR IBVP

P IBV

=−

−σ σ

O ISG mede o excesso de retornodevido à capacidade do gestor em se-lecionar bem os títulos que compõema carteira do seu fundo. Os dados dodesempenho do Ibovespa (IBV) foramobtidos da Bolsa de Valores de SãoPaulo (Bovespa).

O índice de Treynor, de acordocom Assaf Neto (2003), relaciona oprêmio pelo risco pago por umacarteira, medido pelo retorno emexcesso ao de um título livre de risco,com o coeficiente beta da carteira. Oíndice é definido como:

ITR RP F

P

=−

β

onde Rp é a média dos retornos dacarteira; RF é a taxa livre de risco; βP

é o beta do portfolio. A partir dadefinição, é fácil ver que quanto maiselevado for o índice de Treynor, maisalto é o retorno da carteira por unida-de de risco assumido, indicando ummelhor desempenho de investimento.

Assaf Neto (2003) ressalta quepodem ser encontrados diferentesresultados no desempenho de umacarteira quando avaliada pelosíndices de Sharpe e de Treynor. Ocomportamento conflitante pode serexplicado, em sua maior parte, pelaestrutura do risco da carteira. Oíndice de Treynor relaciona o prêmiounicamente com a medida de riscosistemático (coeficiente beta),enquanto o índice de Sharpe adota odesvio padrão (risco total: sistemáticoe não-sistemático) como medida derisco.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2438

Jensen (apud BRITO e NEVES,1989) utilizou o modelo CAPM e criouum índice cuja finalidade é mensuraro desempenho das carteiras. Jensenpropôs a seguinte equação para ava-liar o desempenho da administração:

R R R R uP t F P P M t F t p t, , , ,− = + × −( ) +σ β

onde RP t, é o retorno médio dacarteira; RF,t é o retorno do título livrede risco; βp é o índice beta da carteira;RM,t é o retorno da carteira de mer-cado e up,t o erro aleatório. Supondoque u(p,t) é um erro aleatório comesperança zero e cujos valores nãoestão correlacionados, teremos:

σ βP P t F t P M t F tR R R R= − + × −( )[ ], , , ,

A HIPÓTESE DE EFICIÊNCIADE MERCADO

O conceito de mercado eficientesurgiu no final da década de 1960 ese tornou fundamental para a Teoriadas Finanças. Segundo Fama (1970),um mercado é dito eficiente quandoo preço dos títulos, em qualquer tem-po, reflete (integralmente) todas asinformações disponíveis sobre estes,no período considerado. SegundoBlack (1971), um mercado de capitaisperfeito impossibilita que conhe-cedores de informações sobre umacompanhia obtenham lucros superio-res à média do mercado. Em outraspalavras, nesse ambiente não hápossibilidades de obtenção de lucrosacima da média do mercado emvirtude do conhecimento de informa-ções privilegiadas, haja vista que ospreços se ajustam rapidamente àmedida que essas informações setornam disponíveis. Na visão de VanHorne (1995), um mercado é eficientequando os preços dos ativos refletemo consenso geral sobre todas asinformações disponíveis sobre aeconomia, os mercados financeiros esobre a empresa específica envolvida,sendo os preços rapidamente ajus-tados às informações. Assim, aeficiência de mercado implica a

flutuação do preço do ativo em tornodo seu valor intrínseco, sendo que no-vas informações poderiam provocarmudanças neste valor.

A verificação empírica da hipóte-se de mercados eficientes é feita apartir de pesquisas sobre subcon-juntos específicos de ações. Taispesquisas têm como objetivo avaliarse os preços das ações refletem asinformações disponíveis sobre osegmento do mercado em estudo.Com o intuito de facilitar os testes deeficiência de mercados, foram criadostrês níveis de classificação, os quaissão usualmente referidos como fraco,semiforte e forte (HAUGEN, 2001). Aforma fraca de eficiência é caracte-rizada pela impossibilidade de uminvestidor obter retornos em excessoa partir da análise dos preços histó-ricos dos ativos. A forma semifortede eficiência implica a impossi-bilidade de um investidor obterretornos extraordinários com base eminformações publicadas (relatóriosanuais das empresas, anúncios dedistribuição de novas ações, etc.). Aforma forte de eficiência é carac-terizada pela impossibilidade de uminvestidor obter retornos extraordi-nários, mesmo utilizando dadosconfidenciais e ainda não publicados.

Principais Testes deEficiência de Mercado

Há uma considerável variedadede métodos para testar a eficiência deum mercado. Neste artigo seráadotada a metodologia proposta porFama (apud COSTA JÚNIOR, 1991).Segundo tal proposta, os testes sãodivididos em três grupos principais:testes de previsibilidades de retornos,estudos de eventos e testes deinformação privada.

A categoria dos testes de previsi-bilidade de retorno inclui os testescuja finalidade é aferir a eficiênciafraca do mercado. Os estudos deeventos são relacionados à divulgaçãopública de informações e correspon-dem aos testes de eficiência semi-

forte. E, por último, os testes deinformação privada examinampossíveis impactos de informaçõesprivilegiadas, correspondendo, por-tanto, aos testes de eficiência forte.

Os testes de eficiência informa-cional fraca são fundamentados naanálise da aleatoriedade temporal detaxas de rentabilidade das ações.Segundo Brito (1978), se a série deinformações é aleatória, ou seja, po-dem ocorrer informações boas e ruinscom igual probabilidade, a série devariações de preços também deve seraleatória. Deste modo, caso seja com-provada a aleatoriedade, o mercadoé eficiente de forma fraca. Os princi-pais testes empíricos para a avaliaçãodeste nível de eficiência são os testesde autocorrelação serial, os testes defiltro e os de corrida de sinais.

Os testes de autocorrelação serialavaliam o grau de dependência entreas taxas de rentabilidade de um diacom as taxas de rentabilidade de diasanteriores. Uma correlação serialzero evidencia que as mudanças depreços em períodos de tempoconsecutivos não são correlacionadasentre si, rejeitando, assim, a hipótesede que os investidores poderiam obterretornos extraordinários a partir deinformações passadas. Por outro lado,uma correlação serial positiva é umaevidência do momento de preços nosmercados; sugeriria que os retornosem um período seriam mais prova-velmente positivos (negativos) se osretornos do período anterior tivessemsido positivos (negativos). Umacorrelação negativa é uma evidênciade reversões de preço, consistentecom um mercado onde são maisprováveis que retornos positivossucedam retornos negativos e vice-versa (DAMODARAN, 1997).

Os testes de filtro consistem naavaliação de dependência do tiposenoidal. A estratégia utilizada é acompra de ações caso o preço subaem X% e a manutenção até que opreço caia de pelo menos X%. Amagnitude da mudança (X%) queinicia as transações pode variar de

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

O DESEMPENHO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO E A HIPÓTESE DA EFICIÊNCIA FORTE DE MERCADO

39

Figura 2: Reações de mercado às novas informações

uma regra de filtragem para outra,com pequenas mudanças, resultandoem mais transações por períodos emaiores custos de transações (Figura15) (DAMODARAN, 1997, p.204).

Figura 1: Exemplo de Regra de filtragem

E, finalmente, os testes de corridade sinais que examinam as taxas devariação de preço de ações com omesmo sinal em diversos diasconsecutivos. Desse modo, para queo mercado seja eficiente não podemexistir longos períodos de um mesmosinal.

O estudo de evento trata dasreações de mercado e retornosadicionais em torno de eventosespecíficos de informação. As novasinformações podem ser gerais – comoanúncios macroeconômicos – ouespecíficas de empresas, comodivulgação de lucros ou dividendos,fusões e incorporações de empresas(DAMODARAN, 1997). Quando estesfatos relevantes ao mercado sãopublicados, há certa expectativaquanto à reação dos investidores comrespeito aos ajustes das cotações dostítulos. Em um mercado perfeito estesajustes ocorrem instantaneamente ede forma não tendenciosa. A Figura2 ilustra as três diferentes reações domercado após comunicações de fatosrelevantes.

Dentre as três reações de merca-do representadas, apenas o mercado”A” é consistente com um mercadoeficiente. No mercado “B”, a comuni-cação de uma nova informação éseguida por um aumento gradual nospreços, permitindo que os investi-dores obtenham retornos adicionaisapós o anúncio. No mercado “C”, opreço reage instantaneamente à novainformação, mas se corrige nos diasseguintes, sugerindo que a mudançainicial dos preços foi uma reaçãoexagerada à informação.

Finalmente, os testes destinadosa avaliar se um mercado é eficientena forma forte envolvem a compro-vação de que, ao contrário do queindica o senso comum, que analistase gerentes de carteira não possuemvantagem sobre os investidoresmédios do mercado, não sendopossível a esses obter retornosextraordinários (acima da média domercado). Alguns estudos vêm sendofeitos para comprovar este tipo deeficiência forte de mercado. Taistrabalhos se concentram na veri-ficação de obtenção de retornosmaiores por parte dos dessesadministradores, uma vez que teriaminformações antes do mercado; naquestão de recomendações feitas poranalistas de investimentos (emitemparecer de compra e venda sobredeterminada ação) e se os adminis-tradores de carteira conseguiriamobter retornos maiores que o merca-do, ou seja, as observações consistemem comparar o desempenho defundos de investimentos com omercado (DAMODARAN, 1997). Opresente artigo se insere nessa tarefa

de realizar testes quanto à eficiênciaforte dos mercados. Em particular, oobjetivo deste texto é o de avaliar etestar o mercado acionário brasileiro.A metodologia usada para os testes,bem como os resultados obtidos serãoapresentados, em detalhes, a seguir.

TESTE DA EFICIÊNCIA FORTEDO MERCADO ACIONÁRIO

BRASILEIRO DE 2000 A 2005

Neste artigo foram analisadas asperformances dos fundos de açõesdos bancos ABN Amro Real,Sudameris, Bradesco, BankBoston,Citibank, HSBC, Itaú, Unibanco,Caixa Econômica Federal e Safra,compreendendo o período entre osmeses de janeiro de 2000 a dezembrode 2005. O processo de análise foirealizado em três etapas. Primei-ramente foi feita a análise darentabilidade e do desvio padrão dascarteiras de fundos de ações, bemcomo do ativo livre de risco (pou-pança) durante o período proposto.Na segunda fase da análise foi feita averificação da relação entre ahipótese de eficiência do mercadoacionário e o desempenho dos fundosde ações no período proposto viaanálise do desempenho dessascarteiras com o Ibovespa. A últimaetapa deste estudo foi a comparaçãodo desempenho das carteiras com-posta por ações utilizando os índicesde Sharpe (IS), Sharpe Generalizado(ISG) e Treynor.

Quanto à rentabilidade dosfundos de ações e do ativo livre derisco, o indicador de performancemais simples para um fundo deinvestimento é a sua taxa de retorno,que é o ganho ou a perda total sofridopor um investimento em certoperíodo (GITMAN, 2004).

Neste trabalho foi adotada comotaxa livre de risco a Taxa de Cadernetade Poupança. De acordo com Souza,Fidos, Guarnieri (2003), as justifica-tivas para a sua utilização decorremprincipalmente da “sua transpa-rência, ampla divulgação e o mesmo

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2440

retorno em todas as instituiçõesfinanceiras do país, além de ser defácil entendimento, aceitação e aces-sibilidade”. A Tabela 1 mostra a ren-tabilidade geométrica da taxa de pou-pança entre 2000 a 2005, utilizandoos mesmos princípios do cálculo darentabilidade média dos fundos.

Quanto ao risco dos fundos, odesvio padrão é a ferramenta estatís-tica mais utilizada para avaliar o riscono Índice de Sharpe. Lembrando que“risco é a possibilidade de perdafinanceira” (GITMAN, 2004). Para oativo livre de risco foi assumidodesvio-padrão nulo, ou seja, RF = O.

A hipótese de eficiência domercado acionário do tipo forte e odesempenho dos fundos de açõesforam testados com base naspropriedades da distribuição normal.De acordo com Bernstein e Damo-

daran (2000), a distribuição normalé uma distribuição de probabilidadescontínuas, pois assume um númeroinfinito de observações cobrindotodos os valores possíveis ao longo deuma escala contínua.

O Índice Bovespa (IBovespa) é omais importante indicador do

desempenho médio das cotações domercado de ações brasileiro. Suarelevância advém do fato de retrataro comportamento dos principais pa-péis negociados na Bolsa de Valoresde São Paulo (Bovespa) e também desua tradição, pois o índice manteve aintegridade de sua série histórica enão sofreu modificações meto-dológicas desde sua implementação,em 1968.

O Índice Bovespa, como mostraa Tabela 2, apresentou no período de60 meses, de janeiro de 2000 a dezem-

bro de 2005, uma valorização geomé-trica acumulada de 95,75%. Estastaxas de lucratividade são brutas, ouseja, não levam em consideração oscustos de transações e impostos.

Os desempenhos anuais doIbovespa no período de 2000 a 2002foram negativos em 10,72%; 11,02%;

e 17,01%, respectivamente. O maudesempenho em 2000 e 2001 foi frutoda instabilidade nos cenários domés-tico e internacional; em 2002, asincertezas no plano interno e napolítica ditaram os rumos da econo-mia e do mercado, causando elevadavolatilidade. No cenário interna-cional, assistiu-se à instabilidade nosmercados financeiros globais.

Em 2003, a Bolsa de Valores deSão Paulo foi o grande destaque derentabilidade do mercado financeirobrasileiro. O Índice Bovespa (Ibo-vespa), como mostra a Tabela 2, apóstrês anos consecutivos de baixa,encerrou o ano em 22.236 pontos,maior pontuação obtida até então,desde sua criação em 1968. Avalorização registrada foi de 97,34%.

É digno de nota que o ano de 2003foi marcado pela reversão daspreocupações dos agentes econô-micos em relação ao governo federal.A nova administração foi marcadapela adoção de medidas econômicasrígidas, principalmente pelo lado dosajustes monetário, cambial e fiscal.Com tais medidas foi possívelcontrolar o nervosismo e a descon-fiança iniciados em 2002, e estabele-

edodoíreponapsevobIodacirtémoegedadilibatneR:2alebaT5002/orbmezeda9991/orbmezed

otnemahceF

99/zed 19071 - -

00/zed 95251 27,01- 27,01-

10/zed 77531 20,11- 65,02-

20/zed 86211 10,71- 70,43-

30/zed 63222 43,79 01,03

40/zed 69162 18,71 72,35

50/zed 55433 17,72 57,59

)%(5002a0002edaçnapuopedaxatadacirtémoegedadilibatneR:1alebaT

naJ veF raM rbA iaM nuJ luJ ogA teS tuO voN zeD launA

0002 27,0 37,0 3,70 36,0 57,0 27,0 66,0 07,0 06,0 36,0 26,0 06,0 93,8

1002 16,0 36,0 45,0 76,0 56,0 86,0 86,0 08,0 77,0 47,0 37,0 27,0 45,8

2002 17,0 27,0 66,0 27,0 96,0 17,0 27,0 47,0 47,0 17,0 87,0 18,0 70,9

3002 48,0 89,0 48,0 99,0 88,0 10,1 59,0 89,0 19,0 87,0 86,0 96,0 50,11

4002 36,0 55,0 86,0 95,0 66,0 86,0 07,0 07,0 76,0 16,0 26,0 47,0 01,8

5002 96,0 06,0 67,0 07,0 57,0 08,0 67,0 58,0 77,0 17,0 96,0 37,0 81,9

Fonte: Bacen

Fonte: Bovespa

Tabela 1: Rentabilidade geométrica da taxa de poupança de 2000 a 2005 (%)

Período Variação anual (%) Variação acumulada (%)

Tabela 2: Rentabilidade geométrica do Ibovespa no período dedezembro/1999 a dezembro/2005

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

O DESEMPENHO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO E A HIPÓTESE DA EFICIÊNCIA FORTE DE MERCADO

41

cer a confiança tanto dos investidoresinternos quanto externos.

Finalmente, os anos de 2004 e2005 foram marcados por incertezasno cenário econômico externo e criseno cenário político interno, o que le-vou o mercado acionário a apresentaruma alta volatilidade durante todo oano, conforme apresentado na Tabela3. Apesar da crise política, o Ibovespapermaneceu em alta praticamentecontínua durante todo o período.

Avaliando a rentabilidade geomé-trica acumulada dos fundos de ações,conforme a Tabela 4, nota-se que emprimeiro lugar está o fundo UnibancoInstitucional IBX Fia Ações cujoretorno foi de 228,97%. O fundo SafraFia Ações obteve o pior retorno,60,18% nos anos compreendidosentre 2000 a 2005.

Quando se compara a rentabi-lidade geométrica acumulada dosfundos com o índice de mercado,conclui-se que os fundos UnibancoInstitucional IBX Fia Ações, HSBCAções Institucional Fia, SudamerisPrivate Fia, ltaú Fia Ações, BradescoBD Fia, Boston Ibovespa Select Fia,Citi Institucional Ações Fia e ABNAmro Dinâmica Fia apresentaram, noacumulado, um desempenho de68,06%, 51,46%,46,80%,42,10%,32,65%, 12,14%, 10,98% e 3,47%,

respectivamente; superior ao Iboves-pa. Já o fundo Caixa Ibovespa FiaAções e o Safra Fia Ações apresen-taram um desempenho inferior aoIbovespa de -14,30% e -18,17%,respectivamente (Tabela 5).

A Tabela 5 mostra os desviospadrões dos fundos analisados noperíodo de 2000 a 2005. Neste perío-do, os fundos mais arriscados foramo Bradesco BD Fia (2000), o Suda-meris Private Fia (2001), o ABN AmroDinâmica Fia (2002 e 2003), CaixaIbovespa Fia Ações (2004) e BostonIbovespa Select Fia (2005). Por outrolado, os fundos menos arriscadosforam o ltaú Fia Ações (2000, 2002,2003 e 2005) e Unibanco InstitucionalIBX Fia Ações (2001 e 2004).

O mercado é eficiente, como jámencionado, quando os preços dostítulos refletem todas as informações

apsevobInotsoBaiFtceleS

etavirPsiremaduSaiF aiFDBocsedarB

odoíreP

00/zed 88,5- 88,5- 37,2- 37,2- 70,7- 70,7- 91,6- 91,6- 31,2- 31,2-

10/zed 87,9- 80,51- 57,5- 23,8- 57,21- 29,81- 86,7 10,1 73,3 61,1

20/zed 99,11- 62,52- 81,6- 89,31- 01,11- 29,72- 45,01- 36,9- 99,0 61,2

30/zed 37,69 30,74 48,59 54,86 81,28 23,13 92,14 86,72 89,46 55,86

40/zed 57,91 60,67 07,62 34,311 99,83 25,28 21,23 96,86 58,72 84,511

50/zed 76,42 15,911 46,43 73,781 72,24 76,951 70,02 55,201 95,73 94,691

odoíreP

00/zed 77,8- 77,8- 73,1 73,1 62,3 62,3 56,2 56,2 87,2- 87,2-

10/zed 38,31- 93,12- 73,9- 31,8- 72,8- 82,5- 21,4- 85,1- 40,41- 34,61-

20/zed 10,61- 89,33- 12,11- 34,81- 52,2- 04,7- 77,3 31,2 62,53- 09,54-

30/zed 92,58 33,22 17,18 22,84 80,77 79,36 27,47 44,87 11,48 93,0-

40/zed 23,21 04,73 48,81 51,67 75,43 56,021 45,13 17,431 40,03 35,92

50/zed 90,22 57,76 33,32 42,711 70,62 71,871 61,04 79,822 76,32 81,06

Fonte: Quantum Fundos

edoãrdapoivseD:3alebaT)%(5002a0002

onA apsevoBecidní

000210022002300240025002

39,9174,1265,2270,2306,3307,23

Fonte: Bovespa

Tabela 4: Rentabilidade Geométrica dos Fundos de Ações de 2000 - 2005

ABN AMRODinâmico Fia

HSBC AçõesInstitucional Fia

Safra Fia AçõesUnibanco Institu-cional IBX Fia AçõesItaú Fia AçõesCiti Institucional Fia

AçõesCaixa Ibovespa Fia

Ações

VariaçãoAnual(%)

VariaçãoAnual(%)

VariaçãoAnual(%)

VariaçãoAnual(%)

VariaçãoAnual(%)

VariaçãoAnual(%)

VariaçãoAnual(%)

VariaçãoAnual(%)

VariaçãoAnual(%)

VariaçãoAnual(%)

VariaçãoAcumul.

(%)

VariaçãoAcumul.

(%)

VariaçãoAcumul.

(%)

VariaçãoAcumul.

(%)

VariaçãoAcumul.

(%)

VariaçãoAcumul.

(%)

VariaçãoAcumul.

(%)

VariaçãoAcumul.

(%)

VariaçãoAcumul.

(%)

VariaçãoAcumul.

(%)

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2442

disponíveis, não havendo dessa for-ma, nenhum ganho anormal, pois ospreços se ajustariam prontamente aosurgimento de novas informações, in-clusive para os insiders. Sendo assim,para analisar se os fundos são eficien-tes, é necessário, primeiramente, cal-cular a distribuição normal reduzida.

Com base nos dados da Tabela 6,calcula-se o percentual de eficiênciaforte utilizando a distribuição normalreduzida.

Conforme dados da Tabela 7, nota-se que todos os fundos de ações em2000, em destaque o Itaú Fia Ações,obtiveram retorno acima do índiceBovespa (Ibovespa) ajustado ao risco,ou seja, os administradores decarteira conseguiram obter retornosmaiores que o mercado após oanúncio de uma nova informação,mesmo com a instabilidade econô-mica que o país estava passando.

Em 2003, mesmo com o mercadode ações em destaque, os analistas deinvestimentos, apesar de ter informa-ções privilegiadas, não conseguirambons resultados, ficando, desta forma,abaixo do índice de mercado, ou seja,o mercado foi eficiente.

No período analisado, os fundosde ações que apresentaram índicespositivos foram: Sudameris PrivateFia, HSBC Ações Institucional Fia eUnibanco Institucional IBX Fia Ações,ou seja, os analistas de investimentosconseguiram superar o mercado,apresentando desta forma uma ine-ficiência de mercado. Ao contrário,os fundos de ações Caixa Ibovespa FiaAções e Safra Fia Ações obtiveramresultados abaixo do mercado; osanalistas, mesmo com informaçõesprivilegiadas, não conseguiram retor-nos maiores que o Índice Bovespa, ouseja, os preços se ajustaram pronta-mente ao surgimento de novas infor-mações, inclusive para os analistas.

Para a análise conjunta de desem-penho das carteiras foi calculado,como mostra as Tabelas 8 e 9, o Índicede Sharpe (IS) e o índice de SharpeGeneralizado (ISG), visto que o ISdependerá da rentabilidade e das

Fonte: Quantum Fundos

odoírePnotsoBapsevobIaiFtceleS

siremaduSaiFetavirP

ocsedarBaiFDB

0002 62,92 84,92 54,03 88,82 27,82

1002 70,92 92,03 92,72 28,82 77,42

2002 25,62 05,42 28,52 56,14 93,02

3002 15,02 50,12 44,91 95,52 95,51

4002 40,42 61,42 39,32 47,32 93,02

5002 34,12 04,02 26,91 94,02 80,91

odoíreP

0002 71,03 69,92 85,52 90,72 63,82

1002 66,82 62,82 00,52 38,42 94,72

2002 39,62 60,62 40,02 66,12 82,62

3002 76,02 25,02 91,51 90,61 61,71

4002 12,42 79,32 90,02 87,91 31,02

5002 02,12 89,02 44,81 28,81 09,81

odoírePnotsoBapsevobIaiFtceleS

siremaduSaiFetavirP

ocsedarBaiFDB

0002 01,0 61,0 70,0 90,0 81,0

1002 20,0 01,0 40,0- 73,0 13,0

2002 01,0 32,0 21,0 01,0 24,0

3002 10,0- 30,0- 92,0- 79,0- 86,0-

4002 30,0 51,0 73,0 52,0 91,0

5002 60,0- 31,0 82,0 41,0- 91,0

odoíreP

0002 40,0 42,0 13,0 82,0 61,0

1002 60,0- 30,0 60,0 51,0 60,0-

2002 20,0 21,0 53,0 74,0 73,0-

3002 32,0- 03,0- 34,0- 74,0- 72,0-

4002 90,0- 20,0 13,0 62,0 32,0

5002 01,0- 80,0- 30,0- 42,0 80,0-

Tabela 5: Desvio-padrão de 2000 - 2005 (%)

ABN AMRODinâmico Fia

HSBC AçõesInstitucio-

nal Fia

Safra FiaAções

UnibancoInstitucionalIBX Fia Ações

Itaú FiaAções

Citi Insti-tucionalFia Ações

CaixaIbovespaFia Ações

ABN AMRODinâmico Fia

HSBC AçõesInstitucio-

nal Fia

Safra FiaAções

UnibancoInstitucionalIBX Fia Ações

Itaú FiaAções

Citi Insti-tucionalFia Ações

CaixaIbovespaFia Ações

Tabela 6: Distribuição normal reduzida

ABN AMRODinâmico Fia

HSBC AçõesInstitucio-

nal Fia

Safra FiaAções

UnibancoInstitucionalIBX Fia Ações

Itaú FiaAções

Citi Insti-tucionalFia Ações

CaixaIbovespaFia Ações

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

O DESEMPENHO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO E A HIPÓTESE DA EFICIÊNCIA FORTE DE MERCADO

43

oscilações dentro de um determinadoperíodo relacionando com um índicecomum ao fundo. Primeiramente, orendimento dos fundos de açõesforam comparadas com o desem-penho da poupança, considerado derisco zero.

Posteriormente, foi calculado oISG levando em consideração oIbovespa como benchmark.

Analisando o desempenho dosfundos de ações pelo índice deSharpe, observa-se na Tabela 8 quenos anos de 2000 a 2002 todos os fun-dos obtiveram desempenho negativo,ou seja, as rentabilidades dos fundosnão foram superiores à poupança.Vale ressaltar que neste mesmoperíodo os fundos que obtiveram omelhor resultado, mesmo negativo,foram: ltaú Fia Ações (-0,2006), ABNAmro Dinâmico Fia (-0,0298) eUnibanco Institucional IBX Fia Ações(-0,2446), respectivamente. Já noperíodo de 2003 a 2005, todos os fun-dos obtiveram desempenho superiorao da poupança. Contudo, o fundoque mais se destacou em relação aorisco/retorno foi o Itaú Fia Ações.

Os fundos que apresentaram opior desempenho, comparados coma caderneta de poupança, no períodoanalisado (2000 a 2005), foram CaixaIbovespa Fia (2000 e 2004), Safra FiaAções (2001 e 2002) e o ABN AmroDinâmico Fia (2003 e 2005).

Analisando o desempenho dosfundos pelo Índice de SharpeGeneralizado, observa-se na Tabela 9que, em 2000, o fundo que apresentoua melhor relação risco/retornocomparado com o Índice Bovespa(Ibovespa) foi o Itaú Fia Ações. Já em2001, o fundo que se destacou foi oABN Amro Dinâmica Fia. O piordesempenho, nestes dois anos, coubeao fundo Sudameris Private Fia.

Em 2002 e 2003, a administraçãomais ativa dos fundos de ações foi ofundo Bradesco BD Fia e HSBCAções Institucional Fia, respectiva-mente. Já o fundo Safra Fia Ações e ofundo Boston Ibovespa Select Fiaapresentaram, em 2002 e 2003

odoírePnotsoBapsevobIaiFtceleS

siremaduSaiFetavirP

ocsedarBaiFDB

0002 %89,3 %63,6 %97,2 %95,3 %41,7

1002 %08,0 %89,3 %06,1- %34,41 %71,21

2002 %89,3 %01,9 %87,4 %89,3 %82,61

3002 %04,0- %02,1- %14,11- %04,33- %71,52-

4002 %02,1 %69,5 %34,41 %78,9 %35,7

5002 %93,2- %71,5 %30,11 %75,5- %35,7

odoíreP

0002 %06,1 %84,9 %71,21 %30,11 %63,6

1002 %93,2- %02,1 %93,2 %69,5 %93,2-

2002 %08,0 %87,4 %86,31 %80,81 %34,41-

3002 %O1,9 %97,11- %46,61- %80,81- %46,01-

4002 %95,3- %08,0 %71,21 %62,01 %01,9

5002 %89,3- %91,3- %02,1- %84,9 %91,3-

odoírePnotsoBapsevobIaiFtceleS

siremaduSaiFetavirP

ocsedarBaiFDB

0002 7784,0- 5773,0- 7705,0- 0505,0- 5663,0-

1002 0036,0- 6174,0- 2087,0- 8920,0- 7802,0-

2002 0497,0- 2226,0- 1187,0- 7074,0- 0693,0-

3002 6771,4 3720,4 0956,3 7181,1 9854,3

4002 5484,0 9967,0 0192,1 6110,1 3869,0

5002 1327,0 2842,1 1786,1 7135,0 0984,1

odoíreP

0002 0965,0- 5432,0- 6002,0- 1212,0- 0493,0-

1002 5087,0- 6336,0- 2276,0- 7905,0- 1128,0-

2002 1139,0- 2877,0- 4465,0- 6442,0- 6686,1-

3002 9095,3 7344,3 5543,4 4759,3 2752,4

4002 4471,0 1844,0 8713,1 3581,1 9980,1

5002 3906,0 5476,0 1619,0 0646,1 5667,0

ABN AMRODinâmico Fia

HSBC AçõesInstitucio-

nal Fia

Safra FiaAções

UnibancoInstitucionalIBX Fia Ações

Itaú FiaAções

Citi Insti-tucionalFia Ações

CaixaIbovespaFia Ações

Tabela 7: Teste de eficiência forte

ABN AMRODinâmico Fia

HSBC AçõesInstitucio-

nal Fia

Safra FiaAções

UnibancoInstitucionalIBX Fia Ações

Itaú FiaAções

Citi Insti-tucionalFia Ações

CaixaIbovespaFia Ações

Tabela 8: Análise de desempenho dos fundos de ações pelo índice deSharpe de 2000 a 2005

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Ar

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o

RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2444

respectivamente, uma administraçãopassiva.

E, finalmente, em 2004 e 2005, ofundo Sudameris Private Fia obteveo melhor desempenho, ou seja, obteveum maior retorno por unidade derisco. E o que apresentou o piordesempenho neste período foi oBradesco BD Fia.

Para analisar o desempenho dosfundos, a partir do índice de Treynor,inicialmente é preciso calcular o betaque mede a sensibilidade dos retornosde um título ao fator sistemático oude mercado.

Na Tabela 10 é apresentado ocoeficiente beta das carteiras dosfundos de ações analisados nos anosde 2000 a 2005. Os fundos de açõesem geral têm com resultado betasmenores do que um, caracterizandotítulos defensivos, pois tendem avariar percentualmente menos do queo mercado.

Analisando o desempenho dascarteiras pelo Índice de Treynor (IT),os dados da Tabela 11 relatam que,no ano de 2000, o fundo queapresentou o melhor desempenho foio Unibanco Institucional IBX FiaAções (0,5588), ao passo que o piordesempenho foi da Caixa IbovespaFia Ações (0,0774).

Em 2001, 2002 e 2004 o fundoABN Amro Dinâmico Fia obteve umportfolio mais desejável, comparadocom os outros fundos analisados, ouseja, o retorno da carteira foi maiorpor unidade de risco. Já em 2003 e2005 o fundo ABN Amro DinâmicoFia obteve o pior desempenho, sendoque os fundos que apresentaram omelhor desempenho nesse períodoforam o Boston Ibovespa Select Fia eBradesco BD Fia, respectivamente.

CONCLUSÕES

A partir dos resultados apresen-tados neste artigo é possível concluir,para o período de análise conside-rado, os administradores de carteiranão obtiveram ganhos anormais. Istocomprova que os preços dos títulos

odoírePnotsoBapsevobIaiFtceleS

siremaduSaiFetavirP

ocsedarBaiFDB

0002 9815,0 8855,1- 4743,0 4605,0 5959,0

1002 9361,0 7545,3- 7792,0- 8545,2 9859,1

2002 9762,1 0988,0 3318,1 0933,0 0349,0

3002 6250,0 6159,0 4002,1 1568,0 7499,4

4002 4202,0- 9238,1 7091,2- 4154,1- 2810,1-

5002 4962,0 0329,1 8211,1- 7526,0 4908,0-

odoíreP

0002 0091,0 5502,1 8674,2 9668,1 4149,0

1002 2193,0- 9242,0 1877,0 9050,2 0105,0-

2002 1922,0 2756,1 3685,0- 9013,2- 5209,4-

3002 7750,1 8253,1 7002,1 3514,1 5788,0

4002 6485,0 9601,0- 6042,1- 1399,0- 0809,0-

5002 5884,0 9373,0 2511,0 0798,0- 2392,0

odoírePnotsoBapsevobIaiFtceleS

siremaduSaiFetavirP

ocsedarBaiFDB

0002 3782,0 4172,0 8832,0 0821,0 2681,0

1002 2192,0 0752,0 4792,0 6821,0 4052,0

2002 8943,0 8293,0 1233,0 6160,0 5963,0

3002 9485,0 0235,0 0685,0 0361,0 9136,0

4002 8524,0 0404,0 6683,0 4981,0 3963,0

5002 5535,0 4665,0 4575,0 2452,0 8124,0

odoíreP

0002 6152,0 0922,0 3382,0 2932,0 5992,0

1002 8872,0 3752,0 4%2,0 7482,0 9813,0

2002 8513,0 7203,0 4164,0 2473,0 8843,0

3002 9535,0 2884,0 7208,0 3876,0 2818,0

4002 8093,0 8753,0 2954,0 9844,0 6495,0

5002 7905,0 9664,0 1545,0 5594,0 4476,0

ABN AMRODinâmico Fia

HSBC AçõesInstitucio-

nal Fia

Safra FiaAções

UnibancoInstitucionalIBX Fia Ações

Itaú FiaAções

Citi Insti-tucionalFia Ações

CaixaIbovespaFia Ações

Tabela 9: Análise de desempenho dos fundos de ações pelo índice deSharpe Generalizado de 2000 a 2005

ABN AMRODinâmico Fia

HSBC AçõesInstitucio-

nal Fia

Safra FiaAções

UnibancoInstitucionalIBX Fia Ações

Itaú FiaAções

Citi Insti-tucionalFia Ações

CaixaIbovespaFia Ações

Tabela 10: Coeficiente do Beta de 2000 a 2005

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

O DESEMPENHO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO E A HIPÓTESE DA EFICIÊNCIA FORTE DE MERCADO

45

se ajustaram prontamente aosurgimento de novas informações,inclusive para os gestores de carteira.Também foi possível verificar que háconflitos entre os resultados daanálise do desempenho dos fundos deações via Índice de Sharpe e Índicede Treynor. Esse comportamentoconflitante pode se explicado, em suamaior parte, pela estrutura do riscoda carteira. O índice de Treynorrelaciona o prêmio unicamente coma medida de risco sistemático(coeficiente beta), ao passo que oíndice de Sharpe adota o desviopadrão (risco total: sistemático e não-sistemático) como medida de risco.

Ainda, a partir da análise aquiapresentada, foi possível mostrar quenão se deve vincular a análise de umfundo de ação apenas à rentabilidadeque ele apresenta, visto que o ganhoadicional pode ter sido obtido comuma maior exposição ao risco. Assimsendo, pode-se concluir que osgerentes de carteiras não obtiveramretornos maiores que o mercado, istoé, o mercado acionário suportou oteste de eficiente forte no períodocompreendido entre 2000 e 2005. �

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odoírePnotsoBapsevobIaiFtceleS

siremaduSaiFetavirP

ocsedarBaiFDB

0002 6861,0 3492,0 0351,0 9353,0 1164,0

1002 7240,0 1502,0 2850,0- 2454,1 6475,0

2002 5341,0 8572,0 9771,0 4150,1 2784,0

3002 4010,0- 2820,0- 8852,0- 0834,3- 1215,0-

4002 5540,0 1022,0 9745,0 4557,0 7172,0

5002 7650,0- 4221,0 0352,0 4003,0- 3432,0

odoíreP

0002 4770,0 8725,0 6394,0 8855,0 0562,0

1002 9001,0- 1460,0 8290,0 3242,0 6490,0-

2002 7130,0 5191,0 0023,0 3555,0 3325,0-

3002 9422,0- 1023,0- 4252,0- 5333,0- 7161,0-

4002 5041,0- 8820,0 0563,0 8503,0 7502,0

5002 2011,0- 9390,0- 1030,0- 2152,0 0060,0-

ABN AMRODinâmico Fia

HSBC AçõesInstitucio-

nal Fia

Safra FiaAções

UnibancoInstitucionalIBX Fia Ações

Itaú FiaAções

Citi Insti-tucionalFia Ações

CaixaIbovespaFia Ações

Tabela 11: Desempenho dos fundos de ações pelo índice deTreynor de 2000 a 2005

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2446

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

MORTALIDADE DE PEQUENAS EMPRESAS: UMA ANÁLISE FINANCEIRA E ECONÔMICA

47

MORTALIDADE DE PEQUENAS EMPRESAS:UMA ANÁLISE FINANCEIRA E ECONÔMICA

EVANDIR MEGLIORINI

ANTONIO CARLOS C. ROXO DA MOTTA

Ultrapassar a fase compreendida entre o

nascimento e a consolidação de uma empresa é uma

árdua tarefa aos empreendedores. O índice de

mortalidade de pequenos empreendimentos nos

primeiros cinco anos tem sido elevado conforme

atestam diversos órgãos, notadamente o SEBRAE.

Várias são as causas apontadas para esse fenômeno,

como a falta de experiência dos empreendedores,

problemas de localização, dificuldades de apoio

financeiro, recessão econômica, etc. Por certo, tais

causas contribuem para o insucesso dessas

empresas, no entanto, uma análise apressada não

seria suficiente para compreender a extensão do

problema. Na literatura de finanças e economia,

discute-se a relação risco e retorno dos investimentos

e seu custo de oportunidade. Nesse sentido, o

empreendedor não pode deixar de avaliar esses

preceitos básicos quando decide investir seu capital.

A premissa que norteia este artigo é que os

empreendedores não consideram esses preceitos e,

por conta disso, parcela das novas empresas já

nascem com alto grau de possibilidade de integrar

as estatísticas de mortalidade. A pesquisa é de

natureza bibliográfica com enfoque qualitativo.

Overtaking the phase which covers the birth

and the consolidation of a company is a hard task

to entrepreneurs. The mortality rate for small

entrepreneurship in the first five years has been high,

according to information provided by several official

departments, mainly SEBRAE. Several causes are

pointed out for such phenomenon, such as lack of

experience of entrepreneurs, location problems,

difficulties to have a financial back up, economic

recession, etc. Surely such causes contribute to the

lack of success of companies; however, a superficial

analysis is not enough to understand how deep the

problem really is. In Finances and Economy

literature, the risk-and-return-of-investment

relation is discussed, along with its cost of

opportunity. In this sense, the entrepreneur cannot

forget to evaluate these basic concepts when he/

she decides to invest his/her capital. The premises

that guides this article is that the entrepreneurs doe

not take such concepts into account and, due to

that, a great number of new companies is set up with

a high degree of possibility to be part of this

mortality statistics. The research presents a

bibliographical nature with a qualitative focus.

Palavras-chave: Mortalidade; risco; retorno

Keywords: Mortality; risk; return

Artig

o

EVANDIR MEGLIORINI é Doutor em Controladoria e Contabilidade

(USP) e Professor do Departamento de Administração do Centro

Universitário da FEI

ANTONIO CARLOS C. ROXO DA MOTTA é Doutor em História Econômica

(USP) e Professor da UNIFIEO

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Ar

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2448

Ser dono do próprio negócioparece ser o sonho de grande parcelada população brasileira. São váriosos motivos que levam as pessoas a setornarem empreendedoras, entreeles: realização pessoal por ser donodo próprio negócio, colocar emprática as habilidades profissionaisadquiridas, identificação de umaoportunidade, necessidade demelhorar de vida, aplicar seu tempode maneira mais prazerosa e estardesempregado. Na busca desse sonhohá até aqueles que vêem, nosprogramas de demissão voluntáriadas empresas em que trabalham, aoportunidade que esperavam. Paraisso, levantam economias acumula-das por toda uma vida e, quando sedesligam de uma empresa paraempreender, somam-se a estas econo-mias os valores recebidos com a resci-são do contrato de trabalho – avisoprévio, férias, fundo de garantia, etc.

Decidido a investir, o empreende-dor irá deparar-se, inicialmente, coma identificação de uma oportunidade.Em qual tipo de negócio investir? Umnegócio que utilize as habilidadesprofissionais adquiridas, percorrer omesmo caminho de outra empresa desucesso, suprir uma necessidade de-tectada junto aos consumidores, etc.

Contribui para esse processo suadisposição em assumir riscos. Noentanto, nem todas as pessoas têm amesma disposição ao risco, de modoque há quem busque identificaroportunidades de risco e outras nemtanto.

Por certo, qualquer que seja o tipode negócio escolhido, estará sujeito ariscos, em menor ou maior grau. Háaqueles negócios de baixo risco, porémsão negócios de baixos lucros e semmuitas perspectivas de crescimento.Negócios como esses não possuembarreiras de entradas, ou seja, nãodemandam conhecimentos especia-lizados nem grandes investimentos.

Caso um desses negócios tenhasucesso, avalia Degen (1989, p. 69),imediatamente outros empreendedo-res, atraídos por esse sucesso, iniciam

negócios semelhantes. Conforme oautor, ao perdurar essa atração, novosempreendedores são atraídos até quea oferta exceda a demanda, reduzindoa lucratividade ao mínimo.

Por outro lado, há negócios comgrande potencial de crescimento elucros, que, geralmente, têm barrei-ras de entradas, ou seja, demandamconhecimentos especializados e exi-gem substancial capital para iniciaro negócio, e, depois, para sustentar ocrescimento.

Qualquer que seja o tipo denegócio, alerta Previdelli (1995, p.179), “pressupõe a quantificação dovolume de Capital que será necessárioinvestir para desenvolver a atividadepretendida”.

A esse respeito, Chiavenato (1995,p. 28) chama a atenção de que um dosaspectos mais importantes na consti-tuição de uma empresa é a fixação docapital mínimo e indispensável parainiciá-la. Além do capital inicial, Chia-venato (1995, p. 109) acrescenta anecessidade de algum capital de giro.

Para as empresas novas, salientaResnik (1990, p. 185): “As exigênciasde capital antes da abertura incluemos gastos óbvios, como instalações eequipamentos, benfeitorias do imóvel,e também aluguel e salários pré-ope-racionais; despesas legais, contábeis,de contrato e com arquitetos; despe-sas promocionais; e um fundo decontingência grande o suficiente parasuprir os excessos [...]”

Para Chiavenato (1995, p. 29), afixação do capital depende de algunsfatores, como o ramo de negócio a serexplorado, do produto ou serviço a serofertado e do mercado a ser atendido.Alerta ainda que há produtos eserviços que proporcionam umretorno muito lento e a longo prazo,enquanto outros proporcionam umalucratividade rápida.

Não raro, as economias acu-muladas se revelam insuficientes, e oempreendedor recorre, para com-plementar seu capital inicial, aempréstimos em bancos, com amigos,parentes, ou mesmo valem-se de

limites do cheque especial, etc. Alémde conhecer a necessidade de capital,o empreendedor deve conhecer osriscos a que está sujeito, uma vez quea decisão não é tomada tendo totalcerteza em relação ao resultado quepossa ser obtido.

Também o empreendedor, mesmoque intuitivamente, deve considerarque o retorno a ser alcançado éproporcional ao montante investidoassociado ao tipo de investimentorealizado. Neste caso, deve esperarbaixos retornos em investimentos debaixo risco e, para investimentos deriscos maiores, retornos mais altos.

Assim, se investir em um tipo denegócio onde não haja barreiras deentrada ou que o montante derecursos investido seja baixo, deve-seesperar um retorno pequeno. Poroutro lado, se os recursos sãolimitados, investir em um negócio derisco elevado, embora atrativo, requercerta dose de ousadia.

Para a abertura de uma empresa,o empreendedor deve realizarestudos de viabilidade relativamenteà remuneração do seu investimento.No entanto, parece que esta condiçãonão é plenamente satisfeita haja vistao elevado número de empresas quesão abertas anualmente e o númerode mortalidade. Tomando-se apenaso Estado de São Paulo, conformeatesta o SEBRAE-SP (2004, p. 19),entre o período de 1999 a 2001, onúmero de novas empresas regis-tradas na JUCESP estava na ordemde 130.000 ao ano.

Em que pese o espírito empre-endedor, o mercado é implacável comaqueles que não estejam preparadosou que não analisaram cuidado-samente os riscos, proporcionandoelevada mortalidade de empresas.

Conforme o SEBRAE-SP (2004,p. 18), 31% das empresas não chegama concluir o primeiro ano de vida;37% não atingem o final do segundoano; 49% encerram as atividadesantes do terceiro ano; 53% não ultra-passam o quarto ano; e, 60% fechamantes de concluir o quinto ano.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

MORTALIDADE DE PEQUENAS EMPRESAS: UMA ANÁLISE FINANCEIRA E ECONÔMICA

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Considerando a relação risco eretorno para os investimentos e ovolume limitado de capital que osempreendedores dispõem, questio-na-se até que ponto o negócio jánasce com alto nível de possibilidadede integrar as estatísticas demortalidade.

Neste sentido, o artigo discuteque ao investir, o empreendedor deveconsiderar que o retorno que podeobter aplicando seus recursos emuma empresa deve ser compatível aorisco e ao volume de capital empre-gado. Para subsidiar a discussão,consideramos a relação risco –retorno e o custo de oportunidade docapital investido.

Não é objetivo deste artigo discutiraspectos relacionados à importânciadas pequenas empresas para aeconomia do País, nem tampoucodiscutir as causas encontradas naliteratura sobre a mortalidade dessasempresas. Objetiva-se trazer à discus-são que uma provável causa do elevadonúmero de mortalidade de empresasdeve-se à não consideração dessasregras financeiras e econômicas.

IMPORTÂNCIA DO TEMA PROPOSTO

As pequenas empresas têm umaimportância fundamental para osistema socioeconômico do País. O

SEBRAE-SP, em sua página naInternet do dia 23 de março de 2005(www.sebraesp.com.br), destacavaque as micro e pequenas empresasna economia brasileira respondempor 99% das empresas, 67% dasocupações e 20% do PIB.

Apesar da importância destasempresas, o panorama de sobrevi-vência apresenta um índice elevadode mortalidade.

Conforme relatório de pesquisa“Fatores Condicionantes e Taxa deMortalidade de Empresas no Brasil”(SEBRAE, 2004, p. 15-16) – pesquisarealizada no primeiro trimestre de2004, que avaliou a taxa de mortali-dade das micro e pequenas empresasbrasileiras e os seus fatores causaisreferentes a empresas constituídasnos anos de 2000 a 2002 – apontapara este fenômeno, em primeirolugar, como causas, questões rela-cionadas a falhas gerenciais nacondução dos negócios, entre elas,falta de capital de giro (descontroledo fluxo de caixa), problemasfinanceiros (endividamento), pontoinadequado e desconhecimentosgerenciais. Em segundo lugar encon-tram-se as causas conjunturais – faltade clientes, maus pagadores erecessão econômica do País.

Das empresas que encerraramsuas atividades, aponta o estudo do

SEBRAE (2004, p. 16-17), 96%compreendem microempresas, comum capital médio investido entre R$25,7 mil a R$ 33,2 mil, sendo 74% derecursos próprios como origem docapital investido. Destas, apenas 6%situavam-se na faixa de faturamentoacima de R$ 120 mil/ano.

Conforme o SEBRAE-SP (1999,p. 35), a questão da mortalidade nãopode ser atribuída a apenas um fatorisoladamente, salientando que aschances de uma empresa encerrarsuas atividades dependem de umconjunto de fatores, que combinadospodem ampliar ou reduzir o risco defechamento das empresas. O quadroabaixo indica esses fatores.

Na literatura encontramos outrosautores que apontam diferentesrazões para o fracasso das pequenasempresas.

Degen (1989, p. 67-68) consideraa falta de habilidades administrativas,financeiras, mercadológicas outecnológicas dos empreendedores, asquais se manifestam através de umasérie de problemas, entre eles:

♦ Falta de experiência gerencialdo empreendedor.

♦ Conhecimento inadequado domercado.

♦ Insuficiência de disponibili-dade de capital para iniciar oempreendimento.

fonte: Sebrae-SP (1999, p. 35)

Fator

1. Experiência prévia

2. Tempo de estudo antes deabrir a empresa

3. Planejamento antes daabertura da empresa

4. Administração do negócio

5. Dedicação ao negócio

6. Uso de assessoria

7. Disponibilidade de capital

8. Idade da empresa

9. Porte da empresa

Negócios com maior risco de extinção

Empreendedor sem experiência no ramo

Período curto de estudo

Falta de um planejamento prévio (ou falta deplanejamento adequado)

Descuido com o fluxo de caixa, com oaperfeiçoamento do produto e com o cliente

Parcial

Não utiliza assessoria externa

Falta de capital (capital de giro e capital próprio)

Há maior risco no primeiro ano de atividade

Estrutura exclusivamente pequena

Negócios com maiores chances de sucesso

Empreendedor com experiência no ramo

Período maior de estudo

Maior consciência sobre o negócio. Busca deinformações sobre aspectos legais,fornecedores e qualificação da mão-de-obra

Administração eficiente do fluxo de caixa eaperfeiçoamento do produto às necessidadesdo cliente. O empresário ouve o cliente einveste em propaganda e divulgação.

Exclusiva

Utiliza assessoria externa

Certa disponibilidade

Empreendimento mais maduro tem menorprobabilidade de fechar

Estrutura maior

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♦ Localização errada.♦ Capitalização excessiva em

ativos fixos.♦ Crescimento mal planejado.Tachizawa e Faria (2002, p. 69)

enumeram os principais motivos paraa empresa ser fechada ou deixar defuncionar:

♦ Falta de capital de giro.♦ Falta de crédito.♦ Problemas financeiros.♦ Maus pagadores.♦ Falta de clientes.♦ Concorrência muito forte.♦ Instalações inadequadas.♦ Ponto inadequado.♦ Carga tributária elevada.♦ Falta de mão-de-obra qualifi-

cada.♦ Falta de conhecimentos geren-

ciais.♦ Recessão econômica do País.Chér (1990, p. 32-33) apresenta

algumas causas que influenciam ofracasso da pequena empresa, entreelas:

♦ A falta de experiência anteriorno ramo de negócio.

♦ A falta de conhecimento de ins-trumentos de administração.

♦ A falta de recursos e dificul-dades na obtenção de créditose financiamentos.

♦ A falta de profissionais bemqualificados, treinados e moti-vados.

♦ As burocracias legais.♦ A imposição de preços por

parte de grandes fornecedorese grandes clientes.

♦ Manutenção de maus paga-dores na carteira de clientes.

♦ A não distinção entre empresae empresário, havendo confu-são entre os bens deste com osda empresa.

Pinheiro (1996, p. 9) apontaalguns fatores que restringem asoportunidades de participação daspequenas empresas na atividadeeconômica do País, entre eles:

♦ Opressão da grande empresaconcentradora de capital e detecnologia.

♦ As limitações naturais demercado.

♦ A dificuldade de obtenção derecursos financeiros.

Observa-se, pelos fatores apon-tados acerca do insucesso das pe-quenas empresas, a ausência de umfator relacionado à combinação ris-co e retorno e também, ao custo deoportunidade do capital investido.

Nesse sentido, considera-se queo objeto de discussão do presenteartigo é de fundamental importânciae que deveria ser analisado quandoda decisão do investimento, uma vezque não se pode esperar um retornoalém daquele que o capital investidoe o nível de risco a que se sujeitam osempreendedores, possam propor-cionar.

O cenário de mortalidade dessasempresas permite-nos considerar queos empreendedores que não obtêmsucesso desconhecem o pressupostobásico de finanças acerca da renta-bilidade do capital investido e, depoisde iniciado o negócio, percebem quea remuneração não é capaz de sa-tisfazer suas necessidades, passandoa consumir o próprio capital daempresa. A esse respeito, Degen(1989, p. 45) diz:

“A lucratividade de um negóciodeve remunerar o empreendedor pelorisco do empreendimento e, por isso,deve ser bem superior, por exemplo,a uma aplicação em caderneta depoupança, onde o risco é mínimo. Seo negócio considerado não tiver essalucratividade superior, é preferívelque o empreendedor aplique seudinheiro no mercado financeiro e nãodesenvolva o empreendimento”.

METODOLOGIA

O trabalho foi desenvolvido como apoio de uma pesquisa bibliográficaacerca da mortalidade das pequenasempresas e os fatores que contribuempara isso. Subsidia a análise dascausas da mortalidade, a questão dorisco e retorno do investimento e ocusto de oportunidade do capital

aplicado nas empresas. A pesquisabibliográfica, conforme Cervo eBervian (2002, p. 65), procuraexplicar um problema a partir dereferências teóricas publicadas.Lakatos e Marconi (1994, p. 183)dizem que a pesquisa bibliográficanão é mera repetição do que foi es-crito sobre o assunto, mas propicia oexame de um tema sob novo enfoqueou abordagem.

RISCO E RETORNOE INCERTEZA

Risco e retorno podem ser en-tendidos como a base que orienta asdecisões racionais. Em geral, aspessoas apresentam um comporta-mento típico de aversão ao risco,porém, diante da aceitação do risco,exigem um retorno que seja ade-quado. Essa condição é própria doser humano.

Assaf Neto (2003, p. 213) chamaa atenção de que a postura de uminvestidor em relação ao risco épessoal. Sendo assim, cada investidortem suas preferências a respeito. Aliteratura de finanças, ao discorrersobre as formas de minimizar o risco,considera a diversificação, ou seja,por meio de uma combinação deativos em uma carteira é possível umrisco menor que aquele calculadopara um ativo individual. Assim, umacerta proporção do risco acaba sendoreduzida, podendo desaparecer coma diversificação.

Salienta-se que, mesmo com umacarteira diversificada, a redução dorisco ocorre até um certo limite,sendo possível minimizar o risco, masnão eliminá-lo por completo, istoporque há componentes do risco queestão sempre presentes nas carteirase decorrem de flutuações do sistemaeconômico como a taxa de juros, onível de inflação, o processo político,etc. Este componente do risco échamado de risco sistemático ou não-diversificável.

Por outro lado, a combinação deativos com risco pode minimizar o

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MORTALIDADE DE PEQUENAS EMPRESAS: UMA ANÁLISE FINANCEIRA E ECONÔMICA

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denominado risco diversificável, oqual é atribuído a eventos específicosda empresa, como a perda de umcliente importante, greves e outrosque afetam um ativo individual-mente.

O risco está associado à incertezaquanto ao retorno dos investimentos,ou seja, compreende a probabilidadede se obter resultados diferentesdaqueles esperados. Considere, paraefeito de ilustração, que um investidordisponha de certa importância emdinheiro e resolva aplicar em umtítulo oferecido pelo gerente do bancocom uma remuneração de 1,5% por30 dias. O investidor desconsideraqualquer possibilidade de inadim-plência por parte do banco. Ao finaldeste prazo, receberá exatamente ovalor esperado. Em uma situaçãocomo esta, pode-se considerar quenão há risco na aplicação tendo emvista que não houve variabilidade doretorno esperado. Do contrário, casoaplicasse em um título cuja remune-ração não fosse prefixada, é possívelque a remuneração fosse diferentedaquela esperada, configurando-sedessa forma, em risco.

Neste segundo cenário, o investi-dor somente aceitaria correr o riscose percebesse a possibilidade de umretorno superior comparativamenteao investimento que julgar sem risco,e, quanto maior a variabilidade,maior será o retorno exigido. Im-portante ressaltar que havendo risco,o retorno tanto pode ser positivocomo negativo.

O empreendedor, quando decideaplicar seus recursos em um negóciodeve estar consciente dos riscosexistentes.

Relação entre Risco e Retorno

O empreendedor deve conhecera relevância do risco e do retornoantes de decidir aplicar seus recursosem um negócio. Se estiver analisandodois investimentos que prometemretornos iguais, racionalmenteescolhe aquele de menor risco. Inves-

timentos mais arriscados exigem umacompensação maior.

Assim, há uma relação entre orisco e retorno, conforme pode serobservado no Gráfico 1.

Observa-se por este gráfico queno nível de risco zero, há um retornomínimo Y1. Em geral, o mercadoconsidera como investimento livre derisco os títulos do governo. Tais títulossão considerados livres de risco, poisé pouco provável que ocorrainadimplemento ou iliquidez,embora, salienta Gitman (1997, p.46), eles sofrem “risco de vencimento,ou da taxa de juros”. Para o autor, astaxas de juros podem se alterar nofuturo, afetando os vencimentos maisdistantes comparativamente aos ven-cimentos imediatos. Finaliza o autor,“conseqüentemente, quanto maisdistante for o vencimento de um títulodo Tesouro (ou de qualquer outro),maior será o risco da taxa de juros”.

Consideremos, no caso brasileiro,a caderneta de poupança como umaopção de investimento livre de risco.Desse modo, outros investimentos,comparativamente à caderneta depoupança, são mais arriscados. As-sim, o empreendedor que considerarconstituir uma empresa estará bus-cando um prêmio pelo risco, ou seja,um adicional de remuneração emrelação à remuneração da cadernetade poupança. Retomando ao Gráfico1, para o nível de risco X1, tem-se umretorno Y2. Assim, o prêmio pelo riscodesse investimento é dado peladiferença de retorno Y2 – Y1. O mesmoraciocínio se aplica ao investimentomais arriscado X2.

O prêmio pelo risco, conforme

Pindyck e Rubinfeld (2002, p. 156),compreende a soma máxima emdinheiro que uma pessoa que temaversão ao risco pagaria para evitarassumir determinado risco.

Pessoas que têm aversão ao risco,conforme Pindyck e Rubinfeld (2002,p. 157), preferem aplicar seusrecursos em ativos que possuem umavariabilidade menor de resultados.

Definindo o Nível de Risco

Ao contrário de outras, determi-nadas empresas possuem nível baixode risco. Para efeito de comparação,considere uma empresa madura queatua em um mercado estável e outraempresa em fase de crescimento.Neste caso, a primeira empresaapresenta um nível de risco maisbaixo que a outra.

Do mesmo modo, pode-se atri-buir nível de risco diferente, consi-derando um segmento de mercado jásaturado e outro em fase de expansão.Para o segmento já saturado, o riscopode ser considerado baixo com umnível compatível de retorno. Por outrolado, em um segmento em expansão,o risco pode ser considerado maiselevado, portanto o investidor exigeretornos maiores.

Esta situação é válida tambémpara os empreendedores que plane-jam constituir sua própria empresa.Se escolher investir em um negóciode um segmento já saturado, de baixorisco, seu retorno será baixo.

Normalmente, é mais fácil preveros retornos quando se atribui baixorisco do que prever os retornosquando se atribuem riscos mais altos.Para Gropelli e Nikbakht (1998, p.72), isto porque a volatilidade dosretornos de uma empresa de baixorisco é em geral baixa, enquanto osretornos de empresas de alto riscoestão sujeitos à volatilidade.

Um empreendedor que possuicapital limitado e aversão ao riscodeve sentir-se mais confortável aoinvestir em negócios com estascaracterísticas.

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Incerteza

A incerteza no âmbito deste artigodiz respeito à ausência de plenosconhecimentos ou informaçõesacerca dos acontecimentos futuros,quando o empreendedor decide porum investimento.

Por certo, ao abrir um negócio,o empreendedor levanta o máximode informações sobre o mercado queirá atuar, como clientela em poten-cial, fornecedores, concorrentes,implicações legais, etc., de forma aminimizar suas incertezas. Acrescen-tam-se como situação de incerteza osacontecimentos futuros relacionadosa fatores políticos, econômicos esociais.

A esse respeito, Chiavenato(1995, p. 30) diz que nas situaçõesde incerteza, o tomador da decisãotem pouco, ou nenhum, conheci-mento ou informação em que possabasear-se para atribuir probabilidadea cada estado da natureza ou a cadaevento futuro.

Ao discorrer sobre incerteza,Rocha (2002, p. 43) enuncia que “adefinição mais tradicional paraincerteza é oferecida por Knight(1921), que distingue dois tipos deincerteza: a mensurável e a nãomensurável”.

Continua Rocha dizendo que oautor definiu a primeira como risco,característico de situações cujaaleatoriedade pode ser expressaobjetivamente em termos de probabi-lidade. Já a incerteza não mensurável,que conforme Knight é a verdadeiraincerteza, corresponde a eventos aosquais não é possível associar valoresde probabilidade.

Assim, a incerteza é associada àocorrência de eventos não esperados,os quais acabam representandocustos adicionais.

A possibilidade de ocorrência detais custos não pode ser descon-siderada pelo empreendedor quandode sua decisão de investir em umnegócio.

Custo de oportunidade

O custo de oportunidade paraPereira (2000, p. 140) pode ser enten-dido como parte do estudo docomportamento humano, ou comoum elemento da teoria econômica querelaciona a tomada de decisão à buscade uma situação ideal de otimização.

Por este enfoque, qualquer deci-são pressupõe a existência de mais deuma alternativa viável que concorrepelos mesmos recursos. Ao decidir-sepor uma delas, automaticamentedescarta-se a outra alternativa e,conseqüentemente, os benefícios queela proporcionaria.

Nesse sentido, o conceito de custode oportunidade, segundo Pereira etal. (1990, p. 8), tanto em Economia,como em Contabilidade e Finanças,tem como fundamento a questão daescolha entre alternativas de utili-zação de recursos.

Diante dessas considerações,pode-se dizer que o custo de oportu-nidade compreende um parâmetro aser considerado pelo empreendedorquando resolve implementar umnegócio. Exemplificando, um empre-endedor ao aplicar seus recursos emum negócio, tem em mente aobtenção de uma remuneração queseja satisfatória. Neste caso, o conhe-cimento do custo de oportunidadepermite dizer se os resultados pre-tendidos estão sendo alcançados.Consideremos que o empreendedordisponha de R$ 50.000,00 de recur-sos, estando estes aplicados nomercado financeiro recebendo umaremuneração de 15% ao ano.

Redirecionando esses recursospara um negócio próprio, espera umaremuneração compatível com aquelaque se está abandonando, ou seja, R$7.500,00 pelo mesmo período detempo, considerando que o valor demercado do negócio não se alterasse.Se ao final do período considerado, olucro apurado pelo empreendimentofor inferior aos R$ 7.500,00, podemosconsiderar que está perdendo dinhei-

ro. Do contrário, se o lucro alcançadosuperar os R$ 7.500,00, podemosconsiderar a diferença como o lucrogerado pela decisão tomada.

Outra situação que ilustra o custode oportunidade é quanto ao empre-endedor estar empregado em umaorganização com determinado saláriomensal. Ao decidir se desligar dessaempresa para empreender seupróprio negócio, deve computar nocusto deste empreendimento o salárioque deixa de receber da empresaatual, pois este seria o uso alternativode sua mão-de-obra.

Assaf Neto (2003, p. 165) alertaque, para definir o custo de opor-tunidade, deve-se comparar investi-mentos de riscos semelhantes. Parao autor, não faz sentido comparar ataxa de retorno de uma decisão comrisco com os ganhos oferecidos poruma alternativa sem risco. Nestecaso, considera que essa diferença émais bem entendida como sendo umprêmio pelo risco incorrido.

Assim, o custo de oportunidadedo capital investido pelo empreen-dedor deve compreender aquelaremuneração que obteria em uminvestimento descartado ao mesmonível de risco, e não à simplescomparação com um investimento derisco diferente.

LIMITAÇÕES DE CAPITAL EMORTALIDADE DAS EMPRESAS

Trabalhos publicados – artigos derevistas, congressos, livros, etc.,relacionados à mortalidade deempresas, em geral, dizem respeitoa dificuldades diversas que osempreendedores não conseguemsuperar, o que acaba conduzindo aofracasso.

Em muitos desses trabalhos, osautores chamam a atenção de que oempreendedor tem como disponibili-dade apenas o capital inicial. Aliadoà falta de um estudo mais aprofunda-do sobre o negócio, que demandariarecursos, e assim, consumiria parte

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MORTALIDADE DE PEQUENAS EMPRESAS: UMA ANÁLISE FINANCEIRA E ECONÔMICA

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de seu limitado capital, acaba sendoum desafio maior para iniciar emanter o negócio.

Degen (1989, p. 47) descreve quenegócios com boa lucratividadegeralmente possuem alguma formade proteção contra a concorrência,como por exemplo, localizaçãoprivilegiada, economia de escala ecapital disponível. No entanto,salienta o autor, os pequenos negóciosem sua fase inicial raramente têmalguma dessas proteções.

Para Degen (1989, p. 48), aprobabilidade de sucesso dessasempresas depende das barreiras àentrada e o montante de capitalinicial contribui para a formação debarreiras de entrada de novosconcorrentes.

Em relação ao segmento demercado, conforme o SEBRAE (2004,p. 31), 51% das empresas extintaspertencem ao Setor de Comércio e46% ao Setor de Serviços. Quanto àlimitação do capital inicial, constata-se, conforme o SEBRAE (2004, p. 17),que o Capital Médio Investido pelasempresas extintas oscilou entre R$25,7 mil a R$ 33,2 mil, entre os anosde 2000 a 2002.

Aliando esses dois fatores, é justoconsiderar que o setor de atividadeescolhido apresenta um nível baixo deproteção contra as barreiras deentradas e que, em relação ao risco eretorno, é justo considerar que essesinvestidores não aplicariam seusrecursos em negócios que repre-sentassem risco elevado, uma vez queo insucesso representaria a perdadestas economias.

Nestas condições, para omontante de capital investido, consi-derando a remuneração de 6% ao anoda caderneta de poupança, o custo deoportunidade seria aproximadamenteR$ 2.000,00 ao ano, o que corres-ponde a R$ 166,00 mensais. Comocitado por Chér (1990, p. 32-33), quea não distinção entre empresa eempresário é uma das causas dofracasso para as pequenas empresas,é conveniente admitir que essa

remuneração não é adequada àsnecessidades de consumo dos empre-sários, e que, retirando da empresaimportância maior, estariam consu-mindo seu capital.

CONCLUSÃO

Podem ser atribuídos diferentesfatores de insucesso para as pequenasempresas, conforme se constata nostrabalhos publicados – artigos derevistas, congressos, livros, etc. – pordiferentes pesquisadores, inclusivepelo SEBRAE. No entanto, não seriaracional considerar, à luz dosconceitos financeiros e econômicos,que investimentos de baixo risco epequeno volume de capital sejamcapazes de atender adequadamenteas necessidades dos empreendedores.

O que se pode considerar é que oempreendedor não atende estes

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Desse modo, é razoável admitirque uma das principais causas doelevado índice de mortalidade dasempresas ainda nos primeiros anosde vida é devido à não adequação domontante de capital disponível aonegócio proposto, associado àremuneração exigida.

Conclui-se que a empresa nascidanestas condições possui um alto nívelde possibilidade de integrar asestatísticas de mortalidade. �

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AVALIAÇÃO DOS INVESTIMENTOS EMTECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (TI) COM FOCOEM PROJETOS WEB: ESTUDOS DE CASOS

CLAUDIA APARECIDA DE MATTOS

As potencialidades da inovação e os novos

caminhos para realizar as tarefas dentro das

organizações são requeridos constantemente. O

desenvolvimento de novos produtos, os serviços e

processos são condições essenciais para a

sobrevivência da empresa a médio e longo prazo.

Neste cenário, a Tecnologia da Informação (TI)

assume um papel importante como um elemento

que viabiliza e potencializa estes objetivos dentro

da organização. Assim sendo, os investimentos em

TI necessitam ser selecionados e alinhados com a

missão da empresa, proporcionando ganhos,

realçando competências e permitindo redução dos

custos. Neste contexto, o presente trabalho tem

por objetivo efetuar uma revisão teórica dos

métodos de avaliação de investimentos em TI e

analisar, através de dois estudos de casos, a

aderência dos critérios utilizados com a realidade

das organizações aos seus processos decisórios, a

fim de investigar a aplicabilidade destes métodos

na prática da gestão dos Projetos de TI.

The potentialities of innovation and the new

ways to carry out tasks in the organizations are

required constantly. The development of new

products, services and processes are essential

conditions for the survival of the company in the

medium and long run. In this scenario, Information

Technology (IT) assumes an important role as an

element that enables the achievement of these

objectives in the organization. Therefore, IT

investments need to be selected and aligned with the

mission of the company, providing profits, enhancing

abilities and allowing costs reduction . Thus, the

objective of this study is to investigate, through two

case studies carried out in companies which are

investing in projects based on the Internet, the

application of the portfolio approach in the evaluation

of the investments, comparing the adherence of the

criteria of these methods to the reality of the

organizations and to their decision processes, in order

to analyze the applicability of these methods in the

daily practice of the management of IT Projects .

Palavras-chave: Tecnologia da Informação; portfolio;

avaliação; Internet

Keywords: Information Technology; portfolio;

evaluation; Internet

CLAUDIA APARECIDA DE MATTOS é Mestre e Doutoranda em

Engenharia de Produção e Professora dos Departamentos

de Administração e Ciência da Computação do Centro

Universitário da FEI.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

AVALIAÇÃO DOS INVESTIMENTOS EM TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (TI) COM FOCO EM PROJETOS WEB

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Conforme Smithson e Hirschheim(1998), as pressões para reduzircustos e melhorar a qualidade dosprodutos e serviços aos clientescolocam as organizações diante danecessidade de reverem seus pro-cessos e de transformarem seusmodelos de negócios. Assim sendo, aTecnologia da Informação (TI)assume um importante papel dentrodas organizações, no sentido deviabilizar esses requisitos para que aorganização possa buscar e mantersua competitividade. Diante disso, oque se vem observando por parte dasorganizações é o alto investimento emTI, o qual vem se intensificando prin-cipalmente em função da Internet.

Paralelamente aos altos valoresinvestidos, surge uma discussão quenão é nova, mas que vem ganhandoforça nesses últimos tempos, a respei-to do paradoxo da produtividade (oquestionamento do real impacto dessesinvestimentos sobre a produtividade daorganização e seu retorno financeiro)que tem sido estudado por váriospesquisadores, entre os quais podemosdestacar: Roach (1991), Strassmann(1990) e Brynjolfsson (1993).

Ao mesmo tempo em que surgea pressão pela justificativa dosinvestimentos, surge também adificuldade de avaliá-los, pois ocontexto da aplicação dos recursosda TI também mudou e os aplicativosestão sendo utilizados para arealização de tarefas mais complexase sofisticadas. Assim, ocorremganhos que são difíceis de mensurar.Além disso, até pouco tempo atrásnão havia metodologias disponíveispara um estudo mais criterioso nessesentido, e nem interesse por parte dasorganizações em fazê-lo.

De acordo com Smithson eHirschheim (1998), a noção de seutilizar recursos TI estrategicamentepara ganhar vantagem competitivacriou problemas para sua avaliação.Muitos desses investimentos sãodifíceis de serem avaliados, poispossuem fortes elementos de risco e

incertezas referentes aos resultadosfinais a serem obtidos com a imple-mentação de determinados aplicativos.

Além disso, a TI figura comoparte da transformação dos negócios,gerando outro elemento que dificultacapturar os benefícios. Clemons(1991) argumenta que a avaliação éessencial e requer conhecimentosdiferentes daqueles tradicionalmenteassociados ao gerenciamento de TI.Muitos dos cálculos e consideraçõesestão longe dos métodos tradicionaisde análise de custo benefício, sendonecessária uma revisão dos métodostradicionais e das novas abordagens,no sentido de verificar sua aderênciaao contexto atual dos investimentosem TI.

Assim, o objetivo principal destapesquisa é analisar o contextoorganizacional e sua influencia naquestão da avaliação dos investi-mentos em TI e como os métodos degestão de portfolio podem serutilizados para avaliá-los. Para estefim, efetua-se um comparativo entreos critérios considerados nessesmétodos e os critérios utilizados naprática, as limitações de cada um esua aplicabilidade no que se refere àpriorização e justificativa dos projetosde investimentos em TI com orienta-ção estratégica. O estudo da aplicaçãodesses métodos será analisado na fasede seleção dos projetos, com foco empropostas de investimentos queenvolvam aplicativos Internet.

REFERENCIAL TEÓRICO

Para a avaliação dos investimen-tos em aplicativos de TI, é necessárioganhar conhecimento e insight emdiferentes aspectos. É importante teruma clara visão da relevância doscritérios de avaliação, das circuns-tâncias em que esses critérios sãoutilizados e como estão inseridos noprocesso de avaliação. Autores comoFarbey,1993; Serafeimidis, 2002;Hirschheim e Smithson,1988, men-cionam em seus trabalhos que o

conteúdo da avaliação adotada estárelacionado diretamente ao contextoorganizacional e ao processo deavaliação presente na organização,indicando fatores multidimensionaisna questão das abordagens paraavaliação de TI.

O estudo do contexto da avaliaçãodeve incluir os fatores externos einternos que influenciam a avaliaçãoe a sua gerência. A finalidade, o papele os objetivos, e mesmo os partici-pantes da avaliação são definidos epodem ser mudados pela interaçãoconstante da avaliação com seucontexto.

Contexto Organizacional – Papelda TI nas Organizações

O tema da avaliação está sendopesquisado há vários anos, mas umponto importante que deve serdestacado e que influi no contexto daAvaliação é a mudança do papel daTI no contexto dos negócios.

Laurindo (2002) relaciona a TIà estratégia e à operação do negócioda empresa, com base em dois auto-res: o Grid Estratégico de McFarlan(1984) e a matriz de intensidade deinformação de Porter & Millar (1985).

McFarlan (1984) menciona que oGrid Estratégico permite analisar oimpacto de aplicações de TI presentese futuras no negócio da empresa. OGrid é dividido em quatro quadrantes,cada um representando uma situaçãopara a organização, conforme deta-lhado a seguir:

� Quadrante Fábrica: organiza-ção que depende de TI paraoperações rotineiras, mas nãoestão previstas novas aplica-ções que tenham impactoestratégico.

� Quadrante Suporte: organizaçãoque não depende acentua-damente no presente de TI enem vai aprimorá-la no futuro.

� Quadrante Transição: organi-zação que não depende total-mente da TI já existente para

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2456

funcionar, mas planeja novosaplicativos de TI para alcançaros objetivos organizacionais.

� Quadrante Estratégico: asaplicações de TI são críticaspara as operações existentes,e usos planejados de TI sãocríticos para o sucesso futuro.

O Grid Estratégico permite vi-sualizar o posicionamento da TI naestrutura organizacional e a formacomo a TI será gerenciada. ConformeLaurindo (2002), se a empresa estiverno quadrante suporte, não há necessi-dade de um posicionamento de desta-que na hierarquia da empresa, vistoque ela teria menor influência nasestratégias atual e futura do negócio.

Segundo Laurindo (1995 e 2000),a TI evoluiu de uma orientaçãotradicional de suporte administrativopara um papel estratégico dentro dasorganizações. Assim, a TI passou aser vista como arma estratégicacompetitiva.

TI e Processos de negócios

Davenport (1993) comenta que oparadoxo da produtividade pode tercomo uma provável causa o não-aproveitamento total da capacidadeda TI de mudar a maneira pela qualo trabalho é feito. Segundo Davenport(1993), a melhoria e a reengenhariados processos são a grande esperançade obter maior valor dos enormesgastos com TI (fig.1). O pressupostoimplícito de que a TI permite que osprocessos existentes sejam executadosde maneira mais rápida, ou commenos recursos, sem dúvida tem semostrado correto em certos am-bientes, mas a ausência de vantagemmacroeconômica evidente com a TIsugere que o pressuposto necessitaser explicitado e testado.

Revisão dos Métodos deAvaliação de TI

Os métodos a serem revisadosneste estudo estão baseados em novosdesenvolvimentos que visam atualizaras metodologias desenvolvidas aolongo dos últimos anos. Procurou-seidentificar na literatura os métodosque levam em conta as implicaçõesqualitativas e quantitativas e quevisam determinar o valor de TI paraa organização.

Venkatraman (1998) menciona anecessidade de desenvolver uma lógi-ca para reconhecer as regras de TIcomo parte das operações denegócios. Segundo Venkatraman(1998), muitas empresas enxergam osaplicativos de TI como ferramentaoperacional, uma plataforma dehardware ou como software – umasolução tecnológica para resolverproblemas ao invés de enxergar comouma plataforma para criar um novomodelo de negócio. Poucas organiza-ções consideram a TI como umdirecionador de capacidades emnovos negócios.

Métodos com abordagem finan-ceira são tradicionalmente prescritospara avaliar e selecionar propostas deinvestimentos corporativos. Essesmétodos têm foco no fluxo de caixacomo resultado do investimento feito.Os métodos usados mais fre-qüentemente são:

� Pay –Back.� Taxa Interna de Retorno.� Valor Presente Liquido.Críticos do método tradicional de

avaliação argumentam que tal méto-do não permite que gerentes tomemimportantes decisões estratégicas.Hayes & Garvin (1982) mencionamque o uso extensivo do DFC (FluxoCaixa Descontado) pode ter sido

responsável por um declínio de gastosde capital em muitas empresas, fatoque tem causado um declínio em suacompetitividade.

Neste contexto, torna-se impor-tante analisar modelos de avaliaçãoque se contrapõem com os métodostradicionais, que permitem esta-belecer um link entre negócios einvestimentos em TI.

Venkatraman (1998b) destacaque a análise Investimento em TIbeneficiará a adoção de um métodocomo opções reais em oposição aotradicional Fluxo de Caixa. Venka-traman (1998) destaca em seu artigoque uma das dimensões chaves paraum perfil de Centro de Valor para asorganizações seria as métricas deperformance e, dentro do componen-te Centro de Investimento, o quedeveria ser levado em conta é a efi-cácia do portfolio do investimento,tomando como base critérios finan-ceiros e qualitativos.

Método Portfólio propostopor Tjan (2001)

Tjan (2001) avaliou as oportu-nidades da Internet que vão desde demelhorias na operação até seu novomodelo de negócio através do modelode portfolio. No planejamento domodelo proposto, a posição demercado e a atratividade da indústriasão substituídas por viabilidade donegócio e adaptação do negócio.

A viabilidade captura os dadosquantitativos sobre os investimentos,o alinhamento é qualitativo e mede ograu como os investimentos seajustam com os processos existentes:capacidades e cultura. A escolhadesses dois critérios reflete uma sim-ples, mas crucial observação sobre ahabilidade da companhia em capita-lizar as oportunidades da Internet.

Avaliando as iniciativas Internetpor viabilidade e alinhamento, a com-panhia pode pensar praticamente eholisticamente sobre o portfoliodigital.Figura1 - A relação Tecnologia da Informação - Processo - Produtividade (Davenport, 1993)

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AVALIAÇÃO DOS INVESTIMENTOS EM TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (TI) COM FOCO EM PROJETOS WEB

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Para o desenvolvimento destemodelo (figura 2), foram definidosos critérios quantitativos, com rank0-100 pontos no que se refere àparte de Viabilidade.

Para o eixo Y - Critérios Quantita-tivos - rank 0-100 pts� Valor potencial de mercado� Tempo para fluxo caixa

positivo� Recursos (financiamento)� Número de pessoasPara o eixo X - Alinhamento,

foram estipulados 5 critérios qualita-tivos :� Alinhamento com as capacida-

des essenciais� Alinhamento com outras

iniciativas da empresa� Alinhamento com estrutura

organizacional/processsos� Alinhamento com a cultura e

com os valores da companhia� Facilidade de implementação

técnicaEsses critérios são pontuados ao

longo de três escalas:� Baixo� Médio� Alto

Opções Reais (Luehrman, 1998)

Ao longo dos anos, a Teoria deOpções Reais passou do mundoacadêmico para o mundo das finan-

ças corporativas com a introdução demodelos matemáticos simplificados erobustos que permitiram a utilizaçãoda teoria nos mais variados temas eem diversos segmentos da indústria,sempre com o intuito de valorarativos, inclusive projetos e carteirasde projetos, ou mesmo uma empresainteira (COPELAND et al., 2000;BIELOSSI, 1996).

Yeo & Qui (2003) mencionam quepara utilizar a abordagem da teoriadas Opções torna-se necessáriodefinir os tipos de opções encontradasnos investimentos da tecnologia,permitindo que os responsáveis pelasdecisões identifiquem a importânciarelativa das várias opções.

Segundo Luehrman (1998b), aabordagem das Opções permiteincorporar as incertezas inerentes aonegócio e ajuda os executivos apensarem estrategicamente, captu-rando o “valor” de um projeto. Aoavaliar um projeto de investimento,é necessário que se considere apossibilidade de adiar o investimento,para que se possa aguardar por novasinformações e, desta forma, resolveralgumas incertezas, e/ou esperar queas condições para a realização doinvestimento melhorem. Raramenteum investimento é do tipo “agora oununca”. Contudo, consideraçõesestratégicas podem fazer com que asfirmas antecipem os investimentos,

visando, por exemplo, inibir a entradade competidores, efetivos ou poten-ciais, na indústria.

A outra medida de valor refere-se à volatilidade ou incertezascontidas no seu projeto. SegundoLuehrman (1998a), se o projeto queestá sendo avaliado pode ser adiado,então neste período de tempo o valordo ativo pode mudar e afetar adecisão de investimento. O únicocaminho para medir incertezas éavaliar as probabilidades. A variânciaacumulada é uma boa opção paramedir as incertezas associadas comprojetos de investimentos. Luehrman(1998a) sugere utilizar a variância dosretornos dos projetos e multiplicarpelo número de períodos (t) paraobter a variância acumulada.

ESTUDO DE CASO E RESULTADOS

Caso A - Descrição da Empresa

Fundada há 30 anos, a empresaA nasceu com o objetivo de fornecervales-refeição. Trata-se de umaempresa de capital 100% nacional,que ocupa posição de destaque nosetor de refeição-convênio no Brasil.

A empresa é diversificada eoferece um amplo portfolio deprodutos. Além dos tradicionaistickets, ela possui também produtoscomo produto de crédito pessoal,seguros de vida e previdência e o valedesconto - sistema de cuponagempara os segmentos de fast food eentretenimento.

A área de TI conta atualmentecom 80 funcionários e o CIO (ChiefInformation Officer) reporta-sediretamente ao CEO (Chief ExecutiveOfficer) da empresa.

Como a empresa seleciona seusprojetos de investimentos em TI ?

Um dos pontos pesquisados foientender como a empresa selecionaseus projetos de investimentos (prin-

Figura2 - Mapa para Internet (Tijan, 2001)

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2458

cipalmente os projetos relacionadoscom a Internet) e os métodos adotadospara tomada de decisão, e se realmentehá alguma formalização no processode tomada de decisão, assim comoutilização de algum modelo parajustificar os investimentos realizados.

O CIO da empresa explica quetodos os projetos são avaliados emtermos financeiros. Segundo ele, abase de tomada de decisão é o ROI(Retorno de Investimento).

Especificamente sobre os pro-jetos Web, o CIO da empresa comentaque a meta da empresa tem sido levartodos os processos e relacionamentospara a Internet, sendo que os princi-pais critérios para os investimentosrealizados pela empresa são:� ROI, conforme citado, é o prin-

cipal elemento de tomada dedecisão;

� redução do tempo de respostada operação;

� redução dos custos;� integração de informações;� potencialização das vendas

cruzadas;� relacionamento com o cliente;� possibilidade de gerar novos

produtos para a empresa.Um ponto que foi perguntado não

só ao CIO da empresa, mas tambémaos outros profissionais entrevistados,diz respeito a como eram ponderadosesses outros fatores na tomada dedecisão, pois o ROI nem semprecaptura os benefícios qualitativos deum projeto. O CIO da empresamencionou que a decisão é tomadapor comitê e embora a decisãofinanceira seja o direcionador dadecisão, a questão estratégica é umimportante fator discutido pelocomitê; mesmo que o projeto nãotenha no primeiro momento umretorno, o que se procura identificarsão os benefícios futuros. Comoexemplo, ele cita o desenvolvimentodo portal da empresa. O portalcorporativo representa uma alavancade novos negócios, porém, a decisãode desenvolver o portal foi tomada

por uma necessidade de se igualar aosconcorrentes e o retorno não foi odirecionador naquele momento, massim uma ação estratégica de alinhar-se ao mercado.

O que foi avaliado no desen-volvimento do portal, em termosfinanceiros, estava relacionado adesenvolvimento interno x terceiros,e o impacto do portal no negócio emsi não foi avaliado (métricas paraavaliar novos produtos que poderiamser lançados através do portal nãoforam quantificadas, embora tenhamsido mencionadas como um fator natomada de decisão). O investimentono portal corporativo chegou ao valorde R$ 1milhão de reais (não estáinclusa a infra-estrutura) e valeressaltar que, para muitos projetos,inclusive o portal, a empresa tambémtomou como base em sua decisão umbusiness case para alocação dosrecursos necessários.

Outro ponto mencionado pelosexecutivos entrevistados é que oinvestimento estava relacionado comlongo prazo e, portanto, tornava-sedifícil quantificar alguns benefícios,como por exemplo, novos produtos.Segundo o gerente de produtos daempresa, quando houve a decisão dedesenvolver o portal, não havia umplano de produtos para seremcomercializados pelo portal.

Com relação à empresa ter umprocesso estruturado de decisão, oque foi mencionado é que cadaprojeto tem um histórico diferente eisso é discutido caso a caso pelocomitê executivo. Em linhas gerais, aúnica técnica efetivamente adotada éo Retorno sobre o Investimento.

Outro ponto mencionado peloDiretor de TI é garantir a integraçãodos diferentes projetos em toda acorporação. Para isso, a empresainvestiu em uma ferramenta cujoobjetivo consiste no gerenciamento deprojetos via Web (Intranet), criadapela própria empresa e implantada háum ano. A ferramenta contempla adescrição dos objetivos dos projetos,

a definição de escopos, informaçõessobre o profissional que pediu aaprovação e até um processo parapriorizar cada iniciativa.

A empresa não possui um pro-cesso formalizado de avaliação paramedir o que foi implementado.

De acordo com o CIO daempresa, a maioria das empresasmede sua área de TI através deprojetos implantados no prazo edentro do orçado, redução dedespesas e aumento de produtividade.Porém, segundo ele, as empresasdeveriam observar o que aqueleprojeto pode acrescentar para aorganização. Ele comenta quenormalmente não há um processopara medir a evolução do que foiimplementado e isso é o que vemsendo discutido na empresa, pois osexecutivos reconhecem que falta umagestão eficaz dos projetos imple-mentados. Contudo, ele concorda queainda há um caminho a ser per-corrido pela empresa até alcançaresse ponto desejado.

Caso BDescrição da Empresa

O caso é de um Banco que tevesua origem a partir de uma Corretora.Atua como banco comercial e compõeum grupo de várias empresas quevêm obtendo importante destaque emseus segmentos de atuação: Ge-renciamento de ativos, seguros,previdência, capitalização.

O CIO ocupa uma posição dedestaque na organização e se reportaao Vice-presidente de Operações dogrupo. O CIO participa do comitêgestor da organização, envolvendo-se diretamente na decisão dos prin-cipais projetos da empresa e do plane-jamento estratégico da organização.

A área de TI atualmente prestaserviços ao banco, a outras empresasdo grupo e ao mercado.

A organização de TI contaatualmente com 78 funcionários,sendo dividida em três áreas: Infra-

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AVALIAÇÃO DOS INVESTIMENTOS EM TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (TI) COM FOCO EM PROJETOS WEB

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estrutura: administra a infra-estrutura interna do banco e àquelaoferecida ao mercado no modeloASP; Especificação e homologação deprojetos: desenha todas as soluções,tanto as que são desenvolvidasinternamente, quanto às desenvol-vidas por terceiros (a maioria);Desenvolvimento: fábrica de softwareque desenvolve produtos tanto parao banco quanto para o mercado.

Quadro-Resumo I - Principais pontos analisados nos estudos de caso

Comparativo entre Organizações A e B – Contexto organizacional

Quadro-Resumo II

Comparativo entre Organização A e B - Processo de Investimento

CONCLUSÃO

Cada vez mais, os executivosnecessitam justificar os recursosdestinados para tecnologia e mostrarpara a companhia o seu valor agre-gado. É exatamente nesse ponto queestá o desafio para as organizações eos executivos de TI, pois não se trataapenas de ilustrar o valor das TI´sexistentes na firma, mas sim de um

processo de transformação que deveser arquitetado cuidadosamente.

Nesse sentido, os estudos de casosrealizados neste trabalho permitemum melhor entendimento do contextoorganizacional em que se inserem odepartamento de TI e a sua gestão,indicando elementos diferenciadoresque habilitam as organizações acomeçarem a rever a questão dogerenciamento dos recursos de TI.

Tabela 1 - Sumário dos aspectos de avaliação de TI - Contexto Organizacional

Referencial teórico

Papel da TI - Modelo McFarlan(1984)

Alinhamento TI e Negócios -Modelo Henderson &Venkatraman (1993).

Tecnologia e Processos -Davenport (1993)

Gestão de TI Venkatraman(1998b)

Nível de decisão/atores envolvidosnas tomadas de decisões

Caso A

Transição - observa-se um impactovisando ao longo prazo

Perspectiva AlinhamentoA análise indica uma tendência paraperspectiva Potencial Competitivo

Não aplicou uma revisão dos processos- automação dos processos existentes -não enfatiza por enquanto a gestãopor processos

Transição de Centro de Custo paraCentro de Valor

Comitê / Observa-se uma forte atuaçãodo CEO – é realmente quem decide

Caso B

Estratégico - a TI exerce um papel que apresenta impacto nasituação atual e futura

Perspectiva AlinhamentoTransformação Tecnológica

Revisão dos Processos e mudanças na forma de trabalhar - aInternet mudou a forma de trabalho da empresa. O estudoindica ter sido um elemento que alavancou a revisão e mudançados processos. Enfatiza a importância da gestão por processos

Centro de Valor

Comitê Executivo - forte atuação do CIO

Tabela 2 - Sumário dos aspectos do processo de avaliação de TI

Critérios

Investimentos em Internet

Critérios (tangíveis,intangíveis, riscos)

Análise pós-implementação

Ferramentas & técnicasutilizadas para avaliaçãodos investimentos em TI

Caso A

Foco em desenvolvimento de Portal corporativo - alinharaos concorrentesDesenvolvimento interno

Quantitativo: ROIQualitativo: Integração das informações, migrar processos,relacionamento com clientes – não há uma ferramenta quea empresa empregue para incorporar à tomada de decisãoUtiliza Business Case como parte da Avaliação dosInvestimentos em TIAspectos financeiros são dominantesAspectos técnicos são consideradosRiscos limitados

Não se observa uma análise pós-implementação - ocontrole dos projetos limita-se à questão de prazo e custo

Não utiliza ferramentas e a técnica utilizada é o Retornosobre o Investimento.

Caso B

Foco em desenvolvimento de Portais / ModeloASP / atender organização e mercadoDesenvolvimento interno

Quantitativo: Análise do Fluxo de Caixa (ValorPresente líquido e Pay-back); Redução dos custosNão menciona business case como apoio natomada de decisãoAspectos técnicos são consideradosAspectos intangíveis são reforçados na tomadade decisão e incorporados à análise

Há um controle dos resultados obtidos - PMO-Project Office Management

Limitada utilização de ferramentas – alta escalade automação. Utiliza uma abordagem multicrité-rios em que benefícios e custos são ponderados.

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é uma start-up ou se é uma empresaque está em operação no mercado. Omodelo em si está de acordo comalguns procedimentos que os execu-tivos estão levando em conta nas suastomadas de decisão, mas a aplicaçãodos métodos de avaliação prova-velmente deverá se dar de formascombinadas. Os estudos de caso eoutros estudos mencionados por Tjan(2001) indicam que cada empresadeve definir seus critérios e a aplica-ção de um único método não capturatodas as variáveis necessárias para aavaliação dos investimentos em TI.

Os casos analisados indicam queo conteúdo da avaliação adotada estárelacionado diretamente ao contextoe ao processo de avaliação presentesna organização, indicando fatoresmultidimensionais na questão dasabordagens para avaliação de TI. Istocorrobora com vários outros estudosrealizados (FARBEY,1993; SERAFEI-

MIDIS, 2002; HIRSCHHEIM andSMITHSON, 1988).

O estudo do contexto da avaliaçãodeve incluir os fatores externos e in-ternos que influenciam a avaliação e asua gerência. A finalidade, o papel, osobjetivos e mesmo os participantes daavaliação são definidos e podem sermudados pela interação constante daavaliação com seu contexto.

O contexto de avaliação de umanova aplicação de TI inclui as carac-terísticas organizacionais e culturais,as metodologias, os processos relacio-nados e as exigências externas. Oconteúdo inclui os critérios usados esuas medidas e, finalmente, o proces-so da avaliação analisa a maneiracomo a avaliação está sendo efetuada,as ferramentas e as técnicas aplica-das. É também crítico considerar aspartes interessadas envolvidas eafetadas, e compreender seus papéisdurante a avaliação. �

Isso sinaliza o começo de umatransição de centro de custo paracentro de valor, a fim de que a TIobtenha visibilidade na organização.

Analisando-se o papel da TI e emparticular dos projetos voltados paraInternet nas organizações A e B,verifica-se um direcionamentovoltado para atingir os objetivosestratégicos organizacionais. Emambas as organizações, verifica-seque a TI tem uma posição dedestaque, sendo que o CIO reporta-se diretamente ao CEO da empresa.

Em termos de aplicabilidade dastécnicas de portfolio estudadas, verifica-se que alguns critérios são aplicáveisà realidade das empresas estudadas,mas a definição dos critérios dependedo contexto organizacional e damaturidade da organização. SegundoTjan (2001) esta maturidade está rela-cionada ao fato de a empresa estariniciando suas operações, ou seja, se

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

ADMINISTRAÇÃO DE SERVIÇO EM HOSPITAIS: TÁTICAS UTILIZADAS POR AGENTES DE CONTATO-PACIENTE

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ADMINISTRAÇÃO DE SERVIÇO EMHOSPITAIS: TÁTICAS UTILIZADAS PORAGENTES DE CONTATO-PACIENTE

JOSÉ DA CUNHA TAVARES

RODOLFO DE CAMARGO RODRIGUES

A análise do trabalho a que nos propusemostransforma as operações da ação analisada não eminstrumento de referência para reproduzi-las oucorrigi-las, mas sim em instrumento de descobertade alternativas diversas a partir das quais a ação seconstrói. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho éverificar as táticas utilizadas pelos agentes decontato-paciente no atendimento de internação emum hospital, no intuito de avaliar o distanciamentoentre o trabalho prescrito e o trabalho efetivamentereal. Para tanto, utilizou-se a entrevista deexplicitação como metodologia qualitativa.Também foi analisado o processo de atendimentoao paciente, identificando-se tarefas, ações erecursos para obter-se melhoria nos resultados comvistas na satisfação do cliente. As táticas específicasde contato-cliente foram classificadas em trêscategorias, baseadas numa tipologia de cliente. Aprimeira consiste em alterar as demandas querecaem sobre o agente de contato-paciente; asegunda, em tentar impedir os remetentes de dirigirdemandas ao agente de contato-paciente; e aterceira em evitar e incluir táticas que permitem aoagente manipular e alterar as demandas recebidas.Nesse sentido, nove táticas foram identificadas.

An analysis of the work, which we haveproposed to evaluate, transforms the operations ofthe action analyzed not in a reference tool toreproduce or correct them, but in fact, in a discoverytool of several alternatives from which the actiondevelops by itself. In this sense, the aim of this workis to verify the tactics used by the patient-contactagents when caring for hospitalizations, attemptingto evaluate how far the prescribed work and theeffectively real work are from each other. For such,an explicit interview has been used as qualitativemethodology. Also, the patient-caring process hasbeen analyzed, identifying tasks, actions andresources in order to obtain improvement on theresults aiming at satisfying the atient. The specificcustomer-contact tactics have been classified inthree categories, based on customer typology. Thefirst consists in changing the demands that fall uponthe patient-contact agent; the second one consistsin preventing the remitters from forwardingdemands to the patient-contact agent and the thirdone consists in preventing and including tactics,which allow the agent to manipulate and change thedemands received. In this sense, nine tactics havebeen identified.

Palavras-chave: Análise do trabalho; organização

do trabalho; serviços; trabalho real; ponto de vista

do trabalhador.

Keywords: Analysis of the work; organization of

work; services; real work; worker’s point of view.

Artig

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JOSÉ DA CUNHA TAVARES é Doutor em Engenharia de Produção; Professor

do Departamento de Administração do Centro Universitário da FEI e

Coordenador do curso de Pós-graduação em Administração de Produção

RODOLFO DE CAMARGO RODRIGUES é Administrador de Empresas pelo

Centro Universitário da FEI

Trabalho originado no Programa de Iniciação Científica - PBIC do Centro Universitário da FEI e apresentado no IBEROAMERICAN ACADEMY OFMANAGEMENT 4th International Conference, Universidade Nova de Lisboa, Portugal, December 8-11, 2005

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Clientes estão presentes e parti-cipam freqüentemente na produçãode serviços. Essa interface entrecliente e organização é facilitada poruma mistura de tecnologia e recursoshumanos. Em um encontro de serviçode baixo contato, a interface émediada pela tecnologia; já em umencontro de serviço de alto contato,por recursos humanos. Os sóciosorganizacionais que se conectam aocliente podem ser descritos comotrabalhadores de contato-cliente(TAVARES e SILVA, 1998).

Dentre os provedores de serviços,os hospitais são um caso especial,porque prestam serviços que a maio-ria das pessoas necessita, mas nãonecessariamente deseja. Poucas pes-soas usam os serviços de um hospitalespontaneamente, por pura vontade.Alguns fatores distinguem os hospi-tais de outros serviços. Nos hospitais,o cliente expõe-se a níveis de riscomais altos, isto é, um serviço insatis-fatório pode pôr em perigo sua saúde,ou até mesmo sua vida, e não apenascriar uma impressão desagradável daexperiência. Como muitos pacientesnão possuem o conhecimento apro-priado sobre como funciona umhospital e a natureza do tratamentoque estão recebendo, uma experiênciade serviço meramente desagradávelpode ser ainda genuinamenteamedrontadora (HOFFMAN, 2003).

Os trabalhadores de contato-paciente pertencem à organização einteragem com o paciente, ocupandoo que foi chamado por Bowen eSchneider (1985) apud Tavares e Silva(1998), de papel de expansão dos li-mites organizacionais. Essas pessoasrepresentam as organizações para ospacientes e, assim, levam para foradas suas fronteiras, além de produtose serviços, a imagem da empresa e omodo de pensar construído dentrodela. Exercem papéis de fronteira, emque os trabalhadores são colocadosem contato com lógicas distintas,quais sejam: aquela interna à em-

presa, que faz parte do seu trabalho;e a dos pacientes com os quais intera-ge, que nem sempre coincide com ada empresa ou mesmo é homogênea.A natureza de trabalhos de serviçode contato-paciente conduz, namaioria das vezes, a conflitos depapel para trabalhadores de serviço.

O propósito desta análise dotrabalho consiste em examinar táticasde comportamento específicas eestratégias utilizadas por traba-lhadores de contato-paciente, ematendimento hospitalar, quando elesexperimentam tensão de papel. Astáticas serão identificadas e classi-ficadas por categorias, as quaisanalisaremos aqui.

O trabalho de atendimento nalinha de frente em hospitais é denatureza complexa e problemática.Trabalha-se ali basicamente cominformações, distante de um produtoconcreto que simbolize o resultado doesforço despendido. Neste estudo,enfocaremos, a título de ilustração, otrabalho do hospital, mais especifi-camente as atividades da recepção deinternação.

Especificamente na recepção deinternação, por exemplo, o trabalhoconsiste em administrar as informa-ções da instituição do ponto de vistada documentação do paciente. Assim,além de buscar, armazenar e proces-sar as informações pertinentes àdocumentação hospitalar, competetambém à recepção de internaçãotransmitir e receber informações,mediando, portanto, a comunicaçãoentre a instituição e seus pacientes.As atividades ali não são de naturezaestacionária, regular e normalizada;ao contrário, as fontes de informaçõessão múltiplas, os eventos para osquais é necessário reagir são varia-dos e os agentes de recepção têm deter controle quanto a: mudança deregulamentação de um paciente emrelação ao seu plano de saúde, trans-ferências, cirurgias, médicos que estãode plantão, segurança, dentre outros.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O trabalho, a tarefa e a atividade

Montmollin (1990) define o tra-balho prescrito como “a hierarquiaespecificada formalmente, oralmenteou por escrito (instruções, regula-mentos, etc.)”; e o trabalho real como“o que acontece efetivamente naoficina ou na seção, ao longo dos diase das noites, nas condições locais,com as máquinas e procedimentosnas quais se apresentam, levando-seem conta o que os agentes realizamquotidianamente”.

Rabardel (1995) conceitua atarefa como “o resultado que seespera de um indivíduo nas condiçõesimpostas pela execução”. Entretanto,Guérin et al. (2001) direcionam adefinição de tarefa em situações detrabalho profissional como umconjunto de prescrições e repre-sentações, com o objetivo de melho-rar o trabalho produtivo e estabeleceros métodos de gestão para controleda produtividade nos tempos deexecução. Por outro lado, Rabardel(1995), ao observar as tarefas elabora-das pelo agente, identifica diferençasentre a tarefa redefinida e a tarefaefetiva. Quanto à tarefa redefinida:“confrontado a uma tarefa prescritae/ou esperada, o agente a interpretaem função dos meios de que eledispõe e de determinadas restrições.A meta e/ou as condições prescritase esperadas pela empresa podementão não mais corresponder àsdeterminadas pelo agente”. Já quantoà tarefa efetiva, por sua vez, define-acomo aquela realizada pelo agenteem função das exigências de cadasituação particular. A cada ‘tarefaredefinida’ corresponde uma ‘tarefaefetiva’ ou ‘tarefa real’. Logo, a tarefaefetiva é a tarefa redefinida realizada,que pode ser descrita a partir daobservação da atividade.

Importante definição de tarefa eatividade, em um contexto psico-

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ADMINISTRAÇÃO DE SERVIÇO EM HOSPITAIS: TÁTICAS UTILIZADAS POR AGENTES DE CONTATO-PACIENTE

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lógico das situações, é dada porLeplat e Hoc, apud Clot (1995): “atarefa indica o que se tem a fazer e aatividade é o que se faz”. Ademais, atarefa se refere à prescrição, ou seja,“um objetivo conhecido nas condi-ções determinadas” e que pode sermodificada de acordo com o objetivono fluxo de sua atividade. Entretanto,Rabardel (1995) determina a ativi-dade como “a reação que o indivíduocoloca no trabalho para realizar atarefa”. A respeito da atividade realdiante da diversidade e variabilidadede indivíduos e situações, elucida que“é possível observar, para uma mesmatarefa, atividades muito diferentes”.[grifos nossos]

No que diz respeito ao hospital,segundo Owen, apud Mirshawa(1994), desenrola-se uma longa ecomplexa execução de atividades que,agrupadas em tarefas, ou requeremalto grau de exigência profissional, ousão mais modestas. Porém, todas elasfundamentam e são indispensáveispara a consecução dos seus objetivos.Ademais, o paciente é considerado ocentro, isto é, o elemento principal daentidade hospitalar e os empregadossão profissionais altamente especia-lizados e com habilidades técnicasdiversificadas.

Táticas utilizadas portrabalhadores de contato-cliente

Considerando que o trabalho dosagentes de contato-paciente necessitade adaptações e tomadas de decisãopermanentes devido às característicasdos pacientes e a todos os eventos quevêm perturbar o curso das coisas,além das numerosas relações exis-tentes entre as diferentes categoriasque não possuem os mesmos con-ceitos e lógicas de funcionamento, éde se esperar que, para cada eventono qual é necessário reagir, essesagentes recorram a táticas.

Embora exista pouca literatura arespeito de táticas utilizadas por

agentes de contato-paciente, Weatherlye Tansik (1997) apud Tavares e Silva(1998) conseguiram reunir nove delasa partir de várias pesquisas sobrediferentes estratégias utilizadas poresses agentes para ganhar controle desuas interações com os clientes.

Ignorando / evitando contato,uma das nove táticas que vamosdetalhar aqui, consiste em impedir queo cliente expresse qualquer expectati-va, ou seja, evita-se o cliente. Garçons,por exemplo, mantêm relativadistância dos clientes para que essesnão os solicitem por qualquer coisa.

Rejeitando, por sua vez, implicaque o trabalhador contato-clientepermita que os clientes exponhamsuas expectativas ainda que as rejeite,inconscientemente. Os caixas desupermercado, por exemplo, podemescutar os clientes, mas não se senti-rem permeáveis a seus comentários.

Como conseqüência de rejeitandovem reagindo, isto é, o trabalhadorexpressa de forma direta sua rejeição.Se, por exemplo, o caixa de supermer-cado é repreendido pelo cliente, eledevolve a repreensão, respondendoao cliente, ou seja, é a reação usadacomo uma tática para influenciar osclientes.

Educando o cliente assemelha-sea reagindo, mas o confronto éatenuado. Por exemplo, um agente decontato-paciente poderia reduzir asexpectativas do cliente explicando...“esse reembolso só pode ser dadoapós trinta dias da compra”. O clientenão fica satisfeito, porém aceita eassim fica reduzido o nível de conflitoentre eles. Essa tática visa a influen-ciar os clientes, ensinando-lhes aspolíticas da organização.

Já a tática denominada retiradapsicológica e comportamento podeproporcionar um escape do conflitode demandas. Nesse caso, o traba-lhador satisfaz as necessidades docliente automaticamente, sem proces-sar as informações conscientemente,pois já fazem parte de seu universo

alguns textos-padrão, através dosquais parece atender às expectativasdo cliente e, conseqüentemente,ameniza o confronto.

“Overacting” contrapõe-se àtática anterior, uma vez que, nessecaso, o agente de contato-cliente atuamantendo distância entre seu ego esua representação. Na prática, essestrabalhadores são absorvidos por seuspapéis e atribuem a suas ações umdesempenho melhor do que do seupróprio “ego”. Por exemplo, umgarçom precisa imaginar que seudesempenho no restaurante é melhor/superior àquele da “vida real”.

Controle físico busca, no am-biente que cerca o cliente, meios pararestringir seu comportamento. Emum estabelecimento comercial, porexemplo, o piso atrás do balcão é maiselevado, dando a idéia de que o clienteestá numa posição inferior, sentindo-se constrangido. Da mesma forma, aluz acesa, no avião, indicando que ospassageiros devem manter os cintosde segurança apertados, muitas vezes,é outro exemplo de controle físico.

No caso de empenhando-se, oagente de contato-cliente faz com queo cliente se ocupe de alguma formapara que não faça qualquer demanda.Em geral, o próprio cliente é orienta-do, por exemplo, a pesar os produtosou até mesmo servir-se deles. Supõe-se que essa técnica seja aplicada commais resultados por agentes decontato-cliente mais bem-preparados.

A nona e última tática, recompen-sando, consiste em cativar o clientepara influenciar o seu comporta-mento. Por exemplo, uma loja deconveniência oferece ao clienteamostra grátis de pipocas não apenaspara que ele consuma mais pipoca,mas também para que se sinta gratoao vendedor; mais tarde, o agente decontato-cliente pode então aproveitaressa estratégia para manipular ocomportamento do cliente.

Neste estudo, serão verificadas astáticas utilizadas pelos agentes da

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recepção de internação, da lógica daatividade, no sentido de atestar odistanciamento entre o trabalho pres-crito e o trabalho efetivamente real.

METODOLOGIA

A metodologia escolhida –entrevista de explicitação – consisteem um guia de elucidação da açãovivida do sujeito pelo próprio sujeito.O sujeito deverá entrar em contatocom os desencadeadores sensoriaisque lhe darão acesso à memória deforma deliberada, graças a procedi-mentos que o dirigem no sentido dovivido, que nada mais é do que umprocedimento de desencadeamentoda evocação da vivência da ação, facea face com o real. É, portanto, oacompanhamento do sujeito nodesenvolvimento da ação vivida e odirecionamento desse em direção asi próprio que fundamenta aintervenção do pesquisador.

Esse método, estudado porTavares (2002) e muito bem exploradopor Vermersch, visa a descrever odesenvolvimento de uma ação talcomo ela foi efetivamente colocadaem prática, em uma tarefa real. O queprogride é a auto-informação dosujeito sobre o acúmulo de expe-riências que ele possui e, por ocasiãode um diagnóstico, sobre a naturezae a causa de um fracasso ou de umsucesso profissional (CLOT, 2000).

A linguagem, graças à qual osujeito se remete ao seu interlocutorna troca que constitui o comentáriosobre a atividade, faz recair sobre oobjeto analisado os efeitos dessatroca. As atividades, desde então, nãose expressam nas palavras que lhesservirão de simples veículos amorfospara a fala. Graças à linguagemendereçada ao outro, o sujeito realiza,no sentido forte do termo, suasatividades. Ou seja, sua “realização”é determinada pelo contexto no qualelas são mobilizadas. Quantos foremos contextos, tantas serão as

“realizações” possíveis (Clot, 2000).De acordo com Hatchuel (2000),

a ergonomia e a administração sãoduas disciplinas que compartilhamum mesmo objetivo; enquanto a ergo-nomia busca-o no sentido do trabalhopara a direção, a administração o fazno sentido inverso. No entanto, ambasconcordam que esses dois aspectosestão intimamente ligados.

O trabalho de campo desse estudofoi realizado em uma rede hospitalarcom agentes de contato-paciente (verdetalhes da população no Quadro I);as entrevistas foram feitas fora dolocal de trabalho. Nossa pesquisasituou-se na área de internação, cujosupervisor da área cooperou muitoconosco e nos deu todo o suportenecessário. Foram seis horas de entre-vistas gravadas em fitas magnéticas,transcritas literalmente para melhoranálise dos resultados.

Após leitura minuciosa das trans-crições das 12 entrevistas realizadascom os agentes de contato-paciente,8 foram selecionadas. Excluíram-seaquelas nas quais o agente foraevasivo, pouco empático ao processo,não tendo, por isso, desenvolvido uma

narrativa e sim restringido suasrespostas a afirmativas ou negativas,mesmo diante da tentativa do entre-vistador de ampliar as declarações.

Ao explicar seu trabalho, noatendimento, com suas própriaspalavras, o agente cria uma narrativa.Toda narrativa implica reconstruiruma experiência passada e, conse-qüentemente, é uma oportunidade derevisar um processo ou uma expe-riência, já que, ao narrar, o sujeitopode acrescentar novas perspectivas,rever conceitos, rever passos doprocesso, enfim, narrar é replicar ereplicar um evento significa colocarem atividade um microcosmo quepermite inovação e recriação. Para opesquisador, a narrativa amplia,restringe ou mantém significados.

CARACTERÍSTICAS DA INSTITUIÇÃO

A instituição tem mais de oitentaanos, é jurídica de direito privado,destina-se ao atendimento de pessoas,sendo composta de unidades espe-cializadas, regionais e operacionais,com sede na cidade de São Paulo.Realiza, em média, treze internações

Quadro I - População: agentes de contato-paciente

O grupo é composto de 19 agentes de contato-paciente do sexo femininoque recebem salário-base entre 4 a 5 salários mínimos. Em se tratando daescolaridade, a maioria possui o 2º grau completo:

1º grau completo (02) 10,52 %2º grau incompleto técnico (02) 10,52 %2º grau completo (12) 63,16 %3º grau incompleto (03) 15,80 %Total: (19) 100 %

A idade do grupo está entre 20 a 42 anos. É importante destacar que 8desses agentes de contato-paciente estão concentrados na faixa de 20 a 25anos. Isso indica que 42% são adultos e jovens. O tempo de serviço dessesagentes varia de 6 meses a 5 anos, e a maior parte deles (50%) situa-se nafaixa de 2 a 4 anos. Atualmente, não existe um plano quanto à remuneraçãodos agentes de contato-paciente, ou seja, os aumentos de salários só têmocorrido coletivamente no mês de maio, de acordo com o dissídio do Sindicatodos Empregados em Estabelecimentos dos Serviços de Saúde de São Paulo.Entretanto, existem dois agentes com salários maiores, porque foramcontratados há mais de 4 anos.

Fonte: Departamento pessoal do hospital

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ADMINISTRAÇÃO DE SERVIÇO EM HOSPITAIS: TÁTICAS UTILIZADAS POR AGENTES DE CONTATO-PACIENTE

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diárias; uma internação a cada 31atendimentos. Isso significa que cadaagente de recepção realiza, nomínimo, uma internação por plantão,o que evidencia a urgência naexecução das tarefas. Assim, tem-se,no ano, um total de 4.500 internaçõese 142.552 atendimentos; e, no mês,uma média de 375 internações e11.879 atendimentos.

O trabalho dos agentesde contato-paciente

Levando-se em conta que oatendimento ao cliente no balcão é aprincipal tarefa no trabalho dosagentes de contato-paciente dessehospital, encontramos em Tanaka(2001) uma excelente análise a esserespeito, na qual aponta que a tarefade atender no balcão requer acompreensão das diversificadasnecessidades dos clientes, as quais,muitas vezes, não se referem pro-priamente à internação, mas sim asolicitações de informações taiscomo: onde pode ser trocado odinheiro para a máquina derefrigerante que se encontra à frentedo hospital; como podem ser encami-nhadas as roupas dos pacientesinternados ou em observação;permissão para usar o telefone;solicitação para que o acompanhantese locomova até a internação;permissão para guardar pacotes,bolsas, capacetes, etc.; se um médicoespecífico está de plantão; se ohospital atende a uma determinadaespecialidade no pronto-socorro; ou,ainda, se o hospital tem convênio como estacionamento; onde fica ainternação infantil ou o ambulatório,dentre outras.

Essas situações retratam inter-rupções em um curtíssimo espaço detempo na execução da tarefa emcurso, já que, para isso, o cliente nãoaguarda a sua vez na fila. Por outrolado, há outras situações em que oagente tem que estar atento para

tomar providências com rapidez. Umexemplo dessa situação ocorreuquando um cliente na fila comentou“acho que eu estou enfartando...”. Oagente ouviu o cliente e imediatamen-te chamou o pessoal de enfermagempara atendê-lo. Depois soube-se queesse paciente foi direto para aUnidade de Terapia Intensiva (UTI);era, portanto, uma emergência. Daperspectiva do cliente a referência dotempo de atendimento é variável,sobretudo pelo seu estado de saúde.Isso explica a sua opinião quanto àdemora, ou não, do atendimento.Pode-se constatar essa condição,quando um paciente chegou àrecepção com dor e perguntou quantotempo demoraria para ser atendidopelo médico. O agente foi verificarcom a enfermagem e, logo emseguida, respondeu “40 minutos,senhor”. O cliente disse “40 minutosno pronto-atendimento? Vamosembora!”. A acompanhante retrucou“nós vamos esperar... vai ficar comessa dor em casa?”

As questões administrativas, porsua vez, são deliberadas concomi-tante com o atendimento no balcão,o que impede que a execução dastarefas flua de forma contínua até oseu término, pois, regularmente e emqualquer instante, são interrompidaspelo telefone, enfermagem, outroagente, chefe e, sobretudo, pelosclientes do balcão que têm prioridadeno atendimento. No plantão diurno,as tarefas são caracterizadas pelointenso atendimento de clientes, queabrange internação, transferências depacientes, fechamento de contas declientes particulares, controle dosrecibos provisórios etc.; isso,principalmente, no que concerne àsquestões administrativas tratadas emhorário comercial.

A mudança de plantão é outrofator que dificulta o processo deatendimento. As pendências sãopassadas para o próximo plantão,mas, em geral, nem todos os detalhes

dessas pendências acabam sendorepassados. Já no período noturno, amaior parte das tarefas são buro-cráticas, executadas fora do balcão deatendimento, como, por exemplo,ordenar fichas de atendimento,verificar “erros” de preenchimento,emitir relatórios, etc. Quanto à rotinada recepção, os agentes considerambastante simples a execução dastarefas propriamente ditas; entre-tanto, enfatizam que a necessidade deatentar para os detalhes de cadatarefa gera problemas e dificulta arealização do trabalho. De maneirageral, embora habituados com essarotina, os agentes consideram o ritmode trabalho intenso.

Muitas vezes, ainda, o chefe dosetor está ausente, o que leva o agentede contato-paciente mais experientea tomar decisões importantes quantoa cobrança, clientes arredios, dentreoutras. Essa atribuição não é umaregra formalizada, mas as situaçõescomplexas enfrentadas pelos agentesde recepção menos experientes sãonaturalmente passadas ao mais expe-riente, que, então, toma as decisões.Nesse sentido, um agente expressouo seguinte comentário: “durante o diatem sempre alguém para ajudar; ànoite não tem ninguém, é você evocê”. Nos fins de semana, como ofluxo de atendimento é menor do quedurante a semana, o escalonamentode pessoal nos turnos de trabalho temum agente a menos.

O treinamento dos agentes decontato-paciente

O agente de contato-pacienterecém-contratado recebe informa-ções sobre o histórico, a missão e ossetores do hospital, em uma reuniãode integração feita com todos osfuncionários novos. O hospital jáconta, inclusive, com um programade treinamento contínuo denominado“Interação”. O treinamento para osagentes de recepção é programado e

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definido, normalmente, em conjuntocom a área de recursos humanos. Emgeral, consiste na abordagem detemas como: globalização, trabalhoem equipe, motivação, dentre outros.Ultimamente foram desenvolvidostemas como: o que é um bom aten-dimento ao cliente?; aspectos legaisdo atendimento; e relacionamentointerpessoal.

RESULTADOS

O propósito desse estudo, quali-tativo, consiste em verificar como astáticas ajudam a “perspicácia” dostrabalhadores de atendimento eminternação hospitalar. Assim, dasentrevistas realizadas com os agentesde contato-paciente, levantaram-se asseguintes observações: os agentes

utilizam uma variedade de táticaspara administrar os encontros com osclientes e o trabalho burocrático.Todos expressaram que, freqüente-mente, viam-se em conflito ao atenderdemandas múltiplas, ou seja, atendero cliente e dar conta do trabalhoburocrático. O Quadro II, a seguir,apresenta alguns exemplos deentrevistas de explicitação.

Quadro II – Exemplos de entrevistas de explicitação

ENTREVISTADO

“...ele acaba desenvolvendo porque não quer gerar problema com o superior hierárquico,enfim, ele aprendeu algumas táticas e com esse aprendizado ele acaba crescendo edesenvolvendo táticas em todo perfil dos clientes que atende...”

“...o cliente de convênio...é muito exigente ...tem aquele que já é problema, é o famosoQRU (abreviação de QUERO – aquele que é muito exigente)...quando os seguranças deimediato comunicam (irá para o PSA-Pronto Atendimento adulto), com esse pacienteserá feito de tudo para não dar continuidade ao problema dele...”

“... quando o médico tem o diagnóstico em mãos e diz tem que internar, o problema jávira nosso, o médico fez a parte dele, todos os setores já fizeram, então a bomba vempara o setor de internação, quando se chama a família e fala que não tem vaga e temque transferir o paciente...”

“Eu sei que não tendo vaga no hospital eles vão me jogar para um outro, isso é o quegera a maior irritação dos pacientes...”

“Sim existe, a psicológica, é aquela que você utiliza para fazer o paciente aceitar, porexemplo, uma transferência, usa-se toda uma psicologia em relação ao perigo de sepegar uma doença, por ficar na espera de uma vaga e a de pressão que é você se imporna sua atitude e na firmeza de sua voz. Quando temos algum problema no atendimento,temos que comunicar a família ou o acompanhante e aí é necessário falar com firmezana voz, olhando no olho da pessoa e ainda passando segurança do que se está falando....”

“...é o tempo de espera para o atendimento, pois quem está com dor não tem paciênciae o que mais atrapalha nesse processo são os acompanhantes, querem resolver tudo dequalquer maneira, causando, na maioria dos casos, mais problemas do que os própriospacientes...”

“Sim, o mais comum é utilizarem o sobrenome para ter vantagens, por exemplo, souMeire Matarazzo, fala de boca cheia, como se tivéssemos a obrigação de passar ela nafrente de todos, o que não ocorre, tem que aguardar igual a todos....o que tambémocorre é dizer que é parente do doutor tal ou chega procurando por um doutor qualquer,na maioria do segundo caso eles ouviram falar o nome de um doutor e querem usarisso como argumento, por exemplo: está demorando você pode verificar com o doutortal o porquê da espera? já aconteceu de o paciente falar que era amigo do doutor e, porcoincidência, o doutor estava...”

“É um problema... quando o convênio não cobre vem à glosa, eu ligo na hora e peço, osenhor João vai fazer um ultra-som do abdômen e na hora você tem que falar com oconvênio, pois é necessário pedir a autorização, tem que pegar uma senha autorizandoo exame, porque quando a fatura for para eles, eles não glosarem, porque tem o nomedo funcionário que liberou a senha daquele exame, quando o convênio é credenciadode imediato é liberado, você tem direito à consulta por tempo indeterminado, podefazer o máximo de consultas no mesmo dia. Das consultas geram os exames, o médicopede um exame de acordo com suas necessidades, até descobrir o seu diagnóstico..”.

AGENTE

Todos

A 25a

B 34a

C 23a

D 23a

E 42a

F 26a

G 24a

H 24a

ENTREVISTADOR

O que você faz? O que utiliza?Como você faz? Que regras deveseguir? Com quem trabalha?

O trabalhador que atende o clientena linha de frente adota certastáticas para ludibriar o cliente?Algumas táticas(macetes) sãolegitimas pela empresa?

Qual o cliente típico?

Você poderia passar alguma idéiade problema no atendimento?

Você, como cliente, conhecendo alógica do hospital, o que criticariaem relação ao atendimento?

Existem algumas táticas que sãopsicológicas e por pressão, issoocorre também no atendimentohospitalar?

O que traz maior número dereclamações para o hospital naárea de atendimento?

Existem pessoas que querem tirar(ter) vantagens na hora doatendimento?

Existem várias linhas de planos desaúde, você mandou seu paciente(cliente) fazer um exame e o planodele não cobre, isso é um problemapara o hospital? Como vocês agemnessa situação?

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

ADMINISTRAÇÃO DE SERVIÇO EM HOSPITAIS: TÁTICAS UTILIZADAS POR AGENTES DE CONTATO-PACIENTE

67

As táticas específicas de contato-cliente foram classificadas em trêscategorias, baseadas numa tipologiade cliente. A primeira consiste emalterar as demandas que recaemsobre o agente de contato-paciente;a segunda, em tentar impedir osremetentes de dirigir demandas aoagente de contato-paciente; e aterceira em evitar e incluir táticasque permitem ao agente manipulare alterar as demandas recebidas.Nesse sentido, as seguintes seistáticas podem ser identificadas noque se refere à primeira categoria,ou seja, alterar as demandas querecaem sobre o agente de contato-paciente.

Explicando: o agente justifica aopaciente por que não pode cumprircom certas expectativas tais como oprocesso de transferência e a rea-lização de certos serviços, pois essesprocedimentos dependem do tipo deplano que o cliente tem contratado, ohospital não pode se responsabilizarpor um processo que não está previstono plano de saúde do paciente. Essasexplicações têm de ser dadas aopaciente, pelo agente, de umamaneira segura e clara; elas precisamser facilmente compreendidas pelopaciente, pois, desse modo, o hospitalestará sendo poupado de problemas.Deve-se deixar claro também aopaciente que a intenção do hospital ébeneficiá-lo em todos os sentidos, eque, portanto, certos procedimentosrequerem a autorização do plano desaúde, pois, caso contrário, o hospitalnão pode ser responsabilizado pelonão-atendimento.

Conscientizando: é o momentoem que o agente, com sua argumen-tação, convence e conscientiza opaciente de modo que ele aceitealgumas condições como, porexemplo, falta de apartamentos vagosno hospital, internação, transferênciapara outra unidade, pois, caso fique

esperando no hospital, poderá pegaruma infecção ou piorar ainda mais asua situação clínica. O agente procuraesclarecer que o objetivo do hospitalnão é causar problemas e sim trazera melhor solução ao seu bem-estar.

Penalizando: o agente já escutouo cliente, mas esse, não satisfeito,continua a solicitar sua atenção. Sãoaqueles pacientes considerados“chatos”. O agente, então, desvia suaatenção e concentra-se especifi-camente em sua rotina burocrática,fazendo com que o paciente espereaté que ele termine aquela “tarefa”.

Perspicácia: por exemplo, oagente, totalmente concentrado emseu trabalho, durante o preenchi-mento da ficha do paciente, percebeque ele está utilizando a carteirinhade convênio de outra pessoa.

Ensinando: o acompanhante,muitas vezes, tumultua o ambiente,pois ele nunca tem paciência, semprequer resolver as coisas do jeito e damaneira que melhor lhe convém; oagente, então, tem que ensiná-lo acomportar-se e explicar que, com essecomportamento, não estará ajudandoe, ainda, trará problemas inclusive aopaciente, que já está com dor, vendotudo isso ficar pior. Nesse caso,portanto, o trabalho do agente éensinar ao acompanhante a sua realimportância junto ao paciente.

Comprometimento: é a ação quemelhor retrata uma ótima prestaçãode serviço. Por exemplo, um agenteque realiza seu trabalho com umaótima qualidade e deixa o pacientesatisfeito está comprometido com asua função e seus resultados. Agindodessa maneira melhora o serviço dohospital e a relação com os pacientes.

Quanto à segunda categoria,aquela em que se tenta impedir osremetentes de dirigir demandas ao

agente de contato-paciente, encon-tramos o seguinte: às vezes o clientesolicita um serviço como, por exem-plo, o resultado de um exame, que,contudo, não ficou pronto; o agente,então, para aliviar a tensão, perguntase já faz tempo que ele fez o exame,se no dia correu tudo bem e, em segui-da, informa que o exame solicitadoainda não ficou pronto e diz... bom osenhor me dê licença, pois irei levaressa ficha para o médico, contor-nando, assim, o problema.

No que se refere à últimacategoria, aquela em que o agenteevita e inclui táticas para manipulare alterar as demandas recebidas, porexemplo, um cliente solicita o resul-tado de exame; ao abri-lo, constataque está doente, fica desconsolado,lamentando o resultado; nesse caso,o agente finge compreender oproblema do paciente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conflitos entre as expectativas daempresa e a dos pacientes não sãoincomuns no setor de serviços,sobretudo no atendimento em umainternação hospitalar. Freqüentemen-te, os agentes de contato-paciente,empregados da linha de frente,experimentam a sensação de que nãopodem satisfazer todos os desejos detodos os clientes.

Lidar com o público é uma tarefaárdua, pois os clientes apresentam osmais variados tipos de humor. Todosos prestadores de serviço são obri-gados a defrontar-se com um clienteinsatisfeito mais cedo ou mais tarde.As empresas devem preparar-se paraessas situações através do trei-namento de relações interpessoais.

A análise dessa atividade nohospital em questão revela que háaspectos do trabalho muitas vezesdesconhecidos pela gerência; mostraa grande variedade das atividadesdos agentes para manter a produção

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2468

esperada (regulação de incidentes,escolha de informações pertinentes,antecipação e controle das ações,raciocínios apropriados a cadamomento e em função de eventosdiversos); e permite, ainda, compre-ender como essa atividade, não-aparente, está na origem de gestos,esforços, posturas, deslocamentos ecomunicações manifestas.

De acordo com Guérin et al.(2001), a análise da atividadequestiona os métodos habitualmenteutilizados para definir meios deprodução, métodos que muitas vezessubestimam as variações do trabalho,os constrangimentos ligados àscondições de trabalho e as especifici-dades dos operadores. Permite levarem conta os atributos desses opera-dores na concepção das técnicas edos modos de organização dotrabalho. Em particular, orienta asescolhas nesses domínios para abusca de meios que aumentem as“margens de manobra” dos ope-radores, de maneira que, diante davariabilidade, possam empregarmeios que sejam coerentes com elaprópria e com sua diversidade.

Por mais que se conheçam osclientes, deve-se sempre treinar opessoal de linha de frente no sentidode que, quanto mais eles souberemsobre as expectativas, os problemas epercepções dos clientes, melhor seráo seu desempenho bem como asatisfação dos clientes.

Os agentes de contato-pacienteprecisam de informações acuradassobre seus papéis na organização,necessitam saber quão bem estãotrabalhando de acordo com padrõese expectativas que a gerência definee, finalmente, devem sentir-seconfiantes e competentes em seustrabalhos.

O conflito de papéis pode serminimizado de duas formas:introduzindo trocas com outrossistemas de recursos humanos etreinando os agentes nas definições

de prioridade. Problemas de qualida-de em serviço ocorrem, em geral,devido ao fato de que os agentes decontato-paciente nem sempre estãobem situados em seus postos detrabalho. Costumeiramente, essesagentes sempre são os de nívelhierárquico e salário mais baixosdentre todos na empresa, não sendocapazes de atender corretamente osclientes.

As reações dos agentes comrelação às situações de estressedependem do quanto eles se julgamcapazes de controlar essas situações.“Controle percebido” envolve ahabilidade de contornar situaçõesdifíceis e escolher saídas e objetivos.Quando os agentes percebem queconseguem controlar situaçõesinesperadas, o nível de estresse émenor, o que acarreta melhordesempenho. Quando um agente decontato-paciente tem que pedir

autorização a outros departamentosda instituição, a qualidade de serviçocai. Esse fato é importante se levar-mos em conta o nível de imprevistospresentes no setor de atendimentohospitalar.

Manter a qualidade dos serviçosdepende não apenas do conheci-mento dos desejos dos consumidorese do estabelecimento de padrõesapropriados, mas também dacapacidade do “staff ” desejoso deprestar serviços de acordo com osníveis especificados.

De acordo com Hoffman (2003),um aspecto-chave da estratégiacompetitiva está centrado na mu-dança de imagem do hospital e naexperiência de serviço aos olhos dospacientes atuais e potenciais. A redu-ção das preocupações dos pacientespode mudar a natureza de suaavaliação do serviço antes, durantee depois da visita ao hospital. �

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Referências Bibliográficas

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

A IMPORTÂNCIA DA PROXIMIDADE GEOGRÁFICA NA GERAÇÃO DE CONHECIMENTO EM SLP

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A IMPORTÂNCIA DA PROXIMIDADEGEOGRÁFICA NA GERAÇÃO DECONHECIMENTO EM SLP

GABRIELA SCUR

Várias pesquisas têm mostrado que um dos meios

mais eficientes de lidar com as novas formas de

competitividade ocorre através da organização de

empresas em sistemas locais de produção. A eficiência

ocorre uma vez que em SLP, as empresas adquirem

vantagens que provavelmente não adquiririam se

atuassem sozinhas no mercado. Entre essas vantagens,

pode-se citar as economias externas, incidental ou

deliberadamente criadas. Em outras palavras, os SLP

possuem uma “atmosfera industrial” que consiste em um

ambiente social que conduz à aquisição de benefícios da

proximidade, derivados da imitação, aprendizagem,

absorção, mudança técnica e inovação, introduzidos

graças à geração coletiva ou difusão de conhecimento.

Portanto, esse artigo tem como objetivo tentar

compreender a importância da proximidade geográfica

e social nos processos de aprendizagem que ocorrem

entre os diversos atores que povoam os SLP, bem como

o papel dela na difusão e geração de conhecimento.

Many researches have shown that one

of the most efficient form to deal with new

ways of competitiveness occurs through

the organization of the firms in local

production systems. The efficiency happens

when the firms acquire advantages that

probably will not access alone in the

market. Among these advantages we can

cite the externalities. In other words, the

LPS have the ‘industrial atmosphere’ which

is a social ambient that brings proximity

benefits derived from absorption, imitation

and innovation introduced thanks to

collective generation and diffusion of

knowledge. Thus, this article aims try to

understand the importance of the social

and geographical proximity in the learning

processes and its role in the generation and

diffusion of knowledge.

Palavras-chave: Proximidade geográfica, Sistemas

Locais de Produção, conhecimento, aprendizagem,

inovação.

Keywords: Geographical proximity, Local Production

Systems, knowledge, innovation, learning.

Artig

o

GABRIELA SCUR é Doutora em Engenharia de Produção (POLI-USP)

e Professora do Departamento de Engenharia de Produção do

Centro Universitário da FEI

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2470

A formação de blocos econômicose a abertura dos mercados nacionaistêm levado ao acirramento dacompetição, exigindo que as em-presas reavaliem permanentementeseus negócios, suas formas de atuaçãoe até mesmo a configuração de suasatividades produtivas. A globalizaçãoda oferta faz com que empresaslocais, antes com mercado cativo,tenham que conviver sob uma novabase de competição, liderada porempresas transnacionais que ofere-cem um mix de produtos e utilizamsofisticados sistemas de suprimentoe distribuição.

Associadas a essas evoluções nocampo da oferta, observam-se,também, fortes mudanças no com-portamento da demanda, carac-terizada por consumidores que estãobuscando produtos diferenciados,com maior qualidade e a preços cadavez mais acessíveis.

Várias pesquisas têm mostradoque um dos meios mais eficientes delidar com essas novas formas decompetitividade ocorre através daorganização de empresas em sistemaslocais de produção, ou tambémchamados distritos industriais,aglomerações setoriais/industriais,redes locais, sistemas produtivoslocais, arranjos locais, clusters deempresas, milieux inovadores,parques tecnológicos, sistemas locaisde inovação, etc.

A competitividade e a organi-zação de produtores em sistemaslocais são temas que vêm ganhandointeresse crescente entre os estu-diosos de áreas como economiaindustrial, economia regional, socio-logia, engenharia de produção egeografia econômica. O estudo dasaglomerações originou-se da expe-riência dos distritos industriaisitalianos, cuja característica mar-cante é a concentração geográfica esetorial de produtores especializados.

A eficiência ocorre uma vez queem SLP, as empresas adquiremvantagens que provavelmente nãoadquiririam se atuassem sozinhas nomercado, ou seja, são aquelas vanta-

gens que decorrem do termo cunhadopor Schmitz (1995) eficiênciacoletiva.

Nesse sentido, as relações coope-rativas, com vistas à inovação, sur-gem como opção no desenvolvimentode uma nova forma de competir.Embora essas parcerias possam sermais facilmente observadas emempresas transnacionais, através doincremento das redes internas,formadas por subsidiárias espalhadasao redor do mundo que contribuemna elaboração da estratégia global dacorporação, elas também são encon-tradas entre concorrentes e entreclientes e fornecedores.

Já nas pequenas e médias empre-sas que, devido à sua capacidade degeração de empregos e distribuiçãode renda, apresentam papel impor-tante para o crescimento do país, omovimento de formação de redespode ser identificado para obter asseguintes vantagens: aumento deescala, redução de custos, divisão deriscos, acesso à informação, desen-volvimento de novas capacitações (viaaprendizagem tecnológica), maiorpoder de barganha e alcance demercados mais distantes. Vantagensque apenas através do esforçoindividual de cada empresa seriampraticamente impossíveis de seremalcançadas.

Esse artigo tem como objetivoreunir elementos que permitam amelhor compreensão da importânciada proximidade geográfica e socialnos processos de aprendizagem queocorrem entre os diversos atores quepovoam os SLP, bem como o papeldela na difusão e geração deconhecimento.

Para tal, o texto está divido em 5seções. Na segunda seção serãodiscutidas as características dos SLP.Na terceira, os conceitos de conhe-cimento, aprendizagem e inovação.Já na quarta parte será discutido opapel da proximidade social egeográfica na geração e transferênciade conhecimento. Posteriormente,serão apontadas as consideraçõesfinais.

Características dos SistemasLocais de Produção

Quando se fala em aglomeraçõesde empresas, vêm à tona inúmerostermos utilizados para caracterizá-las. Dentre eles, pode-se citar:distritos industriais, aglomeraçõessetoriais/industriais, redes locais,sistemas produtivos locais, arranjoslocais, clusters de empresas, milieuxinovadores, parques tecnológicos,sistemas locais de inovação, etc. Essavariedade semântica, relativa aosconceitos de SLP, deve-se ao fato deque a literatura sobre o tema ampara-se em várias disciplinas e áreas doconhecimento humano, as quaisoferecem diferentes contribuições quetornam difícil denominar somente comum termo, com exatidão, a amplavariedade dos fenômenos estudados.

Apesar de alguns autores (AMATO,2000 e BRITTO, 2002), já teremenumerado e descrito as diferençasexistentes entre essas formas deorganização de empresas, torna-senecessário ressaltar que definir taissistemas não constitui tarefa trivialnem isenta de controvérsias, além dofato de que apontá-las não consiste nofoco deste trabalho. Entretanto, háalguns aspectos que não permitemdúvidas: os SLP – como todo grupa-mento humano/empresarial – podemapresentar variadas caracterizaçõesconforme sua história, evolução, orga-nização institucional, contextos sociaise culturais (SUZIGAN, et al., 2003).

Inúmeros autores e teorias contri-buíram para a melhor compreensãodo complexo fenômeno de origem deum SLP, desde o clássico estudo reali-zado por Marshall (1920), até as con-tribuições mais recentes (KRUGMAN,1991 e 1995, DEI OTTATI, 1996,PORTER, 1990 e 1998, SCOTT, 1998,BECATTINI, 1998). A característicamarcante dos SLP é a concentraçãogeográfica e setorial de produtoresespecializados.

A eficiência das firmas ocorreuma vez que em SLP, elas adquiremvantagens que provavelmente nãoadquiririam se atuassem sozinhas no

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 24

A IMPORTÂNCIA DA PROXIMIDADE GEOGRÁFICA NA GERAÇÃO DE CONHECIMENTO EM SLP

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mercado, ou seja, são aquelas vanta-gens que decorrem do termo cunhadopor Schmitz (1995): “eficiência coletiva”.

Entre as vantagens das aglome-rações de empresas, pode-se citar:

♦ Combinação de competências eutilização de know-how deoutras empresas ou instituiçõesde apoio com vistas à inovação.

♦ Divisão de custos/riscos deP&D.

♦ Possibilidade de oferecer umalinha de produtos de qualidadesuperior e mais diversificada.

♦ Maior possibilidade de inser-ção no mercado.

♦ Fortalecimento do poder decompra.

♦ Obtenção de vantagens paraentrada em mercados inter-nacionais.

♦ Possibilidade de aumentar aescala.

Segundo Bair e Gareffi (2001), acaracterística crucial de um SLP é suaorganização, ou seja, é a empresacomo parte de uma rede coletiva edependendo desta. Esse é o maissignificativo elemento que caracterizaa essência de um SLP.

Alguns pesquisadores tambémobservaram que existe uma visívelheterogeneidade interna ao SLP(VIESTI 2000, LOMBARDI, 2003,BELUSSI e GOTTARDI, 2000).Exceto em algumas experiênciasrealizadas em médias e grandesempresas, geralmente os agentesestratégicos, denominados finalfirms, têm emergido e exercido umpapel importante na governança dosSLP, na medida em que promovem adivisão de trabalho e a especialização.

Os trabalhos de Meyer-Stamer eAltermburg, 1999; Nadvi e Schmitz,1994 constituem-se de pesquisasempíricas sobre SLP em países emdesenvolvimento e, em todos osestudos, as principais lições obtidasforam que os SLP exercem papelsignificativo na produção industrial.

Nesse enfoque, o desenvolvimentoregional é promovido por um ambienteque combina concorrência e coopera-ção entre empresas e demais agentes

envolvidos no mesmo território. Essedesenvolvimento propicia a geraçãode externalidades positivas específicasà região, determinadas principalmentepelas relações sociais nela existentese pela própria evolução cultural.

Conhecimento, Aprendizageme Inovação

A importância do conhecimentoe da inovação tem sido foco deatenção na literatura recente. Oconhecimento está cada vez maissendo considerado como um recursocrítico das firmas, uma vez que ele écapaz de gerar inovações (JOHNSONe LUNDVALL, 2000; LAM, 2000;NONAKA e TAKEUCHI, 1995; AMINe COHENDET, 2004; TEECE, 1998).Sendo assim, as vantagens compe-titivas das firmas derivam nãosomente da posição de mercado, masdo desafio em replicar os ativos(conhecimento) e da maneira pelaqual eles estão sendo desenvolvidos(TEECE, 1998).

Von Hayek (1945) faz uma distin-ção entre “conhecimento científico”e “conhecimento de uma circunstânciaparticular de tempo e espaço” em queadvoga diretamente a necessidade dese especificar os diferentes tipos deconhecimento, ou melhor, as dife-rentes dimensões do conhecimento.

Von Hayek (1945) assume que asvantagens competitivas dos indiví-duos encontram-se na disponibi-lidade e uso da informação original.A exclusividade está conectada àespecificidade de “tempo e espaço”.O acesso específico e restrito ao co-nhecimento, isto é, sua escassez, o fazpoderoso e valioso para quem o tem.

Davenport e Prusak (2000, p. 5)estabelecem uma definição de conhe-cimento que expressa bem seu valor ecomplexidade: “O conhecimento éuma mistura fluída de experiências,valores, informação contextual einsights que dá origem a uma estruturapara a avaliação e incorporação denovas experiências e informações. Talestrutura é originária e ao mesmotempo aplicada à mente dos conhece-

dores. Nas organizações, o conheci-mento freqüentemente torna-seenraizado não somente em documen-tos, mas também nas rotinas organiza-cionais, processos, práticas e normas.”

A diferença existente entreconhecimento e aprendizagem não ésempre clara, por isso muitas vezesesses conceitos se confundem.Seguindo as definições dadas porGavigan et al. (1999), o conhecimentodescreve substancialmente um estadoou um potencial de ação e decisão dapessoa, organização ou grupo. Oconhecimento deriva de um processoem que a quantidade de informaçãoalcançada é mediada por um contextoe pelas crenças humanas.

Já a aprendizagem é um processodinâmico, que indica permanentesmudanças no estado do conheci-mento, freqüentemente manifestadaspela mudança de entendimento,decisão ou ação. De fato, conformeTorres, Almeida e Tatsch (2004), oaprendizado está diretamente asso-ciado à forma pela qual as capaci-tações são desenvolvidas e adaptadasà mudança no ambiente econômico.

Segundo Garcia (p.20, 2001), “aproximidade geográfica entre em-presas é capaz de facilitar o processode circulação das informações e dosconhecimentos por meio da constru-ção de canais próprios de comuni-cação e de fontes específicas deinformação. Esse elemento tem,ainda, o papel de contribuir para odesenvolvimento de novas capaci-dades organizacionais e tecnológicas,o que leva ao fomento de um processode aprendizado de caráter local (...)dadas as maiores facilidades decirculação das informações e detransmissão de conhecimentos.”

A aprendizagem consiste numprocesso de interações, de formaçãode códigos de práticas, de um regimede avaliação mútua e do compar-tilhamento de um repertório dehistórias, fatos e eventos. Em outraspalavras, a aprendizagem pode servista como a capacidade de integrardiferentes tipos de conhecimentonuma atividade industrial.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2472

Johnson e Lundvall (2000, p. 16)definem a aprendizagem como sendoa aquisição de diferentes tipos deconhecimento, competências ehabilidades que fazem um indivíduoou uma organização obter maissucesso no alcance de seus objetivos.

O processo de aprendizagempode acontecer tanto por instrumen-tos formais – quando ocorre eminstituições educacionais compropósito de disseminar o conhe-cimento existente –, quanto porinstrumentos informais, os quaisbaseiam-se principalmente naexperiência (VILLASCHI e CAMPOS,2002). Segundo Lundvall & Johnson(1994), o aprendizado formal tende alevar ao know what e ao know why,enquanto o informal resulta princi-palmente em know who e know how.

Assim, o crescimento e a difusãode conhecimento, tanto tácito comocodificado, tem lugar em firmas eorganizações através de atividades deaprendizagem (ARROW, 1962, p. 156).

Para que surja uma inovação, vá-rios agentes e fontes de conhecimentodevem estar envolvidos. Sendo assim,o aumento de conhecimento pode serdescrito essencialmente como umprocesso interativo de aprendizageme inovação.

Na realidade, Cohen e Levinthal(1990) foram os primeiros autores adiscutirem a questão da capacidadede absorção de conhecimento. Elesafirmam que a transferência deconhecimento depende da capacida-de de absorção das firmas. Os autoresentendem que a capacidade deabsorção consiste na habilidade doreceptor em assimilar, valorar e usaro conhecimento transferido.

A transferência de um spillover deconhecimento através do mecanismoda imitação ou cópia puramente poderesultar em uma simples replicaçãode conhecimento se for usado numcontexto sem nenhuma modificação.Entretanto, esses mesmos mecanis-mos podem fomentar o processo decriação de novos conhecimentos. Talresultado ocorrerá quando o conheci-mento transferido for combinado com

outro conhecimento, originandonovas sínteses.

Essa combinação pode envolvertanto conhecimento tácito comoexplícito, isto é, todos os tipos decombinação são possíveis: tácito-tácito, explícito-tácito, explícito-explícito (Nonaka, 1995). Vale ressal-tar que nem todo o conhecimentopode ser simplesmente transferido. Oconhecimento tácito relacionado comas habilidades, rotinas, know-how oucompetências específicas derivadasda experiência não pode ser codifi-cado e, conseqüentemente, fácil deser transferido, ao contrário doconhecimento científico, abstrato,relacionado ao entendimento teóricoou a princípios científicos.

Segundo McDonald e Belussi (p.90, 2003), se o conhecimento não éum bem gratuito e a absorção deinformação requer uma capacidadede interpretação e decodificação, oconhecimento e a inovação possuemmaiores possibilidades de seremdesenvolvidos em redes industriaisonde os agentes interagem conti-nuamente. Fazendo isso, eles nãosomente trocam partes de seusconhecimentos e informações (etambém conhecimento tácito), maseles socializam seus modelos mentaise seus mapas cognitivos.

O papel da proximidade geográficae social na geração e transferência

de conhecimento

Os alicerces da economia baseadaem conhecimento (knowledge-basedeconomy), como o know-how, ino-vação e tecnologia parecem serfacilitados em termos de criação etransferência através da proximidadegeográfica, ou melhor, quando e ondeos processos são localizados.

O desenvolvimento do conheci-mento é influenciado pelos contatosface a face e pelas interações humanas,ou seja, consiste num processo queacaba sendo dificultado pela distân-cia. Da mesma forma que a aquisiçãoexterna de conhecimento apresentacustos de busca, ela também se

depara com várias barreiras deaquisição, freqüentemente rela-cionadas com a distância.

Assim, o custo marginal datransmissão de conhecimento é maisbaixo através da freqüente interaçãosocial, observação e comunicação(AUDRETSCH e FELDMAN, 2003).Esse argumento também é corro-borado por Porter (1998) quando oautor diz que a proximidade física dasempresas, bem como as repetidastrocas entre elas promovem melhorcoordenação e confiança. Assim, osSLP atenuam os problemas inerentesaos relacionamentos arm’s-lengthsem impor as inflexibilidades daintegração vertical ou os desafios dacriação e manutenção dos acordosformais como alianças e parcerias.

Outro pressuposto comum é quea proximidade espacial facilita oacesso a spillovers de conhecimentoe conseqüentemente à sua transfe-rência (MALMBERG e MASKELL,2002). A explicação oferecida é queas firmas de mesmo setor ou desetores semelhantes desencadeiamprocessos que criam não somentedinamismo, flexibilidade, mas tam-bém aprendizagem e inovação.

As várias habilidades usadas ematividades empreendedoras e geren-ciais apresentam um razoável compo-nente tácito, da mesma forma que osconhecimentos e capacitações, que sãoadquiridos e acumulados pelos agen-tes, através de processos de aprendiza-do interativo, muitas vezes apresentamcaráter tácito e específico. Logo, elesnão podem ser totalmente codificados,o que dificulta sua transferência.

Ao assumir que deve ser feita umadistinção entre conhecimento tácitoe codificado, a dimensão tácita podeser vista como sendo um componentecentral do conhecimento localizado,o qual geralmente é visto como sendomais limitado e dependente geografi-camente do que o codificado. Ao con-trário do conhecimento codificado,cujas distâncias tornam-se insigni-ficantes.

A dimensão local do conhecimentotácito também ressalta a necessidade

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A IMPORTÂNCIA DA PROXIMIDADE GEOGRÁFICA NA GERAÇÃO DE CONHECIMENTO EM SLP

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de distinguir entre diferentes indús-trias e estruturas. Se for aceito que oconhecimento codificado dependemenos da fronteira geográfica do queo tácito, então as firmas que dependemmais de conhecimento codificadopodem ser consideradas como menosdependentes da localização.

Para Belussi (p. 4, 2005b), quan-do o conhecimento é posto emprática, ele adquire uma naturezalocal e é transformado em um estadosubjetivo porque o conhecimentolocal existente entre empreendedoresou organizações não pode ser repre-sentado simplesmente como um pro-cesso de codificação de conhecimentotácito, mas ele está relacionado aoslimites da interpretação e ao esquemacognitivo enraizado nas organizações.

Assim, as formas não articuladasde conhecimento tácito estão entre osmotores mais relevantes das ino-vações das firmas localizadas emsistemas locais. A história das firmas,suas experiências, a rotinização dasatividades de produção, a quantidadede relacionamentos que elas sãocapazes de construir e o compartilha-mento do mesmo estilo de vida são asprincipais fontes de conhecimentotácito. Firmas localizadas nesse tipo deambiente se beneficiam naturalmentedesse “encravamento” (embeddedness)que permite reduções substanciais noscustos de acesso ao conhecimento.

Os SLP são vistos como dispo-sitivos cognitivos, ou melhor, sistemasinterpretativos em que os agenteseconômicos pertencentes a um siste-ma local específico que, apesar de suacapacidade cognitiva limitada, têmmelhor acesso a conhecimento dis-perso e não-organizado. Isso por quea interação espacial reforça acomunicação de idéias, descobertascoletivas, crenças compartilhadas,senso coletivo de decisão (collectivesense-making), práticas comuns e apropagação de rotinas imitáveis.

Nesse sentido, quanto maiscomplexa, sistêmica e quanto maioro conteúdo tácito e específico da basede conhecimento, maiores serão asnecessidades de interação entre indi-

víduos e organizações. Conseqüente-mente, dada a dificuldade de codifi-cação do conhecimento acumulado aolongo dos processos de aprendizagempor interação (learning-by-interacting),criam-se códigos de comunicaçãointernos à firma e canais específicospara a troca de informação.

A existência de canais amplos einstitucionalizados reflete a capacidadedos atores locais de conduzirem a gera-ção e difusão de conhecimentos entreeles. Esses canais podem ser encontra-dos na forma de projetos cooperativosde pesquisa e desenvolvimento ou mes-mo de programas que compartilhempráticas produtivas e organizacionais.

Por outro lado, a ocorrência decanais limitados e informais tende arestringir o papel da infra-estruturaeducacional e tecnológica e a própriadifusão do conhecimento no local.

Esses canais podem ser maisfacilmente construídos no âmbito local,o que vem a ressaltar a importância dasinstituições que permitem aconsolidação de construções sociaisespecíficas (GARCIA, 2001). Aliás,pode-se dizer que há uma interdepen-dência fundamental entre a estruturaeconômica e as instituições de um SLPporque no momento em que um grupode firmas incumbe-se de desempenhartanto atividades similares quantocomplementares diferentes das demaisdesempenhadas no SLP, esse grupo defirmas já está criando instituições.

Essas atividades afetarão o que éfeito dentro e entre as firmas e,conseqüentemente, acabam por ditaro que é aprendido. Todavia, asinstituições irão definir como asatividades serão realizadas e como aaprendizagem acontecerá, poisdiferentes tipos de aprendizagemoriginam inúmeros resultados, osquais podem adaptar-se aos desafiose oportunidades apresentados peloambiente de fora do SLP (MALM-BERG e MASKELL, 2002).

Justamente devido ao fato de asinstituições serem específicas, elasfazem com que os SLP difiram de umpara outro. Assim, os mesmos meca-nismos que reduzem a distância cogni-

tiva dentro de um SLP tendem a au-mentar a distância cognitiva entre eles.

Considerações Finais

A sociedade pós-fordista em que sevive fez surgir várias questões rela-cionadas com os desafios desse século.A ampliação das fronteiras dos merca-dos e a arena competitiva exigem queas firmas sejam extremamente flexíveise de fácil adaptação. Uma das forçasmotrizes da performance econômicaé o conhecimento (ou os recursosintangíveis), apropriadamente tradu-zido em modelos organizacionaisinteligentes, inovação e criatividade.

Todavia, os fluxos de aquisição deconhecimento dentro e entre firmasrequerem um olhar que vai além dosindivíduos, mas que leva em consi-deração as relações entre as firmas. Acriação de canais específicos decomunicação entre os agentes queinteragem em um SLP é um fatorcrucial para o desenvolvimento daaprendizagem via interação. Alémdisso, esse modelo interativo deinovação ressalta a relevância dacooperação entre firmas e demaisagentes e, portanto, o papel dos vín-culos e redes envolvendo diferentesorganizações. Dessa forma, ficou evi-dente que o conhecimento externo éum input essencial ao processo degeração de novos conhecimentos e queé influenciado pelos contatos face aface e pelas interações humanas, ouseja, consiste num processo que acabasendo dificultado pela distância.Conseqüentemente, o custo marginal datransmissão de conhecimento é maisbaixo através da constante interaçãosocial, observação e comunicação(AUDRETSCH e FELDMAN, 2003), asquais são facilitadas entre agentesterritorial e socialmente próximos.

Dessa forma, o tipo de conheci-mento que as firmas localizadas emSLP baseiam sua competitividaderesulta principalmente da aprendiza-gem ocorrida através da execução desuas rotinas diárias, experiências ad-quiridas, acumulação de conhecimen-to tácito e conversão de conhecimento.�

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aAs mazelas do Brasil vêm sendoanalisadas por vários intelectuaisbrasileiros e alguns estrangeiros queprocuram explicar as causas crônicasdo subdesenvolvimento econômico,político e social. Por que um país ricoem recursos naturais, sem problemasde unidade nacional, já que não temosmovimentos separatistas, conflitosreligiosos ou raciais, não conseguedecolar economicamente e resolverseus graves problemas sociais,principalmente a desigualdaderegional? O Brasil é realmente umpaís bastante complexo. O processode independência política em relaçãoà metrópole portuguesa se deu apartir de conchavos entre as elitesdirigentes e um príncipe regente aquideixado com propósitos sub-reptícios.A unidade nacional foi mantida,segundo alguns historiadores, graçasao sistema escravocrata, que permitiaa sustentação do sistema econômicovoltado para a monocultura doaçúcar baseado no trabalho escravo.

Há consenso de que a fragmen-tação do território colocaria em riscoesse sistema e mesmo com os movi-mentos revolucionários ocorridos nonordeste e no extremo sul durante oséculo XIX, a aristocracia ruralsempre procurou se manter coesa emdefesa os seus interesses econômicose políticos. A proclamação da Repú-blica, longe de ter sido um movimentorevolucionário, foi também um pro-cesso de acomodação em decorrênciado desgaste do sistema monárquico,principalmente em função daabolição do sistema escravista semuma compensação econômica aosproprietários rurais e do processosucessório do imperador.

As elites brasileiras do século XIXtinham sólidas raízes ibéricas e é a

partir dessa base cultural que SergioBuarque de Hollanda finca as estacasde sua análise, apoiando-se nasteorias da Antropologia Culturalnorte-americana. Nesta análise, oautor procura explicar através doespírito lusitano, formado pela buscaincessante de aventuras e comdificuldades em se estabelecer atravésdo trabalho sedentário, a ausência devínculo entre essas elites e a novanação que se formava. A tipologia do“homem cordial” formulada peloautor tem sido ao longo dos 70 anosda publicação de Raízes do Brasil,pouco compreendida. Essa cordia-lidade é descrita como a aversão dohomem brasileiro às relações formais,característica do sistema burocráticoracional. É uma cordialidade que seinstala através das relações decompadrio, em que preponderam osinteresses de caráter particularistaem detrimento dos interesses públi-cos. Portanto, enganam-se aquelesque entendem essa cordialidade comouma virtude. Ao contrário, ela explica

o desprezo atávico pela raciona-lidade, pela separação entre o que épúblico e que é privado, pela justiçaimparcial, enfim, pela democracia emseu sentido mais amplo. Aliás,Hollanda afirma que a democracia noBrasil foi um “lamentável mal-enten-dido”, pois a idéia de uma democracialiberal nunca foi bem digerida pelaselites pois o Estado sempre foi vistocomo uma extensão do privado, dasrelações do tipo primário em que afamília, os agregados e amigos vêmem primeiro plano. Frases como“para os amigos tudo, para os ini-migos a lei”, ainda presentes em nossocotidiano político, são o reflexo daincompreensão do sentido da rés-pública.

A análise fundada nos tipos ideaisde Max Weber pode suscitar críticaspelo rigor metodológico, mas éinegável a sua contribuição para secompreender o Brasil e os brasileiros,principalmente as suas elites. Aerudição do autor, um devorador delivros segundo depoimentos de seusantigos companheiros, apresentaalgumas dificuldades para o leitorpouco familiarizado com uma lin-guagem acadêmica, principalmentepor citações não traduzidas.

Raízes do Brasil, com uma ediçãomoderna e bem-cuidada peloseditores, volta às livrarias, desta vezcom excelentes comentários deintelectuais do calibre de AntonioCândido, Evaldo Cabral de Mello,Bolívar Lamounier, entre outros. Éum livro atual e necessário para seentender o Brasil, pois aindasobrevive entre nós a dificuldade deromper com os particularismossociais e políticos, condições essen-ciais para atingirmos a maturidadecomo estado moderno. �

RAÍZES DO BRASILEdição comemorativa de 70 anos. Sergio Buarque de Hollanda. Org. de Ricardo Benzaquen

de Araújo e Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo, Cia. Das Letras, 447 p.

POR RENATO LADEIA

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O Planejamento da Pesquisa Qualitativa –teorias e abordagensNorman K. Denzin, Yvonna S. Lincoln e colaboradores – Artmed, 2ª edição, 2006, 432 p.

O planejamento da pesquisa qualitativa, 2ª ed., é o primeiro volume da versão brochura do clássico Handbookof qualitative research, 2ª ed., considerado o grande livro de pesquisa qualitativa. Finalmente publicado noBrasil, este livro mundialmente adotado examina o campo da pesquisa qualitativa a partr de uma perspectivateórica abrangente.

A parte I contextualiza o campo da pesquisa qualitativa, começando por sua história, passando para apesquisa-ação e o meio acadêmico, chegando à destinação da pesquisa e à política e à ética da pesquisaqualitativa. A parte II isola os principais paradigmas históricos e contemporâneos que estruturam einfluenciam a pesquisa qualitativa nas disciplinas humanas. Os capítulos percorrem diversos paradigmasteóricos concorrentes (positivistas, pós-positivistas, construtivistas, da teoria crítica) e perspectivasinterpretativas específicas. A parte III examina o futuro da pesquisa qualitativa.

O planejamento da pesquisa qualitativa atende amplamente as necessidades de professores, alunos eestudiosos, sendo o texto ideal para a disciplina de métodos de pesquisa em diversos cursos acadêmicos.

Marketing Internacional – desenvolvendo conhecimentos e competências em cenários globaisEdmir Kuazaqui – M. Books do Brasil Editora Ltda, 2007, 208 p.

Obra obrigatória destinada a todos aqueles que desejam desenvolver habilidades, qualidades, competênciase negócios em um cenário cada vez mais complexo e competitivo. A obra é apresentada em seis capítulos,envolvendo a evolução histórica do marketing internacional e sua relação com o mundo e o Brasil; comércioexterior e internacional; análise e avaliação de ambiente; sistemas de informação, pesquisa e inteligência;planejamento estratégico; estratégias de entrada e operação em mercados internacionais; relaçõesinternacionais, gerência multicultural, liderança e geografia econômica internacional; negociação,comunicação e formação de traders. Todo o conteúdo é desenvolvido de forma organizada, didática, teóricae principalmente prática, com o intuito de instrumentalizar todos os profissionais e empreendedores frenteàs novas formas e possibilidades de negócios em base internacional. O livro é um valioso instrumento paratodos aqueles que desejam ingressar, compreender, interagir e obter sucesso no mercado internacional,servindo como uma verdadeira bússola para os inúmeros desafios da realidade contemporânea globalizada.

Gestão do Conhecimento – os elementos construtivos do sucessoGilbert Probst, Steffen Raub e Kai Romhardt, Bookman Companhia Editora, reimpressão 2006, 286 p.

Oferece uma visão clara e abrangente das mais importantes idéias, instrumentos e aplicações atuais dagestão do conhecimento. Os autores baseiam-se em uma inovadora abordagem de “elementos constru-tivos” e oferecem uma visão detalhada dos mais importantes processos de conhecimento nas organizações.

“Estamos experimentando uma mudança de paradigma, da era industrial para a era do serviço e doconhecimento. Procuramos novas respostas que darão sentido e propósitos para nossos esforços e para osprocessos de conhecimento. Este livro é uma excelente ferramenta: é fácil de ler e contém exemplos práticosque ajudam a lidar com os assuntos”. Heinz Fischer, Vice-presidente da Deutsche Bank.

“O conhecimento das necessidades do consumidor, dos mercados, das patentes, dos produtos e processosé um recurso estratégico fundamental no mundo dos negócios de hoje. O uso desses recursos,particularmente em grandes empresas, é uma questão de sobrevivência em mercados altamentecompetitivos e voltados para a inovação. A abordagem prática do tema, oferecida por Gilbert Probst, SteffenRaub e Kai Romhardt, é uma ferramenta valiosa”. Heinrich V. Pierer, Presidente e CEO da Siemens AG.

“O conhecimento vai dominar o ambiente social do século 21. As organizações vão rapidamente se dividirentre aquelas que sabem e as que não sabem. O líderes de amanhã terão de utilizar melhor o conhecimentoque seus empregados detêm. Este livro mostra como”. Bob Bishop, Presidente do Conselho da SiliconGraphics World Trade Corporation.

Gestão Empresarial: casos e conceitos de evolução organizacionalÉder Paschoal Pinto (organizador), Editora Saraiva, 2007 – 382 p.

Trata-se de uma obra centrada em conceitos, estudos de casos, exercícios e pesquisas para estudantes,professores de pós-graduação lato sensu e gestores de organizações empresariais. Está dividida em 12capítulos com temário escolhido com base em uma pesquisa que envolveu IES (Instituições do EnsinoSuperior) com quinze ou mais cursos de pós-graduação em Administração em andamento no segundosemestre de 2005.

Nessa esteira de oportunidade de agregar valor, os autores desta obra envidaram esforços e aquiapresentam teorias e práticas de gestão, sedimentadas nos seguintes pilares: 1) compilação dos principaistemas de gestão ministrados em cursos de especialização (pós-graduação lato sensu) em gestãoempresarial, 2) ênfase no teor longitudinal de Gestão em Organizações, 3) exposição de múltiplos exemplosda realidade brasileira, e 4) privilégio a aprendizagem-ensino, por meio de vários casos de ensino, relatosde pesquisas e exercícios.

Gestão empresarial apresenta ao leitor os principais temas ministrados em cursos de pós-graduação latosensu na área de administração. Boa parte deles é explicada desde as aplicações rudimentares até o estado-da-arte. Todos os capítulos contém exercícios e/ou, estudo de caso, com soluções/orientações liberadaspela Editora on line.

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