livre arbÍtrio e responsabilidade felipe garcia lisboa borges · louvar comportamentos bondosos...

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Ano 2 (2016), nº 6, 411-435 LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges 1 Resumo: Neste trabalho, será analisado criticamente o capítulo 10, do livro Justiça para Ouriços, de Ronald Dworkin. O capí- tulo, intitulado Livre-Arbítrio e Responsabilidade, discute, es- pecificamente, a controversa relação entre o livre-arbítrio e a responsabilidade. Será correto julgar um ato de alguém que estava alucinado, que teve uma infância infeliz ou agisse sob coerção? Com questões dessa natureza, Dworkin investiga a questão da responsabilização das pessoas por suas ações (quando e se é que realmente devem ser responsabilizadas). O objetivo deste artigo é problematizar o assunto, trazendo a con- trovérsia para o contexto das ciências criminais no Brasil, na medida em que tangencia um dos seus principais temas de dis- cussão: a culpabilidade. Palavras-Chave: livre arbítrio responsabilidade culpabilida- de responsabilidade judicatória justiça para ouriços. FREE WILL AND RESPONSIBILITY Abstract: In this work it will be critically analyzed Chapter 10 of the book Justice for Hedgehogs, Ronald Dworkin. The chap- ter, entitled Free Will and Responsibility, discusses specifically the controversial relationship between free will and responsi- bility. Is it right to judge an act of someone who was halluci- nating, someone who had an unhappy childhood or acted under duress? With questions of this nature, Dworkin investigates the issue of responsibility of the people for their actions (when and 1 Mestre em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional pelo Centro Universitário do Pará (CESUPA). Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Advogado e Professor de Direito.

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Page 1: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

Ano 2 (2016) nordm 6 411-435

LIVRE ARBIacuteTRIO E RESPONSABILIDADE

Felipe Garcia Lisboa Borges1

Resumo Neste trabalho seraacute analisado criticamente o capiacutetulo

10 do livro Justiccedila para Ouriccedilos de Ronald Dworkin O capiacute-

tulo intitulado Livre-Arbiacutetrio e Responsabilidade discute es-

pecificamente a controversa relaccedilatildeo entre o livre-arbiacutetrio e a

responsabilidade Seraacute correto julgar um ato de algueacutem que

estava alucinado que teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob

coerccedilatildeo Com questotildees dessa natureza Dworkin investiga a

questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas por suas accedilotildees

(quando e se eacute que realmente devem ser responsabilizadas) O

objetivo deste artigo eacute problematizar o assunto trazendo a con-

troveacutersia para o contexto das ciecircncias criminais no Brasil na

medida em que tangencia um dos seus principais temas de dis-

cussatildeo a culpabilidade

Palavras-Chave livre arbiacutetrio ndash responsabilidade ndash culpabilida-

de ndash responsabilidade judicatoacuteria ndash justiccedila para ouriccedilos

FREE WILL AND RESPONSIBILITY

Abstract In this work it will be critically analyzed Chapter 10

of the book Justice for Hedgehogs Ronald Dworkin The chap-

ter entitled Free Will and Responsibility discusses specifically

the controversial relationship between free will and responsi-

bility Is it right to judge an act of someone who was halluci-

nating someone who had an unhappy childhood or acted under

duress With questions of this nature Dworkin investigates the

issue of responsibility of the people for their actions (when and

1 Mestre em Direito Poliacuteticas Puacuteblicas e Desenvolvimento Regional pelo Centro

Universitaacuterio do Paraacute (CESUPA) Poacutes-graduado em Direito Tributaacuterio pela

Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas (FGV) Advogado e Professor de Direito

412 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

if it really should be held accountable) The purpose of this

article is to discuss the matter bringing the controversy to the

context of criminal science in Brazil in that it touches one of

its main discussion themes guilt

Keywords free will - responsibility - guilt - judgmental re-

sponsibility - justice for hedgehogs

Sumaacuterio 1 Introduccedilatildeo ndash 2 Livre Arbiacutetrio e Responsabilidade

Judicatoacuteria ndash 3 Conclusotildees ndash 4 Referecircncias

1 INTRODUCcedilAtildeO

m Justiccedila para Ouriccedilos Ronald Dworkin oferece

uma relevante contribuiccedilatildeo ao profiacutecuo debate

acerca da justiccedila distributiva da boa vida e da

natureza interpretativa dos conceitos morais eacuteti-

cos poliacuteticos e juriacutedicos Tratando da antiga tese

filosoacutefica da teoria da unidade de valor Dworkin defende a

unidade entre os valores eacuteticos que dizem respeito ao que de-

vemos fazer para viver bem e os morais que dizem respeito ao

que devemos fazer aos outros subsidiando a verdade sobre o

que eacute viver bem2

Neste trabalho seraacute analisado o capiacutetulo 10 do livro

Justiccedila para Ouriccedilos intitulado Livre-Arbiacutetrio e Responsabili-

dade onde eacute discutida especificamente a controversa relaccedilatildeo

entre o livre-arbiacutetrio e a responsabilidade Seraacute correto julgar

um ato de algueacutem que estava alucinado que teve uma infacircncia

infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Com questotildees dessa natureza

Dworkin investiga a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

2 KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a Unidade de Valor

Disponiacutevel em httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106resumo-de-

justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun 2014

E

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sabilizadas)

O trabalho de Dworkin comeccedila com a divisatildeo da con-

troveacutersia do livre-arbiacutetrio em dois campos distintos compatibi-

lista e incompatibilista O primeiro compatibiliza o determi-

nismo (accedilotildees humanas previamente determinadas por fatores

exteriores agrave vontade da pessoa) com a responsabilidade e o

segundo nega tal compatibilizaccedilatildeo Vale destacar que dentro da

corrente incompatibilista Dworkin identifica aqueles que ele

considera otimistas ou seja os que acreditam que a responsa-

bilizaccedilatildeo pode ocorrer em determinados casos

Dworkin nega a corrente incompatibilista por concluir

que a responsabilidade judicatoacuteria existe entre as pessoas e por

isso deve ser justificada da melhor maneira e sua tarefa passa

a ser a de testar os dois princiacutepios que derivam das correntes

compatibilista e incompatibilista otimista para concluir qual

deve fornecer a base eacutetica para o sistema de responsabilidade

judicatoacuteria

Para Dworkin ainda que o processo decisoacuterio seja in-

fluenciado por fatores externos natildeo controlaacuteveis pela vontade

humana a importacircncia da decisatildeo persiste Com base nesse

pressuposto e visando aproximar-se do modelo de responsabi-

lizaccedilatildeo apropriado Dworkin pretende firmar a responsabilida-

de que cada pessoa tem de decidir bem e fazer de sua vida algo

de valor

O objetivo deste artigo eacute problematizar o assunto tra-

zendo a controveacutersia para o contexto das ciecircncias criminais no

Brasil na medida em que tangencia um dos seus principais

temas de discussatildeo a culpabilidade

2 LIVRE ARBIacuteTRIO E RESPONSABILIDADE JUDICA-

TOacuteRIA

A princiacutepio Dworkin expotildee os toacutepicos onde se concen-

tram as controveacutersias a respeito do livre-arbiacutetrio causas e con-

414 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

sequecircncias do pensamento e da accedilatildeo liberdade e a responsa-

bilidade judicatoacuteria3

No primeiro toacutepico (causas e consequecircncias do pensa-

mento e da accedilatildeo) situam-se as discussotildees relativas a saber se o

homem tem controle sobre seus atos ou se estes decorrem de

eventos aleatoacuterios fiacutesicos ou bioloacutegicos sobre os quais a von-

tade humana eacute irrelevante Dworkin exemplifica a divergecircncia

entre os filoacutesofos citando os filiados ao determinismo e os

defensores do epifenomenalismo para os quais as pessoas nun-

ca poderiam ser responsabilizadas por qualquer comportamen-

to pois natildeo tecircm controle sobre os fatores que determinam suas

decisotildees Para os deterministas por exemplo a decisatildeo seria

totalmente determinada por eventos e processos que estatildeo fora

do controle de quem decide Os epifenomenoacutelogos por sua

vez entendem que o comportamento decidido seria decorrente

de fato de fenocircmenos fiacutesicos ou bioloacutegicos totalmente alheios

agrave vontade da pessoa que satildeo a causa de qualquer decisatildeo Em

ambos a vontade seria mero efeito secundaacuterio porquanto nun-

ca seria a causa real do comportamento humano

No segundo toacutepico (liberdade) as discussotildees se desen-

volvem em buscar saber se e em quais situaccedilotildees o homem eacute

livre para agir A questatildeo da liberdade humana tem implicaccedilatildeo

direta na decisatildeo de quando eacute que seria apropriado julgar os

comportamentos das pessoas isto eacute quando ele poderia ser

considerado responsaacutevel por seus atos

No terceiro toacutepico haacute a questatildeo da responsabilidade

judicatoacuteria que se refere justamente a aptidatildeo da pessoa para

ter seus atos avaliados segundo padrotildees criacuteticos de desempe-

nho de censura ou elogio Uma pessoa teria responsabilidade

judicatoacuteria quando por preencher determinados requisitos for

apropriado julgar seus atos

Dworkin investiga qual o modelo de responsabilizaccedilatildeo

3 DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora Almedina 2012 p

229

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adequado e quais seriam os requisitos necessaacuterios para se atri-

buir responsabilidade judicatoacuteria a uma pessoa Para isto divi-

de toda a discussatildeo a respeito do livre-arbiacutetrio em dois campos

distintos aqueles que acreditam que a responsabilidade judica-

toacuteria total eacute compatiacutevel com o determinismo (compatibilistas) e

aqueles que pensam o contraacuterio ou seja que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute incompatiacutevel com o determinismo (incompati-

bilistas) pelo fato de sempre ser inapropriado atribuir respon-

sabilidade a algueacutem que nunca teve controle sobre os eventos

que determinaram seu comportamento e por isso nunca foi

livre para agir Alguns incompatibilistas que Dworkin deno-

mina otimistas acreditam que a responsabilidade judicatoacuteria

seria em certos casos verdadeira pois muito embora acredi-

tem que o determinismo exclui a responsabilidade o compor-

tamento do agente nem sempre seria determinado por eventos

fora do seu controle4

Os compatibilistas vale enfatizar acreditam que ainda

que uma pessoa natildeo tenha controle sobre os acontecimentos

anteriores que tenham influecircncia decisiva em todas as suas

decisotildees ela sempre tem a liberdade de decidir da melhor ma-

neira no sentido de viver bem Por isso os compatibilistas

acreditam que sempre eacute possiacutevel atribuir responsabilidade judi-

catoacuteria a algueacutem mesmo que o determinismo seja verdadeiro

Antes de entrar efetivamente na discussatildeo acerca do

modelo de responsabilizaccedilatildeo adequado Dworkin afirma que o

posicionamento incompatibilista (pessimista) eacute errado pois

esta corrente natildeo crecirc na responsabilidade judicatoacuteria das pesso-

as Dworkin rejeita sumariamente quaisquer teorias que des-

considerem a vontade humana ou o controle das pessoas sobre

a melhor decisatildeo a ser tomada5 Ele afirma que ldquose ningueacutem

tem responsabilidade judicatoacuteria os juiacutezes que tratam os reacuteus

criminosos como responsaacuteveis pelas suas accedilotildees natildeo satildeo res-

4 Ibid p 231 5 Id

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ponsaacuteveis pelas suas proacuteprias accedilotildees e por isso eacute errado acusaacute-

los de agirem erradamenterdquo6 O raciociacutenio seria algo como se

ningueacutem tiver responsabilidade judicatoacuteria seraacute errado julgar

qualquer comportamento como sendo errado

Percebe-se aqui uma reaccedilatildeo criacutetica de Dworkin agraves

chamadas teorias socioloacutegicas do crime Para estas teorias o

crime seria uma reaccedilatildeo do individuo a uma situaccedilatildeo social

estando a causa do crime natildeo no contexto individual mas no

contexto coletivo O comportamento criminoso portanto seria

diretamente influenciado por fatores externos ao proacuteprio agen-

te Dworkin reage a estas teorias e sustenta que o indiviacuteduo tem

sempre a responsabilidade de decidir bem ainda que seu com-

portamento seja eventualmente influenciado por fatores exter-

nos Dworkin defende que a responsabilidade pelo crime estaacute

sempre no acircmbito do indiviacuteduo muito embora este seja partici-

pante de uma sociedade e por ela seja influenciado

Dworkin defende que as pessoas tecircm liberdade para de-

cidir o que eacute melhor em cada caso e por isso estatildeo aptas agrave

responsabilidade judicatoacuteria Caso contraacuterio natildeo seria possiacutevel

louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de

Calcutaacute ou reprovar comportamentos perversos como os de

Stalin ou Hitler Se os incompatibilistas pessimistas estivessem

corretos ningueacutem poderia ser considerado responsaacutevel por

comportamentos bons ou maus7

De acordo com T M Scanlon autor comentarista de

Justiccedila para Ouriccedilos o que os incompatibilistas procuram

mostrar eacute que natildeo haacute como atribuir responsabilidade a uma

pessoa se as accedilotildees desta satildeo causadas por fatores externos so-

bre os quais natildeo tem nenhum controle Os compatibilistas por

sua vez argumentam que natildeo eacute este o caso8 A tese compatibil-

ista em Justiccedila para Ouriccedilos defende seguinte 6 Ibid p 233 7 Id 8 SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibility Boston Univer-

sity Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 605

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Put in this way the thesis of Justice for Hedgehogs is this

what a person has reason to want is an authentic life - one that

accords with and reflects the decisions he or she makes about

how to live and in which these decisions themselves reflect

his or her desires plans and convictions and are based on

true beliefs about the world The crucial thing about this con-

ception is that - apart from the part about true belief - re-

quirements of an authentic life have to do only with the rela-

tions among an agents mental states - his or her plans de-

sires convictions decisions beliefs intentions and so on -

and the actions that flow from them Dworkin is not con-

cerned about the causal antecedents to ones attitudes beliefs

etc His thesis is that as long as an agents life has the required

shape the mental events that are parts of it belong to him or

her in the full sense required for them to be meaningful and

significant9

Segundo T M Scanlon o que uma pessoa tem razatildeo

para querer eacute uma vida autecircntica que reflita as decisotildees que a

pessoa faz sobre como viver e as decisotildees por sua vez refli-

tam desejos planos convicccedilotildees e sejam baseadas em crenccedilas

verdadeiras sobre o mundo Dworkin natildeo estaacute preocupado com

os antecedentes causais O mais importante eacute que as exigecircncias

de uma vida autecircntica tenham a ver apenas com as relaccedilotildees

entre os estados mentais de um agente - seus planos desejos

convicccedilotildees decisotildees crenccedilas intenccedilotildees - e as accedilotildees que fluam

a partir deles A tese compatibilista em Justiccedila para Ouriccedilos

defende que enquanto a vida de uma pessoa tem a forma dese-

jada os eventos mentais satildeo partes que pertencem exclusiva-

mente agrave pessoa10

Para T M Scanlon a tese compatibilista ao natildeo se

preocupar com os antecedentes causais acredita que o deter-

minismo natildeo representa qualquer obstaacuteculo agrave responsabilidade

judicatoacuteria E complementa o seu raciociacutenio oferecendo as ra-

zotildees pelas quais entende que o significado das accedilotildees das pesso-

as para elas mesmas natildeo requer que elas natildeo sejam causadas

9 Ibid p 607 10 Id

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por fatores externos agraves pessoas In particular the significance of our decisions to us does not

require that they not be caused by factors outside us But why

not Two reasons seem to be offered so closely related that

they are really just positive and negative sides of the same

point Put positively the point is that what gives decisions

their significance for us - what makes them ours - is that they

are reflective of our felt desires plans convictions and so on

- that is of our actual psychological states Put negatively it

is that decisions that were independent of our actual present

psychology would be based on nothing that would give them

meaning for us or make them ours in any meaningful sense

A selfrdquo detached from our actual empirical psychology

would be empty11

Duas satildeo as razotildees a) a importacircncia das decisotildees para

as pessoas estaacute no fato de que elas satildeo um reflexo dos seus

desejos planos sentimentos convicccedilotildees do estado psicoloacutegico

contemporacircneo agrave decisatildeo b) decisotildees separadas do estado psi-

coloacutegico atual da pessoa natildeo fariam qualquer sentido12

Ou

seja Dworkin defende que nem o determinismo nem o epife-

nomenalismo satildeo obstaacuteculos agrave responsabilidade judicatoacuteria na

medida em que a importacircncia das accedilotildees para as pessoas estaacute no

fato destas accedilotildees refletirem a personalidade da pessoa seus

desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees e seu momento psicoloacutegico atu-

al Trata-se segundo Anita L Allen comentadora de Justiccedila

para Ouriccedilos de uma saiacuteda uacutenica oferecida por Dworkin para

sustentar a responsabilidade judicatoacuteria mesmo que se consi-

dere o determinismo ou o epifenomenalismo como verdadeiros Some philosophers (the incompatibilists) have argued that

moral responsibility ascriptions would be false or pointless if

either determinism or epiphenomenalism were true Dworkin

offers an end run around the threat to responsibility seemingly

posed by determinism and its teammate epiphenomenalism

with his own unique compatibilism13

11 Id 12 Id 13 ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judgmental Responsibil-

ityrdquo Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 627

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 419

Amartya Sen tambeacutem comentou o capiacutetulo 10 de Justi-

ccedila para Ouriccedilos e teceu as seguintes consideraccedilotildees a respeito

da conclusatildeo a que Dworkin chegou quando afirma que o de-

terminismo ou o epifenomenalismo natildeo teriam a capacidade de

fazer nossas decisotildees menos importantes ou negar nossa res-

ponsabilidade em decidir bem Dworkin says that what he calls the hydraulic principle de-

nies responsibility if either determinism or epiphenomenal-

ism is true Of the two it is the claim of a conflict between

determinism and responsibility that is more engaging

Dworkins dismissal of the reach of epiphenomenalism is

swift and seems to me to be largely compelling The tussle

with determinism is more substantial but Dworkins presenta-

tion is enlightening in covering a lot of ground with care The

central issue is similar to David Humes reasoning that outside

influences may explain our judgments and even make them

predictable and yet they do not make our judgments any less

genuine or any less important in assessing our responsibil-

ity14

Sen argumenta que entre o determinismo e o epifeno-

menalismo o determinismo oferece um conflito mais consis-

tente com a responsabilidade Em funccedilatildeo disso Dworkin afasta

rapidamente o epifenomenalismo e em todo o restante do li-

vro trata da relaccedilatildeo entre determinismo e responsabilidade

judicatoacuteria Sen ainda faz uma importante observaccedilatildeo ldquoa ideacuteia

central do livro de Dworkin eacute semelhante ao raciociacutenio de Da-

vid Hume de que as influecircncias externas podem explicar nos-

sos julgamentos e ateacute mesmo tornaacute-los previsiacuteveis e ainda as-

sim eles natildeo fazem os nossos juiacutezos menos verdadeiros ou me-

nos importantesrdquo15

De fato ao defender a compatibilidade entre determi-

nismo e responsabilidade judicatoacuteria Dworkin deixa evidente

que as influecircncias externas ainda que possam determinar o

14 SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and Questions Boston

University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 657 15 Id

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comportamento humano natildeo tornam o compromisso eacutetico de

decidir bem menos importante

Rejeitado o incompatibilismo pessimista persiste o con-

flito entre os incompatibilistas otimistas que admitem a res-

ponsabilidade judicatoacuteria em certas ocasiotildees e os compatibilis-

tas A tarefa de Dworkin a partir deste ponto passa a ser a de

definir qual das duas correntes deve prevalecer como base eacutetica

da responsabilidade judicatoacuteria

Dworkin entatildeo oferece dois princiacutepios opostos a)

princiacutepio causal do controle para o qual a pessoa soacute deve ser

responsabilizada quando tiver o controle causal ou seja quan-

do a cadeia causal recuar ateacute um impulso da proacutepria pessoa

natildeo quando recua ateacute estados ou acontecimentos passados que

explicam a accedilatildeo e o b) princiacutepio da capacidade do controle

segundo o qual uma pessoa soacute deve ser responsabilizada quan-

do tem capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mun-

do e de fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalida-

de normativa ndash desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees16

Robert Kane em artigo intitulado Responsibility and

Free Will in Dworkinrsquos Justice for Hedgehogs explica da se-

guinte maneira Dworkin offers two opposing models to explain the freedom

required for judgmental responsibility the hydraulic model

- according to which an act is yours and you are responsible

for it if it has its origin in an uncaused act of will - and the

creative model - according to which an act is yours and you

are responsible for it if you have the capacities (i) to form per-

tinent beliefs about the world and (ii) to match your decisions

to your normative personality17

Para Robert Kane Dworkin oferece dois modelos opos-

tos os quais explicam o grau de liberdade requerida para a res-

ponsabilidade judicatoacuteria do agente sem a qual natildeo seria pos-

16 DWORKIN Ronald Op Cit p 236 17 KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Justice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 p 611

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 421

siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 2: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

412 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

if it really should be held accountable) The purpose of this

article is to discuss the matter bringing the controversy to the

context of criminal science in Brazil in that it touches one of

its main discussion themes guilt

Keywords free will - responsibility - guilt - judgmental re-

sponsibility - justice for hedgehogs

Sumaacuterio 1 Introduccedilatildeo ndash 2 Livre Arbiacutetrio e Responsabilidade

Judicatoacuteria ndash 3 Conclusotildees ndash 4 Referecircncias

1 INTRODUCcedilAtildeO

m Justiccedila para Ouriccedilos Ronald Dworkin oferece

uma relevante contribuiccedilatildeo ao profiacutecuo debate

acerca da justiccedila distributiva da boa vida e da

natureza interpretativa dos conceitos morais eacuteti-

cos poliacuteticos e juriacutedicos Tratando da antiga tese

filosoacutefica da teoria da unidade de valor Dworkin defende a

unidade entre os valores eacuteticos que dizem respeito ao que de-

vemos fazer para viver bem e os morais que dizem respeito ao

que devemos fazer aos outros subsidiando a verdade sobre o

que eacute viver bem2

Neste trabalho seraacute analisado o capiacutetulo 10 do livro

Justiccedila para Ouriccedilos intitulado Livre-Arbiacutetrio e Responsabili-

dade onde eacute discutida especificamente a controversa relaccedilatildeo

entre o livre-arbiacutetrio e a responsabilidade Seraacute correto julgar

um ato de algueacutem que estava alucinado que teve uma infacircncia

infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Com questotildees dessa natureza

Dworkin investiga a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

2 KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a Unidade de Valor

Disponiacutevel em httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106resumo-de-

justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun 2014

E

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 413

sabilizadas)

O trabalho de Dworkin comeccedila com a divisatildeo da con-

troveacutersia do livre-arbiacutetrio em dois campos distintos compatibi-

lista e incompatibilista O primeiro compatibiliza o determi-

nismo (accedilotildees humanas previamente determinadas por fatores

exteriores agrave vontade da pessoa) com a responsabilidade e o

segundo nega tal compatibilizaccedilatildeo Vale destacar que dentro da

corrente incompatibilista Dworkin identifica aqueles que ele

considera otimistas ou seja os que acreditam que a responsa-

bilizaccedilatildeo pode ocorrer em determinados casos

Dworkin nega a corrente incompatibilista por concluir

que a responsabilidade judicatoacuteria existe entre as pessoas e por

isso deve ser justificada da melhor maneira e sua tarefa passa

a ser a de testar os dois princiacutepios que derivam das correntes

compatibilista e incompatibilista otimista para concluir qual

deve fornecer a base eacutetica para o sistema de responsabilidade

judicatoacuteria

Para Dworkin ainda que o processo decisoacuterio seja in-

fluenciado por fatores externos natildeo controlaacuteveis pela vontade

humana a importacircncia da decisatildeo persiste Com base nesse

pressuposto e visando aproximar-se do modelo de responsabi-

lizaccedilatildeo apropriado Dworkin pretende firmar a responsabilida-

de que cada pessoa tem de decidir bem e fazer de sua vida algo

de valor

O objetivo deste artigo eacute problematizar o assunto tra-

zendo a controveacutersia para o contexto das ciecircncias criminais no

Brasil na medida em que tangencia um dos seus principais

temas de discussatildeo a culpabilidade

2 LIVRE ARBIacuteTRIO E RESPONSABILIDADE JUDICA-

TOacuteRIA

A princiacutepio Dworkin expotildee os toacutepicos onde se concen-

tram as controveacutersias a respeito do livre-arbiacutetrio causas e con-

414 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

sequecircncias do pensamento e da accedilatildeo liberdade e a responsa-

bilidade judicatoacuteria3

No primeiro toacutepico (causas e consequecircncias do pensa-

mento e da accedilatildeo) situam-se as discussotildees relativas a saber se o

homem tem controle sobre seus atos ou se estes decorrem de

eventos aleatoacuterios fiacutesicos ou bioloacutegicos sobre os quais a von-

tade humana eacute irrelevante Dworkin exemplifica a divergecircncia

entre os filoacutesofos citando os filiados ao determinismo e os

defensores do epifenomenalismo para os quais as pessoas nun-

ca poderiam ser responsabilizadas por qualquer comportamen-

to pois natildeo tecircm controle sobre os fatores que determinam suas

decisotildees Para os deterministas por exemplo a decisatildeo seria

totalmente determinada por eventos e processos que estatildeo fora

do controle de quem decide Os epifenomenoacutelogos por sua

vez entendem que o comportamento decidido seria decorrente

de fato de fenocircmenos fiacutesicos ou bioloacutegicos totalmente alheios

agrave vontade da pessoa que satildeo a causa de qualquer decisatildeo Em

ambos a vontade seria mero efeito secundaacuterio porquanto nun-

ca seria a causa real do comportamento humano

No segundo toacutepico (liberdade) as discussotildees se desen-

volvem em buscar saber se e em quais situaccedilotildees o homem eacute

livre para agir A questatildeo da liberdade humana tem implicaccedilatildeo

direta na decisatildeo de quando eacute que seria apropriado julgar os

comportamentos das pessoas isto eacute quando ele poderia ser

considerado responsaacutevel por seus atos

No terceiro toacutepico haacute a questatildeo da responsabilidade

judicatoacuteria que se refere justamente a aptidatildeo da pessoa para

ter seus atos avaliados segundo padrotildees criacuteticos de desempe-

nho de censura ou elogio Uma pessoa teria responsabilidade

judicatoacuteria quando por preencher determinados requisitos for

apropriado julgar seus atos

Dworkin investiga qual o modelo de responsabilizaccedilatildeo

3 DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora Almedina 2012 p

229

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 415

adequado e quais seriam os requisitos necessaacuterios para se atri-

buir responsabilidade judicatoacuteria a uma pessoa Para isto divi-

de toda a discussatildeo a respeito do livre-arbiacutetrio em dois campos

distintos aqueles que acreditam que a responsabilidade judica-

toacuteria total eacute compatiacutevel com o determinismo (compatibilistas) e

aqueles que pensam o contraacuterio ou seja que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute incompatiacutevel com o determinismo (incompati-

bilistas) pelo fato de sempre ser inapropriado atribuir respon-

sabilidade a algueacutem que nunca teve controle sobre os eventos

que determinaram seu comportamento e por isso nunca foi

livre para agir Alguns incompatibilistas que Dworkin deno-

mina otimistas acreditam que a responsabilidade judicatoacuteria

seria em certos casos verdadeira pois muito embora acredi-

tem que o determinismo exclui a responsabilidade o compor-

tamento do agente nem sempre seria determinado por eventos

fora do seu controle4

Os compatibilistas vale enfatizar acreditam que ainda

que uma pessoa natildeo tenha controle sobre os acontecimentos

anteriores que tenham influecircncia decisiva em todas as suas

decisotildees ela sempre tem a liberdade de decidir da melhor ma-

neira no sentido de viver bem Por isso os compatibilistas

acreditam que sempre eacute possiacutevel atribuir responsabilidade judi-

catoacuteria a algueacutem mesmo que o determinismo seja verdadeiro

Antes de entrar efetivamente na discussatildeo acerca do

modelo de responsabilizaccedilatildeo adequado Dworkin afirma que o

posicionamento incompatibilista (pessimista) eacute errado pois

esta corrente natildeo crecirc na responsabilidade judicatoacuteria das pesso-

as Dworkin rejeita sumariamente quaisquer teorias que des-

considerem a vontade humana ou o controle das pessoas sobre

a melhor decisatildeo a ser tomada5 Ele afirma que ldquose ningueacutem

tem responsabilidade judicatoacuteria os juiacutezes que tratam os reacuteus

criminosos como responsaacuteveis pelas suas accedilotildees natildeo satildeo res-

4 Ibid p 231 5 Id

416 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

ponsaacuteveis pelas suas proacuteprias accedilotildees e por isso eacute errado acusaacute-

los de agirem erradamenterdquo6 O raciociacutenio seria algo como se

ningueacutem tiver responsabilidade judicatoacuteria seraacute errado julgar

qualquer comportamento como sendo errado

Percebe-se aqui uma reaccedilatildeo criacutetica de Dworkin agraves

chamadas teorias socioloacutegicas do crime Para estas teorias o

crime seria uma reaccedilatildeo do individuo a uma situaccedilatildeo social

estando a causa do crime natildeo no contexto individual mas no

contexto coletivo O comportamento criminoso portanto seria

diretamente influenciado por fatores externos ao proacuteprio agen-

te Dworkin reage a estas teorias e sustenta que o indiviacuteduo tem

sempre a responsabilidade de decidir bem ainda que seu com-

portamento seja eventualmente influenciado por fatores exter-

nos Dworkin defende que a responsabilidade pelo crime estaacute

sempre no acircmbito do indiviacuteduo muito embora este seja partici-

pante de uma sociedade e por ela seja influenciado

Dworkin defende que as pessoas tecircm liberdade para de-

cidir o que eacute melhor em cada caso e por isso estatildeo aptas agrave

responsabilidade judicatoacuteria Caso contraacuterio natildeo seria possiacutevel

louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de

Calcutaacute ou reprovar comportamentos perversos como os de

Stalin ou Hitler Se os incompatibilistas pessimistas estivessem

corretos ningueacutem poderia ser considerado responsaacutevel por

comportamentos bons ou maus7

De acordo com T M Scanlon autor comentarista de

Justiccedila para Ouriccedilos o que os incompatibilistas procuram

mostrar eacute que natildeo haacute como atribuir responsabilidade a uma

pessoa se as accedilotildees desta satildeo causadas por fatores externos so-

bre os quais natildeo tem nenhum controle Os compatibilistas por

sua vez argumentam que natildeo eacute este o caso8 A tese compatibil-

ista em Justiccedila para Ouriccedilos defende seguinte 6 Ibid p 233 7 Id 8 SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibility Boston Univer-

sity Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 605

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 417

Put in this way the thesis of Justice for Hedgehogs is this

what a person has reason to want is an authentic life - one that

accords with and reflects the decisions he or she makes about

how to live and in which these decisions themselves reflect

his or her desires plans and convictions and are based on

true beliefs about the world The crucial thing about this con-

ception is that - apart from the part about true belief - re-

quirements of an authentic life have to do only with the rela-

tions among an agents mental states - his or her plans de-

sires convictions decisions beliefs intentions and so on -

and the actions that flow from them Dworkin is not con-

cerned about the causal antecedents to ones attitudes beliefs

etc His thesis is that as long as an agents life has the required

shape the mental events that are parts of it belong to him or

her in the full sense required for them to be meaningful and

significant9

Segundo T M Scanlon o que uma pessoa tem razatildeo

para querer eacute uma vida autecircntica que reflita as decisotildees que a

pessoa faz sobre como viver e as decisotildees por sua vez refli-

tam desejos planos convicccedilotildees e sejam baseadas em crenccedilas

verdadeiras sobre o mundo Dworkin natildeo estaacute preocupado com

os antecedentes causais O mais importante eacute que as exigecircncias

de uma vida autecircntica tenham a ver apenas com as relaccedilotildees

entre os estados mentais de um agente - seus planos desejos

convicccedilotildees decisotildees crenccedilas intenccedilotildees - e as accedilotildees que fluam

a partir deles A tese compatibilista em Justiccedila para Ouriccedilos

defende que enquanto a vida de uma pessoa tem a forma dese-

jada os eventos mentais satildeo partes que pertencem exclusiva-

mente agrave pessoa10

Para T M Scanlon a tese compatibilista ao natildeo se

preocupar com os antecedentes causais acredita que o deter-

minismo natildeo representa qualquer obstaacuteculo agrave responsabilidade

judicatoacuteria E complementa o seu raciociacutenio oferecendo as ra-

zotildees pelas quais entende que o significado das accedilotildees das pesso-

as para elas mesmas natildeo requer que elas natildeo sejam causadas

9 Ibid p 607 10 Id

418 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

por fatores externos agraves pessoas In particular the significance of our decisions to us does not

require that they not be caused by factors outside us But why

not Two reasons seem to be offered so closely related that

they are really just positive and negative sides of the same

point Put positively the point is that what gives decisions

their significance for us - what makes them ours - is that they

are reflective of our felt desires plans convictions and so on

- that is of our actual psychological states Put negatively it

is that decisions that were independent of our actual present

psychology would be based on nothing that would give them

meaning for us or make them ours in any meaningful sense

A selfrdquo detached from our actual empirical psychology

would be empty11

Duas satildeo as razotildees a) a importacircncia das decisotildees para

as pessoas estaacute no fato de que elas satildeo um reflexo dos seus

desejos planos sentimentos convicccedilotildees do estado psicoloacutegico

contemporacircneo agrave decisatildeo b) decisotildees separadas do estado psi-

coloacutegico atual da pessoa natildeo fariam qualquer sentido12

Ou

seja Dworkin defende que nem o determinismo nem o epife-

nomenalismo satildeo obstaacuteculos agrave responsabilidade judicatoacuteria na

medida em que a importacircncia das accedilotildees para as pessoas estaacute no

fato destas accedilotildees refletirem a personalidade da pessoa seus

desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees e seu momento psicoloacutegico atu-

al Trata-se segundo Anita L Allen comentadora de Justiccedila

para Ouriccedilos de uma saiacuteda uacutenica oferecida por Dworkin para

sustentar a responsabilidade judicatoacuteria mesmo que se consi-

dere o determinismo ou o epifenomenalismo como verdadeiros Some philosophers (the incompatibilists) have argued that

moral responsibility ascriptions would be false or pointless if

either determinism or epiphenomenalism were true Dworkin

offers an end run around the threat to responsibility seemingly

posed by determinism and its teammate epiphenomenalism

with his own unique compatibilism13

11 Id 12 Id 13 ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judgmental Responsibil-

ityrdquo Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 627

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 419

Amartya Sen tambeacutem comentou o capiacutetulo 10 de Justi-

ccedila para Ouriccedilos e teceu as seguintes consideraccedilotildees a respeito

da conclusatildeo a que Dworkin chegou quando afirma que o de-

terminismo ou o epifenomenalismo natildeo teriam a capacidade de

fazer nossas decisotildees menos importantes ou negar nossa res-

ponsabilidade em decidir bem Dworkin says that what he calls the hydraulic principle de-

nies responsibility if either determinism or epiphenomenal-

ism is true Of the two it is the claim of a conflict between

determinism and responsibility that is more engaging

Dworkins dismissal of the reach of epiphenomenalism is

swift and seems to me to be largely compelling The tussle

with determinism is more substantial but Dworkins presenta-

tion is enlightening in covering a lot of ground with care The

central issue is similar to David Humes reasoning that outside

influences may explain our judgments and even make them

predictable and yet they do not make our judgments any less

genuine or any less important in assessing our responsibil-

ity14

Sen argumenta que entre o determinismo e o epifeno-

menalismo o determinismo oferece um conflito mais consis-

tente com a responsabilidade Em funccedilatildeo disso Dworkin afasta

rapidamente o epifenomenalismo e em todo o restante do li-

vro trata da relaccedilatildeo entre determinismo e responsabilidade

judicatoacuteria Sen ainda faz uma importante observaccedilatildeo ldquoa ideacuteia

central do livro de Dworkin eacute semelhante ao raciociacutenio de Da-

vid Hume de que as influecircncias externas podem explicar nos-

sos julgamentos e ateacute mesmo tornaacute-los previsiacuteveis e ainda as-

sim eles natildeo fazem os nossos juiacutezos menos verdadeiros ou me-

nos importantesrdquo15

De fato ao defender a compatibilidade entre determi-

nismo e responsabilidade judicatoacuteria Dworkin deixa evidente

que as influecircncias externas ainda que possam determinar o

14 SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and Questions Boston

University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 657 15 Id

420 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

comportamento humano natildeo tornam o compromisso eacutetico de

decidir bem menos importante

Rejeitado o incompatibilismo pessimista persiste o con-

flito entre os incompatibilistas otimistas que admitem a res-

ponsabilidade judicatoacuteria em certas ocasiotildees e os compatibilis-

tas A tarefa de Dworkin a partir deste ponto passa a ser a de

definir qual das duas correntes deve prevalecer como base eacutetica

da responsabilidade judicatoacuteria

Dworkin entatildeo oferece dois princiacutepios opostos a)

princiacutepio causal do controle para o qual a pessoa soacute deve ser

responsabilizada quando tiver o controle causal ou seja quan-

do a cadeia causal recuar ateacute um impulso da proacutepria pessoa

natildeo quando recua ateacute estados ou acontecimentos passados que

explicam a accedilatildeo e o b) princiacutepio da capacidade do controle

segundo o qual uma pessoa soacute deve ser responsabilizada quan-

do tem capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mun-

do e de fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalida-

de normativa ndash desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees16

Robert Kane em artigo intitulado Responsibility and

Free Will in Dworkinrsquos Justice for Hedgehogs explica da se-

guinte maneira Dworkin offers two opposing models to explain the freedom

required for judgmental responsibility the hydraulic model

- according to which an act is yours and you are responsible

for it if it has its origin in an uncaused act of will - and the

creative model - according to which an act is yours and you

are responsible for it if you have the capacities (i) to form per-

tinent beliefs about the world and (ii) to match your decisions

to your normative personality17

Para Robert Kane Dworkin oferece dois modelos opos-

tos os quais explicam o grau de liberdade requerida para a res-

ponsabilidade judicatoacuteria do agente sem a qual natildeo seria pos-

16 DWORKIN Ronald Op Cit p 236 17 KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Justice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 p 611

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 421

siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

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KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

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2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 3: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 413

sabilizadas)

O trabalho de Dworkin comeccedila com a divisatildeo da con-

troveacutersia do livre-arbiacutetrio em dois campos distintos compatibi-

lista e incompatibilista O primeiro compatibiliza o determi-

nismo (accedilotildees humanas previamente determinadas por fatores

exteriores agrave vontade da pessoa) com a responsabilidade e o

segundo nega tal compatibilizaccedilatildeo Vale destacar que dentro da

corrente incompatibilista Dworkin identifica aqueles que ele

considera otimistas ou seja os que acreditam que a responsa-

bilizaccedilatildeo pode ocorrer em determinados casos

Dworkin nega a corrente incompatibilista por concluir

que a responsabilidade judicatoacuteria existe entre as pessoas e por

isso deve ser justificada da melhor maneira e sua tarefa passa

a ser a de testar os dois princiacutepios que derivam das correntes

compatibilista e incompatibilista otimista para concluir qual

deve fornecer a base eacutetica para o sistema de responsabilidade

judicatoacuteria

Para Dworkin ainda que o processo decisoacuterio seja in-

fluenciado por fatores externos natildeo controlaacuteveis pela vontade

humana a importacircncia da decisatildeo persiste Com base nesse

pressuposto e visando aproximar-se do modelo de responsabi-

lizaccedilatildeo apropriado Dworkin pretende firmar a responsabilida-

de que cada pessoa tem de decidir bem e fazer de sua vida algo

de valor

O objetivo deste artigo eacute problematizar o assunto tra-

zendo a controveacutersia para o contexto das ciecircncias criminais no

Brasil na medida em que tangencia um dos seus principais

temas de discussatildeo a culpabilidade

2 LIVRE ARBIacuteTRIO E RESPONSABILIDADE JUDICA-

TOacuteRIA

A princiacutepio Dworkin expotildee os toacutepicos onde se concen-

tram as controveacutersias a respeito do livre-arbiacutetrio causas e con-

414 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

sequecircncias do pensamento e da accedilatildeo liberdade e a responsa-

bilidade judicatoacuteria3

No primeiro toacutepico (causas e consequecircncias do pensa-

mento e da accedilatildeo) situam-se as discussotildees relativas a saber se o

homem tem controle sobre seus atos ou se estes decorrem de

eventos aleatoacuterios fiacutesicos ou bioloacutegicos sobre os quais a von-

tade humana eacute irrelevante Dworkin exemplifica a divergecircncia

entre os filoacutesofos citando os filiados ao determinismo e os

defensores do epifenomenalismo para os quais as pessoas nun-

ca poderiam ser responsabilizadas por qualquer comportamen-

to pois natildeo tecircm controle sobre os fatores que determinam suas

decisotildees Para os deterministas por exemplo a decisatildeo seria

totalmente determinada por eventos e processos que estatildeo fora

do controle de quem decide Os epifenomenoacutelogos por sua

vez entendem que o comportamento decidido seria decorrente

de fato de fenocircmenos fiacutesicos ou bioloacutegicos totalmente alheios

agrave vontade da pessoa que satildeo a causa de qualquer decisatildeo Em

ambos a vontade seria mero efeito secundaacuterio porquanto nun-

ca seria a causa real do comportamento humano

No segundo toacutepico (liberdade) as discussotildees se desen-

volvem em buscar saber se e em quais situaccedilotildees o homem eacute

livre para agir A questatildeo da liberdade humana tem implicaccedilatildeo

direta na decisatildeo de quando eacute que seria apropriado julgar os

comportamentos das pessoas isto eacute quando ele poderia ser

considerado responsaacutevel por seus atos

No terceiro toacutepico haacute a questatildeo da responsabilidade

judicatoacuteria que se refere justamente a aptidatildeo da pessoa para

ter seus atos avaliados segundo padrotildees criacuteticos de desempe-

nho de censura ou elogio Uma pessoa teria responsabilidade

judicatoacuteria quando por preencher determinados requisitos for

apropriado julgar seus atos

Dworkin investiga qual o modelo de responsabilizaccedilatildeo

3 DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora Almedina 2012 p

229

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 415

adequado e quais seriam os requisitos necessaacuterios para se atri-

buir responsabilidade judicatoacuteria a uma pessoa Para isto divi-

de toda a discussatildeo a respeito do livre-arbiacutetrio em dois campos

distintos aqueles que acreditam que a responsabilidade judica-

toacuteria total eacute compatiacutevel com o determinismo (compatibilistas) e

aqueles que pensam o contraacuterio ou seja que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute incompatiacutevel com o determinismo (incompati-

bilistas) pelo fato de sempre ser inapropriado atribuir respon-

sabilidade a algueacutem que nunca teve controle sobre os eventos

que determinaram seu comportamento e por isso nunca foi

livre para agir Alguns incompatibilistas que Dworkin deno-

mina otimistas acreditam que a responsabilidade judicatoacuteria

seria em certos casos verdadeira pois muito embora acredi-

tem que o determinismo exclui a responsabilidade o compor-

tamento do agente nem sempre seria determinado por eventos

fora do seu controle4

Os compatibilistas vale enfatizar acreditam que ainda

que uma pessoa natildeo tenha controle sobre os acontecimentos

anteriores que tenham influecircncia decisiva em todas as suas

decisotildees ela sempre tem a liberdade de decidir da melhor ma-

neira no sentido de viver bem Por isso os compatibilistas

acreditam que sempre eacute possiacutevel atribuir responsabilidade judi-

catoacuteria a algueacutem mesmo que o determinismo seja verdadeiro

Antes de entrar efetivamente na discussatildeo acerca do

modelo de responsabilizaccedilatildeo adequado Dworkin afirma que o

posicionamento incompatibilista (pessimista) eacute errado pois

esta corrente natildeo crecirc na responsabilidade judicatoacuteria das pesso-

as Dworkin rejeita sumariamente quaisquer teorias que des-

considerem a vontade humana ou o controle das pessoas sobre

a melhor decisatildeo a ser tomada5 Ele afirma que ldquose ningueacutem

tem responsabilidade judicatoacuteria os juiacutezes que tratam os reacuteus

criminosos como responsaacuteveis pelas suas accedilotildees natildeo satildeo res-

4 Ibid p 231 5 Id

416 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

ponsaacuteveis pelas suas proacuteprias accedilotildees e por isso eacute errado acusaacute-

los de agirem erradamenterdquo6 O raciociacutenio seria algo como se

ningueacutem tiver responsabilidade judicatoacuteria seraacute errado julgar

qualquer comportamento como sendo errado

Percebe-se aqui uma reaccedilatildeo criacutetica de Dworkin agraves

chamadas teorias socioloacutegicas do crime Para estas teorias o

crime seria uma reaccedilatildeo do individuo a uma situaccedilatildeo social

estando a causa do crime natildeo no contexto individual mas no

contexto coletivo O comportamento criminoso portanto seria

diretamente influenciado por fatores externos ao proacuteprio agen-

te Dworkin reage a estas teorias e sustenta que o indiviacuteduo tem

sempre a responsabilidade de decidir bem ainda que seu com-

portamento seja eventualmente influenciado por fatores exter-

nos Dworkin defende que a responsabilidade pelo crime estaacute

sempre no acircmbito do indiviacuteduo muito embora este seja partici-

pante de uma sociedade e por ela seja influenciado

Dworkin defende que as pessoas tecircm liberdade para de-

cidir o que eacute melhor em cada caso e por isso estatildeo aptas agrave

responsabilidade judicatoacuteria Caso contraacuterio natildeo seria possiacutevel

louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de

Calcutaacute ou reprovar comportamentos perversos como os de

Stalin ou Hitler Se os incompatibilistas pessimistas estivessem

corretos ningueacutem poderia ser considerado responsaacutevel por

comportamentos bons ou maus7

De acordo com T M Scanlon autor comentarista de

Justiccedila para Ouriccedilos o que os incompatibilistas procuram

mostrar eacute que natildeo haacute como atribuir responsabilidade a uma

pessoa se as accedilotildees desta satildeo causadas por fatores externos so-

bre os quais natildeo tem nenhum controle Os compatibilistas por

sua vez argumentam que natildeo eacute este o caso8 A tese compatibil-

ista em Justiccedila para Ouriccedilos defende seguinte 6 Ibid p 233 7 Id 8 SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibility Boston Univer-

sity Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 605

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 417

Put in this way the thesis of Justice for Hedgehogs is this

what a person has reason to want is an authentic life - one that

accords with and reflects the decisions he or she makes about

how to live and in which these decisions themselves reflect

his or her desires plans and convictions and are based on

true beliefs about the world The crucial thing about this con-

ception is that - apart from the part about true belief - re-

quirements of an authentic life have to do only with the rela-

tions among an agents mental states - his or her plans de-

sires convictions decisions beliefs intentions and so on -

and the actions that flow from them Dworkin is not con-

cerned about the causal antecedents to ones attitudes beliefs

etc His thesis is that as long as an agents life has the required

shape the mental events that are parts of it belong to him or

her in the full sense required for them to be meaningful and

significant9

Segundo T M Scanlon o que uma pessoa tem razatildeo

para querer eacute uma vida autecircntica que reflita as decisotildees que a

pessoa faz sobre como viver e as decisotildees por sua vez refli-

tam desejos planos convicccedilotildees e sejam baseadas em crenccedilas

verdadeiras sobre o mundo Dworkin natildeo estaacute preocupado com

os antecedentes causais O mais importante eacute que as exigecircncias

de uma vida autecircntica tenham a ver apenas com as relaccedilotildees

entre os estados mentais de um agente - seus planos desejos

convicccedilotildees decisotildees crenccedilas intenccedilotildees - e as accedilotildees que fluam

a partir deles A tese compatibilista em Justiccedila para Ouriccedilos

defende que enquanto a vida de uma pessoa tem a forma dese-

jada os eventos mentais satildeo partes que pertencem exclusiva-

mente agrave pessoa10

Para T M Scanlon a tese compatibilista ao natildeo se

preocupar com os antecedentes causais acredita que o deter-

minismo natildeo representa qualquer obstaacuteculo agrave responsabilidade

judicatoacuteria E complementa o seu raciociacutenio oferecendo as ra-

zotildees pelas quais entende que o significado das accedilotildees das pesso-

as para elas mesmas natildeo requer que elas natildeo sejam causadas

9 Ibid p 607 10 Id

418 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

por fatores externos agraves pessoas In particular the significance of our decisions to us does not

require that they not be caused by factors outside us But why

not Two reasons seem to be offered so closely related that

they are really just positive and negative sides of the same

point Put positively the point is that what gives decisions

their significance for us - what makes them ours - is that they

are reflective of our felt desires plans convictions and so on

- that is of our actual psychological states Put negatively it

is that decisions that were independent of our actual present

psychology would be based on nothing that would give them

meaning for us or make them ours in any meaningful sense

A selfrdquo detached from our actual empirical psychology

would be empty11

Duas satildeo as razotildees a) a importacircncia das decisotildees para

as pessoas estaacute no fato de que elas satildeo um reflexo dos seus

desejos planos sentimentos convicccedilotildees do estado psicoloacutegico

contemporacircneo agrave decisatildeo b) decisotildees separadas do estado psi-

coloacutegico atual da pessoa natildeo fariam qualquer sentido12

Ou

seja Dworkin defende que nem o determinismo nem o epife-

nomenalismo satildeo obstaacuteculos agrave responsabilidade judicatoacuteria na

medida em que a importacircncia das accedilotildees para as pessoas estaacute no

fato destas accedilotildees refletirem a personalidade da pessoa seus

desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees e seu momento psicoloacutegico atu-

al Trata-se segundo Anita L Allen comentadora de Justiccedila

para Ouriccedilos de uma saiacuteda uacutenica oferecida por Dworkin para

sustentar a responsabilidade judicatoacuteria mesmo que se consi-

dere o determinismo ou o epifenomenalismo como verdadeiros Some philosophers (the incompatibilists) have argued that

moral responsibility ascriptions would be false or pointless if

either determinism or epiphenomenalism were true Dworkin

offers an end run around the threat to responsibility seemingly

posed by determinism and its teammate epiphenomenalism

with his own unique compatibilism13

11 Id 12 Id 13 ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judgmental Responsibil-

ityrdquo Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 627

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 419

Amartya Sen tambeacutem comentou o capiacutetulo 10 de Justi-

ccedila para Ouriccedilos e teceu as seguintes consideraccedilotildees a respeito

da conclusatildeo a que Dworkin chegou quando afirma que o de-

terminismo ou o epifenomenalismo natildeo teriam a capacidade de

fazer nossas decisotildees menos importantes ou negar nossa res-

ponsabilidade em decidir bem Dworkin says that what he calls the hydraulic principle de-

nies responsibility if either determinism or epiphenomenal-

ism is true Of the two it is the claim of a conflict between

determinism and responsibility that is more engaging

Dworkins dismissal of the reach of epiphenomenalism is

swift and seems to me to be largely compelling The tussle

with determinism is more substantial but Dworkins presenta-

tion is enlightening in covering a lot of ground with care The

central issue is similar to David Humes reasoning that outside

influences may explain our judgments and even make them

predictable and yet they do not make our judgments any less

genuine or any less important in assessing our responsibil-

ity14

Sen argumenta que entre o determinismo e o epifeno-

menalismo o determinismo oferece um conflito mais consis-

tente com a responsabilidade Em funccedilatildeo disso Dworkin afasta

rapidamente o epifenomenalismo e em todo o restante do li-

vro trata da relaccedilatildeo entre determinismo e responsabilidade

judicatoacuteria Sen ainda faz uma importante observaccedilatildeo ldquoa ideacuteia

central do livro de Dworkin eacute semelhante ao raciociacutenio de Da-

vid Hume de que as influecircncias externas podem explicar nos-

sos julgamentos e ateacute mesmo tornaacute-los previsiacuteveis e ainda as-

sim eles natildeo fazem os nossos juiacutezos menos verdadeiros ou me-

nos importantesrdquo15

De fato ao defender a compatibilidade entre determi-

nismo e responsabilidade judicatoacuteria Dworkin deixa evidente

que as influecircncias externas ainda que possam determinar o

14 SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and Questions Boston

University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 657 15 Id

420 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

comportamento humano natildeo tornam o compromisso eacutetico de

decidir bem menos importante

Rejeitado o incompatibilismo pessimista persiste o con-

flito entre os incompatibilistas otimistas que admitem a res-

ponsabilidade judicatoacuteria em certas ocasiotildees e os compatibilis-

tas A tarefa de Dworkin a partir deste ponto passa a ser a de

definir qual das duas correntes deve prevalecer como base eacutetica

da responsabilidade judicatoacuteria

Dworkin entatildeo oferece dois princiacutepios opostos a)

princiacutepio causal do controle para o qual a pessoa soacute deve ser

responsabilizada quando tiver o controle causal ou seja quan-

do a cadeia causal recuar ateacute um impulso da proacutepria pessoa

natildeo quando recua ateacute estados ou acontecimentos passados que

explicam a accedilatildeo e o b) princiacutepio da capacidade do controle

segundo o qual uma pessoa soacute deve ser responsabilizada quan-

do tem capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mun-

do e de fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalida-

de normativa ndash desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees16

Robert Kane em artigo intitulado Responsibility and

Free Will in Dworkinrsquos Justice for Hedgehogs explica da se-

guinte maneira Dworkin offers two opposing models to explain the freedom

required for judgmental responsibility the hydraulic model

- according to which an act is yours and you are responsible

for it if it has its origin in an uncaused act of will - and the

creative model - according to which an act is yours and you

are responsible for it if you have the capacities (i) to form per-

tinent beliefs about the world and (ii) to match your decisions

to your normative personality17

Para Robert Kane Dworkin oferece dois modelos opos-

tos os quais explicam o grau de liberdade requerida para a res-

ponsabilidade judicatoacuteria do agente sem a qual natildeo seria pos-

16 DWORKIN Ronald Op Cit p 236 17 KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Justice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 p 611

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 421

siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

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Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 4: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

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sequecircncias do pensamento e da accedilatildeo liberdade e a responsa-

bilidade judicatoacuteria3

No primeiro toacutepico (causas e consequecircncias do pensa-

mento e da accedilatildeo) situam-se as discussotildees relativas a saber se o

homem tem controle sobre seus atos ou se estes decorrem de

eventos aleatoacuterios fiacutesicos ou bioloacutegicos sobre os quais a von-

tade humana eacute irrelevante Dworkin exemplifica a divergecircncia

entre os filoacutesofos citando os filiados ao determinismo e os

defensores do epifenomenalismo para os quais as pessoas nun-

ca poderiam ser responsabilizadas por qualquer comportamen-

to pois natildeo tecircm controle sobre os fatores que determinam suas

decisotildees Para os deterministas por exemplo a decisatildeo seria

totalmente determinada por eventos e processos que estatildeo fora

do controle de quem decide Os epifenomenoacutelogos por sua

vez entendem que o comportamento decidido seria decorrente

de fato de fenocircmenos fiacutesicos ou bioloacutegicos totalmente alheios

agrave vontade da pessoa que satildeo a causa de qualquer decisatildeo Em

ambos a vontade seria mero efeito secundaacuterio porquanto nun-

ca seria a causa real do comportamento humano

No segundo toacutepico (liberdade) as discussotildees se desen-

volvem em buscar saber se e em quais situaccedilotildees o homem eacute

livre para agir A questatildeo da liberdade humana tem implicaccedilatildeo

direta na decisatildeo de quando eacute que seria apropriado julgar os

comportamentos das pessoas isto eacute quando ele poderia ser

considerado responsaacutevel por seus atos

No terceiro toacutepico haacute a questatildeo da responsabilidade

judicatoacuteria que se refere justamente a aptidatildeo da pessoa para

ter seus atos avaliados segundo padrotildees criacuteticos de desempe-

nho de censura ou elogio Uma pessoa teria responsabilidade

judicatoacuteria quando por preencher determinados requisitos for

apropriado julgar seus atos

Dworkin investiga qual o modelo de responsabilizaccedilatildeo

3 DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora Almedina 2012 p

229

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adequado e quais seriam os requisitos necessaacuterios para se atri-

buir responsabilidade judicatoacuteria a uma pessoa Para isto divi-

de toda a discussatildeo a respeito do livre-arbiacutetrio em dois campos

distintos aqueles que acreditam que a responsabilidade judica-

toacuteria total eacute compatiacutevel com o determinismo (compatibilistas) e

aqueles que pensam o contraacuterio ou seja que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute incompatiacutevel com o determinismo (incompati-

bilistas) pelo fato de sempre ser inapropriado atribuir respon-

sabilidade a algueacutem que nunca teve controle sobre os eventos

que determinaram seu comportamento e por isso nunca foi

livre para agir Alguns incompatibilistas que Dworkin deno-

mina otimistas acreditam que a responsabilidade judicatoacuteria

seria em certos casos verdadeira pois muito embora acredi-

tem que o determinismo exclui a responsabilidade o compor-

tamento do agente nem sempre seria determinado por eventos

fora do seu controle4

Os compatibilistas vale enfatizar acreditam que ainda

que uma pessoa natildeo tenha controle sobre os acontecimentos

anteriores que tenham influecircncia decisiva em todas as suas

decisotildees ela sempre tem a liberdade de decidir da melhor ma-

neira no sentido de viver bem Por isso os compatibilistas

acreditam que sempre eacute possiacutevel atribuir responsabilidade judi-

catoacuteria a algueacutem mesmo que o determinismo seja verdadeiro

Antes de entrar efetivamente na discussatildeo acerca do

modelo de responsabilizaccedilatildeo adequado Dworkin afirma que o

posicionamento incompatibilista (pessimista) eacute errado pois

esta corrente natildeo crecirc na responsabilidade judicatoacuteria das pesso-

as Dworkin rejeita sumariamente quaisquer teorias que des-

considerem a vontade humana ou o controle das pessoas sobre

a melhor decisatildeo a ser tomada5 Ele afirma que ldquose ningueacutem

tem responsabilidade judicatoacuteria os juiacutezes que tratam os reacuteus

criminosos como responsaacuteveis pelas suas accedilotildees natildeo satildeo res-

4 Ibid p 231 5 Id

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ponsaacuteveis pelas suas proacuteprias accedilotildees e por isso eacute errado acusaacute-

los de agirem erradamenterdquo6 O raciociacutenio seria algo como se

ningueacutem tiver responsabilidade judicatoacuteria seraacute errado julgar

qualquer comportamento como sendo errado

Percebe-se aqui uma reaccedilatildeo criacutetica de Dworkin agraves

chamadas teorias socioloacutegicas do crime Para estas teorias o

crime seria uma reaccedilatildeo do individuo a uma situaccedilatildeo social

estando a causa do crime natildeo no contexto individual mas no

contexto coletivo O comportamento criminoso portanto seria

diretamente influenciado por fatores externos ao proacuteprio agen-

te Dworkin reage a estas teorias e sustenta que o indiviacuteduo tem

sempre a responsabilidade de decidir bem ainda que seu com-

portamento seja eventualmente influenciado por fatores exter-

nos Dworkin defende que a responsabilidade pelo crime estaacute

sempre no acircmbito do indiviacuteduo muito embora este seja partici-

pante de uma sociedade e por ela seja influenciado

Dworkin defende que as pessoas tecircm liberdade para de-

cidir o que eacute melhor em cada caso e por isso estatildeo aptas agrave

responsabilidade judicatoacuteria Caso contraacuterio natildeo seria possiacutevel

louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de

Calcutaacute ou reprovar comportamentos perversos como os de

Stalin ou Hitler Se os incompatibilistas pessimistas estivessem

corretos ningueacutem poderia ser considerado responsaacutevel por

comportamentos bons ou maus7

De acordo com T M Scanlon autor comentarista de

Justiccedila para Ouriccedilos o que os incompatibilistas procuram

mostrar eacute que natildeo haacute como atribuir responsabilidade a uma

pessoa se as accedilotildees desta satildeo causadas por fatores externos so-

bre os quais natildeo tem nenhum controle Os compatibilistas por

sua vez argumentam que natildeo eacute este o caso8 A tese compatibil-

ista em Justiccedila para Ouriccedilos defende seguinte 6 Ibid p 233 7 Id 8 SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibility Boston Univer-

sity Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 605

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Put in this way the thesis of Justice for Hedgehogs is this

what a person has reason to want is an authentic life - one that

accords with and reflects the decisions he or she makes about

how to live and in which these decisions themselves reflect

his or her desires plans and convictions and are based on

true beliefs about the world The crucial thing about this con-

ception is that - apart from the part about true belief - re-

quirements of an authentic life have to do only with the rela-

tions among an agents mental states - his or her plans de-

sires convictions decisions beliefs intentions and so on -

and the actions that flow from them Dworkin is not con-

cerned about the causal antecedents to ones attitudes beliefs

etc His thesis is that as long as an agents life has the required

shape the mental events that are parts of it belong to him or

her in the full sense required for them to be meaningful and

significant9

Segundo T M Scanlon o que uma pessoa tem razatildeo

para querer eacute uma vida autecircntica que reflita as decisotildees que a

pessoa faz sobre como viver e as decisotildees por sua vez refli-

tam desejos planos convicccedilotildees e sejam baseadas em crenccedilas

verdadeiras sobre o mundo Dworkin natildeo estaacute preocupado com

os antecedentes causais O mais importante eacute que as exigecircncias

de uma vida autecircntica tenham a ver apenas com as relaccedilotildees

entre os estados mentais de um agente - seus planos desejos

convicccedilotildees decisotildees crenccedilas intenccedilotildees - e as accedilotildees que fluam

a partir deles A tese compatibilista em Justiccedila para Ouriccedilos

defende que enquanto a vida de uma pessoa tem a forma dese-

jada os eventos mentais satildeo partes que pertencem exclusiva-

mente agrave pessoa10

Para T M Scanlon a tese compatibilista ao natildeo se

preocupar com os antecedentes causais acredita que o deter-

minismo natildeo representa qualquer obstaacuteculo agrave responsabilidade

judicatoacuteria E complementa o seu raciociacutenio oferecendo as ra-

zotildees pelas quais entende que o significado das accedilotildees das pesso-

as para elas mesmas natildeo requer que elas natildeo sejam causadas

9 Ibid p 607 10 Id

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por fatores externos agraves pessoas In particular the significance of our decisions to us does not

require that they not be caused by factors outside us But why

not Two reasons seem to be offered so closely related that

they are really just positive and negative sides of the same

point Put positively the point is that what gives decisions

their significance for us - what makes them ours - is that they

are reflective of our felt desires plans convictions and so on

- that is of our actual psychological states Put negatively it

is that decisions that were independent of our actual present

psychology would be based on nothing that would give them

meaning for us or make them ours in any meaningful sense

A selfrdquo detached from our actual empirical psychology

would be empty11

Duas satildeo as razotildees a) a importacircncia das decisotildees para

as pessoas estaacute no fato de que elas satildeo um reflexo dos seus

desejos planos sentimentos convicccedilotildees do estado psicoloacutegico

contemporacircneo agrave decisatildeo b) decisotildees separadas do estado psi-

coloacutegico atual da pessoa natildeo fariam qualquer sentido12

Ou

seja Dworkin defende que nem o determinismo nem o epife-

nomenalismo satildeo obstaacuteculos agrave responsabilidade judicatoacuteria na

medida em que a importacircncia das accedilotildees para as pessoas estaacute no

fato destas accedilotildees refletirem a personalidade da pessoa seus

desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees e seu momento psicoloacutegico atu-

al Trata-se segundo Anita L Allen comentadora de Justiccedila

para Ouriccedilos de uma saiacuteda uacutenica oferecida por Dworkin para

sustentar a responsabilidade judicatoacuteria mesmo que se consi-

dere o determinismo ou o epifenomenalismo como verdadeiros Some philosophers (the incompatibilists) have argued that

moral responsibility ascriptions would be false or pointless if

either determinism or epiphenomenalism were true Dworkin

offers an end run around the threat to responsibility seemingly

posed by determinism and its teammate epiphenomenalism

with his own unique compatibilism13

11 Id 12 Id 13 ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judgmental Responsibil-

ityrdquo Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 627

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Amartya Sen tambeacutem comentou o capiacutetulo 10 de Justi-

ccedila para Ouriccedilos e teceu as seguintes consideraccedilotildees a respeito

da conclusatildeo a que Dworkin chegou quando afirma que o de-

terminismo ou o epifenomenalismo natildeo teriam a capacidade de

fazer nossas decisotildees menos importantes ou negar nossa res-

ponsabilidade em decidir bem Dworkin says that what he calls the hydraulic principle de-

nies responsibility if either determinism or epiphenomenal-

ism is true Of the two it is the claim of a conflict between

determinism and responsibility that is more engaging

Dworkins dismissal of the reach of epiphenomenalism is

swift and seems to me to be largely compelling The tussle

with determinism is more substantial but Dworkins presenta-

tion is enlightening in covering a lot of ground with care The

central issue is similar to David Humes reasoning that outside

influences may explain our judgments and even make them

predictable and yet they do not make our judgments any less

genuine or any less important in assessing our responsibil-

ity14

Sen argumenta que entre o determinismo e o epifeno-

menalismo o determinismo oferece um conflito mais consis-

tente com a responsabilidade Em funccedilatildeo disso Dworkin afasta

rapidamente o epifenomenalismo e em todo o restante do li-

vro trata da relaccedilatildeo entre determinismo e responsabilidade

judicatoacuteria Sen ainda faz uma importante observaccedilatildeo ldquoa ideacuteia

central do livro de Dworkin eacute semelhante ao raciociacutenio de Da-

vid Hume de que as influecircncias externas podem explicar nos-

sos julgamentos e ateacute mesmo tornaacute-los previsiacuteveis e ainda as-

sim eles natildeo fazem os nossos juiacutezos menos verdadeiros ou me-

nos importantesrdquo15

De fato ao defender a compatibilidade entre determi-

nismo e responsabilidade judicatoacuteria Dworkin deixa evidente

que as influecircncias externas ainda que possam determinar o

14 SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and Questions Boston

University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 657 15 Id

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comportamento humano natildeo tornam o compromisso eacutetico de

decidir bem menos importante

Rejeitado o incompatibilismo pessimista persiste o con-

flito entre os incompatibilistas otimistas que admitem a res-

ponsabilidade judicatoacuteria em certas ocasiotildees e os compatibilis-

tas A tarefa de Dworkin a partir deste ponto passa a ser a de

definir qual das duas correntes deve prevalecer como base eacutetica

da responsabilidade judicatoacuteria

Dworkin entatildeo oferece dois princiacutepios opostos a)

princiacutepio causal do controle para o qual a pessoa soacute deve ser

responsabilizada quando tiver o controle causal ou seja quan-

do a cadeia causal recuar ateacute um impulso da proacutepria pessoa

natildeo quando recua ateacute estados ou acontecimentos passados que

explicam a accedilatildeo e o b) princiacutepio da capacidade do controle

segundo o qual uma pessoa soacute deve ser responsabilizada quan-

do tem capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mun-

do e de fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalida-

de normativa ndash desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees16

Robert Kane em artigo intitulado Responsibility and

Free Will in Dworkinrsquos Justice for Hedgehogs explica da se-

guinte maneira Dworkin offers two opposing models to explain the freedom

required for judgmental responsibility the hydraulic model

- according to which an act is yours and you are responsible

for it if it has its origin in an uncaused act of will - and the

creative model - according to which an act is yours and you

are responsible for it if you have the capacities (i) to form per-

tinent beliefs about the world and (ii) to match your decisions

to your normative personality17

Para Robert Kane Dworkin oferece dois modelos opos-

tos os quais explicam o grau de liberdade requerida para a res-

ponsabilidade judicatoacuteria do agente sem a qual natildeo seria pos-

16 DWORKIN Ronald Op Cit p 236 17 KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Justice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 p 611

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siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

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O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

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sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

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qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

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nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

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bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

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Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

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fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

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KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

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httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

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2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 5: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 415

adequado e quais seriam os requisitos necessaacuterios para se atri-

buir responsabilidade judicatoacuteria a uma pessoa Para isto divi-

de toda a discussatildeo a respeito do livre-arbiacutetrio em dois campos

distintos aqueles que acreditam que a responsabilidade judica-

toacuteria total eacute compatiacutevel com o determinismo (compatibilistas) e

aqueles que pensam o contraacuterio ou seja que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute incompatiacutevel com o determinismo (incompati-

bilistas) pelo fato de sempre ser inapropriado atribuir respon-

sabilidade a algueacutem que nunca teve controle sobre os eventos

que determinaram seu comportamento e por isso nunca foi

livre para agir Alguns incompatibilistas que Dworkin deno-

mina otimistas acreditam que a responsabilidade judicatoacuteria

seria em certos casos verdadeira pois muito embora acredi-

tem que o determinismo exclui a responsabilidade o compor-

tamento do agente nem sempre seria determinado por eventos

fora do seu controle4

Os compatibilistas vale enfatizar acreditam que ainda

que uma pessoa natildeo tenha controle sobre os acontecimentos

anteriores que tenham influecircncia decisiva em todas as suas

decisotildees ela sempre tem a liberdade de decidir da melhor ma-

neira no sentido de viver bem Por isso os compatibilistas

acreditam que sempre eacute possiacutevel atribuir responsabilidade judi-

catoacuteria a algueacutem mesmo que o determinismo seja verdadeiro

Antes de entrar efetivamente na discussatildeo acerca do

modelo de responsabilizaccedilatildeo adequado Dworkin afirma que o

posicionamento incompatibilista (pessimista) eacute errado pois

esta corrente natildeo crecirc na responsabilidade judicatoacuteria das pesso-

as Dworkin rejeita sumariamente quaisquer teorias que des-

considerem a vontade humana ou o controle das pessoas sobre

a melhor decisatildeo a ser tomada5 Ele afirma que ldquose ningueacutem

tem responsabilidade judicatoacuteria os juiacutezes que tratam os reacuteus

criminosos como responsaacuteveis pelas suas accedilotildees natildeo satildeo res-

4 Ibid p 231 5 Id

416 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

ponsaacuteveis pelas suas proacuteprias accedilotildees e por isso eacute errado acusaacute-

los de agirem erradamenterdquo6 O raciociacutenio seria algo como se

ningueacutem tiver responsabilidade judicatoacuteria seraacute errado julgar

qualquer comportamento como sendo errado

Percebe-se aqui uma reaccedilatildeo criacutetica de Dworkin agraves

chamadas teorias socioloacutegicas do crime Para estas teorias o

crime seria uma reaccedilatildeo do individuo a uma situaccedilatildeo social

estando a causa do crime natildeo no contexto individual mas no

contexto coletivo O comportamento criminoso portanto seria

diretamente influenciado por fatores externos ao proacuteprio agen-

te Dworkin reage a estas teorias e sustenta que o indiviacuteduo tem

sempre a responsabilidade de decidir bem ainda que seu com-

portamento seja eventualmente influenciado por fatores exter-

nos Dworkin defende que a responsabilidade pelo crime estaacute

sempre no acircmbito do indiviacuteduo muito embora este seja partici-

pante de uma sociedade e por ela seja influenciado

Dworkin defende que as pessoas tecircm liberdade para de-

cidir o que eacute melhor em cada caso e por isso estatildeo aptas agrave

responsabilidade judicatoacuteria Caso contraacuterio natildeo seria possiacutevel

louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de

Calcutaacute ou reprovar comportamentos perversos como os de

Stalin ou Hitler Se os incompatibilistas pessimistas estivessem

corretos ningueacutem poderia ser considerado responsaacutevel por

comportamentos bons ou maus7

De acordo com T M Scanlon autor comentarista de

Justiccedila para Ouriccedilos o que os incompatibilistas procuram

mostrar eacute que natildeo haacute como atribuir responsabilidade a uma

pessoa se as accedilotildees desta satildeo causadas por fatores externos so-

bre os quais natildeo tem nenhum controle Os compatibilistas por

sua vez argumentam que natildeo eacute este o caso8 A tese compatibil-

ista em Justiccedila para Ouriccedilos defende seguinte 6 Ibid p 233 7 Id 8 SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibility Boston Univer-

sity Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 605

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 417

Put in this way the thesis of Justice for Hedgehogs is this

what a person has reason to want is an authentic life - one that

accords with and reflects the decisions he or she makes about

how to live and in which these decisions themselves reflect

his or her desires plans and convictions and are based on

true beliefs about the world The crucial thing about this con-

ception is that - apart from the part about true belief - re-

quirements of an authentic life have to do only with the rela-

tions among an agents mental states - his or her plans de-

sires convictions decisions beliefs intentions and so on -

and the actions that flow from them Dworkin is not con-

cerned about the causal antecedents to ones attitudes beliefs

etc His thesis is that as long as an agents life has the required

shape the mental events that are parts of it belong to him or

her in the full sense required for them to be meaningful and

significant9

Segundo T M Scanlon o que uma pessoa tem razatildeo

para querer eacute uma vida autecircntica que reflita as decisotildees que a

pessoa faz sobre como viver e as decisotildees por sua vez refli-

tam desejos planos convicccedilotildees e sejam baseadas em crenccedilas

verdadeiras sobre o mundo Dworkin natildeo estaacute preocupado com

os antecedentes causais O mais importante eacute que as exigecircncias

de uma vida autecircntica tenham a ver apenas com as relaccedilotildees

entre os estados mentais de um agente - seus planos desejos

convicccedilotildees decisotildees crenccedilas intenccedilotildees - e as accedilotildees que fluam

a partir deles A tese compatibilista em Justiccedila para Ouriccedilos

defende que enquanto a vida de uma pessoa tem a forma dese-

jada os eventos mentais satildeo partes que pertencem exclusiva-

mente agrave pessoa10

Para T M Scanlon a tese compatibilista ao natildeo se

preocupar com os antecedentes causais acredita que o deter-

minismo natildeo representa qualquer obstaacuteculo agrave responsabilidade

judicatoacuteria E complementa o seu raciociacutenio oferecendo as ra-

zotildees pelas quais entende que o significado das accedilotildees das pesso-

as para elas mesmas natildeo requer que elas natildeo sejam causadas

9 Ibid p 607 10 Id

418 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

por fatores externos agraves pessoas In particular the significance of our decisions to us does not

require that they not be caused by factors outside us But why

not Two reasons seem to be offered so closely related that

they are really just positive and negative sides of the same

point Put positively the point is that what gives decisions

their significance for us - what makes them ours - is that they

are reflective of our felt desires plans convictions and so on

- that is of our actual psychological states Put negatively it

is that decisions that were independent of our actual present

psychology would be based on nothing that would give them

meaning for us or make them ours in any meaningful sense

A selfrdquo detached from our actual empirical psychology

would be empty11

Duas satildeo as razotildees a) a importacircncia das decisotildees para

as pessoas estaacute no fato de que elas satildeo um reflexo dos seus

desejos planos sentimentos convicccedilotildees do estado psicoloacutegico

contemporacircneo agrave decisatildeo b) decisotildees separadas do estado psi-

coloacutegico atual da pessoa natildeo fariam qualquer sentido12

Ou

seja Dworkin defende que nem o determinismo nem o epife-

nomenalismo satildeo obstaacuteculos agrave responsabilidade judicatoacuteria na

medida em que a importacircncia das accedilotildees para as pessoas estaacute no

fato destas accedilotildees refletirem a personalidade da pessoa seus

desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees e seu momento psicoloacutegico atu-

al Trata-se segundo Anita L Allen comentadora de Justiccedila

para Ouriccedilos de uma saiacuteda uacutenica oferecida por Dworkin para

sustentar a responsabilidade judicatoacuteria mesmo que se consi-

dere o determinismo ou o epifenomenalismo como verdadeiros Some philosophers (the incompatibilists) have argued that

moral responsibility ascriptions would be false or pointless if

either determinism or epiphenomenalism were true Dworkin

offers an end run around the threat to responsibility seemingly

posed by determinism and its teammate epiphenomenalism

with his own unique compatibilism13

11 Id 12 Id 13 ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judgmental Responsibil-

ityrdquo Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 627

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 419

Amartya Sen tambeacutem comentou o capiacutetulo 10 de Justi-

ccedila para Ouriccedilos e teceu as seguintes consideraccedilotildees a respeito

da conclusatildeo a que Dworkin chegou quando afirma que o de-

terminismo ou o epifenomenalismo natildeo teriam a capacidade de

fazer nossas decisotildees menos importantes ou negar nossa res-

ponsabilidade em decidir bem Dworkin says that what he calls the hydraulic principle de-

nies responsibility if either determinism or epiphenomenal-

ism is true Of the two it is the claim of a conflict between

determinism and responsibility that is more engaging

Dworkins dismissal of the reach of epiphenomenalism is

swift and seems to me to be largely compelling The tussle

with determinism is more substantial but Dworkins presenta-

tion is enlightening in covering a lot of ground with care The

central issue is similar to David Humes reasoning that outside

influences may explain our judgments and even make them

predictable and yet they do not make our judgments any less

genuine or any less important in assessing our responsibil-

ity14

Sen argumenta que entre o determinismo e o epifeno-

menalismo o determinismo oferece um conflito mais consis-

tente com a responsabilidade Em funccedilatildeo disso Dworkin afasta

rapidamente o epifenomenalismo e em todo o restante do li-

vro trata da relaccedilatildeo entre determinismo e responsabilidade

judicatoacuteria Sen ainda faz uma importante observaccedilatildeo ldquoa ideacuteia

central do livro de Dworkin eacute semelhante ao raciociacutenio de Da-

vid Hume de que as influecircncias externas podem explicar nos-

sos julgamentos e ateacute mesmo tornaacute-los previsiacuteveis e ainda as-

sim eles natildeo fazem os nossos juiacutezos menos verdadeiros ou me-

nos importantesrdquo15

De fato ao defender a compatibilidade entre determi-

nismo e responsabilidade judicatoacuteria Dworkin deixa evidente

que as influecircncias externas ainda que possam determinar o

14 SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and Questions Boston

University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 657 15 Id

420 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

comportamento humano natildeo tornam o compromisso eacutetico de

decidir bem menos importante

Rejeitado o incompatibilismo pessimista persiste o con-

flito entre os incompatibilistas otimistas que admitem a res-

ponsabilidade judicatoacuteria em certas ocasiotildees e os compatibilis-

tas A tarefa de Dworkin a partir deste ponto passa a ser a de

definir qual das duas correntes deve prevalecer como base eacutetica

da responsabilidade judicatoacuteria

Dworkin entatildeo oferece dois princiacutepios opostos a)

princiacutepio causal do controle para o qual a pessoa soacute deve ser

responsabilizada quando tiver o controle causal ou seja quan-

do a cadeia causal recuar ateacute um impulso da proacutepria pessoa

natildeo quando recua ateacute estados ou acontecimentos passados que

explicam a accedilatildeo e o b) princiacutepio da capacidade do controle

segundo o qual uma pessoa soacute deve ser responsabilizada quan-

do tem capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mun-

do e de fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalida-

de normativa ndash desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees16

Robert Kane em artigo intitulado Responsibility and

Free Will in Dworkinrsquos Justice for Hedgehogs explica da se-

guinte maneira Dworkin offers two opposing models to explain the freedom

required for judgmental responsibility the hydraulic model

- according to which an act is yours and you are responsible

for it if it has its origin in an uncaused act of will - and the

creative model - according to which an act is yours and you

are responsible for it if you have the capacities (i) to form per-

tinent beliefs about the world and (ii) to match your decisions

to your normative personality17

Para Robert Kane Dworkin oferece dois modelos opos-

tos os quais explicam o grau de liberdade requerida para a res-

ponsabilidade judicatoacuteria do agente sem a qual natildeo seria pos-

16 DWORKIN Ronald Op Cit p 236 17 KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Justice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 p 611

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 421

siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

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KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

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KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

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2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 6: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

416 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

ponsaacuteveis pelas suas proacuteprias accedilotildees e por isso eacute errado acusaacute-

los de agirem erradamenterdquo6 O raciociacutenio seria algo como se

ningueacutem tiver responsabilidade judicatoacuteria seraacute errado julgar

qualquer comportamento como sendo errado

Percebe-se aqui uma reaccedilatildeo criacutetica de Dworkin agraves

chamadas teorias socioloacutegicas do crime Para estas teorias o

crime seria uma reaccedilatildeo do individuo a uma situaccedilatildeo social

estando a causa do crime natildeo no contexto individual mas no

contexto coletivo O comportamento criminoso portanto seria

diretamente influenciado por fatores externos ao proacuteprio agen-

te Dworkin reage a estas teorias e sustenta que o indiviacuteduo tem

sempre a responsabilidade de decidir bem ainda que seu com-

portamento seja eventualmente influenciado por fatores exter-

nos Dworkin defende que a responsabilidade pelo crime estaacute

sempre no acircmbito do indiviacuteduo muito embora este seja partici-

pante de uma sociedade e por ela seja influenciado

Dworkin defende que as pessoas tecircm liberdade para de-

cidir o que eacute melhor em cada caso e por isso estatildeo aptas agrave

responsabilidade judicatoacuteria Caso contraacuterio natildeo seria possiacutevel

louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de

Calcutaacute ou reprovar comportamentos perversos como os de

Stalin ou Hitler Se os incompatibilistas pessimistas estivessem

corretos ningueacutem poderia ser considerado responsaacutevel por

comportamentos bons ou maus7

De acordo com T M Scanlon autor comentarista de

Justiccedila para Ouriccedilos o que os incompatibilistas procuram

mostrar eacute que natildeo haacute como atribuir responsabilidade a uma

pessoa se as accedilotildees desta satildeo causadas por fatores externos so-

bre os quais natildeo tem nenhum controle Os compatibilistas por

sua vez argumentam que natildeo eacute este o caso8 A tese compatibil-

ista em Justiccedila para Ouriccedilos defende seguinte 6 Ibid p 233 7 Id 8 SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibility Boston Univer-

sity Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 605

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 417

Put in this way the thesis of Justice for Hedgehogs is this

what a person has reason to want is an authentic life - one that

accords with and reflects the decisions he or she makes about

how to live and in which these decisions themselves reflect

his or her desires plans and convictions and are based on

true beliefs about the world The crucial thing about this con-

ception is that - apart from the part about true belief - re-

quirements of an authentic life have to do only with the rela-

tions among an agents mental states - his or her plans de-

sires convictions decisions beliefs intentions and so on -

and the actions that flow from them Dworkin is not con-

cerned about the causal antecedents to ones attitudes beliefs

etc His thesis is that as long as an agents life has the required

shape the mental events that are parts of it belong to him or

her in the full sense required for them to be meaningful and

significant9

Segundo T M Scanlon o que uma pessoa tem razatildeo

para querer eacute uma vida autecircntica que reflita as decisotildees que a

pessoa faz sobre como viver e as decisotildees por sua vez refli-

tam desejos planos convicccedilotildees e sejam baseadas em crenccedilas

verdadeiras sobre o mundo Dworkin natildeo estaacute preocupado com

os antecedentes causais O mais importante eacute que as exigecircncias

de uma vida autecircntica tenham a ver apenas com as relaccedilotildees

entre os estados mentais de um agente - seus planos desejos

convicccedilotildees decisotildees crenccedilas intenccedilotildees - e as accedilotildees que fluam

a partir deles A tese compatibilista em Justiccedila para Ouriccedilos

defende que enquanto a vida de uma pessoa tem a forma dese-

jada os eventos mentais satildeo partes que pertencem exclusiva-

mente agrave pessoa10

Para T M Scanlon a tese compatibilista ao natildeo se

preocupar com os antecedentes causais acredita que o deter-

minismo natildeo representa qualquer obstaacuteculo agrave responsabilidade

judicatoacuteria E complementa o seu raciociacutenio oferecendo as ra-

zotildees pelas quais entende que o significado das accedilotildees das pesso-

as para elas mesmas natildeo requer que elas natildeo sejam causadas

9 Ibid p 607 10 Id

418 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

por fatores externos agraves pessoas In particular the significance of our decisions to us does not

require that they not be caused by factors outside us But why

not Two reasons seem to be offered so closely related that

they are really just positive and negative sides of the same

point Put positively the point is that what gives decisions

their significance for us - what makes them ours - is that they

are reflective of our felt desires plans convictions and so on

- that is of our actual psychological states Put negatively it

is that decisions that were independent of our actual present

psychology would be based on nothing that would give them

meaning for us or make them ours in any meaningful sense

A selfrdquo detached from our actual empirical psychology

would be empty11

Duas satildeo as razotildees a) a importacircncia das decisotildees para

as pessoas estaacute no fato de que elas satildeo um reflexo dos seus

desejos planos sentimentos convicccedilotildees do estado psicoloacutegico

contemporacircneo agrave decisatildeo b) decisotildees separadas do estado psi-

coloacutegico atual da pessoa natildeo fariam qualquer sentido12

Ou

seja Dworkin defende que nem o determinismo nem o epife-

nomenalismo satildeo obstaacuteculos agrave responsabilidade judicatoacuteria na

medida em que a importacircncia das accedilotildees para as pessoas estaacute no

fato destas accedilotildees refletirem a personalidade da pessoa seus

desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees e seu momento psicoloacutegico atu-

al Trata-se segundo Anita L Allen comentadora de Justiccedila

para Ouriccedilos de uma saiacuteda uacutenica oferecida por Dworkin para

sustentar a responsabilidade judicatoacuteria mesmo que se consi-

dere o determinismo ou o epifenomenalismo como verdadeiros Some philosophers (the incompatibilists) have argued that

moral responsibility ascriptions would be false or pointless if

either determinism or epiphenomenalism were true Dworkin

offers an end run around the threat to responsibility seemingly

posed by determinism and its teammate epiphenomenalism

with his own unique compatibilism13

11 Id 12 Id 13 ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judgmental Responsibil-

ityrdquo Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 627

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 419

Amartya Sen tambeacutem comentou o capiacutetulo 10 de Justi-

ccedila para Ouriccedilos e teceu as seguintes consideraccedilotildees a respeito

da conclusatildeo a que Dworkin chegou quando afirma que o de-

terminismo ou o epifenomenalismo natildeo teriam a capacidade de

fazer nossas decisotildees menos importantes ou negar nossa res-

ponsabilidade em decidir bem Dworkin says that what he calls the hydraulic principle de-

nies responsibility if either determinism or epiphenomenal-

ism is true Of the two it is the claim of a conflict between

determinism and responsibility that is more engaging

Dworkins dismissal of the reach of epiphenomenalism is

swift and seems to me to be largely compelling The tussle

with determinism is more substantial but Dworkins presenta-

tion is enlightening in covering a lot of ground with care The

central issue is similar to David Humes reasoning that outside

influences may explain our judgments and even make them

predictable and yet they do not make our judgments any less

genuine or any less important in assessing our responsibil-

ity14

Sen argumenta que entre o determinismo e o epifeno-

menalismo o determinismo oferece um conflito mais consis-

tente com a responsabilidade Em funccedilatildeo disso Dworkin afasta

rapidamente o epifenomenalismo e em todo o restante do li-

vro trata da relaccedilatildeo entre determinismo e responsabilidade

judicatoacuteria Sen ainda faz uma importante observaccedilatildeo ldquoa ideacuteia

central do livro de Dworkin eacute semelhante ao raciociacutenio de Da-

vid Hume de que as influecircncias externas podem explicar nos-

sos julgamentos e ateacute mesmo tornaacute-los previsiacuteveis e ainda as-

sim eles natildeo fazem os nossos juiacutezos menos verdadeiros ou me-

nos importantesrdquo15

De fato ao defender a compatibilidade entre determi-

nismo e responsabilidade judicatoacuteria Dworkin deixa evidente

que as influecircncias externas ainda que possam determinar o

14 SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and Questions Boston

University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 657 15 Id

420 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

comportamento humano natildeo tornam o compromisso eacutetico de

decidir bem menos importante

Rejeitado o incompatibilismo pessimista persiste o con-

flito entre os incompatibilistas otimistas que admitem a res-

ponsabilidade judicatoacuteria em certas ocasiotildees e os compatibilis-

tas A tarefa de Dworkin a partir deste ponto passa a ser a de

definir qual das duas correntes deve prevalecer como base eacutetica

da responsabilidade judicatoacuteria

Dworkin entatildeo oferece dois princiacutepios opostos a)

princiacutepio causal do controle para o qual a pessoa soacute deve ser

responsabilizada quando tiver o controle causal ou seja quan-

do a cadeia causal recuar ateacute um impulso da proacutepria pessoa

natildeo quando recua ateacute estados ou acontecimentos passados que

explicam a accedilatildeo e o b) princiacutepio da capacidade do controle

segundo o qual uma pessoa soacute deve ser responsabilizada quan-

do tem capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mun-

do e de fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalida-

de normativa ndash desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees16

Robert Kane em artigo intitulado Responsibility and

Free Will in Dworkinrsquos Justice for Hedgehogs explica da se-

guinte maneira Dworkin offers two opposing models to explain the freedom

required for judgmental responsibility the hydraulic model

- according to which an act is yours and you are responsible

for it if it has its origin in an uncaused act of will - and the

creative model - according to which an act is yours and you

are responsible for it if you have the capacities (i) to form per-

tinent beliefs about the world and (ii) to match your decisions

to your normative personality17

Para Robert Kane Dworkin oferece dois modelos opos-

tos os quais explicam o grau de liberdade requerida para a res-

ponsabilidade judicatoacuteria do agente sem a qual natildeo seria pos-

16 DWORKIN Ronald Op Cit p 236 17 KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Justice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 p 611

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 421

siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

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KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

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httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

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2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 7: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 417

Put in this way the thesis of Justice for Hedgehogs is this

what a person has reason to want is an authentic life - one that

accords with and reflects the decisions he or she makes about

how to live and in which these decisions themselves reflect

his or her desires plans and convictions and are based on

true beliefs about the world The crucial thing about this con-

ception is that - apart from the part about true belief - re-

quirements of an authentic life have to do only with the rela-

tions among an agents mental states - his or her plans de-

sires convictions decisions beliefs intentions and so on -

and the actions that flow from them Dworkin is not con-

cerned about the causal antecedents to ones attitudes beliefs

etc His thesis is that as long as an agents life has the required

shape the mental events that are parts of it belong to him or

her in the full sense required for them to be meaningful and

significant9

Segundo T M Scanlon o que uma pessoa tem razatildeo

para querer eacute uma vida autecircntica que reflita as decisotildees que a

pessoa faz sobre como viver e as decisotildees por sua vez refli-

tam desejos planos convicccedilotildees e sejam baseadas em crenccedilas

verdadeiras sobre o mundo Dworkin natildeo estaacute preocupado com

os antecedentes causais O mais importante eacute que as exigecircncias

de uma vida autecircntica tenham a ver apenas com as relaccedilotildees

entre os estados mentais de um agente - seus planos desejos

convicccedilotildees decisotildees crenccedilas intenccedilotildees - e as accedilotildees que fluam

a partir deles A tese compatibilista em Justiccedila para Ouriccedilos

defende que enquanto a vida de uma pessoa tem a forma dese-

jada os eventos mentais satildeo partes que pertencem exclusiva-

mente agrave pessoa10

Para T M Scanlon a tese compatibilista ao natildeo se

preocupar com os antecedentes causais acredita que o deter-

minismo natildeo representa qualquer obstaacuteculo agrave responsabilidade

judicatoacuteria E complementa o seu raciociacutenio oferecendo as ra-

zotildees pelas quais entende que o significado das accedilotildees das pesso-

as para elas mesmas natildeo requer que elas natildeo sejam causadas

9 Ibid p 607 10 Id

418 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

por fatores externos agraves pessoas In particular the significance of our decisions to us does not

require that they not be caused by factors outside us But why

not Two reasons seem to be offered so closely related that

they are really just positive and negative sides of the same

point Put positively the point is that what gives decisions

their significance for us - what makes them ours - is that they

are reflective of our felt desires plans convictions and so on

- that is of our actual psychological states Put negatively it

is that decisions that were independent of our actual present

psychology would be based on nothing that would give them

meaning for us or make them ours in any meaningful sense

A selfrdquo detached from our actual empirical psychology

would be empty11

Duas satildeo as razotildees a) a importacircncia das decisotildees para

as pessoas estaacute no fato de que elas satildeo um reflexo dos seus

desejos planos sentimentos convicccedilotildees do estado psicoloacutegico

contemporacircneo agrave decisatildeo b) decisotildees separadas do estado psi-

coloacutegico atual da pessoa natildeo fariam qualquer sentido12

Ou

seja Dworkin defende que nem o determinismo nem o epife-

nomenalismo satildeo obstaacuteculos agrave responsabilidade judicatoacuteria na

medida em que a importacircncia das accedilotildees para as pessoas estaacute no

fato destas accedilotildees refletirem a personalidade da pessoa seus

desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees e seu momento psicoloacutegico atu-

al Trata-se segundo Anita L Allen comentadora de Justiccedila

para Ouriccedilos de uma saiacuteda uacutenica oferecida por Dworkin para

sustentar a responsabilidade judicatoacuteria mesmo que se consi-

dere o determinismo ou o epifenomenalismo como verdadeiros Some philosophers (the incompatibilists) have argued that

moral responsibility ascriptions would be false or pointless if

either determinism or epiphenomenalism were true Dworkin

offers an end run around the threat to responsibility seemingly

posed by determinism and its teammate epiphenomenalism

with his own unique compatibilism13

11 Id 12 Id 13 ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judgmental Responsibil-

ityrdquo Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 627

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 419

Amartya Sen tambeacutem comentou o capiacutetulo 10 de Justi-

ccedila para Ouriccedilos e teceu as seguintes consideraccedilotildees a respeito

da conclusatildeo a que Dworkin chegou quando afirma que o de-

terminismo ou o epifenomenalismo natildeo teriam a capacidade de

fazer nossas decisotildees menos importantes ou negar nossa res-

ponsabilidade em decidir bem Dworkin says that what he calls the hydraulic principle de-

nies responsibility if either determinism or epiphenomenal-

ism is true Of the two it is the claim of a conflict between

determinism and responsibility that is more engaging

Dworkins dismissal of the reach of epiphenomenalism is

swift and seems to me to be largely compelling The tussle

with determinism is more substantial but Dworkins presenta-

tion is enlightening in covering a lot of ground with care The

central issue is similar to David Humes reasoning that outside

influences may explain our judgments and even make them

predictable and yet they do not make our judgments any less

genuine or any less important in assessing our responsibil-

ity14

Sen argumenta que entre o determinismo e o epifeno-

menalismo o determinismo oferece um conflito mais consis-

tente com a responsabilidade Em funccedilatildeo disso Dworkin afasta

rapidamente o epifenomenalismo e em todo o restante do li-

vro trata da relaccedilatildeo entre determinismo e responsabilidade

judicatoacuteria Sen ainda faz uma importante observaccedilatildeo ldquoa ideacuteia

central do livro de Dworkin eacute semelhante ao raciociacutenio de Da-

vid Hume de que as influecircncias externas podem explicar nos-

sos julgamentos e ateacute mesmo tornaacute-los previsiacuteveis e ainda as-

sim eles natildeo fazem os nossos juiacutezos menos verdadeiros ou me-

nos importantesrdquo15

De fato ao defender a compatibilidade entre determi-

nismo e responsabilidade judicatoacuteria Dworkin deixa evidente

que as influecircncias externas ainda que possam determinar o

14 SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and Questions Boston

University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 657 15 Id

420 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

comportamento humano natildeo tornam o compromisso eacutetico de

decidir bem menos importante

Rejeitado o incompatibilismo pessimista persiste o con-

flito entre os incompatibilistas otimistas que admitem a res-

ponsabilidade judicatoacuteria em certas ocasiotildees e os compatibilis-

tas A tarefa de Dworkin a partir deste ponto passa a ser a de

definir qual das duas correntes deve prevalecer como base eacutetica

da responsabilidade judicatoacuteria

Dworkin entatildeo oferece dois princiacutepios opostos a)

princiacutepio causal do controle para o qual a pessoa soacute deve ser

responsabilizada quando tiver o controle causal ou seja quan-

do a cadeia causal recuar ateacute um impulso da proacutepria pessoa

natildeo quando recua ateacute estados ou acontecimentos passados que

explicam a accedilatildeo e o b) princiacutepio da capacidade do controle

segundo o qual uma pessoa soacute deve ser responsabilizada quan-

do tem capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mun-

do e de fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalida-

de normativa ndash desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees16

Robert Kane em artigo intitulado Responsibility and

Free Will in Dworkinrsquos Justice for Hedgehogs explica da se-

guinte maneira Dworkin offers two opposing models to explain the freedom

required for judgmental responsibility the hydraulic model

- according to which an act is yours and you are responsible

for it if it has its origin in an uncaused act of will - and the

creative model - according to which an act is yours and you

are responsible for it if you have the capacities (i) to form per-

tinent beliefs about the world and (ii) to match your decisions

to your normative personality17

Para Robert Kane Dworkin oferece dois modelos opos-

tos os quais explicam o grau de liberdade requerida para a res-

ponsabilidade judicatoacuteria do agente sem a qual natildeo seria pos-

16 DWORKIN Ronald Op Cit p 236 17 KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Justice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 p 611

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 421

siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 8: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

418 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

por fatores externos agraves pessoas In particular the significance of our decisions to us does not

require that they not be caused by factors outside us But why

not Two reasons seem to be offered so closely related that

they are really just positive and negative sides of the same

point Put positively the point is that what gives decisions

their significance for us - what makes them ours - is that they

are reflective of our felt desires plans convictions and so on

- that is of our actual psychological states Put negatively it

is that decisions that were independent of our actual present

psychology would be based on nothing that would give them

meaning for us or make them ours in any meaningful sense

A selfrdquo detached from our actual empirical psychology

would be empty11

Duas satildeo as razotildees a) a importacircncia das decisotildees para

as pessoas estaacute no fato de que elas satildeo um reflexo dos seus

desejos planos sentimentos convicccedilotildees do estado psicoloacutegico

contemporacircneo agrave decisatildeo b) decisotildees separadas do estado psi-

coloacutegico atual da pessoa natildeo fariam qualquer sentido12

Ou

seja Dworkin defende que nem o determinismo nem o epife-

nomenalismo satildeo obstaacuteculos agrave responsabilidade judicatoacuteria na

medida em que a importacircncia das accedilotildees para as pessoas estaacute no

fato destas accedilotildees refletirem a personalidade da pessoa seus

desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees e seu momento psicoloacutegico atu-

al Trata-se segundo Anita L Allen comentadora de Justiccedila

para Ouriccedilos de uma saiacuteda uacutenica oferecida por Dworkin para

sustentar a responsabilidade judicatoacuteria mesmo que se consi-

dere o determinismo ou o epifenomenalismo como verdadeiros Some philosophers (the incompatibilists) have argued that

moral responsibility ascriptions would be false or pointless if

either determinism or epiphenomenalism were true Dworkin

offers an end run around the threat to responsibility seemingly

posed by determinism and its teammate epiphenomenalism

with his own unique compatibilism13

11 Id 12 Id 13 ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judgmental Responsibil-

ityrdquo Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 627

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 419

Amartya Sen tambeacutem comentou o capiacutetulo 10 de Justi-

ccedila para Ouriccedilos e teceu as seguintes consideraccedilotildees a respeito

da conclusatildeo a que Dworkin chegou quando afirma que o de-

terminismo ou o epifenomenalismo natildeo teriam a capacidade de

fazer nossas decisotildees menos importantes ou negar nossa res-

ponsabilidade em decidir bem Dworkin says that what he calls the hydraulic principle de-

nies responsibility if either determinism or epiphenomenal-

ism is true Of the two it is the claim of a conflict between

determinism and responsibility that is more engaging

Dworkins dismissal of the reach of epiphenomenalism is

swift and seems to me to be largely compelling The tussle

with determinism is more substantial but Dworkins presenta-

tion is enlightening in covering a lot of ground with care The

central issue is similar to David Humes reasoning that outside

influences may explain our judgments and even make them

predictable and yet they do not make our judgments any less

genuine or any less important in assessing our responsibil-

ity14

Sen argumenta que entre o determinismo e o epifeno-

menalismo o determinismo oferece um conflito mais consis-

tente com a responsabilidade Em funccedilatildeo disso Dworkin afasta

rapidamente o epifenomenalismo e em todo o restante do li-

vro trata da relaccedilatildeo entre determinismo e responsabilidade

judicatoacuteria Sen ainda faz uma importante observaccedilatildeo ldquoa ideacuteia

central do livro de Dworkin eacute semelhante ao raciociacutenio de Da-

vid Hume de que as influecircncias externas podem explicar nos-

sos julgamentos e ateacute mesmo tornaacute-los previsiacuteveis e ainda as-

sim eles natildeo fazem os nossos juiacutezos menos verdadeiros ou me-

nos importantesrdquo15

De fato ao defender a compatibilidade entre determi-

nismo e responsabilidade judicatoacuteria Dworkin deixa evidente

que as influecircncias externas ainda que possam determinar o

14 SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and Questions Boston

University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 657 15 Id

420 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

comportamento humano natildeo tornam o compromisso eacutetico de

decidir bem menos importante

Rejeitado o incompatibilismo pessimista persiste o con-

flito entre os incompatibilistas otimistas que admitem a res-

ponsabilidade judicatoacuteria em certas ocasiotildees e os compatibilis-

tas A tarefa de Dworkin a partir deste ponto passa a ser a de

definir qual das duas correntes deve prevalecer como base eacutetica

da responsabilidade judicatoacuteria

Dworkin entatildeo oferece dois princiacutepios opostos a)

princiacutepio causal do controle para o qual a pessoa soacute deve ser

responsabilizada quando tiver o controle causal ou seja quan-

do a cadeia causal recuar ateacute um impulso da proacutepria pessoa

natildeo quando recua ateacute estados ou acontecimentos passados que

explicam a accedilatildeo e o b) princiacutepio da capacidade do controle

segundo o qual uma pessoa soacute deve ser responsabilizada quan-

do tem capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mun-

do e de fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalida-

de normativa ndash desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees16

Robert Kane em artigo intitulado Responsibility and

Free Will in Dworkinrsquos Justice for Hedgehogs explica da se-

guinte maneira Dworkin offers two opposing models to explain the freedom

required for judgmental responsibility the hydraulic model

- according to which an act is yours and you are responsible

for it if it has its origin in an uncaused act of will - and the

creative model - according to which an act is yours and you

are responsible for it if you have the capacities (i) to form per-

tinent beliefs about the world and (ii) to match your decisions

to your normative personality17

Para Robert Kane Dworkin oferece dois modelos opos-

tos os quais explicam o grau de liberdade requerida para a res-

ponsabilidade judicatoacuteria do agente sem a qual natildeo seria pos-

16 DWORKIN Ronald Op Cit p 236 17 KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Justice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 p 611

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 421

siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 9: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 419

Amartya Sen tambeacutem comentou o capiacutetulo 10 de Justi-

ccedila para Ouriccedilos e teceu as seguintes consideraccedilotildees a respeito

da conclusatildeo a que Dworkin chegou quando afirma que o de-

terminismo ou o epifenomenalismo natildeo teriam a capacidade de

fazer nossas decisotildees menos importantes ou negar nossa res-

ponsabilidade em decidir bem Dworkin says that what he calls the hydraulic principle de-

nies responsibility if either determinism or epiphenomenal-

ism is true Of the two it is the claim of a conflict between

determinism and responsibility that is more engaging

Dworkins dismissal of the reach of epiphenomenalism is

swift and seems to me to be largely compelling The tussle

with determinism is more substantial but Dworkins presenta-

tion is enlightening in covering a lot of ground with care The

central issue is similar to David Humes reasoning that outside

influences may explain our judgments and even make them

predictable and yet they do not make our judgments any less

genuine or any less important in assessing our responsibil-

ity14

Sen argumenta que entre o determinismo e o epifeno-

menalismo o determinismo oferece um conflito mais consis-

tente com a responsabilidade Em funccedilatildeo disso Dworkin afasta

rapidamente o epifenomenalismo e em todo o restante do li-

vro trata da relaccedilatildeo entre determinismo e responsabilidade

judicatoacuteria Sen ainda faz uma importante observaccedilatildeo ldquoa ideacuteia

central do livro de Dworkin eacute semelhante ao raciociacutenio de Da-

vid Hume de que as influecircncias externas podem explicar nos-

sos julgamentos e ateacute mesmo tornaacute-los previsiacuteveis e ainda as-

sim eles natildeo fazem os nossos juiacutezos menos verdadeiros ou me-

nos importantesrdquo15

De fato ao defender a compatibilidade entre determi-

nismo e responsabilidade judicatoacuteria Dworkin deixa evidente

que as influecircncias externas ainda que possam determinar o

14 SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and Questions Boston

University Law Review Vol 90 Issue 2 2010 p 657 15 Id

420 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

comportamento humano natildeo tornam o compromisso eacutetico de

decidir bem menos importante

Rejeitado o incompatibilismo pessimista persiste o con-

flito entre os incompatibilistas otimistas que admitem a res-

ponsabilidade judicatoacuteria em certas ocasiotildees e os compatibilis-

tas A tarefa de Dworkin a partir deste ponto passa a ser a de

definir qual das duas correntes deve prevalecer como base eacutetica

da responsabilidade judicatoacuteria

Dworkin entatildeo oferece dois princiacutepios opostos a)

princiacutepio causal do controle para o qual a pessoa soacute deve ser

responsabilizada quando tiver o controle causal ou seja quan-

do a cadeia causal recuar ateacute um impulso da proacutepria pessoa

natildeo quando recua ateacute estados ou acontecimentos passados que

explicam a accedilatildeo e o b) princiacutepio da capacidade do controle

segundo o qual uma pessoa soacute deve ser responsabilizada quan-

do tem capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mun-

do e de fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalida-

de normativa ndash desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees16

Robert Kane em artigo intitulado Responsibility and

Free Will in Dworkinrsquos Justice for Hedgehogs explica da se-

guinte maneira Dworkin offers two opposing models to explain the freedom

required for judgmental responsibility the hydraulic model

- according to which an act is yours and you are responsible

for it if it has its origin in an uncaused act of will - and the

creative model - according to which an act is yours and you

are responsible for it if you have the capacities (i) to form per-

tinent beliefs about the world and (ii) to match your decisions

to your normative personality17

Para Robert Kane Dworkin oferece dois modelos opos-

tos os quais explicam o grau de liberdade requerida para a res-

ponsabilidade judicatoacuteria do agente sem a qual natildeo seria pos-

16 DWORKIN Ronald Op Cit p 236 17 KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Justice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 p 611

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 421

siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

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SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 10: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

420 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

comportamento humano natildeo tornam o compromisso eacutetico de

decidir bem menos importante

Rejeitado o incompatibilismo pessimista persiste o con-

flito entre os incompatibilistas otimistas que admitem a res-

ponsabilidade judicatoacuteria em certas ocasiotildees e os compatibilis-

tas A tarefa de Dworkin a partir deste ponto passa a ser a de

definir qual das duas correntes deve prevalecer como base eacutetica

da responsabilidade judicatoacuteria

Dworkin entatildeo oferece dois princiacutepios opostos a)

princiacutepio causal do controle para o qual a pessoa soacute deve ser

responsabilizada quando tiver o controle causal ou seja quan-

do a cadeia causal recuar ateacute um impulso da proacutepria pessoa

natildeo quando recua ateacute estados ou acontecimentos passados que

explicam a accedilatildeo e o b) princiacutepio da capacidade do controle

segundo o qual uma pessoa soacute deve ser responsabilizada quan-

do tem capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mun-

do e de fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalida-

de normativa ndash desejos ambiccedilotildees convicccedilotildees16

Robert Kane em artigo intitulado Responsibility and

Free Will in Dworkinrsquos Justice for Hedgehogs explica da se-

guinte maneira Dworkin offers two opposing models to explain the freedom

required for judgmental responsibility the hydraulic model

- according to which an act is yours and you are responsible

for it if it has its origin in an uncaused act of will - and the

creative model - according to which an act is yours and you

are responsible for it if you have the capacities (i) to form per-

tinent beliefs about the world and (ii) to match your decisions

to your normative personality17

Para Robert Kane Dworkin oferece dois modelos opos-

tos os quais explicam o grau de liberdade requerida para a res-

ponsabilidade judicatoacuteria do agente sem a qual natildeo seria pos-

16 DWORKIN Ronald Op Cit p 236 17 KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Justice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 p 611

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 421

siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

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2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 11: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 421

siacutevel responsabilizar nenhuma pessoa18

Ambos os modelos

defendem que pode haver responsabilidade judicatoacuteria e que a

liberdade eacute essencial A diferenccedila entre ambos estaacute no grau de

liberdade que eacute atribuiacuteda agrave pessoa

O modelo hidraacuteulico entende que natildeo haacute responsabili-

zaccedilatildeo no caso de atos determinados por acontecimentos preacutevios

e por isso exige que o ato tenha como causa primeira a vonta-

de do agente Para o primeiro modelo soacute haveria liberdade de

decidir quando o comportamento humano natildeo fosse determina-

do por acontecimentos anteriores fiacutesicos ou bioloacutegicos O mo-

delo criativo por sua vez defende que as pessoas sempre satildeo

responsaacuteveis por seus atos sejam eles determinados ou natildeo

desde que tenham a capacidade para tanto A capacidade seria

um filtro proacuteprio do segundo modelo que somente natildeo consi-

deraria livre a pessoa que natildeo pudesse formar crenccedilas verda-

deiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees corresponderem

agrave sua personalidade normativa Kane entende que o segundo

modelo o criativo reflete muito mais do que queremos dizer

sobre liberdade e responsabilidade e eacute compatiacutevel com o de-

terminismo19

Ao tratar do princiacutepio do controle causal Dworkin

afirma que ainda que certos fatores exteriores ndash eventos e pro-

cessos que estatildeo fora do controle de quem decide ndash faccedilam parte

da cadeia causal sempre que a causa primeira for uma vontade

da pessoa esta poderaacute ser responsabilizada por seu comporta-

mento pois teraacute tido efetivo controle sobre sua decisatildeo Aqui

o juiacutezo eacutetico ndash avaliaccedilatildeo comprometida com a ideacuteia do viver

bem ndash permanece ligado agrave ciecircncia porquanto trata-se de um

princiacutepio que uma explicaccedilatildeo cientiacutefica e exata do processo de

decisatildeo da pessoa tal qual o processo de funcionamento dos

oacutergatildeos internos de um ser humano20

18 Id 19 Id 20 DWORKIN Ronald Op Cit p 236-237

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 12: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

422 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

O que Dworkin pretende dizer jaacute iniciando sua criacutetica

ao primeiro modelo eacute que o juiacutezo eacutetico21

segundo o princiacutepio

do controle causal poderia bem ser explicado pela ciecircncia ou

pela metafiacutesica assim como ocorre na explicaccedilatildeo de um

fenocircmeno natural como a formaccedilatildeo das chuvas ou funciona-

mento de um coraccedilatildeo humano Isto contudo eacute bem difiacutecil

senatildeo impossiacutevel uma vez que a mente humana eacute extremamen-

te complexa e ainda natildeo existe um meacutetodo seguro o suficiente

para isolar as infinitas variaacuteveis que podem atuar no processo

de formaccedilatildeo de uma decisatildeo

O segundo modelo norteado pelo princiacutepio do controle

da capacidade afirma a independecircncia entre eacutetica e ciecircncia

retirando a vida mental da pessoa do contexto das ciecircncias na-

turais Para Dworkin o princiacutepio do controle da capacidade

situa a responsabilidade e o juiacutezo eacutetico na perspectiva pessoal e

interna e a importacircncia do processo decisoacuterio natildeo estaacute em

qualquer explicaccedilatildeo causal remota22

Anita L Allen afirma que o sujeito eacutetico de Dworkin vecirc

a si mesmo como um decisor uma pessoa com razotildees para agir

e uma pessoa que vecirc outros como tambeacutem tendo razotildees para

agir23

Isso eacute importante para Dworkin jaacute que entende que a

responsabilidade eacutetica das pessoas baseia-se no pressuposto de

que uma vida humana pode ter valor no modo como eacute vivida24

Se o ser humano natildeo possui controle de sua accedilatildeo se for uma

mera marionete nunca estaraacute em uma posiccedilatildeo de comando de

poder criar esse tipo de valor25

Assim a importacircncia das deci-

sotildees depende de quem decide

Dworkin ilustra a situaccedilatildeo citando a peccedila Seis Persona-

gens agrave Procura de Um Autor de Pirandello na qual os perso-

nagens sabem que satildeo personagens de uma peccedila mas estatildeo

21 Ibid p 237 22 Id 23 ALLEN Anita L Op Cit p628 24 DWORKIN Ronald Op Cit p 238 25 Ibid p 236

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

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KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

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p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 13: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 423

sem um autor para dizer o que devem fazer26

Ocorre que os

personagens tecircm de viver e decidir o que fazer Daiacute Dworkin

conclui que mesmo que focircssemos personagens de Pirandello

ainda assim nossas decisotildees seriam genuiacutenas e ldquoa questatildeo de

vivermos bem depende do quatildeo boas satildeo essas decisotildeesrdquo27

Como se vecirc os dois princiacutepios ndash controle causal e capa-

cidade de controle ndash natildeo podem ser conjugados natildeo se pode

acolher um sem negar o outro28

O primeiro princiacutepio parte do

pressuposto de que existem decisotildees que natildeo partem da vonta-

de da pessoa que decide e que apenas a anaacutelise da cadeia causal

dos comportamentos humanos poderaacute definir qual a causa pri-

meira do comportamento se ele foi ou natildeo determinado por

causas remotas se haacute ou natildeo responsabilidade judicatoacuteria O

segundo princiacutepio por sua vez defende que a melhor decisatildeo

cabe agrave pessoa que decide e que esta eacute responsaacutevel pelos seus

atos

Desse modo Dworkin foca sua anaacutelise nos dois princiacute-

pios de controle o causal e o da capacidade Contudo por natildeo

considerar uma obviedade qual dos dois deve prevalecer ele

investiga cada um e testa inicialmente o princiacutepio do controle

causal como suposta base eacutetica para o sistema de responsabili-

dade29

Dworkin inicia o primeiro teste com duas hipoacuteteses se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro

quando a accedilatildeo for causada por acontecimentos ocorridos antes

de a pessoa haver nascido ainda que esta pondere proacutes e con-

tras avalie conscientemente a situaccedilatildeo qualquer sentido de

responsabilidade seraacute na realidade uma ilusatildeo Por outro lado

se a ordem para agir tiver partido diretamente do ceacuterebro para o

corpo da pessoa e esta tenha agido sem a interferecircncia de

26 Ibid p 235 27 Ibid p237 28 Id 29 Ibid p 239

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

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mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

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Almedina 2012

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tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 14: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

424 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qualquer causa externa a responsabilidade seraacute genuiacutena30

Neste caso Dworkin expotildee duas hipoacuteteses decorrentes

do princiacutepio do controle causal e confronta com a loacutegica Como

uma pessoa natildeo poderia ser responsaacutevel quando tenha ponde-

rado razotildees para decidir de uma ou outra maneira ainda que

alguma causa remota tenha tido influecircncia sobre o comporta-

mento

Argumenta primeiramente que a responsabilizaccedilatildeo

neste caso seria misteriosa e refeacutem da ciecircncia pois a ciecircncia

seria a uacutenica que poderia determinar a origem causal da deci-

satildeo se ela partiu de fatores internos ou externos ao homem

Por outro lado para Dworkin este primeiro teste falha

pois ldquoa responsabilidade eacute uma questatildeo eacutetica ou moral estaacute

ligada a decisotildees finais quer estas sejam ou natildeo causalmente

efetivasrdquo31

O fato de a pessoa ter avaliado a situaccedilatildeo e decidi-

do da maneira que entendeu ser a melhor independentemente

de haver sido influenciada por uma causa remota refletiu um

juiacutezo eacutetico Eacute aiacute que estaacute a questatildeo da responsabilidade segun-

do Dworkin

No segundo teste Dworkin elabora um exemplo a res-

peito da situaccedilatildeo de dois assassinos que matam ao mesmo

momento e com a mesma crueldade e pergunta qual deveraacute

ser o tratamento dispensado agravequele que mata algueacutem movido

por fatores externos decorrentes de sua histoacuteria pessoal repleta

de maus tratos e abandono E qual deveraacute ser o tratamento da-

do agravequele que mata algueacutem movido por fatores internos decor-

rentes exclusivamente de sua vontade Deveraacute o segundo ser

responsabilizado e o primeiro natildeo32

Para Dworkin o princiacutepio do controle causal falha no-

vamente dado que este pareceria arbitraacuterio nestas e em vaacuterias

outras circunstacircncias Isto pois o comportamento de determi-

30 Ibid p 239 31 Ibid p 240 32 Ibid p 241

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 15: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 425

nadas pessoas eacute sempre determinado e o de outras natildeo Trataacute-

las de modo diverso natildeo teria sentido eacutetico ou moral Desta

forma o princiacutepio do controle causal natildeo pode ser considerado

um princiacutepio eacutetico ou moral correto33

No terceiro teste Dworkin lanccedila a seguinte hipoacutetese se

o princiacutepio do controle causal for considerado verdadeiro e a

responsabilidade dependesse da vontade humana como primei-

ra causa da decisatildeo somente poderiacuteamos ser responsaacuteveis caso

pudeacutessemos escolher livremente nossas crenccedilas e preferecircn-

cias34

A razatildeo para esta afirmaccedilatildeo estaacute no fato de que para o

princiacutepio do controle causal toda vez que um ato humano for

determinado por causas remotas alheias agrave vontade a pessoa

natildeo pode ser responsabilizada Para este princiacutepio somente

haveria responsabilidade quando o ato tiver como causa pri-

meira a vontade humana

Para Dworkin ainda que as pessoas tenham a possibili-

dade de guiar e organizar seus desejos e crenccedilas tais esforccedilos e

aspiraccedilotildees tecircm origens ainda mais profundas que natildeo satildeo cria-

das por meros atos de vontade Assim mais uma vez o princiacute-

pio do controle causal falha pois uma pessoa natildeo escolhe li-

vremente suas crenccedilas mas pelo contraacuterio formata-as no de-

correr de sua vida com situaccedilotildees escolhidas ou natildeo desejadas

ou natildeo Se o princiacutepio do controle causal fosse considerado

verdadeiro levando em consideraccedilatildeo o processo de formaccedilatildeo

da personalidade normativa das pessoas estas natildeo poderiam

mais ser consideradas responsaacuteveis pois natildeo teriam segundo

o princiacutepio do controle causal a vontade como causa primeira

de suas accedilotildees35

No quarto teste realizado por Dworkin para provar a te-

se de que as pessoas sempre tecircm a responsabilidade de decidir

33 Ibid p 242 34 Ibid p 243 35 Ibid p 243-244

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bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 16: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

426 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

bem ele inicia supondo que o determinismo seja falso Para

Dworkin ainda que o determinismo fosse falso e o comporta-

mento natildeo fosse determinado por causas remotas o fenocircmeno

da inevitabilidade psicoloacutegica persistiria Por inevitabilidade

psicoloacutegica Dworkin entende o comportamento previsiacutevel e

inevitaacutevel de uma pessoa diante de suas crenccedilas convicccedilotildees e

histoacuteria pessoal Trata-se de um histoacuterico determinante na to-

mada de decisotildees36

Ocorre que ainda que a inevitabilidade psicoloacutegica seja

determinante nas decisotildees tomadas a pessoa manteacutem o contro-

le eacutetico de suas decisotildees Caso contraacuterio novamente Dworkin

afirma que nunca poderiacuteamos condenar Stalin ou elogiar Madre

Teresa o que pareceria arbitraacuterio37

Para Dworkin esse seria outro problema do princiacutepio

do controle causal pois se a inevitabilidade psicoloacutegica natildeo

pode retirar das pessoas o controle eacutetico de suas accedilotildees natildeo

haveria razotildees para que o determinismo tivesse tal poder38

O quinto e uacuteltimo teste eacute fundamental pois toma uma

estrateacutegia utilizada pelo princiacutepio do controle causal para con-

vencer as pessoas de sua veracidade A estrateacutegia consiste na

distinccedilatildeo entre casos normais e casos excepcionais Para o

princiacutepio do controle causal nos casos excepcionais ao contraacute-

rio do que aconteceria nos casos normais aqueles satildeo causados

por acontecimentos sobre os quais o agente natildeo tem controle

como seria o caso das crianccedilas e dos doentes mentais39

Dworkin afirma que eacute verdade que as pessoas normais

se consideram responsaacuteveis por suas decisotildees e que natildeo consi-

deram as crianccedilas ou os mentalmente doentes responsaacuteveis

contudo natildeo seria o princiacutepio do controle causal o fator justifi-

cador de tal distinccedilatildeo40

36 Ibid p 244 37 Ibid p 245 38 Id 39 Ibid p 246 40 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 17: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 427

Em artigo intitulado Mental Disorders and the ldquoSystem

of Judgmental Responsibilityrdquo que investiga o tema referente agrave

doenccedila mental e a responsabilidade judicatoacuteria presente no

capiacutetulo 10 de Justiccedila para Ouriccedilos a autora Anita L Allen

afirma o seguinte Judgmental responsibility is an ethical and moral capacity

Someone has judgmental responsibility for an act if it is ap-

propriate to hold him responsible for it to blame him or

praise him for it Judgmental responsibility is it seems part

of the freedom reason andor feeling package philosophers

traditionally refer to as moral agency Judgmental responsi-

bility is something Dworkin wants badly to ascribe to as

many people as possible to dignify and motivate them but he

implicitly assumes certain marginal populations stand in the

way So he puzzles over the exceptions he refers to as idi-

ots and psychopaths41

Em siacutentese Anita L Allen afirma que a responsabilida-

de judicatoacuteria eacute uma capacidade eacutetica e moral que Dworkin

pretende atribuir ao maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis para

dignificaacute-las e motivaacute-las a agir bem Contudo por reconhecer

que certas pessoas estatildeo no caminho da responsabilidade judi-

catoacuteria excepciona-os42

Para Dworkin a exceccedilatildeo se daacute mas

natildeo pelo fato de as pessoas natildeo poderem exprimir vontade

conforme sustenta o princiacutepio do controle causal mas por natildeo

possuiacuterem capacidade para tanto43

Para Dworkin por exemplo o livre-arbiacutetrio de um adul-

to eacute o mesmo de uma crianccedila na medida em que natildeo existem

razotildees para negar que ambos tomam suas decisotildees com base

em suas crenccedilas desejos e preferecircncias A diferenccedila estaacute na

incapacidade das crianccedilas de formar segundo os padrotildees dos

adultos normais crenccedilas corretas sobre o mundo que as rodeia

e sobre a consequecircncia a prudecircncia e a moralidade daquilo que

41 ALLEN Anita L Op Cit p 626-627 42 Id 43 DWORKIN Ronald Op Cit p 246

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 18: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

428 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

fazem e querem44

Com os mentalmente doentes a diferenccedila

tambeacutem se situa na incapacidade destes de formar crenccedilas ori-

entadas pelos fatos e pela loacutegica45

Dworkin defende que natildeo existem argumentos morais e

eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal e que por se

tratar de um princiacutepio moral e eacutetico somente poderia encontrar

sustentaccedilatildeo em outros princiacutepios morais e eacuteticos jamais na

ciecircncia ou na metafiacutesica46

Apoacutes explicar a falha do princiacutepio do controle causal

como base eacutetica do sistema de responsabilidade Dworkin ana-

lisa o segundo princiacutepio o do controle da capacidade47

O princiacutepio do controle da capacidade considera im-

prescindiacutevel agrave responsabilizaccedilatildeo de uma pessoa que esta tenha

a capacidade de formar crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de

fazer suas decisotildees corresponderem agrave sua personalidade nor-

mativa

Quanto agrave primeira capacidade Dworkin entende que

ldquouma pessoa soacute pode ser encarada ou ver-se a si proacutepria em

retrospectiva como criando uma vida se puder formar crenccedilas

sobre o mundo que respondam largamente ao que eacute o mun-

dordquo48

Aqueles que acreditam em algo que natildeo possa ocorrer no

mundo natildeo tecircm essa capacidade miacutenima

Quanto agrave segunda capacidade Dworkin entende que a

pessoa soacute assume responsabilidade por suas accedilotildees quando ten-

do em vista a questatildeo do viver bem tenha a capacidade de re-

fletir seus desejos e suas convicccedilotildees em suas decisotildees Isto eacute a

pessoa deve ter a capacidade de ajustar suas accedilotildees agraves suas

crenccedilas convicccedilotildees ao seu caraacuteter Uma crianccedila pequena que

natildeo tenha esta capacidade natildeo pode ser responsaacutevel por decidir

44 Id 45 Id 46 Ibid p 248 47 Ibid p 249 48 Ibid p252

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 19: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 429

natildeo levar uma vida boa49

Dworkin concebe aleacutem de uma funccedilatildeo eacutetica para o

princiacutepio da capacidade uma funccedilatildeo de princiacutepio moral50

Co-

mo princiacutepio moral o princiacutepio da capacidade funcionaria co-

mo paracircmetro para a condenaccedilatildeo ou para a imposiccedilatildeo de san-

ccedilatildeo51

Dworkin recomenda que esse princiacutepio tenha na moral a

mesma forccedila que tem na eacutetica e que o padratildeo escolhido para a

responsabilizaccedilatildeo das pessoas seja utilizado da mesma maneira

para o julgamento das accedilotildees de todas as pessoas no julgamento

proacuteprio e no julgamento dos outros Para Dworkin ldquoutilizar um

padratildeo diferente significaria julgar essa pessoa de maneira que

recuso para me julgar a mim proacuteprio Seria para essa pessoa

um ato de falta de respeitordquo52

O princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio

eacutetico torna a capacidades uma conditio sine qua para a respon-

sabilidade judicatoacuteria uma condiccedilatildeo sem a qual a responsabili-

zaccedilatildeo da pessoa eacute inviaacutevel justamente pela impossibilidade

para o caso de ausecircncia de capacidade de a pessoa cumprir

com a missatildeo eacutetica de viver bem defendida por Dworkin O

princiacutepio do controle da capacidade como princiacutepio moral por

sua vez torna a avaliaccedilatildeo da responsabilidade um padratildeo para

todas as pessoas com exceccedilatildeo dos incapazes de modo que o

sistema de responsabilidades possa ser equacircnime

Dworkin acredita que a ldquoescolha entre o princiacutepio do

controle da capacidade e o princiacutepio causal eacute importante por

razotildees que vatildeo para aleacutem da controveacutersia do livre-arbiacutetriordquo53

e

uma delas eacute a questatildeo da defesa por insanidade na qual a au-

secircncia de capacidade do autor de um crime eacute muitas vezes sus-

citada nos tribunais como causa de exclusatildeo de culpabilidade

As pessoas geralmente discordam sobre casos particula-

49 Ibid p 253 50 Id 51 Ibid p 254 52 Id 53 Ibidem p 256

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 20: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

430 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

res onde se discute por exemplo a incapacidade como causa

de exclusatildeo da responsabilidade de uma pessoa que tenha co-

metido um crime sob impulso irresistiacutevel Em forma de roman-

ce essa grande divergecircncia foi bem retratada na obra Anatomia

de um Crime de Robert Traver adaptada para o cinema onde

foi suscitada a tese de exclusatildeo de culpabilidade por impulso

irresistiacutevel Na histoacuteria que eacute baseada em fatos reais Frederick

Manion tenente do exercito americano assassinou um homem

que supostamente teria estuprado sua esposa A defesa do te-

nente Manion sustentou que em razatildeo do estado deploraacutevel da

esposa apoacutes o estupro este movido cegamente por um impul-

so irresistiacutevel teria cometido o ato criminoso

Diante de circunstacircncias como a do tenente Manion

Dworkin perguntaria essas forccedilas ou influecircncias foram sufici-

entemente fortes nessas circunstacircncias para alterarem o papel

causal normal de sua vontade De tal maneira que natildeo foi a sua

vontade mas antes um impulso arrebatador de ciuacuteme sexual ou

alguma forccedila desse tipo que forneceu a causa eficiente da con-

traccedilatildeo dos seus muacutesculos em redor do gatilho E responderia

que duvida que muitos cidadatildeos advogados e juiacutezes que tives-

sem de responder a estas questotildees se aceitassem o princiacutepio

causal as compreendessem54

Dworkin propotildee entatildeo analisar as questotildees sob a oacutetica

do princiacutepio do controle da capacidade Esta anaacutelise invocaria

dois juiacutezos distintos um juiacutezo interpretativo sobre o compor-

tamento do agente e um juiacutezo eacutetico e moral que as pessoas ra-

cionais fazem de maneira diferente Trata-se segundo Dwor-

kin de uma questatildeo difiacutecil mas natildeo misteriosa As pessoas

encarregadas de respondecirc-las certamente iriam ter opiniotildees

divergentes sobre o problema interpretativo sobre o niacutevel de

incapacidade suficiente para uma pessoa deixar de ser conside-

rada responsaacutevel e teriam de analisar a responsabilidade da

pessoa de acordo com o juiacutezo moral colocando-se no lugar

54 Ibid p 257

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 21: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 431

dela e verificando se julgaria a si mesmo como responsaacutevel A

histoacuteria da defesa por insanidade sugere poreacutem que muitas

pessoas natildeo abordam a questatildeo dessa maneira introspectiva55

Dessa forma o sentimento de vinganccedila o ultraje senti-

do pela sociedade em crimes de grande repercussatildeo na miacutedia

faz com que a defesa por insanidade se veja bastante reduzida

no campo praacutetico56

Antes de concluir o presente artigo vale destacar uma

observaccedilatildeo feita pela comentadora Anita L Allen para a qual An understanding of judgmental responsibility may have im-

plications for law but clearly Dworkinrsquos ldquojudgmental re-

sponsibilityrdquo is not the same thing as ordinary legal responsi-

bility The law sometimes for policy reasons assigns legal

responsibility to natural persons who are not judgmentally re-

sponsible or fully judgmentally responsible simply because

they have caused harm For example a person utterly and

permanently deluded as to reality by schizophrenia can he

held liable for intentional torts as if they were perfectly sane

Moreover the law for policy reasons assigns legal responsi-

bility to entities who as non-natural persons cannot be as-

cribed judgmental responsibility at all For example a court

under the doctrine of vicarious liability held that a corpora-

tion serving in the role of general contractor on a construction

project can be legally responsible for harms caused by the

employee of an undercapitalized sub-contractor Judgmental

responsibility like moral agency makes human beings spe-

cial and confers importance and dignity Sadly not all human

beings have judgmental responsibility Their importance

stems from other morally relevant potential traits and rela-

tionships57

Para Anita L Allen apesar das claras implicaccedilotildees le-

gais do entendimento de Dworkin sobre responsabilidade judi-

catoacuteria devemos ter o cuidado de natildeo a confundir com a res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial Isto pois a lei por razotildees poliacuteticas

muitas vezes julga totalmente responsaacutevel algueacutem que natildeo teria

55 Id 56 Id 57 ALLEN Anita L Op Cit p 629

432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

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guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

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praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

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ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

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p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

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432 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

responsabilidade judicatoacuteria segundo Dworkin Aleacutem disso

por vezes pessoas natildeo naturais tambeacutem por razotildees poliacuteticas

satildeo consideradas responsaacuteveis muito embora segundo a teoria

de Dworkin jamais poderiam ter responsabilidade judicatoacuteria58

Para Anita L Allen responsabilidade judicatoacuteria seria

algo como agecircncia moral fazendo os humanos se sentirem

especiais conferindo a eles importacircncia e dignidade59

Ao contraacuterio da conclusatildeo de Anita L Allen a anaacutelise

realizada no presente artigo conduz agrave conclusatildeo de que as con-

sideraccedilotildees acerca da responsabilidade judicatoacuteria apesar desta

natildeo se confundir com responsabilidade judicial podem ser

aplicadas ao contexto judicial O exemplo da obra Anatomia de

um Crime de Robert Traver eacute apenas uma ilustraccedilatildeo do diaacutelo-

go de Dworkin com a justiccedila criminal o qual pode ser mais

profundo e elucidativo das questotildees acerca da teoria da culpa-

bilidade

De maneira geral Dworkin sustenta que salvo os inca-

pazes as pessoas seriam sempre responsaacuteveis por suas decisotildees

e o princiacutepio do controle causal assim como os incompatibilis-

tas negam este fato sendo por isso errocircneos O conteuacutedo da

discussatildeo por sua vez pode ser discutido no contexto da teoria

da culpabilidade

A despeito de posicionamentos diversos acredita-se

que atualmente no Brasil a culpabilidade possui trecircs elemen-

tos que devem ser preenchidos para que incida o juiacutezo de re-

provabilidade sobre a conduta a imputabilidade a potencial

consciecircncia da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa A

regra no Coacutedigo Penal Brasileiro eacute a imputabilidade sendo a

inimputabilidade uma exceccedilatildeo Dessa forma todo indiviacuteduo eacute

imputaacutevel salvo quando presente causa que a exclua como

por exemplo a) doenccedila mental b) desenvolvimento mental

incompleto c) desenvolvimento mental retardado d) embria-

58 Id 59 Id

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

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2014

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2010 p 603-610

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sue 2 2010 p 657-660

Page 23: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 433

guez completa proveniente de caso fortuito ou forccedila maior e)

dependecircncia ou intoxicaccedilatildeo de substacircncia entorpecente ou que

determine dependecircncia fiacutesica ou psiacutequica proveniente de caso

fortuito ou forccedila maior Tambeacutem estatildeo no contexto de discus-

satildeo da culpabilidade a potencial consciecircncia da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa Todos os elementos da cul-

pabilidade podem ser discutidos agrave luz da teoria dworkiana

3 CONCLUSAtildeO

Como foi destacado na introduccedilatildeo deste artigo Dwor-

kin iniciou sua investigaccedilatildeo com os seguintes questionamentos

seraacute correto julgar um ato de algueacutem que estava alucinado que

teve uma infacircncia infeliz ou agisse sob coerccedilatildeo Dworkin pro-

pocircs-se a investigar a questatildeo da responsabilizaccedilatildeo das pessoas

por suas accedilotildees (quando e se eacute que realmente devem ser respon-

sabilizadas)

Para que pudesse responder a tais questionamentos

Dworkin tratou de refutar inicialmente a corrente incompati-

bilista pessimista que rejeita completamente a responsabilida-

de judicatoacuteria Isto pois defende que a responsabilidade judi-

catoacuteria existe e ela deve ser justificada da melhor maneira

Apoacutes cumprir a primeira tarefa Dworkin sempre sus-

tentando a compatibilidade entre a responsabilidade judicatoacuteria

total e comportamentos determinados por fatores externos de-

monstrou que o princiacutepio do controle causal natildeo deve prevale-

cer como base eacutetica para o sistema de responsabilidade pois

natildeo consegue oferecer a melhor justificativa para a questatildeo da

responsabilidade judicatoacuteria

Para Dworkin a melhor justificativa somente pode ser

vislumbrada sob uma interpretaccedilatildeo pautada na ideacuteia de integri-

dade ou seja sustentada por outros princiacutepios morais e eacuteticos e

sustentando outros princiacutepios morais e eacuteticos Esta ideacuteia de

interconexatildeo eacute que determinaraacute qual ideacuteia deve ser mantida e

434 | RJLB Ano 2 (2016) nordm 6

qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

SEN Amartya Dworkin on Ethics and Free Comments and

Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

Page 24: LIVRE ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE Felipe Garcia Lisboa Borges · louvar comportamentos bondosos como o da Madre Teresa de Calcutá, ou reprovar comportamentos perversos como os de

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qual natildeo deve Dworkin defende que natildeo existem argumentos

morais e eacuteticos favoraacuteveis ao princiacutepio do controle causal mas

apenas metafiacutesicos e cientiacuteficos

Segundo Dworkin o compromisso que as pessoas capa-

zes tecircm de decidir viver bem e de julgar os outros conforme

pretendem julgar seus proacuteprios comportamentos ainda que

suas accedilotildees possam sofrer influecircncias externas coloca o princiacute-

pio do controle de capacidade em melhores condiccedilotildees que o

princiacutepio do controle causal para formar as bases do sistema de

responsabilidade

Assim a grande tarefa de Dworkin no capiacutetulo 10 de

Justiccedila para Ouriccedilos foi a de firmar a importacircncia inevitaacutevel

da decisatildeo assim como fez David Hume no passado ainda que

o determinismo seja verdadeiro e as pessoas natildeo tenham con-

trole sobre os fatores externos que influenciam suas decisotildees

Segundo Dworkin as pessoas tecircm o livre arbiacutetrio e isto faz

com que possam tomar decisotildees melhores ou piores Partindo

desta ideacuteia consegue-se encontrar sustentaccedilatildeo moral e eacutetica

para o princiacutepio do controle da capacidade

Dworkin ilustra o raciociacutenio com a seguinte metaacutefora

ldquoUm automoacutevel raacutepido cujo comportamento eacute certamente

determinado por acontecimentos que estatildeo fora do seu contro-

lo tem ainda assim a capacidade de exceder os limites de ve-

locidaderdquo60

A uacutenica exceccedilatildeo agrave responsabilidade judicatoacuteria seria o

caso dos incapazes pois por natildeo terem a capacidade de formar

crenccedilas verdadeiras sobre o mundo e de fazer suas decisotildees

corresponderem agrave sua personalidade normativa natildeo estariam

aptas a firmar o compromisso de decidir viver bem ou de julgar

comportamentos

Por fim apesar de Dworkin natildeo estar falando de res-

ponsabilizaccedilatildeo judicial quando trabalha a ideacuteia de responsabi-

lidade judicatoacuteria ele mesmo natildeo pocircde negar as consequecircncias

60 DWORKIN Ronald p 256

RJLB Ano 2 (2016) nordm 6 | 435

praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

httpaquitemfilosofiasimblogspotcombr201106res

umo-de-justice-for-hedgehogshtml Acesso em 19 jun

2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

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Questions Boston University Law Review Vol 90 Is-

sue 2 2010 p 657-660

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praacuteticas que seu raciociacutenio acaba trazendo a questatildeo da respon-

sabilidade judicial em especial a criminal

4 REFEREcircNCIAS

ALLEN Anita L Mental Disorders and the ldquoSystem of Judg-

mental Responsibilityrdquo Boston University Law Re-

view Vol 90 Issue 2 2010 p 621-640

DWORKIN Ronald Justiccedila para Ouriccedilos Coimbra Editora

Almedina 2012

KANE Robert Responsibility and Free Will in Dworkins Jus-

tice for Hedgehogs

Boston University Law Review Vol 90 Issue 2 2010

p 611-619

KLAUTAU FILHO Paulo de Tarso Dias Ronald Dworkin e a

Unidade de Valor Disponiacutevel em

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2014

SCALON T M Ethics and Free Will Varieties of Responsibil-

ity Boston University Law Review Vol 90 Issue 2

2010 p 603-610

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