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(...) Nheçu, líder indígena Guarani, defensor de seu povo, sua cultura e sua terra, pioneiro na resistência aos conquistadores, no século XVII, na atual região das Missões, RS (...) FOTO TONY HOFFMANN Especial: Andressa - a nossa menina de ouro na Seleção Brasileira..................................... Página 03 Artigos de Carlos Zatti e Adriano Reisdorfer ................................................................. Páginas 04 e 05 Crônica de Larissa Hoffmann e Uma foto para a História........................................................ Página 02 Poemas de Cícero Galeno Lopes, Denis Koulentianos, Edimar Luiz Otávio Oliani, Salvador Lamberty e Sílvia Oliveira........................................................... Página 09 Bueno da Silva, Larí Franceschetto, Crônica de Manoel Hygino dos Santos e Cultura Guarani, por Julio Ribas........................... Página 08 Autores & Livros, por Inês e Nelson Hoffmann e resenha de Enéas Athanázio.......... Páginas 10 e 11 Ensaio de Olga Savary: Francisco Miguel de Moura, domador de palavras ............... Páginas 06 e 07 ANO 4 - NÚMERO 16 - ROQUE GONZALES, RS - JANEIRO/FEVEREIRO 2013

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Page 1: NÚMERO 16 - alexandresanttos.com.br · tem de gostosa recordação e base de um novo ... Antes que seja tarde. Aquela menininha, minha professorinha sardenta de ontem, continua dando

(...) Nheçu, líder indígena Guarani, defensor de seu povo, sua cultura e sua terra, pioneiro na resistência aos conquistadores,

no século XVII, na atual região das Missões, RS (...)

FOTO TONY HOFFMANN

Especial: Andressa - a nossa menina de ouro na Seleção Brasileira..................................... Página 03

Artigos de Carlos Zatti e Adriano Reisdorfer................................................................. Páginas 04 e 05

Crônica de Larissa Hoffmann e Uma foto para a História........................................................ Página 02

Poemas de Cícero Galeno Lopes, Denis Koulentianos, Edimar Luiz Otávio Oliani, Salvador Lamberty e Sílvia Oliveira........................................................... Página 09

Bueno da Silva, Larí Franceschetto,

Crônica de Manoel Hygino dos Santos e Cultura Guarani, por Julio Ribas........................... Página 08

Autores & Livros, por Inês e Nelson Hoffmann e resenha de Enéas Athanázio.......... Páginas 10 e 11

Ensaio de Olga Savary: Francisco Miguel de Moura, domador de palavras ............... Páginas 06 e 07

ANO 4 - NÚMERO 16 - ROQUE GONZALES, RS - JANEIRO/FEVEREIRO 2013

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I 02 I Crônica

Editor, Redator e Diagramador: Marco Marques Assistente de Redação: Marcela Santos

Jornalista colaboradora: Andrea Fioravanti Reisdörfer

Rua Independência, 841- sala 01 - centro - 97.970-000 - Roque Gonzales - RS - [email protected]

Foto de Capa: Tony Hoffmann

COLABORADORES:

Número 16 - janeiro/fevereiro 2013

OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES E NÃO REPRODUZEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO JORNAL

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Adriano Reisdorfer, Arine de Mello Jr., Carlos Zatti, Cícero Galeno Lopes, Denis Koulentianos, EdimarBueno da Silva, Enéas Athanázio, Inês Hoffmann, Julio Ribas, Larí Franceschetto, Larissa Hoffmann,Luiz Otávio Oliani, Manoel Hygino dos Santos, Nelson Hoffmann, Olga Savary, Salvador Lamberty eSílvia Oliveira.

Já com relação ao livro de Maria Schuh Poersch, Baú de Recordações, o escritor Nel-son Hoffmann deixou registrada, na abertura do livro, a seguinte apresentação:

Até hoje, já velho e setentão, tenho bem vivo dentro de mim as andanças até a escola de Poço Preto. Eram mais de quatro quilôme-tros, a pé ou a cavalo, por uma estradinha que era pouco mais que uma picada. Isso, de manhã bem cedinho, mesmo no inverno, de pés descalços… Quem tinha calçados naquela época? E eu cursava a segunda série do primário. O professor era o Prof. Schuh. Um dia, ele nos apresentou uma menininha, a menininha seria nossa professora. Nunca mais esqueci o rostinho dela, emoldurado por um cabelinho curto, franjinha na testa, sardas espalhadas pela carinha de quase criança. Que nem eu, nós, seus alunos. Até hoje lembro. E ela tinha um nome: Maria Schuh. E era filha do profes-sor. O tempo rodou, fui-me pela vida e mundo, devolvi-me ao meu chão. Inaugurei a Prefei-tura, junto com o meu amigo de infância Plínio Wagner e… a minha professorinha sardenta, de franjinha e cabelinho curto. Esta era, agora, a Senhora Maria Schuh Poersch. Neste livro, Maria nos fala e conta muita coisa de uns tempos que já se foram. Mas que existiram e são a base de tudo o que hoje aí está e Roque Gonzales é. O ruim é que a super-

ficialidade de hoje não atenta para as bases de ontem. Hoje nós somos o produto de ontem. Uma casa se constrói a partir do alicerce, le-vantando paredes, arrematando coberturas. Quem esquece o alicerce só esvoaça no pre-sente e tem futuro aleatório. Maria Schuh Poersch nos mostra as bases da construção de nossa comunidade. Simples, clara, humilde. E muito honesta, muito. Sigam-se as bases, não haja desvãos no caminho. Evolução, sim. Evoluir é construir hoje so-bre o ontem. Assim, amanhã o hoje será o on-tem de gostosa recordação e base de um novo amanhã. Este livro é um convite a mais lembranças de nossa História e a mais subsídios de nossos alicerces comunitários. É preciso contar mais histórias assim. Precisamos salvar nossas ba-ses, entender nossos alicerces. Antes que seja tarde. Aquela menininha, minha professorinha sardenta de ontem, continua dando aula hoje.

No dia 15.12.2012, às 20h, Maria Schuh Poersch lançou seu livro Baú de Recordações, em animado coquetel, nas dependências de sua confortável residência, em Roque Gonza-les, RS. Bom número de amigos e convidados se fez presente, destacando-se todos os fami-liares da novel escritora, numa demonstração de carinho, afeto e respeito por quem já tem seu nome inscrito na História de Roque Gon-zales. Dentre os presentes, foram destaque muito especial o escritor Nelson Hoffmann e o advogado Plínio Wagner. Acontece que os três Maria, Plínio e Nelson são os pioneiros do Município, os três primeiros funcionários da Prefeitura, os três que começaram as ativida-des autônomas de Roque Gonzales, RS, em maio de 1966. O fotógrafo Tony Hoffmann não perdeu a chance e clicou os três em uma foto para a História.

UMA FOTO PARA

A HISTÓRIA

R. G., 12.09.2012

Nelson Hoffmann

Um historiador estuda tempos nos quais não viveu. Não fosse assim, não haveria

especialistas em Revolução Francesa capazes de trazer novas interpretações.

Chega a conhecer melhor um tempo mesmo recente do que aqueles que o viveram

sem estudá-lo. A História é sempre o presente reescrevendo o passado. Essa lição

está na obra de outro mestre fantástico, Paul Veyne. O resto é ideologismo.

Juremir Machado da Silva, em Olho na história, C. Povo, P. Alegre, RS, 10.01.13, p. 02).

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LARISSA HOFFMANNAluna da da Escola Martim

Luther, Vila Dona Otília, Roque Gonzales.Crônica premiada nacionalmente na

Olimpíada de Língua Portuguesa 2012.

8ª série

JE

RE

MIA

S W

AC

HH

OL

Z

Maria Schuh Poersch entre Nelson Hoffmann (esq.) e Plínio Wagner (dir.)

“Baú de Recordações”, Editora Ediuri/Ledix/ Cultuarte, Roque Gonzales, 2011

BLÁ-BLÁ-BLÁ DO CEMITÉRIO

Ando pelas ruas da pacata Vila Dona Otília, vila na qual vivi a maior parte de minha vida, observo as folhas das árvores balançando, de um lado para o outro, tomadas pela leve brisa de mais um dia do inverno gaúcho. Nessas mesmas árvores avisto pássaros can-tando alegremente sob os primeiros raios de sol que começam a aparecer entre uma e outra nuvem. Em meio a essa sinfonia, ouço pela con-versa de um casal de senhores que tranquila-mente tomam seu rotineiro chimarrão, o as-sunto que nos últimos dias está conquistando as conversas dos dona-otilienses: o cemitério. Isso mesmo, o cemitério. Construído há mais de 100 anos pelos colonizadores alemães que aqui chegaram em 1908, pode ter seus dias contados, ou não. O assunto de uma possível remoção tem agi-tado a vida da Vila. Uns falam que vão tirar o cemitério e construir uma praça, outros dizem que não é nada disso, e alegam que uma comu-nidade tão pequena não precisa ter dois cemi-térios. Ah! Eu não havia falado, mas Dona Otília tem dois cemitérios, um é antigo e guarda toda a história desta comunidade, o outro está em pleno funcionamento e tem as histórias mais recentes. Só que com este blá- blá-blá todo, o assunto foi parar nas redes sociais, e aí vocês já imaginam o que se tem falado: “Devemos pre-servar a história desta comunidade, deixem o cemitério!”, “O Cemitério deve ser reformado, não destruído!”, “Essa história de construir algo

em cima de cemitério, eu já vi em filme, vai dar xabu hein...” Crianças, jovens, adultos e idosos, todos querem opinar sobre o assunto mais comen-tado nas ruas da tranquila comunidade. Con-versa vai, conversa vem, foi marcada então uma assembleia para definir qual seria o des-tino do cemitério centenário. Boatos, discus-sões, todos estavam curiosos para saber o que viria a acontecer. Enfim, chegou a data da ben-dita assembleia, mas, ué... cadê o povo? O povo de Dona Otília tanto falou, mas no fim, quase ninguém compareceu. Nem gente com a intenção de ver o barraco que seria armado em meio de tantas discussões esteve. Devido as poucas pessoas que compareceram, a diretoria tomou a seguinte decisão: a assembleia será remarcada. Até a presente data, não se sabe o que acon-tecerá com o cemitério, se fica, se sai, ou se esse assunto será morto e enterrado. Bem, se o rumo for a última opção poderemos ficar tran-quilos, pois o lugar para enterrar o assunto é o que não falta por aqui...

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FOTOS SITE CBF

Especial I 03 I

Andressa Cavalari Machry é a menina de ouro do nosso futebol roque-gonzalense e brasileiro. Uma menina quase tímida, de pouca conversa, mas de futebol conta-giante e exuberante. Da simplicidade do dia a dia, vira o “motorzinho brasileiro” quando veste a amarelinha do Brasil. E o seu futuro recém está começando.

Em nosso O Nheçuano nº 03, de abril/maio 2010, publicamos reportagem sobre essa menina-moça, contan-do sua origem, sua vida e sua ascensão vertiginosa no meio competitivo do futebol. Sem nunca ter tido um clube de futebol pelo qual jogasse, apenas participando de jogos estudantis e torneios de futebol de salão, Andressa viu-se convocada para a Seleção Brasileira Feminina de Futebol de Campo Sub-17, quando recém tinha 13 anos de idade. Ela saiu direto de Roque Gonzales, RS, para a Granja Comary, RJ. Um ano depois, em 11 de fevereiro de 2010, a menina Andressa sagrava-se Campeã Sul-Americana de Futebol Feminino Sub-17, sempre titular da equipe e marcando gols, com apenas 14 anos de idade. Começava a glória no mundo do futebol global.

De lá para cá

Desde a conquista do Sul-Americano Feminino Sub-17, em 2010, a carreira de Andressa tomou rumo. O então técnico da Seleção Brasileira, Edvaldo Erlacher, levou a atleta para a Associação Esportiva Kindermann, da cidade de Caçador, Santa Catarina, que o próprio orientava. Aí, com treinamentos específicos e acompanhamento diário, a trajetória futebolística de Andressa deslanchou de vez. Dividindo seu tempo entre a A. E. Kindermann e a Seleção Brasileira, ela vai acumulando títulos:

2010: - Campeã Estadual de Santa Catarina; - Excursão pelos Estados Unidos, pela Sub-17, com destaque para Dallas; - Campeonato Mundial Sub-17 (participação), em Trinidad-Tobago. 2011:

- Bicampeã Estadual de Santa Catarina.

2012: - Tricampeã Estadual de Santa Catarina; - Bicampeã Sul-Americana Sub-17, na Bolívia; - Campeonato Mundial Sub-17 (participação), no Azerbaijão; - Campeã Sul-Americana Sub-20 (com 16 anos), em Curitiba, PR; - Tricampeã do “Torneio Internacional Cidade de São Paulo” (seleção principal), Pacaembu, São Paulo, SP.

OURO NA SELEÇÃO BRASILEIRAANDRESSA - A NOSSA MENINA DE

INÊS HOFFMANNNELSON HOFFMANN

de renome mundial, a maioria jogando em grandes equi-pes europeias. Por sinal, Andressa costuma ser colega de quarto da mais badalada atleta mundial, a brasileiríssima Marta. Como Marta, também veste a camisa 10 e está a claro caminho de sucedê-la na Seleção Brasileira.

2013 em perspectiva

O ano de 2013 promete emoção e crescimento ain-da maior na vida dessa jovem atleta. Na vida particular, An-dressa continua em Caçador, SC, e vai cursar a UNIARP (Universidade Alto Rio do Peixe), decidindo-se entre Edu-cação Física ou Fisioterapia. Na vida futebolística, continua defendendo a A. E. Kindermann.

Pela A. E. Kindermann disputará o Campeonato Es-tadual de Santa Catarina e a Copa do Brasil, a partir de feve-reiro. O primeiro jogo será no dia 02.02.13, sábado, em Mato Grosso do Sul, contra o Comercial. Depois, o jogo de volta, em Caçador, SC… Se não houver eliminação, por es-core superior a 2 x 0. Os moldes desse campeonato são os mesmos da Copa do Brasil masculina, de que participam os maiores clubes do país.

A nível nacional, haverá três convocações para a Se-leção Brasileira Feminina Sub-20, da qual Andressa é a Capitã. E a Seleção Brasileira Feminina Principal será con-vocada em quatro ocasiões diferentes e Andressa leva total fé em sua própria convocação. “O difícil não é chegar à seleção; o difícil é manter-se na seleção. Eu me mantenho”, explica ela.

Por fim, já para 2014 está programada nova Copa Sul-Americana Feminina Sub-20, da qual Andressa ainda pode participar, pois que estará, então, com 19 anos de idade. O campeão e o vice dessa Copa participarão do Cam-peonato Mundial Sub-20. Por certo, Andressa continuará presente.

Futuro

Parece que o futuro recém está começando mesmo para Andressa… Aliás, deixemos claro, “Andressinha”. Em família, para os amigos, Andressa é sempre a Andressinha. Nas transmissões radiofônicas e televisivas, a nossa An-dressa é sempre a Andressinha… até para distinguir de outra Andressa, lateral esquerda da seleção principal.

Mas a nossa Andressa, que em verdade é a Andres-sinha, é diminutiva só no nome. O futebol que a Andres-sinha joga, há tempos encanta o mundo. E promete muito mais, ela recém começou.

Hoje, Andressa tem 17 anos, continua nas seleções de base e já integra a seleção principal do Futebol Feminino do Brasil, seleção que tem nomes consagrados como Marta, Érica, Formiga, Andréia (goleira), Cristiane… Todas

Com Marta, em evento beneficente, em SP Ao lado da poeta Inês Hoffmann, em Roque Gonzales, RS Treinando na Granja Comary, Teresópois, RJ

FOTOS SITE CBF

Capitã da Seleção Sub-17, bicampeã Sul-Americana em 2012

Andressa em ação no Mundial Sub-17, no Azerbaijão

TONY HOFFMANN

Com as taças do Bicampeonato Sul-Americano, na Bolívia

Campeã Sul-Americana Sub-20 de 2012, em Curitiba, PR

TONY HOFFMANN

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I 04 I Artigo

ILEX PARAGUARIENSIS “A América nasceu bebendo mate!” Será? Tal assertiva, mui repetida por sinal, é tão controversa como a história do nome cientí-fico da erva-mate. Antes da chegada dos jesuítas ao Paraguai, existiam 13 pequenas colônias (mitas), acima e abaixo das Sete Quedas, além das yanaco-nas, e três grandes: Ontiveros, Ciudad Real del Guayrá e Villa Rica del Espirito Santo. Para atingir os ervais, a partir do rio Paraná, eram feitas expedições pelos afluentes aci-ma, até a altura de seu habitat, onde também vingava a araucária. Antônio Ruiz de Montoya, em 1639, escre-veu: Afirmo que busquei, com todo o cuidado, sua origem entre os índios de 80 a 100 anos. O que descobri como coisa averiguada é que, nos tempos em que esses velhos ainda eram moços, não se bebia, nem se conhecia, a não ser da parte de um feiticeiro ou mago, que tinha trato com o demônio. Mostrou-lha este [...]. Passaram a usá-la os índios de idade avançada, mas era com moderação. Os efei-tos, que em geral contam a propósito desta erva, vêm a ser que ela os alenta (estimula) ao trabalho e lhes serve de sustento. Sim. Antes era reservada aos xamãs, bebi-da com certa cerimônia em cabaça de poron-go, também recipiente um tanto religioso, eli-tista e cerimonioso, entre os guaranis. Quan-do os espanhóis chegaram, quebraram esse “sacro tabu” e todos os índios passaram a tomar o mate, com ânsia exagerada pela cu-riosidade, uma vez que até então era proibido às classes inferiores. Por tal exagero, os jesuítas proibiram o Caá dentro das reduções, acusando-a de bebida do diabo, com a alegação de que o vício cor-tava até o jejum exigido antes da missa e da comunhão. Porém, após ter sido do demônio, foi incentivado para combater o alcoolismo dentro das reduções, além do lucrativo comércio, tanto ao Papa como ao Rei. Foi libe-rada sua colheita e venda, por decreto real, em 1645. Os colonos espanhóis batizaram a erveira de “erva-do-Paraguai”. O certo é que ela dá, naturalmente com o pinheiro do Paraná, portanto nem no pampa e nem nos Andes. Podemos afirmar que ela é originária do vale do Iguaçu. Os hortos missio-neiros dos Sete Povos, comprovam, levando-se em conta a dificuldade que tiveram os je-suítas em descobrir a germinação das semen-tes. Antes de 1660, surgiu o primeiro erval plantado, no Brasil, em São Xavier- RS. Entre-tanto os maiores do mundo ficam em Missio-nes - Argentina, já no Século XX. Os bandeirantes foram os primeiros por-tugueses a ter contato com o hábito desta bebida no Guairá, quando chegaram para prear os índios aldeados. Voltando um pouco no tempo, vamos en-contrar uma correspondência de Don Alonso de la Madrid, de 10/02/1596, pedindo a Hernadárias para suspender a produção, ale-gando que os índios andavam léguas e léguas para colher a erva! - Tão longe de Assunção (onde não havia erva-mate) ficava o ho-dierno Paraná, Guairá - época dos encomen-deros, portanto, após a chegada do homem branco. Os soldados de Irala, ao voltarem de Guairá para Assunção, levaram um bom carrega-mento, fizeram propaganda da erva e do caá-i (água e erva); depreende daí o hábito adquiri-do pelos espanhóis, e movimentou-se o comércio em toda a província do Paraguai,

desde Maracajú, passando pelo Ivaí, ao alto Uruguai, tornando-o rendoso para a Colônia, pois que seu uso se estendeu às margens do Prata conquistando Buenos Aires, e, trans-pondo os Andes chegou a Potosi, enriquecen-do os donos do Paraguai. Exageram os cronistas, em dizer que era “vício maléfico”. Quem tem o hábito de ma-tear jejua do mesmo sem qualquer dificul-dade, ao contrário dos vícios do tabaco, álcool e coca, entre outros. Emaranhados de informações e contradi-ções são uma constante para quem estuda a história do mate, ao ponto de existirem afir-mativas de que fazia mal, entretanto: “muito bem aos guairenhos - os mais fortes guaranis” Na verdade, como diz Linhares: Levando assim tudo de vencida, supersti-ções, preconceitos, perseguições, calúnias, maldições, excomunhões, questões morais, o mate inscrevia em sua história toda uma fase de lutas heroicas, da qual, por fim, logrou sair não só vitorioso mas redimido precisamente junto dos que mais o combateram, os jesuítas. É exagero de um ou outro deles, isoladamen-te, continuar aferrado aos velhos prejuízos antimatistas. Enfim: da “erva do diabo”, um hábito sau-dável! - Isto na América do Sul, porque na Eu-ropa pouco se sabia dela. Ainda em 1620, um jesuíta anônimo, acu-sava que cabeças de Ciudad Real del Guayrá se entregavam ao “vício da bebida e faziam o povo segui-los e imitá-los”.

***

Os avios do mate são: cuia (cabaça de porongo), bomba e chaleira. Quanto à bom-ba, ou bombilha, foi trazida/inventada pelos espanhóis. Os índios bebiam o mate na pró-pria cuia, empurrando a erva com o lábio superior à maneira de como se bebe a legí-tima caipirinha. Depois, imitando a bomba metálica espanhola, fabricaram sua Tacuapi de taquara, ou seria o contrário? Mais uma controvérsia a desvendar.

* **

Auguste de Saint-Hilaire - membro da Academia de Ciências do Instituto da França, professor na Faculdade de Ciências de Paris,

Conheceu tanto o chimarrão como as fo-lhas frescas (sem odor, mas com sabor herbá-ceo), na Comarca de Curitiba, em 1820: De Minas Gerais, atravessando São Paulo, entrou na Curitiba pela região de Jaguariaíva. Ao passar pelo Guartelá, pousou na fazendola de Fabiano Domingues Garcia. Aí tomou mate oferecido pela dona da casa, senhora Bibiana - primeira cuia de chimarrão que sorvia. -Mal sabia Saint-Hilaire que, poucos dias depois, ao passar pelo Rio dos Papagaios, colheria fo-lhas da erveira, que iria batizá-las, cientifica-mente, de “Ilex paraguariensis”, numa refe-rência a este rio planaltês, que serpenteia nossos Campos Gerais. Na Borda do Campo, conheceu seu pre-paro, no barbaquá (depois conheceria o cari-jo, no Rio Grande do Sul), anotou, fez aponta-mentos e, ao chegar a Paris, na Academia, apresentou longo relatório, que fez sentir a necessidade de uma classificação botânica, para a erva-de-Curitiba. Propôs-lhe, entre ou-tras sugestões, “Ilex-paraguariensis”, aceito até nossos dias. Romário Martins disse que a origem da de-terminação botânica da erva mate seria a seguinte: Em 1819 o celebre botânico Adolphe de Sant'Hilaire recebia na Europa amostras de Herva-Mate do Paraguay, que classificava no Genero Ilex, dando á Especie e determinação de paraguariensis, tendo em vista a proce-dencia de taes amostras. Vindo em seguida á America do Sul e observando, bosques pro-fusos da Especie que determinára e descre-vera, alterou para Ilex-Mate o nome dado na Europa ao exemplar paraguayo. A primitiva denominação especifica prevaleceu, com-tudo, porque em 1822 a revista do Museu de História Natural de Paris (vol. IX, pag. 351) dava divulgação ao seu primeiro trabalho e no mesmo ano (1822) o botânico G. Don, es-tudando exemplares da Herva-Mate do Paraguay, seguio a denominação botânica primeiramente dada por Saint'Hilaire de pre-ferencia á substituição pelo mesmo feita na America, (G. Don in Lambert) sendo por sua vez seguido pelo naturalista inglez W. Hook, em 1842. Entretanto, Linhares contesta, assim: A contribuição do historiador Romário Martins, a respeito, é vista hoje com muitas reservas e, o que é mais grave, pelos seus pró-prios companheiros de especialização. Vol-tando, porém, a Sain-Hilaire, cumpre não

esquecer que os historiadores do Paraguai já tinham falado muito de erva, mas o certo é que, antes da viagem do naturalista, a planta continuava a ser, tanto quanto o produto, pouco conhecida. O fato expressivo de ter o sábio tradutor francês do livro de Azara querido filiá-la ao gênero Psoralea era a pro-va mais do que suficiente da ignorância reinante. Podemos afirmar, hoje, reforçando a tese de Linhares: Tivesse Saint-Hilaire conhecido a erva mate antes de cá chegar, não teria colhi-do amostras para estudá-la e registrá-la. É certo também que, em 1819, já estava no Brasil desde 1816, contrariamente do que informa Romário Martins. Saint-Hilaire, ao chegar a Paris, leu para os acadêmicos: Uma planta interessante cresce com abun-dância nas matas vizinhas de Curitiba; é a árvore conhecida sob o nome de árvore do mate ou da congonha que fornece a famosa erva-do-paraguai, ou mate. Como na época de minha viagem, as circunstâncias políticas tornavam quase impossível as comunicações do Paraguai propriamente dito com Buenos Aires e Montevidéu, vinha-se destas cidades procurar o mate em Paranaguá, porto vizinho de Curitiba. Os hispano-americanos, achando grande diferença entre a erva preparada no Paraguai e a do Brasil, pretenderam que esta fosse fornecida por outro vegetal. Amostras que recebera do Paraguai me possibilitaram assinalar às autoridades brasileiras a árvore de Curitiba como perfeitamente semelhante à do Paraguai; e a sua identidade me ficou ainda mais evidentemente demonstrada quando vi eu mesmo a disposição das árvores de mate plantadas pelos jesuítas em suas antigas missões. Se, pois, o mate do Paraguai é superior, pela qualidade, ao do Brasil, isso é devido à diferença dos processos empregados na preparação da planta... Em outra memória que me proponho submeter à Academia so-bre o vegetal de que se trata ser-me-á fácil demonstrar que ele pertence ao gênero Ilex. (in Linhares)

Ainda, a propósito, diz Linhares: Merece comentário a confissão feita em 1824 pelo próprio autor de ter se enganado na grafia da palavra, que trouxe à baila Para-guarí, nome de uma pequena cidade do Para-guai, de onde muitos quiseram colher a ori-gem da denominação. Mas examinemos suas palavras: “Em alguns exemplares das Memó-rias do Museum (vol. IX), onde fiz conhecer o mate, o nome de Ilex paraguariensis foi subs-tituído, por inadvertência, pelo de Ilex mate, que deve caber à planta”. A redação, efetiva-mente, é ambígua, em face da expressão “por advertência”, que, para alguém, contudo, queria significar simplesmente o fato de ele já ter dado à erveira a classificação de Ilex mate. Mas, prevaleceu a primeira classificação... A família do Mate tem 280 espécies, quase todas do Gênero Ilex. A Ilex paraguariensis St.Hil., é o verdadeiro Mate, espécie mais abundante no Paraná, com 4 variedades sen-do a Genuína a mais importante. Isto posto, ainda persistem dúvidas sobre em que momento Saint-Hilaire se definiu pela denominação científica “paraguariensis”. Levando-se em consideração que, ao co-lher cada espécie, já ia identificando cada ve-getal ainda em seu habitat, em anotações que fazia e, sempre levava em consideração os acidentes geográficos, interpretando cada qual, mormente na língua indígena e sua etimologia.

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Artigo I 05 I

Certamente ao passar pelo Rio dos Papa-gaios lhe veio em mente a palavra Paraguaí e seu correspondente latino paraguary, ano-tando em seus apontamentos como tal, e com o significado coincidente de onde estava, naquele exato momento, colhendo ramos de Ilex: à margem do RIO DOS PAPAGAIOS. Depreende daí a tese de que o biólogo francês ao registrar paraguariensis referiu-se ao Rio dos Papagaios, não ao país guarani. In-terpretações posteriores, por ter sido comum dizer-se “erva-do-paraguai”, possivelmente, levaram os autores (incautos) nessa direção, até porque a palavra “Paragua-y” significa “rio dos papagaios”, como nos ensina Brazil: Inúmeros estudiosos da língua tupi porfia-ram na interpretação dos topônimos seguin-do as orientações basilares de Teodoro Sam-paio. Para este tupinólogo, Paraguai propria-mente Paraguá-y, em linguagem tupi, quer dizer “o rio dos papagaios”. Como a língua guarani completa a tupi, consultei, também, Luís Caldas Tibiriçá, um estudioso do idioma

guarani, para compreender o sentido do mis-terioso nome. Descobri que cada palavra do idioma guarani é uma metáfora comprimida ao extremo e cada fragmento ou condensa-ção de vocábulo obtêm-se síncopes, aféreses e apócopes das quais originam expressões de sentidos específicos. O notável Vocabulário guarani do pe. Montoya, organizado por Bap-tista de Almeida Nogueira, informa que, pelo método composição da língua, é natural a aglutinação de vocábulos como “î pa rá” para traduzir “colhedor de águas”. Essa mesma fonte indica que “paraguá” tem o sentido de “coroa”, “grinalda”, “enfeite de várias coisas”. Daí a definição de “paraguá”, enunciada por Montoya, como “coroa de plumas”. Ao resu-mir os vocábulos “para” “gua” “y” Montoya define “paraguay” como o “rio das coroas”, mas podendo também significar “rio dos pa-pagaios”, considerando que “paracau” é o no-me genérico de papagaio, “cujo principal mé-rito era fornecer plumagem para adorno, sen-do em geral a carne não boa para comer-se”.

Gregório Thaumaturgo de Azevedo insinua que a palavra Paraguai indica o rio do Paya-guá, nome de um cacique que passou cha-mar-se Payaguáy, rio dos Payaguás que ali viviam. Entretanto, sabemos que tal tribo ha-bitava o vale do rio Paraguaçu, daí Payaguás. Tem-se, ainda, as hipóteses da origem do rio Paraguai advir, ou significar rio dos cocares ou das coroas, rio das palmeiras, água oriun-da do mar numa conjectura ao pantanal, rio coroado... Dependendo da habilidade de cada estu-dioso, em deslindar as variações linguísticas existentes no tupi, no guarani e no nheen-gatu, mas o certo é que a classificação botâ-nica da erva-mate foi com base em exempla-res coletados na terra dos pinheirais, em 1820. * * * Este escrito não é uma tese conclusiva, apenas supositiva e provocativa a quem quei-ra pesquisar o assunto.

Enquanto persistir a dúvida, e até que al-guém me prove o contrário, fico com o nosso Rio dos Papagaios como o legítimo radical do termo paraguariensis, dado à nossa genuína erva-mate, como já venho divulgando há al-gum tempo.

OBSERVAÇÕES:

1ª - Paraguaí = (orn.) maitaca-roxa (pionus fuscus); pequeno periquito. 2ª - Paraguá-y (TupGN) = rio dos papagaios; 3ª - Foi o confrade Luiz Carlos Veiga Lopes quem levantou a hipótese da origem do nome botânico paraguariensis derivar-se do Rio dos Papagaios de nosso planalto, razão deste ensaio, em defesa de sua afirmativa.

(Fonte: Boletim -2011 do IHGPR)

O modismo dita as regras de acordo com os interesses e conveniên-cias de quem comanda a situação (diga-se a mídia patrocinada). Devemos todos “curtir” porque todo mundo está comprando, afinal de contas, está na moda. Muitos nem gostam do que ouvem, apenas vão na carona de uma situação imposta de cima para baixo. Um exemplo clássico é a música escolhida pelos bacharelandos na sua formatura: quase ninguém escolhe

uma sertaneja universitária, porque aquela imagem da colação de grau vai ficar marcada para sempre e, por-tanto, a música escolhida deve ter algum conteúdo, algo que marque ou que marcou a vida do estudante. Nesse caso, podemos observar uma bela contradição: se todos escutam essas porcarias, porque justamente num dos momentos mais importantes de suas vidas abandonam os seus “ídolos”? Por que sabem bem que a música é pobre e sabem também que daqui a pouco tempo nin-guém mais vai lembrar quem era o cantor. Então optam por Bee Gees, Stevie Wonder, Gonzaguinha, Zeca Pago-dinho, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Chico Buar-que, Edu Lobo, Engenheiros do Hawaí, Garotos da Rua, Vitor Ramil e por aí vai. Gustavo Lima Limão nessas horas não serve.

A harmonia da marchinha indica naturalmente aproximação entre as pessoas. Pode até ser uma utopia ou um romantismo exacerbado querer que volte algo que já há muito não existe mais, mas é o que mantinha vivo o nosso carnaval em sua essência, e o ingresso desse ritmo paulista na nossa cultura popular resultou no seu término. A música ao vivo, a orquestra, os metais, foram substituídos pelo chamado “som mecânico” ou mesmo pelo estridente e insuportável som automotivo.

Entendo que ainda há tempo de recomeçar. Se exis-te um fim deve existir um começo. A única maneira de reviver o carnaval é justamente resgatar a sua origem. Urge que as diretorias de todos os clubes sociais da nossa região missioneira se unam e tragam de volta as bandas com seus sopros e tamborins. Vamos recuperar a essência do carnaval!

CARNAVAL NAS MISSÕES

ADRIANO [email protected]

O fim do carnaval das Missões do Rio Grande do Sul coincide com fim das marchinhas nos glamourosos bailes da nossa microrregião. Quem, principalmente da geração de setenta e oitenta, integrantes do tradicional Bloco Funil, não se lembra das noitadas de Porto Xavier, Caibaté, São Paulo das Missões e Roque Gonzales (a melhor de todas), para encerrar, na terça-feira, já no cansaço, a última noite? Que saudade (ou será nostalgia mesmo?) do grupo “Os Mensageiros” animando a festa em São Paulo com sopro, tamborim e surdão incorpora-dos na harmonia e no balanço com a bateria, a guitarra, o violão e o baixo: “olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é... A chuva cai lá fora, você vai se molhar, vai se molhar... Se você fosse sincera ô ô ô Aurora, veja só que bom que era.... Aonde tem mulher eu vou, eu vou e fico à vontade...Ô jardineira por que estás tão triste, mas o que foi que te aconteceu... Bota a camisinha, bota meu amor, hoje está chovendo não vai fazer calor... Mamãe eu quero, mamãe eu quero...Eu mato, eu mato...” Não se trata de uma opinião, mas de uma consta-tação: o carnaval na região missioneira terminou não foi por acaso, mas por uma enxurrada de lixos musicais imposta pela grande mídia, gradativamente, através dos anos. Se não, podemos refrescar a memória: “É o Tchan”, “Boquinha da Garrafa”, “Eguinha Pocotó” e, recente-mente, numa leva de “coisa” sem precedentes, o “serta-nejo universitário”. Talvez, de todos os ritmos da história do Brasil, o tal gênero musical, se é que assim podemos chamar, é o que de pior aconteceu, e pelo seguinte moti-vo: a cada dia surge mais um (ou dois, por que também vem de dupla) Pedro e Paulo, Paulo e Pedro, Luan San-tana, Gustavo Lima ou Gustavo Silva (não me lembro, só sei que é “filho” de Neimar), Jorge e Mateus, e por aí vai. A beleza da marchinha de carnaval foi trocada por uma música pobre e chula de letra, de harmonia, de ritmo, e geralmente interpretada por cantores medíocres.

ARTEPENA CABREIRA

CARLOS ZATTIescritor, membro do IHGPR

[email protected]

COLHEITA SAPECO CARIJO CANCHEAMENTO

MÉTODO ARTESANAL DEFABRICAÇÃO DA ERVA-MATE

Do livro “Cevando Mate”, de GLÊNIO FAGUNDES (Martins Livreiro Editor, 1986). Ilustrações do Autor.

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Ensaio I 06 I

Ao falar de poesia, falamos de vida. Que outra coisa mais poderosa está ligada à vida se-não a poesia? Entre clássica e mais que moder-na, assim se move esta esplêndida poiesis de Francisco Miguel de Moura, de expressão aler-ta, consciente, inteligente, atual e atuante, uma imaginação que escreve e cria. Que, como a natureza, é viva: bole, bole. Parodiando nossa grande Cecília Meireles, o poeta não precisa ser alegre nem triste, po-dendo ser ambas as coisas; basta ser poeta. E isto FMM é o suficiente: é lírico, pessoal, ao mesmo tempo singular e plural, mas também atento aos problemas brasileiros e universais, ligado às desigualdades entre os seres em uma poesia social. Algumas vezes dá-se ao luxo de denotar nobre e sutil sensualidade de corpo presente, corpo com alma: corpo almado. Escrever e viver são ações irmãs, amal-gamadas, indissociáveis: escreviver. Este neo-logismo bem poderia definir o poeta Francisco Miguel de Moura, uma vez que ele sabe domar a palavra, dominando como poucos a inten-sidade selvagem dos vulcões amestrados da poesia. Como em “Prima lavra”: “Palavra é saber/ liberdade, ritmo/ de sabor sofrido/ e do antegozo;// a palavra aflora/ instintos do instante/ do espasmo/ espanto/ nos seus interstícios;// a palavra ir/mana/ é/vita e av-isa/ a palavra enama/ de onde precisa;// toma-da em viagem,/ ovo ou claro esboço,/ a palavra é virgem/ no poeta em osso.” Ao ler um livro de poemas, o que o leitor deseja é que em primeiro lugar eles sejam ver-dadeiros. E que, ao fazer uma leitura crítica da verdade poética da obra, esta irá com certeza satisfazer seu coração e sua mente, inundando seu apreciamento da beleza. Do ponto de vista analítico, por exemplo, um déspota não pode temer autores eloquentes que preguem a liberdade, porém irá temer um poeta amado por seu povo que ironize o poder com sua poe-sia. E sua poiesis, como se diz da beleza, é a razão de existir do poeta. Para ler bem uma literatura imaginativa como esta - no caso os poemas de Francisco Miguel de Moura, que subsistem por si sós - basta amá-los ao expe-rienciá-los numa atenta leitura. Isto ocorrerá se eles (poemas) lhe conferirem intensidade e coisa verdadeira, no perfeito entendimento que possam “viver” em você, leitor.

Como na vida, os poemas carecem de “continuar vivendo” no leitor mesmo quando o livro acaba. A leitura termina, a vida não. Mas se a poesia perdura, pela força do ritmo e das imagens, metáforas, em nosso pensamen-to e em nossa emoção, é testemunho incon-teste de que o “eu poético” atingiu o alvo, logrou seu objetivo: nos arrebatou. Poemas têm vitalidade fora do livro. Os de FMM con-seguem este resultado, o que é de muita monta. O que querer mais? É então que a poe-sia se afirma como uma necessidade humana. Não é maravilhoso isto? Por que será? A razão pela qual a poesia é uma necessidade humana é o fato que ela satisfaz nossas carências cons-cientes e inconscientes de beleza, integridade e verdade. Poesia é vida, proteção, amor. Todos nós almejamos amar com mais intensidade. É nossa cota de liberdade a leitura de poemas que alimentam o ser livre, com FMM exempli-fica em “A hora vazia”: “(...) palavras não enchem o vazio/ nem a inutilidade dos dese-jos.” Grande poeta nos proporciona este pra-zer, o de nos expor poemas livres e elegidos pela beleza. É como se realizasse a justiça que todo ser aspira: a justiça poética. A intuição e consciência do poeta nos premia, assim pre-miando nossa própria intuição/consciência. Moura não é só um artista, é igualmente um grande criador. Os livros mais celebrados talvez sejam os menos lidos, como os da tradição ocidental, os épicos: a Ilíada e a Odisseia de Homero, a Eneida de Virgílio, A Divina Comédia de Dante e o Paraíso perdido de Milton. Na verdade eles não são fáceis de ler, não só por terem sido escritos em verso (até porque há traduções em prosa disponíveis). Maior é a dificuldade por sua grandeza e pelo que exige do leitor em atenção, envolvimento e imaginação dedica-da. Porém se você fizer o esforço de ler esses clássicos épicos, será um leitor agraciado e recompensado, assim como lendo a Bíblia, sem falar de outros grandes autores que o mundo e o Brasil possuem como base e espi-nha dorsal de todo programa sério de leitura. Assim, nessa linha de pensamento, o(s) livro(s) de FMM, no Brasil, são de leitura fun-damental. E o poema é como uma parte do to-do que é o livro, é o detalhe, um flash de todo o

meio ao livro; os outros estão à altura normal de qualquer pessoa. Palavras ditas pelo pro-tagonista nos parecem vir do fundo da gargan-ta de bocas de gigantes, de personagens que não só parecem mas que de verdade eram e são fora do comum. O que é poesia? Óbvio seria dizer que é o que os poetas escrevem. Seria o espontâneo transbordamento da personalidade do poeta expresso em palavras escritas ou o som do ritmo semelhante à música, ou mesmo a exposição de um pensamento, uma reflexão, um sentimento ou emoção? É tudo isso e muito mais. Poesia é o mais alto patamar da criação humana e o que nos declara realmente superiores na escala de animais (porque, entre animais, somos os únicos a fazer poesia até onde se sabe). É ancestral e antiga a ideia de o poeta mergulhar no fundo de si mesmo, na misteriosa e mágica caverna criativa, no pro-fundo fundo de sua mente e alma. O fato é que não existe civilização sem poesia. Com a palavra escrita, poeticamente falando, organi-zada de modo ordeiro e disciplinado, embora livre em sua criatividade. Fala-se aqui da poesia lírica e conceitual da qual Francisco Miguel de Moura é mestre inconteste, que nos ensina a todos com sua dicção poética. Um leitor consciente e lúcido saberá bem o que é poesia, o porque um poe-ma é poesia pura ao ler um poeta deste quila-te. Porém o vasto conhecimento de poesia não garante que o poema em si vá ser compreen-dido. Entendido será se lido muitas vezes. A verdade é que ler um poema e entendê-lo é tarefa para toda uma vida. Não que leve a vida inteira, mas que o bom poema vale ser lido muitas e muitas vezes, sempre que possível e necessário for, para ser compreendido na ma-neira que deve ser. Com a pertinácia de muitas visitas, como no início de um amor. Só assim entenderemos e vamos aprender e apreender a respeito dele mais do que supomos e possa-mos imaginar.

show. Tente, leitor, dizer em voz alta o poema que está lendo como se estivesse num espetáculo, com entonação e emotividade. O poema “A partida” fala disso tudo dito acima: “Na partida os adeuses, gume e corte/ dos prazeres do amor, quanto tormento!/ Cada qual que demonstre quanto é forte,/ lábios secos mordendo o sentimento.// Do ser bro-tam soluços a toda hora,/ as faces no calor do perdimento,/ olhos no chão, no ar, por dentro e fora,/ pedem aos céus a força e o alimento.// Ninguém vai,/ ninguém fica, e se reparte/ no transporte que liga e que desliga,/ confusão de saber quem fica ou parte.// Não se explica tamanha intensidade / amarga e doce, e erran-te, que interliga/ os corações perdidos na sau-dade.” Como em continuação, diz “O que é a saudade” o também soneto: “Impossível sa-ber o que é a saudade.../ Uma palavra? A cor de uma tristeza?/ Ou uma felicidade sem certeza/ que em nós se instala como eterni-dade?// O que passou, passou, não é verda-de?/ Ou nos ficou do tempo a chama acesa?/ Saudade, um não-sei-quê que traz leveza?/ Ou apenas enganos, leviandade?// Está no corpo inteiro ou está na alma?/ E se está, por que não nos traz a calma/ Por que nos mata assim, tão devagar?// Saudade, o teu passado é tão pre-sente,/ és uma dor que chega de repente/ e que parece nunca vai passar.” Os poemas aí citados bem se prestariam ao recurso do sarau, uma vez que a poesia começou e cres-ceu com a oralidade dos jograis desde sempre, expondo e contendo os mais profundos sen-timentos do espírito humano, em criações expressas no domínio das palavras. O poema exige um tempo de leitura. E se for um bom poema, a cada leitura só vai cres-cer e adquirirá uma nova interpretação nossa e nova face a nos apresentar. Em um livro, cada poema se sobressairá de outro (igual àqueles atores que usavam botas de enormes saltos plataforma a erguê-los muitos centímetros acima do chão ao interpretarem no palco deuses ou heróis). Esta comparação entre a altura do protagonista em confronto aos formadores do coro, por exemplo, dá uma ideia da altura de um poema em relação aos demais. Um, dois ou mais poemas que se destaquem são como “heróis” ou “deuses” em

http://franciscomigueldemoura.blogspot.com

POR OLGA SAVARY

Fala-se aqui da poesia lírica e conceitual da qual FMM é mestre inconteste, que nos ensina a todos com sua dicção poética.

FRANCISCO MIGUEL DE MOURA,

DOMADOR DE

PALAVRAS

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Ensaio I 07 I

Todos nós sempre acharemos coisas no-vas no poema, na poesia. Também novas ideias e um deleite maior na visão particular de mun-do de cada artista, como este aqui. Qualquer bom texto, como a ponta do iceberg, exige a ida ao fundo do poema com a perplexidade que encontrarmos bem abaixo da superfície, a bem dizer do imensurável abismo que é o de cada ser. A poesia exige a nossa exclusividade: em desafio. O bom poema deve até dar um susto ou um insight como uma iluminação ou um so-co no estômago. Talvez não possamos lê-lo de um só fôlego para ter o entendimento. Mas se a ele, poema, voltarmos e dedicarmos nosso tempo, o tempo dele irá premiar-nos com uma endorfina e serotonina poéticas. Isto é o dese-jável, porque o poeta se assemelha ao benfei-tor Prometeu, que roubou o fogo dos deuses gregos e romanos para dá-lo aos homens e as-sim confirmar a civilização. Enquanto isso, o poeta, este, em texto re-belde, moderno, atual, quer ser brasileiro, somente, mesmo que seja sem nenhum cará-er, como o Macunaíma de Mário de Andrade. E ainda que seja tão difícil ser brasileiro, “e nin-guém saiba o nome da lei”, o poeta quer mais é denunciar que o rei está nu (embora ele nem acredite em rei), “pão e circo,/ pão e cerco”. Enquanto nós, brasileiros, pagamos a conta, remetendo dólares, dólares e mais dólares sem mudar um só dedo, “nosso navio vai ao fundo.” Com língua de fogo o poeta degusta as palavras em sua canção de sóis: “teu nervo óptico/ testemunha ocular/ o ex-ótico.” E falar é fláci-do: “pior é a fina estrada/ de areia, sem pega-das/ para a volta.” Poetar é o “último voo entre espinho/ e flor!”, onde os homens “fazem guer-ra pela paz” (“Linguagem viva”). É quando “chega um tempo de dizer-se o impossível/ e o impossível já foi dito.” E ainda: “chega um tempo de calar/ e a gente inventa uma maneira triste/ de dizer numa língua estranha/ um silên-cio amordaçado.” Quem dera fosse possível citar todos os versos de FMM! Mas o espaço de um prefácio não deixa. Entre seus inúmeros livros publi-cados, até em “50 poemas escolhidos pelo autor”, edição Galo Branco, este nosso poeta homenageia Carlos Drummond de Andrade, “cantor primeiro de seu mar de ferro/ itabirano interior/ mar/ (...)/ de minas-brasil” e mais “guimarães rosa ao ser/ tão/ mar/ (...) neste mar de serras/ neste mar de astúcias/ neste mar de música/ neste mar de chamas/ (...) mais o bonde mais a esperança/ (com o sentimento do mundo/ em duas mãos maduras).” No pensar deste homem-nuvem, onde os pensa-mentos voam, ele se irmana à natureza, onde as mangas vivem com sêde, entre “um tempo que sequer medimos.” Pois então, poeta, tão povoado e só, “depois de todos os gritos” ecoa o teu solitário grito de silêncio e solidariedade. O poeta precisa sempre da cabeça solta, tro-cando as curvas pelas retas, ao contrário do que desejava o arquiteto-poeta Oscar Nie-meyer, que preferia as curvas. Importante na poesia é o caminho, pois “o caminho tem muitas histórias.” E o que quer o poeta, este aqui? Quer mesmo é “ter a vaidade dos caminhos”, que “dão passagem mas pouco dão abrigo.” E quer na verdade é “ter orgulho do tufão”, e mais: “a solidão da noite no deserto” e se assemelhar às nuvens, ficando no céu aberto. Quer “ter emoções de amor secreto,/ sentir como se sente uma paixão” e ainda mais deseja “viver do ideal concreto,/ quero arrancar de mim o coração,/ incapaz de conter todas as dores.”

Nascido no sertão do Piauí, em 16 de junho de 1933, vive hoje em Teresina. Formado em Le-tras pela Universidade Federal do Piauí, foi, entre várias profissões, radialista, professor de língua e literatura, e colaborador de todos os jornais e revistas de sua terra, assim como de várias publicações importantes de muitos esta-dos brasileiros e do exterior (EUA, França, Cuba e Portugal). Pertence à Academia Piauiense de Letras, entre outras entidades culturais do Brasil. Sua poesia, estreada em 1966 e seguida de 13 obras só de poemas, é lúdica, enunciada de risos e guizos, de humor sempre presente. É também ficcionista (contista, cronista e memo-rialista), com vários livros igualmente publica-dos e premiados, como ocorre com os seus de poesia. De romancista a ensaísta, é publicado e premiado em todas essas áreas do seu saber e de suas realizações, recebendo por toda crítica especializada, vinda de escritores de todo o país (tais como Fábio Lucas, João Felício dos Santos, Nelly Novaes Coelho, entre muitos ou-tros) o reconhecimento merecido. Este mate-rial da crítica especializada foi reunido em dois volumes já publicados: “Um Canto de Amor à Terra e ao Homem” (editora da UFP, Teresina, 2007) e “Fortuna Crítica de Francisco Miguel de Moura” (Ed. Cirandinha, Teresina, 2008). Com currículo assim tão variado e vasto, pode-se afirmar que Chico Miguel, como ele gosta de ser chamado, tem a literatura como religião, e a ela se entrega de corpo e alma, mental e liricamente. Amante das artes, ele realiza sua poiesis em favor da humanização do homem. Sua poesia se move entre ritmo, refle-xão, metonímias e metáforas. Pela cabeça deste poeta, no momento da criação, passa - através da memória e de sua vivência poética -, a experiência semântica, linguística, filosófica, semiológica, semiótica e tudo o mais que se adequar aqui. A escritura, para este nosso poeta, é tudo o que ele extrai na busca essen-cial da sua e da humanidade de seu semelhante e que só a arte tem competência para traduzir e desvelar - e a palavra, que rege sua poesia, é sua expressão maior e mais alta.

A poesia devora o pensar do poeta e este a devolve em poemas rutilantes numa espécie de vingança criativa. É o sublime do criar poético. Poesia é veneno violento, mas não mata. Ao contrário, promove a vida. Inundada, deságua-se na água da vida. Denuncia a nudez do rei, sendo o rei em si. Ou melhor: rainha, uma vez que poesia tudo rege. Quanto ao poeta, este, tudo sabe do labirinto e do deserto e sabe que carrega a própria chave. Sabe do breu mas dirige-se à luz, tendo sempre a compainha da alvorada em osso. Já a noite é sua sócia e sósia, maior que a desmedida noite do poeta. Espia alerta o poeta, por trás das pálpebras, um mar grande: o mar. Compatível com o mar da vida, a poesia reluz, fulgura. Assim fulgura, fruto da paixão do autor pela palavra bruta que ele com tanta argúcia tão bem lapida, a poesia de Francisco Miguel

d acha de fogo, archote ardente, pura tocha crepitando na fornalha escar-late, escaldante, a disparar os olhos de lince sobre quem a lê. Comunicante, embora o poeta se declare (in)comunicável em outro belo poema: “Eu falo comigo e me enten-do,/ Se falo com o outro me vendo.// Eu falo comigo e me amo,/ Se falo com o outro reclamo.// Eu falo comigo calado,/ E com o outro grito, e atado...” Lúbrica, a poesia me-te a expectante e experiente língua até o fundo da garganta do poeta. O resultado? Seus poemas vêm a nós no incêndio do pensar, puro pasto, lavra nobre e, no meio da vida, esta sua poesia permanecerá, clás-sica e jovem, labreda e magma.

e Moura:

N

LINDES DO CAMINHO

O caminho se alonga infinitosem piedade de fome e chuva,calor e frio,a alimentar o sonho e a saudade.

Dele se alimenta o viajante,noite escura, sempre avantecomo um filete no desertopreste a evaporar-se.Sem para tráscomo a saudade intransponível.

Duas pontas e nenhum limite,o ponto está no zênite:- Uma que se enche no vazio,outra que se esvazia no passadoonde uma bela histórianinguém quer repetir.

O caminho tem muitas histórias.

***(Poemas do livro “50 poemas escolhi- dos pelo autor”, Editora Galo Branco, RJ, com prefácio de Olga Savary)

SER BRASILEIRO

Quero ser brasileirome procuro no campode futebol e na pista de automóvel,estou aqui, ali, acolá, além de lá,mas não sou Deus nem diabo,como o pão que ele amassou.Sou vadio, não faço nada,só samba e carnaval.Samba, ora samba?Carnaval, ora carnaval?Eu queria encontrar-me brasileirona cor, no amor, na paixão.No trabalho, neste não.Brasileiro em todo o lugar, de todas as formas,sem caráter nenhum.

Corri mundo e não me encontro:Europa, Oceania e África,Ilhas do Pacífico e Ásia, fui até o Himalaiae não encontrei Brasil nem brasileiro.

Me disseram que ele se chama Washington,foi pra América, falar inglêse nunca voltará.

Como é difícil ser brasileiro!

OLGA SAVARY é escritora, poeta, tradu-tora e jornalista. Tem mais de 20 livros de poesia e ficção, pessoais, e mais de 980 coletivos (centenas de antologias que organizou e integrou, no Brasil e exterior). Convidada, é a única escritora a constar da antologia “Poesia na América Latina” (entre apenas 18 poetas, dentre os quais dois Prêmios Nobel: Pablo Neruda e Octavio Paz, editada na Holanda, em 1994). Integra as antologias “Os 100 Melhores Contos do Século” e “Os 100 Melhores Poemas do Século” (Rio de Janeiro, Objetiva, 2000). Recebeu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de poesia, conto, romance, crítica, ensaio, tradução, e jornalismo (2 ‘Jabutis’), vários “Prêmio UBE-RJ”, “UBE-SP”, vários “Prê-mio da Academia Brasileira de Letras” nas várias áreas literárias, inclusive o “Prêmio Machado de Assis para Conjunto de Obra”, o “Prêmio Internacional Brasil-Amé-rica Hispânica para Poesia”, etc. É pionei-ra em publicar haicais no Brasil, no início da década de 1940, menina ainda, e de-pois em divulgar e traduzir os clássicos japoneses do haicai. Pioneira também em publicar o considerado 1º livro todo em tema erótico no Brasil e em ter organizado a 1ª antologia de poesia erótica. E em utilizar palavras do idioma tupi em tudo o que escreve,seja poesia, ficção ou ensaio. Tem mais de 10 livros no prelo e a sair.

A poesia devora o pensar do poeta e este a devolve em poemas rutilantes numa espécie de vingança criativa. É o sublime do criar poético.

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I 08 I História e Crônica

MUDANDO PARA A FRONTEIRA

Meditei muito se deveria transferir-me de vez para Roque Gonzales, no território mágico das Missões, às margens nem sempre plácidas do rio Uruguai, que divide Brasil e Argentina. Quem vai lá, adora. É o caso do escritor e jornalista Alaor Barbosa, que ven-cendo os empecilhos do tempo e das distân-cias, as dificuldades impostas por outros compromissos andou por terra e ar e lá che-gou. Roque Gonzales é um outro mundo, em-bora geograficamente Brasil. Inveja-me a disposição juvenil do goiano Alaor e de outros que o anteciparam e de outros que o segui-ram. A região e a cidade estão longe de nós e, paradoxalmente, tão próximas. Terra de fron-teira, com suas atrações e o sentido de vizi-nhança. A cidade é um símbolo, desde que os europeus para lá se transladaram em busca de um mundo novo, com muita riqueza e a que quiseram impor seus costumes, suas leis, uma nova religião. Nesses quase quatro-centos anos, muito mudou e o povo guarani que lá habitava demonstrou que não se cur-varia e se humilharia ao invasor.

Houve mortes e sangue, os índios não se mostravam dispostos a inclinar-se aos ho-mens brancos que de longe vieram. Resisti-ram, embora assimilando o que de bom e justo pudesse ser assimilado. Embora as cida-des que surgiam, não houve domínio abso-luto. Implantou-se um novo modelo de viver e conviver, com a Argentina do outro lado do grande rio. Houve guerras, a maior das quais a

Eu costumo ler pelo nosso jornal O Nhe-çuano o que acontece por lá. Dá-me vontade de, na prática, seguir o subretício conselho de Manoel Bandeira, pensando em ir-me para Pasárgada. Não é exatamente assim, há muitas discrepâncias, mas a beleza natural, a alegria de viver, o amor às tradições mais que-ridas daquele povo e daquela terra exercem fascínio que só se ampliam. E há o Encontro das Águas, o festival na-tivista da Tríplice Fronteira, reunindo músi-cos, poetas, compositores, instrumentistas e declamadores de três pátrias, para confirmar que lá existe um segmento de mundo muito especial. E em Roque Gonzales, há os Hoff-mann, do patriarca Nelson. Embora nada tendo a ver com luxemburguês Jules, um dos premiados pelo Nobel de 2011, demonstra com sua bela e culta família, que a felicidade lá acampou e ficou.

do Paraguai. Mas ali se cultivava o respeito aos direi-tos alheios, a pertinácia. A história das Mis-sões é uma História que o Brasil conhece par-camente. Restam em Roque Gonzales o Salto Pirapó, antiga morada do herói guarani Nhe-çu, o Cerro do Inhacurutum, sentinela de uma região que constitui um marco na história pri-mitiva do Rio Grande do Sul.

MANOEL HYGINO DOS SANTOS [email protected]

Jornalista e escritor membro da Academia Mineirade Letras. Autor de “Jesus, causa mortis” (2010) e“Getúlio: de São Borja a São Borja” (2009), entreoutros.

***

Cultura Guarani

Povos Indígenas

Julio RibasProfessor

(Fonte: http://guiadicas.net/tribosindigenas)

Homem kaingang do Ivaí(PR) fabricando um cesto. Foto: Harold Shultz, 1946.

Depois de muito pensar cheguei à conclusão que temos que fazer alguma coisa mais concreta com relação ao Manifesto Nheçuano. Estamos, quem sabe, usando a “violência doce” nestes encontros. Acredito que não há a necessidade de se usar qual-quer tipo de violência para que possamos ser ouvidos. Precisamos mudar, mudar o foco, precisamos ser vistos pelo poder público como uma porta que vai se abrir e derramar um vasto potencial cultural no município. Já que, uma vez esta cultura foi destruída, o que custa agora buscarmos a sua verdadeira história?

Quem sabe este não seja o caminho a seguir, conseguir conciliar história, passa-do e realidade e fazer uma grande transformação, onde poderíamos perguntar: o quanto ROQUE GONZALES tem a ganhar em (re)contar somente a VERDADE.

Lendo o livro “Forma(s) de Governo nas Reduções Guaranis” do meu amigo Odécio Ten Caten, vizinho de Capão da Canoa/RS - prometo que no mês de fevereiro irei visitá-lo -, me deparei com inúmeros questionamentos que me fizeram parar e pensar. Entre vários, quero dividir este com vocês, que é do escritor Leonardo Boff: “...a evangelização participou do processo global, baseado na violência. Não houve um encontro entre fé cristã e cultura autóctone. Houve um choque cultural que deses-truturou e até destruiu as culturas e suas religiões. O cristianismo foi imposto pela violência dura das armas e do submetimento (...) mediante o qual os indígenas tinham de aceitar a fé cristã, o papa e o rei (...) ou pela violência doce (...) dos aldeamentos ou reduções... Aí o indígena é destribalizado e desenraízado de suas terras e suas tradi-ções. Ela passa pela circuncisão cultural ibérica, da língua e dos costumes, da forma de trabalhar e de organizar o lazer. O resultado é que ele deixa de ser índio e jamais será um espanhol ou um português. A violência doce mata tanto quanto a violência crua do genocídio direto que ocorreu nos primeiros enfrentamentos do século XVI.”

Dando continuidade na pesquisa sobre os povos indígenas que habitaram ou habitam o território brasileiro apresen-tamos hoje a tribo Caigangue. Apesar da riqueza cultural que os índios representam para o nosso país, eles estão pratica-mente exterminados. Se os números atuais forem compara-dos com os das tribos que existiam no nosso país na época que Cabral começou a colonizar o nosso território, muitas desapa-receram. A sociedade dos colonizadores as dizimaram com-pletamente usando a violência, onde as armas indígenas não valiam nada em comparação com as armas de fogo que os colonizadores trouxerampara cá.

Os índios também possuem relações parecidas entre as tribos. Os Caingangues também cruzam as metades nos casa-mentos, assim como os ticunas. Entre eles, a diferença é que a nova família sempre vai morar com o pai da noiva e não com o homem. Na organização da hierarquia das comunidades, a maior autoridade é o cacique, que por incrível que pareça é eleito através da democracia entre os homens que votam quando são maiores de 15 anos. Quando o cacique é eleito tem o direito de indicar um vice-cacique, que provavelmente tem que ser escolhido da outra metade de clãs, para facilitar o planejamento e a execução dos deveres políticos, pois quan-do alguma punição tem que ser aplicada, só pode ser dada por um líder que seja da mesma metade que o infrator.

TRIBO CAIGANGUETotal da população: 25.755

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Poesia

DESENCONTRO

Dou-te rosas vermelhasde todas as coresque o perfume tem.Dou-te minhas melhores históriasde luas, de ruas, de relvasque a vida tem.Dou-te um coraçãocheio de estrelas, de árvores,de romãs e naves.Dou-te, também,meu olhar tristeporque o frio é triste.

Porque não vensaquecer o sonho?

Larí FranceschettoEm Espelho das Á[email protected]

RÉQUIEM PARA MEU SOL

À noite, sozinho, em pazEu sonho, acordado, felizOs sonhos que o sono me trazNão são os sonhos que eu quis

A Lua, tão bela, lá foraQuisera que nunca amanhecesseO Sol, amado outrora,Que nunca mais aparecesse

Uma noite infinda eu teriaSe eu pudesse ter duas luasEntão o Sol eu esqueceriaE esqueceria as memórias suas

Edimar Bueno da [email protected]

SOFRENDO DE AMOR

Anda fincado em mim um vírus - vocêque me acorda nos dias de sonhosinvade todo meu sanguequase largando-me bêbado

na madrugada esse vírusvem me acordar bem cedoe quando próxima é a manhãele se aconteceuno ½ dia são e salvoespecial ele aparecenoite altatorna pra me lembrarque continua presente e forte

não preciso mais conhecersua invisível tangível presençasua virulência atrai-me tantoque simplesmente perdi-meem seu contagiante feitiço

Sílvia OliveiraEm Humanity/[email protected] em língua nacional deIrineu [email protected]

RETIRANTE

Foi a tropeada do tempoQue trouxe o campo pra rua...Guardou todos meus segredos,Porém me roubou a lua...Quando me fiz retirantePensei que depois da esquina, Morasse a luz de uma estrela,Naquele olhar de menina.

Vi o milagre das colheitasSumir da frente dos olhosE o sonho dos semeadoresNaufragar nos monopólios...A partilha da esperançaNão contemplou meus anseios,Então refuguei o brete,De sonhar sonhos alheios.

Sempre que o sonho se perde,A gente vira um viajante...Juntando tropas perdidas,Só ficam lições de vida,Na alma de um retirante,

As auroras madrigueiras,Eu nunca mais pude vê-las...Não fui mais ao meu riacho,Nem contemplei as estrelas...Andei por todas esquinas,O mundo não era meu!E a menina dos meus olhosTambém desapareceu.

Salvador LambertyPoeta e [email protected]

AMOR (LOVE)

Não há nada que eu adoremais do que amor.Mas nada como o amorfoi tão recusado.Quando seremos do Amorverdadeiros parentes?

Denis KoulentianosTradução ao PortuguêsPor Teresinka Pereira

DE PASSAGEM

a infânciana foto à parede

no fundoa solidão do quintalpor onde fugiusem ter avisado

Luiz Otávio OlianiEm A Eternidade Dos [email protected]

HISTORINHA

Era uma vez uma menininha...era uma menina uma vezinhaque morava nesta cidade.Certo dia foi levar recadopra o outro lado da floresta.Ela no entanto não sabia disto:que o recado falava era delae que dizia que nesta vida,com esforço e com princípios,todos, algum dia, têm seu diae que é preciso aproveitar.Oportunidade ensina Fierro é como moldar o ferro:tem que ser forjada quente.É assim que a pessoa vira gente,com cuidado, com perseverança,pois quem espera sempre outra dançaperde o par que a vida dá.Essa menininha da história...essa menina da historinhaconseguiu vencer o carrascal.Quando a gente consegue issonão tem mato escuro nem floresta,não tem rio nem tem oceanoque deixe a gente esperando.

Cícero Galeno Lopes(Em VIDAmUNDO)[email protected]

Arte YURI

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==R E C E B E M O S==

Milton Ivan Heller já é bem conhecido nosso… nosso, isto é, de nós e do leitor. Já noticiamos um livro seu, de fundamental importância, Os índios e seus algozes, e publicamos um texto seu, modelar: Revisitando o Contestado (“O Nheçuano-14”, p. 07). Sequer desconfiávamos, então, que esse texto era apenas um leve

aperitivo para uma obra monumental, que está em nossas mãos: A atualidade do Contestado. O livro é uma edição completa que procura marcar o centenário dessa guerra camponesa… Guerra essa que, na definição do uruguaio Eduardo Galeano, foi a maior guerra civil das Américas. E aí surge a questão: por que será que ela é tão pouco comentada e tão sonegada pela historiografia oficial? Não é esta uma pergunta semelhante à pergunta que os nheçuanos fazem? E-mail: [email protected]

Dias da Silva nos deixa tontos: como pode publicar tanto? A cada número de jornal temos dois, três livros novos. Mal conseguimos registrar a che-gada dos livros. Pode? E olhe que o nosso jornal é bimestral. Faça-se a conta da vertigem das edições de Dias da Silva. E, mais que isso, todas excelen-tes. O último livro que nos che-gou, Lembranças miúdas, é de uma doçura contagiante. Com-posto de vivências, quadros e passagens, em estilo simples, claro e objetivo, Dias da Silva nos recupera sua própria infância… e nos faz partícipes

dela. Com o autor, tornamos aos nossos tempos de criança. Quem não gostaria de ser criança de novo?E-mail: [email protected]

Paulo de Tarso Correia de Melo é, decididamente, um grande poeta e um poeta totalmente diferente. Professor universitário, pós-graduado nos EUA, integrante de academias e institutos, tem alentada obra já publicada. Há pouco alertamos para um livro que muito nos chamava a atenção: Livro de linhagens, onde o poeta percorria nossa origem formativa-cultural desde tempos quase imemoriais. Agora, chega-nos com Misto Códice/Códice Mestizo, outro livro que desorienta, impressiona e é belíssimo. Poesia de primeiríssima linha, em temática inusitada: a recriação dos mitos e tradições dos povos primeiros deste nosso continente chamado América. Extraordinário! (A edição do livro é bilíngue: português/espanhol). End.: Av. Xavier da Silveira, 1807/Natal/RN

Denis Koulentianos nos vem da velha Grécia e é nosso conhecido há tempos. Poeta, ensaísta, críti-co e tradutor, tem mais de trinta livros publicados, está traduzido em mais de vinte idiomas, inclusi-ve em idiomas tão raros quanto o Esperanto e o Sânscrito. Membro de associações literárias e cultu-rais, de academias nacionais e in-ternacionais, é na poesia que mais se destaca. Dele recebemos, dentro vários outros como Poe-mas del amor e 4 X 4, o Greek smiles, poemas em versão ingle-sa. São poemas curtos e incisivos, que nos vão direto à alma. Assim

acontece em poemas como my silence, apenas quatro versos, thetrain, seis versos, de profundis, a view,howpoor… Love. End.: 7, Riga FeraiouStr/18120/Korydallos/Greece.

Arine de Mello Jr., de quem já mencionamos Estes momentos, Outros momentos e Reflexões dos momentos, todos livros de poesia, além do excelente romance A dualidade, chega-nos com novo romance: A menina das flores. Poeta dos melhores de hoje, Arine de Mello Jr. está nos surpreendendo com sua obra de ficção. A dualidade já era de desnorteio para o leitor, situação que se renova com este A menina das flores. O eterno embate entre o Bem e o Mal, a realidade cotidiana das aparências em contraponto com a dura verdade das consciências interiores, o pecado e a santidade em intercâmbio, são alguns poucos dos muitos aspectos desse romancista. Onde o limite entre a realidade exterior e a verdade interior? Onde uma e outra? Até onde vai a nossa loucura, até onde a loucura dos outros nos afeta? Isto, só pra indicar o questionamento em uma novela que tem o suspense de um bom romance policial e nos traz um final surpreendente. E-mail: [email protected]

David de Medeiros Leite brinda-nos com novo e belo livro de poemas, em edição bilíngue, português e espa-nhol: Incerto caminhar… a vida num incerto caminhar. Em versos de simplicidade, ritmo e beleza raras, a vida é tematizada em inúmeras situações. Situações que são facetas, a vida é caminhada para algum lugar… e lugar nenhum. Cabe ao poeta registrar os passos, desvendar mistérios, buscar destinos. Achará? Incerto. E-mail: [email protected]

Adrião Neto é uma das figuras mais atuantes da cultura brasileira. Piauiense da gema, destaca-se pelo Brasil inteiro e notabiliza-se pelo mun-do. Seus trabalhos, livros, ensaios, recupera-ções históricas, romances, um mundo de ativi-dades, estão em contínua ebulição, nunca pa-ram. Haverá espaço que ele ainda não tenha palmilhado? Difícil. Agora, chega-nos com mais

um belo trabalho, Ramon e Juliana, um misto de romance e reportagem - um romance-reportagem, diríamos. Em torno do relacionamento entre Ramon e Juliana, Adrião Neto viaja pelo mundo, registrando, contando, documentando. Um livro gostoso de se ler, que vale a pena ser lido, precisa ser lido. E-mail: [email protected]

* Guido de Monterey: (São Miguel/Açores, por Arménia Teves): Madeira e Porto Santo, Duas Ilhas em Contraste, ensaio;* Enéas Athanázio: Coletânea enigmas, antologiade que o remetente participa, e Contos escolhidos,contos; * ICOP (por David de Medeiros Leite): Revista doInstituto Cultural do Oeste Potiguar, revista culturalque é um livro; * Renato Jacob Schorr: Luares e Arabescos, anto-logias; * Iracema M. Régis: A palavra exata, poesia; * Aldo Lopes de Araújo: O dia dos cachorros, ro-mance; * Manoel Onofre Jr.: Portão de embarque - 2, crôni-ca de viagem; * Maria de Lourdes Alba: Imanências, poesia; * Salvador Ferrando Lamberty: Recital de poesiapara prendas, poesia, e o CD: Um canto à vida - 01:Canções para a família; * Vasco dos Santos: Poemas dum fazer desfeito, poesia; * Orlando Nelson Pacheco Acuña (Chile): Casa delata - 15, e, com Lidia Cristina Lacava (Argentina):Poesia a dos manos, poesia; * C. Ronald: Pinturas e esculturas do poeta C. Ro-nald, álbum; * Cláudia Brino e Vieira Vivo: Objetos d'versos e Cabeça ativa nº 19: Espelho, poesia; * António Salvado (Portugal): O dia - A noite - Odia, Um fio de água e O divino - sílabas do oeste,poesia ;* Alfredo Pérez Alencart (Espanha): Da selva a Sa-lamanca, Cristo da alma e António Salvado: Y dios tras la tormenta, ensaio.

Roque Gonzales é uma cidade pequena, cerca de cinco mil habitantes. O município inteiro não chega a oito mil. A vida é simples, pacata, tranquila. A gente é boa, todos se conhecem, se aceitam, se compreendem. Ajudam-se, fazem sacrifícios uns pelos outros, criticam-se, mas não se maldizem. Sofrem com os deslizes dos concidadãos, vibram com os sucessos dos amigos, sucessos que consideram também seus. Afinal, são todos filhos de uma mesma cidade. E, assim, quando alguém se destaca em longes terras, a festa é de todos. E é o que está acontecendo com os sucessos da menina Andressa, a tão querida Andressinha de todos os roque-gonzalenses. O sucesso dela é a felicidade de todos. Todos moram na mesma cidade que viu Andressinha nascer, crescer e se tornar celebridade mundial. Todos estão com ela, ao lado, juntos em campo, chutan-do bola, torcendo, vibrando, chorando, aplaudindo, gritando… Andressinha é Roque Gonzales no mundo da bola. N. H.

[email protected]@yahoo.com.br

Rua Pe. Anchieta, 439 97970.000 - Roque Gonzales - RS

Inês Hoffmann eNelson Hoffmann

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DESTAQUE

TONY HOFFMANN

Ao publicar minhas reminiscências do internato, no livro “Vida Confinada”, lan-çado em 1997, classifiquei-o como autoficção. Eu me rendia à posição mais recente da crítica europeia, fundada em princípios psicanalíticos, de que memó-rias exatamente fiéis aos fatos não exis-tem e que a cada vez que nos lembramos de algum episódio ele volta acrescido de novos ingredientes imaginários ou, ao contrário, despido de alguns detalhes. Eu andava lendo na época alguns escritos da psiquiatra e escritora Betty Milan, que vinha divulgando entre nós esses concei-tos inovadores. Alguns resenhistas estra-nharam um pouco o novo gênero, mas pa-rece que ele não encontrou maior acei-tação e permaneceu pouco usado. Como leitor inveterado de autobiografias e me-mórias, não me lembro de ter encontrado outro livro com tal classificação. Mas eis que agora me vem às mãos o romance autobiográfico “Innocens Mani-bus”, de autoria de Vasco de Sant'Anna, publicado no Rio Grande do Sul (2012), e que acabo de ler. Para surpresa minha, ele é classificado como autoficção, vale dizer, é um livro de memórias. É muito mais abrangente que o meu, uma vez que procura reconstituir de forma romancea-da toda a existência do personagem cen-

tral, alter-ego do autor-narrador, desde os bancos escolares até os dias atuais. E nesse particular ele revela o fôlego do romancista, estendendo-se por 330 pági-nas repletas dos mais variados aconteci-mentos, sempre contextualizados com a história regional e do país. É um vasto pai-nel que exibe um homem vivido e que, como ministrava Gilberto Amado, nunca foi um distraído mas soube prestar aten-ção à vida.

As recordações mais antigas remon-tam aos tempos do seminário. Esses anos de vida reclusa têm a característica de se incrustar para sempre na memória, talvez porque naquela idade ela funciona como disco virgem e retém tudo de maneira indelével. Nessa fase se entremeiam as lembranças da terra natal, típica cidade gaúcha da fronteira com todos seus tiques e cacoetes. É ali que explode como bomba em família a sua revelada intenção de virar padre. Para os machões do clã, aqui-lo soava como o maior dos despautérios. Onde já se viu semelhante coisa? As rea-ções de Tio Henrique, em particular, são antológicas, e as soluções que indica para debelar a “vexata quaestio” são extraor-dinárias. E quando é advertido pela mãe do rapaz de que irá para o inferno, ele re-truca: “Mas é isso mesmo que eu quero,

festa e mulherada. O céu deve ser muito chato, só santos, anjos e beatas!” (p. 25). O dia-a-dia no seminário, com os peque-ninos acontecimentos da rotina ganhan-do relevância aos olhos da garotada reclu-sa e submetida a rígida disciplina. Surgem os dramas, as comédias, os atos de gran-deza e de mesquinharia, como as dela-ções, e tudo mais que é próprio de uma vida vigiada. Mas o tempo implacável se escoa e um dia o rapaz deixa o seminário para ingressar em outras fases da vida. As páginas sobre esse período são intensas e absorventes, talvez o ponto alto do livro.

Segue-se o período universitário na busca da profissão. Forma-se em enge-nharia e se especializa na construção de rodovias. Depois de um casamento algo arranjado, inicia a lenta e dura luta pela afirmação profissional. A ascensão é difí-cil, enfrentando as disputas e, mais que isso, a corrupção institucionalizada no se-tor, onde as propinas, o tráfico de influên-cia e as maquinações parecem uma cons-tante. Nesse ponto o livro se torna um libelo contra corruptos e corruptores, entrando em minúcias espantosas de quem viveu para contar. A Justiça e sua proclamada lentidão, as malandragens dos burocratas para obter vantagens e a venalidade de muitos não escapam ilesos.

Sucedem-se quadros admiráveis de situa-ções e personalidades que se cruzam e entrecruzam ao longo dos anos, não fal-tando os eternos e inúteis embates entre capitalistas e socialistas na defesa de suas convicções. E permeando tudo, a situação do país, desde a marcha pela Legalidade, liderada por Brizola, até o golpe e os pesa-dos anos de chumbo. Um amor de matu-ridade, espécie de tábua de salvação, cul-mina em desastre. E o final é trágico mas, de certo modo, intuitivo. Para alguém com tais princípios de formação e tão a fundo marcado pela vida, quer me pare-cer que não haveria outra saída para con-tinuar fiel a si mesmo.

Afinal, como expressavam as frases inscritas na capela do seminário e grava-das a ferro na memória do personagem: “Quem subirá ao monte do Senhor? Aquele que tiver as mãos inocentes e o coração limpo!”

O ROMANCE DE UMA VIDA

ENÉAS ATHANÁZIOjurista e escritor residente em Bal-

neário Camboriú, SC, autor de ”Mundo Índio” e “O pó da estrada”, dentre

mais de 40 títulos publicados.

[email protected]

ARQUIVO PESSOAL

“Innocens Manibus”, editora Ediuri/Ledix, Cultuarte, Roque Gonzales, 2012

VASCO DE SANT’ANNA é graduado em Geologia pela UFRGS e possui Diploma de Mestrado pela UFPR, com concentração na área de Geologia Am-biental, além de diversos cursos de extensão e aper-feiçoamento. Teve praticamente toda a vida profissional ligada ao setor de transportes, particularmente rodoviário, mas também ferroviário, portuário e aeroportuário, inicialmente em função pública e, posteriormente, na iniciativa privada. Atuou em quase todos os Estados do Brasil e em Países Limítrofes, desenvolvendo tra-balhos aplicados às áreas de Engenharia e Meio-Ambiente: Estudos de Viabilidade, Projetos e Consul-toria e Apoio à Supervisão de Obras; Estudos e Rela-tórios de Impacto Ambiental, Planos de Controle e de Recuperação e Supervisão Ambiental. Foi Professor de Solos, Mecânica dos Solos, Geo-tecnia e Avaliação de Impacto Ambiental em Univer-sidades Públicas e Privadas e em Cursos destinados a Profissionais de Nível Superior. Publicou mais de 60 trabalhos técnicos versando sobre Geologia, Geologia Aplicada, Geotecnia e Meio-Ambiente, no Brasil e Exterior.

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Inês Hoffmann eNelson Hoffmann

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