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Novum OrganumFrancis Bacon

Tradução e notas:José Aluysio Reis de Andrade

Digitalização:Membros do Grupo de Discussão Acrópolis (Filosofia)

Versão para eBookeBooksBrasil.org

Fonte Digital:O Dialético

www.odialetico.hpg.com.br

© 2002 - Francis Bacon

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NOVUMORGANUM

Francis Bacon

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ÍNDICEPrefácio do AutorAFORISMOS

SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZAE O REINO DO HOMEM

LIVRO ILIVRO IINotas

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NOVUM ORGANUM

PREFÁCIO DO AUTOR Todos aqueles que ousaram proclamar a

natureza como assunto exaurido para o conhecimento,por convicção, por vezo professoral ou por ostentação,infligiram grande dano tanto à filosofia quanto àsciências. Pois, fazendo valer a sua opinião,concorreram para interromper e extinguir asinvestigações. Tudo mais que hajam feito nãocompensa o que nos outros corromperam e fizerammalograr. Mas os que se voltaram para caminhosopostos e asseveraram que nenhum saber éabsolutamente seguro, venham suas opiniões dosantigos sofistas, da indecisão dos seus espíritos ou,ainda, de mente saturada de doutrinas, alegaram paraisso razões dignas de respeito. Contudo, nãodeduziram suas afirmações de princípios verdadeirose, levados pelo partido e pela afetação, foram longedemais. De outra parte, os antigos filósofos gregos,aqueles cujos escritos se perderam, colocaram-se,muito prudentemente, entre a arrogância de sobre tudose poder pronunciar e o desespero da acatalepsia.[1]Verberando com indignadas queixas as dificuldades dainvestigação e a obscuridade das coisas, como corcéisgenerosos que mordem o freio, perseveraram em seuspropósitos e não se afastaram da procura dos segredosda natureza. Decidiram, assim parece, não debater aquestão de se algo pode ser conhecido, mas

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experimentá-lo. Não obstante, mesmo aqueles,estribados apenas no fluxo natural do intelecto, nãoempregaram qualquer espécie de regra, tudoabandonando à aspereza da meditação e ao errático eperpétuo revolver da mente.

Nosso método,[2] contudo, é tão fácil de serapresentado quanto difícil de se aplicar. Consiste noestabelecer os graus de certeza, determinar o alcanceexato dos sentidos e rejeitar, na maior parte dos casos,o labor da mente, calcado muito de perto sobre aqueles,abrindo e promovendo, assim, a nova e certa via damente, que, de resto, provém das próprias percepçõessensíveis. Foi, sem dúvida, o que também divisaram osque tanto concederam à dialética.[3] Tornaramtambém manifesta a necessidade de escoras para ointelecto, pois colocaram sob suspeita o seu processonatural e o seu movimento espontâneo. Mas talremédio vinha tarde demais, estando já as coisasperdidas e a mente ocupada pelos usos do convíviocotidiano pelas doutrinas viciosas e pela mais vãidolatria.[4] Pois a dialética, com precauções tardias,como assinalamos, e em nada modificando oandamento das coisas, mais serviu para firmar os errosque descerrar a verdade. Resta, como única salvação,reempreender-se inteiramente a cura da mente. E,nessa via, não seja ela, desde o início, entregue a simesma, mas permanentemente regulada, como que pormecanismos. Se os homens tivessem empreendido ostrabalhos mecânicos unicamente com as mãos, sem oarrimo e a força dos instrumentos, do mesmo modoque sem vacilação atacaram as empresas do intelecto,com quase apenas as forças nativas da mente, por certomuito pouco se teria alcançado, ainda que dispusessempara o seu labor de seus extremos recursos.

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Considere-se, por um momento, este exemploque é como um espelho. Imagine-se um obelisco derespeitável tamanho a ser conduzido para amagnificência de um triunfo, ou algo análogo, e quedevesse ser removido tão-somente pelas mãos doshomens. Não reconheceria nisso o espectador prudenteum ato de grande insensatez? E esta não pareceriaainda maior se pelo aumento dos operários se confiassealcançar o que se pretendia? E, resolvendo fazer uso dealgum critério, se se decidisse pôr de lado os fracos ecolocar em ação unicamente os robustos e vigorosos,esperando com tal medida lograr o propósito colimado,não proclamaria o espectador estarem eles cada vezmais caminhando para o delírio? E, se, ainda nãosatisfeitos, decidissem, por fim, os dirigentes recorrer àarte atlética e ordenassem a todos se apresentaremlogo, com as mãos, os braços e os músculos untados eaprestados, conforme os ditames de tal arte: nãoexclamaria o espectador estarem eles a enlouquecer, jáagora com certo cálculo e prudência? E se, por outrolado, os homens se aplicassem aos domíniosintelectuais, com o mesmo pendor malsão e comaliança tão vã, por mais que esperassem, seja dogrande número e da conjunção de forças, seja daexcelência e da acuidade de seus engenhos; e, aindamais, se recorressem, para o revigoramento da mente,à dialética (que pode ser tida como uma espécie deadestramento atlético), pareceriam, aos queprocurassem formar um juízo correto, não terem desis-tido ainda de usar, sem mais, o mero intelecto, apesarde tanto esforço e zelo. E manifestamente impraticável,sem o concurso de instrumentos ou máquinas,conseguir-se em qualquer grande obra a serempreendida pela mão do homem o aumento do seu

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poder, simplesmente, pelo fortalecimento de cada umdos indivíduos ou pela reunião de muitos deles.

Depois de estabelecermos essas premissas,destacamos dois pontos de que queremos os homensclaramente avisados, O primeiro consiste em quesejam conservados intactos e sem restrições o respeitoe a glória que se votam aos antigos, isso para o bomtranscurso de nossos fados e para afastar de nossoespírito contratempos e perturbações. Desse modo,podemos cumprir os nossos propósitos e, ao mesmotempo, recolher os frutos de nossa discrição. Comefeito, se pretendemos oferecer algo melhor que osantigos e, ainda, seguir alguns caminhos por elesabertos, não podemos nunca pretender escapar àimputação de nos termos envolvido em comparação ouem contenda a respeito da capacidade de nossosengenhos. Na verdade, nada há aí de novo ou ilícito.Por que, com efeito, não podemos, no uso de nossodireito que, de resto, é o mesmo que o de todos —,reprovar e apontar tudo o que, da parte daqueles, tenhasido estabelecido de modo incorreto? Mas, mesmosendo justo e legítimo, o cotejo não pareceria entreiguais, em razão da disparidade de nossas forças.Todavia, visto intentarmos a descoberta de viascompletamente novas e desconhecidas para o intelecto,a proposição fica alterada. Cessam o cuidado e ospartidos, ficando a nós reservado o papel de guia ape-nas, mister de pouca autoridade, cujo sucesso dependemuito mais da boa fortuna que da superioridade detalento. Esta primeira advertência só diz respeito àspessoas. A segunda, à matéria de que nos vamosocupar.

É preciso que se saiba não ser nosso propósito

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colocar por terra as filosofias ora florescentes ouqualquer outra que se apresente, com mais favor, porser mais rica e correta que aquelas. Nem, tampouco,recusamos às filosofias hoje aceitas, ou a outras domesmo gênero, que nutram as disputas, ornem osdiscursos, sirvam o mister dos professores e queprovejam as demandas da vida civil. De nossa parte,declaramos e proclamamos abertamente que a filosofiaque oferecemos não atenderá, do mesmo modo, a essascoisas úteis. Ela não é de pronto acessível, não buscaatravés de prenoções a anuência do intelecto, nempretende, pela utilidade ou por seus efeitos, pôr-se aoalcance do comum dos homens.

Que haja, pois talvez seja propício para ambasas partes, duas fontes de geração e de propagação dedoutrinas. Que haja igualmente duas famílias decultores da reflexão e da filosofia, com laços deparentesco entre si, mas de modo algum inimigas oualheia uma da outra, antes pelo contrário coligadas.Que haja, finalmente, dois métodos, um destinado aocultivo das ciências e outro destinado à descobertacientífica. Aos que preferem o primeiro caminho, sejapor impaciência, por injunções da vida civil, seja pelainsegurança de suas mentes em compreender e abarcara outra via (este será, de longe, o caso da maior partedos homens), a eles auguramos sejam bem sucedidosno que escolheram e consigam alcançar aquilo quebuscam. Mas aqueles dentre os mortais, maisanimados e interessados, não no uso presente dasdescobertas já feitas, mas em ir mais além; que estejampreocupados, não com a vitória sobre os adversáriospor meio de argumentos, mas na vitória sobre anatureza, pela ação; não em emitir opiniões elegantes eprováveis, mas em conhecer a verdade de forma clara e

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manifesta; esses, como verdadeiros filhos da ciência,que se juntem a nós, para, deixando para trás osvestíbulos das ciências, por tantos palmilhados semresultado, penetrarmos em seus recônditos domínios.E, para sermos melhor atendidos e para maiorfamiliaridade, queremos adiantar o sentido dos termosempregados. Chamaremos ao primeiro método oucaminho de Antecipação da Mente e ao segundo deInterpretação da Natureza.

Para algo mais chamamos a vossa atenção.Procuramos cercar nossas reflexões dos maiorescuidados, não apenas para que fossem verdadeiras,mas também para que não se apresentassem de formaincômoda e árida ao espírito dos homens, usualmentetão atulhado de múltiplas formas de fantasia. Emcontrapartida, solicitamos dos homens, sobretudo emse tratando de uma tão grandiosa restauração do sabere da ciência, que todo aquele que se dispuser a formarou emitir opiniões a respeito do nosso trabalho, querpartindo de seus próprios recursos, da turba deautoridades, quer por meio de demonstrações (queadquiriram agora a força das leis civis), não sedisponha a fazê-lo de passagem e de maneira leviana.Mas que, antes, se inteire bem do nosso tema; a seguir,procure acompanhar tudo o que descrevemos e tudo aque recorremos; procure habituar-se à complexidadedas coisas, tal como é revelada pela experiência;procure, enfim, eliminar, com serenidade e paciência,os hábitos pervertidos, já profundamente arraigados namente. Aí então, tendo começado o pleno domínio de simesmo, querendo, procure fazer uso de seu própriojuízo.

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AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DANATUREZA E O REINO DO HOMEM

LIVRO I

AFORISMOS

I

O homem, ministro e intérprete da natureza, faze entende tanto quanto constata, pela observação dosfatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem danatureza; não sabe nem pode mais.

II

Nem a mão nua nem o intelecto, deixados a simesmos, logram muito. Todos os feitos se cumpremcom instrumentos e recursos auxiliares, de quedependem, em igual medida, tanto o intelecto quantoas mãos. Assim como os instrumentos mecânicosregulam e ampliam o movimento das mãos, os damente aguçam o intelecto e o precavêm.

III

Ciência e poder do homem coincidem, uma vezque, sendo a causa ignorada, frustra-se o efeito. Pois anatureza não se vence, se não quando se lhe obedece. Eo que à contemplação apresenta-se como causa é regrana prática.

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No trabalho da natureza o homem não podemais que unir e apartar os corpos. O restante realiza-o

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a própria natureza, em si mesma.

V

No desempenho de sua arte, costumamimiscuir-se na natureza o tísico, o matemático, omédico, o alquimista e o mago. Todos eles, contudo —no presente estado das coisas —, fazem-no com escassoempenho e parco sucesso.

VI

Seria algo insensato, em si mesmo contraditório,estimar poder ser realizado o que até aqui não seconseguiu fazer, salvo se se fizer uso de procedimentosainda não tentados.

VII

As criações da mente e das mãos parecemsobremodo numerosas, quando vistas nos livros e nosofícios. Porém, toda essa variedade reside na exímiasutileza e no uso de um pequeno número de fatos jáconhecidos e não no número dos axiomas.[5]

VIII

Mesmo os resultados até agora alcançadosdevem-se muito mais ao acaso e a tentativas que àciência. Com efeito, as ciências que ora possuímosnada mais são que combinações de descobertasanteriores. Não constituem novos métodos dedescoberta nem esquemas para novas operações.

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A verdadeira causa e raiz de todos os males queafetam as ciências é uma única: enquanto admiramos eexaltamos de modo falso os poderes da mente humana,não lhe buscamos auxílios adequados.

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X

A natureza supera em muito, em complexidade,os sentidos e o intelecto. Todas aquelas belasmeditações e especulações humanas, todas ascontrovérsias são coisas malsãs. E ninguém disso seapercebe.

XI

Tal como as ciências, de que ora dispomos, sãoinúteis para a invenção de novas obras, do mesmomodo, a nossa lógica atual é inútil para o incrementodas ciências.

XII

A lógica tal como é hoje usada mais vale paraconsolidar e perpetuar erros, fundados em noçõesvulgares, que para a indagação da verdade, de sorteque é mais danosa que útil.

XIII

O silogismo não é empregado para odescobrimento dos princípios das ciências; é baldada asua aplicação a axiomas intermediários, pois seencontra muito distante das dificuldades da natureza.Assim é que envolve o nosso assentimento, não ascoisas.

XIV

O silogismo consta de proposições, asproposições de palavras, as palavras são o signo dasnoções. Pelo que, se as próprias noções (queconstituem a base dos fatos) são confusas etemerariamente abstraídas das coisas, nada que delasdepende pode pretender solidez. Aqui está por que aúnica esperança radica na verdadeira indução.

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XV

Não há nenhuma solidez nas noções lógicas oufísicas. Substância, qualidade, ação, paixão, nemmesmo ser, são noções seguras. Muito menos ainda asde pesado, leve, denso, raro, úmido, seco, geração,corrupção, atração, repulsão, elemento, matéria,forma e outras do gênero. Todas são fantásticas e maldefinidas.

XVI

As noções das espécies inferiores, como as dehomem, cão, pomba, e as de percepção imediata pelossentidos, como quente, frio, branco, negro, não estãosujeitas a grandes erros. Mas mesmo estas, devido aofluxo da matéria e combinação das coisas, também porvezes se confundem. Tudo o mais que o homem atéaqui tem usado são aberrações, não foram abstraídas elevantadas das coisas por procedimentos devidos.

XVII

Não é menor que nas noções o capricho e aaberração na constituição dos axiomas. Vigem aqui osmesmos princípios da indução vulgar. E isso ocorre emmuito maior grau nos axiomas e proposições que sealcançam pelo silogismo.

XVIII

Os descobrimentos até agora feitos de tal modosão que, quase só se apoiam nas noções vulgares. Paraque se penetre nos estratos mais profundos e distantesda natureza, é necessário que tanto as noções quanto osaxiomas sejam abstraídos das coisas por um métodomais adequado e seguro, e que o trabalho do intelectose torne melhor e mais correto.

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XIX

Só há e só pode haver duas vias para ainvestigação e para a descoberta da verdade. Uma, queconsiste no saltar-se das sensações e das coisasparticulares aos axiomas mais gerais e, a seguir,descobrirem-se os axiomas intermediários a partirdesses princípios e de sua inamovível verdade. Esta é aque ora se segue. A outra, que recolhe os axiomas dosdados dos sentidos e particulares, ascendendo contínuae gradualmente até alcançar, em último lugar, osprincípios de máxima generalidade. Este é overdadeiro caminho, porém ainda não instaurado.

XX

Na primeira das vias o intelecto deixado a simesmo acompanha e se fia nas forças da dialética. Poisa mente anseia por ascender aos princípios mais geraispara aí então se deter. A seguir, desdenha aexperiência. E tais males são incrementados peladialética, na pompa de suas disputas.

XXI

O intelecto, deixado a si mesmo, na mentesóbria, paciente e grave, sobretudo se não estáimpedida pelas doutrinas recebidas, tenta algo na outravia, na verdadeira, mas com escasso proveito. Porque ointelecto não regulado e sem apoio é irregular e de todoinábil para superar a obscuridade das coisas.

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Tanto uma como a outra via partem dossentidos e das coisas particulares e terminam nasformulações da mais elevada generalidade. Mas éimenso aquilo em que discrepam. Enquanto que uma

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perpassa na carreira pela experiência e pelo particular,a outra aí se detém de forma ordenada, como cumpre.Aquela, desde o início, estabelece certas generalizaçõesabstratas e inúteis; esta se eleva gradualmente àquelascoisas que são realmente as mais comuns na natureza.

XXIII

Não é pequena a diferença existente entre osídolos da mente humana e as idéias [6] da mentedivina, ou seja, entre opiniões inúteis e as verdadeirasmarcas e impressões gravadas por Deus nas criaturas.tais como de fato se encontram.

XXIV

De modo algum se pode admitir que os axiomasconstituídos pela argumentação valham para adescoberta de novas verdades, pois a profundidade danatureza supera de muito o alcance do argumento. Masos axiomas reta e ordenadamente abstraídos dos fatosparticulares, estes sim, facilmente indicam e designamnovos fatos particulares e, por essa via, tornam ativasas ciências.

XXV

Os axiomas ora em uso decorrem de experiênciarasa e estreita e a partir de poucos fatos particulares,que ocorrem com freqüência; e estão adstritos à suaextensão. Daí não espantar que não levem a novos fatosparticulares. Assim, se caso alguma instância [7] nãoantes advertida ou cogitada se apresenta, graças aalguma distinção frívola procura-se salvar o axioma,quando o mais verdadeiro seria corrigi-lo.

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Para efeito de explanação, chamamos à forma

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ordinária da razão humana voltar-se para o estudo danatureza de antecipações da natureza (por se tratar deintento temerário e prematuro). E à que procede daforma devida, a partir dos fatos, designamos porinterpretação da natureza.

XXVII

As antecipações são fundamento satisfatóriopara o consenso,[8] pois, se todos os homens setornassem da mesma forma insanos, poderiamrazoavelmente entender-se entre si.

XXVIII

Ainda mais, as antecipações são de muito maisvalia para lograr o nosso assentimento, que asinterpretações; pois, sendo coligidas a partir de poucasinstâncias e destas as que mais familiarmente ocorrem,desde logo empolgam o intelecto e enfunam a fantasia;enquanto que as interpretações, pelo contrário, sendocoligidas a partir de múltiplos fatos, dispersos edistanciados, não podem, de súbito, tocar o intelecto,de tal modo que, à opinião comum, podem parecerquase tão duras e dissonantes quanto os mistérios dafé.

XXIX

Nas ciências que se fundam nas opiniões e nasconvenções é bom o uso das antecipações e da dialética,já que se trata de submeter o assentimento e não ascoisas.

XXX

Mesmo que se reunissem, se combinassem e seconjugassem os engenhos de todos os tempos, não selograria grande progresso nas ciências, através das

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antecipações, porque os erros radicais perpetrados namente, na primeira disposição, não se curariam nempela excelência das operações nem pelos remédiossubseqüentes.

XXXI

Vão seria esperar-se grande aumento nasciências pela superposição ou pelo enxerto do novosobre o velho. É preciso que se faça uma restauração daempresa a partir do âmago de suas fundações, se nãose quiser girar perpetuamente em círculos, com magroe quase desprezível progresso.

XXXII

A glória dos antigos, como a dos demais,permanece intata, pois não se estabelecemcomparações entre engenhos e capacidades, mas demétodos. Não nos colocamos no papel de juiz, mas deguia.

XXXIII

Seja dito claramente que não pode serformulado um juízo correto nem sobre o nosso métodonem sobre as suas descobertas pelo critério corrente —as antecipações; pois não nos podem pedir o acolhi-mento do juízo cuja própria base está em julgamento.

XXXIV

Não é, com efeito, empresa fácil transmitir eexplicar o que pretendemos, porque as coisas novas sãosempre compreendidas por analogia com as antigas.

XXXV

Disse Bórgia, da expedição dos franceses àItália, que vieram com o giz nas mãos para marcar os

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seus alojamentos, e não com armas para forçarpassagem. Nosso propósito é semelhante: que a nossadoutrina se insinue nos espíritos idôneos e capazes.Não fazemos uso da refutação quando dissentimos arespeito dos princípios, dos próprios conceitos eformas da demonstração.

XXXVI

Resta-nos um único e simples método, paraalcançar os nossos intentos: levar os homens aospróprios fatos particulares e às suas séries e ordens, afim de que eles, por si mesmos, se sintam obrigados arenunciar às suas noções e comecem a habituar-se aotrato direto das coisas.

XXXVII

Coincidem, até certo ponto, em seu inicio, onosso e o método daqueles que usaram da acatalepsia.Mas nos pontos de chegada, imensa distância nossepara e opõe. Aqueles, com efeito, afirmaramcabalmente que nada pode ser conhecido. De nossaparte, dizemos que não se pode conhecer muito acercada natureza, com auxílio dos procedimentos ora emuso. E, indo mais longe, eles destroem a autoridade dossentidos e do intelecto, enquanto que nós, ao contrário,lhes inventamos e subministramos auxílios.

XXXVIII

Os ídolos e noções falsas que ora ocupam ointelecto humano e nele se acham implantados nãosomente o obstruem a ponto de ser difícil o acesso daverdade, como, mesmo depois de seu pórtico logrado edescerrado, poderão ressurgir como obstáculo àprópria instauração das ciências, a não ser que os

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homens, já precavidos contra eles, se cuidem o maisque possam.

XXXIX

São de quatro gêneros os ídolos que bloqueiam amente humana. Para melhor apresentá-los, lhesassinamos nomes, a saber: Ídolos da Tribo; Ídolos daCaverna; Ídolos do Foro e Ídolos do Teatro.[9]

XL

A formação de noções e axiomas pela verdadeiraindução é, sem dúvida, o remédio apropriado paraafastar e repelir os ídolos. Será, contudo, de grandepréstimo indicar no que consistem, posto que adoutrina dos ídolos tem a ver com a interpretação danatureza o mesmo que a doutrina dos elencos sofísticoscom a dialética vulgar.

XLI

Os ídolos da tribo estão fundados na próprianatureza humana, na própria tribo ou espécie humana.E falsa a asserção de que os sentidos do homem são amedida das coisas. Muito ao contrário, todas aspercepções, tanto dos sentidos como da mente,guardam analogia com a natureza humana e não com ouniverso. O intelecto humano é semelhante a umespelho que reflete desigualmente os raios das coisas e,dessa forma, as distorce e corrompe.

XLII

Os ídolos da caverna [10] são os dos homensenquanto indivíduos. Pois, cada um — além dasaberrações próprias da natureza humana em geral —tem uma caverna ou uma cova que intercepta ecorrompe a luz da natureza: seja devido à natureza

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própria e singular de cada um; seja devido à educaçãoou conversação com os outros; seja pela leitura doslivros ou pela autoridade daqueles que se respeitam eadmiram; seja pela diferença de impressões, segundoocorram em ânimo preocupado e predisposto ou emânimo equânime e tranqüilo; de tal forma que oespírito humano — tal como se acha disposto em cadaum — é coisa vária, sujeita a múltiplas perturbações, eaté certo ponto sujeita ao acaso. Por isso, bemproclamou Heráclito [11] que os homens buscam emseus pequenos mundos e não no grande ou universal.

XLIII

Há também os ídolos provenientes, de certaforma, do intercurso e da associação recíproca dosindivíduos do gênero humano entre si, a quechamamos de ídolos do foro devido ao comércio econsórcio entre os homens. Com efeito, os homens seassociam graças ao discurso,[12] e as palavras sãocunhadas pelo vulgo. E as palavras, impostas demaneira imprópria e inepta, bloqueiamespantosamente o intelecto. Nem as definições, nem asexplicações com que os homens doutos se munem e sedefendem, em certos domínios, restituem as coisas aoseu lugar. Ao contrário, as palavras forçam o intelecto eo perturbam por completo. E os homens são, assim,arrastados a inúmeras e inúteis controvérsias efantasias.

XLIV

Há, por fim, ídolos que imigraram para oespírito dos homens por meio das diversas doutrinasfilosóficas e também pelas regras viciosas dademonstração. São os ídolos do teatro: por parecer que

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as filosofias adotadas ou inventadas são outras tantasfábulas, produzidas e representadas, que figurammundos fictícios e teatrais. Não nos referimos apenasàs que ora existem ou às filosofias e seitas dos antigos.Inúmeras fábulas do mesmo teor se podem reunir ecompor, por que as causas dos erros mais diversos sãoquase sempre as mesmas. Ademais, não pensamosapenas nos sistemas filosóficos, na universalidade, mastambém nos numerosos princípios e axiomas dasciências que entraram em vigor, mercê da tradição, dacredulidade e da negligência. Contudo, falaremos deforma mais ampla e precisa de cada gênero de ídolo,para que o intelecto humano esteja acautelado.

XLV

O intelecto humano, mercê de suas peculiarespropriedades, facilmente supõe maior ordem eregularidade nas coisas que de fato nelas se encontram.Desse modo, como na natureza existem muitas coisassingulares e cheias de disparidades, aquele imaginaparalelismos, correspondências e relações que nãoexistem. Daí a suposição de que no céu todos os corposdevem mover-se em círculos perfeitos, rejeitando porcompleto linhas espirais e sinuosas, a não ser emnome. Daí, do mesmo modo, a introdução do elementofogo com sua órbita, para constituir a quaderna com osoutros três elementos que os sentidos apreendem.Também de forma arbitrária se estabelece, para oschamados elementos, que o aumento respectivo de suararefação se processa em proporção de um para dez, eoutras fantasias da mesma ordem. E esse enganoprevalece não apenas para elaboração de teorias comotambém para as noções mais simples.

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XLVI

O intelecto humano, quando assente em umaconvicção (ou por já bem aceita e acreditada ou porqueo agrada), tudo arrasta para seu apoio e acordo. Eainda que em maior número, não observa a força dasinstâncias contrárias, despreza-as, ou, recorrendo adistinções, põe-nas de parte e rejeita, não sem grande epernicioso prejuízo. Graças a isso, a autoridadedaquelas primeiras afirmações permanece inviolada. Ebem se houve aquele que, ante um quadro penduradono templo, como ex-voto dos que se salvaram dosperigos de um naufrágio, instado a dizer se ainda serecusava a aí reconhecer a providência dos deuses,indagou por sua vez: “E onde estão pintados aquelesque, a despeito do seu voto, pereceram?” [13] Essa é abase de praticamente toda superstição, trate-se deastrologia, interpretação de sonhos, augúrios e quetais: encantados, os homens, com tal sorte dequimeras, marcam os eventos em que a predição secumpre; quando falha o que é bem mais freqüente —,negligenciam-nos e passam adiante. Esse mal seinsinua de maneira muito mais sutil na filosofia e nasciências. Nestas, o de início aceito tudo impregna ereduz o que segue. até quando parece mais firme eaceitável. Mais ainda: mesmo não estando presentesessa complacência e falta de fundamento a que nosreferimos, o intelecto humano tem o erro peculiar eperpétuo de mais se mover e excitar pelos eventosafirmativos que pelos negativos, quando deveriarigorosa e sistematicamente atentar para ambos.Vamos mais longe: na constituição de todo axiomaverdadeiro, têm mais força as instâncias negativas.

XLVII

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O intelecto humano se deixa abalar no mais altograu pelas coisas que súbita e simultaneamente seapresentam e ferem a mente e ao mesmo tempocostumam tomar e inflar a imaginação. E a partir dissopassa a conceber e supor, conquanto queimperceptivelmente, tudo o mais, do mesmo modo queo pequeno número de coisas que ocupam a mente.Contudo, para cumprir o percurso até os fatos remotose heterogêneos, pelos quais os axiomas se provamcomo pelo fogo — a não ser que duras leis e violentaautoridade o imponham , mostra-se tardo e inepto.

XLVIII

O intelecto humano se agita sempre, não se podedeter ou repousar, sempre procura ir adiante. Mas semresultado. Daí ser impensável, inconcebível que hajaum limite extremo e último do mundo. Antes, sempreocorre como necessária a existência de mais algo além.Nem tampouco se pode cogitar de como a eternidadepossa ter transcorrido até os dias presentes, posto quea distinção geralmente aceita do infinito, comocomportando uma parte já transcorrida e uma parteainda por vir, não pode de modo algum subsistir, emvista de que se seguiria o absurdo de haver um infinitomaior que outro, como se o infinito pudesseconsumir-se no finito. Semelhante é o problema dadivisibilidade da reta ao infinito, coisa impossível deser pensada. Mas de maneira mais perniciosa semanifesta essa incapacidade da mente na descobertadas causas: pois, como os princípios universais danatureza, tais como são encontrados, devem serpositivos, não podem ter uma causa. Mas, mesmoassim, o intelecto humano, que se não pode deter,busca algo. Então, acontece que buscando o que está

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mais além acaba por retroceder ao que está maispróximo, seja, as causas finais, que claramentederivam da natureza do homem e não do universo. Aíestá mais uma fonte que por mil maneiras concorrepara a corrupção da filosofia. Há tanta imperícia eleviandade dessa espécie de filósofos, na busca dascausas do que é universal, quanto desinteresse pelascausas dos fatos secundários e subalternos.[14]

XLIX

O intelecto humano não é luz pura,[15] poisrecebe influência da vontade e dos afetos, donde sepoder gerar a ciência que se quer. Pois o homem seinclina a ter por verdade o que prefere. Em vista disso,rejeita as dificuldades, levado pela impaciência dainvestigação; a sobriedade, porque sofreia a esperança;os princípios supremos da natureza, em favor dasuperstição; a luz da experiência, em favor daarrogância e do orgulho, evitando parecer se ocupar decoisas vis e efêmeras; paradoxos, por respeito à opiniãodo vulgo. Enfim, inúmeras são as fórmulas pelas quaiso sentimento, quase sempre imperceptivelmente, seinsinua e afeta o intelecto.

L

Mas os maiores embaraços e extravagâncias dointelecto provêm da obtusidade, da incompetência edas falácias dos sentidos. E isso ocorre de tal forma queas coisas que afetam os sentidos preponderam sobre asque, mesmo não o afetando de imediato, são maisimportantes. Por isso, a observação não ultrapassa osaspectos visíveis das coisas, sendo exígua ou nula aobservação das invisíveis. Também escapam aoshomens todas as operações dos espíritos latentes nos

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corpos sensíveis. Permanecem igualmentedesconhecidas as mudanças mais sutis de forma daspartes das coisas mais grossas (o vulgo sói chamar aisso de alteração, quando na verdade se trata detranslação) em espaços mínimos.[16] Até que fatos,como os dois que indicamos, não sejam investigados eesclarecidos, nenhuma grande obra poderá serempreendida na natureza. E ainda a própria naturezado ar comum, bem como de todos os corpos de menordensidade (que são muitos), é quase por completodesconhecida. Na verdade, os sentidos, por si mesmos,são algo débil e enganador, nem mesmo osinstrumentos destinados a ampliá-los e aguçá-los sãode grande valia. E toda verdadeira interpretação danatureza se cumpre com instâncias e experimentosoportunos e adequados, onde os sentidos julgamsomente o experimento e o experimento julga anatureza e a própria coisa.

LI

O intelecto humano, por sua própria natureza,tende ao abstrato, e aquilo que flui, permanente lheparece. Mas é melhor dividir em partes a natureza quetraduzi-la em abstrações. Assim procedeu a escola deDemócrito, que mais que as outras penetrou ossegredos da natureza. O que deve ser sobretudoconsiderado é a matéria, os seus esquematismos, osmetaesquematismos, o ato puro, e a lei do ato, que é omovimento. As formas são simples ficções do espíritohumano, a não ser que designemos por formas aspróprias leis do ato.[17]

LII

Tais são os ídolos a que chamamos de ídolos da

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tribo, que têm origem na uniformidade da substânciaespiritual do homem, ou nos seus preconceitos, ou bemnas suas limitações, ou na sua contínua instabilidade;ou ainda na interferência dos sentimentos ou naincompetência dos sentidos ou no modo de receberimpressões.

LIII

Os ídolos da caverna têm origem na peculiarconstituição da alma e do corpo de cada um; e tambémna educação, no hábito ou em eventos fortuitos. Comoas suas espécies são múltiplas e várias, indicaremosaquelas com que se deve ter mais cuidado, por se tratardas que têm maior alcance na turbação da limpidez dointelecto.

LIV

Os homens se apegam às ciências e adeterminados assuntos, ou por se acreditarem seusautores ou descobridores, ou por neles muito se teremempenhado e com eles se terem familiarizado. Masessa espécie de homens, quando se dedica à filosofia ea especulações de caráter geral, distorce e corrompe-asem favor de suas anteriores fantasias. Isso pode serespecialmente observado em Aristóteles que de talmodo submete a sua filosofia natural à lógica que atornou quase inútil e mais afeita a contendas. A própriaestirpe dos alquimistas elabora uma filosofia fantásticae de pouco proveito, porque fundada em alguns poucosexperimentos levados a cabo em suas oficinas. Assimtambém Gilbert,[18] que, depois de laboriosamentehaver observado o magneto, logo concebeu umafilosofia toda conforme ao seu principal interesse.

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A maior e talvez a mais radical diferença quedistingue os engenhos, em relação à filosofia e àsciências, está em que alguns são mais capazes e aptospara notar as diferenças das coisas, outros para as suassemelhanças. Com efeito, os engenhos constantes eagudos podem fixar, deter e dedicar a sua atenção àsdiferenças mais sutis. De outra parte, os engenhosaltaneiros e discursivos reconhecem e combinam asmais gerais e sutis semelhanças das coisas. Mas tantouns como outros podem facilmente incorrer noexagero, captando em um caso a graduação das coisas,em outro as aparências.

LVI

É desse modo que se estabelecem aspreferências pela Antiguidade ou pelas coisas novas.Poucos são os temperamentos que conseguem a justamedida, ou seja, não desprezar o que é correto nosantigos, sem deixar de lado as contribuições acertadasdos modernos. E é o que tem causado grandes danostanto às ciências quanto à filosofia, pois faz-se o elogioda Antiguidade ou das coisas novas e não o seujulgamento. A verdade não deve, porém, ser buscadana boa fortuna de uma época, que é inconstante, mas àluz da natureza e da experiência, que é eterna. Em vistadisso, todo entusiasmo deve ser afastado e deve-secuidar para que o intelecto não se desvie e seja por elearrebatado em seus juízos.

LVII

O estudo da natureza e dos corpos em seuselementos simples fraciona e abate o intelecto,enquanto que o estudo da natureza e da composição eda configuração dos corpos o entorpece e desarticula.

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Isto se pode muito bem observar na escola de Leucipo eDemócrito, se se compara com as demais filosofias.Aquela, com efeito, de tal modo se preocupa com aspartículas das coisas que negligencia a sua estrutura; asoutras, por seu turno, ficam de tal modo empolgadasna consideração da estrutura que não penetram noselementos simples da natureza. Assim, pois, se devemalternar ambas as formas de observação e adotar cadauma por sua vez, para que se torne a um tempopenetrante e capaz e se possam afastar osinconvenientes apontados, bem como os ídolos delesprovenientes.

LVIII

Essa seja a prudência a ser adotada nasespeculações para que se contenham e desalojem osídolos da caverna, os quais provêm de algumadisposição predominante no estudo, ou do excesso desíntese ou de análise, ou do zelo por certas épocas, ouainda da magnitude ou pequenez dos objetosconsiderados. Todo estudioso da natureza deve ter porsuspeito o que o intelecto capta e retém com predileção.Em vista disso, muito grande deve ser a precaução paraque o intelecto se mantenha íntegro e puro.

LIX

Os ídolos do foro são de todos os maisperturbadores: insinuam-se no intelecto graças aopacto de palavras e de nomes. Os homens, com efeito,crêem que a sua razão governa as palavras. Mas sucedetambém que as palavras volvem e refletem suas forçassobre o intelecto, o que torna a filosofia e as ciênciassofisticas e inativas. As palavras, tomando quasesempre o sentido que lhes inculca o vulgo seguem a

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linha de divisão das coisas que são mais potentes aointelecto vulgar. Contudo, quando o intelecto maisagudo e a observação mais diligente querem transferiressas linhas para que coincidam mais adequadamentecom a natureza, as palavras se opõem. Daí suceder queas magnas e solenes disputas entre os homens doutos,com freqüência, acabem em controvérsias em torno depalavras e nomes, caso em que melhor seria (conformeo uso e a sabedoria dos matemáticos) restaurar aordem, começando pelas definições. E mesmo asdefinições não podem remediar totalmente esse mal,tratando-se de coisas naturais e materiais, posto que aspróprias definições constam de palavras e as palavrasengendram palavras. Donde ser necessário o recursoaos fatos particulares e às suas próprias ordens eséries, como depois vamos enunciar, quando seexpuser o método e o modo de constituição das noçõese dos axiomas.

LX

Os ídolos que se impõem ao intelecto atravésdas palavras são de duas espécies. Ou são nomes decoisas que não existem (pois do mesmo modo que hácoisas sem nome, por serem despercebidas, assimtambém há nomes por mera suposição fantástica, a quenão correspondem coisas), ou são nomes de coisas queexistem, mas confusos e mal determinados e abstraídosdas coisas, de forma temerária e inadequada. Àprimeira espécie pertencem: a fortuna, o primeiromóvel, as órbitas planetárias, o elemento do fogo eficções semelhantes, que têm origem em teorias vaziase falsas. Essa espécie de ídolos é a mais fácil de seexpulsar, pois se pode exterminá-los pela constanterefutação e ab-rogação das teorias que os amparam.

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Mas a outra espécie é mais complexa e maisprofundamente arraigada por se ter formado naabstração errônea e inábil. Tome-se como exemplo apalavra úmido e enumerem-se os significados que podeassumir. Descobriremos que esta palavra úmidocompila notas confusas de operações diversas que nadatêm em comum ou que não são irredutíveis. Significa,com efeito, tudo o que se expande facilmente em tornode outro corpo; tudo o que é em si mesmoindeterminável e não pode ter consistência; tudo o quefacilmente cede em todos os sentidos; tudo o quefacilmente se divide e dispersa; tudo o que se une ejunta facilmente; tudo o que facilmente adere a outrocorpo e molha; tudo o que facilmente se reduz aliquido, se antes era sólido. De sorte que se podepredicar e impor a palavra úmido em um determinadosentido, “a chama é úmida”; em outro, “o ar não éúmido”; em outro, “o pó fino é úmido”; e em outro,ainda, “o vidro é úmido”. Daí facilmente transpareceque esta noção foi abstraída de forma leviana apenasda água e dos líquidos correntes e vulgares, semqualquer adequada verificação posterior

Há, contudo, nas palavras certos graus dedistorção e erro. O gênero menos nefasto é o dos nomesde substâncias particulares, em especial as de espéciesinferiores, bem deduzidas. Assim as noções de greda elodo são boas; a de terra, má. Mais deficientes são aspalavras que designam ação, tais como: gerar,corromper, alterar. As mais prejudiciais são as queindicam qualidades (com exceção dos objetosimediatos da sensação), como: pesado, leve, tênue,denso, etc. Todavia, em todos esses casos pode sucederque certas noções sejam um pouco melhores que asdemais, como ocorre com as que designam coisas que

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os sentidos humanos alcançam com mais freqüência.

LXI

Por sua vez, os ídolos do teatro não são inatos,nem se insinuaram às ocultas no intelecto, mas foramabertamente incutidos e recebidos por meio dasfábulas dos sistemas e das pervertidas leis dedemonstração. Porém, tentar e sustentar a suarefutação não seria consentâneo com o que vimosafirmando. Pois, se não estamos de acordo nem com osprincípios nem com as demonstrações, não se admitequalquer argumentação. O que, ademais, é um favordos fados, pois dessa forma é respeitada a glória dosantigos. Nada se lhes subtrai, já que se trata de umaquestão de método. Um coxo (segundo se diz) nocaminho certo, chega antes que um corredorextraviado, e o mais hábil e veloz, correndo fora docaminho, mais se afasta de sua meta, O nosso métodode descobrir a verdadeira ciência é de tal sorte quemuito pouco deixa à agudeza e robustez dos engenhos;mas, ao contrário, pode-se dizer que estabeleceequivalência entre engenhos e intelectos. Assim comopara traçar uma linha reta ou um círculo perfeito,perfazendo-os a mão, muito importam a firmeza e odesempenho, mas pouco ou nada importam usando arégua e o compasso. O mesmo ocorre com o nossométodo. Ainda que seja de utilidade nula a refutaçãoparticular de sistemas, diremos algo das seitas e teoriase, a seguir, dos signos exteriores que denotam a suafalsidade; e, por último, das causas de tão grandeinfortúnio e tão constante e generalizado consenso noerro. E isso para que se torne menos difícil o acesso àverdade e o intelecto humano com mais disposição sepurifique e os ídolos possa derrogar.

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Os ídolos do teatro, ou das teorias, sãonumerosos, e podem ser, e certamente o serão, aindaem muito maior número. Com efeito, se já por tantosséculos não tivesse a mente humana se ocupado dereligião e teologia; e se os governos civis(principalmente as monarquias) não tivessem sido tãoadversos para com as novidades, mesmo nas espe-culações filosóficas a tal ponto que os homens que astentam sujeitam-se a riscos, ao desvalimento de suafortuna, e, sem nenhum prêmio, expõem-se aodesprezo e ao ódio; se assim não fosse, sem dúvida,muitas outras seitas filosóficas e outras teorias teriamsido introduzidas, tais como floresceram tãograndemente diversificadas entre os gregos. Pois, domesmo modo que se podem formular muitas teorias docéu[19] a partir dos fenômenos celestes; igualmente,com mais razão, sobre os fenômenos de que se ocupa afilosofia se podem fundar e constituir muitos dogmas.E acontece com as fábulas deste teatro o mesmo que noteatro dos poetas. As narrações feitas para a cena sãomais ordenadas e elegantes e aprazem mais que asverdadeiras narrações tomadas da história.

Mas em geral supõe-se para matéria da filosofiaou muito a partir de pouco ou pouco a partir de muito.Assim, a filosofia se acha fundada, em ambos os casos,numa base de experiência e história naturalexcessivamente estreita e se decide a partir de umnúmero de dados muito menor que o desejável. Assim,a escola racional [20] se apodera de um grande númerode experimentos vulgares, não bem comprovados enem diligentemente examinados e pensados, e o maisentrega à meditação e ao revolver do engenho.

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Há também outra espécie de filósofos que seexercitaram, de forma diligente e acurada, em umreduzido número de experimentos e disso pretenderamdeduzir e formular sistemas filosóficos acabados,ficando, estranhamente, os fatos restantes à imagemdaqueles poucos distorcidos.

E há uma terceira espécie de filósofos, os quaismesclam sua filosofia com a teologia e a tradiçãoamparada pela fé e pela veneração das gentes. Entreesses, há os que, levados pela vaidade, pretenderamestabelecer e deduzir as ciências da invocação deespíritos e gênios.[21] Dessa forma, são de três tipos asfontes dos erros e das falsas filosofias: a sofística, aempírica e a supersticiosa.

LXIII

O mais conspícuo exemplo da primeira é o deAristóteles, que corrompeu com sua dialética a filosofianatural: ao formar o mundo com base nas categorias;ao atribuir à alma humana, a mais nobre dassubstâncias, um gênero extraído de conceitossegundos;[22] ao tratar da questão da densidade e dararefação, com que se indica se os corpos ocupammaiores ou menores extensões, conforme suas dimen-sões, por meio da fria distinção de potência e ato; aoconferir a cada corpo apenas um movimento próprio,afirmando que, se o corpo participa de outromovimento, este provém de uma causa externa; aoimpor à natureza das coisas inumeráveis distinçõesarbitrárias, mostrando-se sempre mais solícito emformular respostas e em apresentar algo positivo naspalavras do que a verdade íntima das coisas. Isso setorna mais manifesto quando se compara a suafilosofia com as filosofias que eram mais celebradas

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entre os gregos. Sem dúvida, as homeomerias, deAnaxágoras; os átomos, de Leucipo e Demócrito; o céue a terra, de Parmênides; a discórdia e a amizade, deEmpédocles; a resolução dos corpos na adiáforanatureza do fogo e o seu retorno ao estado sólido, deHeráclito, sabem a filosofia natural, a natureza dascoisas, experiência e corpos.[23] Mas na Física, deAristóteles, na maior parte dos casos, não ressoammais que as vozes de sua dialética. Retoma-a na suaMetafísica, sob nome mais solene, e mais como realistaque nominalista. A ninguém cause espanto que noLivro dos Animais e nos Problemas, e em outrostratados, ocupe-se freqüentemente de experimentos.Pois Aristóteles estabelecia antes as conclusões, nãoconsultava devidamente a experiência paraestabelecimento de suas resoluções e axiomas. E tendo,ao seu arbítrio, assim decidido, submetia a experiênciacomo a uma escrava para conformá-la às suas opiniões.Eis por que está a merecer mais censuras que os seusseguidores modernos, os filósofos escolásticos, queabandonaram totalmente a experiência.

LXIV

A escola empírica de filosofia engendra opiniõesmais disformes e monstruosas que a sofistica ouracional. As suas teorias não estão baseadas nas noçõesvulgares (pois estas, ainda que superficiais, são dequalquer maneira universais e, de alguma forma, sereferem a um grande número de fatos), mas naestreiteza de uns poucos e obscuros experimentos. Porisso, uma tal filosofia parece, aos que se exercitaramdiariamente nessa sorte de experimentos,contaminando a sua imaginação, mais provável, emesmo quase certa; mas aos demais apresenta-se como

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indigna de crédito e vazia. Há na alquimia, nas suasexplicações, um notável exemplo do que se acaba dedizer. Em nossos dias não se encontram muitos dessescasos, exceção feita talvez à filosofia de Gilbert.Contudo, em relação a tais sistemas filosóficos, não sepode renunciar à cautela. Desde já, prevenimos eauguramos que quando os homens, conduzidos pornossos conselhos, se voltem de verdade para aexperiência, afastando-se das doutrinas sofisticas, podeocorrer que, devido à impaciência e à precipitação dointelecto, saltem ou mesmo voem às leis gerais e aosprincípios das coisas. Um grande perigo, pois, podeadvir dessas filosofia e contra ele nos devemosacautelar desde já.

LXV

Mas a corrupção da filosofia, advinda dasuperstição e da mescla com a teologia, vai muito aléme causa danos tanto aos sistemas inteiros da filosofiaquanto às suas partes, pois o intelecto humano não estámenos exposto às impressões da fantasia que às dasnoções vulgares. A filosofia sofistica, afeita que é àsdisputas, aprisiona o intelecto, mas esta outra,fantasiosa e inflada, e quase poética, perde-o muitomais com suas lisonjas. Pois há no homem umaambição intelectual que não é menor que a ambição davontade. Isso acontece, sobretudo, nos espíritospreclaros e elevados.

Na Grécia, encontram-se exemplos típicos detais filosofias, sendo o caso, antes dos demais, dePitágoras, onde aparecem aliadas a uma superstiçãotosca e grosseira. Mais perigoso e sutil é o exemplo dePlatão e sua escola.[24] Encontra-se também este mal,parcialmente, nas restantes filosofias, onde são

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introduzidas formas abstratas, causas finais e causasprimeiras, omitindo-se quase sempre as causasintermediárias. Diante disso, toda precaução deve sertomada, pois nada há de pior que a apoteose dos erros,e como uma praga para o intelecto a veneração votadaàs doutrinas vãs. Alguns modernos incorreram em talinanidade que, com grande leviandade, tentaramconstruir uma filosofia natural sobre o primeirocapítulo do Gêneses. sobre o Livro de Jó e sobre outroslivros das Sagradas Escrituras, buscando assim osmortos entre os vivos.[25] É da maior importânciacoibir-se e frear esta inanidade, tanto mais que dessamescla danosa de coisas divinas e humanas não sósurge uma filosofia absurda, como também umareligião herética. Em vista do que é sobremodo salutaroutorgar-se, com sóbrio espírito, à fé o que à fépertence.

LXVI

Já falamos da falsa autoridade das filosofiasfundadas nas noções vulgares, sobre poucosexperimentos e na superstição. Deve-se falar,igualmente, da falsa direção que toma a especulaçãoparticularmente na filosofia natural. O intelectohumano se deixa contagiar pela visão dos fenômenosque acontecem nas artes mecânicas, onde os corpossofrem alterações por um processo de composição eseparação, daí surgindo o pensamento de que algosemelhante se passa na própria natureza. Aqui tem asua origem aquela ficção dos elementos e de seuconcurso para a constituição dos corpos naturais. Deoutro lado, quando o homem contempla o livre jogo danatureza, logo chega ao descobrimento das espéciesnaturais, dos animais, das plantas e dos minerais;

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donde ocorre pensar que também na natureza existemformas primárias das coisas, que a própria naturezatende a tornar manifestas, e que a variedade dosindivíduos tem sua origem nos obstáculos e desviosque a natureza sofre em seu trabalho ou no conflito dediversas espécies ou na superposição de uma sobre aoutra. A primeira dessas cogitações nos valeu asqualidades elementares primárias, a segunda, aspropriedades ocultas e as virtudes específicas. Ambasconstituem um resumo das explicações sem sentido,com as quais se entretém o espírito, distanciando-sedas coisas mais importantes.

É maior o êxito do trabalho que os médicosdedicam ao estudo das qualidades secundárias dascoisas e de suas operações como a atração, a repulsão,a rarefação e a condensação, a dilatação, a contração,a dissipação e a maturação e outras análogas. Etirariam muito maior proveito, se nãocomprometessem, com os conceitos mencionados dequalidades elementares e de virtudes específicas, osfenômenos bem observados, reduzindo-os a qualidadesprimárias e às suas combinações sutis eincomensuráveis, esquecendo-se de levá-los, commaior e mais diligente observação, até às qualidadesterceiras ou quartas, sem romper intempestivamente alinha da observação. Virtudes, se não idênticas, pelomenos semelhantes, devem ser buscadas não apenasnas medicinas para o corpo humano, mas também nasmudanças de todos os demais corpos naturais.

Maior prejuízo acarreta o fato de se limitar areflexão e a indagação aos princípios quiescentes dosquais derivam as coisas, e não considerar os princípiosmotores pelos quais se produzem as coisas, já que os

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primeiros servem aos discursos, os segundos à prática.Tampouco, têm qualquer valor as distinções vulgaresdo movimento que sob o nome de geração, corrupção,aumento, diminuição, alteração e translação seadmitem na filosofia natural. Pois, em últimainstância, não dizem mais que o seguinte: hátranslação quando um corpo, sem sofrer outramudança, muda de lugar; alteração quando, semmudar de lugar, nem espécie, muda de qualidade; se,em virtude da mudança, a massa e quantidade decorpo não permanecem as mesmas, então, há aumentoou diminuição; e se a mudança é de tal ordem quetransforma a própria espécie e substância da coisa emoutra diferente, então há geração e corrupção. Mastudo isso é meramente popular e não penetra anatureza, pois indica as medidas e os períodos e não asespécies de movimento. Indica até onde e não como ede que fonte surgem. E tais conceitos nada dizemacerca da tendência natural dos corpos e nem doprocesso de suas partes. Eles apenas são aplicáveisquando o movimento introduz modificações evidentesna coisa, a ponto de serem imediatamente sensíveis, e édessa forma que também estabelecem as suasdistinções. Mesmo quando procuram dizer algo arespeito das causas do movimento e estabelecer umadivisão em. virtude das mesmas, apresentam,revelando uma absoluta negligência, a distinção entremovimento natural e violento, que também tem suaorigem em conceitos vulgares, posto que realmente,todo movimento violento é também natural, pelo fatode um agente externo reduzir uma coisa da natureza aum estado diferente do que antes tinha.

Mas, deixando de lado tais distinções, pode-seconstatar que representam verdadeiras espécies de

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movimento físico os seguintes casos: quando seobserva que há nos corpos um esforço para o mútuocontato de forma a não permitir que se rompa acontinuidade da natureza, ou se desloquem, ou seproduza o vácuo; quando se manifesta nos corpostendência a recobrar o seu volume natural ou extensãode modo que, se se comprimem, diminuindo-os, ou sese distendem, aumentando-os, agem de forma arecuperar e voltar ao seu primitivo volume e extensão;ou quando se diz que há nos corpos uma tendência àagregação das massas de natureza semelhante e que oscorpos densos tendem à esfera terrestre e os leves aoespaço celeste, etc. Os primeiros movimentosenumerados, por sua vez, são meramente lógicos eescolásticos, como fica manifesto, ao seremcomparados com estes últimos.

Não é menos ruinoso que em suas filosofias eespeculações os seus esforços se consumam napreocupação e na investigação dos princípios e dascausas últimas da natureza, pois toda a possibilidade eutilidade operativa se concentram nos princípiosintermediários. A conseqüência disso é que os homensnão cessam de fazer abstrações sobre a natureza, ateatingir a matéria potencial e informe; nem cessam dedissecá-la até chegar ao átomo. Tudo isso, ainda quecorrespondesse à verdade, pouco serviria ao bem-estardo homem.

LXVII

Também se deve acautelar o intelecto contra aintemperança dos sistemas filosóficos no livrar oucoibir o assentimento, porque tal intemperançaconcorre para firmar os ídolos, e, de certo modo, os fazperpétuos, sem possibilidades de remoção.

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Há no caso um duplo excesso: o primeiro é o dosque se pronunciam apressadamente, convertendo aciência em uma doutrina positiva e doutoral; e outro éo dos que introduziram a acatalepsia e tornaram ainvestigação vaga e sem um termo. O primeirodeprime, o segundo enerva o intelecto. Assim, afilosofia de Aristóteles, depois de destruir outrasfilosofias (à maneira dos otomanos, com seus irmãos)com suas pugnazes refutações, pronunciou-se acerca decada uma das questões. Depois, inventou ele mesmo,ao seu arbítrio, questões para as quais a seguirapresentou soluções, e dessa forma tudo ficou definidoe estabelecido e é o que passou a ser atendido aindahoje por seus sucessores.

A escola de Platão, de sua parte, introduziu aacatalepsia, a princípio como ardil e ironia, pordesprezo para com os velhos sofistas, Protágoras,Hípias e os demais, os quais nada temiam mais queaparentar terem dúvidas a respeito de algo. Mas a NovaAcademia transformou a acatalepsia em dogma e delafez profissão. E, ainda que esta seja uma atitude maismoderada que a dos que se achavam no direito de serepronunciarem sobre tudo já que os acadêmicosdizem que não pretendem confundir a investigação(como o fizeram Pirro e os céticos) e que se limitam aoprovável, quando de fato nada aceitavam comoverdadeiro —, contudo, quando o espírito humano sedesespera da busca da verdade, o seu interesse portodas as coisas se torna débil; daí resultando que oshomens passam a preferir as disputas e os discursosamenos, distantes da realidade, em vez de secomprometerem com rigor na investigação. Contudo,como dissemos a principio e sustentamos sempre, ossentidos e o intelecto humano, pela sua fraqueza, não

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hão de ser desmerecidos em sua autoridade, mas, aocontrário, devem ser providos de auxílios.

LXVIII

Já falamos de todas as espécies de ídolos e deseus aparatos. Por decisão solene e inquebrantáveltodos devem ser abandonados e abjurados. O intelectodeve ser liberado e expurgado de todos eles, de talmodo que o acesso ao reino do homem, que repousasobre as ciências. possa parecer-se ao acesso ao reinodos céus, ao qual não se permite entrar senão sob afigura de criança.[26]

LXIX

As demonstrações falhas são as fortificações e asdefesas dos ídolos. E as que nos ensina a dialética nãofazem muito mais que subordinar a natureza aopensamento humano e o pensamento humano àspalavras. As demonstrações, na verdade, são como quefilosofias e ciências em potência, porque, conformesejam estabelecidas mal ou corretamente instituídas,assim também serão as filosofias e as especulações.Errados e incompetentes são os que seguem o processoque vai dos sentidos e das coisas diretamente aosaxiomas e as conclusões. Esse processo consiste dequatro partes e quatro igualmente são seus defeitos.Em primeiro lugar. as próprias impressões dossentidos são viciosas; os sentidos não sódesencaminham como levam ao erro É pois necessárioque se retifiquem os descaminhos e se corrijam oserros. Em segundo lugar, as noções são mal abstraídasdas impressões dos sentidos, ficando indeterminadas econfusas. quando deveriam ser bem delimitadas edefinidas. Em terceiro lugar. é imprópria a indução

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que estabelece os princípios das ciências por simplesenumeração, sem o cuidado de proceder àquelasexclusões, resoluções ou separações que são exigidaspela natureza. Por último, esse método de invenção ede prova, que consiste em primeiro se determinaremos princípios gerais e, a partir destes, aplicar e provaros princípios intermediários, é a matriz de todos oserros e de todas as calamidades que recaem sobre asciências. Mas desse assunto, que tocamos de passagem,trataremos mais amplamente quando propusermos overdadeiro método de interpretação da natureza,depois de cumprida esta espécie de expiação epurgação da mente.

LXX

A melhor demonstração é de longe, aexperiência, desde que se atenha rigorosamente aoexperimento. Se procuramos aplicá-la a outros fatostidos por semelhantes, a não ser que se proceda deforma correta e metódica, é falaciosa. Mas o modo derealizar experimentos hoje em uso é cego e estúpido.Começam os homens a vagar [27] sem rumo fixo,deixando-se guiar pelas circunstâncias; vêem-serodeados de uma multidão de fatos, mas sem qualquerproveito; ora se entusiasmam, ora se distraem;presumem sempre haver algo mais a ser descoberto.Dessa forma, ocorre que os homens realizam os experi-mentos levianamente, como em um jogo, variandopouco os experimentos já conhecidos e, se nãoalcançam resultados, aborrecem-se e põem de lado osseus desígnios. E mesmo os que se dedicam aos expe-rimentos com mais seriedade, tenacidade e esforçoacabam restringindo o seu trabalho a apenas umexperimento particular. Assim fez Gilbert com o

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magneto, e os alquimistas com o ouro. Um tal modo deproceder é tão inexperto quanto superficial, poisninguém investiga com resultado a natureza de umacoisa apenas naquela própria coisa: é necessárioampliar a investigação até as coisas mais gerais.[28]

E mesmo quando conseguem estabelecerformulações científicas ou teóricas, a partir dos seusexperimentos, demonstram uma disposiçãointempestiva e prematura de se voltarem para aprática.[29] Procedem dessa forma não apenas pelautilidade e pelos frutos que essa prática propicia, comotambém para obter uma certa garantia de que nãoserão infrutíferas as investigações subseqüentes e,ainda, para que as suas ocupações sejam maisreputadas pelos demais. Por isso acaba acontecendocom eles o que aconteceu a Atalanta:[30] desviam-se deseu caminho, para recolherem os frutos de ouro,interrompendo a corrida e deixando escapar a vitória.Para se topar com o verdadeiro caminho da experiênciae a partir daí se conseguir a produção de novas obras, énecessário tomar como exemplos a sabedoria e a ordemdivinas. Deus, com efeito, no primeiro dia da criaçãocriou somente a luz, dedicando-lhe todo um dia e nãose aplicando nesse dia a nenhuma obra material. Damesma forma, em qualquer espécie de experiência,deve-se primeiro descobrir as causas e os axiomasverdadeiros, buscando os axiomas lucíferos e não osaxiomas frutíferos.[31] Pois os experimentos, quandocorretamente descobertos e constituídos, informamnão a uma determinada e estrita prática, mas a umasérie contínua, e desencadeiam na sua esteira bandos eturbas de obras. Mais adiante falaremos dosverdadeiros caminhos da experiência, que, por sua vez,não se encontram menos obstruídos e interceptados

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que os do juízo; por ora falaremos da experiênciavulgar. considerando-a como uma má espécie dedemonstração. Mas, para o momento, a ordem dascoisas exige que falemos algo mais acerca dos signos aque antes nos referimos graças aos quais se podeconcluir que as filosofias e as especulações ora em usoandam muito mal —, como também das causas dessefato, à primeira vista espantoso e inacreditável. Oconhecimento dos signos prepara o assentimento, e aexplicação de suas causas dissipa qualquer sombra demilagre. Ambas as coisas concorrem para a extirpação,de maneira fácil e suave, dos ídolos do intelecto.

LXXI

As ciências que possuímos provieram em suamaior parte dos gregos. O que os escritores romanos,árabes ou os mais recentes acrescentaram não é demonta nem de muita importância; de qualquer modo,está fundado sobre a base do que foi inventado pelosgregos. Contudo, a sabedoria [32] dos gregos eraprofessoral [33] e pródiga em disputas — que é umgênero dos mais adversos à investigação da verdade.Desse modo, o nome de sofistas, que foi aplicadodepreciativamente aos que se pretendiam filósofos eque acabou por designar os antigos retores, Górgias,Protágoras, Hípias e Polo, compete igualmente aPlatão, Aristóteles, Zenão, Epicuro, Teofrasto; e aosseus sucessores Crisipo, Carnéades, e aos demais.Entre eles havia apenas esta diferença: os primeiroseram do tipo errante e mercenário, percorriam ascidades, ostentando a sua sabedoria e exigindoestipêndio; os outros, do tipo mais solene e comedido,tinham moradas fixas, abriram escolas e ensinaram afilosofia gratuitamente. Mas ambos os gêneros, apesar

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das demais disparidades, eram professorais e favore-ciam as disputas, e dessa forma facilitavam edefendiam seitas e heresias filosóficas, e as suasdoutrinas eram (como bem disse, não sem argúcia,Dionísio, de Platão) palavras de velhos ociosos ajovens ignorantes.[34] Mas os mais antigos dosfilósofos gregos, Empédocles, Anaxágoras, Leucipo,Demócrito, Parmênides, Heráclito, Xenófanes, Filolaue outros (omitimos Pitágoras, por se ter entregue àsuperstição), não abriram escolas, ao que saibamos: aocontrário, e, no maior silêncio, com rigor esimplicidade, vale dizer, com menor afetação e aparato,se consagraram à investigação da verdade. E a nossojuízo, melhor se saíram, só que suas obras, com odecorrer do tempo, foram sendo ofuscadas por outrasmais superficiais, mas mais afeitas à capacidade e aogosto do vulgo; pois o tempo, como o rio, trouxe-nos ascoisas mais leves e infladas, submergindo o maispesado e consistente. Contudo, nem mesmo eles foramimunes aos vícios de seu povo, pois propendiam maisque o desejável à ambição e à vaidade de fundaremuma seita e captarem a aura popular. Nada se há deesperar, com efeito, da busca da verdade, quandodistorcida por tais inanidades. E, a propósito, não sedeve omitir aquela sentença, ou melhor, vaticínio, dosacerdote egípcio a respeito dos gregos: “Sempre serãocrianças, não possuirão nem a antiguidade da ciência,nem a ciência da Antiguidade”.[35] Os gregos, comefeito, possuem o que é próprio das crianças: estãosempre prontos para tagarelar, mas são incapazes degerar, pois, a sua sabedoria é farta em palavras, masestéril de obras. Aí está por que não se mostramfavoráveis os signos [36] que se observam na gente e nafonte de que provém a filosofia ora em uso.

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LXXII

Os signos que se podem retirar dascaracterísticas do tempo e da idade não são muitomelhores que os das características do lugar e danação. Naquela época era limitado e superficial oconhecimento histórico e geográfico, o que é muitograve sobretudo para os que tudo depositam naexperiência. Não possuíam, digna desse nome, umahistória que remontasse aos mil anos, e que se nãoreduzisse a fábulas e rumores da Antiguidade. Naverdade, conheciam apenas uma exígua parte dospaíses e das regiões do mundo. Chamavamindistintamente de citas a todos os povos setentrionaise de celtas a todos os ocidentais. Nada conheciam dasregiões africanas, situadas além da Etiópiasetentrional, nem da Ásia de além Ganges, e muitomenos ainda das províncias do Novo Mundo, de quenada sabiam, nem de ouvido, nem de qualquer tradiçãocerta e constante. E mais, julgavam inabitáveis muitaszonas e climas em que vivem e respiram inumeráveispovos. As viagens de Demócrito, Platão, Pitágoras, quenão eram mais que excursões suburbanas, eramcelebradas como grandiosas. Em nossos tempos, aocontrário, tornaram-se conhecidas não apenas muitaspartes do Novo Mundo, como também todos osextremos limites do Mundo Antigo, e assim é que onúmero de possibilidades de experimentos foiincrementado ao infinito. Enfim, se se deveminterpretar os signos à maneira dos astrólogos, os quese podem retirar do tempo de nascimento e deconcepção daquelas filosofias indicam que nada degrande delas se pode esperar.

LXXIII

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De todos os signos nenhum é mais certo ounobre que o tomado dos frutos. Com efeito, os frutos eos inventos são como garantias e fianças da verdadedas filosofias. Ora, de toda essa filosofia dos gregos etodas as ciências particulares dela derivadas, durante oespaço de tantos anos, não há um único experimentode que se possa dizer que tenha contribuído paraaliviar e melhorar a condição humana, que sejaverdadeiramente aceitável e que se possa atribuir àsespeculações e às doutrinas da filosofia. É o queingênua e prudentemente reconhece Celso [37] ao falarque primeiro se fizeram experimentos em medicina, edepois sobre eles os homens construíram os sistemasfilosóficos, buscando e assinalando as causas, e nãoinversamente, ou seja, que da descoberta das causas setenham estabelecido e deduzido os experimentos damedicina. Por isso não deve parecer estranho que entreos egípcios, que divinizavam e consagravam osinventores, houvesse mais imagens de animais que dehomens, pois os animais com seu instinto naturalproduziram muito no caminho de descobertas úteis,enquanto os homens, com os seus discursos e ilaçõesracionais, pouco ou nada concluíram.

Os alquimistas com sua atividade fizeramalgumas descobertas, mas como que por acaso e pelavariação dos experimentos (como fazem comfreqüência os mecânicos), não por arte e com método, eisso porque a sua atividade tende mais a confundir osexperimentos que a estimulá-los. Mesmo aqueles quese dedicaram à chamada magia natural fizeramalgumas descobertas, mas poucas em número esobretudo superficiais e frutos da impostura. Devemos,em suma, aplicar à filosofia o princípio da religião, quequer que a fé se manifeste pelas obras, estabelecendo

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assim que um sistema filosófico seja julgado pelosfrutos que seja capaz de dar; se é estéril deve ser refu-tado como coisa inútil, sobretudo se em lugar de frutosbons como os da vinha e da oliva produz os cardos eespinhos das disputas e das contendas.

LXXIV

Outros signos se podem retirar dodesenvolvimento e do progresso da filosofia e dasciências, porque aquilo que tem o seu fundamento nanatureza cresce e se desenvolve, mas o que não temoutro fundamento que a opinião varia, mas nãoprogride. Por isso, se aquelas doutrinas em vez deserem, como são, comparáveis a plantas despojadas desuas raízes tivessem aprofundado suas raízes nopróprio seio da natureza e dela tivessem retirado aprópria substância, as ciências não teriampermanecido por dois mil anos estagnadas no seuestádio originário; e quase no mesmo estadopermanecem, sem qualquer progresso notável. Dessaforma. foram pouco a pouco declinando à medida quese afastaram dos primeiros autores que as fizeramflorescer. Nas artes mecânicas, que são fundadas nanatureza e se enriquecem das luzes da experiência,vemos acontecer o contrário, e essas (desde quecultivadas), como que animadas por um espírito,continuamente se acrescentam e se desenvolvem, deinicio grosseiras, depois cômodas e aperfeiçoadas, e emcontínuo progresso.

LXXV

Deve-se considerar ainda um outro signo (se sedeve colocar entre os signos um fato que é mais umaprova e entre as provas, ainda, a mais certa), seja, a

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confissão daqueles autores que ora estão em grandevoga. De fato, mesmo aqueles que com tanta confiançapronunciam o seu juízo sobre a realidade, mesmo eles,quando mais conscienciosos, põem-se a lamentar arespeito da obscuridade das coisas, da sutileza danatureza, da fraqueza do intelecto humano. Ora, se selimitassem a isso, certamente os mais tímidos seriamdissuadidos de ulteriores investigações, mas os quetêm o engenho mais álacre e confiante receberiam maisincitamento e sugestão para progrediremulteriormente. Mas, não contentes de falarem delespróprios, põem fora dos limites do possível tudo o quetenha permanecido ignorado e inatingível para si epara os seus mestres, e declaram-no incognoscível eirrealizável, quase sob a autoridade da própria arte.Com suma presunção e malignidade fazem de suafraqueza razão de calúnia para com a natureza edesespero para com todos os demais. Assim, a NovaAcademia professou a acatalepsia e condenou os ho-mens à perpétua ignorância. Daí surge a opinião de queas formas, que são as verdadeiras diferenças dascoisas, isto é, as leis efetivas do ato puro, sãoimpossíveis de serem descobertas, porque colocadasalém de qualquer alcance humano. Daí surgem asopiniões, acolhidas na parte ativa e operativa daciência, de que o calor do sol e o do fogo são diferentespor natureza; que tendem a tolher na humanidade aesperança de poder extrair ou construir, por meio dofogo, qualquer coisa de semelhante ao que acontece nanatureza.[38] E ainda mais, que a composição é obrado homem, enquanto que a mistura é obra apenas danatureza: o que equivale a tolher toda esperança depoder realizar, com meios artificiais, os processos degeração e de transformação dos corpos naturais. Por

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este signo não deverá ser difícil persuadir os homens anão misturarem as suas sortes e fados com dogmas nãoapenas desesperados, mas destinados à desesperação.

LXXVI

Merece ainda ser considerada como signo agrande e perpétua disparidade de idéias que temreinado entre os filósofos, e a própria variedade dasescolas de filosofia. Essa disparidade mostra que a viaque conduz dos sentidos ao intelecto não foi bemtraçada, já que a própria matéria da filosofia, ou seja, anatureza, foi rompida e dividida em tantos e tãodiversos erros. Em tempo mais recente, as dissenções eas disparidades de pontos de vista em torno dospróprios princípios da filosofia e das filosofias pareceterem cessado; mas restam ainda inumeráveisproblemas e controvérsias nas várias partes dafilosofia, donde resulta claro que não há nada de certo ede rigoroso nem nas doutrinas filosóficas nem nosmétodos de demonstração.

LXXVII

Crê-se comumente que a filosofia de Aristótelesobteve o consenso universal pelo fato de que, quandode sua divulgação, todas as outras filosofias dos antigosmorriam ou desapareciam, e pelo fato de que nostempos subseqüentes não se encontrou nada melhor;dessa forma, a filosofia aristotélica parece tão bemfundada e estabelecida, pois canalizou para si o tempoantigo e o tempo moderno. A isso se responde:primeiro, o que se pensa em relação à cessação dasantigas filosofias depois da divulgação das obras deAristóteles é falso, porque muito tempo depois, até aépoca de Cícero e mesmo nos séculos seguintes, as

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obras dos antigos filósofos ainda subsistiram. Mas,depois, no tempo das invasões bárbaras do ImpérioRomano, após toda doutrina humana ter, por assimdizer, naufragado, então, se conservaram apenas asdoutrinas de Aristóteles e de Platão, como tábuas feitasde matéria mais leve e menos sólida, flutuando nocurso dos tempos. Segundo: por pouco que seaprofunde tal ponto, também o argumento do consensouniversal vai-se mostrar falho, O verdadeiro consensoé, antes de tudo, uma coincidência de juízos livressobre uma questão precedentemente examinada. Mas,pelo contrário, a grande massa dos que convêm naaprovação de Aristóteles é escrava do prejuízo daautoridade de outros, a tal ponto que se deveria falar,mais que de consenso, de zelo de sequazes e de espíritode associação. E mesmo no caso em que tenha havidoverdadeiro e aberto consenso, o consenso está semprelonge de se constituir em autoridade verdadeira esólida, mas faz, ao contrário, nascer uma vigorosaopinião em relação à opinião oposta. Com efeito, o piorauspício é o que deriva do consenso nas coisasintelectuais, excetuadas a política e a teologia, para asquais, ao contrário, há o direito de sufrágio.[39] Amuitos apraz só o que tolhe a imaginação e aprisiona ointelecto pelos laços dos conceitos vulgares, como já foidito antes.[40] Vem a propósito aquele dito de Fócionque, dos costumes, pode ser transposto às questõesintelectuais: “Os homens devem perguntar que coisadisseram ou fizeram de mal quando o povo os enche deapoio e aplauso”.[41] Este é, pois, um signo dos maisdesfavoráveis. Concluamos dizendo que os signos daverdade e da sensatez das filosofias e das ciências, oraem uso, são péssimos, quer se procurem nas suas ori-gens, nos seus frutos, nos seus progressos, nas

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confissões dos autores ou no consenso.

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Tratemos agora das causas dos erros e de suapersistência que se prolongou por séculos. Elas sãomuitas e muito poderosas. Em vista disso, não hámotivo para se admirar de que tenham escapado e te-nham permanecido ocultas dos homens as coisas quevão agora ser expostas. O que seria de causar espanto écomo, finalmente, tenham podido cair na mente de umdeterminado mortal para serem objeto de suasreflexões; o que, de resto (segundo cremos), foi maisuma questão de sorte que de excelência de algumafaculdade. Deve ser tido mais como parto do tempo queparto do engenho.[42]

Bem consideradas as coisas, um número tãogrande de séculos reduz-se a um lapso efetivamenteexíguo. Das vinte e cinco centúrias em que mais oumenos estão compreendidos a história e o saberhumano, apenas seis podem ser escolhidas e apontadascomo tendo sido fecundas para as ciências oufavoráveis ao seu desenvolvimento. No tempo como noespaço há regiões ermas e solidões. De fato só podemser levados em conta três períodos ou retornos naevolução do saber:[43] um, o dos gregos; outro, o dosromanos e, por último, o nosso, dos povos ocidentaisda Europa; a cada um dos quais se pode atribuir nomáximo duas centúrias de anos. A Idade Média, emrelação à riqueza e fecundidade das ciências, foi umaépoca infeliz. Não há, com efeito, motivos para se fazermenção nem dos árabes, nem dos escolásticos. Estes,nos tempos intermédios, com seus numerosos tratadosmais atravancaram as ciências que concorreram paraaumentar-lhes o peso. Por isso, a primeira causa de um

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tão parco progresso das ciências deve ser buscada eadequadamente localizada no limitado tempo a elasfavorável.

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Em segundo lugar, surge uma causa de grandeimportância, sob todos os aspectos, a saber, mesmonas épocas em que, bem ou mal, floresceram o engenhohumano e as letras, a filosofia natural ocupou parteinsignificante da atividade humana. E leve-se em contaque a filosofia natural deve ser considerada a grandemãe das ciências. Todas as artes e ciências, uma vezdela desvinculadas, podem ser brunidas e amoldadaspara o uso, mas não podem crescer.[44] É manifestoque desde o momento em que a fé cristã foi aceita edeitou raízes no espírito humano, a grande maioria dosmelhores engenhos se consagrou à teologia, e para issoconcorreram poderosamente os prêmios e toda sorte deestímulos a eles reservados. E o cultivo da teologia ocu-pou principalmente o terceiro lapso de tempo, o nosso,isto é, o dos povos ocidentais da Europa; tanto maisque no mesmo período começaram a florescer as letras,e as controvérsias a respeito de religião começaram a sepropagar. Na idade anterior, no segundo período, ocorrespondente aos romanos, as mais significativasreflexões e os melhores esforços se ocuparam e seconsumiram na filosofia moral (que entre os pagãossubstituía a teologia) e, ainda, os talentos daqueletempo se dedicaram aos assuntos civis, necessidadeoriunda da própria magnitude do Império Romano,que exigia a dedicação de um grande número dehomens. Mesmo naquela idade em que se viu florescerao máximo, entre os gregos, a filosofia naturalcorresponde a uma pequena parte, não contínua, de

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tempo. Nos tempos mais antigos, aqueles que foramchamados de Sete Sábios, todos eles afora Tales, seaplicaram à filosofia moral e à política. Nos temposseguintes, depois que Sócrates fez descer a filosofia docéu à terra,[45] prevaleceu mais ainda a filosofia morale mais se afastaram os engenhos humanos da filosofianatural.

Contudo, aquele mesmo período em que asinvestigações da natureza ganharam vigor foicorrompido pelas contradições e pela ambição de seemitirem novas opiniões, ficando, assim, inutilizado.Dessa forma, durante esses três períodos, a filosofianatural, abandonada e dificultada, não é para seadmirar que os homens, ocupados por outros assuntos,nela pouco tenham progredido.

LXXX

Deve-se acrescentar, ademais, que a filosofianatural, mesmo entre os seus fautores, não encontrouum único homem inteira e exclusivamente a eladedicado, particularmente nos últimos tempos, a nãoser o exemplo isolado de elucubrações de algummonge, em sua cela, ou de algum nobre, em suamansão. A filosofia natural servia a alguns depassagem e de ponte para outras disciplinas.

Dessa forma, a grande mãe das ciências foirelegada ao indigno oficio de serva, prestando serviçosà obra de médicos ou de matemáticos, ou devendooferecer à mente imatura dos jovens o primeiro poli-mento e a primeira tintura, para facilitação e bom êxitode suas posteriores ocupações. Que ninguém espereum grande progresso nas ciências, especialmente noseu lado prático,[46] até que a filosofia natural sejalevada às ciências particulares e as ciências particulares

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sejam incorporadas à filosofia natural. Por serem dissodependentes é que a astronomia, a óptica, a música,inúmeras artes mecânicas, a própria medicina, e, o queé espantoso, a filosofia moral e política e as ciênciaslógicas [47] não alcançaram qualquer profundidade,mas apenas deslizam pela superfície e variedade dascoisas. De fato, desde que as ciências particulares seconstituíram e se dispersaram, não mais sealimentaram da filosofia natural, que lhes poderia tertransmitido as fontes e o verdadeiro conhecimento dosmovimentos, dos raios, dos sons, da estrutura e doesquematismo dos corpos, das afecções e daspercepções intelectuais, o que lhes teria infundidonovas forças para novos progressos. Assim, pois, não éde admirar que as ciências não cresçam depois deseparadas de suas raízes.

LXXXI

Ainda há outra causa grande e poderosa dopequeno progresso das ciências. E ei-la aqui: não épossível cumprir-se bem uma corrida quando não foiestabelecida e prefixada a meta a ser atingida. A ver-dadeira e legítima meta das ciências é a de dotar a vidahumana de novos inventos e recursos.[48] Mas a turba,que forma a grande maioria, nada percebe, busca opróprio lucro e a glória acadêmica. Pode,eventualmente, ocorrer que algum artesão de engenhoagudo e ávido de glória se aplique a algum novoinvento, o que realiza, na maior parte dos casos, com osseus próprios recursos. A maior parte dos homens estátão longe de dedicar-se ao aumento do acervo dasciências e das artes, que, do acervo já à sua disposição,apanham e são atraídos tão-somente o suficiente paraos usos professorais, para lograr lucro, consideração ou

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outra vantagem análoga. Contudo, se de toda essamultidão alguém se dedica com sinceridade à ciênciapor si mesma, ver-se-á que se volta mais para avariedade das especulações e das doutrinas que parauma inquirição severa e rígida da verdade. Ainda mais,se se encontra um investigador mais severo da verdade,também ele proporá, como sua condição, que satisfaçasua mente e intelecto na representação das causas dascoisas que já eram conhecidas antes, e não a deconseguir provas para novos resultados e luz paranovos axiomas. Em suma, se ninguém até agora fixoude forma justa o fim da ciência, não é para causarespanto que tudo o que se subordine a esse fimdesemboque em uma aberração.

LXXXII

Ademais, o fim e a meta da ciência foram malpostos pelos homens. Mas, ainda que bem postos, a viaescolhida é errônea e impérvia. E é de causarestupefação, a quem quer que de ânimo avisadoconsidere a matéria, constatar que nenhum mortal setenha cuidado ou tentado a peito traçar e estender aointelecto humano uma via, a partir dos sentidos e daexperiência bem fundada, mas que, ao invés, se tenhatudo abandonado ou às trevas da tradição, ou aovórtice e torvelinho dos argumentos ou, ainda, àsflutuações e desvios do acaso e de uma experiênciavaga e desregrada.

Indague agora o espírito sóbrio e diligente qual ocaminho escolhido e usado pelos homens para ainvestigação e descoberta da verdade. Logo notará ummétodo de descoberta muito simples e sem artifícios,que é o mais familiar aos homens. E esse não consistesenão, da parte de quem se disponha e apreste para a

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descoberta, em reunir e consultar o que os outrosdisseram antes. A seguir, acrescentar as própriasreflexões. E, depois de muito esforço da mente,invocar, por assim dizer, o seu gênio para que expandaos seus oráculos. Trata-se de conduta sem qualquerfundamento e que se move tão-somente ao sabor deopiniões.

Algum outro pode, talvez, invocar o socorro dadialética, que só de nome tem relação com o que sepropõe. Com efeito, a invenção própria da dialética nãose refere aos princípios e axiomas fundamentais quesustentam as artes, mas apenas a outros princípios quecom aqueles parecem estar em acordo. E quando,cercada pelos mais curiosos e importunos, éinterpelada a respeito das provas e da descoberta dosprincípios e axiomas primeiros, a dialética os repelecom a já bem conhecida resposta, remetendo-os à fé eao juramento que se devem prestar aos princípios decada uma das artes.

Resta a experiência pura e simples que, quandoocorre por si, é chamada de acaso e, se buscada, deexperiência. Mas essa espécie de experiência é comouma vassoura desfiada, como se costuma dizer, merotateio, à maneira dos que se perdem na escuridão, tudotateando em busca do verdadeiro caminho, quandomuito melhor fariam se aguardassem o dia ouacendessem um archote para então prosseguirem. Masa verdadeira ordem da experiência, ao contrário,começa por, primeiro, acender o archote e, depois, como archote mostrar o caminho, começando por umaexperiência ordenada e medida —nunca vaga e errática-, dela deduzindo os axiomas e, dos axiomas, enfim,estabelecendo novos experimentos. Pois nem mesmo o

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Verbo Divino agiu sem ordem sobre a massa dascoisas.

Não se admirem pois os homens de que o cursodas ciências não tenha tido andamento, visto que, ou aexperiência foi abandonada, ou nela (os seus fautores)se perderam e vagaram como em um labirinto; aopasso que um método bem estabelecido é o guia para asenda certa que, pela selva da experiência, conduz àplanura aberta dos axiomas.

LXXXIII

Esse mal foi espantosamente aumentado pelaopinião — tornada presunção inveterada, conquanto vãe danosa — de que a majestade da mente humana ficadiminuída se muito e a fundo se ocupa de expe-rimentos e de coisas particulares e determinadas namatéria, mormente tratando-se de coisas, segundo sediz, laboriosas de inquirir, ignóbeis para a meditação,ásperas para a transmissão, avaras para a prática,infinitas em número, tênues em sutileza. Chegou-se aoponto em que a verdadeira via não só foi abandonada,mas foi ainda fechada e obstruída. A experiência nãofoi apenas abandonada ou mal administrada, comotambém desprezada.

LXXXIV

A reverência à Antiguidade, o respeito àautoridade de homens tidos como grandes mestres defilosofia e o geral conformismo para com o atualestádio do saber e das coisas descobertas tambémmuito retardaram os homens na senda do progressodas ciências, mantendo-os como que encantados. Dessetipo de consenso já falamos antes.[49]

No tocante à antiguidade, a opinião dos homens

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é totalmente imprópria e, a custo, congruente com osignificado da palavra. Deve-se entender maiscorretamente por antiguidade a velhice e a maturidadedo mundo e deve ser atribuída aos nossos tempos e nãoà época em que viveram os antigos, que era a domundo mais jovem. Com efeito, aquela idade que paranós é antiga e madura é nova e jovem para omundo.[50] E do mesmo modo que esperamos dohomem idoso um conhecimento mais vasto das coisashumanas e um juízo mais maduro que o do jovem, emrazão de sua maior experiência, variedade e maiornúmero de coisas que pôde ver, ouvir e pensar, assimtambém é de se esperar de nossa época (se conhecesseas suas forças e se dispusesse a exercitá-las eestendê-las) muito mais que de priscas eras, por setratar de idade mais avançada do mundo, mais alen-tada e cumulada de infinitos experimentos eobservações.

Por outra parte, não é de se desprezar o fato deque, pelas navegações longínquas e explorações tãonumerosas, em nosso tempo, muitas coisas que sedescortinaram e descobriram podem levar nova luz àfilosofia. Assim, será vergonhoso para os homens que,tendo sido tão imensamente abertas e perlustradas emnossos tempos as regiões do globo material, ou seja, daterra, dos astros e dos mares, permaneça o globointelectual [51] adstrito aos angustos confins traçadospelos antigos.

No que respeita à autoridade, é de sumapusilanimidade atribuir-se tanto aos autores e negar-seao tempo o que lhe é de direito, pois com razão já sedisse que “a verdade é filha do tempo, não daautoridade”.[52] Não é, portanto, de se admirar que

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esse fascínio da Antiguidade, dos autores e do consensotenha de tal modo assoberbado as forças dos homensque não puderam eles se familiarizar com as própriascoisas, como que por artes de algum malefício.

LXXXV

Mas não foi somente a admiração pelaAntiguidade, pela autoridade e o respeito peloconsenso que compeliram a indústria humana acontentar-se com o já descoberto, mas, também, aadmiração pelas aparentemente copiosas obras jáconseguidas pelo gênero humano. Quem puser ante osolhos a variedade e o magnífico aparato de coisasintroduzidas e acumuladas pelas artes mecânicas, parao cultivo do homem, estará, certamente, muito maisinclinado a admirar-se da sua opulência que dapenúria. Isso sem se dar conta de que os primeirosresultados da observação e as primeiras operações danatureza, que são como que a alma e o principio motordessa variedade, não são nem muitos, nem bemfundados. O restante pode ser atribuído unicamente àpaciência humana e ao movimento sutil e bemordenado da mão ou dos instrumentos. A confecção derelógios, por exemplo, é certamente mister delicado etrabalhoso, de tal modo que as suas rodas parecemimitar as órbitas celestes ou o movimento contínuo eordenado do pulso dos animais. No entanto, dependede apenas um ou dois axiomas da natureza.

Ainda mais, quem atente para o refinamentopróprio das artes liberais ou, ainda, o das artesmecânicas, na preparação de substâncias naturais eleve em conta coisas como a descoberta dos movimen-tos celestes em astronomia, da harmonia em música,das letras do alfabeto (ainda não em uso no reino dos

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chineses) em gramática; e igualmente, na mecânica, odescobrimento das obras de Baco e Ceres, ou seja, aarte da preparação do vinho, da cerveja, da panificação,das destilações e similares, e de outras delícias damesa; e também reflita e observe quanto tempotranscorreu para que essas coisas (todas, exceto adestilação, já conhecidas dos antigos) alcançassem oavanço que em nosso tempo desfrutam; e, ainda, oquão pouco são baseadas (o mesmo que já se disse dosrelógios) em observações e em axiomas da natureza; e,indo um pouco mais longe, como essas coisas facil-mente poderiam ter sido descobertas em circunstânciasóbvias ou por observações casuais.[53]

Quem assim proceder, facilmente se libertará dequalquer admiração, antes se compadecerá da condiçãohumana, por tantos séculos em tão grande penúria eesterilidade de artes e invenções. E aqueles mesmosinventos de que fizemos menção são mais antigos que afilosofia e as artes intelectuais [54] e, pode-se dizerque, quando tiveram inicio as ciências racionais edogmáticas, cessou a invenção de obras úteis.

E o mesmo interessado, uma vez que passe dasoficinas às bibliotecas, ficará admirado da imensavariedade de livros. Mas, detendo-se e examinandocom mais cuidado a sua matéria e conteúdo,certamente a sua admiração volver-se-á em sentidocontrário, ao aí constatar as infinitas repetições e queos homens dizem e fazem sempre o mesmo. De sorteque, da admiração pela variedade, passará ao espantopela indigência e pobreza das coisas que têm prendidoe ocupado a mente dos homens.

Quem, ainda, se disponha a considerar aquelascoisas tidas mais por curiosas que sérias e passe a

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examinar mais a fundo as obras dos alquimistas,acabará não sabendo se estes são mais dignos de risoou de lágrimas.

O alquimista, com efeito, alimenta eternaesperança e quando algo falha atribui a si mesmo oserros, acusando-se de não haver entendido bem osvocábulos de sua arte ou dos autores (por isso, comtanto ânimo se aplica às tradições e aos sussurros quechegam aos seus ouvidos), ou que suas manipulaçõescareceram de escrúpulos quanto ao peso ou ao exatotempo, em vista do que repete ao infinito osexperimentos. Se, nesse ínterim, em meio aos azares daexperimentação, topa com algo de aspecto novo ou deutilidade não desprezível, contenta-se com essesresultados, muito os celebra e ostenta. E a esperança seencarrega do resto. Não se pode negar, contudo, que osalquimistas descobriram não poucas coisas e deramaos homens úteis inventos. Bem por isso não se lhesaplica mal a fábula do ancião que legou aos seus filhosum tesouro enterrado em uma vinha e cujo sítio exatosimulava desconhecer. Os filhos, com afinco,revolveram toda a vinha, não encontrando nenhumtesouro, mas a vindima, graças a tal cultivo, foi muitomais abundante.

Os cultores da magia natural,[55] que tudoexplicam por simpatia e antipatia, deduziram, deconjunturas ociosas e apressadas, virtudes e operaçõesmaravilhosas para as coisas. E mesmo quando alcança-ram resultados, estes são da espécie dos que mais seprestam à admiração e novidade que a proporcionarfrutos e utilidade.

Quanto à magia supersticiosa (se dela é precisofalar), antes de tudo deve ser dito que em todas as

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nações, em todos os tempos e, mesmo religiões, suasestranhas e supersticiosas artes só puderam afetar emalgo apenas um porção reduzida e bem definida deobjetos. Em vista disso, deixemo-la de lado, lembrandoque nada há de surpreendente que a ilusão da riquezatenha sido causa da pobreza.

LXXXVI

A admiração dos homens pelas doutrinas eartes, por si mesma bastante singela e mesmo pueril,foi incrementada pela astúcia e pelos artifícios dos quese ocuparam das ciências e as difundiram. Pois,levados pela ambição e pela afetação, apresentam-nasde tal modo ordenadas e como que mascaradas que, aoolhar dos homens, pareciam perfeitas em suas partes ejá completamente acabadas. Com efeito, se seconsideram as divisões e o método, elas parecemcompreender e esgotar tudo o que possa pertencer aum assunto. E, ainda que as partes estejam malconcluídas, como cápsulas ocas, ao intelecto vulgaroferecem a forma e o ordenamento da ciência perfeita.

Mas os primeiros e mais antigos investigadoresda verdade, com mais fidelidade e sucesso,costumavam consignar em forma de aforismos,[56]isto e, de breves sentenças avulsas e não vinculadas porqualquer artificio metodológico, o saber que recolhiamda observação das coisas e que pretendiam preservarpara uso posterior, e nunca simularam, nemprofessaram haver-se apoderado de toda a arte. Porisso, visto ser esse o estado de coisas, não é de seadmirar que os homens não inquiram de questões tidashá tempo como resolvidas e elucidadas em todas assuas peculiaridades.

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LXXXVII

Além disso, a sabedoria antiga foi tornada maisrespeitável e digna de fé, graças à vaidade e àleviandade dos que propuseram coisas novas,principalmente na parte ativa e operativa da filosofianatural. Com efeito, não têm faltado espíritospresumidos e fantasiosos a cumularem, em parte porcredulidade, em parte por impostura, o gênero humanode processos tais como: prolongamento da vida, retar-damento da velhice, eliminação da dor, reparação dedefeitos físicos, encantamento dos sentidos, suspensãoe excitação dos sentimentos, iluminação e exaltação dasfaculdades intelectuais, transmutação das substâncias,aumento e multiplicação dos movimentos, compressãoe rarefação do ar, desvio e promoção das influênciasdos astros, adivinhação do futuro, reprodução dopassado, revelação do oculto, e alarde e promessa demuitas outras maravilhas semelhantes. Portanto, nãoestaria longe da verdade, acerca de espíritos tãopródigos, um juízo como o seguinte: há tanta distância,em matéria filosófica, entre essas fantasias e as artesverdadeiras, quanto em história, entre as gestas deJúlio César ou de Alexandre Magno e as de Amadis deGaula ou de Artur da Bretanha.[57] É notório, pois,que aqueles ilustres generais realizaram muito maisque as façanhas atribuídas a esses heróis espectrais,em forma de ações reais, nem um pouco fabulosas ouprodigiosas. Não obstante, não seria justo negar-se fé àmemória do verdadeiro porque tenha sido lesado edifamado pela fábula. Mas, tampouco, se deveestranhar que tais impostores, quando tentaramempresas semelhantes, tenham infligido grandeprejuízo às novas proposições, principalmente àsrelacionadas com operações práticas. O excesso de

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vaidade e de fastígio acabou por destruir as disposiçõesmagnânimas para tais cometimentos.

LXXXVIII

A pusilanimidade, a estreiteza e asuperficialidade com que a indústria humana se impõetarefas causaram à ciência ainda maiores danos e coma agravante dessa pusilanimidade não se apresentarsem pompa e arrogância. Destaca-se, em primeirolugar, aquela cautela já familiar a todas as artes, queconsiste em atribuírem os autores à natureza aineficiência de sua própria arte, e o que essa arte nãoalcança, em seu nome, declararem ser “por natureza”impossível. Em conseqüência, jamais poderá sercondenada uma arte que a si mesma julga. Também afilosofia que hoje se professa abriga certas asserções econclusões que, consideradas diligentemente, parecemcompelir os homens à convicção de que não se deveesperar da arte e da indústria humana nada de árduo,nada que seja imperioso ou válido acerca da natureza,como já se disse antes [58] a respeito daheterogeneidade do calor do sol e do fogo e sobre acombinação dos corpos.

Tudo isso, bem observado, procuramaliciosamente limitar o poder humano e produzir umcalculado e artificioso desânimo que não só vemperturbar os augúrios da esperança, como amortecertodos os estímulos e nervos da indústria humana etambém interceptar todas as oportunidades deexperiência. E, ao mesmo tempo, tudo fazem porparecer perfeita a própria arte, entregando-se a umaglória vã e desvairada que consiste em pensar que oque até o momento não foi descoberto oucompreendido não poderá tampouco ser descoberto ou

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compreendido no futuro.Alguém que se acerque das coisas com intento

de descobrir algo novo propor-se-á e limitasse-a a umúnico invento, e não mais. Por exemplo: a natureza doímã, o fluxo e o refluxo do mar, o sistema celeste ecoisas desse gênero, que parecem esconder algumsegredo, e coisas que, até agora, tenham sido tratadascom pouco êxito. Mas é indício de grande imperícia ofato de se perscrutar a natureza de uma coisa naprópria coisa, pois a mesma natureza [59] que emalguns objetos está latente e oculta, em outros émanifesta e quase palpável, num caso provocandoadmiração, em outro, nem sequer chamando a atenção.É o que ocorre com a natureza da consistência, que nãoé notada na madeira ou na pedra e que é designadagenericamente com o nome de solidez, sem se indagaracerca da sua tendência de se furtar a qualquerseparação ou solução de continuidade. De outra parte,esse mesmo fato nas bolhas de água parece mais sutil eengenhoso. As bolhas se constituem de películascuriosamente dispostas em forma hemisférica de talmodo que, por um momento, evita-se a solução decontinuidade.

De fato, há casos em que as naturezas das coisasestão latentes, enquanto em outros são manifestas ecomuns, o que jamais será evidente se os experimentose as observações dos homens se restringirem apenas àsprimeiras.

Em geral, o vulgo tem por novos inventos, ouquando se aperfeiçoa algo já antes inventado ou este seorna com mais elegância, ou quando se juntam oucombinam partes dele antes separadas, ou quando setorna de uso mais cômodo, ou, ainda, se alcança um

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resultado de maior ou menor massa ou volume que ocostume, e coisas do gênero.

Por isso não é de se admirar que não saiam à luzinventos mais nobres e dignos do gênero humano, umavez que os homens se contentam e se satisfazem comempresas tão limitadas e pueris. E supõem terembuscado e alcançado algo de grandioso.

LXXXIX

Não se deve esquecer de que, em todas asépocas, a filosofia se tem defrontado com umadversário molesto e difícil na superstição e no zelocego e descomedido da religião.[60] A propósitoveja-se como, entre os gregos, foram condenados porimpiedade os que, pela primeira vez, ousaramproclamar aos ouvidos não afeitos dos homens ascausas naturais do raio e das tempestades.[61] Nãoforam melhor acolhidos, por alguns dos antigos padresda religião cristã, os que sustentaram, comdemonstrações certíssimas — que não seriam hojecontraditas por nenhuma mente sensata —, que a Terraera redonda e que, em conseqüência, existiamantípodas.[62]

Além disso, nas atuais circunstancias, ascondições para a ciência natural se tornaram maisárduas e perigosas devido às sumas e aos métodos dateologia dos escolásticos. Estes, como lhes cumpria,ordenaram sistematicamente a teologia, e lheconferiram a forma de uma arte, e combinaram, com ocorpo da religião, a contenciosa e espinhosa filosofia deAristóteles, mais que o conveniente.

Ao mesmo resultado, mas por diverso caminho,conduzem as especulações dos que procuraram deduzir

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a verdade da religião cristã dos princípios dos filósofose confirmá-la com sua autoridade, celebrando comgrande pompa e solenidade, como legítimo, o consórcioda fé com a razão e lisonjeiam, assim, o ânimo doshomens com a grata variedade das coisas, enquanto,com disparidade de condições, mesclam o humano e odivino. Mas essas combinações de teologia e filosofiaapenas compreendem o que é admitido pela filosofiacorrente. As coisas novas, mesmo levando a umamudança para melhor, são não só repelidas, comoexterminadas.

Finalmente, constatar-se-á que, mercê dainfâmia de alguns teólogos, foi quase que totalmentebarrado o acesso à filosofia, mesmo depurada. Alguns,em sua simplicidade, temem que a investigação maisprofunda da natureza avance além dos limitespermitidos pela sua sobriedade, transpondo, e dessaforma distorcendo, o sentido do que dizem as SagradasEscrituras a respeito dos que querem penetrar osmistérios divinos, para os que se volvem para ossegredos da natureza, cuja exploração não está demaneira alguma interdita. Outros, mais engenhosos,pretendem que, se se ignoram as causas segundas [63]será mais fácil atribuir-se os eventos singulares à mão eà férula divinas — o que pensam ser do máximointeresse para a religião. Na verdade, procuram“agradar a Deus pela mentira”.[64]

Outros temem que, pelo exemplo, osmovimentos e as mudanças da filosofia acabem porrecair e abater-se sobre a religião. Outros. finalmente,parecem temer que a investigação da natureza acabepor subverter ou abalar a autoridade da religião,sobretudo para os ignorantes. Mas estes dois últimos

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temores parecem-nos saber inteiramente a um instintopróprio de animais, como se os homens, no recesso desuas mentes e no segredo de suas reflexões,desconfiassem e duvidassem da firmeza da religião edo império da fé sobre a razão e, por isso, temessem orisco da investigação da verdade na natureza. Contudo,bem consideradas as coisas, a filosofia natural, depoisda palavra de Deus, é a melhor medicina contra asuperstição, e o alimento mais substancioso da fé. Porisso, a filosofia natural é justamente reputada como amais fiel serva da religião, uma vez que uma (asEscrituras) torna manifesta a vontade de Deus, outra (afilosofia natural) o seu poder. Certamente, não errou oque disse: “Errais por ignorância das Escrituras e dopoder de Deus”[65] onde se unem e combinam em umúnico nexo a informação da vontade de Deus e ameditação sobre o seu poder. Ademais, não é de seadmirar que tenha sido coibido o desenvolvimento dafilosofia natural, desde que a religião, que tanto poderexerce sobre o ânimo dos homens, graças à imperícia eo ciúme de alguns, viu-se contra ela arrastada e predis-posta.

XC

Por outro lado, nos costumes das instituiçõesescolares, das academias, colégios e estabelecimentossemelhantes, destinados à sede dos homens doutos eao cultivo do saber, tudo se dispõe de forma adversa aoprogresso das ciências. De fato, as lições e os exercíciosestão de tal maneira dispostos que não é fácil venha amente de alguém pensar ou se concentrar em algodiferente do rotineiro. Se um ou outro, de fato, sedispusesse a fazer uso de sua liberdade de juízo, teriaque, por si só, levar a cabo tal empresa, sem esperar

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receber qualquer ajuda resultante do convívio com osdemais. E, sendo ainda capaz de suportar talcircunstância, acabará por descobrir que a suaindústria e descortino acabarão por se constituir emnão pequeno entrave à sua boa fortuna. Pois os estudosdos homens, nesses locais, estão encerrados, como emum cárcere, em escritos de alguns autores. Se alguémdeles ousa dissentir, é logo censurado como espíritoturbulento e ávido de novidades. Mas, a tal respeito épreciso assinalar que. com efeito, há uma grandediferença entre os assuntos políticos e as artes[66]: nãoimplicam o mesmo perigo um novo movimento e umanova luz. Na verdade, uma mudança da ordem civil,mesmo quando para melhor, é suspeita deperturbação, visto que ela descansa sobre a autoridade,sobre a conformidade geral, a fama e sobre a reputaçãoe não sobre a demonstração. Nas artes e nas ciências,ao contrário, o ruído das novas descobertas e dosprogressos ulteriores deve ressoar como nas minas demetal. Assim pelo menos devia ser conforme osditames da boa razão, mas tal não ocorre na prática,pois, como antes assinalamos, a forma deadministração das doutrinas e a forma de ordenaçãodas ciências costumam oprimir duramente o seuprogresso.

XCI

Mesmo que viesse a cessar essa ojeriza, bastariapara coibir o progresso das ciências o fato de aqualquer esforço ou labor faltar estímulo. Com efeito,não estão nas mesmas mãos o cultivo das ciências e assuas recompensas. As ciências progridem graças aosgrandes engenhos, mas os estipêndios e os prêmiosestão nas mãos do vulgo e dos príncipes, que,

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raramente, são mais que medianamente cultos. Dessamaneira, esse progresso não é apenas destituído derecompensa e de reconhecimento dos homens, mas atémesmo do favor popular. Acham-se as ciências acimado alcance da maior parte dos homens e são facilmentedestruídas e extintas pelos ventos da opinião vulgar.Daí não se admirar que não tenha tido curso feliz o quenão costuma ser favorecido com honrarias.

XCII

Contudo, o que se tem constituído, de longe, nomaior obstáculo ao progresso das ciências e àpropensão para novas tarefas e para a abertura denovas províncias do saber é o desinteresse dos homense a suposição de sua impossibilidade. Os homensprudentes e severos, nesse terreno, mostram-sedesconfiados, levando em conta: a obscuridade danatureza, a brevidade da vida, as falácias dos sentidos,a fragilidade do juízo, as dificuldades dos experimentose dificuldades semelhantes. Supõem existir, através dasrevoluções do tempo e das idades do mundo, um certofluxo e refluxo das ciências; em certas épocas crescem eflorescem; em outras declinam e definham, como sedepois de um certo grau e estado não pudessem iralém.

Se alguém espera ou promete algo maior, éacusado como espírito descontrolado e imaturo e diz-seque em tais iniciativas o início é risonho, árduo oandamento e confusa a conclusão. E, como essa sortede ponderações acodem facilmente aos homens gravese de juízo superior, devemos nos prevenir para que,por amor de uma empresa soberba e belíssima, nãovenhamos relaxar ou diminuir a severidade de nossosjuízos. Devemos observar diligentemente se a

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esperança refulge e donde ela provém e, afastando asmais leves brisas da esperança, passar a discutir e aavaliar as coisas que pareçam apresentar firmeza. Seja,aqui, invocada e aplicada a prudência política,[67] quedesconfia por princípio e nos assuntos humanosconjetura o pior. Falemos, pois, agora de nossasaspirações. Não somos pródigos em promessas, nemprocuraremos coagir ou armar ciladas ao juízohumano, mas tomar os homens pela mão e guiá-los,com a sua anuência. E, ainda que o meio, de longe maispoderoso de se encorajar a esperança,[68] seja colocaros homens diante dos fatos particulares, especialmentedos fatos tais como se acham recolhidos e ordenadosem nossas tabelas de investigação [69] tema quepertence parcialmente à segunda, mas principalmenteà quarta parte de nossa Instauração —, já que não setrata mais, no caso, de esperança, mas de algo real,todavia, como tudo deve ser feito gradualmente,prosseguiremos no propósito já traçado de preparar amente dos homens. E nessa preparação não é partepequena a indicação de esperanças. Porque, afora isso,tudo o mais levaria tristeza ao homem ou a formar umaopinião ainda mais pobre e vil que a que possui ou afazê-lo sentir a condição infeliz em que se encontra, emvez de alguma alegria ou a disposição para aexperimentação. Em vista disso, é necessário propor eexplicar os argumentos que tornam prováveis as nossasesperanças, tal como fez Colombo que, antes da suamaravilhosa navegação pelo oceano Atlântico, expôs asrazões que o levaram a confiar na descoberta de novasterras e continentes, além do que já era conhecido. Taisrazões, de início rejeitadas, foram mais tardecomprovadas pela experiência e se constituíram nacausa e no princípio de grandes empresas.

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XCIII

Porém, o supremo motivo de esperança emanade Deus. Com efeito, a empresa a que nos propomos,pela sua excelência e intrínseca bondade, provémmanifestamente de Deus, que é Autor do bem e Pai dasluzes. Pois bem, nas obras divinas, mesmo os iníciosmais tênues conduzem a um êxito certo. E o que sedisse da ordem espiritual, que “O reino de Deus nãovem com aparência exterior”,[70] é igualmenteverdadeiro para todas as grandes obras da DivinaProvidência. Tudo se realiza placidamente, semestrépito e a obra se cumpre antes que os homens asuponham ou vejam. Não se deve esquecer a profeciade Daniel a respeito do fim do mundo: “Muitospassarão e a ciência se multiplicará”,[71] o queevidentemente significa que está inscrito nos destinos,isto é, nos desígnios da Providência, que o fim domundo o que, depois de tantas e tão distantesnavegações parece haver-se cumprido ou está prestes afazê-lo — e o progresso das ciências coincidam notempo.[72]

XCIV

Segue a mais importante das razões quealicerçam a esperança. É a que procede dos erros dostempos pretéritos e dos caminhos até agora tentados.Excelente é o julgamento, feito por alguém, aoresponsável por desastrosa administração do Estado,com as seguintes palavras: “O que no passado foi causade grandes males deve parecer-nos princípio deprosperidade para o futuro. Pois, se houvésseiscumprido perfeitamente tudo o que se relaciona com ovosso dever, e, mesmo assim, não houvesse melhoradoa situação dos vossos interesses, não restaria qualquer

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esperança de que tal viesse a acontecer. Mas, como asmás circunstâncias em que se encontram nãodependem das forças das coisas, mas dos vossospróprios erros, é de se esperar que, estes corrigidos,haja uma grande mudança e a situação se tornefavorável”.[73] Do mesmo modo, se os homens, noespaço de tantos anos, houvessem mantido a corretavia da descoberta e do cultivo das ciências, e mesmoassim não tivessem conseguido progredir, seria, semdúvida, tida como audaciosa e temerária a opinião nosentido de um progresso possível. Mas uma vez que ocaminho escolhido tenha sido o errado, e a atividadehumana se tenha consumido de forma inoperante,segue disso que a dificuldade não radica nas própriascoisas, que fogem ao nosso alcance, mas no intelectohumano, no seu uso e aplicação, o que é passível deremédio e medicina. Por isso, estimamos ser oportunoexpor esses erros. Pois, quantos foram os erros dopassado, tantas serão as razões de esperança [74] parao futuro. Embora se tenha antes falado algo a seu res-peito, é de toda conveniência expô-las brevemente, empalavras simples e claras.

XCV

Os que se dedicaram às ciências foram ouempíricos ou dogmáticos. Os empíricos, à maneira dasformigas, acumulam e usam as provisões; osracionalistas, à maneira das aranhas, de si mesmosextraem o que lhes serve para a teia.[75] A abelharepresenta a posição intermediária: recolhe amatéria-prima das flores do jardim e do campo e comseus próprios recursos a transforma e digere. Não édiferente o labor da verdadeira filosofia, que se nãoserve unicamente das forças da mente, nem tampouco

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se limita ao material fornecido pela história natural oupelas artes mecânicas, conservado intato na memória.Mas ele deve ser modificado e elaborado pelo intelecto.Por isso muito se deve esperar da aliança estreita esólida (ainda não levada a cabo) entre essas duasfaculdades, a experimental e a racional.

XCVI

Ainda não foi criada uma filosofia natural pura.As existentes acham-se infectadas e corrompidas: naescola de Aristóteles, pela lógica; na escola de Platão,pela teologia natural; na segunda escola de Platão, a deProclo e outros, pela matemática,[76] a quem caberematar a filosofia e não engendrar ou produzir afilosofia natural. Mas é de se esperar algo de melhor dafilosofia natural pura e sem mesclas.

XCVII

Até agora ninguém surgiu dotado de mente tãotenaz e rigorosa que haja decidido, e a si mesmoimposto, livrar-se das teorias e noções comuns eaplicar, integralmente, o intelecto, assim purificado ereequilibrado, aos fatos particulares. Pois a nossa razãohumana [77] é constituída de uma farragem e massa decoisas, procedentes algumas de muita credulidade, eoutras do acaso e também de noções pueris, querecebemos desde o início.

É de se esperar algo melhor de alguém que, naidade madura, de plena posse de seus sentidos e mentepurificada, se dedique integralmente à experiência e aoexame dos fatos particulares. Nesse sentidoprometemo-nos a fortuna de Alexandre Magno: queninguém nos acuse de vaidade antes de constatar que onosso propósito final é o de banir toda vaidade.

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Com efeito, de Alexandre e de suas façanhasassim falou Ésquines: “Certamente, não vivemos umavida mortal; mas nascemos para que a posteridadenarre e apregoe os nossos prodígios”, como queentendendo por milagrosos os feitos de Alexandre.[78]

Mas, em época posterior, Tito Lívio, apreciandoe compreendendo melhor o fato, disse de Alexandrealgo como: “Em última instância, nada mais fez que tera ousadia de desprezar as coisas vãs”.[79] Cremos quenos tempos futuros far-se-á a nosso respeito um juízosemelhante: De fato nada fizemos de grandioso;apenas reduzimos as proporções do que erasuperestimado. Todavia, como já dissemos, não háesperança senão na regeneração das ciências, valedizer, na sua reconstrução, segundo uma ordem certa,que as faça brotar da experiência. Ninguém podeafirmar, segundo presumimos, que tal tarefa tenhasido feita ou sequer cogitada.

XCVIII

Os fundamentos da experiência — já que a elasempre retomamos — até agora ou foram nulos ouforam muito inseguros. Até agora não se buscaramnem se recolheram coleções [80] de fatos particulares,em número, gênero ou em exatidão, capazes deinformar de algum modo o intelecto. Mas, ao contrário,os doutos, homens indolentes e crédulos, acolherampara estabelecer ou confirmar a sua filosofia certosrumores, quase mesmo sussurros ou brisas [81] deexperiência, a que, apesar de tudo, atribuíram valor delegítimo testemunho. Dessa forma, introduziu-se nafilosofia, no que respeita à experiência, a mesmaprática de um reino ou Estado que cuidasse de seusnegócios, não à base de informações de representantes

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ou núncios fidedignos, mas dos rumores ou mexericosde seus cidadãos. Nada se encontra na história naturaldevidamente investigado, verificado, classificado,pesado e medido. E o que no terreno da observação éindefinido e vago é falacioso e infiel na informação. Sealguém se admira de que assim se fale e pensa nãoserem justos os nossos reclamos, ao se lembrar deAristóteles, homem tão grande ele próprio e apoiadonos recursos de um tão grande rei,[82] que escreveuuma tão acurada História dos Animais; e de algunsoutros que a enriqueceram com mais diligência, mascom menos estrépito; e de outros ainda, que fizeram omesmo em relação às plantas, os metais, os fósseis,com história e descrições abundantes, ele não se dáconta, não parece ver ou compreender suficientementeo assunto de que tratamos. Pois uma é a marcha dahistória natural, organizada por amor de simesma,[83] outra, a que é destinada a informar ointelecto com ordem (método), para fundar a filosofia.Essas duas histórias naturais se diferenciam emmuitos aspectos, principalmente nos seguintes: aprimeira compreende a variedade das espécies naturaise não os experimentos das artes mecânicas. Com efeito,da mesma maneira que na vida política o caráter decada um, sua secreta disposição de ânimo esentimentos melhor se patenteiam em ocasiões deperturbação que em outras, assim também os segredosda natureza melhor se revelam quando esta ésubmetida aos assaltos [84] das artes que quandodeixada no seu curso natural. Em vista disso, é de seesperar muito da filosofia natural quando a histórianatural que é a sua base e fundamento — esteja melhorconstruída. Até que isso aconteça nada se pode esperar.

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XCIX

Por sua vez, mesmo em meio à abundância dosexperimentos mecânicos, há grande escassez dos quemais contribuem e concorrem para informação dointelecto. De fato, o artesão, despreocupado totalmenteda busca da verdade, só está atento e apenas estende asmãos para o que diretamente serve a sua obraparticular. Por isso, a esperança de um ulteriorprogresso das ciências estará bem fundamentadaquando se recolherem e reunirem na história naturalmuitos experimentos que em si não encerram qualquerutilidade, mas que são necessários na descoberta dascausas e dos axiomas. A esses experimentoscostumamos designar por lucíferos, para diferenciá-losdos que chamamos de frutíferos.[85] Aquelesexperimentos têm, com efeito, admirável virtude oucondição: a de nunca falhar ou frustrar, pois não sedirigem à realização de qualquer obra, mas à revelaçãode alguma causa natural. Assim, qualquer que seja ocaso, satisfazem esse intento e assim resolvem aquestão.

C

Deve-se buscar não apenas uma quantidademuito maior de experimentos, como também de gênerodiferente dos que até agora nos têm ocupado. Mas énecessário, ainda, introduzir-se um métodocompletamente novo, uma ordem diferente e um novoprocesso, para continuar e promover a experiência.Pois a experiência vaga, deixada a si mesma, comoantes já se disse,[86] é um mero tateio, e presta-semais a confundir os homens que a informá-los. Masquando a experiência proceder de acordo com leisseguras e de forma gradual e constante, poder-se-á

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esperar algo de melhor da ciência.

CI

Todavia, mesmo quando esteja pronto epreparado o material de história natural e deexperiência, na quantidade requerida para a obra dointelecto, ou seja, para a obra da filosofia, nem assim ointelecto estará em condições de trabalhar o referidomaterial espontaneamente e apenas com o auxílio damemória. Seria o mesmo que se tentasse aprender dememória e reter exatamente todos os cálculos de umatábua astronômica. E até agora, em matéria deinvenção, tem sido mais importante o papel dameditação que o da escrita, e a experiência não é aindaliterata.[87] Apesar disso, nenhuma forma de invençãoé conclusiva senão por escrito. E é de se esperarmelhores frutos quando a experiência literata for deuso corrente.

CII

Além disso, sendo tão grande o número dosfatos particulares, quase um exército, e achando-se detal modo esparsos e difusos que chegam a desagregar econfundir o intelecto, não é de se esperar boa coisa dasescaramuças, dos ligeiros movimentos e incursões dointelecto, a não ser que, organizando e coordenandotodos os fatos relacionados a um objeto, se utilize detabelas de invenção idôneas e bem dispostas e comoque vivas. Tais tabelas servirão à mente como auxi-liares preparados e ordenados.

CIII

Contudo, mesmo depois de se haver disposto,como que sob os olhos, de forma correta e ordenada a

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massa de fatos particulares, não se pode ainda passar àinvestigação e à descoberta de novos fatos particularesou de novos resultados. Se, não obstante, tal ocorrer,não é de se ficar satisfeito com apenas isso. Todavia,não negamos que depois que os experimentos de todasas artes forem recolhidos e organizados e, depois,levados à consideração e ao juízo de um só homem,seja possível, pela simples transferência dosconhecimentos de uma arte para outra, com auxílio daexperiência a que chamamos de literata, chegar amuitas novas descobertas úteis à vida humana e àssuas condições. Todavia, tais resultados, a bem dizer,são de menor importância. Na verdade muito maioresserão os provenientes da nova luz dos axiomas,deduzidos dos fatos particulares, com ordem e por viaadequada, e que servem, por sua vez, para indicar edesignar novos fatos particulares. Atente-se para isto: onosso caminho não é plano, há nele subidas e descidas.É primeiro ascendente, em direção aos axiomas, édescendente quando se volta para as obras.

CIV

Contudo, não se deve permitir que o intelectosalte e voe dos fatos particulares aos axiomas remotos eaos, por assim dizer, mais gerais — que são oschamados princípios das artes e das coisas — e depoisprocure, a partir da sua verdade imutável, estabelecer eprovar os axiomas médios. E é o que se tem feito atéagora graças à propensão natural do intelecto, afeito eadestrado desde há muito, pelo emprego dasdemonstrações silogísticas. Muito se poderá esperardas ciências quando, seguindo a verdadeira escala, porgraus contínuos, sem interrupção, ou falhas, se soubercaminhar dos fatos particulares aos axiomas menores,

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destes aos médios, os quais se elevam acima dosoutros, e finalmente aos mais gerais. Em verdade, osaxiomas inferiores não se diferenciam muito dasimples experiência. Mas os axiomas tidos comosupremos e mais gerais (falamos dos de que dispomoshoje) são meramente conceituais ou abstratos [88] enada têm de sólido. Os médios são os axiomasverdadeiros, os sólidos e como que vivos, e sobre osquais repousam os assuntos e a fortuna do gênerohumano. Também sobre eles se apoiam os axiomasgeneralíssimos, que são os mais gerais. Estesentendemos não simplesmente como abstratos, masrealmente limitados pelos axiomas intermediários.Assim, não é de se dar asas ao intelecto, mas chumbo epeso para que lhe sejam coibidos o salto e o vôo. É oque não foi feito até agora; quando vier a sê-lo, algo demelhor será lícito esperar-se das ciências.

CV

Para a constituição de axiomas deve-se cogitarde uma forma de indução diversa da usual até hoje eque deve servir para descobrir e demonstrar nãoapenas os princípios como são correntemente cha-mados como também os axiomas menores, médios etodos, em suma. Com efeito, a indução que procede porsimples enumeração é uma coisa pueril, leva aconclusões precárias, expõe-se ao perigo de umainstância que a contradiga. Em geral, conclui a partirde um número de fatos particulares muito menor que onecessário e que são também os de acesso mais fácil.Mas a indução que será útil para a descoberta edemonstração das ciências e das artes deve analisar anatureza, procedendo às devidas rejeições e exclusões,e depois, então, de posse dos casos negativos

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necessários, concluir a respeito dos casos positivos.Ora, é o que não foi até hoje feito, nem mesmo tentado,exceção feita, certas vezes, de Platão, que usa essaforma de indução para tirar definições e idéias. Mas,para que essa indução ou demonstração possa seroferecida como uma ciência boa e legítima, deve-secuidar de um sem-número de coisas que nuncaocorreram a qualquer mortal. Vai mesmo ser exigidomais esforço que o até agora despendido com osilogismo. E o auxílio dessa indução deve ser invocado,não apenas para o descobrimento de axiomas, mastambém para definir as noções. E é nessa indução queestão depositadas as maiores esperanças.

CVI

Na constituição de axiomas por meio dessaindução, é necessário que se proceda a um exame ouprova: deve-se verificar se o axioma que se constitui éadequado e está na exata medida dos fatos particularesde que foi extraído, se não os excede em amplitude elatitude, se é confirmado com a designação de novosfatos particulares que, por seu turno, irão servir comouma espécie de garantia. Dessa forma, de um lado, seráevitado que se fique adstrito aos fatos particulares jáconhecidos; de outro, que se cinja a sombras ou formasabstratas em lugar de coisas sólidas e determinadas nasua matéria. Quando esse procedimento for colocadoem uso, teremos um motivo a mais para fundar asnossas esperanças.

CVII

E aqui deve ser recordado o que antes se disse[89] sobre a extensão da filosofia natural e sobre oretorno ao seu âmbito dos fatos particulares, para que

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não se instaurem cisões ou rupturas no corpo dasciências. Pois sem tais precauções muito menos há dese esperar em matéria de progresso.

CVIII

Tratou-se, pois, da forma de se eliminar adesesperação, bem como a de se infundir a esperança,eliminando e retificando os erros dos tempos passados.Vejamos se há ainda mais alguma coisa capaz de geraresperanças. Tal de fato ocorre, a saber: se foi possível ahomens que não as buscavam descobrirem muitascoisas, por acaso ou sorte, e até quando tinham outrospropósitos, não pode haver dúvida de que quando asbuscarem e se empenharem com ordem e método,[90]e não por impulsos e saltos, necessariamente muitasmais haverão de ser descerradas. Por outro lado, podeocorrer também, uma ou outra vez, que alguém, poracaso, tope com algo que antes lhe escapou quando obuscava com esforço e determinação. Mas na maiorparte dos casos, sem dúvida, ocorrerá o contrário. Porconseguinte, pode-se esperar muito mais e melhor e amenores intervalos de tempo, da razão, da indústria,da direção e intenção dos homens que do acaso e doinstinto dos animais e coisas semelhantes, que atéagora serviram de base para as invenções.

CIX

Pode-se também acrescentar como argumentode esperança o fato de que muitos dos inventos jálogrados são de tal ordem que antes a ninguém foidado sequer suspeitar da sua possibilidade. Eram, aocontrário, olhados como coisas impossíveis. E tal sedeve a que os homens procuram adivinhar as coisasnovas a exemplo das antigas e com a imaginação

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preconcebida e viciada. Mas essa é uma maneira deopinar sumamente falaciosa, pois a maioria dasdescobertas que derivam das fontes das coisas não fluipelos regatos costumeiros.

Assim, por exemplo, se antes da invenção doscanhões alguém, baseado nos seus efeitos, osdescrevesse: foi inventada uma máquina que pode, degrande distância, abalar e arrasar as mais poderosasfortificações, os homens então se poriam a cogitar dasdiferentes e múltiplas formas de se aumentar a força desuas máquinas bélicas pela combinação de pesos erodas e dispositivos que tais, causadores de embates eimpulsos. Mas a ninguém ocorreria, mesmo emimaginação ou fantasia, essa espécie de sopro violentoe flamejante que se propaga e explode. A sua volta nãodivisavam nenhum exemplo de algo semelhante, a nãoser o terremoto e o raio, que, como fenômenos naturaisde grandes proporções, não imitáveis pelo homem,seriam desde logo rejeitados.

Do mesmo modo, se antes da descoberta do fioda seda [91] alguém houvesse falado: há uma espéciede fio para a confecção de vestes e alfaias que supera delonge em delicadeza e resistência e, ainda, emesplendor e suavidade, o linho e a lã, os homens logo seporiam a pensar em alguma planta chinesa, ou no pêlomuito delicado de algum animal, ou na pluma oupenugem das aves; mas ninguém haveria de imaginar otecido de um pequeno verme tão abundante e que serenova todos os anos. Se alguém se referisse ao vermeteria sido objeto de zombaria, como alguém quesonhasse com um novo tipo de teia de aranha.

Do mesmo modo, se antes da invenção dabússola [92] alguém houvesse falado ter sido inventado

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um instrumento com o qual se poderia captar edistinguir com exatidão os pontos cardeais do céu; oshomens se teriam lançado, levados pela imaginação, aconjeturar a construção dos mais rebuscadosinstrumentos astronômicos, e pareceria de todoincrível que se pudesse inventar um instrumento commovimentos coincidentes com os dos céus, sem ser desubstância celeste, mas apenas de pedra ou metal.Contudo, tais inventos e outros semelhantespermaneceram ignorados pelos homens por tantosséculos, e não foram descobertos pelas artes, masgraças ao acaso e oportunidade. Por outro lado, são detal ordem (como já dissemos), são tão heterogêneos etão distantes do que antes era conhecido que nenhumanoção anterior teria podido conduzir a eles.

Desse modo, é de se esperar que há aindarecônditas, no seio da natureza, muitas coisas degrande utilidade, que não guardam qualquer espécie derelação ou paralelismo com as já conhecidas, mas queestão fora das rotas da imaginação. Até agora nãoforam descobertas.

Mas não há dúvida de que no transcurso dotempo e no decorrer dos séculos virão à luz, do mesmomodo que as antes referidas. Mas, seguindo o caminhoque estamos apontando, elas podem ser mostradasmuito antes do tempo usual, podem ser antecipadas,de forma rápida, repentina e simultaneamente.

CX

Mas há outra espécie de invenções que são de talordem que nos levam a pensar que o gênero humanopode preteri-las, e deixar para trás nobres inventospraticamente colocados a seus pés. Pois, com efeito, se,de um lado, a invenção da pólvora, da seda, da agulha

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de marear, do açúcar, do papel e outras do gêneroparecem se basear em propriedades das coisas e danatureza, de outro, a imprensa nada apresenta que nãoseja manifesto e quase óbvio.

De fato, os homens não foram capazes de notarque, se é mais difícil a disposição dos caracterestipográficos que escrever as letras à mão, aqueles, umavez colocados, propiciam um número infinito decópias, enquanto que as letras à mão só servem parauma escrita. Ou talvez não tenham sido capazes denotar que a tinta poderia ser espessada de forma atingir sem escorrer (mormente quando se faz aimpressão sobre as letras voltadas para cima). Eis porque por tantos séculos não se pôde contar com essaadmirável invenção, tão propicia à propagação dosaber.[93]

Mas a mente humana, no curso dosdescobrimentos, tem estado tão desastrada e maldirigida que primeiro desconfia de si mesma e depoisse despreza. Primeiro lhe parece impossível certoinvento; depois de realizado, considera incrível que oshomens não o tenham feito há mais tempo. É issomesmo que reforça os nossos motivos de esperança,pois subsiste ainda um sem-número dedescobrimentos a serem feitos, que podem seralcançados através da já mencionada experiêncialiterata, não só para se descobrirem operaçõesdesconhecidas, como também para transferir, juntar eaplicar as já conhecidas.

CXI

Há ainda um outro motivo de esperança que nãopode ser omitido. Que os homens se dignem consideraro infinito dispêndio de tempo, de orgulho e de dinheiro

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que se tem consumido em coisas e estudos semimportância e utilidade! Se apenas uma pequena partedesses recursos fosse canalizada para coisas maissensatas e sólidas, não haveria dificuldade que nãopudesse ser superada. Parece oportuno acrescentarisso porque reconhecemos com toda franqueza queuma coleção de história natural e experimental, talcomo a concebemos e como deve ser, é uma empresagrandiosa e quase real, que requer muito trabalho emuitos gastos.[94]

CXII

Contudo, ninguém deve temer a multidão defatos particulares que, na verdade, pode ser tida comomais um motivo de esperança. Pois os fenômenosparticulares das artes e da natureza, quando afastadose abstraídos da evidência das coisas, são comomanípulos para o trabalho do espírito. E a via dosparticulares conduz ao campo aberto e não está longede nós. A outra não tem saída e leva a emaranhadossem fim. Os homens, até agora, pouco e muitosuperficialmente se têm dedicado à experiência, mastêm consagrado um tempo infinito a meditações edivagações engenhosas. Mas se houvesse entre nósalguém pronto a responder às interrogações incitadaspela natureza, em poucos anos seria realizado odescobrimento de todas as causas e o estabelecimentode todas as ciências.

CXIII

Pensamos também que o nosso próprio exemplopoderia servir aos homens de motivo para esperanças edizemos isso não por jactância, mas pela sua utilidade.Os que desconfiam considerem a mim, que sou dentre

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os homens de meu tempo o mais ocupado dos negóciosde Estado,[95] com saúde vacilante — o que representagrande dispêndio de tempo e pioneiro deste rumo, poisnão sigo as pegadas de ninguém, e sem comunicarestes assuntos a qualquer outro mortal.[96] E noentanto prossegui constantemente, pelo caminhoverdadeiro, submetendo o meu espírito às coisas, tendoassim conseguido, segundo penso, algum resultado.Considerem em seguida quanto se poderia esperar(tomando o meu exemplo) de homens com todo o seutempo disponível, associados no trabalho, tendo pelafrente todo o tempo necessário e levando-se em contatambém que se trata de um caminho que pode serpercorrido não apenas por um indivíduo (como nocaminho racional)[97] mas que permite que o trabalhoe a colaboração de muitos se distribuam perfeitamente(em especial para a coleta de dados da experiência). Aíentão os homens começarão a conhecer as suaspróprias forças, isto é, não quando todos se dediquemà mesma tarefa, mas quando cada um a uma tarefadiferente.[98]

CXIV

Finalmente, ainda que não tenha soprado maisque uma débil e obscura aura de esperança procedentedesse novo continente,[99] entendemos deva ser feita aprova, se não quisermos dar mostras de um espíritocompletamente abjeto. Pois não há paridade entre orisco que se corre ao não se tentar a prova e oproveniente do insucesso. No primeiro caso nosexpomos à perda de um imenso bem; no segundo, háuma pequena perda de trabalho humano. Assim, tantodo que se há dito como do que não se disse, parecesubsistirem grandes motivos para que o homem

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destemido se disponha a tentar e para que o prudente ecomedido adquira confiança.

CXV

Expusemos até aqui as diversas formas de setolher a desesperação,[100] apontada como um dosprincipais obstáculos e causas poderosas deretardamento do progresso das ciências. Concluímostambém nossa explanação a respeito dos signos ecausas dos erros, da inércia e da ignorância até agorapredominantes. Deve ser lembrado também que ascausas mais sutis desses óbices, que se acham fora doalcance do juízo e observação popular, devem serbuscadas no que já se disse a respeito dos ídolos doespírito humano.

Aqui termina igualmente a parte destrutiva denossa Instauração,[101] que compreende trêsrefutações: refutação da razão humana natural edeixada a si mesma, refutação das demonstrações erefutação das teorias, ou dos sistemas filosóficos edoutrinas aceitos. Essa refutação foi cumprida tal comoera possível, isto é, por meio dos signos e dos errosevidentes. Não podíamos empregar nenhum outro gê-nero de refutação, por dissentirmos das demais quantoaos princípios e quanto às formas de demonstração.

É tempo, pois, de passarmos à arte e às normasde interpretação da natureza. Mas há ainda algo a serlembrado. Como nosso propósito neste primeiro livrode aforismos foi o de preparar a mente dos homenstanto para entender quanto para aceitar o que seseguirá, e estando já limpo, desbastado e igualado oterreno da mente, é de se esperar que ela se coloque emboa postura e em disposição benévola em relação aoque a ela iremos propor.

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Com efeito, quando se trata de coisa nova, induzao prejuízo não apenas a preocupação de umaeminente opinião antiga, como também a falsaconcepção ou representação antes formada a respeitodo assunto. Por isso nos esforçaremos para conseguirque sejam consideradas como corretas e verdadeiras asnossas opiniões, mesmo que por algum tempo, comoque em confiança, até que se tenha adquiridoconhecimento da coisa mesma.

CXVI

Em primeiro lugar, pedimos aos homens quenão presumam ser nosso propósito, à maneira dosantigos gregos, ou de alguns modernos, como Telésio,Patrizzi e Severino, fundar alguma nova seita defilosofia.[102] Não temos tal desígnio, e nem julgamosde muito interesse para a fortuna dos homens saberque opiniões abstratas pode ter alguém sobre anatureza ou os princípios das coisas. Não há dúvida deque muitas opiniões dos antigos podem serressuscitadas e outras novas introduzidas, assim comose podem supor muitas teorias dos céus que, emboraguardando muito bom acordo com os fenômenos,difiram entre si.

Mas não nos ocuparemos de tais coisassuscetíveis de opiniões e também inúteis. Ao contrário,a nossa disposição é de investigar a possibilidade derealmente estender os limites do poder ou da grandezado homem e tornar mais sólidos os seus fundamentos.Ainda que isoladamente e em alguns aspectosparticulares tenhamos alcançado, assim nos parece,resultados mais verdadeiros, mais sólidos, e aindamais fecundos que aqueles a que chegaram os homensque deles até agora se ocuparam (o que resumimos na

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quinta parte da nossa Instauração),[103] todavia nãopretendemos propor qualquer teoria universal ouacabada. Não parece ter chegado ainda o momento defazê-lo. Por isso, não nutrimos esperanças de que aduração de nossa vida chegue para concluir a sextaparte de nossa Instauração,[104] que está destinada acontar a filosofia descoberta a partir da legítimainterpretação da natureza. Mas nos daremos porsatisfeitos se conseguirmos agir com sobriedade eproficiência nas partes intermediárias, e lançar aospósteros as sementes de uma verdade mais sincera, enão nos furtamos pelo menos ao início das grandesempresas.

CXVII

E do mesmo modo que não somos fundadoresde uma escola, não nos propomos a prometer oudesenvolver obras de caráter particular.[105] Contudo,poderia alguém nos exigir, como penhor, queapresentássemos de nossa parte alguma produção, jáque tanto falamos de obras e a elas tudo relacionamos.O nosso plano e o nosso verdadeiro procedimento —como já o dissemos muitas vezes e de bom grado orepetimos — consiste em não extrair obras de obras eexperimentos de experimentos, como fazem osartífices. Pretendemos deduzir das obras eexperimentos as causas e os axiomas e depois, dascausas e princípios, novas obras e experimentos, comocumpre aos legítimos intérpretes da natureza.

Mas em nossas tábuas de descoberta [106] —que compreendem a quarta parte [107] da nossaInstauração e também pelos exemplos particularesque constam da nossa segunda parte — e ainda nasnossas observações sobre história — que estão na

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terceira parte [108] qualquer pessoa de medianaperspicácia e engenho notará aqui indicações edesignações de muitas obras importantes. Mas confes-samos abertamente que a história natural de quedispomos, seja a recolhida dos livros, seja a resultantede nossas próprias investigações, não é nem tãoabundante nem tão comprovada a ponto de satisfazer ebastar às exigências da legítima interpretação.

Assim, se há alguém mais apto e preparado paraa mecânica e mais sagaz para a busca de novosresultados só com o uso dos experimentos,consentimos e confiamos à sua indústria a coleta deminha história e de minhas tábuas, muitas coisas pelocaminho, conferindo-lhe um uso prático e recebendoum interesse provisório, até que alcance o êxitodefinitivo. Quanto a nós, na verdade, comopretendemos mais, condenamos toda demoraprecipitada e prematura em coisas como essas aexemplo das maçãs de Atalanta,[109] como muitasvezes costumo dizer. Com efeito, não procuramospuerilmente os pomos dourados, antes tudodepositamos na marcha triunfal da arte sobre anatureza. Não nos apressamos a colher o musgo ou asespigas ainda verdes: é a messe sazonada queaguardamos.

CXVIII

Examinando nossa história natural e nossastábuas de descoberta certamente ocorrerá a alguém aexistência, em nossos experimentos, de aspectos nãobem comprovados, ou, mesmo, serem eles totalmentefalsos. Em vista disso, passará a refutar os novosdescobrimentos como se apoiados em fundamentos eprincípios duvidosos ou falsos. Na verdade, isso nada

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significa, pois é necessário que tal aconteça no início.Seria como se na escrita ou na impressão uma ou outraletra estivessem mal colocadas (ou fora do lugar), o quenão chegaria a confundir muito o leitor, uma vez que opróprio sentido acaba facilmente por corrigir os erros.Da mesma maneira, reflitam os homens que na histórianatural muitos falsos experimentos podem ser tomadose aceitos como verdadeiros, e mais tarde facilmenterejeitados e expurgados, quando da descoberta decausas e de axiomas. É igualmente verdadeiro que seencontra na história natural e nos experimentos umasérie longa e contínua de erros que, todavia, nãopoderão ser corrigidos pela boa disposição do engenho.

Em vista disso, se a nova história natural que foicoligida e comprovada com tanta diligência, severidadee zelo quase religioso deixa passar algum erro oufalsidade nos fatos particulares, o que se poderá dizerentão da história natural corrente que é, emcomparação com a nossa, tão negligente e superficial?Ou da filosofia codificada sobre a areia ou sirtes?Portanto, ninguém se deve preocupar com o que foidito.

CXIX

Serão também encontradas em nossa histórianatural e em nossos experimentos muitas coisassuperficiais e comuns, outras vis e mesmo grosseiras,finalmente outras sutis e meramente especulativas equase sem qualquer utilidade. Coisas, enfim, quepoderiam afastar os homens do estudo, bem comodesgostá-los.

Quanto às coisas que parecem comuns, reflitamos homens em sua conduta habitual que não tem sidooutra que referir e adaptar as causas das coisas que

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raramente ocorrem às que ocorrem com freqüência,sem, todavia, indagar das causas daquelas maisfreqüentes, aceitando-as como fatos admitidos eassentados.

Dessa forma, não buscam as causas do peso, darotação dos corpos celestes, do calor, do frio, da luz, doduro, do mole, do tênue, do denso, do líquido, dosólido, do animado, do inanimado, do semelhante, dodessemelhante, e nem tampouco do orgânico. Antes,tomam tais coisas por evidentes e manifestas e seentregam à disputa e à determinação das que nãoocorrem com tanta freqüência e não são tão familiares.

Mas, quanto a nós, que sabemos não se poderformular juízos acerca das coisas raras eextraordinárias e muito menos trazer à luz algo denovo, antes de se terem examinado devidamente e dese haverem descoberto as causas das coisas comuns, eas causas das causas, fomos compelidos, pornecessidade, a acolher em nossa história as coisas maiscomuns. Por isso, estabelecemos que não há nada tãopernicioso à filosofia como o fato de as coisasfamiliares e que ocorrem com freqüência não atraíreme não prenderem a reflexão dos homens, mas seremadmitidas sem exame e investigação das suas causas.Disso resulta que é mais freqüente recolherem-seinformações sobre as coisas desconhecidas quededicar-se atenção às já conhecidas.

CXX

Com referência a fatos considerados vis e torpes,aos quais (como diz Plínio),[110] é necessário renderhomenagem, devem integrar, não menos que os maisbrilhantes e preciosos, a história natural. Não será ahistória natural maculada: do mesmo modo que

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também não se macula o sol que penetra igualmentepalácios e cloacas. Não pretendemos dedicar ouconstruir um capitólio ou uma pirâmide à soberbahumana. Mas fundamos no intelecto humano umtemplo santo à imagem do mundo. E por ele nospautamos. Pois tudo o que é digno de existir é digno deciência, que é a imagem da realidade. As coisas visexistem tanto quanto as admiráveis. E indo mais longe:do mesmo modo que se produzem excelentes aromasde matérias pútridas, como o almíscar e a algália,também de circunstâncias vis e sórdidas emanam luz eexímias informações. E isso é suficiente, pois essegênero de desagrado é pueril e efeminado.

CXXI

Há ainda outro assunto que deve merecer o maisacurado exame. É que muitas das coisas da nossahistória parecerão, ao intelecto vulgar e a qualquermente afeita às coisas presentes, curiosas e de umasutileza inútil. Disso já tratamos e vamos repetir o queantes dissemos: de início e por certo tempo, buscamosapenas os experimentos lucíferos e não osexperimentos frutíferos, tomando por exemplo acriação divina que, como temos reiterado, no primeirodia produziu unicamente a luz, a ela dedicando todoum dia, não se aplicando nesse dia a nenhuma obramaterial.

Se alguém reputa tais coisas como destituídas deuso, seria o mesmo que entendesse não ter também aluz qualquer uso, por não se tratar de uma coisa sólidaou material. E, a bem da verdade, deve ser dito que oconhecimento das naturezas simples,[111] quando bemexaminado e definido, é como a luz, que abre caminhoao segredo de todas as obras, e com o poder que lhe é

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próprio abrange e arrasta todas as legiões e exércitos deobras e as fontes dos axiomas mais nobres, não sendo,contudo, em si mesma de grande uso. Da mesmaforma, as letras do alfabeto, em si e tomadasisoladamente, nada significam e a nada servem.Contudo, são como que a matéria-prima para acomposição e preparação de todo discurso. Assimtambém as sementes das coisas têm virtualmentegrande poder, mas fora de seu processo dedesenvolvimento para nada servem. E os raiosdispersos da própria luz, se não convergentes, nãoproduzem beneficio.

Se alguém se ofende com as sutilezasespeculativas, o que dizer então dos escolásticos que,com tanta indulgência, se entregaram às sutilezas? Taissutilezas se consumiam nas palavras ou, pelo menos,em noções vulgares (o que dá no mesmo), nãopenetravam nas coisas ou na natureza. Não ofereciamutilidade não só em suas origens, como também emsuas conseqüências. E não eram, enfim, de tal formaque, como as de que nos ocupamos, não tendoutilidade no presente, oferecem-na infinita em suasconseqüências. Tenham os homens por certo que todasutileza nas disputas ou nos esforços da mente, seaplicada depois da descoberta dos axiomas, seráextemporânea e que o momento próprio, pelo menosprecípuo do uso de sutilezas, é aquele em que seexamina a experiência, para a partir dela seconstituírem os axiomas. Com efeito, aquele outrogênero de sutileza persegue e procura captar anatureza, mas nunca a alcança e submete. É muitocerto, se transposto para a natureza, o que se diz daocasião e da fortuna, “que tem fartos cabelos vista defrente e é calva vista de trás”.[112]

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Enfim, a propósito do desprezo que se vota, nahistória natural, às coisas vulgares, vis ou muito sutisou de nenhuma utilidade, em sua origem, são comooraculares as palavras de uma pobre mulher, dirigidasa um príncipe arrogante, que rejeitara sua petição porser indigna de sua majestade: “Deixa, pois, de serrei”.[113] Pois é absolutamente certo que ninguém quedeixe de levar em conta essas coisas, por ínfimas einsignificantes que sejam, conseguirá e poderá exercerdomínio sobre a natureza.

CXXII

Costuma-se objetar também ser espantoso emuito rigoroso querermos, de um só golpe, rechaçartodas as ciências e todos os autores e, isso, semrecorrer a nenhum dos antigos, para auxílio ou defesa,valendo-nos apenas de nossas próprias forças.

Entretanto, sabemos perfeitamente que, sequiséssemos agir com menos boa fé não nos seriadifícil relacionar o que vamos expor com os temposantigos anteriores aos dos gregos, nos quais as ciências,especialmente as da natureza, mais floresceram, aindaem silêncio, antes de passarem pelas trombetas eflautas dos gregos; ou, mesmo ainda que em parte, comalguns dentre os próprios gregos, neles recolhendoapoio e glória, à maneira dos novos-ricos que, comajuda de genealogias, forjam e inventam a sua nobreza,a partir da descendência de alguma antiga linhagem.Quanto a nós apoiados na evidência dos fatos,rejeitamos toda sorte de fantasia ou impostura. E nãoreputamos de interesse para o que nos ocupa osaber-se se o que vai ser descoberto já era conhecidodos antigos ou se está sujeito às vicissitudes das coisasou às circunstâncias desta ou daquela idade. Tampouco

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parece digno da preocupação dos homens o saber-se seo Novo Mundo é aquela ilha Atlântida, conhecida dosantigos, ou se foi descoberta agora pela primeira vez. Adescoberta das coisas deve ser feita com recurso à luzda natureza e não pelas trevas da Antiguidade.

Quanto à censura universal que fizemos, éinquestionável, bem considerado o assunto, que parecemais plausível e mais modesta se feita por partes. Pois,se os erros não se tivessem radicado nas noçõesprimeiras, não teria sido possível que certas noçõescorretas não tivessem corrigido as demais (portadorasde erros). Mas como os erros são fundamentais e nãoprovenientes de juízos falhos ou falsos, mas danegligência e da ligeireza com que os homens trataramos fatos, não é de se admirar que não tenhamconseguido o que não buscaram e que não tenhamalcançado a meta que se não tinham proposto, e, ainda,que não tenham percorrido um caminho em que nãoentraram ou de que se transviaram.

E, se nos acusam de arrogantes, cumpre-nosobservar que isso seria verdadeiro de alguém quepretendesse traçar uma linha reta ou um círculo,melhor que algum outro, servindo-se apenas dasegurança das mãos e do bom golpe de vista. No caso,haveria uma comparação de capacidade. Mas sealguém afirma poder traçar uma linha mais reta e umcírculo mais perfeito servindo-se da régua e docompasso, em comparação a alguém que faça usoapenas das mãos e da vista, esse com certeza não seriaum jactancioso. O que ora dizemos não se referesomente aos nossos primeiros esforços e tentativas,mas também aos dos que se seguiram com os mesmospropósitos. Pois o nosso método de descoberta das

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ciências quase que iguala os engenhos e não deixamuita margem à excelência individual, pois tudosubmete a regras rígidas e demonstrações. Eis por que,como já o dissemos muitas vezes, a nossa obra deve seratribuída mais à sorte que à habilidade, e é mais partodo tempo que do talento. Pois parece não haverdúvidas de que uma espécie de acaso intervém tanto nopensamento dos homens quanto nas obras e nos fatos.

CXXIII

Assim, diremos de nós o que alguém, porgracejo, disse de si: “Não podem ter a mesma opiniãoquem bebe água e quem bebe vinho”.[114] Com efeito,os demais homens, tanto os antigos como os modernos,beberam nas ciências um licor cru, como a água quemana espontaneamente de sua inteligência, ou hauridopela dialética, como de um poço, por meio de roldanas.Mas, de nossa parte, bebemos e brindamos um licorpreparado com abundantes uvas, amadurecidas naestação, de racemos escolhidos, logo espremidas nolagar, e depois purificado e clarificado em vasilhamepróprio. Em vista disso, não é de se admirar que nãonos ponhamos de acordo com eles.

CXXIV

Podem fazer-nos ainda outra objeção: a de quemesmo nós não prefixamos para as ciências a meta e oescopo melhores e mais verdadeiros, fato quecensuramos em outros. E que a contemplação daverdade é mais digna e elevada que a utilidade e agrandeza de qualquer obra,[115] e também que essalonga, solícita e instante dedicação à experiência, àmatéria e ao fluxo das coisas particulares curva amente para a terra ou mesmo a abandona a um Tártaro

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de confusão e desordem e a afasta e distancia daserenidade e tranqüilidade da sabedoria abstrata, que émuito mais próxima do divino. De bom gradoassentimos nessas observações, pois tratamos,precipuamente e antes de mais nada, de alcançar o queos nossos críticos indicam e escolhem. Efetivamenteconstruímos no intelecto humano um modeloverdadeiro [116] do mundo, tal qual foi descoberto enão segundo o capricho da razão de fulano ou beltrano.Porém, isso não é possível levar a efeito, sem umaprévia e diligentíssima dissecção e anatomia domundo. Por isso, decidimos correr com todas essasimagens ineptas e simiescas que a fantasia humanainfundiu nos vários sistemas filosóficos. Saibam oshomens como já antes dissemos a imensa distância quesepara os ídolos da mente humana das idéias da mentedivina.[117] Aqueles, de fato, nada mais são queabstrações arbitrárias; estas, ao contrário, são asverdadeiras marcas do Criador sobre as criaturas,gravadas e determinadas sobre a matéria, através delinhas exatas e delicadas. Por conseguinte, as coisas emsi mesmas, neste gênero, são verdade e utilidade,[118]e as obras devem ser estimadas mais como garantia daverdade que pelas comodidades que propiciam à vidahumana.[119]

CXXV

Pode ser também que sejamos tachados de fazeralgo já feito antes e que mesmo os antigos seguiram jásemelhante caminho. Assim, qualquer um poderátomar como verossímil que, depois de tanta agitação eesforço, acabamos por cair em uma daquelas filosofiasinstituídas pelos antigos. Também eles partiam emsuas meditações de grande quantidade e acúmulo de

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exemplos e fatos particulares e os dispunhamseparadamente segundo os assuntos. A seguir compu-nham as suas filosofias e as suas artes e, depois deprocederam a uma verificação, enunciavam as suasopiniões, não sem antes ter acrescentado, aqui e ali,exemplos, a título de prova ou de elucidação. Todavia,consideraram supérfluo e fastidioso transcrever suasnotas de fatos particulares, apontamentos ecomentários e, dessa forma, imitaram o procedimentousado na construção: depois de terminado o edifícioforam removidos da vista as máquinas e os andaimes.Não há motivo para crer que tenham procedido deoutra forma. Mas quem não se esqueceu do quedissemos antes, facilmente responderá a essa objeção,que é, na verdade, mais um escrúpulo. A forma [120]de investigação e de descoberta própria dos antigos, esabemo-lo bem, se encontra expressa em seus escritos.E essa forma não consistia em mais que galgar de umsalto, a partir de alguns exemplos e fatos particulares(juntamente com noções comuns e talvez uma certaporção das opiniões mais aceitas), às conclusões maisgerais ou aos princípios das ciências, Depois, a partirdessas verdades tidas como imutáveis e fixas, por meiode proposições intermediárias, estabeleciam asconclusões inferiores e, a partir destas, constituíam aarte. Se, porventura, surgissem novos fatos particularese exemplos que contrariassem as suas afirmações, pormeio de distinções ou da aplicação de suas regrasencaixavam-nos em suas doutrinas ou, quando não,grosseiramente os descartavam como exceções. E ascausas dos fatos particulares, não conflitantes com osseus princípios, essas eram pertinaz e laboriosamente aeles acomodadas. Aquela experiência e aquela histórianatural não eram, pois, o que deviam ser, estavam

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antes muito longe e, ademais, esse vôo súbito aosprincípios mais gerais punha tudo a perder.

CXXVI

Ainda nos pode ser endereçado o reparo de que,sob o pretexto de admitirmos unicamente a enunciaçãode juízos e o estabelecimento de princípios certos, sódepois de se terem alcançado as verdades mais gerais,rigorosamente a partir de graus intermediários,sustentamos a suspensão do juízo e acabamos assimpor cair em uma espécie de acatalepsia. Mas, emverdade, não cogitamos e nem propomos a acatalepsia,mas a eucatalepsia,[121] pois não pretendemosabdicar dos sentidos, mas ampará-los; nem desprezaro intelecto, mas dirigi-lo. Enfim, é melhor saber-setudo o que ainda está para ser feito, supondo que não osabemos, que supor-se que bem o sabemos, e ignorartotalmente o que nos falta.

CXXVII

Ainda nos pode ser indagado, mais como dúvidaque como objeção, se intentamos, com nosso método,aperfeiçoar apenas a filosofia natural [122] ou tambémas demais ciências: a lógica, a ética e a política. Ora, oque dissemos deve ser tomado como se estendendo atodas as ciências. Do mesmo modo que a lógica vulgar,que ordena tudo segundo o silogismo, aplica-se nãosomente às ciências naturais, mas a todas as ciências,assim também a nossa lógica, que procede por indução,tudo abarca. Por isso, pretendemos constituir história etábuas de descobertas para a ira, o medo, a vergonha eassuntos semelhantes; e também para exemplos dascoisas civis e, não menos, para as operações mentais,como a memória, para a composição e a divisão,[123]

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para o juízo,[124] etc. E, ainda, para o calor, para ofrio, para a luz, vegetação e assuntos semelhantes.Porém, como o nosso método de interpretação, umavez preparada e ordenada a história, não se dirigeunicamente aos processos discursivos da mente, comoa lógica vulgar, mas à natureza de todas as coisas,tratamos de conduzir a mente de tal modo que possa seaplicar à natureza das coisas, de forma adequada acada caso particular. É por isso que na doutrina dainterpretação indicamos muitos e diversos preceitosque, de alguma forma, ajustam o método deinvestigação às qualidades e condições do assunto quese considera.

CXXVIII

Mas no que não pode pairar qualquer dúvida équanto à nossa pretensa ambição de destruir e demolira filosofia, as artes e as ciências, ora em uso. Antes pelocontrário, admitimos de bom grado o seu uso, o seucultivo e o respeito de que gozam. De modo algum nosopomos a que as artes comumente empregadascontinuem a estimular as disputas, a ornar osdiscursos, sirvam às conveniências professorais eaproveitem os reclamos da vida civil e, como asmoedas, circulem graças ao consenso dos homens.Indo mais longe, declaramos abertamente que tudo oque propomos não há de ser de muito préstimo a essetipo de usos, uma vez que não poderá ser colocado aoalcance do vulgo, a não ser pelos seus efeitos e pelasobras propiciados. São testemunho de nossa boadisposição e de nossa boa vontade, para com asciências ora aceitas, nossos escritos já publicados,especialmente os livros sobre O Progresso dasCiências.[125] Não intentamos, por isso, prová-lo

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melhor com palavras. Contudo, advertimos de modoclaro e firme que com os atuais métodos não se podelograr grandes progressos nas doutrinas e nasindagações sobre ciências, e bem por isso não sepodem esperar significativos resultados práticos.

CXXIX

Resta-nos dizer algumas palavras acerca daexcelência do fim proposto. Se as tivéssemos dito logode início, poderiam ser tomadas por simplesaspirações. Mas, uma vez que firmamos as esperançase eliminamos os iníquos prejuízos, terão certamentemais peso. Se tivéssemos conduzido e realizado tudosem invocar a participação e a ajuda de outros para anossa empresa, nesse caso, abster-nos-íamos dequaisquer palavras, para que não fossem tomadascomo proclamadoras de nossos próprios méritos. Mas,como é necessário estimular a indústria dos outroshomens, e mesmo excitar e inflamar-lhes o ânimo, é detoda conveniência fixar certos pontos em suas mentes.

Em primeiro lugar, parece-nos que a introduçãode notáveis descobertas ocupa de longe o mais altoposto entre as ações humanas. Esse foi também o juízodos antigos. Os antigos, com efeito, tributavam honrasdivinas aos inventores,[126] enquanto que concediamaos que se distinguiam em cometimentos públicos,como os fundadores de cidades e impérios, oslegisladores, os libertadores da pátria de malesrepetidos, os debeladores das tiranias, etc.,simplesmente honras de heróis. E, em verdade, a quemestabelecer entre ambas as coisas um confrontocorreto, parecerá justo o juízo daqueles temposremotos. Pois, de fato, os benefícios dos inventospodem estender-se a todo o gênero humano, e os

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benefícios civis alcançam apenas algumas comu-nidades e estes duram poucas idades, enquanto queaqueles podem durar para sempre. Por outro lado, areforma de um Estado dificilmente se cumpre semviolência e perturbação, mas os inventos trazemventuras e os seus benefícios a ninguém prejudicam ouamarguram.

Além disso, os inventos são como criações eimitações das obras divinas, como bem cantou o poeta:

Primum frugiferos foetusmortalibus aegrisDididerant quondam praestanti nominiAthenaeEt RECREAVERUNT vitam legesquerogarunt.[127]

E é digno de nota o exemplo de Salomão,eminente pelo império, pelo ouro, pela magnificênciade suas obras, pela escolta e famulagem, pela sua frota,pela imensa admiração que provocava nos homens, eque nada dessas coisas elegeu para a sua glória, e emvez disso proclamou: “A glória de Deus consiste emocultar a coisa, a glória do rei em descobri-la”. [128]

Considere-se ainda, se se quiser, quantadiferença há entre a vida humana de uma região dasmais civilizadas da Europa e uma região das maisselvagens e bárbaras da Nova Índia.[129] Ela parecerátão grande que se poderá dizer que “O homem é Deuspara o homem”,[130], não só graças ao auxílio ebenefício que ele pode prestar a outro homem, comotambém pela comparação das situações. E isso ocorrenão devido ao solo, ao clima ou à constituição física.

Vale também recordar a força, a virtude e asconseqüências das coisas descobertas, o que em nada é

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tão manifesto quanto naquelas três descobertas queeram desconhecidas dos antigos e cujas origens,embora recentes, são obscuras e inglórias.Referimo-nos à arte da imprensa, à pólvora e à agulhade marear. Efetivamente essas três descobertasmudaram o aspecto e o estado das coisas em todo omundo: a primeira nas letras, a segunda na arte militare a terceira na navegação. Daí se seguiram inúmerasmudanças e essas foram de tal ordem que não constaque nenhum império, nenhuma seita, nenhum astrotenham tido maior poder e exercido maior influênciasobre os assuntos humanos que esses três inventosmecânicos.

A esta altura, não seria imprópriodistinguirem-se três gêneros ou graus de ambição doshomens. O primeiro é o dos que aspiram ampliar seupróprio poder em sua pátria, gênero vulgar a aviltado;o segundo é o dos que ambicionam estender o poder eo domínio de sua pátria para todo o gênero humano,gênero sem dúvida mais digno, mas não menos cúpido.Mas se alguém se dispõe a instaurar e estender o podere o domínio do gênero humano sobre o universo, a suaambição (se assim pode ser chamada) seria, semdúvida, a mais sábia e a mais nobre de todas. Pois bem,o império do homem sobre as coisas se apóiaunicamente nas artes e nas ciências. A natureza não sedomina, senão obedecendo-lhe.[131]

E mais ainda: se a utilidade de um inventoparticular abalou os homens a ponto de levá-los aconsiderar mais que homem aquele que ofereceu àhumanidade inteira apenas um único beneficio, queexcelso lugar não ocupará a descoberta que vier abrircaminho a todas as demais descobertas? Contudo, e

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para dizer toda a verdade, assim como devemos dargraças à luz, mercê da qual podemos praticar as artes,ler e reconhecermo-nos uns aos outros, devemosreconhecer que a própria visão da luz é muito maisbenéfica e bela que todas as suas vantagens práticas.Assim também a contemplação das coisas tais comosão, sem superstição e impostura, sem erro ouconfusão, é em si mesma mais digna que todos osfrutos das descobertas.

Por último, se se objetar com o argumento deque as ciências e as artes se podem degradar,facilitando a maldade, a luxúria e paixões semelhantes,que ninguém se perturbe com isso, pois o mesmo podeser dito de todos os bens do mundo, da coragem, daforça, da própria luz e de tudo o mais. Que o gênerohumano recupere os seus direitos sobre a natureza,direitos que lhe competem por dotação divina.Restitua-se ao homem esse poder e seja o seu exercícioguiado por uma razão reta e pela verdadeira religião.

CXXX

Já é tempo de expor a arte de interpretar anatureza. A propósito devemos deixar claro que,embora acreditemos ai se encontrarem preceitos muitoúteis e verdadeiros, não lhe atribuímos absolutanecessidade ou perfeição. De fato, somos da opinião deque se os homens tivesssem à mão uma adequadahistória da natureza e da experiência, e a ela sededicassem cuidadosamente, e se, além disso, seimpusessem duas precauções: uma, a de renunciar àsopiniões e noções recebidas; outra, a de coibir, até omomento exato, o ímpeto próprio da mente para osprincípios mais gerais e para aqueles que se achampróximos; se assim procedessem, acabariam, pela

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própria e genuína força de suas mentes, sem nenhumartifício, por chegar à nossa forma de interpretação. Ainterpretação é, com efeito, a obra verdadeira e naturalda mente, depois de liberta de todos os obstáculos. Mascom os nossos preceitos tudo será mais rápido eseguro.

Não pretendemos que nada lhe possa seracrescentado. Ao contrário, nós, que consideramos amente não meramente pelas faculdades que lhe sãopróprias, mas na sua conexão com as coisas, devemospresumir que a arte da invenção robustecer-se-á comas próprias descobertas.

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AFORISMOS SOBRE A INTERPRETAÇÃO DANATUREZA E O REINO DO HOMEM

LIVRO II

I

Engendrar e introduzir nova natureza ou novasnaturezas [1] em um corpo [2] dado, tal é a obra e o fitodo poder humano. E a obra e o fito da ciência humanaé descobrir a forma [3] de uma natureza dada ou a suaverdadeira diferença ou natureza naturante [4] oufonte de emanação (estes são os vocábulos de quedispomos mais adequados para os fatos queapresentamos). A estas empresas primárias subordi-nam-se duas outras secundárias e de cunho inferior. Aprimeira é a transformação de corpos concretos de umem outro, nos limites do possível;[5] a segunda, adescoberta de toda geração e movimento do processolatente,[6] contínuo, a partir do agente manifesto até aforma implícita [7] e descobrir, também, oesquematismo latente [8] dos corpos quiescentes e nãoem movimento.

II

A infeliz situação em que se encontra a ciênciahumana transparece até nas manifestações do vulgo.Afirma-se corretamente que o verdadeiro saber é osaber pelas causas.[9] E, não indevidamente,estabelecem-se quatro coisas: a matéria, a forma, acausa eficiente, a causa final.[10] Destas, a causa finallonge está de fazer avançar as ciências, pois na verdade

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as corrompe; mas pode ser de interesse para as açõeshumanas.[11] A descoberta da forma tem-se comoimpossível.[12] E a causa eficiente e a causa material(tal como são investigadas e admitidas, isto é, comoremotas e sem o processo latente no sentido da forma)são perfunctórias e superficiais, em nada beneficiandoa ciência verdadeira e ativa. Não nos esquecemos,porém, de antes ter notado e procurado sanar o erro damente humana que consiste em atribuir à forma oafirmado da essência.[13] Ainda que na natureza, defato, nada mais exista que corpos individuais queproduzem atos puros individuais, segundo uma lei, naciência é essa mesma lei, bem assim a sua investigação,na descoberta e explicação, que se constitui nofundamento para o saber e para a prática. Pelo nomede forma entendemos essa lei e seus parágrafos,[14]mormente porque tal vocábulo é de uso comum e setornou familiar.

III

Quem conhece a causa de alguma natureza(como a da brancura ou do calor), somente emdeterminados sujeitos, possui uma ciência imperfeita,que pode produzir um efeito em apenas determinadasmatérias (entre as que são suscetíveis), esse possuiigualmente um poder imperfeito. E quem conheceapenas a causa eficiente e a causa material (que sãocausas instáveis e não mais que veículos que em certoscasos provocam a forma), esse pode chegar a novasdescobertas em matéria algo semelhante e para issopreparada, mas não conseguir mudar os limites maisprofundos e estáveis das coisas. Mas o que conhece asformas abarca a unidade da natureza nas suas maisdissímeis matérias e, em vista disso, pode descobrir e

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provocar o que até agora não se produziu, nem pelasvicissitudes naturais, nem pela atividade experimental,nem pelo próprio acaso e nem sequer chegou a sercogitado pela mente humana. Assim é que dadescoberta das formas resultam a verdade nainvestigação e a liberdade na operação.

IV

Ainda que as vias que levam ao humano poder eà humana ciência estejam muito ligadas e sejam quasecoincidentes, apesar do pernicioso e inveterado hábitode se propender para as abstrações, é muito maisseguro urdir e derivar as ciências dos mesmosfundamentos apropriados para o lado prático e deixarque esta designe e determine o lado contemplativo. Emvista disso, para se gerar ou introduzir em um corpodado uma certa natureza, é necessário se consideredevidamente o preceito ou direção ou dedução quedeve ser escolhido, e isso deve ser feito em termosclaros e não abstrusos.

Por exemplo, se alguém se propõe a dotar aprata da cor amarela do ouro ou aumentar-lhe o peso(observando as leis da matéria) ou tornar transparenteuma pedra não transparente, ou dar resistência aovidro, ou vegetação a um corpo não vegetal, deveaveriguar a regra ou a dedução mais conveniente para ocaso. Com tal propósito, em primeiro lugar, estará, semdúvida, interessado em um procedimento que nãofrustre a empresa, nem leve ao malogro o experimento.Em segundo lugar, estará igualmente interessado emum procedimento que não o constranja nem o force aouso de certos meios e modos particulares de proceder.Pois pode ocorrer que não disponha de tais meios ounão tenha possibilidade ou condições de consegui-los.

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E se há outros meios ou modos para reproduzir anatureza desejada (além daqueles preceitos), elespoderiam estar ao alcance do operador. E este poderia,pela rigidez dos preceitos, anular os resultados. Emterceiro lugar, desejará que lhe seja indicado algo quenão seja tão difícil quanto a própria operaçãoinvestigada, mas que seja mais próximo da prática.

A regra verdadeira e perfeita para o operar podeser assim enunciada: que seja certa, livre epredisposta ou que esteja ordenada para a ação.[15]O mesmo deve ser levado em conta para a descobertada forma. Pois a forma de uma natureza dada é tal que,uma vez estabelecida, infalivelmente se segue anatureza. Está presente sempre que essa naturezatambém o esteja, universalmente a afirma e éconstantemente inerente a ela. E essa mesma forma éde tal ordem que, se se afasta, a naturezainfalivelmente se desvanece; que sempre que estáausente está ausente a natureza, quando totalmente anega, por só nela estar presente. Finalmente, averdadeira forma é tal que deduz a natureza de algumprincípio de essência [16] que é inerente a muitasnaturezas e é mais conhecido (como se diz) na ordemnatural que a própria forma.[17] Por conseguinte, oenunciado e a regra do verdadeiro e perfeito axioma dosaber: que se descubra outra natureza que sejaconversível à natureza dada e que ainda seja alimitação de uma natureza mais geral, à maneira deum verdadeiro gênero.[18] Estes dois enunciados, umativo e outro contemplativo, são a mesma coisa, pois oque é mais útil na prática é mais verdadeiro nosaber.[19]

V

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A regra [20] ou axioma para a transformaçãodos corpos é de duas espécies. A primeira considera ocorpo como um conjunto ou conjugação de naturezassimples. Veja-se, no ouro estão reunidas as seguintescaracterísticas: ser amarelo, ter um determinado peso,ser maleável e dúctil até determinado limite, não servolátil ou perder a sua quantidade sob a ação do fogo,liquefazer-se com determinada fluidez, separar-se esolver-se por determinados meios, e outras naturezassemelhantes que se encontram no ouro. Desse modo,tal axioma deduz a coisa das formas das naturezassimples. Quem conhecer as formas e os modos de seintroduzir o amarelo, o peso, a ductilidade, a fixidez, afluidez, a solução, etc., e suas graduações e modos,saberá como proceder para conjugar em um únicocorpo essas qualidades, para conduzi-las àtransformação em ouro.[21] Essa espécie de operaçãopertence à ação primária. Pois o método de se produziruma única natureza simples é o mesmo que o demuitas; apenas o homem se sente mais limitado etolhido nas suas operações, quando se trata de várias,em vista da dificuldade de coordenar essas naturezasque não se unem tão facilmente, como pelas trilhasordinárias do mundo natural. Contudo, deve serlembrado que tal método de operar [22] que distingueas naturezas é constante, eterno e universal, e abreamplas vias ao poder humano, e isso a um ponto talque, no estado atual das coisas, a mente humana podesequer cogitar ou representar.

A segunda espécie de axiomas (a que dependeda descoberta do processo latente) [23] não procededas naturezas simples, mas dos corpos concretos, talcomo se encontram na natureza em seu curso ordi-nário. Por exemplo, se se trata de investigar, a partir de

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sua origem, o modo e o processo de formação do ouroou de qualquer outro metal ou a pedra, a partir de seusprimeiros mênstruos [24] ou de seus rudimentos até oestado acabado de mineral; ou apreender o processopelo qual se gera a erva, a partir das primeirasconcreções do suco na terra ou a partir da semente atéa planta formada, acompanhando toda a sucessão demovimentos e todos os diversos e continuados esforçosda natureza; igualmente, investigar a geração dosanimais, discernindo a partir do coito até o parto. Eproceder da mesma forma em relação aos demaiscorpos.

Mas, na verdade, essa investigação não serestringe à geração dos corpos, mas se estende aosoutros movimentos e operações da natureza. Assim,por exemplo, se se trata de investigar a série completa econtínua da ação da nutrição, a partir da ingestãoinicial do alimento até a sua perfeita assimilação; ou omovimento involuntário dos animais, a partir daprimeira impressão da imaginação e dos continuadosesforços do espírito [25] até as flexões e movimentosdos membros; ou os distintos movimentos da língua,dos lábios e dos demais instrumentos até a emissão devozes articuladas, tudo isso, com efeito, tambémrespeita às naturezas concretas ou coligadas e conju-gadas. Estas podem ser consideradas como modos deser habituais, particulares e especiais da natureza e nãocomo leis fundamentais e comuns que constituem asformas. Não obstante, deve-se reconhecer que estesegundo procedimento é mais expedito, maisdisponível e oferece mais esperanças que o primeiro.

E da mesma forma, a parte operativa, quecorresponde a esta especulativa, estende e promove a

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operação, a partir do que ordinariamente se descobrena natureza, indo para as mais próximas, até as que senão distanciam muito destas. Mas as operações maisprofundas e mais radicais na natureza dependemsempre dos primeiros axiomas. Em vista disso, ondenão é dada ao homem a faculdade de operar, masapenas de saber, como em relação às coisas celestes —pois não é possível ao homem agir sobre as coisascelestes, para mudá-las ou transformá-las —, ainvestigação do próprio fato ou da verdade da coisa,bem como o conhecimento das causas e dos consensos,refere-se tão somente àqueles axiomas primários euniversais,[26] relativos às naturezas simples (como osrelacionados à natureza da rotação espontânea, daatração ou virtude magnética e de muitas outras coisas,ainda mais comuns que os próprios corpos celestes). Eque ninguém espere resolver a questão de que se omovimento diurno é da terra ou do céu antes de havercompreendido a natureza da rotação espontânea.

VI

O processo latente de que falamos está longedaquilo que pode ocorrer à mente dos homens, com aspreocupações a que ora se entregam. Não oentendemos, de fato, como medidas, ou signos ouescalas dos processos visíveis dos corpos, mas comoum processo continuado, que na maior parte escapaaos sentidos.

Por exemplo, em toda geração ou transformaçãode corpos, e necessário investigar o que se perde evolatiliza; o que permanece ou se acrescenta; o que sedilata e o que se contrai; o que se une e o que se separa;o que continua e o que se divide; o que impele e o queretarda; o que domina e o que sucumbe; e muitas

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outras coisas.E essa investigação não se deve limitar à geração

e às transformações dos corpos, mas deve estender-se,igualmente, ao que antecede e ao que sucede; ao que émais veloz e ao que é mais lento; ao que produz e aoque regula o movimento; e assim por diante. Todasessas coisas são desconhecidas e deixadas intactaspelas ciências, de textura grosseira e inábil,[27] comoas que se professam. De vez que toda ação natural secumpre em mínimos graus,[28] ou pelo menos emproporções que não chegam a ferir os sentidos,ninguém poderá governar ou transformar a naturezaantes de havê-lo devidamente notado e compreendido.

VII

A investigação e a descoberta do esquematismolatente [29] é igualmente coisa nova, à semelhança dadescoberta do processo latente e da forma. Ainda nosencontramos nos átrios da natureza e não estamospreparados para adentrar-lhe os íntimos recessos. Enenhum corpo pode ser dotado de uma nova natureza,ou ser transformado, com acerto e sucesso, em outrocorpo, sem um completo conhecimento do corpo que sequer alterar ou transformar. Sem o que, acabarãosendo usados procedimentos vãos, ou pelo menosdifíceis e penosos e impróprios para a natureza docorpo em que se opera. Daí ser necessária a nova via,adequadamente provida.

Na anatomia dos corpos orgânicos (como os dohomem e dos animais) foram adotados procedimentosbastante acertados e fecundos; trata-se de tarefadelicada e que efetua um ótimo escrutínio da natureza.Mas esse gênero de anatomia dependendo do visível edos sentidos, em geral, só vige para os corpos

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orgânicos. E isso é, aliás, algo óbvio e pronto, emcomparação com a verdadeira anatomia doesquematismo latente dos corpos tidos por similares,especialmente das coisas específicas e de suas partes,como o ferro e a pedra, nas partes similares da planta edo animal, como a raiz, a folha, a flor, a carne, osangue, o osso, etc. E é de se notar que mesmo nessegênero não se interrompeu a indústria humana. Assimo indica a separação dos corpos similares peladestilação, bem como outros modos de separação, queprocuram fazer aparecer a dessemelhança interna,congregando as partes homogêneas, e isso que é usualatende também ao que buscamos; conquanto seja algofalaz, uma vez que muitas naturezas são imputadas eatribuídas à separação, como se antes existissem nocomposto, na verdade foram estabelecidas esuperinduzidas recentemente [30] pelo fogo, e pelocalor e por outros métodos de separação. Mas,ademais, esta é uma pequena parte do trabalho dedescoberta do verdadeiro esquematismo do composto,uma vez que o esquematismo é algo tão sutil e precisoque a ação do fogo mais confunde que elucida.

Em vista disso, a separação e solução dos corposnão devem ser feitas pelo fogo, mas pela razão e pelaverdadeira indução, com auxílio de experimentos; epor meio da comparação com outros corpos e pelaredução a naturezas simples e a suas formas que sejuntam e combinam no composto.[31] Enfim, deve-sedeixar Vulcano por Minerva, se se almeja trazer à luz asverdadeiras contexturas dos corpos e os seusesquematismos, de que dependem todas aspropriedades ocultas e, como se costumam chamar,propriedades e virtudes específicas das coisas e donde,também, se retiram as normas capazes de conduzir a

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qualquer alteração ou transformação.Por exemplo, é de se investigar o que em todo

corpo corresponde ao espírito [32] e o que correspondeà essência tangível; e se esse mesmo espírito é copiosoe túrgido ou jejuno e parco; se é tênue ou espesso; semais próximo do ar ou do fogo; se é ativo ou apático; seé delgado ou robusto; se em progresso ou em regresso;se é partido ou continuo; se concorde com as coisasexteriores e com o ambiente ou em desacordo, etc. Omesmo deve ser feito em relação à essência tangível(que não é menos passível de diferenciações que oespírito), e seus pêlos, fibras e sua múltipla contextura,bem como a colocação do espírito na substância docorpo e seus poros, condutos, veias e células, e osrudimentos ou tentativas de corpo orgânico. Tudo issofaz parte da mesma investigação. Mas mesmo aqui,como em toda investigação do esquematismo latente, aluz verdadeira e clara, que desfaz toda obscuridade esutileza, só pode provir dos axiomas primários.

VIII

E nem por isso se deve recorrer aos átomos quepressupõem o vazio[33] e matéria estável [34] (ambosfalsos), mas às partículas verdadeiras,[35] tal como seencontram. Tal sutileza, tampouco, é de causarespanto, como se fosse inexplicável. Ao contrário,quanto mais a investigação se dirige às naturezassimples tanto mais se aplainam e se tornamperspicazes as coisas, passando o objeto do multípliceao simples, do incomensurável ao comensurável, doinsensível ao calculável, do infinito e vago ao definido ecerto, como ocorre com as letras do alfabeto e com asnotas da música. Todavia, a investigação natural seorienta da melhor forma quando a física é rematada

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com auxílio da matemática.[36] E então, que ninguémse espante com as multiplicações e com osfracionamentos, pois, quando se trata com números,tanto faz colocar ou pensar em mil ou em um, ou namilésima parte ou no inteiro.

IX

Das duas espécies de axiomas [37] antesestabelecidas [38] origina-se a verdadeira divisão dafilosofia e das ciências, devendo-se, bem entendido,ajustar vocábulos comumente aceitos (os maisapropriados para indicar o que pretendemos) aosentido que lhes emprestamos.

Assim, a investigação das formas que são (peloseu princípio e lei)[39] eternas e imóveis constitui aMetafísica.[40] A investigação da causa eficiente, damatéria, do processo latente e do esquematismolatente (que dizem respeito ao curso comum eordinário da natureza, não a leis fundamentais eeternas) constitui a Física. E a elas subordinam-seduas divisões práticas: à Física, a Mecânica; àMetafísica, a Magia (depois de purificado o nome), emvista das amplas vias que abrem e do maior domíniosobre a natureza que propiciam.

X

Uma vez estabelecido o escopo da ciência,passamos aos preceitos e na ordem menos sinuosa eobscura possível. E as indicações acerca dainterpretação da natureza compreendem duas partesgerais: a primeira, que consiste em estabelecer e fazersurgir os axiomas da experiência; a segunda, emdeduzir e derivar experimentos novos dos axiomas.[41]A primeira parte divide-se em três administrações,[42]

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a saber, administração dos sentidos, administração damemória e administração da mente ou da razão.[43]

Em primeiro lugar, com efeito, deve-se prepararuma História Natural e Experimental que sejasuficiente e correta (exata), pois é o fundamento detudo o mais. E não se deve inventar ou imaginar o quea natureza faz ou produz, mas descobri-lo.

Mas na verdade, a história natural eexperimental é tão vária e ampla que confunde edispersa o intelecto, se não for estatuída e organizadasegundo uma ordem adequada. Por isso devem serpreparadas as tábuas e coordenações deinstâncias,[44] dispostas de tal modo que o intelectocom elas possa operar.

Mas, mesmo assim procedendo, o intelectoabandonado a si mesmo e ao seu movimentoespontâneo é incompetente e inábil para a construçãodos axiomas, se não for orientado e amparado. Daí, emterceiro lugar, deve ser adotada a verdadeira e legítimaindução, que é a própria chave da interpretação.Contudo, devemos começar pelo fim e depoisretroceder em direção ao resto.[45]

XI

A investigação das formas assim procede: sobreuma natureza dada deve-se em primeiro lugar fazeruma citação perante o intelecto [46] de todas asinstâncias conhecidas que concordam com uma mesmanatureza, mesmo que se encontrem em matériasdessemelhantes.[47] E essa coleção deve ser feitahistoricamente,[48] sem especulações prematuras ouqualquer requinte demasiado. Como exemplo,imagine-se uma investigação sobre a forma do

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calor:[49]Instâncias conformes (convenientes) na

natureza do calor [50]1. Os raios do sol, sobretudo no verão e ao

meio-dia.2. Os raios do sol refletidos e condensados,

como entre montes ou por muros e sobretudo sobreespelhos.

3. Meteoros ígneos.4. Raios flamejantes.5. Erupções de chamas das crateras dos montes,

etc.6. Chamas de todas as espécies.7. Sólidos em combustão.8. Banhos quentes naturais.9. Líquidos ferventes ou aquecidos.10. Vapores e fumaças quentes, e o próprio ar

que adquire um calor fortíssimo e violento, quandofechado, como nas fornalhas.

11. Certos períodos de seca causados pelaprópria constituição do ar, fora de estação.

12. O ar fechado e encerrado em certas cavernas,sobretudo no inverno.

13. Todos os corpos cobertos por pêlos, como alã, os pêlos dos animais, a plumagem, têm semprealguma tepidez.

14. Todos os corpos sólidos, líquidos, densos ourarefeitos (como o próprio ar) aproximados por algumtempo do fogo.

15. As faíscas produzidas por fortes impactos dapedra ou do aço.

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16. Todo corpo que tenha um forte atrito, como apedra, a madeira, o pano, etc; como os lemes ou oseixos das rodas que às vezes provocam chamas, oucomo costumam fazer fogo os índios ocidentais, poratrito.

17. As ervas verdes e úmidas, juntadas eamassadas, como as rosas, comprimidas nos cestos;como o feno que, guardado úmido, às vezes produzfogo.

18. O ferro pode começar a dissolver com águaforte (ácido) em recipiente de vidro sem uso do fogo; emesmo o estanho sob as mesmas condições, masmenos intensamente.

19. A cal viva, aspergida com água.20. Os animais, especialmente nas partes

internas, ainda que o calor dos insetos, pela suapequenez, não seja percebido pelo tato.

21. O esterco do cavalo e semelhantesexcrementos recentes de animais.

22. O óleo forte do enxofre e do vitríoloproduzem o efeito do calor, queimando linho.

23. O óleo de orégão, e outros semelhantes,produz os efeitos do calor, queimando a parte ósseados dentes.

24. O espírito do vinho forte e bem retificadoproduz os efeitos do calor, e isso a tal ponto que, se lhejogar uma clara de ovo, esta endurece e se tornabranca, quase como que ocorre com o ovo cozido, etambém o fato, que fica ressecado e com crosta, comoquando é tostado.

25. Os aromas e as ervas quentes como oestragão, o mastruz velho, etc., ainda que na mão não

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pareçam quentes, nem inteiros ou em pó, mas quandomastigados são quentes e parecem queimar à língua eao paladar.

26. O vinagre forte e todos os ácidos, aplicados apartes sem pele, como o olho, a língua, ou sobre umaparte ferida, produzem uma dor não muito diferente daproduzida pelo calor.

27. Mesmo o frio quando agudo e intensoproduz sensação de queimadura.[51]

28. Outras instâncias.A esta chamamos de Tábua de essência e de

presença.

XII

Em segundo lugar, deve-se fazer uma citaçãoperante o intelecto, das instâncias privadas da naturezadada, uma vez que a forma, como já foi dito, deve estarausente quando está ausente a natureza, bem comoestar presente quando a natureza está presente.[52]

Contudo, se se fosse examinar todas asinstâncias, a investigação iria ao infinito.

Por isso, é necessário que se limite orecolhimento das instâncias negativas emcorrespondência com as positivas e considerem-se asprivações apenas naqueles objetos muito semelhantes aaqueles em que elas estão presentes e sãomanifestas.[53] E a esta resolvemos chamar de Tábuade desvio (ou declinação) ou de ausência emfenômenos próximos.[54]

Instâncias em fenômenos próximos,privados da natureza do calor. [55]

Primeira instância negativa oposta à primeira

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instância afirmativa.1. Os raios da lua, das estrelas e dos cometas não

trazem calor ao tato, mas, ao contrário, é no plenilúnioque se observam os frios mais rigorosos. Todavia,acredita-se que quando há conjunção entre o sol e asestrelas fixas maiores, ou quando delas está próximo,há aumento do calor solar; é o que ocorre quando o solestá no signo de Leão e nos dias de canícula.[56]

2. (Oposta à segunda afirmativa.) Os raiossolares na chamada região intermediária nãoproduzem calor; para o que o vulgo dá uma razão nãode todo má: esta região não está nem próxima do sol,donde vêm os raios, nem da terra, que os reflete. É oque se observa nos picos das montanhas (a não serquando muito altos), onde se encontram neves eternas.Por outro lado, observou-se que no pico de Tenerife,bem como nas cumieiras dos Andes do Peru, os cumesnão apresentam neve, que se fixa nas partes maisbaixas. Fala-se ainda que no vértice desses montes o arnão é frio, mas rarefeito e penetrante, e isso a tal pontoque, nos Andes, magoa e ofende os olhos, pela suaintensidade, e irrita a boca do estômago e provocavômitos. Foi notado pelos antigos que no vértice doOlimpo era tal a tenuidade do ar que obrigava aos queo escalavam a levarem esponjas embebidas em água evinagre, para aplicação na boca e no nariz, por não sero ar suficiente à respiração.[57] Relatam, ainda,aqueles que era tal a serenidade e tranqüilidade do ar eausência de chuvas, neves e ventos,[58] que as letrasescritas com o dedo nas cinzas, sobre o altar de Júpiter,pelos fautores de sacrifícios, duravam todo um ano,sem se alterarem. E ainda hoje os que sobem aos cimosdo pico de Tenerife caminham à noite e não à luz do

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dia; e ao surgir do sol os guias os apressam a descerrapidamente, ante o perigo (segundo parece) de que ararefação sufoque e dissolva o espírito.

3. (Oposta à segunda afirmativa.) A reflexão dosraios do sol nas regiões próximas dos círculos polares émuito fraca e ineficaz em calor, e os belgas queinvernaram na Nova Zembla [59] esperando aliberação e o desencalhe de sua nave dos gelos (que aaprisionavam), no início do mês de julho, viramfrustradas as suas esperanças e tiveram que recorrer abotes. Assim os raios do sol diretos parecem de poucopoder, mesmo sobre terreno plano; nem também osseus reflexos, a não ser quando são multiplicados ereunidos, o que ocorre quando o sol bateperpendicularmente, pois, em tal caso, os ângulosformados pelos raios incidentes são mais agudos, eassim as linhas dos raios ficam mais próximas entre si.E de outro lado, nas posições muito oblíquas do sol, osângulos são muito obtusos e por isso as linhas dosraios estão mais distantes entre si. Mas deve ser notadoque muitas podem ser as operações dos raios do sol,com respeito ao problema da natureza do calor, quenão estão ao alcance do nosso tato, e, mesmo assim,afetam outros corpos.

4. Faça-se o seguinte experimento:[60] Tome-seuma lente,[61] feita de forma contrária aos espelhos eseja ela colocada entre as mãos e os raios do sol.Observe-se que nessa posição o calor do sol édiminuído, da mesma forma que o espelho o aumenta eintensifica. Pois é manifesto que os raios ópticos, emum espelho que apresenta diferença de espessura entreo centro e as partes laterais, oferecem imagens [62]mais difusas ou concentradas. O mesmo deve ocorrer

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em relação ao calor.5. Faça-se cuidadosamente o experimento de se

os raios da lua, passando por espelhos ustóriosbastante fortes e bem constituídos, podem produziralgum grande calor, mesmo que diminuto. Mas comoessa grande tepidez é de tal forma sutil e fraca a pontode não ser percebida pelo tato, seria necessário recorreràqueles vidros que indicam o estado frio ou quente doar,[63] de modo que os raios da lua, caindo em umespelho ustório, fossem refletidos sobre a superfície dovidro, para se verificar a ocorrência do abaixamento donível da água, devido ao calor.

6. (À segunda instância.) Experimente-secolocar um vidro ustório sobre um corpo quente quenão seja nem radiante, nem luminoso, como o ferro oua pedra aquecidos, mas não em ignição, ou água fer-vente e coisas semelhantes, e observe-se se ocorre umaumento ou intensificação do calor, como nos raios dosol.[64]

7. (À segunda instância.) Experimente-se aindacolocar um espelho ustório sobre a chama comum.

8. (Em oposição à terceira instância.)[65] Nãose pode deixar de observar o constante e manifestoefeito dos cometas (se se reconhece como estandocompreendidos entre os meteoros)[66] no aumento docalor na época de sua oposição, embora tenha sidonotado que em seguida surge um período de seca.Contudo, as traves [67] ou colunas luminosas e asaberturas do céu [68] e fenômenos semelhantesparecem mais freqüentes no inverno que no verão eespecialmente em épocas de intensos frios,acompanhados de seca. Mas os raios, os relâmpagos eos trovões dificilmente ocorrem no inverno, mas na

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época dos grandes calores. As chamadas estrelascadentes supõe-se vulgarmente constituídas de umamatéria viscosa, resplandecente e acesa, em lugar dequalquer outra matéria ígnea mais consistente. Masisso deve ser verificado posteriormente.

9. (Oposição à quarta instância.) Há certascoruscações que produzem luz, mas não queimam. Eocorrem sempre sem (troar) trovão.

10. (Em oposição à quinta instância.) As ejeçõese erupções de chamas ocorrem tanto nas regiões friascomo nas quentes, como na Islândia e Groenlândia. Poroutro lado, as árvores das regiões frias são maisinflamáveis, mais resinosas e de mais pez que as dasregiões cálidas, como é o caso do abeto, pinho e outras.Mas não se investigou satisfatoriamente em quelugares e em que natureza de solo costumam ocorreressas erupções, para que possamos opor a negativa àafirmativa.

11. (Em oposição à sexta instância.) Toda chamaé sempre mais ou menos quente, não havendo assiminstância negativa a se lhe opor; mas fala-se que ochamado fogo-fátuo que às vezes é observado nasparedes não tem muito calor, assim também a chamado espírito do vinho que é clemente e suave. Mas aindamais suave parece ser a chama que, conforme certashistórias fidedignas e sérias, apareceu em torno dacabeça de meninos e meninas e que, sem queimar,apenas circulava à sua volta.[69] De qualquer forma, éabsolutamente certo que, em volta do cavalo que sua,durante viagens noturnas e em épocas de seca, aparececerta fulguração, sem calor manifesto. Há pouco tempoficou famoso, e quase tomado como milagre, o fato dopeito de uma menina, depois de algum movimento e

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fricção ter emitido faíscas. Isso talvez tenha acontecidodevido ao alúmen ou aos sais com que se tinha tingidoa veste e que acabaram colados e incrustados,formando assim uma espécie de copa, que se abriu.Também é igualmente certo que todo açúcar, tanto orefinado quanto o natural, quando se encontraendurecido e é quebrado ou raspado no escuro, produzfulgor.

Da mesma forma, a água marinha e salgada, ànoite, fortemente esbatida pelos remos, pode fulgurar.E também, durante as tempestades, a espuma do mar,fortemente agitada, produz fulgor (fachos) e a que osespanhóis costumam chamar de pulmão marinho.Nem foi adequadamente investigada aquela chama queos antigos navegantes chamavam por Castor e Pollux eos modernos designam por fogo de Santelmo.[70]

12. (Em oposição à sétima instância.) Todocorpo (ígneo) incandescente que tenha o rubor do fogo,mesmo sem chama, é em qualquer caso quente, e paratal instância afirmativa não há correspondentenegativa. Mas o que parece mais se aproximar dessefato é o da madeira podre, que resplandece à noite enão parece conter calor. As escamas dos peixes emputrefação também resplandecem à noite e nãoapresentam calor ao tato. Da mesma forma, o corpo dovaga-lume ou mosca chamada Lucíola não oferece calorao tato.

13. (Em oposição à oitava instância.) Não foiadequadamente investigado o lugar de origem e anatureza do solo donde emanam as águas termais e porisso não se lhes contrapõe instância negativa.

14. (Em oposição à nona instância.) Aos líquidosferventes contrapõe-se a instância negativa da peculiar

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negativa dos líquidos em geral. Pois não se encontra nanatureza que seja em si mesmo quente e assimpermaneça. Ao contrário, o calor ocorre por tempodeterminado, como natureza que lhe é acrescentada.Assim é que os líquidos que no seu poder e nos seusefeitos são muito quentes, como o espírito do vinho, osóleos químicos aromáticos, e ainda os óleos do vitríoloe do enxofre e outros mais, que queimam após certotempo, são frios ao primeiro contato. E a água termal,colocada em um recipiente e longe de sua origem,perde a efervescência, como a água levada ao fogo. Deoutro lado, é verdade que os corpos oleosos parecem aotato menos frios que os aquosos; da mesma forma oóleo menos que a água, a seda menos que o linho. Masisso de fato pertence à Tábua de Graus do Frio.

15. (Em oposição à décima instância.) Deidêntica maneira, ao vapor quente opõe-se a instâncianegativa derivada da própria natureza do vapor, talcomo é comumente encontrado. As exalações doscorpos oleaginosos, mesmo sendo facilmenteinflamáveis, não são quentes, quando não são exalaçõesrecentes de um corpo quente.

16. (Em oposição à décima primeira instância.)De idêntica maneira, ao ar quente se opõe a instâncianegativa derivada da própria natureza do ar. Nãoencontramos entre nós ar quente, a não ser quandoencerrado, submetido à fricção ou aquecido pelo sol,pelo fogo ou por qualquer outro corpo quente.

17. (Em oposição à décima primeira instância.)A instância negativa das estações frias é oposta maisdevido aos outros períodos do ano, como acontecequando sopram Euro ou Bóreas.[71] O contrárioacontece quando sopra o Austro ou o Zéfiro.[72] Mas

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uma tendência para a chuva, especialmente no inverno,vem acompanhada de temperaturas tépidas, e o gelo,de temperaturas frias.

18. (Em oposição à décima segunda instância.)Contrapõe-se a instância negativa do ar confinado nascavernas no verão. E a respeito desse ar confinado énecessária uma cuidadosa investigação. Em primeirolugar, há dúvidas, não sem motivo, a respeito danatureza do ar relacionado ao frio e ao calor. Pois o armanifestamente recebe o calor dos corpos celestes; ofrio, ao contrário, talvez por exalação da terra, e nachamada região intermediária dos vapores das neves.Dessa forma, não se pode estabelecer um juízo sobre anatureza do ar através do ar a céu descoberto e exposto,mas é possível um juízo mais seguro a respeito do arconfinado. Mas é necessário que o ar seja colocado emum recipiente de material de tal ordem que não venhaa impregná-lo de calor ou frio de sua própria naturezae também que não receba influência do ar exterior.Faça-se, pois, o experimento com um recipiente deargila, revestido várias vezes com couro para protegê-lodo ar exterior e mantenha-se bem fechado por três ouquatro dias. Uma vez aberto o recipiente, verificar-se-áa temperatura com a mão e com o vidro graduado.[73]

19. (Em oposição à décima terceira instância.)Subsiste igualmente a dúvida a respeito da tepidez dalã das peles, das plumas e coisas semelhantes; se éresultante de algum débil calor que lhe é imanente,devido à sua origem animal ou da matéria graxa eoleaginosa que por sua própria natureza é afim ao calorou simplesmente do ar fechado e separado, jámencionado no parágrafo anterior, O ar separado do arexterno parece guardar algum calor. Para tanto, faça-se

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experimentar com material fibroso de linho, em vez dalã ou pluma ou seda que são de origem animal. Deveainda ser observado que todos os pós (manifestamentemisturados ao ar) são menos frios que os corposíntegros de que provêm. Pelo mesmo motivo,acreditamos que toda espuma (como tudo que contémar) seja menos fria que o liquido que lhe deu origem.

20. (Em oposição à décima quarta instância.)Não há instância negativa a se lhe opor. Com efeito,não se encontra entre nós nenhuma coisa tangível ougasosa que aproximada do fogo não adquira calor.Contudo, mesmo aí, é necessário distinguir-se entrecoisas que adquirem calor mais rapidamente, como oar, o azeite e a água, e outras mais lentamente, como apedra e os metais. Mas esses fatos pertencem à Tábuade Grau.

21. (Em oposição à décima quinta instância.) Aesta instância não se opõe qualquer outra negativa,exceção feita da observação de que não se conseguemcintilações (ou fagulhas) do sílex ou do aço ou de outrasubstância dura, a não ser com a fragmentação depequenas partículas dessa substância, seja pedra oumetal. Também o ar não pode produzir cintilações pelosimples atrito, como julga o vulgo. Dessa forma, essascintilações, devido ao peso do corpo em ignição,tendem mais para baixo que para cima, e, depois deextintas, resultam numa espécie de grãos de fuligem.

22. (Em oposição à décima sexta instância.)Pensamos não haver negativa a ser oposta a essainstância. Não há entre nós corpo tangível (oupalpável) que manifestamente não se aqueça peloatrito. Tanto que os antigos imaginaram que os corposcelestes não tinham outro caminho ou possibilidade de

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aquecimento que o atrito do ar provocado pela suarápida rotação.[74] Neste assunto deve ainda serinvestigado se os corpos arruinados por máquinas,como as balas dos canhões, pela própria percussãocontraem algum grau de calor, que depois de caídasainda conservam, O ar agitado antes se resfria queaquece, como se observa nos ventos, com o fole e com osopro forte da boca. Mas tais movimentos não sãosuficientemente rápidos a ponto de provocarem calor etrata-se de movimentos do todo e não partículas, daínão ser de estranhar por não haver ocorrência de calor.

23. (Em oposição à décima sétima instância.) Arespeito desta instância, é necessária uma investigaçãomais acurada. Com efeito, tudo indica que as ervas e osvegetais verdes e úmidos encerram uma espécie decalor oculto. Mas é algo tão tênue que em nenhumaplanta isolada é perceptível ao tato, mas só depois dereunidas e fechadas, e de tal forma que as suasexalações não se comuniquem com o ar exterior, masse misturem entre si, é que surge um calor perceptívele às vezes flamas, se a matéria a tanto se presta.

24. (Em oposição à décima oitava instância.)Também a respeito desta instância é necessária umainvestigação mais acurada. De fato, parece que a calviva, quando aspergida de água, produz calor, ou pelaconcentração do calor que antes estava disperso (talcomo se diz ocorrer com as ervas abafadas) ou pelairritação ou exasperação do espírito do fogo, emcontato com a água, que provoca uma espécie deconflito e antiperístase.[75] Para se saber qual das duasé a verdadeira causa, basta colocar-se óleo no lugar daágua. O óleo vale tanto quanto a água para concentrar oespírito encerrado, mas não para irritá-lo. E o

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experimento deve ser ampliado às cinzas e aos resíduosde diversos corpos e fazendo-se uso de vários líquidos.

25. (Em oposição à décima nona instância.) Aesta instância se opõe a negativa de alguns metais quesão mais moles e instáveis. Assim, as lâminas de ourodissolvidas pela água-régia [76] não provocamqualquer calor ao tato quando dessa operação, omesmo se dando com o chumbo quando dissolvido emágua-forte [77] e, pelo que recordamos, também com omercúrio. Mas a prata provoca algum calor e também ocobre, pelo que me lembro, e ainda de forma maismanifesta o estanho, e os que vão mais longe são oferro e o aço, que não só produzem um forte calor ao sedissolverem como também uma violenta ebulição.Dessa forma, tudo parece indicar que o calor se produzpelo conflito, graças ao qual a água forte penetra, fundee desprende as suas partículas, enquanto o corpo, porseu turno, resiste. Mas, quando os corpos cedem comfacilidade, a custo se produz o calor.

26. (Em oposição à vigésima instância.) Não sepodem opor instâncias negativas ao calor dos animais enem tampouco ao dos insetos em vista das reduzidasdimensões de seus corpos, como antes já foi dito.[78]Com efeito, os peixes, comparados com animaisterrestres, apresentam algum grau de calor, em lugarde sua absoluta ausência. Nos vegetais e nas plantasnão se observa qualquer grau de calor perceptível aotato, o mesmo acontecendo em relação às suas resinas eà sua medula recentemente aberta. Todavia, nosanimais observa-se uma grande variedade de calor,tanto em suas partes (de fato, não é o mesmo o calor docoração, o do cérebro e o das partes externas do corpo)quanto em seus estados acidentais, como nos exercícios

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veementes ou nas febres.27. (Em oposição à vigésima primeira

instância.) A esta instância é muito difícil opor-se umanegativa. Pois mesmo os excrementos animais nãorecentes têm manifestamente um calor potencial, comopode ser verificado pelo untamento do solo.

28. (Em oposição à vigésima segunda e vigésimaterceira instâncias.) Os líquidos (chamem-se águas ouóleos) que têm grande e intensa acidez operam com ocalor na fragmentação dos corpos e queimam-nosdepois de algum tempo. Mas em princípio não sãoquentes quando em contato com a mão. Agem poranalogia [79] e segundo a porosidade dos corpos comos quais se unem. De fato, a água-régia dissolve o ouro,mas não a prata; por outro lado, a água-forte dissolve aprata, mas não o ouro. E nem um nem outro dissolve ovidro. O mesmo acontecendo com os demais.

29. (Em oposição à vigésima quarta instância.)Faça-se experimento com o espírito do vinho sobremadeira, ou sobre manteiga, cera ou peixe, paraverificar se o seu calor os liquefaz e até que ponto. Defato, a instância vinte e nove mostra que este espíritotem um poder análogo ao do calor, em relação àsincrustações. Por isso deve ser feito o mesmoexperimento para a liquefação. Proceda-se tambémcom o vidro graduado,[80] côncavo na extremidadesuperior externa. Coloque-se nessa cavidade exterior oespírito do vinho bem retificado e tampe-se para quemelhor retenha o calor e observe-se se o seu calor fazdescer o nível da água.[81]

30. (Em oposição à vigésima quinta instância.)As ervas aromáticas e as ervas ácidas são cálidas aopaladar e isso é mais sentido nas partes internas do

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organismo. Por isso é necessário que se verifique emquais outras matérias igualmente provocam calor. Con-tam os navegantes que quando se abrem subitamentemontes ou maços de ervas aromáticas, guardadosdurante muito tempo, os primeiros que as movem oupegam correm perigo de febres ou de inflamações.[82]Igualmente poder-se-ia fazer experimento com o pódessas ervas para verificar se seca o toucinho e a carne,como a fumaça do fogo.

31. (Em oposição à vigésima sexta instância.) Aacidez ou força penetrante também pode serencontrada seja em corpos frios, como o vinagre e oóleo de vitríolo, seja em corpos quentes como o óleo deorégão e outros semelhantes. Tanto uns como outrosprovocam dor nos animais e nos corpos inanimados,fundem e consomem suas partes. A isso não se opõeinstância negativa, pois nos corpos animados nãoocorre dor sem alguma dose de calor.

32. (Em oposição à vigésima sétima instância.)O frio e o calor têm muitas ações em comum, ainda queem formas e proporções diferentes. Com efeito, mesmoa neve parece queimar, depois de algum tempo, asmãos das crianças e o frio preserva as carnes daputrefação [83] tanto quanto do fogo. E, tanto quanto ofrio, o calor contrai os corpos. Mas na verdade é maisoportuno tratar deste assunto e de outros semelhantesquando da investigação do frio.[84]

XIII

Em terceiro lugar, é necessário fazer-se citaçõesperante o intelecto [85] das instâncias cuja natureza,quando investigada, está presente em mais ou emmenos, seja depois de ter feito comparação do aumentoe da diminuição em um mesmo objeto, seja depois de

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ter feito comparação em objetos diversos. Pois sendo aforma de uma coisa a coisa em si mesma [86] e postoque a coisa difere da forma tanto quanto difere aaparência da existência, o exterior do interior e o rela-tivo ao homem do relativo ao universo,[87] segue-senecessariamente que se não pode tomar uma naturezapela verdadeira forma, a não ser que sempre decresçaquando decresce a referida natureza e, igualmente,sempre aumente quando aumenta a natureza. A estatábua denominamos Tábua de Graus ou deComparação.

Tábua de Graus ou de Comparação do Calor

Em primeiro lugar, trataremos dos corpos quenão apresentam qualquer calor ao tato, mas queparecem possuir um calor potencial ou uma disposiçãoou preparação para o calor. A seguir, consideraremosos corpos que são quentes em ato, ou seja, ao tato, suaintensidade e seus graus.

1. Não há entre os palpáveis e sólidos nenhumcorpo que seja naturalmente quente. Não há uma únicapedra, um único metal, nem enxofre, nem fóssil, nemmadeira, nem água, nem cadáver dos animais, que seapresentem com calor. As águas quentes dos balneáriosparecem aquecer-se por acidente, ou por algumachama ou fogo subterrâneo, como os que vomitam oEtna e muitas outras montanhas, ou por conflito decorpos, como ocorre com o calor produzido nadissolução do ferro e do estanho. Dessa forma, não háqualquer espécie de calor nos corpos inanimadosperceptível ao tato do homem, e esses corpos sediferenciam entre si pelos graus (de frio) de frigidez.Com efeito, não são iguais o frio da madeira e o dometal. Mas esse assunto pertence à Tábua de Graus do

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Frio.2. Todavia, encontram-se muitos corpos

inanimados com calor potencial e com predisposição àchama, como é o caso do enxofre, da nafta e dopetróleo.[88]

3. O que antes estava quente, como o estercoeqüino, ou a cal, ou talvez as cinzas, ou a fuligemprovocados pelo fogo, conserva latentes resíduos docalor anterior. Por isso se fazem certas destilações eseparações de corpos, enterrando-os em estercoeqüino, e o calor da cal pode ser provocado com aaspersão de água.[89]

4. Entre os vegetais não há qualquer planta ouparte (como resinas ou medula) que se mostre quenteao tato humano. Mas, como já foi antes dito,[90] aservas verdes quando abafadas se aquecem, e parecemquentes ao tato interno, isto é, ao paladar e aoestômago e mesmo a partes externas, depois de algumtempo, como ocorre com emplastros e ungüentosvegetais que podem parecer quentes ou frios.

5. Não há qualquer calor nas partes separadasdos animais mortos perceptível pelo tato humano. Nemmesmo o esterco eqüino, se não for coberto e abafado,conserva o calor. Contudo, todo esterco parece possuirpotencialmente calor, como se observa nas marcas queficam pelos campos. E, igualmente, os cadáveres dosanimais parecem possuir também um calor latente epotencial, e isso a tal ponto que nos cemitérios em quetodos os dias se fazem sepultamentos a terra conservaum calor oculto, que consome os cadáveres recentesmuito mais rapidamente que na terra comum. Segundose diz, os orientais usam um certo tipo de tecido tênuee suave, feito de plumas de aves, que por qualidades

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próprias dissolve e derrete a manteiga. quando por elelevemente envolvida.

6. Tudo o que aduba os campos, como todos ostipos de esterco, a greda, a areia do mar, o sal e coisassemelhantes, possui alguma disposição ao calor.

7. Todo processo de putrefação possui traços deum tênue calor. ainda que não alcance ser percebidopelo tato. Nem mesmo aquelas coisas, que naputrefação se transformam em animálculos,[91] comoa carne e o queijo, chegam a ser perceptíveis ao tato.Nem tampouco a madeira podre, que brilha à noite,parece quente ao tato. Mas, às vezes, o calor das coisasem putrefação se faz sentir por meio de odores fortes erepugnantes.

8. Assim, o primeiro grau de calor, entre ascoisas perceptíveis ao tato humano, parece ser o caloranimal, que por sua vez se desdobra em muitos graus.No seu grau mais baixo, como no caso dos insetos, émuito mal percebido pelo tato, O seu grau mais alto éatingido pelo calor solar, nas zonas e nos climastropicais, mas não chega a ser tão forte a ponto de nãoser tolerado pela mão. Contudo, conta-se queConstâncio [92] e alguns outros tinham certo tipo detemperamento e hábitos físicos de tal modo secos que,atacados por febre agudíssima, ficaram quentes aponto de parecerem queimar as mãos de quem deles seaproximasse.

9. Os animais aumentam o próprio calor pelomovimento e pelos exercícios físicos, pelo vinho, pelosbanquetes, pelo sexo, pelas febres ardentes e pela dor.

10. Os animais, durante os acessos de febresintermitentes, inicialmente são acometidos de frio etremores, mas depois adquirem um calor muito

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intenso. E o mesmo acontece no início das febresardentes e nas febres pestilentas.

11. Façam-se ulteriores investigações sobre ocalor em animais diversos, como peixes, quadrúpedes,serpentes, aves e também em suas diversas espécies,como o leão, o abutre, o homem. Pois, conforme aopinião vulgar, a parte interna dos peixes é poucoquente, as aves são mais quentes, especialmente aspombas, os falcões e as avestruzes.

12. Façam-se ainda investigações ulterioresacerca dos diversos graus de calor nas partes e nosmembros do mesmo animal. Com efeito, o leite, osangue, o esperma, os ovos, são moderadamentequentes e menos quentes que as partes externas de umanimal em agitação e movimento. Ainda não foi feitauma investigação do mesmo teor para se saber o graude calor do cérebro e do estômago, do coração, etc.

13. Todos os animais, no inverno e nas épocasfrias, são frios nas partes externas, mas nas partesinternas crê-se encerrarem mais calor.

14. O calor dos corpos celestes, mesmo na regiãomais quente e durante a estação e o dia mais quente,não atinge nunca um grau tal que chegue a incendiar equeimar a madeira bem seca ou a palha ou um pedaçode trapo, a não ser que seja auxiliado por espelhosustórios. Mas pode sempre provocar vapores das coisasúmidas.

15. Segundo a tradição dos astrônomos, algumasestrelas são mais quentes que outras. Dentre osplanetas, depois do sol, Marte é o mais quente, depoisvem Júpiter e depois Vênus. Estabelecem-se como osmais frios primeiro a Lua e, mais que todos, Saturno.Entre as estrelas fixas estabelece-se como a mais

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quente Sírio, vindo depois Coração de Leão, e a seguirCanícula,[93] etc.

16. O sol mais aquece quanto mais se inclina naperpendicular ou no zênite; o que também é de se crerverdadeiro para os demais planetas, em relação ao seupróprio calor. Júpiter, por exemplo, aquece maisquando se encontra sob Câncer ou Leão que quandosob Capricórnio ou Aquário.

17. Tudo leva a crer que o sol e os outrosplanetas aquecem mais quando atingem o seu perigeu,pela maior proximidade da Terra, que quando do seuapogeu.[94] E se acontecer que, em alguma região, osol esteja ao mesmo tempo no perigeu e mais próximoà perpendicular, necessariamente será aí mais quenteque na região em que o sol também esteja em seuperigeu, mas em posição oblíqua. Por isso deve sernotada a situação relativa de altitude dos planetas, nasdiversas regiões, em relação à sua posição vertical ouobliqua.

18. Supõe-se ainda que o sol, como os outrosplanetas, aqueça mais quando se aproxima das estrelasfixas maiores. Assim, quando o sol se encontra emLeão, mais próximo ao Coração de Leão, à Cauda deLeão, à Espiga da Virgem, a Sírio, à Canícula, aquecemais que quando se encontra em Câncer, onde,contudo, está mais na posição perpendicular. E é parase crer que as partes do céu infundem um calor tantomaior (ainda que não perceptível ao tato) quanto maissão ornadas de estrelas e especialmente das estrelasmaiores.

19. Em suma, o calor dos corpos celestes podeser aumentado em vista de três fatores, ou seja, pelaposição perpendicular, pela proximidade ao perigeu e

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pela conjunção ou combinação das estrelas.20. Em verdade, há uma grande diferença entre

o calor dos animais e dos raios dos corpos celestes, talcomo chegam a nós, e o da mais tênue chama, e maisainda o dos corpos incandescentes, o dos líquidos e dopróprio ar comum aquecido pelo fogo. De fato, a chamado espírito do vinho, ainda que rarefeita e difusa, podeincendiar a palha, um pano ou o papel. E tal nuncaocorre com o calor animal ou solar, sem o emprego deespelhos ustórios.

21. Contudo, as chamas e as coisasincandescentes têm calor e múltiplos graus, tanto emintensidade quanto em tenuidade. Mas sobre o fatoainda não foi feita uma indagação diligente e, por isso,só é possível tratá-los de passagem. Entre as váriasespécies de chamas, a do espírito do vinho parece ser amais débil, a não ser que as chamas ou a luminescênciaproduzidas pelo suor animal sejam ainda mais débeis.A seguir, segundo nos parece, seria a chama dosvegetais leves e porosos, como a palha, o junco e asfolhas secas, cujas chamas não estão muito longe dasproduzidas por pêlos ou penas. A estas seguem-se aschamas das madeiras que não possuem resinas ou pez.Deve ser observado, porém, que a chama provenientede madeiras delgadas, que comumente são juntadasem feixes, é mais fraca que a produzida por troncos deárvores e por raízes. E isso pode ser facilmenteexperimentado nos fornos que fundem ferro, onde ofogo produzido por feixes e ramos de árvores não temutilidade. A seguir, assim pensamos, vem a chamaproduzida por óleo, sebo, cera e por outras substânciasoleosas e graxas, que não possuem muita força.Contudo, o calor mais forte é encontrado no pez e na

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resina; mais forte ainda no enxofre e na cânfora, nanafta, no petróleo, bem como nos sais, uma vezeliminada a sua matéria crua, e em seus compostos,como a pólvora, o fogo grego (conhecido como fogoselvagem)[95] e seus diferentes tipos, todos portadoresde um calor obstinado, que não se extingue facilmentecom água.

22. Cremos também que a chama produzida porcertos metais imperfeitos é sobremaneira forte e aguda.Mas sobre tudo isso são necessárias investigaçõesulteriores.

23. A chama dos raios [96] parece superar todasas demais em potência, a ponto de chegar a fundir oferro perfeito, reduzindo-o a gotas, o que os outrostipos de chamas não conseguem fazer.

24. Há nos corpos incandescentes diversos grausde calor, que ainda não foram diligentementeinvestigados, O calor mais fraco pensamos ser o dopano queimado, usado comumente para acender o fogoe também o proveniente das madeiras esponjosas e dascordas secas que servem de rastilho para disparar aartilharia. A seguir vem o carvão vegetal ou mineral, ouainda o dos tijolos queimados e coisas semelhantes.Cremos que, de todos os corpos incandescentes, osmais quentes são os metais, quando acesos, caso doferro, do cobre, etc. Também esse caso deve serinvestigado ulteriormente.

25. Entre os corpos incandescentes, alguns hámuito mais quentes que certas chamas. De fato, émuito mais quente o ferro em brasa que a chama doespírito do vinho.

26. Entre os corpos não incandescentes, masaquecidos pelo fogo, como a água fervente e o ar

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encerrado nos fomos, há alguns que superam em calor,e em muito, corpos incandescentes e mesmoinflamados.

27. O movimento aumenta o calor, como se podever pelos foles e pelo sopro; por isso os metais maisduros não se fundem ou derretem com fogo morto eparado, sendo necessário excitá-lo com o maçarico.[97]

28. Faça-se com espelhos ustórios oexperimento seguinte, conforme recordamos:[98]coloca-se o espelho à distância, por exemplo, de umpalmo, de um objeto combustível. Não queimará ouinflamará tanto o objeto quanto se se colocar o espelhoa uma distância de, por exemplo, meio palmo edeslocá-lo gradual e lentamente até a distância inicialde um palmo. O cone de convergência e o feixe dosraios são os mesmos e é o próprio movimento queaumenta o efeito do calor.

29. Acredita-se que os incêndios, quandoacompanhados de fortes ventos, mais progridemcontra que a favor do vento. Isso porque as chamas semovem mais rapidamente quando o vento as rechaçaque quando as impele.

30. A chama não brilha, nem se produz, a menosque alcance algo de côncavo em que se possamovimentar e dançar; exceção feita das chamasdetonantes da pólvora e análogas, caso em que acompressão e o aprisionamento da chama aumentam oseu furor.

31. A bigorna se torna muito quente ante osgolpes do malho. Se a bigorna fosse feita de um metalmais mole, acreditamos que chegaria a ficar rubra, porforça dos duros e repetidos golpes do malho. Disso sedeve fazer mais experimentos.

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32. Nos corpos incandescentes que são porosos,de tal forma que haja espaço para o movimento dofogo, se o seu movimento for coibido por fortecompressão, logo o fogo se apagará. Assim, quando umpano queimado, o pavio aceso de uma vela ou lâmpada,um pedaço de carvão vegetal ou uma brasa, sãoabafados ou pisados, ou algo semelhante,interrompe-se subitamente a ação do fogo.

33. A aproximação de um corpo quente de outroaumenta o calor na própria razão dessa proximidade.Também é o que ocorre com a luz, pois quanto maispróximo da luz é um objeto mais visível ele se torna.

34. A união de calores de origens diversasaumenta o calor, desde que se não misturem comcorpos. Com efeito, um grande fogo e um fogo menorateados no mesmo local aumentam igualmente o calortanto de um quanto de outro; mas água mornamisturada à água fervente esfria-a.

35. A permanência do calor em um corpoaumenta o calor. Pois o calor que constantementecircula e emana mistura-se ao calor preexistente eassim multiplica o calor. Por isso, o fogo aceso durantemeia hora, em um cômodo, não o aquece da mesmaforma que um que dura uma hora inteira. Mas não sedá o mesmo com a luz, já que uma lâmpada ou umavela acesa não ilumina mais determinado lugar duranteum dia inteiro que logo no inicio.

36. A irritação produzida por um ambiente frioaumenta o calor,[99] como se observa no fogo acesodurante uma forte nevasca. Supomos que tal sucedenão apenas devido à concentração e contração do calor,que é uma espécie de união, mas devido à exasperação,como ocorre com o ar muito comprimido ou um bastão

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violentamente desviado de sua posição naturalanterior, que não retornam ao mesmo ponto em queestavam, mas muito além dele, em uma posição oposta.Faça-se um diligente experimento com um bastão, oucom algo semelhante, colocando-o no fogo, paraverificar se não se consome mais rapidamente nasextremidades que no meio da chama.

37. Há grande diversidade de graus desuscetibilidade ao calor. Sobre isso note-se, emprimeiro lugar, que o calor, mesmo pequeno e fraco,sempre acaba por afetar e aquecer um pouco até oscorpos a ele mesmo receptivos. Assim é que o mesmocalor da mão que aquece um pouco uma bola dechumbo ou de outro metal qualquer, por ela seguradapor algum tempo, facilmente se transmite e se provocao calor, sem que haja aparência de modificação noscorpos.

38. De todos os corpos conhecidos, o ar é o quemais facilmente recebe e transmite o calor, o que é bemvisível pelos termômetros, [100] cuja confecção é aseguinte: toma-se um tubo de vidro delgado e oblongo.Submerge-se o tubo com a boca para baixo em outrorecipiente de vidro, com água, de modo que o seuorifício alcance o seu fundo, apoiando-se o seu gargalona sua borda. Para mantê-lo nessa posição, coloca-seum pouco de cera nas bordas internas do recipiente,sem, contudo, obstrui-lo, evitando-se, dessa forma, quefalte o ar que é indispensável ao movimentosumamente sutil e delicado de que vamos falar.

Deve-se, porém, aquecer ao fogo, antes desubmergi-lo, a parte superior do tubo. Depois decolocado o vidro, na forma indicada, o ar que foiaquecido vai-se pouco a pouco contraindo, durante o

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tempo necessário para a completa eliminação do caloradquirido do exterior, até alcançar as mesmasdimensões do ar circunstante no momento em que foisubmergido na água, o que provocará a subida da água,na mesma proporção. Deve-se ainda fixar ao longo dotubo uma tira de papel comprida e estreita e graduada,conforme se queira. Verificar-se-á então que, quando atemperatura do dia é fria, o ar se contrai em menorespaço, e quando é quente, ele se expande. E isso serápercebido através da água que sobe, quando o ar secontrai, ou desce, quando o ar se dilata. A sensibilidadedo ar, tanto para o frio quanto para o calor, é sutil edelicada a ponto de superar de muito a capacidade dotato. Pois um raio de sol ou o calor da respiração ou ocalor da mão, dirigido para a extremidade do tubo, fazbaixar a água de modo manifesto. Pensamos, todavia,que o espírito dos animais possui uma sensibilidadeainda mais sutil, em relação ao calor ou ao frio, desdeque não seja impedida ou embotada pela massa docorpo.[101]

39. Depois do ar, acreditamos que os corposmais sensíveis ao calor sejam os que foram há poucomodificados e contraídos pelo frio, como a neve e ogelo, pois, com apenas uma leve tepidez começam adissolver e liqüefazer-se. A seguir, vem o mercúrio. Emseguida, os corpos graxos, como o óleo, a manteiga esimilares; depois a madeira, depois a água e, por fim,as pedras e os metais, que se não aquecem comfacilidade, especialmente na parte interior. Mas estes,depois de contraído o calor, conservam-no por muitotempo, como é o caso do tijolo, da pedra, ou do ferroincandescentes colocados ou mergulhados na água fria,que retêm o calor durante perto de um quarto de hora,a ponto de não poderem ser tocados.

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40. Quanto menor é a massa de um corpo tantomais rapidamente se aquece pela aproximação de umcorpo quente; o que demonstra que todo calorconhecido é infenso aos corpos tangíveis.

41. O calor, em relação ao tato e aos demaissentidos humanos, é coisa variável e relativa. Por isso aágua tépida, se a mão que a toca está fria, parecequente; se a mão está quente, parece fria.[102]

XIV

O quanto é pobre a nossa história natural,qualquer um pode facilmente perceber pelo fato de quenas tábuas precedentes inserimos simples tradições erelatos de terceiros (mas sempre acrescentando epondo em dúvida mesmo a mais segura autoridade),em lugar da história provada e das instâncias certas. Eainda tivemos que nos servir muitas vezes de locuçõescomo a seguinte: “É necessário fazer o experimento”, “énecessário comprová-lo com ulterior experimento”.

XV

Objetivo e oficio destas três tábuas é o de fazeruma citação de instância perante o intelecto [103](como usualmente as designamos). Uma vez feita acitação, é necessário passar-se à prática da própriaindução. É necessário, com efeito, descobrir-se,considerando atentamente as tábuas e cada uma dasinstâncias, uma natureza tal que sempre estejapresente quando está presente a natureza dada,ausente quando aquela está ausente, e capaz de crescere decrescer acompanhando-a; e seja, como já se disseantes, uma limitação da natureza mais comum.[104]Assim, se a mente procura desde o início descobrir essanatureza afirmativamente, como ocorre quando

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abandonada a si mesma, ocorrem fantasias, merasopiniões e noções mal determinadas, e axiomascarentes de contínuas correções, se não se quiser,segundo o costume das escolas, combater em defesa defalsidade.[105] Mas certamente os resultados serãomelhores ou piores conforme a capacidade e a força dointelecto que opera. Contudo, só a Deus, criador eintrodutor das formas,[106] ou talvez aos anjos e àsinteligências celestes compete a faculdade de apreenderas formas imediatamente por via afirmativa, e desde oinício da contemplação. Certamente essa faculdade ésuperior ao homem, ao qual é concedida somente a vianegativa de procedimento, e só depois no fim, depoisde um processo completo de exclusões, pode passar àsafirmações.[107]

XIV

Em vista disso, é necessário analisar edecompor, de forma completa, a natureza, nãocertamente pelo fogo, mas com a mente, que é umaespécie de centelha divina.[108] A primeira obra daverdadeira indução, para a investigação das formas, é arejeição ou exclusão das naturezas singulares que nãosão encontradas em nenhuma instância em que estápresente a natureza dada, ou encontram-se emqualquer instância em cuja natureza dada não estápresente, ou cresçam em qualquer instância em cujanatureza dada decresce, ou decrescem quando anatureza dada cresce. Depois de ter feito asconvenientes rejeições ou exclusões na forma devida,restará no fundo, como resíduo donde se evolaramcomo fumaça as opiniões, a forma afirmativa, sólida,verdadeira e bem determinada. Tudo isso é breve paraser dito, mas é conseguido depois de muitas tentativas.

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De nossa parte, acreditamos nada negligenciar do que énecessário ao nosso propósito.

XVII

Devemos, no entanto, prevenir sem demora oshomens de que se acautelem de confundir as formas,de que falamos, com as que as suas especulações ereflexões tratam habitualmente,[109] o que podeocorrer em vista da importância que reconhecem àsformas.

Em primeiro lugar, e por esse motivo, não nosocuparemos das formas compostas,[110] que são, comojá se disse, combinações das naturezas simplesconforme o curso comum do universo, como a do leão,da águia, da rosa, do ouro, e de muitas outras. Elasserão devidamente consideradas quando nosocuparmos dos processos latentes, dos esquematismoslatentes e de sua descoberta, na medida em que seencontram nas chamadas substâncias ou naturezasconcretas.

De outra parte, mesmo em relação às naturezassimples, não se devem confundir as formas de quetratamos com as idéias abstratas, ou seja, com as idéiasmal ou não determinadas na matéria.[111] Com efeito,quando falamos das formas, mais não entendemos queaquelas leis e determinações do ato puro, que ordename constituem toda e qualquer natureza simples, como ocalor, a luz, o peso, em qualquer tipo de matéria ouobjeto a elas suscetível. Falar em forma do calor ou daluz é o mesmo que falar da lei do calor ou da luz;[112]não nos afastamos ou abstraímos do aspecto operativodas coisas. Assim, por exemplo, quando falamos nainvestigação da forma do calor: rechace-se a tenuidadeou a tenuidade não é a forma do calor; é como se

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disséssemos: o homem pode introduzir o calor em umcorpo denso ou o homem pode retirar ou colocar àparte o calor de um corpo tênue.

Por conseguinte, se as nossas formas parecerema alguém com algo de abstrato, pelo fato de misturareme combinarem coisas heterogêneas (pois parecem, semdúvida, heterogêneos o calor dos corpos celestes e dofogo; o vermelho fixo da rosa ou similares, e o que apa-rece no arco-íris ou nos sais da opala ou do diamante; amorte por submersão e a por cremação, a por um golpede espada e a por apoplexia e a por atrofia; e issoapesar de todos esses caracteres pertencerem ànatureza do calor, do vermelho e da morte), reconheçaele que seu intelecto está inteiramente preso e estacadopelo hábito, pelas coisas como um todo [113] e pelasopiniões.

Está fora de dúvida que tais coisas, ainda queheterogêneas e diversas entre si, coincidem na formaou lei que ordena o calor, o vermelho ou a morte; e queao homem não é dado o poder de se emancipar eliberar-se do curso da natureza e aventurar-se a novascausas eficientes e a novas de operar, afora darevelação e da descoberta de tais formas. Porém,depois de haver considerado a natureza em suaunidade, que é o principal, depois no seu devido lugar,tratar-se-á das divisões e ramificações da natureza,tanto das ordinárias quanto das internas e maisverdadeiras.

XVIII

É agora oportuna a apresentação de um exemplode exclusão ou de rejeição de naturezas, que nas tábuasde presença aparecem como não pertencendo à formado calor; mas também não deixando de se ter em

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mente que não apenas é suficiente uma das tábuas deexclusão de uma natureza qualquer, mas que ésuficiente apenas uma das instâncias singulares nelascontidas. De fato, é manifesto, pelo que já se disse, quemesmo apenas uma só instância que contradiga destróiqualquer conjetura sobre a forma. De qualquermaneira, sempre que necessário, para maior evidênciae para a demonstração clara do uso das tábuas,repetiremos e duplicaremos as exclusões.

Exemplo da Exclusão, ou Rejeição deNaturezas da Forma do Calor

1. Pelos raios do sol exclua-se a naturezaelementar.

2. Pelo fogo comum e, mais ainda, pelos fogossubterrâneos, que estão muito longe e muito distantesdos raios dos corpos celestes, exclua-se a natureza doscorpos celestes.

3. Pela propriedade de se aquecerem que têmtodos os corpos (minerais, vegetais, as partes externasdos animais, água, azeite, ar e similares) pela simplesproximidade do fogo de outro corpo quente, exclua-setoda variedade e delicadeza de textura dos corpos.

4. Pelo ferro e pelos metais incandescentes queaquecem todos os outros corpos, sem, contudo,diminuírem de peso ou de substância, exclua-se acomunicação ou a mescla de outro corpo quente.

5. Pela água fervente e pelo ar e ainda pelosmetais e outros sólidos aquecidos, mas não até aignição e a incandescência, excluam-se a luz ou olume.[114]

6. Pelos raios da lua e de outras estrelas (comexceção do sol), excluam-se ainda a luz e o lume.

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7. Pela tábua comparativa do ferroincandescente e da chama do espírito do vinho (queconclui que o ferro incandescente tem mais calor, masmenos luz, e a chama do espírito do vinho, mais luz emenor calor), excluam-se também a luz e o lume.

8. Pelo ouro e por outros metais incandescentes,que são corpos de grande densidade, quandoconsiderados como um todo, exclua-se a tenuidade.

9. Pelo ar, mais comumente encontrado frio,mas sempre permanecendo tênue, exclua-se também atenuidade.

10. Pelo ferro incandescente, cuja massa não sedilata, mas permanece em sua dimensão visível,exclua-se o movimento local ou expansivo do todo.

11. Pela dilatação do ar nos termômetros [115] ecoisas semelhantes, onde o ar manifestamente tem ummovimento local e expansivo, mas nem por isso contraiqualquer manifesto aumento de calor, exclua-setambém o movimento local e expansivo do todo.

12. Pela facilidade com que todos os corpos seaquecem, sem qualquer destruição ou alteração dignade nota, exclua-se a natureza destrutiva ou aintrodução violenta de qualquer natureza nova.

13. Pelo consenso e conformidade dos efeitossemelhantes produzidos pelo calor e pelo frio, exclua-seo movimento, tanto de expansão quanto o de contraçãodo todo.

14. Pelo aumento do calor oriundo do atrito doscorpos, exclua-se a natureza principal.[116] Chamamosde natureza principal a que se encontra positivamentena natureza e não é causada por uma naturezaprecedente.

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Há ainda outras naturezas (a serem excluídas),pois não fizemos tábuas perfeitas, mas apenasexemplos.

Todas, e cada uma das naturezas enumeradas,não estão compreendidas na forma do calor. E de todasessas naturezas mencionadas, o homem deve estar livreao operar sobre o calor.

XIX

Com as tábuas das exclusões estão colocados osfundamentos da verdadeira indução; que, contudo, nãoserá perfeita se não se apoiar na afirmativa. Mas nem aprópria exclusiva está completa, mormente logo deinício. Com efeito, a exclusiva (como é evidente)representa a rejeição das naturezas simples; mas seainda não possuímos noções justas e verdadeiras dasnaturezas simples,[117] como pode o procedimentoexclusivo ser correto? Algumas das noções antesmencionadas (como a noção da natureza elementar,como a noção da natureza celeste, como a noção detenuidade)[118] são noções vagas e não bemdeterminadas. Por isso, de vez que não ignoramos,nem nos esquecemos da magnitude da obra queempreender (qual seja, a de colocar o intelecto humanoao nível da natureza e das coisas), de nenhum modonos podemos contentar com o que até agorapreceituamos; ao contrário, intentamos oferecer esubministrar ao intelecto os mais poderosos auxílios,que é o que passaremos a indicar. E, certamente, nainterpretação da natureza deve-se formar e preparar oânimo na interpretação da natureza, de modo que, deum lado, detenha-se devidamente nos vários graus decerteza e, de outro, pense também, especialmente noinício, que o que lhe é permitido examinar depende

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sobremaneira do que ainda está para ser examinado.

xx

Contudo, como a verdade emerge maisrapidamente do erro que da confusão, reputamos serútil permitir-se ao intelecto [119], depois de elaboradase devidamente consideradas as três tábuas de primeiracitação (ou comparecimento ou de apresentação, talcomo o fizemos), o empreendimento da obra deinterpretação da natureza na afirmativa,[120] a partirdas instâncias contidas nas tábuas, ou das que ocorre-rem fora delas. A essa espécie de tentativa continuamosa chamar de Permissão ao Intelecto ou deInterpretação Inicial ou ainda de PrimeiraVindima.[121]

Primeira Vindima da Forma do Calor

Deve ter-se presente que a forma é inerente (oque deve ter ficado claro pelo que antes foi dito) a todase a cada uma das instâncias particulares, nas quais seencontra a própria coisa; de outra maneira não seriaforma, pois não pode ocorrer nenhuma instânciacontraditória. Todavia, a forma é muito mais visível emalgumas instâncias que em outras; ou seja, nas que anatureza da forma está menos coibida e impedida pelasoutras naturezas e reduzida à sua ordem. A estasinstâncias costumamos chamar de instânciasluminosas ou instâncias ostensivas.[122]

Em todas e em cada uma das instâncias em quea limitação é o calor, a natureza parece ser omovimento. Isso é manifesto na chama, no seuperpétuo mover, nos líquidos aquecidos ou ferventes,também sempre em movimento. Fica igualmente claro,quando se excita o calor pelo movimento, como

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acontece com os foles e com o vento (veja-se instância29, tábua 3). O mesmo pode ser dito de outros tipos demovimento, a cujo respeito veja instâncias 28 e 31,tábua 3. Isso também se observa na extinção do fogo edo calor, por qualquer forte compressão que refreia einterrompe o movimento (veja instâncias 30 e 32,tábua 3). Fica igualmente claro que todos os corpos sedestroem ou, pelo menos, se alteramconsideravelmente, por qualquer fogo ou calor forte eveemente, daí se seguindo que o calor produz ummovimento forte, um tumulto ou perturbação naspartes internas do corpo, que gradualmente caminhampara a dissolução.

O que dissemos a respeito do movimento (ouseja, que é como o gênero em relação ao calor) não deveser entendido como significando que o calor gera omovimento ou que o movimento gera o calor (emboranisso haja alguma verdade), mas que o calor é emsi,[123] ou que a própria qüididade do calor [124] émovimento e nada mais; observando-se, porém, asdiferenças específicas que a seguir enumeraremos,depois de indicar algumas precauções contra osequívocos.

O calor, enquanto coisa sensível, é algo relativoao homem e não ao universo, e é corretamenteestabelecido como sendo efeito (do calor) sobre oespírito animal. Pelo que, em si mesmo, é coisa variá-vel, pois em um mesmo corpo (conforme a disposiçãodos sentidos) produz tanto sensação de calor quanto defrio, o que deve ter ficado patente pela instância 41,tábua 3.

Contudo, não se pode confundir a comunicaçãodo calor, ou seja, a sua natureza transitiva, graças à

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qual um corpo aproximando-se de outro quente,também se aquece, com a forma do calor. Pois umacoisa é o quente e outra é o que esquenta. E, como, comum movimento de atrito, se produz calor sem aexistência de um calor precedente, é necessário que seexclua o que se aquece da forma do quente. É mesmoquando o calor sobrevém, pela aproximação de algoquente, isso não se deve à forma do quente, mas resultainteiramente de uma natureza mais alta e comum, istoé, da natureza da assimilação ou da multiplicação de simesmo, o que deve ser investigadoseparadamente.[125]

A noção de fogo é vulgar e de nada vale; écomposta de combinação do calor e da luz de umcorpo, como na chama e nos corpos aquecidos até aincandescência.

Uma vez afastado todo equívoco, passemos àsdiferenças verdadeiras, que limitam o movimento econstituem-no na forma do calor.[126]

A primeira diferença é a seguinte: o calor émovimento expansivo, pelo qual o corpo se dilata etende a dilatar-se ou a passar para uma esfera oudimensão maior que a antes ocupada. Esta diferença semostra sobretudo na chama, onde o fumo e o vaporespesso se dilatam e convertem-se em chama.

O mesmo se observa em todo líquido ferventeque se intumesce, de maneira manifesta, eleva-se eemite borbulhas, e o processo de expansão se estendeaté alcançar uma extensão muito superior e muito maisampla que a do próprio líquido, quer dizer,convertendo o líquido em vapor, fumo ou ar.

Observa-se também em toda madeira oumatéria combustível, em que às vezes ocorre exsudação

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e sempre evaporação.Observa-se ainda na fusão dos metais que como

corpos muito compactos que são) não se intumescemnem se dilatam com facilidade, porém, o seu espírito,depois de se ter dilatado, tendendo dessa forma a umamaior expansão, força e leva as partes mais graxas aoestado liquido. E se for aumentado em muito o calor,dissolve e torna volátil grande parte delas.

Observa-se igualmente no ferro e nas pedras:que, embora não se liqüefaçam ou fundam, tornam-semais moles. O que também ocorre com varas demadeira, que se tornam flexíveis quando aquecidas emcinza quente. E esse movimento se observa de modomais evidente possível no ar, que com pouco calor sedilata de modo continuo e manifesto, como se pode verpela instância 38, tábua 3.

Observa-se, ainda, na natureza contrária, que éo frio. Com efeito, o frio contrai todos os corpos eleva-os a se encolherem. Isso vai ao ponto de, porocasião de intenso frio, os pregos caírem das paredes, obronze se dessoldar, e o vidro aquecido, e subitamentecolocado no frio, arquear-se e quebrar. Igualmente o ar,submetido a um ligeiro resfriamento, se contrai emvolume mais restrito, como aparece na instância 38,tábua 2. Mas, sobre esse assunto, alongar-nos-emosmais quando da investigação do frio.

Não é de estranhar que o calor e o frio produzammuitas ações comuns (a respeito, veja-se instância 32,tábua 32), pois duas das diferenças que vêm a seguirpertencem igualmente às duas naturezas; ainda quenesta diferença (a de que estamos tratando) as açõessejam diametralmente opostas — pois o calor engendraum movimento expansivo e dilatador, e o frio, ao

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contrário, engendra um movimento de contração e decondensação.

A segunda diferença é uma modificação daprecedente e reza que o calor é um movimentoexpansivo ou orientado para a circunferência, mas coma condição de que, ao mesmo tempo, o corpo tendapara o alto. Não há dúvida de que se podem produzirmuitos movimentos mistos. Por exemplo, uma seta ouum dardo gira enquanto caminha e caminha enquantogira. Da mesma maneira, o movimento do calor éexpansivo e ao mesmo tempo voltado para o alto.

Esta diferença fica bastante evidente ao seremcolocadas tenazes ou atiçadores de ferro no fogo. Se sãocolocados perpendicularmente, segurando-se na outraextremidade, o calor rapidamente queimará as mãos,mas se são colocados horizontalmente ou em nívelinferior ao do fogo, as mãos se vão aquecer muitodepois.

É também evidente nas destilações, perdiscensorium, que são usadas pelos homens para floresmuito delicadas cujos aromas rapidamente se evolam.De fato, a indústria humana descobriu uma maneira decolocar o fogo não por baixo, mas por cima, paraaquecimento mais lento. Não apenas a chama mastambém toda espécie de calor tende para o alto.

Faça-se um experimento disso, na naturezacontrária do frio, para se verificar se o frio não provocaa contração dos corpos para baixo, da mesma maneiraque o calor dilata os corpos para o alto. Para isso,tomem-se duas barras de ferro, ou dois tubos de vidro,iguais em todos os outros aspectos, e levem-nos ao fogopara se aquecerem um pouco; coloque-se uma esponjaembebida em água fria ou neve, em cima de uma e

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embaixo de outra respectivamente. Supomos que oresfriamento no sentido das extremidades será maisrápido na barra em que a neve esteja em cima do quenaquela em que a neve venha colocada embaixo, ouseja, exatamente o contrário do que ocorre com o calor.

A terceira diferença é a seguinte: o calor é ummovimento expansivo, não uniforme segundo o todo,mas segundo as menores partículas do corpo, e aomesmo tempo reprimido, repelido e afastado, demaneira que adquire um movimento alternado econtinuamente trêmulo e irritado pela repercussão[127] e do qual se origina o furor do fogo e do calor.

Esta diferença aparece sobretudo na chama enos líquidos ferventes, que continuamente tremem enas menores partes se intumescem e repentinamenteesmorecem.

Ocorre ainda nos corpos que têm tal densidadeque aquecidos ou incandescentes não se intumescem,nem se dilatam em sua massa; esse é o caso do ferrocandente, em que o calor é muito intenso.

Ocorre ainda no fato de o fogo arder maisintensamente por ocasião da estação fria.

Ocorre ainda no fato de que, quando o ar sedilata, no termômetro, sem qualquer impedimento ouforça repulsiva, isto é, com uniformidade econformidade, não se percebe qualquer calor. Aindanos ventos fechados, mesmo irrompendo com amáxima força, mesmo assim não se percebe um calorsignificativo; isso porque o movimento ocorre segundoo todo e não alternadamente nas partículas. Faça-se umexperimento a esse respeito para se verificar se achama não queima mais fortemente nos lados que nocentro.

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Ocorre também de forma clara no fato de quetoda a combustão penetra pelos diminutos poros docorpo, que se queima; de modo que a combustão oabate, penetra, atravessa e perfura como se possuísseinfinitas pontas de agulha. É por isso que tambémtodas as águas-fortes (se são adequadas ao corpo sobreo qual agem) produzem os efeitos do fogo, devido à suanatureza corrosiva e penetrante.

Esta diferença (a de que estamos falando) écomum à natureza do frio, no qual o movimento decontração é contido pela força expansiva; do mesmomodo que no calor é reprimido o movimento expansivopela força de contração.

Por isso, tanto faz se as partículas do corpo openetrem para dentro ou no sentido do exterior, oprocesso é o mesmo, embora o grau de intensidade sejamuito diferente, pois, mesmo aqui bem perto de nós,na superfície da Terra, nada temos que seja puramentefrio (veja-se instância 27, tábua 1).

A quarta diferença é uma modificação daanterior, ou seja, o movimento estimulante oupenetrante deve ser rápido, e não lento, e provir porpartículas não extremamente pequenas, mas um poucomaiores.

Observa-se esta diferença no confronto dosresultados que produz o fogo com os resultados queproduz o tempo ou a idade. O tempo tanto quanto ofogo queima, consome, alui e reduz a cinzas, mas deforma sutil e delicada, isso porque trata-se de ummovimento muito lento, que procede por partículasminúsculas e onde não se percebe o calor.

Ocorre também na comparação entre adissolução do ferro e do ouro. O ouro de fato dissolve

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sem provocar calor, enquanto o ferro produz um calorfortíssimo, mesmo durante um tempo mais ou menosigual. Tal ocorre porque, com a introdução da água, asolução se processa mais naturalmente e a dissoluçãodas partes advém sem esforço, mas com o ferro, aocontrário, a presença da água é áspera e contrastante,porque as partes do ferro opõem uma maiorresistência.

Ocorre ainda até certo ponto em certasgangrenas ou decomposições da carne que nãoproduzem grande calor, nem dor, mas cumprem-sepelo processo sutil da putrefação.

Seja esta, pois, a primeira vindima ouinterpretação inicial da forma do calor, obtida porpermissão do intelecto.

Desta primeira vindima, obtêm-se a forma ouverdadeira definição do calor (o calor em relação aouniverso e não apenas em relação aos sentidos), quepode ser expressa brevemente do seguinte modo: Ocalor é um movimento expansivo, reprimido e queatua sobre as partículas menores. A expansão podeser definida: Pela natureza de expandir-se em todasas direções, mas que, apesar disso, se inclina umpouco mais para o alto. E o esforço sobre as partículasse define dizendo: Que não se trata de algo lento, masapressado e impetuoso.

Em relação à parte operativa, é a mesma coisa.De fato, o seu enunciado é o seguinte: Se em algumcorpo natural pode produzir-se um movimento dedilatação e expansão e se se puder reprimi-lo e fazê-lovoltar sobre esse movimento, de modo que a dilataçãonão transcorra uniformemente, mas por partes e queseja em parte repelida, nesse caso, sem dúvida, se

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engendrará calor. É indiferente se se trata de corpoelementar (como se diz) ou se recebe as suas qualida-des dos corpos celestes; se é luminoso ou opaco; se étênue ou denso; se aumentado em seu volume oucontido nos limites da primeira dimensão; se tendentea dissolver-se ou a permanecer no seu estado; seanimal, vegetal ou mineral; se água, óleo ou ar; ou dequalquer outra substância suscetível do movimentomencionado. O calor sensível é, pois, a mesma coisaque o calor em si, mas em relação aos nossossentidos.[128] Mas agora é necessário passar aosoutros auxílios do intelecto.

XXI

Depois das tábuas de primeira citação, depoisda rejeição ou exclusão e depois da primeira vindima,feita segundo aquelas tábuas, é necessário passar aosoutros auxílios do intelecto na interpretação danatureza, bem como à indução verdadeira e perfeita.Nessa exposição, se se fizer necessário o uso dastábuas, retomaremos as do calor e do frio. Mas quandohouver necessidade de apenas alguns poucos exemplos,esses serão recolhidos aqui ou ali, para que não setorne confusa a investigação e a exposição muitorestrita.

Em primeiro lugar, trataremos das instânciasprerrogativas;[129] em segundo lugar, dosadminículos da indução;[130] em terceiro lugar, daretificação da indução;[131] em quarto lugar, davariação da investigação segundo a natureza doassunto;[132] em quinto lugar, das prerrogativas danatureza [133] em relação à investigação, ou seja,daquilo que se deve investigar antes e depois; em sextolugar, dos limites da [134] investigação ou sinopse de

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todas as naturezas do universo; em sétimo lugar, dadedução à prática,[135] ou seja, daquilo que estárelacionado como o homem; em oitavo lugar, dospreparativos para a [136] investigação; em últimolugar, da escala ascendente e descendente dosaxiomas.[137]

XXII

Entre as instâncias prerrogativas, em primeirolugar, proporemos as instâncias solitárias. Solitáriassão aquelas instâncias que apresentam a natureza quese investiga, em coisas que nada têm em comum comoutras, a não ser aquela natureza; ou que nãoapresentam a natureza que se investiga em coisas quesão semelhantes a outras em tudo, exceto em relação aessa natureza. É claro que estas instâncias eliminampalavras inúteis e aceleram e reforçam a exclusão; bempor isso algumas poucas valem por muitas.

Assim, por exemplo, na investigação da naturezada cor, as instâncias solitárias são os prismas e oscristais que fazem aparecer a cor, não somente em simesma, mas também a refletem sobre paredesexternas, sobre o orvalho, etc. Tais instâncias nada têmem comum com as cores fixas nas flores, com as coresdas gemas, dos metais, das madeiras, etc.; exceção feitada própria cor. Daí facilmente se estabelece que a cornada mais é que uma modificação da imagem luminosaintroduzida no corpo e recebida, no primeiro caso, comdiversos graus de incidência, no segundo como efeitode estrutura e esquematismos diversos. Estasinstâncias são solitárias por semelhança.

Ainda, na mesma investigação, os veios dobranco e do negro e as variações de cor, em flores damesma espécie, constituem instâncias solitárias.

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Efetivamente, o branco e o negro do mármore e asmanchas de branco e de vermelho de certas espécies decravo parecem-se em quase tudo, exceto na cor. Daífacilmente se conclui que a cor não tem muito emcomum com as naturezas intrínsecas dos corpos, masque consiste tão-somente na disposição tosca e quasemecânica das partes. A estas instâncias que sãosolitárias, por diferença a um e outro gênero,chamamos de instância solitária, ou Ferinos,[138]usando o termo astronômico.

XXIII

Entre as instâncias prerrogativas, colocaremosem segundo lugar as instâncias migrantes.[139] Sãoaquelas em que a natureza investigada migra ou passaa um processo de existência [140] se antes não existia,ou, ao contrário, migra no sentido da corrupção, seantes existia. Em ambos os casos, simétricos daalternância, as instâncias são duplas, ou uma únicainstância em movimento ou trânsito, que se estende aociclo contrário. As instâncias desse tipo não apenasaceleram e reforçam o processo de exclusão comotambém delimitam o afirmativo, isto é, a própria formainvestigada. É necessário, com efeito, que a forma dacoisa seja algo que, por meio das migrações, de umlado manifeste-se, de outro, destrua-se e sejaeliminada. E ainda que toda exclusão promova aafirmação, isso se cumpre mais diretamenteconsiderando-se um mesmo objeto, em vez de muitos.A forma (como deve ter ficado claro por tudo o que foidito), depois de observada em um único, estende-se atodos os objetos. Quanto mais simples é a migraçãotanto mais significativa é a instância. Além disso, asinstâncias migrantes são de grande utilidade na parte

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operativa (ou prática) do saber; isso porque,mostrando a forma juntamente com a causa que a fazser ou não ser,[141] indicam de forma mais evidente aprática a ser seguida em certos casos, dos quais é fácilpassar a outros, mas há ai um perigo a ser evitado queexige cautela, ou seja, tais instâncias conectam muitoestreitamente a forma à causa eficiente,[142] confun-dindo assim o intelecto, ou pelo menos iludindo-o comuma falsa opinião da forma, ao divisar a causaeficiente. E esta, para nós, nada mais é que o veículo ouo condutor da forma. Mas se o procedimento deexclusão é feito de maneira legítima, o remédio seráfacilmente encontrado.

Exporemos agora um exemplo de instânciamigrante. Seja a natureza a ser investigada o candor oua brancura: a instância migrante para a produção é ovidro inteiro e o vidro pulverizado. Também a águacomum e a água agitada, até transformar-se em espu-ma. De fato, o vidro inteiro e a água comum sãotransparentes, mas não são brancos; o vidropulverizado e a água transformada em espuma sãobrancos, mas não são transparentes. Por isso torna-senecessário descobrir o que aconteceu ao vidro e à águapor força dessa migração. É claro que a forma dobranco é comunicada e introduzida pela pulverização,no caso do vidro, e pela agitação, no caso da água.Constatamos, então, que o que ocorreu foi acomunicação das partículas do vidro e da água e apenetração do ar. E não foi pouco o já alcançado, comisso, para o descobrimento da forma do branco, aoisolar o fato de que dois corpos em si transparentes,sendo um mais e outro menos (ou seja, o ar e a água, oar e o vidro), colocados juntos em minúsculaspartículas, produzem a brancura, devido à refração

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desigual dos raios de luz.Mas, a esse respeito, devemos ainda expor um

exemplo do perigo antes mencionado, bem como aforma de evitá-lo. Ao intelecto corrompido pelas causaseficientes, facilmente pode ocorrer o pensamento deque a forma do branco é sempre necessária ao ar, e quea brancura é engendrada unicamente por corpostransparentes. O que é inteiramente falso edemonstrado por muitas exclusões. Ver-se-á, por outrolado (deixando de lado o ar e coisas análogas), quecorpos inteiramente iguais, nas partículas visíveis,produzem a transparência; que corpos desiguais, comestrutura simples, engendram o branco; que os corposdesiguais, com estrutura complexa, mas ordenada,engendram outras cores, com exceção do negro; que oscorpos desiguais, com uma estrutura complexa, masdesordenada e confusa, engendram o negro. Assimapresentamos o exemplo de instância migrante, nageração da natureza do branco. A instância migrante,para a corrupção da própria natureza do branco,obtém-se com a espuma ou com a neve em dissolução.De fato, a água perde o branco e retoma atransparência quando retorna ao seu estado íntegro,sem ar.

De modo algum pode deixar de ficar bemexplícito que, sob o nome de instância migrante,compreendem-se não apenas as que migram passandoà geração ou à privação, mas ainda as que migrampassando ao aumento ou à diminuição, uma vez quetambém tais instâncias levam à descoberta da forma,como se observa manifestamente pela, antesenunciada, definição da forma e pela tábua de graus.Por isso o papel, quando seco, é branco; mas quando é

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molhado (ou seja, quando se elimina o ar e se introduza água), é menos branco e mais próximo datransparência. O seu comportamento é semelhante aosindicados nas instâncias anteriores.

XXIV

Entre as instâncias prerrogativas, colocaremosem terceiro lugar as instâncias ostensivas, de que jáfizemos menção na primeira vindima do calor e a quetambém chamamos de luminosas ou instânciaslibertadas e predominantes.[143] São as que mostrama natureza investigada nua e por si subsistente,[144] eostentam-na no mais alto grau de sua potência, ou seja,emancipada e liberta de impedimentos, ou pelo menosa eles se impondo pela força de sua virtude,suprimindo-os e contendo-os. Pelo fato de todo corpoconter muitas formas de naturezas combinadas eunidas no concreto, ocorre que cada uma entorpece,deprime, quebranta e submete a outra, e com isso asformas singulares se obscurecem. Mas objetos há emque a natureza investigada é predominante em relaçãoa outras naturezas, seja pela falta de impedimento, sejapela predominância de sua própria virtude. Estas sãoas instâncias mais ostensivas da forma.[145] Mas,mesmo neste caso, é necessário o uso de cautela e damoderação do ímpeto do intelecto. Com efeito, tudo oque apresenta uma forma, e ostenta-a diretamente aointelecto, deve ser tido por suspeito e deve ser subme-tido a um rigoroso e diligente procedimento deexclusão.

Por exemplo, seja o calor a natureza a serinvestigada. A instância ostensiva do movimento deexpansão, que (como se disse antes) é propriedadeespecífica do calor, é a do termômetro de ar. De fato, a

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chama, ainda que manifestamente apresente expansão,contudo, pela sua grande facilidade de extinção, nãoapresenta bem o processo dessa expansão. E a águafervente, pela sua facilidade de se transformar emvapor e ar, não revela a expansão da água na suaprópria massa. Mesmo o ferro candente, assim comooutros corpos semelhantes, está muito longe demostrar a expansão, porque o espírito é submetidopelas partes compactas e densas, a ponto de refrear,conter o movimento expansivo, e assim o processo nãoé perceptível pelos sentidos. Contudo, o termômetromostra claramente a expansão do ar de modo visível,progressivo, durável e ininterrupto.

Por exemplo, seja o peso a natureza da instânciainvestigada. A instância ostensiva do peso é omercúrio. Este supera de longe em peso todas as outrassubstâncias, com exceção do ouro; e mesmo o ouro nãoé muito mais pesado que ele. Mas a instância quemelhor indica a forma do peso é o mercúrio e não oouro. Pois o ouro é sólido e consistente, e taisqualidades se relacionam com a densidade; enquanto omercúrio é líquido e prenhe de espírito, e mesmo assimtem peso muitos graus acima do diamante, e de todosos sólidos que se conhecem. Daí se depreendeclaramente que a forma do peso predominasimplesmente na quantidade da matéria e não em umadimensão restrita.

XXV

Entre as instâncias prerrogativas, colocaremosem quarto lugar as instâncias clandestinas,[146] a quetambém costumamos chamar de instâncias docrepúsculo.[147] São, por assim dizer, as instânciasopostas às ostensivas; exibem, de fato, a natureza

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investigada na sua ínfima força e, por assim dizer, emestado de incubação e nos seus rudimentos;mostram-na nas suas primeiras tentativas e ensaios,mas obscurecida e submetida por uma naturezacontrária. Tais instâncias são de grande importânciapara a descoberta da forma, pois, se as ostensivasorientam facilmente a identificação das diferençasespecíficas, de sua parte as instâncias clandestinasconduzem e facilitam a identificação dos gêneros, ouseja, das naturezas comuns de que as naturezasinvestigadas são simples limitações.

Por exemplo, seja a consistência a natureza a serinvestigada: ou seja, aquilo que fixa os limites do corpoe cujo contrário é a liquidez ou a fluidez. As instânciasclandestinas são aquelas que mostram um grau ínfimode consistência em um fluido; é o caso da bolha deágua que é uma espécie de película consistente edelimitada, feita de água. O mesmo ocorre com asgoteiras que, quando há água suficiente para correr,formam um fio muito tênue e de tal modo que a águanão se interrompe; mas quando não há água suficientepara cair numa sucessão continua a água cai em gotasredondas, a figura que melhor se presta para evitarqualquer descontinuidade da água. Contudo, no exatoinstante em que cessa o fio de água e tem inicio a quedadas gotas, a água se retrai em relação a si mesma paraevitar a descontinuidade. Mesmo nos metais que, emfusão, são líquidos mais espessos, muitas vezes aspróprias gotas se retraem em si mesmas e assim ficam.E semelhante à instância representada pelos pequenosespelhos que as crianças costumam fazer com doisjuncos, unidos pela saliva, no meio dos quais se podenotar uma película consistente feita de água. O mesmofato pode melhor ser observado em outro brinquedo

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infantil em que se usa a água (tornada mais consistentepelo sabão) e, com um canudo, sopra-se, fazendo comessa água um verdadeiro castelo de bolhas; e estas, pelaintromissão do ar, conservam um grau de consistênciacapaz de manter certa continuidade, mesmo quemuitas bolhas se rompam. Isso é ainda bem visível naespuma e na neve, que adquirem tal consistência quechegam quase a ser passíveis de cortes, mesmo sendocorpos formados de ar e de água, ambos líquidos.Todos esses exemplos indicam de maneira nadaobscura que o líquido [148] e a consistência são noçõesvulgares e relativas aos sentidos;[149] mas tambémque em todos os corpos está presente a fuga ou atendência no sentido de evitar a própriadescontinuidade e que tal tendência nos corposhomogêneos, como nos líquidos, é débil e frouxa;enquanto que nos corpos compostos de partesheterogêneas é muito mais forte e viva. E isso porque apresença de um corpo heterogêneo une os corpos,enquanto a introdução de um corpo homogêneo os dis-solve e relaxa.

Da mesma maneira, procure-se investigar, porexemplo, a natureza da atração ou coesão doscorpos.[150] A mais notável instância ostensiva dessaforma é o magneto. A natureza contrária à atração é anão-atração, como a que existe em substânciassemelhantes. O ferro não atrai o ferro, o chumbo nãoatrai o chumbo, a madeira não atrai a madeira, a águanão atrai a água, etc. Mas a instância clandestina é omagneto armado de ferro, ou melhor, o ferro armadoem um magneto. A natureza é tal que o magneto,armado a uma certa distância, não exerce mais atraçãosobre o ferro que o magneto desarmado. Mas se o ferroé aproximado do magneto, armado até tocá-lo, então o

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magneto armado sustentará um peso de ferro muitomaior que um magneto simples e sem armação, emvista da semelhança da substância do ferro com o ferro.Essa propriedade de operar era completamenteclandestina ou latente no ferro, antes que o magnetodele fosse aproximado. Daí fica claro que a forma decoesão dos corpos é algo de vivo e intenso no magneto,fraco e latente no ferro. Deve, ainda, ser notado quepequenas flechas de madeira, sem ponta de ferro,disparadas por bestas grandes, penetram mais amadeira (como os flancos do navio ou coisassemelhantes) que essas mesmas flechas armadas com aponta de ferro; isso devido à semelhança da substânciada madeira com a madeira, embora essa propriedadejá antes estivesse latente na madeira. Da mesmamaneira, apesar de o ar manifestamente não atrair o are a água, água, uma bolha aproximada de outra bolhadissolve-se mais facilmente que se tal não tivesseocorrido, isso devido ao apetite de coesão que tem aágua para com a água e o ar para com o ar. Taisinstâncias clandestinas (que são de notável utilidade,como já foi dito) tornam-se visíveis sobretudo emporções pequenas e sutis dos corpos. As massasmaiores seguem formas mais gerais e universais, comose dirá no devido lugar.

XXVI

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emquinto lugar as instâncias constitutivas,[151] a quetambém costumamos chamar de manipulares.[152]São as que se constituem numa espécie da naturezainvestigada, à maneira de forma menor. Com efeito,como as formas legítimas (que são sempre conversíveisnas naturezas investigadas) são muito latentes e não

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são facilmente descobertas, a vacilação e a fragilidadedo intelecto humano requerem que as formasparticulares, que reúnem alguns punhados deinstâncias, mas não todas em uma noção comum, nãosejam negligenciadas, antes notadas com todadiligência. Pois tudo o que serve para conferir unidadeà natureza, ainda que de modo imperfeito, abrecaminho à descoberta das formas. Portanto, asinstâncias que são úteis a esse propósito não podem serdesprezadas quanto à sua força e têm até certasprerrogativas.

Mas o seu emprego deve ser feito com diligentecautela, para se evitar que o intelecto humano, depoisde ter descoberto muitas dessas formas particulares ede ter estabelecido as partições ou divisões da naturezainvestigada, acabe se contentando apenas com isso enão prossiga na investigação legítima da formagrande;[153] mas acabe supondo que a natureza, nasua própria raiz, é múltipla e dividida, e descure esuponha a ulterior unidade da natureza como umasutileza vã, que conduz a meras abstrações.

Estabeleça-se, por exemplo, que a natureza a serinvestigada seja a memória ou aquilo que excita e ajudaa memória. As instâncias constitutivas são a ordem oua distribuição que manifestamente ajudam a memória,como também é o caso dos tópicos [154] da memóriaartificial,[155] que podem ser lugares, no seusignificado verdadeiro e próprio, como a porta, oângulo, a janela e coisas parecidas, e podem serpessoas, familiares e conhecidas; podem ser, ainda,outras coisas (desde que dispostas em umadeterminada ordem), como animais ou ervas; podemser, ainda, palavras, letras, caracteres, personagens

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históricas, etc. Para cada caso devem ser verificados osque são mais ou menos aptos e cômodos. Tais tópicosajudam significativamente a mente e predispõem-naem relação a forças naturais. Por essa razão os versospermanecem e prendem mais facilmente a memóriaque a prosa. O conjunto ou manípulo dessas trêsinstâncias, ou seja, a ordem, os tópicos da memóriaartificial e os versos, constitui uma só espécie de ajudaà memória de tal espécie que pode chamar-se justa-mente de corte do infinito.[156] Com efeito, quando seprocura recordar alguma coisa ou buscá-la namemória, se não se conta com nenhuma prenoção oupercepção do que se busca, a procura se cumpre demaneira errante, indo-se aqui e ali, e assim quase aoinfinito. Mas, se se dispõe de alguma prenoção segura,subitamente é interrompido o vagar ao infinito e odiscurso da memória se torna mais próximo. Pois bem,na três instâncias supracitadas a prenoção é evidente ecerta: na primeira, trata-se de algo que retoma certaordem; na segunda, trata-se de uma imagem que temalguma relação ou conveniência com os tópicosestabelecidos; na terceira, trata-se de palavras queformam um verso. E assim é que se interrompe o vagarao infinito. Outras instâncias nos oferecerão a seguintesegunda espécie: tudo o que conduz o que é do intelectoà impressão dos sentidos [157] ajuda a memória(conforme uma regra muito seguida pela memóriaartificial). Outras instâncias oferecerão esta terceiraespécie: tudo o que provoca uma impressão, sob umintenso afeto,[158] ou seja, o que infunde medo,admiração, vergonha, deleite, ajuda a memória. Outrasinstâncias oferecerão esta quarta espécie: tudo o que seimprime na mente pura ou antes de estar ocupada oudespreocupada de algo, como o que se aprende na

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infância ou o que se pensa antes do sono e ainda o queacontece pela primeira vez, melhor se fixa na memória.Outras instâncias oferecerão esta quinta espécie: ogrande número de circunstâncias e de ocasiões ajuda amemória como o hábito de escrever-se por partesdescontínuas e a leitura e recitação em voz alta. Outrasinstâncias, finalmente, oferecerão esta sexta espécie:tudo o que se espera e que excita a atenção grava-se namente muito mais que o que transcorre sempreocupação. Por isso, se se ler um escrito vinte vezes,não será aprendido de memória com a facilidaderesultante de dez leituras, nas quais se procure dizer otexto de memória, apenas retomando o escrito quandoaquela falhar.

Assim, seis são as formas menores de ajuda àmemória: a interrupção ou corte do vagar ao infinito, aredução do intelectual ao sensível, a impressãorecebida sob intensa vibração de ânimo, a impressãofeita em uma mente pura, a multidão de ocasiões, aexpectativa prévia.

Da mesma maneira, tome-se, por exemplo, paraa investigação, a natureza do gosto ou da degustação.As instâncias que se seguem são constitutivas: osindivíduos que por natureza são destituídos do olfatosão também providos do gosto, assim não distinguem oalimento rançoso ou podre, como também nãodistinguem o cheiro do alho ou da rosa e coisassemelhantes. Mesmo os indivíduos que ficam com onariz obstruído por catarro não distinguem nempercebem o podre, o rançoso ou o odor da água derosas aspergida sobre algo. Porém, se se provocar adesobstrução do nariz com violento sopro, no mesmoinstante terão a percepção do mau cheiro ou do odor de

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qualquer coisa que tenham na boca. Estas instânciasdarão e constituirão esta espécie ou parte do gosto,tornando claro que o sentido do gosto nada mais e, emparte, que um olfato interno que passa e desce, doscanais superiores do nariz à boca, e ao paladar, e, emcontrapartida, o salgado, o doce, o acre, o ácido, o seco,o amargo e semelhantes, tais sabores, todos eles sãototalmente percebidos pelos que são desprovidos doolfato ou o tenham obstruído. Assim, torna-se evidenteque o sentido do gosto é algo composto do olfatointerno e de uma espécie de tato delicado, do qual nãocabe tratar aqui.

Ainda, do mesmo modo, tome-se, por exemplo,a investigação da natureza da comunicação sem mesclade substância. A instância das luzes oferecerá ouconstituirá uma espécie de comunicação; o calor e omagneto uma outra. Com efeito, a comunicação dasluzes é momentânea e, subitamente, se desvanecequando se tolda sua fonte de irradiação. Por seu turno,o calor e a força magnética depois de transmitidos, oumelhor, excitados em corpo, aderem a ele e nelepermanecem por algum tempo, mesmo na falta doobjeto que originou o movimento.

Em suma, é sobremaneira grande a prerrogativadas instâncias constitutivas, por serem de grandíssimavalia no estabelecimento das definições (especialmenteparticulares) e nas divisões ou partições da natureza, ea cujo respeito disse com acerto Platão “que se deveconsiderar como um Deus o que bem souber definir edividir”.[159]

XXVII

Entre as instâncias prerrogativas, colocaremosem sexto lugar as instâncias conformes ou

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proporcionadas,[160] a que costumamos tambémchamar de paralelas ou semelhanças físicas.[161] E sãoas instâncias que ostentam as semelhanças e asconjunções das coisas, não nas formas menores, comoas instâncias constitutivas, mas simplesmente noconcreto. Constituem por isso como que os primeiros emais baixos graus de unificação da natureza. Nãoconstituem imediatamente, logo de início, um axioma,mas tão-somente indicam e observam certaconformidade entre os corpos. Mesmo não sendo degrande valia para o descobrimento das formas,revelam, contudo, de maneira útil, as estruturas daspartes do universo, perfazendo quase a anatomia deseus membros; por isso, dirigem-se quase pelas mãosaos axiomas nobres e sublimes e especialmente àquelesque se relacionam com a configuração do mundo, emuito pouco servem para se chegar às naturezas ouformas simples.

Por exemplo, são instâncias conformes asseguintes: o espelho e o olho; a estrutura do ouvido edos lugares que produzem eco. A partir dessaconformidade, deixando-se de lado a mera observaçãoda semelhança, bastante útil para muitas coisas, é fácilrecolher e estabelecer o axioma de que os órgãos dossentidos e os corpos que comportam os reflexos sobreos sentidos são semelhantes por natureza. Com isso emconta, o intelecto se eleva sem dificuldade a um axiomamais alto e nobre, que é o seguinte: não há, entre osconsensos ou simpatias dos corpos dotados desensação e os inanimados e privados de sensação,outra diferença que a que os primeiros possuem umcorpo disposto de tal forma a poder receber o espíritoanimal, os segundos não. Assim, quantos sejam osconsensos nos corpos inanimados outros tantos

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poderão ser os sentidos nos corpos dos animais, desdeque para isso haja espaço no corpo animado, suficientepara o espírito animal em um membro adequadamenteordenado como um órgão idôneo. E, ainda, tantossejam os sentidos dos animais quantos serão, semdúvida, os movimentos em um corpo inanimado,desprovido do espírito animal. Mas é necessário que osmovimentos nos corpos inanimados sejam em muitomaior número que os dos sentidos nos corpos anima-dos, em vista da pequenez dos órgãos dos sentidos. Edisso há um exemplo bastante manifesto nas dores.Pois, existindo muitos gêneros de dores nos animais e,por assim dizer, distintos caracteres delas (uma é a dorda queimadura, outra a do frio intenso, outra a de umapontada, outra a de uma distensão e outras do mesmotipo), é absolutamente certo que todas ocorram emcorpos inanimados, em relação ao movimento. E ocaso, por exemplo, da madeira e da pedra, quandoqueimadas, ou quando contraídas pelo gelo, ou quandofuradas, ou quando partidas, ou quando dobradas, ouquando golpeadas, e assim por diante; embora nãohaja sensação, devido à ausência do espírito animal.

Do mesmo modo (embora estranho para serdito), as instâncias conformes são as raízes e os ramosda planta. De fato, todo vegetal, crescendo, aumenta devolume e tende a estender suas partes em círculo, tantopara cima quanto para baixo. Não há outra diferençaentre as raízes e os ramos que o fato de as raízesestarem sob a terra, enquanto os ramos se estenderempelo ar e ao sol. Tome-se um ramo tenro e verde ecoloque-se em uma pequena porção de terra; mesmoantes de se fixar ao terreno, o que logo aparece não éum ramo mas uma raiz. E vice-versa, se se coloca terrana parte superior e por meio de uma pedra ou de uma

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substância dura se arruma a planta de tal forma que elafique comprimida e não possa brotar para cima, elasoltará ramos no ar existente na parte de baixo.

Do mesmo modo, são instâncias conformes aresina das árvores e muitas gemas de rubi. Umas eoutras, de fato, são exsudações e filtrações de sucos, noprimeiro caso de árvores, no segundo, de seixos. Daí aexistência em ambos do esplendor e brilho causados,sem dúvida, pela filtração delicada e perfeita. Daíprocede também o fato de os pêlos dos animais nãoserem tão belos e de cores tão vivas como as penas dasaves — pois os sucos não se filtram pela pele com amesma delicadeza que pelos pequenos tubos das penas.

Do mesmo modo, são instâncias conformes oescroto nos animais masculinos e a matriz nas fêmeas.Pois a notável estrutura que permite ao sexo sediferenciar (pelo menos os animais terrestres) nãoparece ser outra coisa que a diferença entre o interno eo externo; ou seja, o calor, que tem maior força no sexomasculino, impele para fora as partes genitais; aopasso que nas fêmeas tal não ocorre, porque o calor émais fraco e as partes genitais ficam contidas nointerior.[162] Do mesmo modo, são instânciasconformes as barbatanas dos peixes, os pés dosquadrúpedes, os pés e as asas das aves, ao queAristóteles acrescenta as quatros flexões que fazem asserpentes.[163] Assim, na estrutura do universo omovimento dos seres vivos parece poder ser explicadocom dois pares de artelhos ou membros flexíveis.

E do mesmo modo são instâncias conformes osdentes dos animais terrestres e o bico das aves: emvista do que se torna claro que todos os animaisperfeitos têm algo de duro na boca.

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Do mesmo modo, não é absurda a semelhança econformidade graças às quais o homem parece umaplanta invertida. De fato, a raiz dos nervos e dasfaculdades dos animais é a cabeça; as partes seminaissão as mais baixas, sem se levar em conta asextremidades das pernas e dos braços. Na planta, aocontrário, é a raiz que está no lugar da cabeça, que estásituada na parte mais baixa, e as sementes na partemais alta.

Finalmente deve ser sempre lembrado que todasas investigações diligentes e toda coleta de fatosempreendidas pela história natural devem mudar dedireção e voltarem-se para um fim contrário àquelespara os quais ora são dirigidas. Até agora os homenstiveram grande curiosidade por conhecer a verdade dascoisas e por explicar de modo apurado as diferençasexistentes entre os animais, entre as ervas e entre osfósseis. Tais diferenças, na sua maior parte, são comoque caprichos da natureza e não coisas de algumautilidade para a ciência. Prestam-se, certamente, aodivertimento, às vezes servem à prática, mas muitopouco ou nada para a prospecção da natureza. Por issotoda obra deve voltar-se inteiramente para ainvestigação e a observação das semelhanças e dasanalogias, seja no todo ou nas partes. Estas são, comefeito, as que conferem unidade à natureza e dão inícioà constituição da ciência.

Mas em tudo é absolutamente necessárioobservar-se uma grave e severa cautela, pois se aceitamcomo instâncias conformes e proporcionadas apenas asque denotam, como antes foi dito, semelhanças físicas,isto é, reais e substanciais e fundadas na natureza, enão as meramente casuais e especiosas, como as que

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exibem os escritores de magia natural (homenslevianos que não mereciam ser mencionados nosassuntos graves de que tratamos), os quais, comgrande vaidade e ignorância, descrevem imagináriassemelhanças e fictícia simpatia entre as coisas, que elesmesmos inventam.

Mas, deixando isso de lado, acrescentamos quenem mesmo na configuração do mundo, nos seus maisamplos espaços, devem-se negligenciar as instânciasconformes. A África e a região do Peru, com seucontinente que se estende até o estreito de Magalhães,apresentam istmos e promontórios semelhantes, o quenão pode ocorrer por acaso.

Também o Novo e o Velho Mundo secorrespondem no fato de que ambos se alargam nosentido setentrional e, ao contrário, nos meridianos sãoestreitos e terminam em ponta.

Do mesmo modo, notáveis instâncias conformessão os frios intensos que reinam na chamada regiãomédia do ar, bem como os fogos fortíssimos quemuitas vezes irrompem das regiões subterrâneas; duascoisas que são limites e extremas, ou seja, a naturezado frio que tende para a região do céu, e a natureza docalor, que tende para as entranhas da terra. Isso ocorrepor antiperístase ou repulsão da natureza contrária.

Finalmente, é digna de nota, nos axiomas dasciências, a conformidade das instâncias. Assim o tropoda retórica chamado Praeter Expectatum [164] está deacordo com o tropo musical chamado DeclinatioCadentiae.[165] Da mesma maneira, o postuladomatemático de que “os ângulos iguais a um terceiro sãoiguais entre si” é conforme à estrutura lógica dosilogismo, que une as coisas que concordam ou convêm

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a um termo médio. É de muita utilidade, emnumerosas investigações, a sagacidade no descobrir eno indagar as conformidades e as semelhanças físicas.

XXVIII

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emsétimo lugar as instâncias monádicas,[166] a quetambém costumamos chamar de irregulares ouheteróclitas,[167] tomando o vocábulo dos gramáticos.São aquelas que mostram ao concreto os corpos queparecem extravagâncias ou quase inesperados nanatureza e que não estão de acordo com as outrascoisas do mesmo gênero. Enquanto as instânciasconformes são semelhantes umas às outras, asinstâncias monádicas só são semelhantes a si mesmas.O seu uso é idêntico ao das instâncias clandestinas, ouseja, servem para ressaltar e unir a natureza, naidentificação dos gêneros ou naturezas comuns, quedepois devem ser delimitados pelas diferençasverdadeiras. Não se deve desistir da investigaçãoenquanto as propriedades e as qualidades que seencontram nas coisas, e podem ser consideradasespantosas na natureza, não fiquem reduzidas oucompreendidas segundo alguma forma ou lei certa, demaneira a ficar indicado que todo fenômeno irregular esingular depende de alguma forma comum; e que omilagre, enfim, seja colocado na dependência deapenas algumas diferenças específicas bemdeterminadas, e num grau e numa proporçãoraríssimos, e não na dependência da própria espécie.Mas atualmente as preocupações dos homens não vãomais longe que a determinação de tais coisas, como sefossem segredos e significativas manifestações danatureza,[168] como se se tratasse de fatos sem causa,

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e assim acabam sendo consideradas como exceções dasregras gerais.

São exemplos de instâncias monádicas, entre osastros, o sol e a lua; o magneto, entre as pedras; omercúrio, entre os metais; o elefante, entre osquadrúpedes; a sensibilidade erótica, entre as espéciesde tato; o faro da caça nos cães, entre os gêneros deolfato. Também a letra S entre os gramáticos é tomadacomo uma letra monádica pela facilidade que tem de secombinar, seja com duas outras, com outras trêsconsoantes, o que não ocorre com nenhuma outra letra.As instâncias deste tipo devem ser levadas em grandeconta, porque aguçam e estimulam a investigação ecorrigem o intelecto depravado pelo hábito e pelasocorrências rotineiras.

XXIX

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emoitavo lugar as instâncias desviantes,[169] ou seja, oserros da natureza, as coisas vagas e monstruosas, nosquais a natureza rompe e se desvia do seu cursonatural. Os erros da natureza e as instâncias monádicasdiferem no fato de que os primeiros são milagres dosindivíduos enquanto que as segundas são milagres daespécie. Mas o seu uso é quase o mesmo, pois retificamo intelecto da experiência habitual e revelam as formascomuns. Também aqui não se deve abandonar ainvestigação até que se descubra a causa do desvio. Naverdade, essas causas não alcançam propriamentequalquer forma, mas chegam até ao processo latenteque conduz à forma; e quem conhece comfamiliaridade os caminhos da natureza facilmenteobservará os seus desvios. Por outro lado, aquele queestá familiarizado com os desvios mais acuradamente

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descreverá aqueles caminhos. As instâncias monádicastambém se diferenciam pelo fato de serem muito maisinstrutivas para a prática e para a parte operativa. Defato, seria algo muito difícil o surgimento de novasespécies; mas a variação das espécies já conhecidas e,com isso, a produção de uma infinidade de coisas rarasinusitadas, seria tarefa menos árdua. Com efeito, fácil éo passo dos milagres da natureza aos milagres daarte.[170] Uma vez que se surpreenda a natureza emuma variação, e se indique claramente a sua razão, serádepois fácil, pela arte, repará-la em seu descaminhoacidental. E não apenas em relação a este erro, masainda em relação a outros; pois os erros em umdeterminado passo abrem caminho a erros e desviospor toda parte. E aqui não é o caso de se indicarexemplos, dada a sua grande abundância: deve-seproceder a uma coleta ou a uma história natural detodos os monstros e partos prodigiosos da natureza; detudo o que na natureza é novo, raro e excepcional. Masa escolha deve ser muito severa para que mereça fé.Sobretudo devem considerar-se como suspeitos osmilagres que se originam de alguma maneira dassuperstições, como os prodígios relatados por TitoLívio, como também os que se encontram nosescritores de magia natural e de alquimia, e pessoas dogênero, que são próceres e amantes das fábulas. Osreferidos fatos devem ser buscados em histórias sériase em tradições seguras.

XXX

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emnono lugar as instâncias limítrofes e as que tambémcostumamos chamar de partícipes.[171] São as querevelam aquelas espécies de corpos que parecem

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compostos de duas espécies ou de rudimentos entreuma espécie e outra. Estas instâncias podem tambémser incluídas entre as monádicas ou heteróclitas, poissão raras e extraordinárias no universo. Mas quanto aoseu valor devem ser consideradas à parte e por simesmas. Elas servem para indicar a estrutura e acomposição das coisas, e sugerem as causas do númeroe da qualidade das espécies ordinárias no universo, eorientam o universo, daquilo que é para o que pode ser.

Como exemplos, têm-se: o musgo, que fica entrea matéria podre e a planta; certos cometas, que ficamentre as estrelas e os meteoros incandescentes; ospeixes voadores, entre os pássaros e os peixes; osmorcegos, entre as aves e quadrúpedes; e também

“O símio, tão repugnante entre osanimaisquanto próximo de nós”;[172]

e os partos de animais biformes ou mistos dediversas espécies; e coisas semelhantes.

XXXI

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emdécimo lugar as instâncias de potestade ou do cetro[173] (tomando o vocábulo das insígnias de império),as quais também costumamos chamar de engenho oudas mãos do homem. São as obras mais nobres eperfeitas e quase sempre as últimas de qualquer arte.Pois, se se busca acima de tudo fazer com que anatureza atenda às necessidades e às comodidadeshumanas, é natural que se considerem e enumerem ascoisas que já se encontram em poder do homem comomuitas outras províncias já ocupadas e antessubjugadas; especialmente as que são mais completas e

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perfeitas, pois destas é mais fácil e próxima apassagem às obras novas e ainda não inventadas. Defato, se alguém quiser, pela consideração atenta de taisobras, progredir nas suas próprias com acuidade einventividade, certamente acabará por conseguirdesviar aquelas até um ponto próximo das suas ouconseguirá aplicá-las ou transferi-las para um uso maisnobre.

E não é tudo. Assim como das obras raras e forada rotina da natureza o intelecto se levanta e eleva-seaté a investigação e o descobrimento de formas capazesde incluir também aquelas, da mesma forma vê-se serisso aplicável em obras de arte excelentes e dignas deadmiração; e isso é tanto mais verdadeiro quando sesabe que o modo de realizar e executar tais milagres daarte é, na maior parte dos casos, simples, enquanto quena maior parte das vezes é obscuro nos prodígios danatureza. Contudo, em tais casos devem-se tomar todosos cuidados para que não deprimam o intelecto e, porassim dizer, ponham-no por terra.

Há perigo de que por meio de tais obras de arte,que são consideradas como os cumes e os píncaros daindústria humana, o intelecto humano chegue a ficaratônito e atado e como que embaraçado em relação aelas, e isso a tal ponto que não se habitue a outras, maspense que nada mais pode ser feito naquele setor a nãoser com o uso do mesmo procedimento com queaquelas foram executadas, desdenhando, assim, oemprego de uma maior atenção e de uma mais cuidadapreparação.

Mas, na verdade, é certo que os caminhos eprocedimentos relacionados com as obras e as coisas,inventadas e até agora observadas, em sua maior parte

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são muito pobres. Pois todo poder realmente grandedepende e emana, de forma ordenada, das formas, enenhuma delas foi até agora descoberta.

Assim (como já dissemos),[174] se se pensa nasmáquinas de guerra e nas alhetas usadas pelos antigos,ainda que em tal meditação se consuma toda a vida,jamais se chegará à descoberta das armas de fogo queatuam por meio da pólvora. Do mesmo, modo, quempuser toda a sua atenção e aplicação na manufatura dalã e do algodão nunca alcançará, por tais meios, anatureza do bicho-da-seda, nem a da seda.

A esse respeito, pode observar-se que todas asdescobertas, dignas de serem consideradas como maisnobres, quando bem examinadas, não poderão sertomadas como o resultado do desenvolvimento graduale da extensão, mas do acaso. E nada há que possasubstitui-lo, pois o acaso só atua a longos intervalos,através dos séculos, e não intervém na descoberta dasformas.

Não é necessário aduzirem-se exemplosparticulares dessas instâncias, em vista de sua grandequantidade. É suficiente passar em revista eexaminar-se atentamente todas as artes mecânicas einclusive as artes liberais, quando relacionadas com aprática, e delas se retirar uma coleção de históriaparticular das maiores, das mais perfeitas obras decada uma das artes, ao lado dos respectivos procedi-mentos de produção e execução.

Em tal coleção não queremos, porém, que ocuidado do investigador se limite a recolherunicamente as consideradas obras-primas e ossegredos desta ou daquela arte, que é o que provocaadmiração. Pois a admiração é filha da raridade e as

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coisas raras, mesmo que em seu gênero procedam denaturezas vulgares, provocam a imaginação.

E, ao contrário, as que deveriam realmenteprovocar admiração, pela diversidade que revelam emrelação a outras espécies, são pouco notadas etornam-se de uso corrente. As instâncias monádicas daarte devem ser observadas com a mesma atenção queas da natureza, de que já falamos antes.[175] Comoentre monádicas da natureza colocamos o sol, a lua, omagneto, etc., coisas muito conhecidas, mas denatureza quase única, o mesmo deve ser feito emrelação às monádicas da arte.

Exemplo de instâncias monádicas da arte é opapel, coisa sobremaneira conhecida. Com efeito, sebem observadas, ver-se-á que as matérias artificiais sãoou simplesmente tecidas, por urdidura com fios retos etransversais, como é o caso dos gêneros de seda, de lãou de linho e coisas semelhantes, ou são placas desucos endurecidos, como o ladrilho, a argila decerâmica, o esmalte, a porcelana e substânciassemelhantes, que, quando são bem unidas, brilham, equando o são menos, brilham, embora igualmenteduras. Mas todas essas coisas que se fazem de sucosprensados são frágeis e não possuem aderência outenacidade, O papel, porém, é um corpo tenaz, quepode ser cortado e rasgado, e tanto se parece com apele do animal quanto com as folhas da planta, ou comalgum produto semelhante da natureza. E não é frágilcomo o vidro; não é tecido como o pano; mas possuifibra e não fios separados, à maneira das matériasnaturais; entre as matérias artificiais não se encontranenhuma semelhante: bem por isso trata-se de umainstância monádica. Entre as substâncias artificiais,

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devem preferir-se as que mais se aproximam danatureza, em caso contrário devem ser preferidas asque a dominam e, com vigor, modificam-na.

Entre as instâncias de engenho ou da mão dohomem, não devem ser desprezados a prestidigitação eos jogos de destrezas; muitos deles, mesmo sendo deuso superficial e como diversão, podem propiciarinformações úteis. Finalmente, não podem também seromitidas as coisas supersticiosas e mágicas (no sentidovulgar da palavra). Ainda que se trate de coisasrecobertas de uma pesada massa de mentiras e defábulas, mesmo assim devem ser observadas para severificar, mesmo por acaso, alguma operação natural.Referimo-nos a fatos como o do ilusionismo ou dofortalecimento da imaginação, ou da simpatia dascoisas a distância, o da transmissão de um espírito aoutro, como de um corpo a outro, e fatossemelhantes.[176]

XXXII

De tudo que foi dito antes, fica claro que as cincoinstâncias de que tratamos (a saber: instânciasconformes, instâncias monádicas, instânciasdesviantes, instâncias limítrofes e instâncias depotestade) não devem ficar guardadas até que se estudeuma natureza adequada (como deve ser feito com asoutras instâncias propostas e com outras que vêm aseguir); ao contrário, deve-se imediatamente fazer umacoleção delas como uma espécie de história particular,pois servem para digerir as coisas que penetram nointelecto e para corrigir a própria constituição dointelecto, que não está infenso à perversão e àdeformação nas suas incursões cotidianas e rotineiras.

Essas instâncias devem ser utilizadas como uma

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espécie de remédio preparatório para retificação epurificação do intelecto. Pois tudo o que afasta ointelecto das coisas habituais aplaina e nivela a suasuperfície para a recepção da luz seca e pura dasnoções verdadeiras.

Além disso, essas instâncias abrem e preparamo caminho para a parte operativa; como diremos nolugar próprio quando tratarmos das deduções para aprática.[177]

XXXIII

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emdécimo primeiro lugar as instâncias deacompanhamento e as instâncias hostis,[178] a quecostumamos também chamar de instâncias dasproposições fixas. São essas instâncias que revelamalgum corpo ou matéria, com o qual a naturezainvestigada sempre se apresenta como com umacompanheira inseparável; mas do qual, por seu turno,a natureza se afasta sempre e procura exclui-lo comoestranho e inimigo. A partir de tais instânciasformam-se proposições certas e universais, afirmativasou negativas, nas quais o sujeito será o referido objetoconcreto e o predicado a própria natureza investigada.As proposições particulares não são de modo algumfixas; em vista disso a natureza investigada seencontra, fluida e móvel, em um corpo concreto ouassentada em condições de ser adquirida ou seinterrompe e é deposta. Por isso, deve ser lembradoque as proposições particulares não têm maiorprerrogativa, com exceção dos casos de migração deque antes já falamos.[179] Apesar disso, as proposiçõesparticulares, confrontadas e comparadas com asuniversais, são de grande ajuda, como mais adiante

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diremos. Contudo, nessas proposições universais jánão se requer uma afirmação ou negação absolutas,pois são suficientes para o seu uso, ainda que hajaalguma rara exceção.

O uso das instâncias de acompanhamento é odelimitar a investigação afirmativa da forma. Como asinstâncias migrantes delimitam a investigaçãoafirmativa da forma, estabelecendo como condiçãonecessária que a forma seja qualquer coisa que porqualquer ato de migração se adquire ou se perde, assimtambém, as instâncias de acompanhamentoestabelecem como condição necessária que a forma sejaqualquer coisa que penetre a concreção do corpo, ouque dela se afaste. Em vista disso, quem conhece bem aconstituição ou esquematismo de um corpo não estarámuito longe de trazer à luz a forma da naturezainvestigada.

Por exemplo, suponha-se que a naturezainvestigada é o calor; instância de acompanhamento é achama. Na água, no ar, na pedra, no metal e emmuitíssimos outros corpos, o calor é móvel e pode ounão se exercer, mas toda chama é quente e o calor ésempre encontrado na concreção da chama. Mas entrenós não se encontra qualquer instância hostil ao calor.Os nossos sentidos não conhecem com segurança atemperatura das entranhas da terra, mas de todos oscorpos conhecidos não há qualquer concreção que nãoseja suscetível de calor.

Suponha-se, agora, que a natureza a serinvestigada seja da consistência; instância hostil é o ar.De fato, o metal pode ser fluido e pode ser consistente;igualmente o vidro; e até a água pode se tornar sólidaquando gela; mas é impossível que o ar se torne

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consistente e perca a sua fluidez.Restam-nos duas observações ou advertências

sobre as instâncias dessas proposições fixas, que são deutilidade para o nosso trabalho. A primeira é a de que,se falta completamente a universal afirmativa ounegativa, com cuidado nota-se como não existente; talcomo fizemos com o calor, no qual falta uma universalnegativa (pelo que se conhece) na natureza das coisas.Assim, se a natureza investigada é o eterno ou oincorruptível, entre nós falta a universal afirmativa,pois não se pode predicar o eterno e o incorruptível denenhum dos corpos que se encontra sob o céu ou sobrea crosta da terra. A segunda advertência é a de que àsproposições universais, tanto negativas quantoafirmativas, devem juntar-se aquelas instânciasconcretas que parecem aderir ao que é inexistente,como no caso do calor as chamas muito fracas e quequeimam muito pouco; e no da incorruptibilidade, oouro é o que dela mais se aproxima. Todas essas coisas,de fato, indicam os limites da natureza entre oexistente e o não existente e constituem ascircunscrições das formas,[180] para que não sedesprendam e ponham-se a vagar fora das condiçõesda matéria.

XXXIV

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emdécimo segundo lugar as instâncias subjuntivas,[181] aque já nos referimos no aforismo anterior e a quecostumamos chamar também de instâncias daextremidade ou do termo.[182] Tais instâncias não sãoúteis apenas se juntas a proposições fixas, mas tambémpor si mesmas e em suas próprias propriedades.Indicam, de um modo não obscuro, as dimensões das

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coisas e as verdadeiras divisões da natureza, o limiteaté o qual atua a natureza e produz algo, e, enfim, apassagem da natureza a outra coisa. É o caso do ouroem relação ao peso; do ferro em relação à dureza; dabaleia em relação ao tamanho dos animais; do cão emrelação ao olfato; da inflamação da pólvora em relaçãoà expansão violenta; e coisas semelhantes. Tais coisasse colocam no grau mais elevado, mas não se devedeixar de ter em igual conta as coisas que estão nosgraus inferiores mais baixos, como o espírito do vinhoem relação ao peso; a seda em relação à suavidade; osvermes da pele em relação ao tamanho dos animais,etc.

XXXIV

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emdécimo terceiro lugar as instâncias de aliança ou deunião.[183] São as que confundem e reúnem naturezasconsideradas como heterogêneas, e que as divisõesusuais designam e consideram como tal.

As instâncias de aliança mostram que asoperações e os efeitos que se atribuem como própriosde qualquer das naturezas heterogêneas pertencemtambém a outras naturezas heterogêneas. Com isso secomprova que aquela suposta heterogeneidade não éverdadeira ou essencial, nada mais sendo que umamodificação da natureza comum. Bem por isso, são degrande utilidade para conduzir e elevar o intelecto dasdiferenças específicas aos gêneros, e para dissipar asfalsas imagens das coisas que constituem a máscaracom que a nós se apresentam as naturezas nassubstâncias concretas.

Por exemplo, tome-se para investigação anatureza do calor. Tome-se como completamente

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consagrada e autorizada a distinção do calor em trêsgêneros: o calor dos corpos celestes, o calor dos ani-mais e o calor do fogo, e que tais gêneros de calordiferem, entre si, pela própria essência e pela espécie,ou pela natureza específica, sendo dessa formacompletamente heterogêneos. Especialmente o calor dofogo se comparado com os outros dois, uma vez que ocalor dos animais e dos corpos celestes engendra ereanima enquanto o do fogo destrói e consome.Pertence por isso às instâncias de aliança o conhecidoexperimento no qual se introduz o ramo de vinha emuma casa onde permanece aceso um foco de fogo, o quefaz com que a uva amadureça até um mês antes do quese estivesse fora. Assim, o amadurecimento da frutaainda presa à árvore pode ocorrer graças ao fogo,quando parecia um efeito reservado à ação do sol.Desde o início o intelecto, deixando de lado a teoria daheterogeneidade essencial, dispõe-se facilmente ainvestigar as verdadeiras diferenças que há narealidade entre o calor do sol e o do fogo, das quaisresulta que suas operações sejam tão diversas, emboraem si mesmos participem de uma natureza comum.

As diferenças são em número de quatro. Aprimeira é a de que o calor do sol, comparado com ocalor do fogo, é muito mais leve e moderado; a segundaé de que em qualidade é muito mais úmido,especialmente porque chega até nós através daatmosfera; a terceira (que é a mais importante) ésumamente desigual: quando se aproxima aumenta,quando se distancia diminui, o que contribui muitopara a geração dos corpos. Aristóteles com razãoassegura que a causa principal das gerações e dascorrupções que ocorrem sobre a superfície da terrareside no curso oblíquo do sol sobre o zodíaco,[184]

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ocasião em que o calor solar, quer durante aaproximação do dia e da noite, quer durante a sucessãodas estações, resulta sempre estranhamente diverso.Mas Aristóteles não deixa de desfigurar e corromperessa correta sentença, porque, colocando-se comoárbitro da natureza, como era de seu feitio, indica, demodo autoritário, como causa da geração aaproximação e como causa da corrupção odistanciamento do sol. Na verdade, a proximidade e odistanciamento do sol, indiferentemente, são causastanto da geração como da corrupção. Pois a diversidadedo calor ajuda tanto a um como a outro processo,enquanto a sua constância serve apenas para aconservação dos corpos. Mas há ainda uma quartadiferença entre o calor do sol e o do fogo e que é muitoimportante: a de que as operações do sol sedesenvolvem durante um lapso bastante longo,enquanto a duração do fogo, atiçada pela impaciênciahumana, desenvolve-se e é levada a termo em lapsobreve. Porém, se se procura amainar e reduzir o calordo fogo a um grau mais moderado e mais leve deintensidade, o que é possível de muitas maneiras,aspergindo ar úmido para reproduzir a diversidade docalor solar, depois de um processo lento (não tão lentocomo o que ocorre devido às operações do sol, masmais longo do que o que ocorre comumente pelasoperações comuns do fogo), será então observado odesaparecimento de toda a heterogeneidade entre osdois gêneros de calor, e será possível imitar a ação dosol e, até mesmo, em alguns casos, superá-lo com ocalor do fogo. Uma outra instância de aliança é arevivescência, colocada em estado letárgico e quasemorta pelo frio, graças à ação de um débil torpor dofogo. Daí facilmente se retira a conseqüência de que o

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fogo tanto serve para restituir a vida aos animais comopara sazonar os frutos. Também é célebre a invençãode Fracastoro,[185] da ventos a muito quente, que osmédicos colocam na cabeça dos apopléticos emgravíssimo estado, a qual lhes devolve a vida,colocando em movimento os espíritos animais,comprimidos e sufocados pelos tumores e pelasobstruções do cérebro. É exatamente como age o fogosobre a água ou sobre o ar. Ainda, às vezes, o calor dofogo abre os ovos, reproduzindo o próprio calor animal.E há ainda muitos exemplos semelhantes que não sãopassíveis de dúvida, de que o calor do fogo em muitasocasiões pode ser substituído eficazmente pelo calordos corpos celestes e pelo calor dos animais.

Igualmente, tomem-se para investigação asnaturezas do movimento e do repouso. Parece haveruma solene diferença, extraída dos arcanos da filosofia,de que os corpos naturais ou giram ou seguem emlinha reta, ou ficam em repouso e quietos. Pois podeocorrer o movimento sem término ou o repouso semtérmino, ou movimento para o término. Pois bem, omovimento de rotação perene parece ser próprio doscorpos celestes, o repouso ou a quietude parecempertencer ao globo terrestre; e os outros corpos que sãochamados pesados e leves, colocados fora do seuslugares naturais, movem-se em linha reta no sentido damassa ou agregado dos corpos semelhantes, isto é,leves, para cima, em direção ao sol; os pesados, parabaixo em direção à terra. E são belas palavras paraserem ditas![186]

Uma instância de aliança é um cometa qualquer,mesmo dos mais baixos, que, apesar de estar muitoabaixo do céu, mesmo assim tem movimento circular.

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E já foi abandonado o juízo de Aristóteles,[187]segundo o qual haveria um encadeamento de cometas,ligando-os a alguma estrela, o mesmo não acontecendocom os satélites. Não só as suas razões são improváveiscomo também a experiência mostra o percurso errantee irregular que têm os cometas no céu.

Outra instância semelhante de aliança sobreesse assunto é o movimento do ar, que nos trópicos(onde os círculos de rotação são mais amplos) gira dooriente para o ocidente.

E uma outra instância poderia ser o fluxo e orefluxo do mar, se se conseguisse averiguar que aspróprias águas têm um movimento de rotação (aindaque débil e lento), do oriente para o ocidente; mas deforma tal que haja um movimento completo duas vezespor dia. Se assim são as coisas, é evidente que omovimento de rotação não se limita aos corposcelestes, mas que também se comunica ao ar e a água.Também a propriedade dos corpos leves de tenderempara o alto é duvidosa. Em relação a isso pode-se tomaruma bolha de água como instância de aliança. De fato,quando se introduz ar debaixo da água, aquele soberapidamente para a superfície, por um movimento depercussão, como o chama Demócrito,[188] isto é,graças ao próprio golpe da água que desce é que o ar éexpelido, e não por alguma força própria. E, quandochega à superfície, o ar é impedido pela própria águade sair rapidamente, pois, mesmo que a resistência daágua seja muito débil, ela não suporta com muitafacilidade a interrupção da sua continuidade, por maisforte que seja o impulso do ar no sentido das regiõessuperiores.

Tome-se igualmente para a investigação a

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natureza do peso. A distinção, comumente aceita, é ade que os corpos densos e sólidos movem-se emdireção ao centro da terra e os corpos leves e tênues emdireção aos céus, como seus lugares naturais. Mas talopinião (ainda que bem aceita nas escolas), de que oslugares têm alguma força, é inteiramente estúpida epueril. Provoca o riso dos filósofos que afirmam que, sea terra fosse perfurada, os corpos pesados parariam aochegar ao centro. Na verdade seria uma grande forçado nada, ou de um ponto matemático, a de atrair parasi os corpos, ou o que se queira! Um corpo só pode serafetado por um outro corpo e a tendência a subir e adescer está ou no esquematismo que se move ou no seuconsenso ou simpatia com um outro corpo. E, se seencontrasse um corpo denso e sólido que caísse para aterra, estaria já refutada essa distinção. Mas se seaceita a opinião de Gilbert [189] de que a forçamagnética da terra para atrair os corpos graves não vaialém da órbita de sua atividade (pois ela atua sempreaté uma certa distância e não mais), e se se pudesseprovar isso com algum exemplo, teríamos por fim umainstância de aliança nessa matéria. Contudo, até agoranão se observou nenhuma instância certa e evidente aesse respeito. Uma instância próxima é dada peloscaracteres do céu conhecidos dos navegantes do oceanoAtlântico a caminho das Índias Orientais ouOcidentais. Repentinamente vertem os céus tanta águaque parece se ter formado, nessas alturas, comantecedência, uma porção de água, que ai permaneceususpensa, e que foi desalojada e arremessada por umacausa violenta, não parecendo dever-se o fenômeno aomovimento natural da gravidade. Em vista dissopode-se chegar à conclusão de que uma massa dematéria densa e compacta, colocada a grande distância

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da terra, continuaria suspensa, como a própria terra,sem cair, a não ser se provocada. Mas não se pode termuita certeza disso. Deste e de outros exemplospode-se chegar à conclusão do quanto falta à histórianatural de que dispomos, pois somos obrigados aservirmo-nos de seus exemplos no lugar de instânciascertas.

Igualmente, tome-se como exemplo parainvestigação o discurso da razão.[190] Parece bemfundada a famosa divisão da racionalidade do homeme da instintividade dos animais. Contudo, algumasações das bestas parecem indicar que elas quase quesabem fazer uso do silogismo. Conta-se, por exemplo,que um corvo, estando quase morto de sede, devido agrande seca, encontrou água na cavidade de um troncode árvore, e como não pudesse penetrar pela estreitaabertura, pôde a jogar pedras até que, subindo o nívelda água, por fim, pôde matar a sede, passando tal fatoa provérbio.[191]

Da mesma maneira, proceda-se à investigaçãoda natureza do visível. Para não comportar objeções, adistinção entre a luz, que é o meio comum que permitea visão dos objetos, e a cor, que é o meio subordinado,porque não pode surgir sem a luz, da qual parece nadamais ser que uma imagem ou modificação: a respeito,constituem instâncias de aliança, de um lado a neve emgrande quantidade, e de outro, a chama do enxofre. Noprimeiro caso parece haver uma cor primariamentereluzente, no segundo, uma luz em vias de assumiruma cor.

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Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emdécimo quarto lugar as instâncias cruciais,[192]

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vocábulo tomado às cruzes que se colocam nas estradaspara indicar as bifurcações. Também as costumamoschamar de instâncias decisivas e judiciais [193] e, emalguns casos, de instâncias de oráculo emandato.[194] São elas descritas como se segue.Quando, na investigação de uma natureza, o intelectose acha inseguro e em vias de se decidir entre duas oumais naturezas que se devem atribuir à causa danatureza examinada, em vista do concurso freqüente ecomum de mais naturezas, em tais situações, asinstâncias cruciais indicam que o vínculo de umadessas naturezas com a natureza dada é constante eindissolúvel, enquanto o das outras é variável edissociável. A questão é resolvida e é aceita como causada primeira natureza, enquanto as demais sãoafastadas e repudiadas. Tais instâncias são muitoesclarecedoras e têm uma significativa autoridade.Muitas vezes, nelas termina o curso da investigação ouem muitas outras este é por elas completado. Mas àsvezes as instâncias cruciais aparecem entre asinstâncias antes indicadas; mas, em sua maior parte,são buscadas, aplicadas intencionalmente e estabele-cidas com trabalho árduo e diligente.

Como exemplo para a investigação, tome-se ofluxo e o refluxo do mar, que se repete duas vezes pordia, durante seis horas o fluxo e seis horas o refluxo,com intervalos regulares, e com alguma diferença quecoincide com o movimento da lua. Tem-se aí umabifurcação ou encruzilhada.

Esse movimento necessariamente é provocadopor uma das seguintes causas: ou pelo movimento daágua de um lugar para outro, como acontece quando seagita uma vasilha, ou pela subida e descida da água a

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partir do fundo, como acontece com a água fervente,que sobe borbulhando e depois se acalma. O problemareside em se relacionar o fluxo e o refluxo a uma dessascausas. Se é a primeira escolhida, segue-se queenquanto há fluxo de um lado do mar em algum outro,ao mesmo tempo, deve haver refluxo. E necessárioverificar se isso é verdadeiro. Contudo, as observaçõesfeitas por Acosta,[195] ao lado das de outrosobservadores cuidadosos, testemunham que o fluxoocorre ao mesmo tempo sobre as costas da Flórida enas costas do lado oposto, da Espanha e da África, omesmo ocorrendo com o refluxo. Ao contrário,portanto, do que se poderia esperar, ou seja, havendofluxo na costa da Flórida teria de haver refluxo nascostas da Espanha e da África. Examinando o assuntomais atentamente, não fica rechaçado o movimento deprogressão em favor do movimento de elevação.

De fato, poderia ocorrer que o movimento deprogressão provocasse, ao mesmo tempo, a inundaçãodas praias opostas de um mesmo leito, como acontecenos rios, quando as águas trazidas de outra partesobem e baixam em ambas as margens nas mesmashoras. Mas, assim mesmo, trata-se de um movimentode progressão. Desse modo, pode ocorrer que as águasprovenientes em grande quantidade do oceano OrientalIndico sejam lançadas no leito do oceano Atlântico,provocando a inundação simultânea das praiasopostas. O fluxo poderia assim se verificar no marAustral, que na verdade não é menor que o Atlântico,mas mais largo e extenso.

Com isso chegamos, finalmente, a uma instânciacrucial. Se soubéssemos seguramente que, quandoocorre o fluxo nas duas praias opostas da Flórida e da

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Espanha no Atlântico, o mesmo ocorre no Peru e nodorso da China, no mar Austral, então, essa seria umainstância decisiva que conduziria ao repúdio domovimento progressivo como causa, pois não haveriaoutro mar ou lugar onde pudesse ocorrer o retorno ou orefluxo ao mesmo tempo. Tal fato pode facilmente serverificado através dos habitantes do Panamá e de Lima(onde se localiza o pequeno istmo que separa o oceanoAtlântico do Austral), que podem observar se o fluxo eo refluxo ocorrem ao mesmo tempo em uma e outraface do istmo ou não. Esta seria a solução, conside-rando-se a terra como imóvel; mas se a terra gira,poderia ocorrer, devido à desigualdade do movimentode velocidade e de aceleração da terra e das águas domar, que isso provocasse violenta agitação das águas,que seriam arremessadas para o alto, produzindo ofluxo; e que depois, caindo, abandonadas a si mesmas,ocasionariam o refluxo. Mas esse seria assunto paraoutra investigação. Porém, deve ficar assentado que, seocorre o fluxo em algum lugar, há necessidade de queem algum outro ocorra o refluxo ao mesmo tempo.

Semelhantemente, tome-se como objeto deinvestigação a natureza do movimento que acabamosde supor, ou seja, o movimento marinho de subida e dedescida das águas, para que se possa (depois de umdiligente exame) rechaçar o mencionado movimentoprogressivo. Deparamo-nos, então, com umatrifurcação. É necessário que este movimento, graçasao qual as águas sobem e descem, sem o concurso doimpulso das águas de outro mar, ocorra de uma dessastrês maneiras seguintes. Que tal quantidade de águasurja das entranhas da terra e para elas de novo serecolha; ou que não haja qualquer quantidade maior deágua, mas que as mesmas águas, sem aumentar a sua

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quantidade, dilatem-se ou rarifiquem-se a ponto deocupar maior espaço e dimensão, e depois secontraiam para o volume inicial; ou que não hajaaumento nem de quantidade e nem de extensão, masque as mesmas águas (tal como são em quantidade,densidade e rarefação) subam e depois desçam emrazão de uma força magnética que as atrai para o alto epor simpatia. Assim, deixando de lado os doisprimeiros movimentos, vamos restringir a questão (seassim se desejar) a este último movimento, procurandoinvestigar se há a elevação por consenso, simpatia ouforça magnética.[196] Em primeiro lugar, é manifestoque a totalidade das águas contidas no vão do mar nãose pode elevar de uma vez, por falta de algo que asubstitua no fundo; se houvesse nas águas umatendência nesse sentido, ela seria reprimida einterrompida pela força de coesão das coisas ou (comose diz vulgarmente) para se evitar a produção do vazio.Em conseqüência, o que resta é que as águas se elevamde um lado e de outro diminuem e abaixam. Donde,também, a necessidade de que a força magnética, nãopodendo exercer-se sobre o todo, atua mais intensa-mente no centro, de maneira a atrair as águas que seelevam e deixam livres e descobertas as praias.

Chegamos, com isso, a uma instância crucialsobre esse assunto, e que é a seguinte: se se descobrirque no refluxo a superfície do mar é mais arqueada eredonda, elevando-se as águas no centro do mar eretirando-se das praias; enquanto que no fluxo asuperfície é mais plana e lisa, voltando as águas à suaposição anterior; então, em virtude dessa instânciadecisiva, pode ser aceita a força magnética como causadas marés; caso contrário, deverá ser inteiramenteafastada. Esse experimento não deveria apresentar

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dificuldade se levado a efeito nos estreitos, por meio desonda, e possibilitaria estabelecer se o mar no refluxono centro é mais alto, ou seja, mais profundo que nofluxo. É necessário, porém, observar, se este for o caso,que, ao contrário da opinião corrente, as águas seelevam no refluxo e se abaixam no fluxo, banhando olitoral.

Da mesma maneira, tome-se para a investigaçãoa natureza do movimento espontâneo de rotação eprocure-se verificar especialmente se o movimentodiurno, pelo qual o sol e as estrelas nascem e põem-sediante dos nossos olhos, corresponde a um verdadeiromovimento de rotação daqueles corpos celestes, outrata-se de um movimento aparente causado pelomovimento da terra. Instância crucial a respeitopoderia ser a seguinte: se se puder constatar sobre ooceano um movimento de oriente a ocidente, mesmomuito fraco; se tal movimento parece um pouco maisrápido no ar, especialmente entre os trópicos, onde émais perceptível pela maior amplitude da volta, se setorna ainda mais vivo e visível nos cometas maispróximos da terra; se também aparece nos planetascom intensidade crescente, proporcional à suadistância da terra, tornando-se muito veloz no céuestrelado; então se estabelecerá como certo que omovimento diurno é próprio do céu e se o recusará àterra; pois tornar-se-á claro que o movimento deoriente a ocidente pertence aos céus, na sua universali-dade, e diminui aos poucos à medida que se distanciadas alturas do céu, finalmente se interrompendo com aterra imóvel.[197]

Da mesma maneira, tome-se para a investigaçãoo movimento de rotação que é difundido entre os

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astrônomos, que vai no sentido contrário ao domovimento diurno, isto é, de ocidente a oriente; movi-mento que os astrônomos antigos atribuíam aosplanetas e ao céu estrelado, mas Copérnico e seusseguidores também o atribuem à terra. Observe-sedesde logo se se encontra na natureza um movimentodesse tipo, ou se foi suposto e estabelecido pelacomodidade e pela brevidade dos cálculos científicos,ou seja, para explicar os movimentos celestes comcírculos perfeitos. Contudo, não se pode provar que seencontre, nas regiões celestes, um verdadeiromovimento desse gênero; nem pelo fato de que omovimento diurno num planeta não retorna ao mesmoponto do céu estrelado, nem com a posição diversa dospólos do zodíaco em relação ao da terra, que são os doiscaracteres pelos quais esse movimento se nosapresenta. O primeiro fenômeno pode muito bem serexplicado pelo adiantamento do céu estrelado quedeixa para trás os planetas, o segundo pelas linhasespirais, de modo a haver desigualdade no retorno dosplanetas e a sua inclinação no sentido dos trópicospode ser antes modificação do movimento únicodiurno, que movimentos recalcitrantes em volta depólos diversos. E é mais do que certo que aos sentidosesse movimento se apresenta exatamente na forma queindicamos, sempre que queremos contemplar umpouco o céu com olhos de leigo, sem nos dar conta doque dizem os astrônomos e as escolas, que comfreqüência ambicionam contradizer injustamente ossentidos, preferindo o que é mais obscuro, O sentidodo movimento, antes, já representamos como fios deferro como em uma máquina.

Instância crucial nesse assunto poderia ser aseguinte: se em alguma história fidedigna for indicado

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um cometa, mais alto ou mais baixo, que não tenhagirado de acordo com o movimento diurno (ainda quede forma irregular), mas que tenha tomado umadireção contrária, então, com certeza, poder-se-áestabelecer a realidade daquele movimento. Se,contudo, nada for encontrado de semelhante, seránecessário duvidar, e ter-se-á que recorrer a outrasinstâncias cruciais a respeito do assunto.

Da mesma maneira, tome-se para investigação anatureza do peso e da gravidade. De imediato,apresentam-se duas orientações. Ou os corpos pesadose graves tendem, por natureza, ao centro da terra, istoé, graças ao seu esquematismo; ou são atraídos earrastados pela força da própria massa terrestre, comopor efeito de agregação dos corpos de igual natureza e aela levados pelo consenso. Se se tomar por verdadeira asegunda hipótese, segue-se que quanto mais os gravesse aproximam da terra tanto maiores são a força e oímpeto com que são impelidos para ela; enquanto,quanto mais se distanciam tanto mais fraca e lentatorna-se essa força, exatamente como acontece naatração magnética. Por outro lado, a atração deveocorrer a partir de uma certa distância, senão o corpose distanciaria da terra a ponto de fugir ao seu influxo epermaneceria suspenso como a própria terra, semnunca cair.[198]

A respeito desse assunto, poderia ser a seguintea instância crucial: seja o caso de dois relógios, um dosquais movido por contrapeso de chumbo, outro movidopor compressão de uma mola de ferro; verifique-se seum é mais veloz que o outro; coloque-se o primeiro noápice de algum templo altíssimo, tendo antes sidoregulado com o outro de forma a funcionarem de modo

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correspondente, deixando o outro embaixo; isso parase verificar cuidadosamente se o relógio colocado noalto se move mais devagar em vista da menor força degravidade. A experiência deve ser repetida com acolocação do relógio nas profundezas de alguma minasituada muito abaixo da superfície da terra, para serverificado se ele se move mais velozmente que antes,em razão de maior força de atração. Se se verificar queefetivamente o peso dos corpos diminui com a suacolocação no alto e que aumenta embaixo, quando maispróximos do centro da terra, então estará estabelecidoque a causa do peso é a atração da massa terrestre.

Da mesma maneira, tome-se para investigação anatureza de polaridade que tem a agulha de ferroquando tocada pelo magneto. A explicação a respeito detal natureza se bifurca na ordem seguinte: é necessárioque seja o magneto que comunique à agulha a suacapacidade de se voltar para o pólo; ou que o ferrosimplesmente seja excitado e predisposto pelomagneto, mas que o movimento em si mesmo tenhasido causado pela presença da terra; é o que Gilbertafirma e procura demonstrar com muitos exemplos.Pois para isso tendem as observações que levou a efeitocom muita perspicácia e que foram por elecolecionadas. Uma é a de que um cravo de ferro quetenha permanecido por muito tempo na posiçãonorte-sul adquire uma tendência à polaridade, sem tersido tocado pelo magneto; como se a própria terra, quepela sua distância atua muito debilmente (estabeleceGilbert que de fato a superfície ou crosta terrestre édesprovida de força magnética), apesar disso, fossecapaz de substituir o toque do magneto da excitação doferro, pela longa permanência e depois de excitado sercapaz de dirigi-lo e voltá-lo no sentido do pólo. A outra

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explicação é a de que o ferro vermelho ou branco decalor colocado a esfriar na direção dos pólos, contrai acapacidade de para ele voltar-se sem o contato domagneto; como se as partes do ferro colocadas emmovimento pelo fogo, quando de sua retração à posiçãooriginal, isto é, durante o processo de esfriamento,fossem mais aptas e mais sensíveis à virtude emanadapela terra, permanecendo excitadas. Mas taisobservações, embora cuidadosas, não chegam a provarde fato o que ele sustenta.

A propósito desse assunto, poderia ser aseguinte a instância crucial: tome-se um magnetoesférico como a terra. Assinalados os seus pólos,voltem-se-nos, não a norte e a sul, mas a oriente e aocidente, mantendo-o nessa posição; sobre elecoloque-se depois uma agulha de ferro, ainda nãotocada pelo magneto, assim permanecendo duranteseis ou sete dias. A agulha, depois de colocada sobre omagneto, perde contato com os pólos do mundo,tornando seus os do magneto (sobre isso não háqualquer dúvida); por isso, enquanto permanece nessaposição, volta-se a oriente e ocidente do mundo; mas sea agulha tirada do magneto e colocada sobre um eixovoltar-se na direção do eixo da terra subitamente ou setomar essa posição pouco a pouco, pode-se dizer, semdúvida, que a causa é a presença da terra; mas se aagulha se voltar como antes, na posição oriente-ocidente, ou perder sua capacidade de apontar para ospólos, se isso ocorrer, considere-se a causa comoduvidosa e prossiga-se na investigação.

Da mesma maneira, tome-se para investigação asubstância corpórea que forma a lua, a fim de severificar se se trata de uma substância tênue, feita de

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fogo ou de ar, como muitos dentre os primeirosfilósofos acreditaram; ou se é sólida, consistente, comoGilbert e muitos modernos e não poucos dentre osantigos asseveram. As razões desta última opiniãoresidem sobretudo no argumento da reflexão dos raiossolares por parte da lua, porque não parece possíveluma tal reflexão a não ser nos sólidos. A respeito desseassunto, poderiam ser (se é que as há) instânciascruciais todas as que demonstram a possibilidade dehaver reflexão em um corpo tênue como a chama, mascom espessura suficiente. Entre outras, uma das causasdo crepúsculo é a reflexão dos raios do sol na regiãosuperior do ar. Em tardes calmas pode-se, às vezes,observar os raios solares refletidos nas bordas dasnuvens radiosas, de resplendor não menor, mas atémais brilhante e mais majestoso que o proveniente docorpo da lua. E, contudo, não se tem prova de que taisnuvens encerrem um corpo denso de água. Vê-setambém que o lume da vela, à noite, reflete-se naescuridão de fora da janela, como se se tratasse de umcorpo sólido. Poderia ser tentado o experimento de sefazerem passar os raios do sol por um furo sobre umachama azulada. É sabido que os raios solares, inci-dindo a céu aberto sobre uma chama não muito clara,ofuscam-na a ponto de parecer mais uma fumaçabranca que uma chama. Essas são as instânciascruciais que ora ocorrem a propósito do assunto emquestão, mas certamente se podem encontrar outras emelhores. Mas, em qualquer caso, deve-se considerarcomo estabelecido que apenas a chama de umadeterminada espessura é capaz de refletir os raios; emcaso contrário, eles se desvanecem na transparência. Etenha-se como certo que um raio luminoso, caindosobre um corpo plano, ou é refletido para trás ou é

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recebido e enviado para outro lado.Da mesma maneira, tome-se para investigação a

natureza dos corpos projetados ao ar, como dardos,flechas e balas. Os escolásticos, segundo o seu costume,tratam esse movimento com muita negligência,satisfazendo-se com dizer que é um movimentoviolento, mas distinto daquele que chamam demovimento natural. Descartam o problema da causa oudo primeiro impulso dado nesse movimentorefugiando-se no axioma que diz que “dois corpos nãopodem estar no mesmo lugar sem se penetrarem”. Enão se preocupam com o modo de se desenvolver dessemovimento. E, a propósito dessa questão, tem-se abifurcação seguinte: esse movimento, ou é produzidopelo ar que atua sobre o corpo arremessado, como acorrenteza sobre o casco da nave ou vento sobre apalha; ou é produzido pelas partes do corpo, que, nãopodendo agüentar a violenta pressão, lançam-sesucessivamente à frente para dela se libertarem. Com aprimeira solução está Fracastoro [199] e quase todos osoutros que estudaram a fundo o assunto. Não hádúvida de que o ar toma parte, e muito, nessemovimento, mas há infinitos experimentos queconfirmam a segunda como verdadeira causa. Entreoutras, poderia se constituir na instância crucial doassunto a seguinte: uma lâmina ou um arame de ferroum pouco resistente, ou uma pena de ave, encurvados,por pressão do dedo polegar e do indicador, que em talcircunstância saltam bruscamente. E claro que essefenômeno não resulta do ar que se reúne atrás do corpoem movimento, porque o ponto preciso em que omovimento se manifesta é o centro e não aextremidade.

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Da mesma maneira, tome-se para investigação anatureza do movimento súbito e violento de expansão,que é provocado pela pólvora, graças à qual massas tãograndes são levantadas e pesos tão consideráveis sãoarremessados como se observa nas grandes minas enos canhões. Eis a bifurcação a respeito dessanatureza: o movimento ou é produzido por mero desejodo corpo em expandir-se, logo que pega fogo ou éproduzido pelo desejo misto do espírito cru [200] emfugir rapidamente do fogo, pelo qual é circundado, epor isso escapa violentamente como de um cárcere. Osescolásticos e a opinião vulgar só conhecem a primeiracausa e acreditam estar fazendo boa filosofia dizendoque a chama eclode em virtude da própria forma de seuelemento, na sua necessidade de se expandir paraocupar um espaço maior do que o que ocupava o corpoquando se encontrava sob a forma de pólvora, e que daíadvém aquele movimento. Não pensam, no caso, que seisso fosse verdadeiro poder-se-ia impedir a chama comcorpo que tivesse uma massa capaz de comprimi-la esufocá-la, e, assim sendo, não haveria a necessidade doque falamos. Estão corretos ao pensar que se se produza chama é necessário que se produza uma expansão eque daí segue-se uma explosão ou a remoção do corpoque se opõe. Mas tal necessidade será evitada se amassa do corpo pesado chegar ao ponto de sufocar achama antes que se produza. Observa-se que a chama,especialmente no seu início, é débil e leve, e requeruma cavidade na qual se possa exercitar e ganhar for-ças. Com efeito, não se pode atribuir à chama, tomadaisoladamente, qualquer força extraordinária. Mas éverdade que as chamas explosivas, ou seja, os ventosinflamados, são produzidas pelo contraste de doiscorpos que possuem naturezas contrárias,

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completamente inflamável um, como é o caso doenxofre; e não inflamável outro, como é o caso do nitro;daí se produzindo um violento contraste (uma vez queo terceiro corpo, isto é, o carvão de sálcio, não temoutra função que a de amalgamar e juntar os outrosdois corpos), tendendo o enxofre, a todo custo, a seinflamar, e procurando subitamente o espírito do nitrofugir com toda força e, ao mesmo tempo, se dilatando(como o fazem também o ar, a água e todas as demaissubstâncias cruas que se dilatam pelo calor), e nessafuga, unida à erupção, alimenta-se de todos os lados achama do enxofre, como por meio de foles ocultos.

De dois tipos podem ser as instâncias cruciais arespeito. Uma é oferecida pelos corpos que sãoinflamáveis ao máximo, como o enxofre, a cânfora, anafta e semelhantes, como também os seus compostos.São mais aptos e mais fáceis de se inflamarem que apólvora, se não são impedidos; o que demonstra que asimples tendência para se inflamar não é suficientepara a produção daquele espantoso efeito. A segunda éoferecida pelos corpos infensos à chama e que aincomodam, como é o caso de todos os sais. Estes,jogados no fogo, emitem um espírito aquoso compeculiar ruído antes de se inflamarem; o mesmo, masmenos intensamente, acontece com as folhas, aindanão completamente secas, que se liberam da parteaquosa antes de pegarem fogo. Esse fenômenoobserva-se ainda no mercúrio, que não de todo mal échamado de água mineral. O mercúrio, realmente, semse inflamar só com a explosão e a expansão, quase seiguala à pólvora; e a ela misturado diz-se quemultiplica a sua violência.

Da mesma maneira, tome-se como objeto de

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investigação a natureza transitória da chama e a suaextinção momentânea. Com efeito, parece a nós, que anatureza da chama não se fixa, nem adquireconsistência, e que se renova a cada instância econtinuamente se vai extinguindo. E, de fato, manifestoque, nas chamas que persistem e duram, tal duraçãonão é a continuação ininterrupta de uma mesmadeterminada chama, mas sucessão de chamas novas,que se engendram em série e, na verdade, nãopermanecem idênticas em nenhum momento; como sedepreende do fato de sua súbita extinção, se se corta osebo ou o alimento. E, a respeito, defrontamo-nos coma seguinte bifurcação: ou a duração momentâneaderiva da interrupção da causa que engendra a chama,como acontece com a luz, os sons, os movimentos tidospor violentos; ou a chama é levada a persistir pela suanatureza, mas é afetada e destruída pelas naturezascontrárias.

A tal respeito a instância crucial poderia ser aque segue. Nos grandes incêndios notam-se chamasaltas; tanto mais altas quanto maior a área incendiada.A causa da extinção parece situada nas bordas doslados, onde a chama parece reprimida e combatidapelo ar. Mas as chamas do meio, não circundadas peloar mas unicamente por outras chamas, permanecemidênticas e não se extinguem, até que o ar se acerque eacabe por ocupar, pouco a pouco, toda a área. Isso fazcom que a chama se assemelhe a uma pirâmide, maisampla na base, onde está o alimento, e mais estreita novértice, onde o ar a combate. A fumaça, ao contrário, émais estreita na base, aumentando depois, formandouma espécie de pirâmide invertida; isso porque o aracolhe o fumo e comprime a chama. Ninguém podesupor que a chama acesa seja feita de ar, uma vez que

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são dois corpos, sem dúvida, heterogêneos.Uma instância crucial mais acurada poderia

ainda ser a da chama de duas cores. Coloque-se nofundo de um recipiente de metal uma pequena velaacesa; coloque-se o recipiente em uma vasilha ejogue-se em volta espírito de vinho em quantidadesuficiente para alcançar a borda da vasilha; a seguiracenda-se o espírito de vinho. A sua chama será maisazulada e a da vela mais amarelada (como as chamas,ao contrário dos líquidos, não se fundem rapidamente,será fácil observar a diferença das cores). Nota-se,então, se a chama da vela permanece em formapiramidal ou tende mais para a forma de um globo,desde que não haja nada que a destrua ou constranja.Se assume a forma de um globo, é necessário tomar-sepor certo que ainda dura a mesma chama, mesmoinserida na outra e dessa maneira protegida de forçacontrária do ar.

E aqui deixamos as instâncias cruciais. Foramtratadas um pouco longamente para, aos poucos,habituar a mente humana a julgar por seus própriosmeios e segundo experimentos lucíferos, e não a partirde razões prováveis.[201]

XXXVII

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emdécimo quinto lugar as instâncias de divórcio,[202]que indicam a separabilidade de naturezas que emgrande parte se encontram juntas. Diferem dasinstâncias que se ligam às instâncias deacompanhamento [203] pelo fato de que estas indicama separabilidade de uma natureza de um corpoconcreto, que parece familiar, ao passo que as dedivórcio indicam a possibilidade de separação de uma

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natureza de outra natureza. Diferem também dasinstâncias cruciais porque nada determinam, apenas selimitam a indicar a separabilidade de uma natureza deoutra. Servem para a indicação de formas falsas e pararefutar especulações levianas, nascidas de coisasóbvias; constituem uma espécie de peso ou lastro parao intelecto.[204]

Por exemplo, tomem-se para a investigação asquatro naturezas que Telésio considera comocompanhias indivisíveis (ou inseparáveis)[205] e damesma morada, que são as do calor, da luz, da tenui-dade e da mobilidade ou da prontidão para omovimento. Encontram-se entre elas muitas instânciasde divórcio, tais como: o ar é tênue e móvel, mas nãoquente, nem luminoso; a lua fornece luz, mas nãocalor; a água fervente é quente, mas não fornece luz; aagulha de ferro, presa a um eixo, é ágil e móvel, emborase trate de um corpo frio, denso e opaco, etc.

Da mesma maneira, tomem-se para investigaçãoa natureza corpórea e ação natural.[206] Parece nãopoderem ser encontradas, a não ser subsistindo em umcorpo natural. Mas há entre elas um grande número deinstâncias de divórcio. Por exemplo, a ação magnética,pela qual o ferro é atraído pelo magneto e os corpospesados pelo centro da terra. Podem-se tambémacrescentar algumas outras operações a distância. Talação atua no tempo, em momentos sucessivos, e emum instante, no espaço, por graus e distâncias. Há,pois, um momento no tempo e um intervalo no espaçono qual essa virtude ou ação permanece em suspensoentre os dois corpos que provocam o movimento. Oproblema fica, assim, colocado nos seguintes termos:os dois corpos que são os termos do movimento

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dispõem ou modificam os corpos intermediários demodo a passar a virtude, insensivelmente, de um termoa outro, por uma série de contatos reais, não deixandode subsistir, nesse entretempo, no corpo intermediário,ou nada se passa entre os dois corpos além da troca dasua virtude através do espaço. Em todo caso, atravésdos raios luminosos, dos sons e através de outrasvirtudes que atuam a distância, é possível que oscorpos intermediários sejam dispostos e alterados,tanto mais que se exige um meio adequado para levar acabo a operação, como vetor da força atuante. Mas avirtude magnética, ou de união dos corpos, admiteindiferentemente qualquer corpo intermediário e aforça não é por ele impedida, qualquer que seja a suanatureza. Se, pois, essa virtude ou ação não temnecessidade de nenhum corpo intermediário, segue-seque se trata de uma virtude ou ação natural que, poralgum tempo e em algum lugar, subsiste sem corpo,uma vez que não subsiste num dos corpos terminaisnem nos intermediários. Em vista disso, a açãomagnética pode ser considerada uma instância dedivórcio entre a natureza corpórea e a ação natural.Pode-se acrescentar como corolário ou vantagem, a nãoser desprezado, o seguinte: mesmo quem faz filosofiasegundo os sentidos [207] pode encontrar a prova daexistência de entes ou substâncias separadas eincorpóreas. Com efeito, se uma virtude ou açãonatural, que emana de um corpo, pode subsistir, poralgum tempo, em algum lugar, separada do corpo,pode ser também que na sua origem possa emanar deuma substância incorpórea. E isso contra a opinião deque compete à natureza corpórea não apenas aconservação e a transmissão da ação natural mastambém a sua estimulação e produção.

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XXXVIII

Seguem-se cinco ordens de instâncias a quecostumamos chamar, com o mesmo termo genérico, deinstâncias de lâmpada ou de primeirainformação,[208] pelo socorro que prestam aossentidos. Toda interpretação da natureza começa pelossentidos e, das percepções dos sentidos e por uma viadireta, firme e segura alcança as percepções dointelecto, que constituem as noções verdadeiras e axio-mas. Em vista disso, quanto mais copiosas e exatasforem as representações e provisões dos sentidosnecessariamente tanto mais felizes e fáceis serão osresultados finais.

Dentre os cinco tipos de instâncias de lâmpada,o primeiro revigora, amplia e retifica as açõesimediatas dos sentidos; o segundo torna sensível o quenão é diretamente sensível; o terceiro indica osprocessos continuados ou séries de coisas e demovimentos que (em sua maioria) apenas são notadosao seu final ou periodicamente; o quarto fornecematéria aos sentidos, quando o objeto se encontracompletamente ausente; o quinto estimula a atençãodos sentidos, a sua vigilância e ao mesmo tempo limitaa sutileza das coisas. Trataremos, a seguir, de cada umdeles.

XXXIX

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emdécimo sexto lugar as instâncias deporta ouentrada.[209] Com esse nome indicamos as instânciasque ajudam as ações imediatas dos sentidos. A vista émanifestamente dos sentidos o mais importante para ainvestigação, daí ser importante procurarproporcionar-lhe ajuda. Estas podem ser de três

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espécies: as que podem possibilitar-lhe perceber o queé invisível; as que lhe possibilitam ver mais longe; asque lhe permitem perceber mais exata e distintamente.

Do primeiro gênero são (deixando de lado osóculos e similares, que apenas servem para corrigir eatenuar a insuficiência da vista ou a má conformaçãodo órgão e, por isso, não nos oferecem nada de novo) aslentes recentemente inventadas [210] que revelam asminúcias invisíveis e latentes dos corpos, seus ocultosesquematismos e delicados movimentos, com umconsiderável aumento das imagens. Com esseconcurso, distinguem-se, não sem espanto, a figura docorpo, os seus delineamentos, como também as cores eos movimentos antes invisíveis da pulga, da mosca edos vermes. Diz-se que uma linha reta traçada comlápis ou pena, através dessas lentes, parece desigual etorta, pois nem os movimentos da mão, ajudados pelarégua, nem a tinta ou a cor são realmente iguais,embora tais diferenças sejam tão minúsculas que nãopodem ser percebidas sem o auxílio dessas lentes. Oshomens, a tal respeito, logo fizeram a observaçãosupersticiosa (como ocorre com todas as coisas novas eestranhas) de que aquelas lentes iluminam as obras danatureza, mas deturpam as da arte, O que demonstrasomente o seguinte: que as estruturas naturais sãomuito mais sutis que as da arte. De fato, aquelas lentessó servem para as coisas diminutas; e se as tivesseconhecido Demócrito, ter-se-ia alegrado muito,pensando ter encontrado a forma de ver os átomos, queele considerava invisíveis.[211] Mas elas só são deutilidade em relação aos corpos pequenos. Seservissem para observar corpos grandes ou partespequenas desses para fazerem ver, por exemplo, otecido da tela como uma rede ou as particularidades ou

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irregularidades das pedras preciosas, dos líquidos, daurina, do sangue, dos ferimentos e muitas outrascoisas, em tais casos se constituiriam em grandevantagem.

Do segundo gênero são as lentes inventadas comadmirável esforço por Galileu,[212] por meio das quaisé possível entrar em mais estreito contato com oscorpos celestes, como o fazem as naves nas instânciasmarítimas. Por seu intermédio sabemos que a ViaLáctea não é mais que um aglomerado de pequenasestrelas, distintas em número e natureza, fato de que osantigos mal suspeitaram. Por seu intermédio ficademonstrado que os espaços dos chamados mundosplanetários não estão vazios de outras estrelas, mas queo céu começa a se tornar cheio de estrelas antes dopróprio céu estrelado; embora se trate de estrelasmenores, invisíveis sem esses instrumentos. Por elespode-se observar o movimento de rotação daspequenas estrelas em torno de Júpiter, o que nos leva asupor a existência de vários centros dos movimentosestrelares. Por seu intermédio, podem-se observar edeterminar claramente as diversas zonas de luz e desombra da lua; bem como se torna possível umadescrição aproximada de seu corpo.[213] Por seuintermédio, descobrimos, também, as manchas solarese coisas semelhantes. Trata-se, sem dúvida, dedescobertas notáveis, se se puder dar crédito a taisdemonstrações. Mas estas são tanto mais passíveis desuspeita quanto o experimento se atém a esses poucosdescobrimentos e por seu intermédio não foramdescobertas outras coisas igualmente dignas.

Do terceiro gênero são os bastões usados paramedir as superfícies, os astrolábios e outros

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instrumentos semelhantes próprios para dirigir eretificar, mas não ampliar, a vista. As outras instâncias,que servem de auxílio aos outros sentidos, em suasoperações imediatas e particulares, se não aumentam asua capacidade de percepção, nada dizem ao nossopropósito. Por isso, não nos ocuparemos delas.

XL

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emdécimo sétimo lugar as instâncias de citação,[214]vocábulo tomado dos tribunais civis, que citam paracomparecimento o que ainda não compareceu, e a quetambém costumamos chamar de instânciasevocantes,[215] porque tornam sensível o que antesnão o era.

As coisas escapam aos sentidos devido a váriascausas: pela distância em que está colocado o objeto;pela intervenção de outros corpos entre o objeto e ossentidos; pela natureza do objeto não facilitar a suapercepção; pela dimensão muito pequena do objeto,não chegando a impressionar os sentidos; por nãohaver tempo suficiente para impressionar os sentidos;pela prévia ocupação dos sentidos por outro objeto, nãopossibilitando nova impressão. Tudo isso se relacionaprincipalmente com a vista e um pouco com o tato, quesão os sentidos mais informativos em relação a taisobjetos, enquanto os outros sentidos quase não dãoinformação, a não ser imediatamente e de objetos quelhes são próprios.

No primeiro gênero, não há meios de se fazerredução ao sensível, a não ser que a uma coisa que nãopode ser vista, em razão da sua distância, se acrescenteou se substitua outra que possa impressionar ossentidos, mesmo de longe: é o caso de quando se faz

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uso de fogueiras, sinos e coisas semelhantes para secomunicar alguma coisa.

No segundo gênero, pode-se obter a redução aosensível por meio de alguma coisa que se encontre nasuperfície de um corpo, e que revele o que se passa emseu interior; isso numa posição em que não é possível aobservação direta, em vista da interposição de outraspartes do referido corpo, que se não podem remover. Eo caso do estado geral do corpo humano, que seconhece pelo pulso, pela urina e outros signossemelhantes.

O terceiro e o quarto gêneros são os maisfreqüentes e, por isso, é possível encontrar-se umgrande número de exemplos. Assim, o ar, o espírito ecoisas semelhantes, que estão em todos os corpos sutis,mas que se não podem ver, nem tocar. Por essa razão, oestudo desses corpos não pode prescindir dasdeduções.

Por exemplo, tome-se para investigação anatureza da ação e do movimento do espírito encerradonos corpos tangíveis. Pois não há corpo tangível sobre aterra que não cubra um espírito invisível, como umaveste. Aí tem origem a tríplice fonte tão admirável epoderosa do processo do espírito em um corpotangível: se o espírito se desprende, o corpo se contrai eseca; se permanece dentro dos corpos, abranda-os e ostorna fluidos; se não se desprende nem nele permanecepor completo, empresta forma, cria membros, assimila,digere, etc.. tornando-se um organismo. Todas essascoisas se manifestam aos sentidos por seus efeitosaparentes.

Com efeito, em todo corpo tangível e inanimado,começa por se multiplicar, como que se nutrindo das

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portas tangíveis que são mais fáceis e estão para issopreparadas; assimila-as, consome-as, convertendo-asem espírito, e depois escapam juntos. Essaconsumação e multiplicação do espírito se tornasensível pela diminuição de peso. Em toda dessecação,efetivamente, ocorre perda de uma parte daquantidade; e isso não tanto pelo espírito que aí antesse encontrava, posto que o espírito por si mesmo nãotem peso, mas devido ao próprio corpo, que antes eratangível, mas que agora não o é mais. A saída ouemissão do espírito se faz sensível pela ferrugem dosmetais e outras putrefações do gênero que ficam emseu início e não chegam ao ponto em que começa avivificação, e essas coisas pertencem ao terceiro gênerode processo. De fato, nos corpos mais compactos, oespírito não encontra furos ou poros por onde escapar;portanto, vê-se obrigado a empurrar e pressionar aspartes tangíveis, de maneira a fazê-las sair juntamentepara a superfície, onde formam a ferrugem eincrustações semelhantes. Os sinais sensíveis dacontração das partes tangíveis, depois da emissão departe do espírito (que é a causa da dessecação docorpo), são dados pela sua própria dureza, e maisainda pelas fendas, gretas, enrugamentos, dobras, etc.,que são efeitos que a ela se seguem. Por isso, as partesda madeira arqueiam-se e contraem-se; as peles seenrugam. E não é só isso: sob a ação do fogo, queacelera a emissão do espírito, a contração chega a fazercom que os corpos se dobrem e enrolem.

Se, ao contrário, o espírito é retido, mas se dilatae se excita pelo calor, e por outras causas (como ocorrecom os corpos duros), então os corpos amolecem, comoo ferro candente; outros metais se fluidificam,liqüefazem-se, como as resinas, a cera e outras

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substâncias semelhantes. E as operações contrárias docalor, endurecendo certos corpos e liquefazendo outros,conciliam-se facilmente ao ser levado em conta que noendurecimento o espírito se evapora, na liquefação éagitado, mas retido no corpo; é que, enquanto aliquefação é ação própria do calor e do espírito, oendurecimento é ação das partes tangíveis motivadapela saída do espírito.

Mas quando o espírito não está nemcompletamente retido nem completamentedesprendido, mas apenas faz esforços e tentativas nasua prisão corpórea, e se depara com as partestangíveis que lhe são obedientes e inclinadas aacompanhar as suas operações e de fato o seguem,disso resulta a formação do organismo, com seusmembros e demais ações vitais, quer animal, quervegetal. Tal desenvolvimento pode ser tornado sensívelespecialmente com a cuidadosa observação dosprimeiros movimentos e das primeiras manifestaçõesou nas origens da vida, nos animálculos que nascem daputrefação, como, por exemplo, os ovos das formigas,vermes, moscas ou rãs que surgem depois da chuva,etc. Para lhes dar a vida, é necessário um calor tênue euma certa viscosidade da matéria, para que o espíritonão escape e para que a rigidez das partes não lheofereça excessiva resistência e possa plasmá-las emodelá-las como à cera.

Outra diferenciação do espírito, respeitável e defreqüente aplicação (ou seja, interrompido, ramificadoe, ao mesmo tempo, ramificado e celulado,[216] sendoo primeiro o espírito de todos os corpos inanimados, osegundo o dos vegetais, o terceiro o dos animais). Tam-bém essa diferenciação pode ser colocada diante dos

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olhos, por várias instâncias de redução.É evidente que as mais sutis configurações e os

esquematismos das coisas (mesmo que os corpossejam inteiramente visíveis e tangíveis) não se podenem ver nem tocar. Por isso também aqui a informaçãoprocede por redução. Contudo, a diferençafundamental primária dos esquematismos é obtidapela maior ou menor massa de matéria que possaocupar um mesmo espaço ou dimensão. Os demaisesquematismos que consistem na diversidade daspartes contidas em um mesmo corpo e na sua diversacolocação ou posição são secundários em comparaçãocom o primeiro.

Tome-se, pois, para investigação a natureza daexpansão ou força de coesão da matéria em relação aosvários corpos, para saber que quantidade de matéria secontém em uma mesma dimensão de cada corpo. Nadahá de mais verdadeiro na natureza que a proposição“do nada nada provém” e que a outra sua parceira“nada há que se reduza ao nada”; quer dizer, aquantidade em si da matéria ou a sua soma totalpermanece inalterada, sem aumentar oudiminuir.[217] E não é menos verdadeiro que “essaquantidade total de matéria se contém, mais ou menos,nos mesmos espaços ou dimensões, conforme adiferente natureza dos corpos”; assim é que a águacontém mais, o ar menos; de modo que, se alguémassegurasse que um mesmo volume de água pode serconvertido em um volume igual de ar, seria o mesmoque dissesse que se pode reduzir algo a nada; e, no casoinverso, se alguém dissesse que um volume de ar podeser convertido em um igual volume de água, seria omesmo que dissesse que se pode produzir algo a partir

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do nada. É dessa diferente distribuição de matéria quese formam os conceitos de raro e denso, usados depoisde várias e confusas maneiras. Deve-se também tomarcomo axioma a asserção bastante acertada: o mais ou omenos da matéria deste ou daquele corpo pode serreduzido a proporções exatas ou quase exatas por meiode cálculos comparativos. Pelo que não estariaenganado quem dissesse que em um determinadovolume de ouro há tal acumulação de matéria que oespírito do vinho necessitaria, para igualar talquantidade de matéria, de um espaço vinte e uma vezesmaior que o ocupado pelo ouro.

A acumulação da matéria e suas proporções setornam sensíveis pelo peso. O peso, de fato,corresponde à quantidade de matéria em relação àspartes de uma coisa tangível, mas o espírito e a suaquantidade de matéria não podem ser computados pelopeso, já que o corpo se torna mais leve e não maispesado. Mas elaboramos com bastante cuidado umatábua disso, na qual são expostos os pesos e os respec-tivos volumes de cada um dos metais, das principaispedras, das madeiras, dos líquidos, dos óleos e demuitos outros corpos naturais e artificiais. É umverdadeiro policresto, para fornecer tanta luz àsinformações quanto as normas das operações e quepode levar à descoberta de muita verdade insuspeitada.E não se deve subestimar o fato de que a referida tábuademonstra que o peso específico dos corpos tangíveisobservados (referimo-nos aos corpos bem unidos, nãoos esponjosos, ou cavernosos e em boa proporçãocheios de ar) não ultrapassa a relação de vinte para um(um a vinte), já que assim limitada é a natureza, pelomenos nos aspectos com que nos preocupamos.

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Sentimos também que o espírito de exatidão deque nos ufanamos obriga-nos a tentar descobrir umaproporção entre os corpos não tangíveis oupneumáticos e os tangíveis. E o tentamos da seguintemaneira: tome-se uma ampola de vidro de uma onça decapacidade, aproximadamente, pequena o suficientepara conseguir evaporação com pouco calor; coloque-sequase até o gargalo espírito de vinho (que é o corpomais rarefeito e o que contém menos quantidade dematéria entre os corpos tangíveis da tábua precedente,pelo menos entre os bem unidos e não cavernosos) e seanote cuidadosamente o peso. Depois disso, pegue-seuma bexiga que contenha uma ou duas pintas;[218]retire-se todo o ar possível da bexiga, até que os seusdois lados se toquem em todas as partes. Antes abexiga deve ter sido friccionada com azeite para tapartodos os poros. A seguir, coloque-se a boca da bexigaem torno do gargalo da ampola, amarrando-o bem,com fios encerados, para melhor vedação. Depoisdisso, aqueça-se o frasco sobre carvões, em umpequeno forno. Pouco depois, a evaporação ou exalaçãodo espírito do vinho, dilatado e tornado pneumáticopelo calor, começa a inchar lentamente a bexiga portodos os lados, como uma vela ao vento. A seguir,retire-se o frasco do fogo, colocando-o sobre um tapete,para que o resfriamento rápido não o quebre, e faça-seimediatamente um furo na parte superior da bexiga,para evitar que o vapor, esfriando, retorne ao estadolíquido, atrapalhando os cálculos. Depois disso,desamarre-se a bexiga e pese-se o espírito restante naampola; compare-se o seu peso atual com o inicial,computando-se quanto se transformou em vapor ou setornou pneumático. Compare-se também o volume dasubstância, quando em estado de espírito do vinho,

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com o espaço que ocupou na forma de vapor. Dessamaneira, chegar-se-á ao resultado de que a substânciatransformada adquiriu um volume e ocupou um espaçocem vezes maior que o volume inicial.

Da mesma maneira, tome-se para investigação anatureza do calor ou do frio; mas em grau bem baixo, aponto de não serem percebidos pelos sentidos: serãotornados sensíveis por meio do termômetro, a queantes já nos referimos, O calor e o frio, por si mesmos,não são perceptíveis pelo tato; mas o calor expande o are o frio o contrai. E a expansão e a contração, mesmonão sendo perceptíveis pela vista, podem serobservadas na depressão e no levantamento da águaproduzidos respectivamente pela expansão ou pelacontração do ar. Só assim se torna visível, nem antes,nem em outra forma.

Da mesma maneira, tome-se para investigação anatureza da mistura dos corpos; a saber, quanto deágua, de óleo, de espírito, de cinza, e de sais e outrassubstâncias semelhantes; ou, em particular,investigue-se quanto de manteiga tem no leite, quantode coágulo, quanto de cera, etc. Tudo isso pode sertornado sensível por meio de separações competentes eartificiais. Mas a natureza do espírito, por si mesma,não pode perceber diretamente, mas tão-somente pormeio dos vários movimentos e dos esforços dos corpostangíveis, no próprio ato e processo de sua separação; etambém pelos sinais das acidulações, das corrosões,das diversas cores e sabores que os corpos adquiremdepois da separação. Na execução de destilações eseparações, por meios artificiais, trabalharam,certamente, os homens com grande dedicação, mascom tão pouco êxito quanto nos processos ora em uso,

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onde agem por tateios e às cegas, com mais esforço queinteligência; e o pior é que, sem procurarem imitar eestimular a natureza, mas, ao contrário, têm acabadopor destruir, com o uso de calores demasiado fortes, eforças muito poderosas, os delicados esquematismos,onde em especial, se encerram as virtudes ocultas e osconsensos das coisas. Não é levada em conta, por outrolado, durante os experimentos, a advertência por nós jámuitas vezes levantada, ou seja, que na separação doscorpos pela ação do fogo, muitas qualidades estranhasao composto acabaram interferindo, daí advindo enga-nos espantosos. Pois, nem todo vapor que édesprendido pela água colocada ao fogo era antes vaporou ar no corpo da água; mas se formou, em sua maiorparte, na ocasião em que a água foi rarefeita pelo fogo.

Do modo por nós preconizado, devem ser feitascomparações mais preciosas, tanto com corposnaturais quanto com corpos artificiais, procedendo-se àseparação entre o que é verdadeiro e o falso, entre oque é mais nobre e o mais vil; o que é aqui lembrado,por promover a redução ao sensível, do que não ésensível. Por isso, tais experimentos devem sercolecionados por toda parte, com o maior cuidado.

Em relação ao quinto gênero de ocultação,[219]é evidente que a ação dos sentidos se processa nomovimento, e o movimento, no tempo. Assim, se omovimento de um corpo é muito lento ou muito rápidopara ser percebido, o objeto acaba por escapar aossentidos, o que ocorre com o movimento do ponteirodo relógio ou da bala do mosquete. O movimento quenão pode ser percebido, por ser muito lento, torna-sefacilmente perceptível pela soma de vários movimen-tos; mas o que escapa, por ser muito veloz, ainda não

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pode ser medido com exatidão; e a investigação naturalexige o seu cálculo, em alguns casos.

No sexto gênero, em que os sentidos deixam deperceber o objeto, em vista de seu grande impacto,promove-se a redução ou por um maiordistanciamento do objeto; ou atenuando-se os efeitosdo objeto pela interposição de algum meio, mas quenão chegue a anulá-los; ou limitando-se à consideraçãode apenas os efeitos reflexos do objeto, não afetando asua intensidade original, como a imagem do sol refle-tindo em um espelho d’água.

O sétimo gênero de ocultação, em que ossentidos ficam tão sobrecarregados e tomados peloobjeto, a ponto de não permitirem a percepção denenhum outro, acontecendo apenas com o olfato e osodores; e não são de importância para o que oraconsideramos. E assim enumeramos o que diz respeitoàs reduções do não-sensível ao sensível.

Às vezes, porém, a redução se processa não nossentidos do homem, mas nos sentidos de algum outroanimal, que em alguns casos são mais penetrantes queos humanos; é o caso de alguns odores percebidos peloolfato dos cães, ou da luz, que fica impregnada no arexterior não iluminado, e que é percebida pelo gato; é ocaso da coruja e outros animais que vêem à noite.Como bem o indica Telésio, há no ar uma certaluminosidade que lhe é própria, embora fraca e tênue,e insuficiente para ser percebida pela maior parte dosanimais, inclusive pelo homem; assim, é possível aosanimais com sentidos mais aptos verem à noite, poisnão se pode admitir que vejam sem luz ou com algumaluz interna.

Deve ser lembrado que nos estamos ocupando

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tão-somente das deficiências dos sentidos e de seusremédios. As falácias dos sentidos, por sua vez,pertencem a uma investigação própria sobre ossentidos e sobre a sensibilidade,[220] afora aquelamagna falácia que consiste em estabelecer as linhas dascoisas por analogia com o homem e não por analogiacom o universo, que só pode ser corrigido pela razão epor toda a filosofia.[221]

XLI

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emdécimo oitavo lugar as instâncias de caminho,[222] aque também costumamos chamar de instânciasitinerantes e instâncias articuladas.[223] São as queindicam os movimentos uniformes e graduais danatureza. Esse gênero de instância escapa mais àobservação que aos sentidos, pois é espantosa anegligência dos homens a seu respeito. Só estudam anatureza a intervalos ou periodicamente e quando oscorpos já estão acabados e completos, e não em suaoperação. Pois bem, se alguém se dispusesse aconsiderar o talento e a habilidade de um artífice, teriaque observar não apenas o material empregado edepois a obra acabada, mas teria que presenciartambém as operações do artífice e o desenvolvimentode sua obra. Esse mesmo comportamento deve serobservado em relação à natureza. Por exemplo, nainvestigação sobre a vegetação das plantas, é necessáriocomeçar pelas sementes, observando-as quasediariamente, enterradas, e retirando-as da terra aintervalos crescentes, primeiro depois de um dia, aseguir depois de dois, a seguir depois de três, para sepoder lobrigar de que modo e em que momento assementes começam a inchar e intumescer-se, a

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encher-se de espírito; depois, a romper o revestimentoemitindo os primeiros brotos para fora da terra, seestes não forem impedidos pela dureza do terreno;para se verificar de que modo se lançam as fibras,como as raízes para baixo, como os ramos para cima,que às vezes se prendem lateralmente, se o terrenoassim o facilita; e assim por diante. Da mesmamaneira, devem-se observar os ovos, nos quais é possí-vel ver os processos de vivificação e organização detodas as partes, distinguir as partes que procedem dagema das partes que procedem da clara e outras coisassemelhantes. Da mesma maneira, observar os animaisque nascem da putrefação. No caso dos animaissuperiores, seria crueldade abrir continuamente oventre da mãe, para extrair o feto do útero; a não serem casos de aborto ocasional, caça e situaçõessemelhantes. Finalmente, é necessário iniciar umaespécie de vigília noturna para a observação danatureza, que mais se mostra à noite que durante o dia.De qualquer forma, o estudo da natureza, em vista dapequenez e da intermitência da lâmpada, pode serconsiderado como empresa noturna.

O mesmo procedimento deve ser tentado com ascoisas inanimadas, como o fizemos por ocasião dasobservações sobre a expansão dos líquidos ao fogo. Defato, a expansão ocorre de maneira diversa no leite, noóleo, etc. Isso é mais fácil de ser observado fervendo-oslentamente em um recipiente de vidro, que deixa àmostra todas as operações. Todavia, tratamos dissotudo apenas de passagem, deixando para fazê-lo demaneira mais detida e exata quando abordarmos oproblema da descoberta do processo latente dascoisas.[224] Deve-se sempre ter em conta que, aqui,não tratamos das coisas em si mesmas, mas apenas

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aduzimos exemplos.

XLII

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emdécimo nono lugar as instâncias suplementares ousubstitutivas,[225] a que também costumamos chamarde instâncias de refúgio.[226] São as instâncias queoferecem informações em circunstâncias em que ossentidos faltam completamente, servindo, portanto, derefúgio quando não se dispõe de instâncias adequadas.A substituição ocorre de duas maneiras: por graduaçãoou por analogia. Por exemplo: não se dispõe de qual-quer meio que iniba completamente a força magnéticaem relação ao ferro; nem com a interposição do ouro,ou da prata, ou da pedra, ou do vidro, ou da madeira,ou da água, ou do óleo, ou do pano, ou de corposfibrosos, ou do ar, ou da chama, etc. Contudo, atravésde ensaios meticulosos, pode ser que se encontre ummeio, em proporção e em grau, mais eficiente queoutros, de atenuar a sua virtude. Não chegamos a fazernenhum experimento nesse sentido, que se poderiaprocessar segundo o exemplo seguinte: procurandoverificar se o magneto atrai igualmente o ferro, com ainterposição de porções da mesma espesssura de ouro,de ar, ou de prata candente e de prata natural, etc.,igualmente, ainda não se descobriu nenhum corpo que,aproximado do fogo, não retenha calor. Mas o ar seaquece muito mais rapidamente que a pedra. E tal é asubstituição que se processa por graus.

A substituição por analogia é, sem dúvida, útil,mas é menos segura, por isso deve ser aplicada comcritério. É a que ocorre quando se coloca onão-perceptível ao alcance dos sentidos, não através deoperações do próprio corpo não-perceptível,

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procurando torná-lo sensível, mas através daobservação de um corpo sensível análogo. Por exemplo,tome-se para investigação a mistura de espíritos, quesão corpos não-visíveis, supondo que há certaafinidade entre os corpos e os seus nutrientes oualimentos. Os alimentos da chama parecem ser o óleo eas substâncias graxas; os do ar, a água e os líquidos; devez que a chama se multiplica sobre os vapores do óleoe o ar, sobre os vapores da água. Por isso deve-seobservar a mistura da água com o óleo, que semanifesta aos sentidos, visto que a mistura da chamacom o ar se lhes escapa. Por meio da composição e daagitação, a água e o óleo se misturam de modo muitoimperfeito; mas nas ervas, no sangue e nos organismosem geral, eles se misturam de modo acurado edelicado. O mesmo pode acontecer em relação àmistura da chama com o ar, nas substânciasespirituosas; embora não se misturem bem, por meiode fusão, no espírito das plantas e dos animais,misturam-se perfeitamente. A propósito, veja-se quetodo espírito animado se alimenta do úmido, seja emforma de água, seja em forma de óleo.

Igualmente, procure-se considerar, não asmisturas mais perfeitas dos corpos espirituosos mas osseus componentes, para se verificar os que seincorporam com facilidade; ou se há algum gás ou ou-tros corpos espirituosos que não se misturam com o arcomum, mas permanecem suspensos e flutuam emforma de pequenos globos ou gotas; e que se espessame pulverizam no ar, mas nele não se fundindo ou seincorporando, devido à sua tenuidade tais corpos nãopodem ser percebidos pelos sentidos, no ar comum ouem outras substâncias espirituosas. Mas uma imagemdessa ocorrência, que permite recolherem-se algumas

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características do fenômeno, pode ser conseguidaatravés do que sucede com o mercúrio, o óleo ou aágua, como também com o ar, quando se rompe naágua e sobe em forma de pequenas bolhas; comotambém com fumaça de tipo mais espesso; situaçõestodas elas em que não ocorre a incorporação. Arepresentação que se acabou de descrever não édescabida para o caso, desde que tenha sido prévia ecuidadosamente averiguada a existência entre oscorpos espirituosos da mesma heterogeneidade queentre os líquidos. Só então se poderá fazer de maneiraútil o uso de imagens por analogia.

E o que dissemos antes sobre as instânciassuplementares, que servem de refúgio para ainformação quando não há possibilidade de extrai-lasde instâncias próprias, queremos que seja entendidono sentido de que são de grande uso ainda naexistência de instâncias apropriadas, paracorroborarem as informações destas. Mas sobre issodiscorreremos mais amplamente quando tratarmos dosadminículos da indução.

XLIII

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emvigésimo lugar as instâncias secantes,[227] a quetambém costumamos chamar de instâncias velicantes.Velicantes porque beliscam a inteligência, e secantesporque dividem a natureza, pelo que também, às vezes,as chamamos de instâncias de Demócrito.[228] Taisinstâncias previnem o intelecto da admirável sutilezada natureza, para que desperte e estimule a atenção, aobservação e a investigação no sentido devido. Porexemplo: de como uma pequena gota de tinta ésuficiente para um tão grande número de letras e

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linhas; de como uma pequena porção de prata douradapode formar um tão longo fio dourado, de como umverme tão pequeno, como o que ataca a pele, pode terespírito e um corpo organizado; de como uma mínimaporção de açafrão é suficiente para tingir um tonel deágua; de como um pouco apenas de algália ou ervaaromática pode inundar todo o ambiente circundantecom o seu perfume; de como apenas uma pequenaporção de matéria combustível levanta um tão grandevolume de fumaça; de como as mínimas diferenças desons, como a voz articulada, propagam-se pelo ar, emtodas as direções, penetrando e repercutindo pelosporos e interstícios da madeira, velozes edistintamente; de como, passando por refrações ereflexões, a luz e o calor penetram corpos sólidos comoo vidro e a água, a distância e com grande rapidez,formando miríades de imagens, diversificadas aoinfinito; de como o magneto atua através dos corposmais compactos. Mas o que é ainda mais espantoso éque, em todas essas operações, que se desenvolvem emum meio transparente como o ar, nada haja que ofereçaresistência; pois, no mesmo instante em que sãotransportadas, pelo ar, tantas imagens visuais, tantasimpressões de sons articulados, tantos odoresdiferentes, de violeta, de rosa, etc; e ainda calor, frio,influências magnéticas; tudo isso, e não se chocam —como se tivessem caminhos e direções distintas aseguir.

Costumamos, todavia, juntar a essas instânciassecantes estas outras, a que chamamos de instânciasde divisão.[229] Com efeito, nas coisas de que vimosfalando, uma ação não perturba, nem impede outraação de gênero diverso, mas submete e extingue as quesão do mesmo gênero. A luz do sol domina e extingue a

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luz do pirilampo, um tiro de canhão faz o mesmo emrelação à voz; um odor mais intenso suprime o maisfraco; o mesmo faz o calor; uma lâmina de ferro colo-cada entre o magneto e um outro ferro extingue a açãomagnética. Mas voltaremos a essas questões maisdemoradamente e no lugar próprio, quando tratarmosdos adminículos da indução.

XLIV

Dissemos o que competia sobre as instânciasque ajudam os sentidos e que são de uso precípuo paraa parte informativa. Com efeito, a informação teminício nos sentidos. Mas todos os assuntos se com-pletam na prática. Acrescentamos, pois, aquelasinstâncias que são de uso precípuo na parte operativa,que são de dois gêneros e em número de sete, mascostumamos chamá-las em conjunto de instânciaspráticas. Há dois tipos de defeitos a serem corrigidosna parte operativa e, por isso, dois tipos de instânciasprerrogativas, a saber, a operação ou é falha, ou émuito onerosa. Mesmo depois de um diligente exameda natureza, a operação pode falhar em razão da erradavalorização e medida das forças e das ações dos corpos.Pois bem, as ações e as forças dos corpos sãodelimitadas e medidas, ou segundo o esforço, ousegundo o tempo, ou segundo a quantidade, ousegundo a predominância de virtude. Quando essesquatro aspectos não forem considerados com diligênciae probidade, certamente teremos ciências belamenteornadas de especulações, mas ineficazes na parteoperativa. E as quatro instâncias que devem sermencionadas, vamos designá-las com o único nome deinstâncias matemáticas e de instâncias demedida.[230]

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A operação prática torna-se muito onerosa, oupela mistura de coisas inúteis ou pela multiplicaçãodos instrumentos, ou pelo peso excessivo da matéria oudas substâncias que intervêm na operação. Portanto,devem ser tidas como da maior valia as instâncias queorientam a prática para as operações que são de maiorinteresse para o homem, ou que reduzem o número dosinstrumentos, ou poupam materiais ou ferramentas.Esses três tipos de instâncias que servem ao fim oraindicado, designamos com o único nome de instânciaspropícias ou instâncias benévolas.[231] Logo a seguir,trataremos detalhadamente de todas as sete e com issodaremos por terminadas as instâncias prerrogativas.

XLV

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emvigésimo primeiro lugar as instâncias da Vara [232]ou do Raio,[233] a que também costumamos chamarde alcance [234] ou de non ultra.[235] Pois, de fato, asforças e os movimentos das coisas não se desenvolvemem espaço indefinido ou acidental, mas em espaçodefinido e determinado; por isso, no estudo dasnaturezas singulares, é de grande importância para aprática determinar esses espaços, não só para evitarque venha a malograr, como também para torná-lamais ampla e eficaz. Por seu intermédio, às vezes, épossível aumentar artificialmente a sua força e, porassim dizer, aproximar as distâncias, tal como ocorrecom o uso dos óculos (ou telescópios).

Essas forças, em sua maioria, só agem quandohá contato manifesto, como ocorre no choque doscorpos, onde o corpo se move comunicando omovimento unicamente por contato. Também nasmedicinas para aplicação externa, como os ungüentos,

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os emplastros, exercem as suas forças através docontato. Enfim, os objetos não são percebidos quandoficam pelo menos em continuidade com os órgãosrespectivos.

Há ainda outras forças ou virtudes que operam adistância e até agora só algumas poucas foram notadas,embora muito mais numerosas do que se possa pensar.Como, para citar exemplos comuns, o âmbar e oazeviche, que atraem felpas; as bolhas de água, queaproximadas se fundem; algumas medicinaspurgativas arrastam os humores das partes superioresdo corpo, etc. E, ao contrário, a virtude magnética, pelaqual o magneto atrai o ferro, o magneto atrai o mag-neto, atua num limite circunscrito do espaço; enquantoque, por seu turno, a virtude magnética, que emana daterra, um pouco abaixo da superfície, fazendo a agulhado ferro voltar-se para o pólo, age a grande distância.

Se há uma força magnética que atua, porconsenso, entre o globo terrestre e os corpos pesados,ou entre o globo da lua e as águas do mar (que seria dese supor em vista dos fluxos e refluxos quinzenais), ouentre o céu estrelado e os planetas, pela qual sãolevados aos seus apogeus; se assim for, essa força atuaa uma enorme distância. Há ainda matérias que seincendeiam a grande distância, como se diz da nafta daBabilônia.[236] Também a comunicação do calor,como a do frio, se cumpre a grande distância. Porexemplo, os habitantes do Canadá sentem de longe ofrio que emana dos blocos de gelo, que se desprendeme que flutuam no oceano Atlântico, em direção às suaspraias. O mesmo se pode dizer dos odores de pontoslongínquos (embora em tais casos ocorra a emissão decorpúsculos) e disso têm prova os que navegam

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próximo às costas da Flórida ou de certas regiões daEspanha, com os odores que se desprendem dosbosques de limoeiros, laranjeiras e outras árvoresaromáticas, ou de área coberta de árvores aromáticas,como alecrim, manjerona e plantas semelhantes.Finalmente, sejam lembrados os raios de luz e os sonsque agem a grandes distâncias.

Todavia, todas essas forças, atuem a grande ou apequena distância, certamente agem a distânciaslimitadas e determinadas segundo sua natureza, demodo que constituem algo de não mais; e isso emproporção à massa ou à quantidade do corpo, à forçaou a pouca intensidade da virtude, bem como aoscorpos interpostos que a impedem ou auxiliam, tudodeve ser calculado e anotado. Também a mistura doschamados movimentos violentos, como os de projéteis,canhões, rodas e coisas semelhantes, tem os seusmovimentos fixos, pelo que também devem seranotados com precisão.

Há, por outro lado, movimentos ou virtudes queagem melhor a distância que por contato, e aindaoutros que operam com maior intensidade de longeque de perto. Por exemplo, a vista não funciona bempor contato, exigindo certo meio e distância. Isso adespeito de termos ouvido de alguém digno de fé que,enquanto era operado de catarata por um cirurgião(pela introdução de uma agulha de prata sob a córneado olho, para desprender a película que forma acatarata e empurrá-la para um dos cantos do olho), viaclaramente a agulha movendo-se diante da pupila. Dequalquer maneira, parece manifesto que os corposmaiores não podem ser distinguidos claramente senãono vértice do cone formado pelos raios que partem dos

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objetos a uma certa distância do olho; dessa forma, osvelhos vêem melhor de longe que de perto. No caso dosprojéteis, eles são mais fortes de longe que de perto.Este e outros exemplos, a propósito da medida dosmovimentos, em relação à distância, devem seranotados. Mas não pode ser desprezado um outromodo de se misturar os movimentos especiais. Não setrata dos movimentos lineares, progressivos, masesféricos, ou seja, que se expandem em uma esferamaior, ou que se contraem em uma esfera menor. Comefeito, é necessário que se investigue em tais medidasde movimentos qual é o grau de compressão ouextensão que os corpos, segundo sua natureza,suportam facilmente e sem violência, e em que graucomeçam a resistir até que não agüentam um não maisalém, será o caso se se comprimir uma bexiga cheia,que suporta certa compressão de ar, mas, seaumentada, a bexiga não suporta e se rompe.

Procuramos, com um experimento delicado, ecom mais exatidão, esse mesmo fenômeno. Tomamosuma campânula de metal, muito fina e leve, como asque se usam para saleiro; submergimo-la em uma cubacom água, de tal maneira a levar consigo ao fundo o arencerrado em seu bojo. Colocamo-la lá no fundo, sobreum pequeno globo, antes já mergulhado, e obtivemosos seguintes dois resultados: sendo a esfera pequenaem relação ao bojo da campânula, o ar se contrai,ocupando um menor espaço, sendo muito grande paraque o ar facilmente recuasse; este, não suportando agrande pressão, elevava um dos lados da campânula,subindo à tona em pequenas bolhas.

Igualmente, para provar o maior grau deexpansão do ar (como a sua compressão), procedemos

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da seguinte forma: pegamos um ovo de vidro, furadonuma das pontas; por meio de forte sucção foi extraídoo ar pelo orifício, tapando-o com o dedo; em seguida,mergulhamo-lo na água, retirando o dedo; com isso oar, deformado pela tensão causada pela sucção edilatado fora de sua dimensão natural, procurando,com isso, se contrair e se reduzir (de tal forma que, se oovo não estivesse mergulhado na água, o ar teria sidoatraído com um silvo), atraiu água em quantidadesuficiente para que o ar ocupasse igual espaço ao queocupava antes.

Assim, fica estabelecido que os corpos maistênues, como o ar, também suportam uma notávelcontração (como dissemos); ao passo que os corpostangíveis, como a água, muito mais dificilmente supor-tam a compressão e em menor extensão. Em outroexperimento procuramos verificar até que ponto asuporta. Mandamos confeccionar uma esfera dechumbo oca, de uma ou duas pintas de capacidade, eseus lados eram grossos o suficiente para resistir comgrande força: enchemo-la com água por um orifício,que foi, em seguida, tapado com chumbo derretido, demodo a ficar bem vedada; depois achatamo-la, com ummartelo, em dois lados opostos. Com tal achatamento,necessariamente a água ocupava menor espaço, postoque a esfera e a figura eram de maior capacidade.Ficando já o martelo ineficaz, em vista da resistênciada água, colocamo-la em uma prensa, apertando-a atéo momento em que, não suportando mais a pressão, aágua começou a destilar-se das paredes sólidas dochumbo, como delicada exsudação. Finalmente,calculamos o espaço perdido pela compressão econcluímos que a água se havia comprimido outrotanto, suportando uma pressão bastante violenta.

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Os corpos mais sólidos, secos e compactos,como a pedra, a madeira e metais, suportam umacompressão muito menor e quase imperceptível, maslivram-se da violência a que são submetidospartindo-se, alongando-se ou com outros movimentos,como se observa no arqueamento da madeira e dometal, nos relógios que se movem por uma mola, nosprojéteis, no martelamento de metais e em muitosoutros movimentos. E tudo isso deve ser investigado eanotado no estudo da natureza, seja por cálculo direto,seja por estimativa ou por comparação, conforme ocaso.

XLVI

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emvigésimo segundo lugar as instâncias decurrículo,[237] a que também costumamos chamar deinstâncias da água,[238] tomando o nome das clepsi-dras, usadas pelos antigos, em que punham água emlugar de areia. Elas medem a natureza conforme osinstantes do tempo, como fazem as instâncias da varaem relação às distâncias do espaço. Com efeito, todomovimento ou ação natural ocorre no tempo; é maisrápido ou mais lerdo que outro, mas sempre conformedurações fixas, notadas na natureza. Mesmo as açõessúbitas à primeira vista têm causado maior ou menorduração temporal.

Em primeiro lugar, vemos que as revoluções doscorpos celestes ocorrem segundo períodos fixos; assimtambém o fluxo e refluxo do mar. A queda dos corpospesados no sentido da terra e a subida dos corpos levespara o céu cumprem-se em tempos determinados,conforme a natureza do corpo e o meio em que semovem. Da mesma forma, os velejos dos navios, o

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movimento dos animais, o arremesso dos projéteisocorrem em tempos calculáveis no seu conjunto. Emrelação ao calor, no inverno as crianças “lavam” asmãos nas chamas sem se queimarem, e osmalabaristas, com movimentos ágeis e uniformes,colocam com a boca para baixo e para cima coposcheios de vinho ou água, sem derramar; e há muitasoutras coisas semelhantes. Ainda mais, a expansão, acompressão e a erupção dos corpos ocorrem mais oumenos velozmente, segundo a natureza do corpo e domovimento, mas sempre em instantes determinados.Sabe-se que o ribombar dos canhões, que pode serouvido até a trinta milhas, é ouvido primeiro pelos quese acham perto e depois pelos que se acham distantesdo local do disparo. E até a vista, cuja ação érapidíssima, também exige instantes certos para suaatuação; como está provado pelo fato de que a umacerta velocidade os corpos não são mais distinguidos,como é o caso da bola disparada por um mosquete quepassa ante a vista em um tempo menor que o exigidopara a imagem impressionar a vista.

Esse exemplo e outros semelhantes fizeramsurgir uma dúvida verdadeiramente espantosa, ou seja,a de que o aspecto do céu estrelado e sereno é visto nomomento mesmo em que existe ou um pouco depois; etambém, se existem, na contemplação dos corposcelestes, um tempo real e um tempo aparente, umespaço real e um espaço aparente, tal como é indicadopelos astrônomos nas paralaxes. Pois pareceria, defato, inacreditável que as imagens dos corpos celestespudessem atravessar, com seus raios, em um instante,espaços celestes tão vastos sem o emprego de qualquertempo. Mas essa dúvida relacionada com um intervalode tempo entre o tempo verdadeiro e o tempo aparente

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desvanece-se completamente quando se leva em contaa imensa perda de grandeza que devem ter as estrelasna sua imagem aparente, em razão da distância etambém pelo fato de os corpos esbranquiçados, aqui naterra, poderem ser percebidos imediatamente, mesmoa uma distância de sessenta milhas. Não pode haverdúvida de que a luz dos corpos celestes ultrapassa emmuito, em força de radiação, a cor viva da brancura,como também a luz de qualquer chama conhecida.Além disso, a imensa velocidade dos corpos celestes,que não é percebida em seu movimento diurno, o quechegou ao ponto de espantar mesmo os varões graves,levando-os a sustentar que o movimento da terra tornamais crível esse movimento de emissão dos raios delessaídos (embora com extraordinária rapidez, como foidito). Finalmente, tomamos por confirmadadefinitivamente a falsidade de se admitir um intervaloentre um tempo verdadeiro e um tempo aparente, pelofato de que, nesse caso, uma nuvem ou outraperturbação atmosférica qualquer confundiriam commuita freqüência as imagens. E é o que tínhamos adizer a respeito das medidas simples de tempo.

Mas é necessário investigar, além das medidassimples dos movimentos e das ações e muito mais, amedida comparativa, que é muito usada e que serelaciona com muitas coisas. Com efeito, a chama quesegue à detonação de uma peça de artilharia é vistaantes da audição do disparo, mesmo andando a balamais rapidamente que a chama, e isso porque omovimento da luz é mais rápido que o do som.Sabemos igualmente que as imagens são recebidas pelavista muito mais rapidamente do que se desvanecem. Epor isso também que as cordas de um instrumento,quando vibrados pelo dedo, parecem duplas ou triplas,

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porque se recebe uma nova imagem antes da perda daanterior; um mal em rotação parece uma esfera, e umatocha movida rapidamente, à noite, parece possuiruma cauda de fogo. Dessa desigualdade fundamentalda velocidade dos movimentos extrai Galileu a causado fluxo e do refluxo do mar. Sendo a terra de rotaçãomais veloz que a água, deve surgir, segundo ele, aacumulação e a elevação das águas, e vice-versa, emsua descida, como acontece com um recipiente de águafortemente agitado.[239] Mas tal opinião sefundamenta em uma hipótese arbitrária,[240] isto é,que a terra se move, isso sem ter bem observado omovimento regular de cada seis horas do oceano.

Mas para se dispor de um exemplo de misturascomparativas dos movimentos (assunto de quetratamos) e de seu notável uso (do qual falamos hápouco), tomemos as minas subterrâneas, que com umamínima quantidade de pólvora são capazes de lançarpara o ar imensas massas de terra, edifícios e muralhasde toda espécie. A causa de tal fenômeno é certamenteo fato de que o movimento de expansão da pólvora émuito mais rápido que o movimento da gravidade, quepode oferecer alguma resistência. Dessa forma, o movi-mento de expansão chegou ao fim antes de começar omovimento contrário, e por isso desde seu início omovimento de expansão não encontra qualquerresistência, se assim se pode dizer. Por igual razão, nolançamento de um projétil, mais vale um golpe súbito eviolento que um forte. Pela mesma razão, uma pequenaquantidade de espírito animal não poderia animar emover o corpo dos animais, especialmente dosavantajados de corpo, como a baleia e o elefante, se oespírito não fosse dotado de uma espantosa velocidade,para poder percorrer toda a massa compacta do corpo,

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sem encontrar qualquer resistência.Ademais, há um princípio, que constitui um dos

fundamentos dos experimentos mágicos (de quetrataremos logo depois), que é o seguinte: umapequena quantidade de matéria supera e reduz à suaordem um corpo de massa muito maior apenasquando, assim o cremos, se pode fazer com que ummovimento, pela sua velocidade, se antecipe aosurgimento de outro movimento.

Por último, em toda ação natural deve-se ter emconta a distinção entre o antes e o depois; veja-se, porexemplo, que, em uma infusão de ruibarbo, primeirose consegue uma ação purgante e depois uma açãoadstringente; algo de semelhante notamos em umainfusão de violetas em vinagre, onde primeiro sepercebe o perfume suave e delicado da flor e depois aparte mais terrosa e agreste da flor, que abafa operfume. Pela mesma razão, se se submergem violetasem vinagre por todo um dia, percebe-se o aroma commuito menos intensidade que se forem submergidaspor apenas um quarto de hora, e como o espíritoaromático dessa planta é diminuto, se são colocadasvioletas frescas, em cada quarto de hora, até seis vezes,dessa forma finalmente, é enriquecida a infusão de talmaneira que, ainda não tendo as violetas frescaspermanecido no vinagre mais que uma hora e meia, eleadquire um aroma raro, em nada inferior à violeta, portodo um ano. Mas deve ser lembrado que o aroma sóalcançará toda a sua intensidade depois de um mês deinfusão. Nas destilações de aromas postos a macerarno espírito do vinho, ao contrário, em primeiro lugarsurge um humor denso, aquoso e sem valor; e depois, aágua mais impregnada do espírito do vinho, finalmente

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a água mais impregnada de aroma. Há sempre nasdestilações muitas coisas, como essas, dignas de nota.Mas bastam essas como exemplo.

XLVII

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emvigésimo terceiro lugar as instâncias dequantidade,[241] a que costumamos também chamarde dose da natureza,[242] tomando o termo damedicina. São aquelas que medem as virtudes e, pelasquantidades dos corpos, indicam quanto intervém aquantidade do corpo sobre o modo dessas virtudes. Emprimeiro lugar, há virtudes que só subsistem em umaquantidade cósmica, isto é, uma quantidade tal quetenha um consenso com a configuração e a estrutura douniverso. Desse modo, a terra está firme, mas suaspartes caem. As águas marinhas sofrem fluxos erefluxos; o que não acontece com os rios, a não ser emsua embocadura, por penetração do mar. Em segundolugar, quase todas as virtudes particulares agemsegundo a maior ou menor quantidade do corpo. Asgrandes extensões de água não se corrompemfacilmente como as poças que logo apodrecem. Omosto e a cerveja fermentam e tornam-se potáveis commais facilidade em pequenos recipientes que emgrandes tonéis. Se se coloca uma erva em grandequantidade em um líquido, obtém-se uma infusão enão uma impregnação; se se coloca uma pequenaquantidade, obtém-se uma impregnação e não umainfusão. Também no corpo humano, uma coisa é umbanho e outra, uma simples aspersão. Do mesmomodo, o orvalho espargido pelo ar não chega a cair eacaba se incorporando no ar. E, soprando-se sobre umapedra preciosa, pode observar-se a ligeira umidade

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dissolver-se imediatamente, como uma pequenanuvem já citada, dissipada pelo vento. Igualmente, umpedaço de magneto não atrai tanto ferro quanto ummagneto inteiro. De outro lado, há virtudes que agemmelhor na pequena quantidade que na grande; oestilete agudo fura e penetra mais facilmente que oobtuso, um diamante pontiagudo corta o vidro; e assimpor diante.

De fato, não nos devemos deter em coisasgenéricas, pois é necessário que se faça umainvestigação a respeito da efetiva relação da quantidadedo corpo com o modo da virtude. Poder-se-ia crer queseriam proporcionais; assim, uma bola de chumbo deduas onças deveria cair com o dobro da velocidade deuma bola de uma onça, o que é absolutamenteerrado.[243] Dessa forma, as relações são muitodiversas e segundo os gêneros da virtude e, por isso,tais medidas devem ser determinadas nas própriascoisas, e não segundo verossimilhanças e conjeturas.

Enfim, em toda investigação da natureza deveser observada a quantidade do corpo (a sua dose) que éexigida para um determinado efeito, e toda cauteladeve ser empregada em relação ao muito e ao pouco.

XLVIII

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emvigésimo quarto lugar as instâncias de luta,[244] a quetambém costumamos chamar de instâncias depredomínio.[245] Indicam-nos o predomínio ou ainferioridade entre as virtudes, ou seja, qual entre elasé mais forte e prevalece, e qual é mais fraca e sucumbe.Os movimentos e os esforços dos corpos, tanto quantoos próprios corpos, também se compõem edecompõem-se e complicam-se. Em primeiro lugar,

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enumeraremos e definiremos as principais espécies demovimentos e de virtudes ativos, para tornar maisclara a comparação do seu poder e, com isso, adescrição das instâncias de luta e de predomínio.

O primeiro é o movimento de resistência [246]da matéria, existente em toda parte, em que a matérianão quer ser inteiramente anulada, de tal modo quenão há incêndio, pressão, qualquer espécie deviolência, nem passagem ou duração de tempo quepossam reduzir qualquer coisa a nada; por menor queseja a parte da matéria, nada há que a impeça de seralgo, de ocupar algum lugar; e qualquer que seja adificuldade em que se encontre, acabará se libertando,ou mudando de forma ou de lugar, ou permanecendocomo é ou está, não havendo outra possibilidade; masnunca chegando a não ser nada ou não estar em partealguma. A Escola (que na maior parte dos casos,designa e define as coisas pelos seus efeitos ou desviose não pelas suas causas íntimas), para esse movimento,recorre ao axioma de que “dois corpos não podem estarno mesmo lugar”, ou designa esse movimento como “aimpenetrabilidade das dimensões”. Não encontramosexemplo adequado para esse movimento; mas éinerente a todo corpo.

O segundo movimento é o que chamamos deconexão, pelo qual os corpos não suportam serdesagregados, e aspiram a permanecer reunidos e emcontato direto. É o movimento que a Escola designacomo “horror ao vazio” e graças ao qual a água éatraída por sucção ou por bombas e a carne porventosas. Em virtude de tal movimento, a água contidaem um vaso furado no fundo nele permanece até quefaça entrar ar por uma abertura superior, e inúmeras

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coisas do mesmo gênero.O terceiro movimento é o que chamamos de

liberdade, pelo qual os corpos se esforçam por selibertar da pressão ou tensão que não seja natural eretornar à dimensão que lhes convém na natureza. Há,também deste movimento, inumeráveis exemplos: aágua se livra de uma pressão, escorrendo; o ar, pelovôo; a água, formando ondas; o ar, ondulando nosoprar do vento; a mola dos relógios, esticando-se.Exemplo interessante do ar comprimido nos oferecemos pequenos canhões que as crianças fazem parabrinquedos. Tomam um pedaço de álamo ou madeirasemelhante, fazem um furo no sentido do comprimentoe, em cada extremidade, colocam à força um tampo deraiz polposa; em seguida, com a ajuda de um êmbolo,empurram uma das tampas em direção à outra; a umacerta altura, antes de ser tocada, a que permanece naextremidade oposta volta-se, fazendo ruído. Em relaçãoao modo de se livrar da tensão, considere-se o queacontece com o ar que permanece no ovo de vidro,depois de forte sucção; considerem-se também ascordas, o couro, o pano e outros tecidos, que voltam aoestado inicial se a tensão não for muito longa, etc. AEscola indica esse movimento como produzido pelaforma do elemento; e isso de forma muito imprópria,pois esse movimento não se relaciona unicamente aoar, à água, à chama, mas é comum a todos os corpos,seja qual for a sua consistência, tal como a madeira, oferro, o chumbo, o pano, a membrana, etc., nos quaiscada corpo apresenta o seu limite particular dedimensão, além do qual vão muito pouco. Mas, como omovimento de liberdade é muito freqüente, e sendo deinfinitos usos, é oportuno distingui-lo perfeitamentedos demais. Pois há quem o confunda,

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lamentavelmente, com os movimentos antes descritosde resistência e conexão; ou seja, o de evasão dapressão com o movimento de resistência e o de evasãode tensão com o movimento de correção; como se oscorpos comprimidos cedessem ou se esticassem paraque não se produzisse penetração de dimensões, e oscorpos distendidos se encolhessem para evitar o vazio.Mas se o ar comprimido tivesse que se contrair até adensidade da água, ou a madeira até a densidade dapedra, não seria necessária a penetração de dimensões;contudo, a compressão nesses corpos chegaria a sermuito maior que a que suportam, por qualquer meio,tais como são. Igualmente, se a água pudesse dilatar-seaté chegar ao estado de rarefação que tem o ar, ou apedra até o da madeira, não haveria necessidade dovazio; e, nesse caso, a extensão que neles teria lugarseria muito maior que a que alcançam, por quaisquermeios, tais como são. Dessa forma, não se chega àquestão da penetração de dimensões ou à do vazio, anão ser nos limites de condensação e rarefação;contudo, tais movimentos se encontram muito maisaquém desses limites e nada mais representam quedesejos dos corpos de se conservarem em suaconsistência ou, diriam os escolásticos, em suasformas, e dessa maneira não se separarem subitamentedelas e sem que sejam alterados com modos suaves ecom seu consentimento. Contudo, muito maisnecessário, pelas conseqüências em que importa, éadvertir os homens de que o movimento violento (pornós chamado mecânico, e por Demócrito, que arespeito de movimentos, deve ser ainda colocado entreos filósofos medíocres, de movimento de golpe) outronão é que o movimento de liberdade, ou seja, omovimento da compressão à distensão. Na verdade, a

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nem toda ação ou desvio no ar corresponde umamudança de lugar, se as partes do corpo não foremforçadas e comprimidas um pouco além do suportávelpor sua natureza. Então, as partes, comunicandoreciprocamente o impulso, provocam o movimento,não apenas linear do corpo, mas também ao mesmotempo o rotatório, procurando, dessa forma, libertar aspartes da pressão, ou melhor suportá-la, pela suamelhor distribuição. É o suficiente para essemovimento.

O quarto movimento é o que demos o nome demovimento de matéria,[247] que, de certo modo, é ooposto ao de liberdade, de que falamos. Pelomovimento de liberdade, os corpos tendem com todasas suas forças a retomar a sua consistência original,evitando, fugindo, mostrando repugnância para comqualquer nova dimensão ou nova esfera, ou novaexpansão, ou contração (significando todas essaspalavras a mesma coisa). Pelo movimento de matéria,ao contrário, os corpos tendem a passar a uma novaesfera ou dimensão, e o fazem de maneira voluntária efacilmente, e às vezes até com ímpeto furioso, comoacontece com a pólvora. Instrumentos desse movi-mento certamente não os únicos, mas os mais potentes,ou pelo menos os mais freqüentes, são o quente, o frio.Por exemplo, o ar, dilatado por qualquer tensão ouaspiração (como nos ovos de vidro), tem uma notáveltendência a retomar o anterior estado de densidade.Aquecido, tende, ao contrário, a dilatar-se e aspira apassar para uma nova esfera e a ela passa comfacilidade, como para uma nova forma (como se diz), edepois de alcançar certo grau de dilatação não sepreocupa com o retorno, a não ser quando convidadopelo frio; não se trata porém, de retorno, mas de uma

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nova transformação. Da mesma maneira, a águacomprimida resiste e tende a retomar a dimensãoanterior, procurando dilatar-se; mas sob a ação do friointerno e continuo transforma-se em geloespontaneamente e voluntariamente se condensa; seprosseguir o frio intenso, sem qualquer intromissão decalor (como acontece nas cavernas profundas),transforma-se em cristal, não voltando ao estadoanterior.

O quinto movimento é o da continuidade, quecorresponde, não à simples e fundamentalcontinuidade entre um corpo e outro (nesse caso,trata-se de movimento de conexão), mas acontinuidade interna de um corpo dado. Com efeito, écoisa certa que todos os corpos se desgostam com todasolução de continuidade; alguns mais, outros menos,mas de qualquer forma todos. Nos corpos duros (comoo aço, o vidro, etc.) a reação à interrupção dos seuscorpos é mais forte; e, mesmo, no líquido onde essaresistência parece cessar ou ser muito fraca, ela nãodeixa de existir, ainda que em ínfimo grau; fato conta-do, que é demonstrado por inúmeros experimentos,basta considerarem-se as bolas, a esfericidade dasgotas e os fios delgados que caem das goteiras, aconsistência dos corpos gelatinosos e outros semelhan-tes. Mas tal tendência é mais evidente sobretudoquando se procura introduzir a descontinuidade emum corpo já reduzido a partes extremamente pequenas.E o que acontece nos morteiros, depois de um certograu de trituração, e nos pilões; também a água nãopenetra nas frinchas muito pequenas; o próprio ar,apesar da sutilidade de sua natureza, não penetra osporos de um vaso um pouco mais sólido, a não serdepois de muito tempo.

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O sexto movimento é o que chamamos demovimento para lucro ou de indigência. Por seuintermédio, os corpos, quando colocados no meio deoutros de natureza diversa ou até mesmo hostil,encontram o meio de se afastarem e de se reunirem aoutros mais afins (mesmo que essa afinidade não sejagrande) e a estes se juntam imediatamente e osantepõem como preferíveis; dai o lucro indicado nonome do movimento, lucro esse buscado como umanecessidade dos corpos. Por exemplo, o ouro ouqualquer outro metal não gosta de ser envolvido oucercado pelo ar, quando na forma de lâminas; por isso,quando encontra um corpo duro e denso (um dedo, umpedaço de papel ou algum outro), a ele aderesubitamente, não se separando facilmente. Mesmo opapel, o pano e todo corpo análogo não se adaptambem ao ar que os penetra e se insinua pelos seus poros;por isso, absorvem com facilidade a água ou outroliquido, com o fito de se distanciarem do ar. O açúcarou uma esponja submergida em água ou em vinho,mas com uma parte de fora, atraem gradualmente aágua ou o vinho, embebendo-se completamente.

Daí deduzimos a excelente norma para aberturae dissolução dos corpos. Pois, deixando-se à parte oscorrosivos e as águas-fortes, que abrem a estrada pelaforça, se se encontra um corpo proporcionado comalgum sólido e com mais afinidade e amizade que ocom que está misturado por necessidade, aquele seabre, relaxa-se, recebe o primeiro corpo e exclui eafasta o outro. Esse movimento de ganho não operaunicamente por contato direto; pois a força elétrica(sobre a qual Gilbert e seus seguidores tantofantasiaram) não passa de uma tendência provocadapor ligeira fricção, pela qual um corpo, não suportando

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mais o ar circundante, prefere outro corpo tangível queesteja ao seu alcance.

O sétimo movimento é o que chamamos demovimento de congregação maior, graças à qual oscorpos se movem no sentido das massas de seuscongêneres, sendo os mais pesados para o centro daterra e os mais leves para o céu. Os Escolásticos, demaneira superficial, indicaram-no como “movimentonatural”, por não terem encontrado nada de externo evisível que pudesse provocá-lo, e o consideravam inatoe inerente às próprias coisas, talvez pelo fato de serperpétuo, o que não seria de se espantar. Com efeito, océu e a terra estão sempre presentes enquanto que ascausas e as origens da maior parte dos outrosmovimentos algumas vezes estão presentes e outrasestão ausentes. Por isso, porque não cessa nunca e osoutros cessam, os Escolásticos o consideravam como oúnico movimento próprio e perpétuo e os outros comomovimentos exteriores e acidentais. Mas, na verdade,trata-se de um movimento débil e pouco ativo, e, nãosendo o caso de corpos de grande volume, cede e sesubmete aos outros movimentos enquanto eles sedesenvolvem. Apesar de os homens se terem ocupadodesse movimento a ponto de deixarem de lado osoutros, pouco conhecem a seu respeito, incorrendo emmuitos erros a seu respeito.

O oitavo movimento é o que chamamos decongregação menor, que faz com que, em todos oscorpos, as partes homogêneas se separem dasheterogêneas, juntando-se umas às outras; por ele, oscorpos inteiros se enlaçam e conjugam-se, conforme asua substância e às vezes atraem-se de uma certadistância, aproximando-se uns dos outros. O leite,

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colocado em repouso, faz subir o creme, depois decerto tempo a borra e o tártaro precipitam-se no vinho.Tais efeitos não são só produzidos pela gravidade oupela leveza (graças às quais alguns corpos vão parabaixo e outros para o alto), mas sobretudo pelo desejodos corpos homogêneos de se unirem e associarem-se.Esse movimento difere do movimento de indigência deduas maneiras: em primeiro lugar, porque naquelemovimento a tendência do corpo é fugir de qualquernatureza maligna e inimiga, enquanto que, no que nosocupa (quando não há obstáculos ou vínculos), aspartes se unem por amizade, sem uma naturezaestranha para provocar o combate; em segundo lugar,porque a conjunção aqui é mais estreita, cumprindo-secom maior eleição. No primeiro caso, corpos emboranão muito afins compõem-se para fugirem de umcorpo hostil; enquanto que no caso presente assubstâncias se unem levadas por uma estreitíssimasemelhança e constituem praticamente um todo. Essemovimento é encontrado em quase todos os corposcompostos, mas não se mostra facilmente, porque oscorpos estão ligados e tomados por outras tendências epor vínculos que perturbam a união.

Particularmente três causas podem embaraçaresse movimento: o torpor dos corpos, o freio do corpopredominante e o movimento externo. Quanto àprimeira causa, é sabido que os corpos tangíveis têmuma preguiça, maior ou menor, e uma aversão àmudança de lugar; assim é que só se movem seimpelidos, caso contrário preferem continuar comoestão, mesmo que seja para mudar para melhor.Podem ser sacudidos desse torpor por uma trípliceajuda: pelo calor, pela atração de qualquer corposemelhante ou por um impulso enérgico e vigoroso. O

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calor é comumente definido como “o que separa osheterogêneos e une os homogêneos”; mas tal definiçãodos peripatéticos é, com razão, ridicularizada porGilbert, que a declara semelhante à de alguém queprocurasse definir o homem “aquele que semeia o trigoe planta os vinhos”, que é uma definição pelos efeitos epelos particulares. Mas a definição é mais errada nofato de que os efeitos, quaisquer que sejam, nãoderivam da natureza do calor, mas por acidente, ouseja, dos desejos das partes homogêneas de se unirem;enquanto que o calor nada mais faz que ajudar o corpoa sacudir o torpor que antes oferecia resistência aodesejo. O mesmo acontece com o frio, como maisadiante exporemos. A ajuda que pode oferecer avirtude de um corpo afim manifesta-se de maneiraadmirável no magneto armado, que produz no ferro avirtude de atrair o ferro por semelhança de substância,depois de sacudido o torpor do ferro. A ajudaproveniente do movimento se observa nas flechas demadeira, com ponta de madeira, que penetram melhorcertas madeiras do que se tivessem ponta de ferro, oque acontece em vista da semelhança de substância,depois de sacudido o torpor da madeira, pelomovimento veloz das flechas. Já foi feita mençãodesses experimentos no aforismo das instânciasclandestinas.

A dificultação do movimento de congregaçãomenor, que advém do corpo predominante, observa-sena decomposição do sangue e da urina pelo frio. Poisenquanto esses corpos estiverem cheios de espíritoativo que os governa e mantém coesas suas partes,essas mesmas partes não se associam por coerção. Mastão logo se tenha aquele espírito evaporado ou tenhasido abafado pelo frio, então as partes liberadas do

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freio se associam, seguindo o seu desejo natural.Assim, acontece que todos os corpos que contêm umespírito acre (como os sais e coisas semelhantes)perduram sem se dissolverem, em razão do freiopermanente e durável representado pelo espíritodominante e imperioso.

A dificultação do movimento de congregaçãomenor que ocorre por causa do movimento externoobserva-se sobretudo nos corpos nos quais a agitaçãoimpede que apodreçam. De fato, toda putrefaçãobaseia-se na agregação dos homogêneos, pela qualpouco a pouco ocorre a corrupção da primeira forma aprodução da nova (conforme a linguagem comum). Porisso, a putrefação que abre caminho à produção deuma nova forma é precedida da dissolução da formaanterior, ou seja, da reunião das partes homogêneas.Não havendo qualquer obstáculo ocorre apenas adissolução da forma anterior; mas, havendo qualquercoisa que se oponha, advém a putrefação, que é aorigem de nova geração. Se, depois, acontecer umaforte agitação proveniente de um movimento externo(que é o nosso assunto), então o movimento deagregação é perturbado e cessa (pois se trata de ummovimento leve e delicado que exige a quietudeexterna), como se pode observar através de inúmerosexemplos. Por exemplo, a contínua e cotidiana agitaçãoe a correnteza da água impedem a sua putrefação; osventos impedem a concentração de substânciaspestilentas no ar, do mesmo modo os grãos, quandorevolvidos nos celeiros, melhor se conservam, enfim,todas as coisas, quando agitadas do exterior, não seputrefazem interiormente com facilidade.

Também não pode ser omitida a união das

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partes dos corpos que constitui a principal causa doseu endurecimento e dissecação. Pois, quando oespírito, ou a parte úmida transformada em espírito, éevaporada de um corpo poroso (como a madeira, oosso, membranas e outras semelhantes). as partes maisgrossas se contraem e encolhem-se mais fortemente;em seguida, advém o endurecimento e a dessecação,efeitos provocados, segundo entendemos, não por ummovimento de conexão que tende a evitar o vazio, maspor este movimento de amizade e de união.

A união a distância é pouco freqüente e rara,mas, de qualquer maneira, é mais freqüente do quecomumente se observa. Como exemplo, veja-se a bolhaque rompe a outra; as medicinas que pela semelhançade substâncias extraem os humores; quando emdiversos instrumentos uma corda move-se com outra; eoutros semelhantes. Somos levados a crer que essemovimento também é encontrado no espírito dosanimais, mas permanecendo completamente incógnito.E encontra-se, com certeza, no magneto e no ferromagnetizado. E, já que estamos falando de movimentomagnético, é necessário distinguirem-se quatroespécies de virtudes ou operações que devem serdistinguidas, embora os homens, levados pelaadmiração e pela estupidez, confundam-nas. Aprimeira em virtude de atuação do magneto, pelomagneto, ou do ferro pelo magneto, ou do ferro peloferro magnetizado. A segunda é a sua propriedade dedirigir-se para o norte e para o sul, e também a suainclinação. A terceira é a virtude magnética deatravessar o ouro, a pedra e qualquer corpo. A quarta éa virtude de magnetizar o ferro e o ferro outro ferro,sem comunicação de substância. Mas aqui só nosocupamos da primeira dessas virtudes, ou seja, de

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atração. Igualmente notável é o movimento de atraçãoexistente entre o mercúrio e o ouro, e de tal modo forteque o ouro atrai o mercúrio, mesmo estando na formade ungüento; e os operários que trabalham entrevapores de mercúrio costumam ter na boca um pedaçode ouro, para recolher as suas exalações, que de outraforma penetrariam nos ossos e no crânio. E o pedaçode ouro em pouco tempo se torna branco. É o suficientepara o movimento de congregação menor.

O nono movimento é o magnético, do mesmogênero que o de congregação menor, mas que age agrande distância e sobre grandes massas, e mereceuma investigação particular, especialmente se nãocomeça com o contato, como muitos outrosmovimentos, nem leva ao contato, como todos osmovimentos de congregação, mas eleva e infla oscorpos, não indo além. Pois se a lua eleva as águas oufaz com que os corpos úmidos inchem, ou o céuestrelado atrai os astros para o apogeu; ou o solsubmete os astros Vênus e Mercúrio para que dele nãose afastem além de uma determinada distancia; emvista disso, não se pode classificá-los corretamentecomo movimento de congregação maior ou menor, devez que se trata de movimentos de congregaçãointermediários e imperfeitos, que formam uma espécieà parte.

O décimo movimento é o de fuga, contrário aode congregação menor. Por ele os corpos se distanciamentre si por antipatia e mantêm-se separados de seusinimigos, recusando misturar-se com eles. É verdadeque em certos casos pode parecer um movimento poracidente ou em conseqüência do movimento decongregação menor, porque também aqui as partes

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homogêneas só se conjugam depois de terem excluído eafastado as heterogêneas. Mas isso deve ser conside-rado em si mesmo e deve formar uma espécie distinta,pois em inúmeros casos a tendência para fuga supera atendência para a união.

Esse movimento se manifesta especialmente nosexcrementos dos animais e em qualquer objetorepugnante aos sentidos, em particular ao olfato e aogosto, O olfato recusa tão decididamente qualquer tipode fedor que por consenso provoca um movimento derepulsão na boca do estômago; o paladar e a gargantarecusam tanto qualquer alimento amargo e áspero desabor que provocam por consenso um tremor de toda acabeça. Mas ainda em outras coisas é possívelencontrar-se esse movimento. São observados emalguma antiperístase, como, por exemplo, na regiãomédia do ar, onde o frio parece efeito da expulsão danatureza do frio, da zona limítrofe com os corposcelestes, como os grandes calores, e as massas de lavacandente que se encontram nas regiões subterrâneas,que parecem ser resultado das expulsões da naturezado quente, das entranhas da terra. O calor e o frio empequenas quantidades se destroem mutuamente, mas,em grandes quantidades e, como exércitos regulares, aofinal da refrega, ou se expulsam ou deslocam um aooutro. Fala-se que a canela e outras substânciasaromáticas, colocadas nas latrinas e nos lugaresfedorentos, conservam mais os seus aromas, pois estesse recusam a sair para não se misturarem com o fedorcircundante. E certo que o mercúrio, que de outraforma, se uniria em um corpo compacto, e impedidopela gordura de porco, pela terebentina e outrassubstâncias semelhantes, isso devido à falta deconsenso que guarda em relação a esses corpos, dos

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quais procura se afastar quando é por eles envolvido;de sorte que a tendência para a fuga dos corposinterpostos é mais forte que a tendência para a uniãode todas as partes em um todo homogêneo. E é a essefenômeno que chamam de mortificação do mercúrio.Da mesma maneira, o fato de o óleo não se unir à águanão depende do peso específico diverso das duassubstâncias, mas do seu precário consenso; o que éprovado pelo fato de que o espírito do vinho, mais leveque o óleo, une-se perfeitamente à água. Mas o movi-mento de fuga manifesta-se, sobretudo, no nitrato e emoutros corpos crus, inimigos das chamas, como apólvora, o mercúrio e o ouro. Mas a fuga do ferro, dooutro pólo do magneto, não é, como muito bem lembraGilbert, um movimento de fuga propriamente dito,mas conformidade e tendência a ocupar um lugar maisconveniente.

O décimo primeiro movimento é o movimentode assimilação ou de multiplicação de si mesmo ouainda de geração simples. Deve-se entender porgeração simples não a dos corpos inteiros que ocorrenas plantas e nos animais, mas aquela dos corpossimilares. Por meio desse movimento, os corpossimilares convertem em sua própria substância enatureza outros corpos afins, ou pelo menos bemdispostos e preparados. É o caso da chama, que semultiplica alimentando-se de exalações de matériasoleosas e engendra nova chama; do ar, que semultiplica pela água e pelos vapores aquosos eengendra novo ar; do espírito vegetal e animal, que, sealimentando das partes mais tênues, tanto aquosasquanto oleosas, engendra novo espírito; das partes sóli-das, das plantas e dos animais, folhas, flores, carne,osso, etc., que assimilam o suco nutritivo e engendram

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substância reparadora continuamente. E ninguémtomaria o lugar de Paracelso em suas fantasias, pois,obcecado com suas destilações, pretendia que anutrição só se realizava por separação e que no pão ouem qualquer outro alimento encontram-se olhos,varizes, cérebros, fígados, e no humus da terra, raízes,folhas e flores. Tal como o escultor tira de uma massatosca de pedra ou de madeira, por eliminação ereparação do supérfluo, folhas, flores, olhos, varizes,mãos, pés, etc.; da mesma maneira, afirma Paracelso, oartífice interno (o que chama de Arqueu) extrai, porseparação e eliminação dos alimentos, cada um dosmembros e partes. Mas, deixando de lado taisfutilidades, acreditamos como certo que as diversaspartes, tanto as orgânicas como as similares, tanto nosvegetais quanto nos animais, primeiramente atraem ossucos dos alimentos, escolhem os que são quasecomuns a todos ou os que não são muito diversos,depois os assimilam convertendo-os na própria natu-reza. E tal assimilação ou geração simples não ocorresomente nos corpos animados, mas também nas coisasinanimadas, como se depreende do exemplo da chamae do ar. Assim, o espírito morto,[248] que se encontraem toda coisa tangível e animada, faz com que aspartes mais duras sejam digeridas e transformadas emespírito, que logo depois se exala, daí resultando umadiminuição e uma dissecação de peso, como já foiassinalado. Também não pode ser desprezada a formade assimilação que se costuma vulgarmente distinguirda nutrição; como é o caso do barro que se endureceentre duas pequenas pedras e transmuda-se essamatéria pétrea ou da crosta que se forma entre osdentes e se transforma em substância quase tão duraquanto eles, etc. Sustentamos a opinião de que em

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todos os corpos está latente a tendência à assimilaçãotanto quanto a tendência a união dos homogêneos;mas, mesmo esta tendência, como aquela, estávinculada, ainda que não da mesma maneira. Enecessário que se investigue, com todo cuidado, comoisso ocorre e como é possível remover o obstáculo, poisajuda bastante ao revigoramento da velhice.[249] Porúltimo, devemos observar que nos primeiros novemovimentos aqui tratados os corpos procuramunicamente a conservação de sua natureza, no décimobuscam a sua propagação.

O duodécimo é o movimento de excitação, queparece uma espécie de assimilação e por isso às vezesassim também o chamamos. Pois, à semelhançadaquele, é capaz de se difundir, comunicar-se,transferir-se a outro e se multiplicar. E, apesar de omodo de operar e de a substância sobre a qual operaserem diversos, o efeito é o mesmo. Em relação aomodo de operar, de fato, a assimilação procede comautoridade e quase com império, obriga o alimentoassimilado a transformar-se na substância que oassimilou; por seu turno, o movimento de excitaçãocomposta quase com arte e com circunspecção,furtivamente se insinuando, não obriga o alimento atransformar-se na substância que o excitou, Omovimento de assimilação multiplica e transforma oscorpos e as substâncias: por isso, a chama, o ar, oespírito, a carne, aumentam, O movimento deexcitação, de sua parte, multiplica unicamente avirtude e transfere-a de um corpo a outro, com issolevando mais calor, mais magnetismo, mais podridão.Esse movimento é especialmente constatado no calor eno frio, de vez que o calor não se difunde noaquecimento em razão de um calor precedente, mas

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somente pela excitação das partes do corpo até aquelemovimento que é a forma do calor, como se viu naprimeira vindima da natureza do calor. É por isso queo calor se propaga muito mais dificilmente e mais tardena pedra ou no metal que no ar, pela inaptidão elentidão desses corpos para com o movimento deexcitação. Bem por isso, pode-se supor que nasentranhas da terra encontram-se matérias sobremodoincapazes de receber o calor, reduzidas certamente a talgrau de densidade que acabaram por perder o espírito,no qual o movimento de excitação, pelo menos, teminício. Do mesmo modo, o magneto dota o ferro deuma nova disposição das partes e infunde ummovimento conforme ao seu, e isso sem perder nada dasua virtude. Do mesmo modo, o fermento do pão e olêvedo da cerveja, o coalho do leite e alguns venenosexcitam e introduzem um movimento sucessivo econtinuado na farinha, na cerveja, no queijo e no corpohumano. E isso ocorre não tanto por sua virtudeexcitante mas sobretudo pela predisposição e peloabandono do corpo excitado.

O movimento décimo terceiro é o da impressão,que também é uma espécie do movimento deassimilação e é o mais tênue dos movimentosdifusivos. Constituímo-lo em uma espécie distinta emrazão de uma notável diferença que guarda em relaçãoaos dois primeiros. O movimento de assimilaçãosimples transforma os corpos a tal ponto que, mesmoque se suprima o primeiro móvel, a operação continua.Da mesma maneira que a primeira inflamação dachama, ou a primeira conversão em ar, não temqualquer efeito sobre a chama e sobre o ar, que vãosurgindo sucessivamente, o movimento de excitaçãocontinua, mesmo depois da remoção do primeiro

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móvel, por um tempo considerável, como um corpoaquecido, que assim permanece, mesmo depois decessada a causa do calor; como a virtude do ferroimantado, mesmo depois de eliminado o magneto; e ada massa da farinha, afastado o fermento. Aocontrário, o movimento de impressão é capaz de sedifundir, de se transferir para outros corpos, maspermanece sempre ligado ao primeiro móvel e, com ocessar deste, também cessa. Por isso, deve produzir-seem um momento ou em um tempo muito breve. Foidisso que retiramos a razão de designar os doismovimentos de assimilação e de excitação pormovimentos de geração de Júpiter, porque sãoduráveis; e, ao último, de movimento de geração deSaturno, porque logo que nasce é imediatamente devo-rado e absorvido. Esse movimento se torna manifestoem três casos: nos raios de luz, nas percussões dossons, no magnetismo, pelo que se relaciona com acomunicação. De fato, removida a luz, imediatamentecessam as cores e as suas outras imagens; cessada aprimeira percussão e a vibração do corpo que aproduziu, imediatamente também cessa o som. Eembora os sons se propaguem mesmo no vento, comopor ondas através do espaço, é, contudo, necessárioobservar-se com mais cuidado o fato de que o som nãodura tanto quanto a sua repercussão. Quando se tangeum sino, o som parece prolongar-se pelo tempo darepercussão; mas é de todo falso que o som se tenhaprolongado durante todo aquele tempo, como pode sernotado pelo ar, pois em seu ressoar o som nãopermanece idêntico em número, mas se renova. O quepode ser facilmente verificado detendo-se o movimentodo corpo percutido. Pois se pararmos e determos asvibrações do sino, no mesmo instante pára o som e não

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ressoa mais. O mesmo acontece com os instrumentosde corda, se depois do primeiro acorde tocar-se a cordaou com o dedo, como na lira, ou com o arco, como noviolino: cessa imediatamente o som, O mesmo ocorrese se afasta o magneto: o ferro cai. A lua, todavia, nãopode ser separada do mar, nem a terra de um corpopesado, e, por isso, não se pode fazer com eles qualquerexperimento; mas o princípio permanece o mesmo.

O décimo quarto movimento é o deconfiguração ou de posição, graças ao qual os corposparecem buscar não uniões ou separações mas umadeterminada posição ou colocação e uma configuraçãoparticular, comum a outros. Esse movimento ébastante abstruso, e tem sido mal estudado. Às vezesparece sem causa, embora, no nosso entender, a causaexista. Assim, se se perguntasse a razão pela qual o céugira de oriente a ocidente e não do ocidente para ooriente; ou por que gira ao redor dos pólos, que estãoperto da Ursa Maior e não em volta de Orion ou dealguma outra constelação, tais questões parecem malcolocadas, por se referirem a fatos que devem serinvestigados sobretudo pela experiência, da mesmamaneira que outros fatos positivos. Mas não se podenegar a existência na natureza de fenômenos últimos esem causa, mas não parece que o que tratamos sejadesse gênero. Entendemos que tais fatos procedem deuma certa harmonia ou consenso universal, que aindanos escapa à observação. De fato, mesmo supondo omovimento da terra do ocidente para o oriente comocerto, permanecem intactas as mesmas questões. Se elase move em torno de certos pólos, por que esses pólosdevem encontrar-se onde estão e não em outro lugar?Também o movimento, a direção e a declinação domagneto relacionam-se com o movimento de posição.

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Nos corpos naturais e nos corpos artificiais,especialmente nos sólidos, não-fluidos, encontra-seuma certa colocação harmônica de suas partes, e (porassim dizer) certos pêlos e fibras que estão a exigir umestudo mais profundo, pois sem o seu conhecimentonão é possível de maneira eficaz manejar e controlaresses corpos. Mas a circulação dos líquidos que,comprimidos, antes de se libertarem, elevam-se porigual para melhor suportarem o peso da compressão,relacionamo-la ao movimento de liberdade.

O décimo quinto movimento é o de transição,ou movimento conforme a passagem, pelo qual asvirtudes dos corpos são mais ou menos sofreadas ousolicitadas pelo próprio meio em que agem, segundo anatureza dos corpos e das virtudes operantes, etambém do meio. Com efeito, é bem diferente o meioque convém à luz, ao som, ao calor e ao frio, às virtudesmagnéticas e outras em relação às outras virtudes.

O décimo sexto movimento é o que chamamosde régio ou político, graças ao qual, em um corpo, aspartes predominantes e imperantes subjugam, domam,dirigem e refreiam as demais, obrigam-nas a seunirem, a separarem-se, a pararem, a moverem-se ecolocarem-se não segundo o arbítrio de cada uma massegundo a ordem e o bem-estar da imperante. Assim éque há quase um governo e um domínio exercido pelaparte dominante sobre as que estão submetidas. Essemovimento se manifesta sobretudo no espírito dosanimais, movimento que, enquanto dura, regula osmovimentos das outras partes. E encontrado tambémem outros corpos, mas em grau inferior; como no san-gue e na urina, que não se dissolvem antes que oespírito que neles se encontra e penetra não tenha sido

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retirado ou sufocado. E não se trata de um movimentopróprio apenas dos espíritos, embora em muitoscorpos o espírito domine pela sua celeridade epenetração. Nos corpos mais densos, incapazes de umespírito ativo e móvel (como o do mercúrio e o dovitríolo), dominam, por seu turno, as partes maisespessas; de modo que se não se encontra um caminhopara sacudir, por meio de alguma arte, esse jugo servil,nada se pode esperar a respeito de qualquer novatransformação desses corpos. Toda essa enumeração eclassificação de movimentos não tem outro fito que ode induzir a uma investigação mais exata de suasforças predominantes, por meio da instância de luta.Mas não se pense que nos tenhamos esquecido donosso assunto, por não termos feito menção das forçaspredominantes entre os próprios movimentos. Mas, aofalarmos deste movimento régio, não tratamos dopredomínio nos movimentos e nas virtudes, mas daforça predominante nas partes dos corpos. Esta últimaespécie de predomínio é a que constitui o movimentoparticular de que falamos.

O décimo sétimo é o movimento espontâneo derotação, graças ao qual os corpos que são capazes demovimento e são oportunamente colocados no espaçogozam de sua própria condição, tendendo para simesmos e não para os outros corpos, e procuramenlaçar-se. Assim, os corpos se comportamdiversamente, ou movem-se sem termo, ou estão emabsoluto repouso, ou tendem a um termo, onde,segundo a sua natureza, ou estão em repouso oucomeçam a rodar. Os que estão bem situadosmovem-se em linha reta, que é a mais curta, para sejuntarem aos seus semelhantes. Nesse movimento derotação há nove diferenças, a saber: a primeira, em

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relação ao centro em torno do qual esses corpos semovem; a segunda, em relação aos pólos quesustentam a rotação; a terceira, em relação à circunfe-rência, conforme a distância do centro; a quarta, emrelação ao grau de aceleração maior ou menor; aquinta, em relação à direção do movimento, se deoriente para ocidente ou se de ocidente para oriente; asexta, em relação ao desvio do círculo perfeito,considerando a maior ou menor distância do centro daaspiral; a sétima, em relação ao desvio do círculoperfeito, considerando a maior ou menor distância dospólos da espiral; a oitava, em relação à maior ou menordistância das espirais entre si; a nona e última, emrelação ao desvio dos pólos, se são móveis; mas estaúltima não entra propriamente na rotação se nãoocorre ela própria circularmente. O movimento derotação, conforme a crendice comum e inventada, éatribuído como próprio dos corpos celestes. Mas há apropósito uma grave controvérsia, pois alguns autoresantigos e modernos atribuíram a rotação à terra. Maisrazoável seria verificar (se o assunto não está fora dediscussão) se esse movimento, na hipótese de a terraestar em repouso, só ocorre nos céus, ou também no ar,na água, por comunicação dos céus. Quanto aomovimento de rotação nos projéteis, como nos dardos,nas flechas, nas balas dos mosquetes e coisassemelhantes, faz parte inteiramente do movimento deliberdade.

O décimo oitavo movimento é o da trepidação,no qual (da maneira como é entendido pelosastrônomos) depositamos muita fé. Mas se se estudacom seriedade todos os aspectos dos apetites doscorpos naturais, este movimento é encontrado por todaparte, daí merecer uma espécie distinta. Trata-se de

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um movimento de eterna escravidão, que ocorrequando os corpos, não bem situados, segundo a suanatureza, mas ainda não completamente deslocados,trepidam sem cessar, irrequietos, não satisfeitos, massem ousar saírem de seu estado. E o movimento que seobserva no coração e no pulso dos animais e deveexistir em todos os corpos incertos, entre uma posiçãocômoda e incômoda. Tentam libertar-se e sãorechaçados, e, assim mesmo, prosseguemperpetuamente em suas tentativas.

O décimo nono movimento é aquele que àprimeira vista não parece digno desse nome, mastrata-se de um autêntico movimento. A essemovimento é necessário chamar de movimento derepouso ou de aversão ao movimento. Devido a essemovimento a terra permanece imóvel com toda a suamole, enquanto se movem os seus extremos tendendopara o meio, não para um centro imaginário, mas paramanter-se unida. Pela mesma razão, os corpos maisdensos têm aversão ao movimento e todo o seu apetitese concentra no sentido de se não moverem; o repousoé a sua natureza, natureza que conservam para opô-la atodo movimento em sentido contrário. Mas, se sãocompelidos ao movimento, tendem sempre àrecuperação de quietude, como seu estado próprio,para dela não mais saírem. E, em tal caso, esforçam-semuito rapidamente, mostrando-se muito ágeis, comose estivessem irritados e impacientes por toda equalquer demora. Uma imagem de tal apetite só épossível parcialmente, de vez que todos os corpostangíveis da face da terra encontram-se sob o influxo eo calor dos corpos celestes, não se encontram em seumais alto grau de condensação e todos acham-semesclados com alguma dose de espírito.

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Procuramos, assim, enumerar as espécies ouelementos simples dos movimentos, os apetites e asvirtudes ativas, que são mais comumente encontradosna natureza, o que reputamos de grande importânciapara a ciência natural. Não pretendemos negar, poroutro lado, que podem ser acrescentadas outrasespécies, ou divisões, diferentes das aqui propostas,mais próximas das ramificações das coisas, ou emmenor número. Leve-se em conta que não falamos dedivisões abstratas, como as que dissessem que oscorpos querem ou a conservação, ou a exaltação, ou apropagação, ou o desfrute da própria natureza; ou quedissessem que o movimento das coisas tende àconservação e ao bem do universo, como o deresistência ou de conexão, ou das grandes massas,como os de congregação maior, de rotação e de aversãoao movimento; ou das formas particulares, comoremanescentes. Todas as afirmações verdadeiras, masque se não determinam na matéria e não se reduzem aoutra estrutura, conforme distinções verdadeirasperdem-se em especulações destituídas de utilidade.Todavia, por ora é suficiente a medida da virtudepredominante e a investigação das instâncias de luta,sobre a qual estamos discorrendo.

Com efeito, dos movimentos enumerados,alguns são absolutamente insensíveis; outros são maisfortes e desencadeiam, interrompem e governamaqueles outros. Outros agem a distância, outros emmenor tempo e com maior celeridade; outros, enfim,servem para reforçar, outros servem para,reciprocamente, reforçarem-se, acrescentarem-se,ampliarem-se e acelerarem-se.

O movimento de resistência (antitipia) é tão

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invencível quanto o diamante. Mas não podemosafirmar com certeza que o movimento de conexão sejainvencível, pois não temos como certa a existência dovácuo, tanto em estado puro quanto mesclado.[250]Mas entendemos ser falso o argumento expresso porLeucipo e Demócrito,[251] de que os mesmos corposnão poderiam, se o vazio não existisse, abarcar epreencher ora maior, ora menor espaço. Pois a matériaé como se fosse plissada,[252] de maneira a se poderalargar ou encolher no espaço, dentro de certo limite,sem possibilitar o vácuo; e não é verdadeiro que o arpossua em si o vácuo duas vezes mais que o ouro, comose pretende. Disso temos certeza pelo conhecimento depotentíssimas virtudes dos corpos pneumáticos, osquais aqueles pretendem tratar-se de minúsculaspartículas de pó no vácuo, e ainda muitas outrasdemonstrações. Os outros movimentos dominam e sãodominados reciprocamente na proporção da energia,da massa, da velocidade, do impulso e dos auxílios ouobstáculos que se encontram.

Por exemplo, um magneto armado é capaz deatrair ferro na proporção de sessenta vezes o própriopeso; a prevalência do movimento de congregaçãomenor sobre o de congregação maior: com um pesomaior o magneto não atua. Uma alavanca de uma certaforça levantará um certo peso; o movimento deliberdade domina a tal ponto o movimento decongregação maior que, com um peso maior, a ala-vanca cede. Um pedaço de couro se deixará esticar atécerto ponto, sem se rasgar, pois depois desse ponto omovimento de continuidade domina o movimento detensão; mas mais esticado o couro se rompe, e então omovimento de continuidade sucumbe. A água podepassar por certa fissura, de tal modo que o movimento

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de congregação maior domine o de continuidade, masse a fissura é muito diminuta, prevalece o movimentode continuidade e a água deixará de passar. De umaarma de fogo com apenas pó de enxofre e sem fogo, abala não será expelida, porque o movimento decongregação maior vence o movimento de matéria,mas, se ela é carregada com pólvora, o movimento dematéria vence no enxofre, estimulado pelo movimentode matéria e pela fuga do nitro. E assim, outrosexemplos semelhantes. Com bastante e assíduadiligência devem-se recolher sempre as instâncias deluta, que indicam o predomínio das virtudes e em quemodo e proporção elas predominam ou sucumbem.

Mais ainda, devem-se buscar com diligência osmodos e as razões do próprio sucumbir dosmovimentos; se cedem completamente ou secontinuam a resistir, mas contidos. Pois nos corpos porsobre a terra não há um verdadeiro repouso, nem notodo, nem nas partes dos corpos, mas apenasaparência. Essa quietude aparente e causada ou peloequilíbrio ou por um predomínio absoluto de movi-mento; por equilíbrio, tal como ocorre nas balanças,que ficam paradas quando os pesos são iguais; porpredomínio, como nos cântaros perfurados, em que aágua fica em repouso, sem sair, em vista dopredomínio do movimento de conexão. Mas deve serobservado, como já dissemos, até que ponto resistemesses movimentos que sucumbem. Pois, quandoalguém em luta é arremessado ao solo, depois os pés eas mãos amarrados ou imobilizados de alguma forma,mesmo assim ele luta com todas as suas forças para sepôr de pé e mesmo que não o consiga o seu esforço nãoé menor do que em luta. As condições descritas (ouseja, se o movimento que sucumbe é como que

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aniquilado pelo predomínio, ou se continua em umaresistência latente) valem para o caso de concorrênciade movimento, mas no caso de conflito de movimentoso que é latente se tornará potente. Por exemplo,suponha-se uma prova de tiro; verifiquemos num alvo,em linha reta, o seu alcance de tiro, depois procuremossaber se o golpe dessa bala será mais fraco, disparadode baixo para cima, quando o arremesso será o efeitode um movimento simples, que o disparado de cimapara baixo, quando o arremesso será o efeito de ummovimento composto com a força de gravidade.

Também devem ser coligidos os cânones arespeito de predomínio. É o caso seguinte: quanto maiscomum é o bem que se almeja tanto mais forte será omovimento; assim, o movimento de conexão, que dizrespeito à inteira comunidade do universo, é mais forteque o movimento de gravidade, que diz respeito apenasà comunidade dos corpos densos. Ou ainda: os apetitesdo bem privado não prevalecem na maioria dos casossobre os apetites do bem público. Que assim tambémfosse nos assuntos civis!

XLIX

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emvigésimo quinto lugar as instâncias indicadoras,[253]que são as que indicam ou assinalam tudo aquilo quepode ser útil aos homens. Com efeito, o poder e o saberem si mesmos engrandecem a natureza humana, masnão a beatificam. Em vista disso, proceda-se, nauniversalidade das coisas, à escolha daquilo quemelhor serve aos usos da vida. Voltaremos a esseassunto quando tratarmos das reduções à prática. Poisna própria obra da interpretação, em cada assuntoparticular, sempre reservamos um lugar para a carta

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da humanidade ou carta de apetência (ou daquilo quese deseja).[254] Pois o querer e o apetecer judiciosa-mente fazem parte integrante da ciência.

L

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emvigésimo sexto lugar as instâncias policrestas.[255]São as instâncias que se referem a vários casos eocorrem com freqüência e que por isso dispensam nãopouco trabalho e muitas demonstrações. Dosinstrumentos e dos engenhos trataremos, por ocasiãodo estudo das reduções à prática e dos modos de seproceder aos experimentos. Dessa forma, aqueles quesão conhecidos e muito usados serão descritos nahistória de cada uma das artes em particular. Contudo,alinhamos, a seguir, algumas observações gerais atítulo de exemplo das instâncias policrestas.

Opera, pois, o homem sobre os corpos naturais(afora a simples aproximação e remoção dos corpos) desete modos principais, que são: pela exclusão dos queimpedem e perturbam, por compressões, extensões,agitações, etc.; pelo calor e pelo frio, por persistênciaem lugar conveniente, detendo ou guiando osmovimentos; por meio de consensos especiais; pelapertinente e oportuna alteração, disposição e sucessãode todos esses modos ou de apenas alguns deles.

Começando pelo primeiro modo: o ar comumque é encontrado e insinua-se por toda parte e os raiosdos corpos celestes são causa de muitas perturbações.Tudo o que servir para eliminá-los pode serconsiderado instância policresta. Seria esse o caso damatéria e da espessura dos recipientes nos quais sãocolocados os corpos para a feitura de experimentos;assim também os meios de obturação desses

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recipientes, soldadura ou por meio de barro desabedoria,[256] como dizem os químicos. De muitautilidade é ainda o uso de líquidos para encerrar oslíquidos, separando-os do exterior, como a colocaçãode azeite ou sucos vegetais sobre o vinho, que seexpande sobre a superfície como uma tampa,preservando-o do ar. Mesmo o pó é inútil, emborasempre esteja misturado a uma certa quantidade de ar,e tem a virtude de preservar coisas do ar ambiental,por isso a uva e a fruta são bem conservadas secolocadas na farinha ou na areia. Também a cera, omel, o pixe e outras substâncias adesivas são úteis parase conseguir perfeita vedação e separação da influênciado ar e dos raios celestes. Fizemos algumasexperiências submergindo o recipiente, ou algum outrocorpo, em mercúrio, que é de longe o mais denso detodos os corpos que se expandem. Também as covas eas cavernas subterrâneas são de grande utilidade paraa proteção em relação ao calor e ao nefasto ar, como sãousadas na Alemanha do Norte para cereais. O mesmoresultado busca-se pela submersão na água, como ouvio relato de odres de vinho colocados para refrescar emum poço profundo, lá esquecidos e encontrados muitosanos depois, tendo como resultado que o vinho nãoapenas tinha conservado o seu sabor e força comotambém se tinha tornado mais fino e generoso, emrazão certamente da melhor combinação de suaspartes. Assim, se se colocar um objeto em umreceptáculo no fundo da água dos rios ou do marrodeado de ar, mas sem contato com a água, obtém-seuma boa forma para o trabalho em navios afundados,com a possibilidade de o trabalhador respirar sem vir àtona. E a seguinte a máquina, bem como o seu uso, talcomo se conhece: preparava-se um recipiente côncavo

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de metal que se deixava descer perpendicularmente àsuperfície até a superfície da água, ou seja, de talmaneira que o seu orifício, localizado na sua base,ficasse sempre paralelo à mesma; nessa posição,fazia-se com que ele submergisse, levando para o fundodo mar todo o ar contido em seu bojo. Em seguida, eracolocado em um tripé um pouco menor que a altura deum homem. Tal disposição permitia ao mergulhador,quando disso tivesse necessidade, respirar, enfiando acabeça na cavidade e continuar trabalhando. Ouvimostambém falar da invenção de uma máquina, em formade navio, que possibilita a condução de homens, sob aágua, a uma certa distância. Mas o nosso fito naexperiência descrita é indicar a possibilidade, com ouso de um recipiente como o que foi descrito, de seremcolocados objetos sob a água sem fechá-los.

Há outra utilidade no completo e perfeitofechamento dos corpos, não apenas a de preservá-losdo ar (o que já foi tratado), mas também a de impedir aexalação do espírito do corpo no interior do qual seopera. É necessário, para quem manipula corposnaturais, ter certeza de sua quantidade total, isto é, deque nada se evaporou ou transpirou. Pois ocorremprofundas transformações nos corpos quando anatureza impede a sua aniquilação e a arte, a dispersãoe a evaporação de suas partículas. A este respeito, éaceita uma opinião falsa (a ser verdadeira, eliminaria apossibilidade dessa conservação de quantidade, semqualquer diminuição), ou seja, a de que os espíritosdos corpos e o ar rarefeito devido ao calor muitoelevado não podem ser contidos em qualquerrecipiente, já que escapam pelos furos. Muitos homensforam induzidos a essa opinião pelos experimentosmuito conhecidos do copo colocado de boca para baixo

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na água de uma bacia, onde é colocada uma vela ou umpapel aceso, com o que a água é atraída para dentro docopo, nele se elevando até certa altura; ou igualmentepelo experimento das ventosas, que, aquecidas e depoisaplicadas, atraem a carne. Vulgarmente se acredita quetanto em um como em outro experimento o ar rarefeitoescapa e, em conseqüência, diminuindo a quantidade,a água e a carne elevam-se pelo movimento de conexão.Trata-se, sem dúvida, de um erro. Pois o ar nãodiminui a quantidade, apenas contrai o seu volume;nem tem início o movimento de ascensão da água antesque a chama esteja extinta e o ar tenha esfriado; e osmédicos, para tornarem mais eficazes as ventosas,costumam colocar esponjas embebidas em água fria.Em vista disso, não se justifica o temor dessa fuga doar ou dos espíritos. É fato que os corpos sólidospossuem poros, mas igualmente que o ar ou osespíritos não se deixam facilmente reduzir a ponto depoderem escapar, da mesma maneira que a água nãoescorre por uma fenda demasiado estreita.

Passando-se ao segundo modo, dos setedescritos, desde logo deve-se observar que ascompressões e os demais meios violentos são os maiseficazes em relação aos movimentos locais ou emrelação a outros movimentos do mesmo gênero; é o quese verifica nas máquinas e nos projéteis bem como nascausas da destruição dos corpos orgânicos e dasvirtudes que residem inteiramente no movimento.Toda vida, e ainda mais, toda ignição, podem serdestruidas por compressão, o mesmo acontecendo comqualquer espécie de máquina que é destruída ou gasta.Serve ainda para a destruição das virtudes queconsistem em uma certa disposição e disparidade daspartes dos corpos, como as cores (pois a cor não é a

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mesma em uma flor inteira e uma murcha, no âmbarinteiro e no âmbar em pó) e os sabores (pois o sabornão é o mesmo numa pêra ainda verde e na pêraespremida e pisada, ainda que se torne mais doce).Mas para se obterem transformações e operações maisrelevantes nos corpos uniformes, as violências dessetipo não são de muita serventia, por não ofereceremaos corpos uma consistência durável, mas apenasmomentânea e tendente sempre a libertar-se e aretornar à situação anterior. Mas não estaria fora depropósito a realização de experimentos maiscuidadosos sobre o assunto para se verificar se acondensação e a rarefação dos corpos uniformes, comoa água, o ar, o óleo e outros que tais, quandoprovocados pela violência, conseguem torná-losduráveis, como com a transformação natural. Aexperiência poderia ser feita primeiramentedeixando-se passar o tempo e depois através deartifícios e do consenso natural dos corpos.Ter-lo-íamos levado a cabo se nos tivesse ocorrido porocasião da compressão da esfera cheia de água, paracondensá-la antes da sua exsudação. De fato, teria sidonecessário deixar a esfera achatada por alguns dias eextrair a água logo a seguir, para se verificar se elaretomava o volume anterior, antes da condensação. Senão voltasse a ocupar o mesmo volume, nem depois dealgum tempo, estaria demonstrado que a condensaçãoter-se-ia tornado constante; caso contrário, teria sidomomentânea, O mesmo poderia ter sido visto nos ovosde vidro; teria sido necessário, depois de uma fortesucção, fechar os ovos rápida e firmemente,deixando-os assim, por alguns dias, para se verificarse, depois de abertos, o ar seria atraído com um silvoou se, mergulhados na água, poderia a atração do

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líquido ser da mesma quantidade de liquido, que nocaso de não se ter esperado esse tempo. É provável quese alcançasse esse efeito, o que deveria ser verificadocom cuidado, pois em corpos menos uniformesacontece o mesmo, depois de certo tempo. Assim é que,encurvando-se uma vara, por compressão, depois deum certo tempo ela não retoma a posição inicial. E issonão ocorre devido à diminuição da madeira, causadapelo tempo, pois o mesmo ocorre com uma lâmina deferro (em tempo maior), onde não ocorre qualquerdesgaste. Mas se não se consegue o experimentoapenas com o transcorrer do tempo, não deve nem porisso ser abandonado, mas pensar-se em outros meios;pois não é de pouca utilidade a obtenção de novasnaturezas fixas. e duráveis nos corpos usando-se meiosviolentos. Pois por esse caminho o ar poderia, pelacondensação, ser transformado em água, comotambém poderiam ser obtidos muitos outros efeitos domesmo gênero. Na verdade, mais que os outros, osmovimentos violentos estão no poder do homem.

O terceiro dos sete modos refere-se àquelegrande instrumento de transformação, tanto danatureza quanto das artes, ou seja, o calor e o frio. Eaqui o poder humano como que coxeia de um pé.Possuímos, realmente, o calor do fogo, que éinfinitamente superior em intensidade (pelo quepercebemos), e o calor dos animais; mas não podemosdispor do frio fora as estações de inverno, das cavernasou por revestimento de neve ou gelo no que se pretendegelar. Tal frio seria no máximo comparável ao calorreinante ao meio-dia em uma região de zona tórrida,ainda aumentado por reflexão dos muros e montanhas.Tais intensidades de calor e de frio são suportáveispelos animais durante algum tempo, mas não podem

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ser comparadas com o calor de um forno ardente oucom um frio em grau equivalente. Dessa forma, todasas coisas tendem aqui na terra à rarefação, àdessecação e à consumpção: quase nada à condensaçãoe ao amolecimento, se não forem usados misturas oumeios, por assim dizer, espúrios. As instâncias do friodevem ser buscadas com a máxima diligência,expondo-as ao frio no alto das torres, durante asnevascas ou nas cavernas subterrâneas, ou cobrindo deneve ou de gelo outras galerias, ou cavando poços paraesse fim, ou mergulhando-as no mercúrio e outrosmetais, ou em águas que tenham a propriedade depetrificar a matéria, ou enterrando-as como fazem oschineses quando querem formar a porcelana, que ficaenterrada durante cinqüenta anos, legando-se aos her-deiros como se fossem minas artificiais;[257] ou aindacom outros procedimentos semelhantes. É necessárioque se observem também as condensações que seformam na natureza em conseqüência do frio, para,depois de conhecidas as suas causas, transferi-las paraas artes. Trata-se dos fenômenos seguintes: aexsudação do mármore e das pedras, no embaciamentodos vidros das janelas depois de uma noite de geada, osvapores formados no seio da terra que se convertemem água, dando origem a numerosas fontes, e demuitos outros semelhantes.

Além dos corpos que são frios ao tato, hátambém outros, com poder de frio, que se condensammas parecem agir unicamente sobre os corpos dosanimais, indo muito pouco além disso. Como dessetipo podem ser apontadas muitas medicinas e muitosemplastros; outros condensam a carne e partestangíveis, como os medicamentos adstringentes e oscoagulantes; outros condensam os espíritos, o que se

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observa especialmente nos soporíferos, ou queprovocam o sono; num caso por sedação do movimentoe em outro pela dispersão dos espíritos. A violeta, arosa seca, a alface e outras substâncias semelhantes,benignas ou malignas, com seus vapores delicados,refrescam e convidam os espíritos a se unirem,aplacando o seu movimento desordenado e inquieto.Do mesmo modo, a água de rosas, aplicada ao nariz,nos desmaios, reaviva e congrega os espíritosdispersos. Mas o opiato e as substâncias afins, aocontrário, põem a correr os espíritos, pela sua naturezamaléfica e hostil: basta aplicá-lo em uma parte externae os espíritos afastam-se, sem mais retornarem. Setomado pela boca, os seus vapores sobem à cabeça,afugentam, por todos os lados, os espíritos localizadosnos ventrículos do cérebro; mas não podendo nem seretraírem, nem fugirem para outro lugar, reúnem-se ese adensam e às vezes se extinguem, sufocados. Oopiato, tomado em quantidade moderada (como usosecundário, ou seja, pela condensação que se segue àreunião), serve para curar os espíritos, tornando-osmais vigorosos e diminuindo a sua inútil agitação.Dessa forma, cura as moléstias e auxilia noprolongamento da vida.

Por isso, não se deve descuidar dos modos depreparação dos corpos, na recepção do frio: a águamorna gela mais rapidamente que a completamentefria; e coisas da mesma ordem.

Por outro lado, desde que a natureza é tão avarade frio, torna-se necessário usar o recurso dosboticários, que, na falta de um elemento simples,adotam um substitutivo ou quod pro qua, comochamam: o aloés pelo bálsamo, a cássia pela canela. Do

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mesmo modo devemos também investigar, com todocuidado, quais são as coisas capazes de substituir o frionatural, conseguindo os mesmos efeitos que sãopróprios do frio, ou seja, a condensação dos corpos. Ascondensações, pelo que se sabe, devem-se a quatrocausas: a primeira, por simples compressão, que podemuito pouco no caso dos corpos de densidadepermanente, mas que sempre serve como auxiliar; asegunda, por contração das partes mais grosseiras deum corpo, depois da retirada das partes mais leves,como acontece com o endurecimento pelo fogo, ou nosresfriamentos repetidos dos metais e outros do mesmogênero; a terceira, da reunião das partes homogêneas,que são as mais sólidas, em um corpo, que antes foramdispensadas e mescladas com outras menos sólidas,como na restauração do mercúrio sublimado emlíquido, que em pó ocupa um espaço muito maior que omercúrio simples, e de modo semelhante napurificação de metais e de suas escórias; a quarta, porsimpatias, aplicando substâncias que condensam poralguma força oculta. A manifestação de tais simpatias érara, o que não é de se estranhar, pois até quedescubram as formas e os esquematismos não se podeesperar muito das simpatias. Pois em relação aoscorpos dos animais há inúmeras medicinas, de usointerno ou externo, que têm a capacidade de condensarcomo por simpatia, como já foi dito. O difícil é operarsobre corpos inanimados. Por escrito e por tradição,fala-se de uma árvore das ilhas Terceiras (dos Açoresou Canárias, não nos recordamos bem) que destilacontinuamente uma quantidade de água suficiente parasuprir as necessidades de seus habitantes. Paracelsofala de uma planta, chamada “orvalho do sol”, que secobre de umidade mesmo sob o calor do meio-dia,

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enquanto as outras ervas permanecem secas.Entendemos por fabulosos ambos os relatos; mas, sefossem verdadeiros, haveria no caso instâncias degrande uso e dignas da maior consideração. O orvalhoque se observa, em maio, sobre as folhas de carvalho,não concebo que se forme e condense por simpatia oupor alguma propriedade da própria planta, poistambém cai sobre outras folhas, mas se conserva nasfolhas do carvalho por serem bem úmidas e nãoesponjosas, como as demais.

Em relação ao calor, o homem dispõe deabundantes recursos à sua disposição, mas faltamobservações e investigações, mesmo em casos muitonecessários, apesar dos alquimistas se vangloriarem deconhecê-los. São bem conhecidos os efeitos do calorintenso, mas os do calor moderado, mais freqüente nanatureza, não são conhecidos. Facilmente se verificacomo o uso de calores fortíssimos muito exalta osespíritos dos corpos, como nas águas fortes e emmuitas outras substâncias oleosas produzidasquimicamente; as partes tangíveis se endurecem e atése petrificam, depois de evaporado o resto; as parteshomogêneas se separam; os corpos homogêneosligam-se e incorporam-se; e, sobretudo, é destruída aconexão dos corpos compostos e perdem-se osesquematismos mais sutis. O que deve ser posto àprova é o efeito do calor mais fraco, por meio do qualse podem provocar, como faz o sol na natureza, as maissutis misturas e os esquematismos ordenados, comoficam indicados no aforismo das instâncias de aliança.

É seguro que a natureza age por meio das partesmais diminutas, distribuídas e dispostas por maiorriqueza e variedade que as que se poderia obter por

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meio do fogo. Muito seria aumentado o poder dohomem se por meio do calor se conseguisse produzirartificialmente as obras da natureza, por participaçãodo tempo, na sua espécie, aperfeiçoadas na sua virtudee modificadas na sua massa. Pois a ferrugem forma-selentamente no ferro, mas a origem do açafrão de Marteé súbita, como o verdete e o chumbo branco. Osdepósitos cristalinos formam-se depois de muitotempo; o vidro, ao contrário, é feito rapidamente. Aspedras fazem-se com o tempo, os tijolos brevemente; eassim por diante. Em resumo, é necessário que secolecionem todas as espécies de calor, cada uma com osseus respectivos efeitos, e tal trabalho deve ser o maiscuidadoso e diligente possível; deve-se, assim,distinguir os corpos celestes conforme os seus raiosdiretos, reflexos, refratados e recolhidos em espelhosustórios; os raios, as chamas, o fogo do carvão; o fogosegundo as várias matérias que o produzem e segundoas suas qualidades: fogo livre, fogo aprisionado,transbordando como uma corrente e segundo osdiversos tipos de forno que o produzem; o fogo avivadopelo sopro e o fogo parado; o fogo colocado a diversasdistâncias; o fogo filtrado por vários meios; caloresúmidos, como banho-maria, o esterco animal, o caloranimal interno e externo, o feno amontoado; o calordos corpos secos, da cinza, da cal, da areia caldeada;enfim, todos os tipos de calor com as suas respectivasgraduações.

Mas, sobretudo, é necessário indagar-se edescobrir-se os efeitos e as operações do calor quevariam, conforme os graus, com ordem eperiodicamente, com distâncias e intervalosadequados. Essa descontinuidade ordenada do calor écertamente fruto do céu, pois é a matriz de toda

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geração; e não é de se esperar um efeito igual no calorintenso, no calor violento e no calor irregular. Tudoisso é evidentíssimo nos vegetais e também no úterodos animais; há essa descontinuidade do calor,conforme os períodos de movimento, de repouso, denutrição e segundo os desejos das gestantes. Essadescontinuidade ocorre mesmo no próprio seio daterra, onde se produzem os metais e se formam osfósseis. Isso deixa mais clara ainda a estupidez dosalquimistas, da escola reformada, que imaginaram que,valendo-se de calores de lâmpadas e coisassemelhantes em ignição perpetuamente igual,alcançariam os seus propósitos. A respeito da produçãoe dos efeitos do calor, resta dizer que estasinvestigações devem prosseguir até as descobertas dasformas das coisas e dos esquematismos dos corpos,pois será o momento de se buscarem, aplicarem eadaptarem-se os instrumentos quando os modelosestiverem claramente estabelecidos.

O quarto modo de operar é o tempo que é overdadeiro dispenseiro e depositário da natureza. Otempo (a demora), neste sentido, ocorre quando umcorpo é confiado a si mesmo por um lapso consi-derável, mas protegido e defendido de toda forçaexterna. Nesse caso só se manifestam e aperfeiçoam osmovimentos interiores, de vez que os estranhos eexternos estão interrompidos. pois as obras do temposão muito mais sutis que as obras do fogo. Não ocorre aclarificação do vinho pelo fogo, nem as cinzasproduzidas pelo fogo são tão acabadas como asdestruições realizadas pelos séculos. Mesmo asincorporações e misturas que ocorrem subitamente pormeio do fogo são muito mais fracas que nas queintervém o tempo. Isso se deve a que o fogo e o calor

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muito forte destroem as partes dessemelhantes e osesquematismos internos, enquanto que o tempoconstrói (como na putrefação). Em vista disso, seria deinteresse observar-se que os movimentos dos corpos,completamente fechados, escondem alguma violência:isso acontece porque a segregação não impedequalquer movimento espontâneo. Por isso em umrecipiente aberto age melhor para as separações, emum recipiente completamente fechado para asmisturas; em um recipiente fechado, mas com entradapara ar, para as putrefações. E necessário, contudo,que se colecionem, em todos os lugares, com diligência,as instâncias das operações e dos efeitos do temposobre os corpos.

O quinto modo de operar é o da direção domovimento, que ocorre quando um corpo, encontrandooutro, impede, repele, admite ou dirige o seumovimento espontâneo. Muitas vezes isso ocorre naforma e na disposição dos recipientes. Por exemplo, ode forma cônica e em pé facilita a condensação dosvapores nos alambiques; em posição contrária, servepara refinar o açúcar. As vezes é exigida uma curvaturaou um estreitamento ou dilatações sucessivas, e outrascoisas semelhantes. A operação do calor consiste emproceder-se de tal modo que um corpo, encontrando-secom outro, deixe uma parte passar, enquanto que aoutra é segura. A passagem de um corpo por outro, nafiltração, não ocorre sempre exteriormente; algumasvezes um corpo infiltra-se no interior de outro, coisaque ocorre quando colocamos pequenas pedras na águapara recolher o sedimento ou quando se clarificam osxaropes por meio da clara de ovo, que só absorve aspartes mais grossas, permitindo a sua eliminação. Paraa direção do movimento Telésio atribuiu figuras de

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animais, mas sem critério e sem conhecimento decausa, apenas porque observou a presença derugosidades e canais na matriz. Mas deveria ter notadouma conformação semelhante nas cascas dos ovos,onde não se notam rugosidades ou desigualdades.Tem-se a direção do movimento nas formações obtidasentre modelos ou formas plásticas.

Quanto às operações que ocorrem por consensoou fuga (que constituem o sexto modelo), na maiorparte estão profundamente escondidas. Taispropriedades ocultas, e específicas, simpatia e anti-patia, são em sua maioria corruptelas da filosofia. Enão se pode esperar encontrarem-se os consensos dascoisas antes das descobertas das formas e dosesquematismos simples. Pois o consenso nada mais éque a mútua simetria das formas e dos esquematismos.

Os consensos maiores e quase universais dascoisas não são completamente obscuros. A primeiradiversificação a ser notada é a de que alguns corpos sediversificam muito entre si devido à densidade ou àrarefação da massa, mas concordam na estruturainterna, ou seja, nos esquematismos; outros, pelocontrário, diferem nos esquematismos e concordam namassa. Os químicos observaram com propriedade trêsprincípios: que o enxofre e o mercúrio acham-seesparsos por todo o universo e por todos os corpos. Osal, contudo, foi introduzido para explicar os corpossecos, terrosos e duros, e não deve ser consideradocomo terceiro. Apenas nos primeiros dois é possíveldescobrir-se um dos consensos mais gerais danatureza. Consensos são encontrados de fato entre oenxofre, o óleo ou vapor graxo, a chama e, talvez, corpodas estrelas. Por outro lado, consentem entre si o

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mercúrio, a água e os vapores aquosos, o ar e talveztambém o puro éter disseminado entre as estrelas. Nasprimeiras quatro substâncias gêmeas, como nas outrasquatro substâncias que se estendem por duas ordensdiferentes, abarcando quase toda a natureza,encontram-se notáveis diferenças quanto à massa e àdensidade da matéria, mas não quanto aoesquematismo. E disso há numerosas provas. Por suavez, os metais convêm entre si na diversidade damatéria e na densidade (sobretudo se comparados aosvegetais e aos animais), mas diferem bastante quantoao esquematismo; já os animais e os vegetais variamquase que infinitamente no esquematismo, poucodiferindo na densidade ou quantidade de matéria.

Vejamos outro consenso, que contudo não é tãobem entendido quanto o primeiro, que é o que há entreos corpos principais e aqueles que os estimulam, ouseja, os mênstruos [258] e os seus alimentos. A seurespeito, deve-se investigar em qual clima, em qualregião e a qual profundidade produzem-se os váriosmetais e as pedras preciosas que nascem nas rochas enas minas, e em que terreno se produzem os váriostipos de árvores, das árvores de frutos às váriasespécies de ervas, quais devem ser os melhores adubos,se o esterco, se a cal, se a areia, se a cinza, etc., segundoas várias espécies de terreno. Também o enxerto dasárvores e das plantas, bem como os seus tipos, muitodepende do consenso, ou seja, saber qual a planta quese pode enxertar com outra com maior sucesso. Há umexperimento, do qual ouvimos falar recentemente, quese faz pelo enxerto em plantas silvestres (que até agorase costuma fazer mais com as árvores de horta) e comque se tem conseguido aumentar notavelmente folhas efrutos bem como a copa das árvores. Devem ser

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observados, também, os respectivos alimentos dosanimais em geral, separando-se os nocivos. Porexemplo, os animais carnívoros não toleram as ervas, epor isso os monges da ordem Cisterciense de Feuillans[259] (apesar de a vontade humana ter mais podersobre o corpo que os outros animais) quasedesapareceram, de vez que o feito não podia sertolerado pela espécie humana. Igualmente devem serobservadas as diversas matérias das putrefações, dasquais se engendram certos animálculos.

Os consensos gerais dos corpos com os seussubordinados, assim podem ser considerados os queobservamos, estão bastante claros. A eles podem seracrescentados os consensos dos sentidos com os seusobjetos. Esse tipo de consenso é muito conhecido, maspode ser melhor estudado, com o que se poderia levarluz aos outros consensos.

Mas os consensos internos dos corpos e asfugas, ou seja, a amizade e as discórdias dos corpos(preferimos não usar os termos simpatia e antipatia,que se ligam a vás superstições), ou são falsos, oufabulosos, ou muito raros, por falta de cuidado doshomens, que não fizeram observações adequadas. Podeser observado que entre a vinha e a couve há discórdiapelo fato de que, plantada uma perto da outra, não sedesenvolvem; a razão é que se trata de plantas queabsorvem muito humor e que uma usurpa a outra. Poroutro lado, pode ser dito que há consenso e amizadeentre o trigo, a centáurea e a papoula porque essaservas quase que se desenvolvem nos camposcultivados, quando deveria ser dito que entre elashaveria discórdia, pois a centáurea e a papoulaalimentam-se e desenvolvem-se da substância da terra

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que foi eliminada e expulsa pelo trigo; por isso asemeadura é a melhor preparação do seu terreno.Considerações falaciosas como essas há em grandenúmero. Quanto às fabulosas, essas devem sercompletamente eliminadas. Resta um pequeno númerode consensos suscetíveis de serem comprovados peloexperimento, e entre eles devem ser anotados os domagneto e o ferro, o ouro e o mercúrio, e outrossemelhantes. Entre os experimentos químicos commetais, nenhum há que mereça destaque. Mas a maiorabundância (no meio de tanta escassez) pode serencontrada em certas medicinas, que pelas suaschamadas propriedades ocultas e específicas guardamrelação ou com os membros do corpo, ou com oshumores, ou com as doenças, ou até com as naturezasindividuais. E não devem ser desprezados os consensosentre os movimentos e os efeitos da lua e as paixõesdos corpos aqui da terra, que podem ser extraídos dosexperimentos agrícolas, náuticos, médicos e outros,que devem ser avaliados com muito discernimento ecolecionados em conjunto. Mas, quanto mais raras sãoas instâncias dos consensos mais recônditos, tantomaior cuidado se deve ter em só acolher relatos etradições fidedignos e seguros, evitando-se qualquersuperficialidade e credulidade, sempre concedendouma confiança inquieta e quase propensa à dúvida.Resta tratar do consenso dos corpos, cujo modo deoperar é muito simples, mas que, estando sujeito a ummúltiplo uso, não deve ser de maneira algumadesprezado, mas ao contrário, estudado comcuidadosas observações. Ele consiste na propensão ourelutância que têm os corpos para se unirem ouconjugarem-se, seja pela mistura ou por simplesaposição. Alguns corpos se misturam e incorporam-se

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com facilidade e de maneira voluntária, outros comdificuldades e com repugnância. Por exemplo, oscorpos em forma de pó se incorporam melhor à água; acal e a cinza, ao óleo; assim por diante. Não se pode darcomo terminado o trabalho de investigação depois dacoleta das instâncias de propensão e de aversão àmistura: deve-se passar a investigação da colocação edistribuição das partes e disposição depois demisturadas; e, depois de concluída a mistura, aopredomínio resultante.

Finalmente, como último dos sete modos deoperar, é necessário falar-se da aplicação alternada dosseis modos precedentes. Sobre isso, não é oportunoaduzirem-se exemplos até que a sua investigação tenhaprogredido significativamente. Essa recíproca eordenada alternância é tão difícil de ser entendidaquanto é útil às operações. Todavia, os homens sãomuito impacientes, tanto na investigação quanto naprática; mesmo que aí esteja o verdadeiro fio dolabirinto para a descoberta de obras mais importantes.Tais exemplos são suficientes para as instânciaspolicrestas.

LI

Entre as instâncias prerrogativas, colocamos emvigésimo sétimo e último lugar as instânciasmágicas.[260] Com tal nome designamos as instânciasem que a matéria ou causa eficiente é fraca e pequenaem relação à grandeza da obra e dos efeitos alcançados.Estes, embora comuns, parecem quase milagrosos;alguns logo à primeira vista, outros mesmo depois deum exame atento. A natureza, de si mesma, e avaranessas maravilhas, mas no futuro surgirão em grandenúmero, quando tiverem sido colocados à luz as

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formas, os processos e os esquematismos. Pelo que atéagora se conhece, os efeitos mágicos ocorrem de trêsmodos: ou pela multiplicação de si mesmo, comoacontece no fogo, nos chamados venenos específicos enos movimentos que aumentam de força ao passaremde roda em roda; ou por excitação ou convite de umoutro corpo, como ocorre com o magneto, que excitanumerosas agulhas sem perder ou diminuir nada desua virtude; e como ocorre no lêvedo e nas substânciassemelhantes; ou por antecipação do movimento, comose indicou ao falar-se da pólvora, dos canhões e dasminas. Dos dois primeiros movimentos é necessárioque se indaguem os consensos; do terceiro, as medidas.Da possibilidade de se modificar, por algum modo, osmínimos elementos dos corpos (como se costumadizer), transformando os mais sutis esquematismos damatéria, o que significaria operar todos os gêneros detransformações nos corpos, e a arte, então, poderiafazer em breve tempo aquilo que a natureza perfazdurante muito tempo, a esse respeito ainda não se podeadiantar nada de preciso. De nossa parte, declaramosque, como aspiramos ao supremo grau dosconhecimentos sólidos e verdadeiros, do mesmo modovotamos perpétuo ódio a toda vaidade e toda pretensãovã, combatendo-as de todas as nossas forças.

LII

Aqui encerramos a enumeração das dignidadesou instâncias prerrogativas. Mas deve-se ter em contaque neste Organon foi nosso propósito tratar de lógica,não de filosofia; mas, como a nossa lógica procuraensinar e guiar o intelecto e não agarrar e segurar asabstrações da realidade com as frágeis escoras damente (como a lógica vulgar), mas realmente

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esquadrinhar a natureza, voltando-se para a descobertadas virtudes e dos atos dos corpos, bem como de suasleis determinadas na matéria, dependendo, emresumo, esta ciência, não apenas da natureza dointelecto, mas também da natureza das coisas, não épara espantar que tenha sido ilustrada, continuamente,com observações sobre a natureza, que devem servir deexemplos da nossa arte. Do que foi exposto, são emnúmero de vinte e sete as instâncias prerrogativas, asaber: instâncias solitárias, instâncias migrantes,instâncias ostensivas, instâncias clandestinas,instâncias constitutivas, instâncias conformes,instâncias monádicas, instâncias desviantes, instânciaslimitativas, instâncias da potestade, instâncias deacompanhamento e hostis, instâncias subjuntivas,instâncias de aliança, instâncias cruciais, instâncias dedivórcio, instâncias da porta, instâncias de citação,instâncias do caminho, instâncias suplementares,instâncias secantes, instâncias da vara, instâncias docurrículo, instâncias de dose da natureza, instâncias deluta, instâncias indicadoras, instâncias policrestas einstâncias mágicas. Os usos dessas instâncias, no quese sobrepõem às instâncias vulgares, relacionam-se emgeral ou com a parte informativa ou com a parteoperativa, ou com ambas. Quanto à parte informativa,auxiliam ou os sentidos ou o intelecto. Auxiliam ossentidos as cinco instâncias de lâmpada. Auxiliam ointelecto ou aceleram o processo exclusivo da forma,como a solitária; ou limitando e indicando de maisperto o procedimento afirmativo como as migrantes eas ostensivas, as de companhias e as subjuntivas; ouindicando e conduzindo aos gêneros e às naturezascomuns, e isso, ou imediatamente, como asclandestinas, as monádicas e de aliança; ou de modo

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próximo, como as constitutivas; ou em grau inferior,como as conformes; ou corrigindo o intelecto da expe-riência comum, como as de desvio; ou conduzindo àdescoberta da forma maior ou da estrutura douniverso, como as limitativas; ou preservando-o dasformas e causas falsas, como as cruciais e de divórcio.Em relação à parte operativa, essas instâncias servempara ordenar a prática, ou medindo-a oufacilitando-lhe a execução, e depois indicam por ondese deve começar para evitar a repetição do que já foifeito com as instâncias de potestade; a que se devetentar chegar, se possível, com as indicativas. Servempara a medida da prática as quatro matemáticas;facilitam a execução as multiformes e as mágicas.

Algumas dessas vinte e sete instâncias exigemque se faça (como já foi dito antes a respeito dealgumas delas) imediata coleta, sem se aguardar ainvestigação particular da natureza. Estão nesse caso asinstâncias conformes, as monádicas, as de desvio, aslimitativas, as de potestade, as da porta, as indicativas,as policrestas e as mágicas, elas, de fato, oferecemauxílios e remédios aos sentidos e ao intelecto, einformam a prática em geral. As outras devem serrecolhidas, quando se chegar à formação de tábuas decitação, estabelecidas pelo intérprete através dainvestigação de uma natureza particular. As instânciasestabelecidas e oferecidas com essas prerrogativas sãocomo a alma das instâncias vulgares de citação e, comojá foi dito no início, umas poucas delas valem pormuitas das outras; e devem ser tratadas com o máximocuidado na formação das tábuas em que devem serinscritas. Seria necessário mencioná-las a seguir e paraisso seria preciso expor previamente o seu uso. Agora énecessário passar, por ordem, aos adminículos e às

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retificações da indução e depois ao concreto; e aosprocessos e esquematismos latentes e a tudo mais queindicamos no aforismo vinte e um. Só então poderemosdizer ter colocado nas mãos dos homens, como justo efiel tutor, as suas próprias fortunas, estando o intelectoemancipado e, por assim dizer, liberto da menoridade;daí, como necessária, segue-se a reforma do estado dahumanidade, bem como a ampliação do seu podersobre a natureza.

Pelo pecado o homem perdeu a inocência e odomínio das criaturas. Ambas as perdas podem serreparadas, mesmo que em parte, ainda nesta vida; aprimeira com a religião e com a fé, a segunda com asartes e com as ciências. Pois a maldição divina nãotornou a criatura irreparavelmente rebelde; mas, emvirtude daquele diploma: Comerás do pão com o suorde tua fronte,[261] por meio de diversos trabalhos(certamente não pelas disputas ou pelas ociosascerimônias mágicas), chega, enfim, ao homem, dealguma parte, o pão que é destinado aos usos da vidahumana.

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NOTAS:Prefácio do Autor e Livro I dos “Aforismos sobre aInterpretação da Natureza e o Reino do Homem

[1] — Literalmente, incompreensibilidade; estadoresultante do princípio cético de dúvida à possibilidadeda verdade, Nova Academia. Arcesilau (3 16-241 a.C.) eseus discípulos. Ver mais adiante Aforismo 126, livro I.

[2] — Bacon não usa, ao contrário de Descartes, otermo methodus, transcrição latina do grego,possivelmente para não se comprometer com o seu usoanterior. Prefere ratio ou via. Acompanhamos, nocaso, a unanimidade dos tradutores modernos.

[3] — Usada no sentido escolástico, uma das partes doTrivium, equivalente à lógica formal e. mais tecnica-mente, como sinônimo de método dedutivo. Emalgumas passagens toma o sentido pejorativo, já usadopor Aristóteles, de exercício inócuo.

[4] — Original: vanissimis idolis. Relacionado àdoutrina dos ídolos ou falsas idéias, exposta no livro I,a partir do Aforismo 38.

[5] — O termo “axioma” é usado por Bacon no sentidode proposição geral.

[6] — Idéia, nesta, passagem, tem sentido platônico,talvez mais próximo dos neoplatônicos renascentistas.

[7] — Original: instantia, termo de origem judiciária.

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Preferimos instância mesmo em português. Aparececom freqüência no sentido de “caso”, “exemplo”,“ocorrência”, etc., sempre relacionado com a realidadenatural

[8] — Original: consensum. O consenso, para Bacon.tem origem num traço comum a todos os homens eserve de base para o seu acordo como termo de váriasquestões, mas não como fundamento legitimo para aciência.

[9] — Original: Idola Tribus. Idola Specus, Idola Fori eIdola Theatri.

[10] — A expressão tem origem no conhecido Mito daCaverna, da República de Platão. A correlação émetafórica, de vez que o sentido preciso é diferente.

[11] — Heráclito, fragmento 2 (n.° de Diels): “Por issoconvém que se siga a universal (razão, logos), querdizer a (razão) comum: uma vez que o universal é ocomum. Mas, embora essa razão seja universal, amaioria vive como se tivesse uma inteligênciaabsolutamente pessoal”.

[12] — Original: sermones.

[13] — Cf. Cícero, De Natura Deorum, III. 37, § 89.

[14] — Original: subalternis, sentido lógico.

[15] — Original: lumen siccum. Possivelmente sugeridapor expressão de Heráclito (fragmento 118), através decomentadores romanos.

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[16] — Esse aforismo trata, de passagem, de assuntoaltamente controvertido da teoria natural de Bacon eque vai ser exposta no livro II, a propósito da teoria daforma.

[17] — Original: schematismi, meta-schematismimactus purus, lex actus. Vide nota anterior.

[18] — William Gilbert (1540-1603). autor do célebreDe Magnete.

[19] — Original: Themata Coeli.

[20] — Original: rationale genus philosophantium.Preferimos o termo racional a outros também usadospara o caso, por entender que as confusões que seprocura evitar ficam suficientemente afastadas pelocontexto.

[21] — Referência a Paracelso e às concepções mágicas.

[22] — Trata-se da distinção, existente em lógicaformal, entre: voces secundae intentionis e vocesprimae intentionis. A alma, para Aristóteles (DeAnima II. 1.412 A. 27-28), está na primeira espécie,quando Bacon entende que devia estar na segunda.

[23] — Filósofos pré-socráticos, cujo naturalismoentusiasma mais Bacon que os sistemas posteriores.

[24] — Referência mais à Nova Academia epossivelmente ao neoplatonismo de Proclo.

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[25] — Lucas, 24,5. Alusão a Robert Fludd, teósofo erosa-cruz, contemporâneo de Bacon.

[26] — Original: in quod, nisi sub persona infantisintrare non datur (Mateus, 18.3).

[27] — Original: mera palpatio.

[28] — Original: ad magis.

[29] — Original: ad praxim.

[30] — História da filha de um rei de Ciros, célebrepela sua rapidez e que disse se casar com quem avencesse em uma corrida. Hipómenes, com auxílio deuma deusa, conseguiu sucesso jogando pomos de ouropara trás, sempre que Atalanta estava prestes aalcançá-lo.

[31] — Original: experimenta lucifera e experimentafructifera.

[32] — Original: sapientia.

[33] — Original: professoria. — O saber professoralpara Bacon tem o sentido de saber acadêmico,transmitido de mestre a discípulo, sem recurso àsfontes.

[34] — Apud Diógenes Laércio, sobre Platão.

[35] — Platão, Timeu, 23 B.

[36] — Signa, termo tomado por metáfora à astrologia,

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indicando os auspícios para um empreendimento.

[37] — Celso, em De Re Medica.

[38] — Alusão à teoria de Galeno.

[39] — Vide nota 8.

[40] — Cf. aforismos 28 e 47.

[41] — Plutarco, na Vida de Fócion.

[42] — Esse tipo de consciência histórica já aparece noopúsculo de 1608, cujo título Temporis PartusMasculus usa as mesmas expressões.

[43] — Bacon parece aceitar a concepção difundidaentre os renascentistas de que a um período deesplendor deveria seguir-se um período de decadênciada cultura.

[44] — A filosofia primeira, tal como a entendia,repositório dos axiomas gerais da natureza,estabelecidos por via indutiva, era a responsável pelaunidade do saber.

[45] — Célebre expressão cunhada e divulgada porCícero, cf. Tusculanae Disputationes, V, 4. § 10.

[46] — Original: in parte operativa.

[47] — Original: scientiae logicae.

[48] — Original: novis inventis et copiis.

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[49] — No aforismo 77 fala Bacon também doconsensus que encobria o verdadeiro valor da filosofiade Aristóteles.

[50] — Passagem célebre onde é evidente a analogiacom a idade dos homens.

[51] — Original: Orbis Intellectualis, também nome deobra inacabada de Bacon.

[52] — Expressão que teve origem em Aulo Gélio,Noctes Atticae, XII, 11, mas modernamentevulgarizada por Bacon com sentido mais rico.

[53] — Original: contemplationes incurrentes.

[54] — Original: artes intellectualis — que sediferenciam das scientias rationalis, que vêm a seguir.

[55] — Bacon distingue a “magia natural” da “magiasupersticiosa”.

[56] — Em várias passagens (cf. também DeAugmentis Scientiarum, 1. VI, cap. 2). Bacon mostraas vantagens dos aforismos. A propósito, lembrem-se asua admiração pelos pré-socráticos, as referências aHipócrates, e as suas leituras bíblicas.

[57] — Referência ao Rei Artur e ao herói do romancecavalheiresco português, atribuído a Vasco de Loubeira(século XlV) e vulgarizado em várias outras versões.

[58] — Cf. aforismo 75.

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[59] — Natureza, para Bacon, tem o sentido amplo deaparência exterior e perceptível dos objetos, qualidadessecundárias das coisas.

[60] — Tais expressões não significam da parte deBacon ateísmo ou coisa semelhante, mas sua aversãopor certo tipo de interferência da religião em assuntosde conhecimento natural. No De Augmentis deixa claraa separação entre assuntos divinos, objeto da teologia,e os naturais, objeto da filosofia e das ciências.

[61] — Aristófanes — Nuvens, versos 372. 55.

[62] — A propósito do assunto, houve acesa polêmicaentre teólogos, filósofos e sábios, até prevalecerem asnovas concepções sobre o globo terrestre.

[63] — Original: media ignorantur.

[64] — Jó, 13,7 “Porventura por Deus falareisperversidade? E por ele falareis engano?”

[65] — Mateus, 22,29.

[66] — Original: res civiles et artes. Cf. Aristóteles —Política, II,8. 1268 B. e ss.

[67] — Original: prudentia civilis.

[68] — A esperança (spes) de que Bacon vai falarcorresponde a uma espécie de interesse pelo novo e aomesmo tempo um inconformismo em relação aoadmitido e estabelecido.

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[69] — Original: tabulis inveniendi.

[70] — Lucas, 17,20.

[71] — Daniel, 12,4 — Essa expressão se encontra nofrontispício da primeira edição do Novum Organum.

[72] — Esta passagem tem provocado interpretaçõesdiferentes. De qualquer forma, a letra do texto pareceindicar que Bacon entendia o fim do mundo numsentido geográfico, o que é improvável, dada a suacompetência em assuntos teológicos.

[73] — Demóstenes, Filípicas, III, 5 e 1, 2. A citação deBacon, como muitas outras, é livre, tudo indicando tersido de memória.

[74] — Original: spei argumenta.

[75] — Passagem famosíssima, que tem servido como oexemplo mais sensível da posição de Bacon.

[76] — Essa passagem é indicada como um exemplo daincompreensão de Bacon para com o verdadeiro papeldas matemáticas nas ciências experimentais nascentes.

[77] — Original: ratio humanae.

[78] — Ésquines, De Corona. apud J. Spedding, op. cit.vol. I, pág. 202.

[79] — Tito Lívio, in Ab Urbe Condita, IX, 17, in fine.

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[80] — Original: Sylva — No fim da vida Bacon sededicou ao recolhimento de tais coleções. Os resultadosestão em obra póstuma, Sylva Sylvarum.

[81] — Original: rumores quosdam experientiae etquasi famas et auras eius.

[82] — Consta em comentadores da época queAlexandre teria dado a Aristóteles oitocentos talentospara essa empresa — Ap. Lasaíle — op. cit. pág. 334,vol. 1.

[83] — Espécie de “naturalismo” frívolo que vigorouinclusive até o século XIX.

[84] — Original: vexationes.

[85] — Original: experimenta lucifera e fructiferorum.

[86] — Cf. aforismo 82.

[87] — Há dois sentidos para experiência literata. Um.de registro sistemático de resultados, e outro, de ummetodo intermediário entre a mera palpatio e oNovum Organum. O segundo sentido aparece logo aseguir no af. 103.

[88] — Original: notionalia.

[89] — Cf. aforismo 80.

[90] — Original: idque via et ordine.

[91] — Original: fili bombyeini.

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[92] — Original: acus nauticae.

[93] — A tinta usada antes da imprensa era muito fina.Assim, essa modificação também foi condição para onovo invento.

[94] — Na Nova Atlântida Bacon fornece o exemplovivo da sua concepção de trabalho científico comotrabalho coletivo, no sentido de exigir a dedicação demuitos e no sentido de promoção oficial.

[95] — Veja-se o fascículo que acompanha esta obra.

[96] — Original: Mortalium communicantum. A quemconsidera a ciência como trabalho coletivo, não maisnatural que o problema da comunicação dos seusresultados e sua discussão. Mas o grande drama deBacon foi exatamente esse: o seu isolamentoestritamente científico. Enquanto homem do mundo,não teve condições de se informar da verdadeiraciência do seu tempo, apesar de suas idéias geraisserem proféticas.

[97] — Racional (original: in via illa rationali) aqui étomado no sentido já antes indicado, como oposto aexperimental, tendo, assim, uma conotação pejorativa.

[98] — Antecipação de problemas ligados ao trabalhocientífico. Vide especialmente a Nova Atlântida.

[99] — Alusão aos ventos que de oeste sopravam sobrePortugal e que teriam levado Colombo a firmar suasidéias de que nessa direção havia terras que os

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geravam.

[100] — Original: desperatione. Desesperação emborapouco usado, nos pareceu o correspondente mais ade-quado para um termo com conotação ao mesmo tempode desânimo e desinteresse. Desespero tem cargasmais recentes muito consolidadas.

[101] — Original: pars destruens.

[102] — Três filósofos antiaristotélicos doRenascimento. Os dois primeiros italianos, maisconhecidos, e o terceiro dinamarquês.

[103] — Essa parte deveria constituir-se, conforme oseu plano na distribuição das obras, InstauratioMagna, no Pródromos Antecipações da FilosofiaSegunda.

[104] — Ainda segundo o plano referido, a sexta partedeveria constituir-se da Filosofia Segunda ou DaCiência Ativax.

[105] — No sentido de fazer alguma invenção na formaantes definida: de combinação de coisas conhecidas.

[106] — Original: tabulis inveniendi. Refere-se aoprocedimento a ser descrito no livro II da obra. Quantoà tradução de inveniendi e das formas correlatas, podetanto ser no sentido de invenção quanto de descobertaou investigação. Usamos uma ou outra conforme asconveniências do contexto.

[107] — Refere-se a Scala Intellectus.

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[108] — Refere-se a Phenomena Universi sive HistoriaNaturalis et Experimentalis ad ContendamPhilosophiam.

[109] — Vide nota anterior sobre Atalanta.

[110] — Plínio, Naturalis Historia, I.

[111] — Original: simplicium naturarum. As naturezassimples constituem para Bacon os elementos últimosdos fenômenos e estão ligados à sua forma.

[112] — Fedro, Fábulas, I.V, 8.

[113] — Essa história aparece em Plutarco, referindo-sea Filipe da Macedônia.

[114] — Filócrates, falando de si e de Demóstenes,apud De Mas, op. cit. pág. 334, vol. I.

[115] — Esta passagem deve ser comparada a outra queaparece no cap. 1, 1. VI, do De Dignitate et AugmentisScientiarum, para indicar as dificuldades deinterpretação da exata posição de Bacon, a respeito deproblema tão importante: “Este princípio resolve afamosa questão da maior importância a ser dada à vidaativa ou a vida contemplativa, e a decide contra aopinião de Aristóteles. Pois todas as razões que eleoferece em favor da vida contemplativa relacionam-sesomente ao bem individual e ao prazer e à dignidadedo indivíduo. Sob esse aspecto certamente a vidacontemplativa carrega a palma da vitória.. Mas oshomens devem saber que só a Deus e aos anjos cabe

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serem espectadores no teatro da vida humana”.Lembre-se também que esse texto é posterior aoNovum Organum.

[116] — Original: verum exemplar mundi.

[117] — Cf. aforismo 23.

[118] — Original: Itaque ipsissimae res sunt (in hocgenere) veritas et utilitas. Há divergéncias quanto àtradução de ipsissimae res. Acompanhamos os queentendem como tendo o sentido de “as coisas em simesmas”. Vide De Mas, op. cit., pág. 335, vol.I.

[119] — Esta passagem cria os problemas de coerênciajá indicados na nota 114.

[120] — Onginal: formam inquirendi.

[121] — Bacon aqui opõe à acatalepsia a eucatalepsia,com sentido de “boa compreensão dos fatos”.

[122] — Filosofia natural tem aqui sentido restrito,próximo de física, enquanto tem sentido amplo nosaforismos 79 e 80.

[123] — Ou: síntese e análise.

[124] — Apesar de certa timidez, em passagensanteriores (cf. aforismos 29, 77 e 128). aqui Baconclaramente estende o seu método de investigaçãonatural aos assuntos humanos.

[125] — Os dois livros do Advancement of Learning

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Divine and Human foram publicados em 1605. Essaobra foi refundida por Bacon, consideravelmenteaumentada e publicada em latim sob o titulo de DeDignitate et Augmentis Scientiarum, em 1623, trêsanos depois do Novum Organum.

[126] — Original: rerum inventionibus

[127] — Sic. no original, inclusive o destaque doterceiro verso em maiúsculas. Os versos, certamentecitados de memória, em algumas passagens nãoconferem com o original de Lucrécio, De RerumNatura, VI, 1-3 primum por primae e praestanti porpraeclaro. Traduzidos livremente: “Atenas de nomefamosa, que pela primeira vez ofereceu aos pobresmortais as sementes frutíferas e, dessa forma, recriou avida e promulgou as leis”.

[128] — Cf. Provérbios, 25,2.

[129] — Referia-se, sem dúvida, à América, cujo nomeainda não se tinha firmado.

[130] — De Cecílio Estácio, transcrito por Símaco, inEpístolas, X, 104, apud De Mas, op. cit., vol II, pág.340.

[131] — Repete, com pequena variação, expressão doaforismo 3.

Livro II dos “Aforismos sobre a Interpretação da

Natureza e o Reino do Homem[1] — Original: naturas. Natureza significa ou

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equivale à propriedade ou qualidade predicável de umcorpo.

[2] — Original: corpus. Corpo concreto.

[3] — Original: formam (a). A forma é a condiçãoessencial da existência de qualquer propriedade. (VideLivro I.)

[4] — Original: naturam naturantem. Naturezanaturante em oposição a (natura naturata) naturezanaturada. Distinção de Averróis que passou à tradiçãoescolástica. Simplificadamente, a natureza naturante éo agente produtor e naturante é o produto. Naturezanaturante é expressão difundida durante a Renascença,indicando o processo ativo e dinámico da natureza.Bacon, identificando-a com a forma, torna difícilpensá-la á maneira de Aristóteles. Lembre-se ainda queBacon não usa a expressão oposta, natureza naturada.

[5] — Original: transformatío corporum concretorum.Expressão e idéia que devem sua origem à alquimia,para depois se “laicizar”.

[6] — Original: Latentis processus. Conjunto deoperações internas, que em boa parte escapa aossentidos, e que faz com que uma substáncia passe deum estado a outro.

[7] — Original: formam inditam.

[8] — Original: latentis schematismi. O esquematismocorresponde á maneira de ordenação das partículasque constituíram os objetos materiais. A idéia de

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pequenas partículas se aproxima de Demócrito, salvono fato de que Bacon não admitia a suaindestrutibilidade e nem o “vazio”. O esquematismo élatente por escapar aos sentidos; à transformação desuas configurações Bacon dá o nome de processolatente (latens processus).

[9] — Aristóteles, Analíticos Segundos, I, 2, 71 B.

[10] — Bacon não admite qualquer finalismo noprocesso natural. A sua concordância com Aristótelesem relaçâo às demais causas deve ser entendida aonível puramente terminológico. Sem a causa final, omundo natural perde qualquer aristotelismo.

[11] — O assunto no De Augmentis Scientiarum (DoProgresso das Ciências) é remetido à teologia.

[12] — Confrontem-se as principais passagens destaobra sobre o conceito baconiano de forma,seguramente o de mais difícil interpretação em seupensamento. Aforismos 51 e 75, Livro 1, e Aforismo 4.5, 13, 17 e 20. Livro II.

[13] — Original: essentiae.

[14] — Original: paragraphos. Linguagem jurídica,transposta para a natureza.

[15] — Original: ul sit certum, liberum et disponenssive in ordine ad actionem.

[16] — Original: ex fonte essentiae. Seria a substânciaoriginária capaz de diferenciação.

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[17] — É indispensável, para a compreensão dopensamento dc Bacon. o esclarecimento da conexãoentre forma e natureza tanto para a filosofia natural emgeral quanto para alguns aspectos técnicos da indução,como o funcionamento das tábuas. A questão reaparecemuitas vezes no texto. De qualquer modo, guarde-seque forma, no caso, não pode ser entendida comocausa, pelo menos no sentido mais amplo, pois forma enatureza coexistem ao mesmo tempo.

[18] — Original: ut inveniatur natura alia, quae sitcum natura data convertibilis et tamen sit limitationaturae notioris. instar generis veri.

[19] — Original: quod in Operando utilissimum, id inSciendo verissirnum. Cf. Aforismos 1 e 3, Livro I.

[20] — Spedding (op. cit., vol. 1, página 231) lembraque ainda Leibniz pensava na obtenção artificial doouro.

[21] — Original: transformatio in aurum.

[22] — Original: modus operandi.

[23] — Grifo no original.

[24] — Original: primis menstruis, expressão usadaem alquimia.

[25] — Original: spiritus.

[26] — Original: prima illa et catholica axiomata.

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[27] — Original: pinguissima Minerva et prorsusinhabili contexuntur.

[28] — Original: per minima.

[29] — Original: latentis schematismi. vide nota 8,supra.

[30] — Original: de novo inducunt et superinducunt.

[31] — o processo latente parece ser a “conseqüênciadinâmica” do esquematismo latente, que está emestreita conexão com a forma.

[32] — Original: spiritus. O espírito, por ser intangívele invisível, distingue-se de toda essência tangibilis eestá no interior de todo corpo tangível. Cf. Aforismo50, Livro 1.

[33] — Original: vacuum. Aqui se tem uma idéia daposição de Bacon em relação ao atomismo, assunto queretoma no Aforismo 48. Aceita a constituição atômicados corpos, mas não aceita o vazio e a imutabilidadedas partículas.

[34] — Original: materiam nonfluxam.

[35] — Original: particulas veras.

[36] — Original: quando physicum terminatur inmathematico. Bacon pensa na aplicação da matemáticapara a determinação das últimas “partículas damatéria”.

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[37] — Original: duobus generibus axiomatum.

[38] — Cf. Aforismo 5, Livro II.

[39] — Spedding discute a adequação dos termos dooriginal, entendendo que no lugar de ratione et sualege Bacon teria pensado em ratione sua et lege.

[40] — o sentido de metafísica não é o tradicional.Bacon nele inclui a teologia, bem como o estudo dascausas finais. Cf. De Augmentis Scientiarum, III, 4.

[41] — Indução e dedução, esta não chega a ser tratadano Novum Organum.

[42] — Original: ministrationis.

[43] — Indicação para o problema da divisão dasciências e sua correlação com a organização da mente,tema tratado no De Augmentis Scientiarum.

[44] — Tabulae et coordinationes instantiarum.

[45] — Bacon entende dever começar pelo método deinterpretação baseado na indução, por exclusões, edepois retornar para o tratamento das demaisadministrações.

[46] — Original: comparentia ad intellectum. Oprimeiro sendo termo de uso jurídico, preferiu-secitação em português, termo da mesma origem esignificando “colocar em presença”.

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[47] — Nessa tábua devem ser anotados todos os casosem que aparece o fenômeno que é objeto de estudo. Seos exemplares forem dessemelhantes, será mais seguraa identificação da natureza respectiva.

[48] — “Historicamente” tem o sentido de: à medidaque os fatos vão aparecendo, em oposição a qualquerantecipação especulativa.

[49] — Original: forma calid. “Forma”, nestapassagem, é também traduzida por natureza, porcausa. Cf. E. de Mas, op. cit. vol. I, página 354.

[50] — A partir desta altura, tornam-se numerosas eminuciosas as descrições de exemplos e experimentos.

[51] — O original acrescenta o verso de Virgilio: NecBoreae penetrabile frigus adurit, As Geórgias, I, 93.

[52] — Vide nota 17 supra.

[53] — Na Tábua de Ausência, ao Contrário que na depresença, devem ser anotados os casos semelhantes,em que a natureza ou o fenômeno objeto de estudo nãoaparece.

[54] — Tabulam Declinationis, sive Absentiae inproximo.

[55] — Em grifo e corpo maior no original.

[56] — Suposição da época, de origem astronómica.

[57] — História relatada por Agostinho, De Generi

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Contra Manichaeos, Livro I, capítulo 15.

[58] — Homero. Odisséia, VI, 41-46.

[59] — O fato teria ocorrido em junho de 1597, naexpedição de Barentz, que buscava uma passagem anordeste, apud E. de Mas, op. cit., página 358.

[60] — Os experimentos descritas nesta segunda parteforam criticados por Mersenne por já terem sidorealizados antes de Bacon. Lembre-se que Bacon nãonutria qualquer pretensão de originalidade a respeito.Cf. Ellis, op. cit. página 241, vol. I, nota 3.

[61] — Original: speculum.

[62] — Original: simulacra.

[63] — A invenção do termômetro é atribuida a Galileuem 1597, ao médico holandês Drebbel em 1609, ao FreiPaulo Sarsi em 1609, e ainda ao médico italianoSantório em 1610.

[64] — Idem nota 60 supra.

[65] — Há divergência quanto a esse parágrafo, se seopôe à segunda ou á terceira instância.

[66] — Os antigos astrônomos discutiam se os cometasdeveriam ser considerados meteoros (produzidos naatmosfera) ou da mesma substância dos planetas. Oassunto foi retomado por Galileu.

[67] — Original: trabes et columnae lucidae.

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[68] — Também seriam fenômenos de eletricidade.

[69] — Virgílio, Eneida, II.

[70] — Camões em: Lume vivo, que a marítima genteTem por santo em tempo de tormenta,Os Lusíadas, Canto V.

[71] — Ventos do leste e do norte.

[72] — Ventos do sul e do oeste.

[73] — Termômetro tosco do tempo.

[74] — Aristóteles, Meteorologia, I, 2, 341A; e De Caelo(Sobre o céu), II, 7, 288A.

[75] — Tem significado de contraposição. Aparece emAristóteles, Física VIII, 10, 267A, com o sentidotomado usual de “mudança em sentido contrário”.

[76] — Original: acqua regia.

[77] — Original: acquafortis.

[78] — Vide Aforismo 11, supra.

[79] — Original: secundum analogiam.

[80] — Original: vitrum graduum sive calendare.

[81] — O experimento reaparece no Aforismo 38, LivroII.

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[82] — Original: inflamationibus spiritus. De Mastraduz por “inflamações respiratórias”

[83] — Foi de uma molêstia, adquirida em umaexperiência sobre a conservação da carne pelo frio, queBacon veio a falecer.

[84] — Bacon não deixou qualquer trabalho sistemáticosobre o frio, salvo o fragmento Calor et Frigus, inWorks, III, pp. 641-652.

[85] — Original: comparentia ad intellectum.

[86] — Original: ipsissima res, com sentido de a coisaem si mesma, considerada em sua essência singular.

[87] — Original: in ordine ad hominem et in ordine aduniversum.

[88] — Original: petrolaeum.

[89] — Cf. Aforismos 11, 18, Livro II.

[90] — Cf. Aforismos 12, 30.

[91] — Original: animalcula. A putrefação eraentendida como um processo de geração e copulação.

[92] — Constâncio II, filho de Constantino.

[93] — Canícula ou Cão Menor.

[94] — Termos usuais na astronomia anterior a

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Copérnico.

[95] — O chamado fogo grego era conhecido no Orientemuito antes da pólvora.

[96] — Em contraposição ao indicado nos Aforismos12, 9.

[97] — Ou com foles (flatu).

[98] — Ver nota 84.

[99] — A idéia de “irritação” é considerada fantásticapelos comentadores.

[100] — Original: in vitris calendaribus.

[101] — O espírito é a parte mais sutil do corpo, delesão dotadas mesmo as coisas inanimadas.

[102] — Original: calidum, quatenus ad sensum ettactum humanum, res varia est et respectiva.

[103] — Original: Comparentiam instantiarum adintellectum.

[104] — Distinção escolástica.

[105] — Referência ao sistema escolástico de defesa dosdois lados de uma questão.

[106] — Original: inditor et opifex formarum.

[107] — Segundo De Mas, falta ao homem o intelecto

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intuitivo, op. cit. página 381.

[108] — Original: ignem divinum.

[109] — Referência às formas platônicas.

[110] — Original: de formis copulatis.

[111] — Ainda referência às idéias platônicas.

[112] — Original: Lex Calidi sive Lex Luminis.

[113] — Original: integralitate.

[114] — Original: Lucem aut lumen.

[115] — Original: in vitris calendariis.

[116] — Original: Naturam principalem.

[117] — Original: naturarum simplicium.

[118] — Original: notio tenuitatis.

[119] — Original: fiat permissio intellectui.

[120] — Original: in affirmativa.

[121] — Original: Permissionem Inteilectus siveInterpretationem Inchoatam, sive VindemiationemPrimam.

[122] — Original: elucescentias vel instantiasostensivas.

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[123] — Original: ipsissimus calor.

[124] — Original: quid ipsum caloris.

[125] — Aforismo 48, 11.

[126] — Linguagem escolástica, a diferença limita ogênero e constitui a espécie.

[127] — Original: ex repercussione irritatum.

[128] — Original: qualis competit sensui.

[129] — Original: Prerogativis Instantiarum.

[130] — Original: Adminiculis Inductionis.

[131] — Original: Rectificatione Inductionis.

[132] — Original: Variatione Inquisitionis pro NaturaSubjecti.

[133] — Original: Prerogativis Naturarum.

[134] — Original: Terminis Inquisitionis.

[135] — Original: Deductione ad Praxim.

[136] — Original: Parascevis ad Inquisitionem.

[137] — Original: Scala Ascensoria et DescensoriaAxiomatum.

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[138] — Original: Ferinas.

[139] — Original: Instantias Migrantes.

[140] — Original: adgenerationem.

[141] — Original: cum efficiente aut privante.

[142] — Como já foi indicado, Bacon distingue a formada causa eficiente.

[143] — Original: Instantias Liberatas etPredominantes.

[144] — Original: substantivam.

[145] — Original: maxime ostensivae formae.

[146] — Original: Instantias Clandestinas.

[147] — Original: Instantias Crepusculi.

[148] — Original: Liquidum et Consistens.

[149] — Original: plebeas et ad sensum.

[150] — Original: Attractio, sive Coitio Corporum.

[151] — Original: Instantias Constitutivas.

[152] — Original: Manipulares.

[153] — Original: inventionem legitimam FormaeMagnae.

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[154] — Original: Laci.

[155] — Original: Mnemotécnica. — Era uma artemuito difundida no Renascimento.

[156] — Original: abscyssio infiniti.

[157] — Original: deducat intellectuale ad ferendumsensum.

[158] — Original: in affectu forti.

[159] — Platão, Fedro, 266B.

[160] — Original: Instantias Conformes, siveProportionatas.

[161] — Original: Similitudines Physicas.

[162] — Concepçâo difundida por Telésio e recolhidaem Galeno.

[163] — Aristóteles, História dos Animais, I, 5, 490A.

[164] — “Iludir a espera.”

[165] — “Escorregar na cadência.”

[166] — Original: Instantias Monadicas.

[167] — Original: Irregulares sive Heteroclitas.

[168] — Original: pro secretis et magnalibus naturae.

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[169] — Original: Instantias Deviantes.

[170] — Aristóteles, Ética a Nicômaco, VI, 4, 1140A.

[171] — Original: Instantias Limitaneas, Participia.

[172] — Ênio, apud De Mas. op. cit. página 411.

[173] — Instantias Potestatis, sive Fascium.

[174] — Cf. Aforismo 109, Livro 1.

[175] — Cf. Aforismo 3, Livro II.

[176] — Deve ser lembrado tratar-se de uma época deprestígio para a magia e coisas semelhantes.

[177] — Original: Deductionibus ad Praxim.

[178] — Original: Instantias Comitatus atque Hostiles.

[179] — Cf. Aforismo 23, supra.

[180] — Original: circumscriptiones formarum.

[181] — Original: Instantias Subjunctivas.

[182] — Original: Instantias Ultimitatis.

[183] — Original: Instantias Foederis sive Unionis.

[184] — Aristóteles, Meteorologia I, 14, 35 lA.

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[185] — Gerolamo Fracastoro (1483-1553), físico,médico e poeta italiano conhecido.

[186] — Teoria de Aristóteles, De coelo, 1, 2. 268B,269B, Física VIII, 9, 265A-B.

[187] — Meteoros I, 7, 344.

[188] — Cícero, De Fato (O Destino) 20,46.

[189] — Gilbert explica a gravitação como resultado domagnetismo.

[190] — Original: discursus Ingenii.

[191] — Aviano, Fabulae, XXVII, apud De Mas, op. cit.página 422.

[192] — Original: Instantias Crucis.

[193] — Original: Instantias Decisorias et Judiciales.

[194] — Original: Instantias Oraculi et Mandati.

[195] — Refere-se Bacon ao Padre José de Acosta, S.J.(1539-1600) que escreveu uma difundidíssimaHistoria Natura ly Moral de las Índias (1590).

[196] — Era opinião corrente na época.

[197] — É assunto controverso a posição de Bacon emrelação à teoria de Copérnico. De que lhe era contrárioparece não haver dúvidas. A discussão se desenvolveem torno dos motivos reais.

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[198] — Por esse exemplo pretendeu-se ter Baconantecipado a explicação sobre a atração, como Voltaire;mas certamente utilizou a obra de Gilbert, que bemconhecia.

[199] — Bacon conheceu diretamente pelo menos suasobras sobre fisica e medicina.

[200] — Original: spiritus crudi. Substãnciasaeroformes, como a água, em oposição às inflamáveis.

[201] — Original: et non per rationes probabiles

[202] — Original: Instantias Divortii.

[203] — Cf. Aforismo 33, supra.

[204] — Cf. Aforismo 104, Livro I.

[205] — Original: contubernales.

[206] — Original: actio naturalis.

[207] — Original: secundum sensum philosophanti.

[208] — Original: Instantias Lampadis.

[209] — Original: Instantias Januae sive Portae.

[210] — Seriam os primeiros microscópios.

[211] — Aristóteles, Da Geração e Corrupção, I, 8,325A.

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[212] — O telescópio foi construído em 1608 porGalileu, a partir de um modelo do holandês H.Lippershey.

[213] — Essa passagem parece mostrar que Baconconhecia o Sidereus Nuncius de Galileu.

[214] — Original: Instantias Citantes.

[215] — Original: Insiantias Evocantes.

[216] — Original: spiritus abscissi.

[217] — Conhecidas expressões originadas emParmênides e muito difundidas no Renascimento.

[218] — Antiga medida, também usada em Portugal, ecorrespondente a mais ou menos dois litros.

[219] — Original: latitantiae.

[220] — Assunto tratado no De AugmentisScientiarum, IV, 3.

[221] — Original: per rationem et philosophiamuniversalem.

[222] — Original: Instantias Viae.

[223] — Original: Instantias Articulatas.

[224] — Bacon não chegou a desenvolver esse assunto.

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[225] — Original: Instantias Supplementi.

[226] — Original: Instantias Perfugii.

[227] — Original: Instantias Persecantes, InstantiasVellicantes

[228] — Cf. Aforismo 51, Livro 1.

[229] — Original: Instantiae Persecationis.

[230] — Original: Instantias Mathematicas eInstantias Mensurae.

[231] — Original: Instantias Propitias sive Benevolas.

[232] — Original: Instantias Virgae.

[233] — Original: Radii.

[234] — Original: Instantias Perlationis.

[235] — Original: Non Ultra.

[236] — Heródoto, História, I, 179.

[237] — Original: Instantias Curriculi.

[238] — Original: Instantias ad Acquam.

[239] — Para Galileu a maré é produzida pela diferençade velocidade dos vários pontos da terra, devido àcomposição dos dois movimentos, de rotação e derevolução.

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[240] — Original: sed hoc commentus est concesso nonconcessibili.

[241] — Original: Instantias Quanti.

[242] — Original: Doses Naturae.

[243] — Essa passagem indicaria o conhecimento deBacon das experiências de Galileu feitas na torre dePisa.

[244] — Original: Instantias Luctae.

[245] — Original: Instantias Praedominantiae.

[246] — Original: motus antitypiae.

[247] — Original: motus hyles.

[248] — Original: spiritus emortuus ou mortualis, emcontraposição ao spiritus vitalis, próprio dos corposanimados.

[249] — O rejuvenescimento é uma preocupaçãoconstante na obra de Bacon (senectutis refociliatio).

[250] — Original: vacuum, sive coacervatum sivepermistum.

[251] — Aristóteles, Física, IV, 6, 213B.

[252] — Original: iste enim plane plica materiae.

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[253] — Original: Instantias Innuentes.

[254] — Original: Chartae humanae ou Chartaeoptativae.

[255] — Original: Instantias Polychrestas.

[256] — Original: lutum sapientiae, misturaempregada para fechar recipientes.

[257] — Fato relatado por Marco Polo.

[258] — Original: menstrua seria uma substânciageradora dos metais.

[259] — Ordem fundada por Jean de La Barrière, em1573, derivada da Ordem de Cister.

[260] — Original: Instantias Magicas.

[261] — Gênesis, 3, 19.

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ACRÓPOLISVersão eletrônica do livro “Novum Organum ouVerdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da

Natureza”Autor: Francis Bacon

Tradução e notas: José Aluysio Reis de AndradeCréditos da digitalização:

Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia)Homepage do grupo:

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