novos olhares sobre os sistemas sociais: uma revoluÇÃo epsitemolÓgica

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Page 1: NOVOS OLHARES SOBRE OS SISTEMAS SOCIAIS: UMA REVOLUÇÃO EPSITEMOLÓGICA

NOVOS OLHARES SOBRE OS SISTEMAS SOCIAIS: UMA REVOLUÇÃO

EPSITEMOLÓGICA

Naira Michelle Alves Pereira

Uma emoção é uma explosão num espaço,

é um fogo em ebulição onde tudo está vivo.

(Eric Baret)

No século XX pensou-se que a razão era o motor do desenvolvimento humano. Esta

foi a hipótese que dominou o pensamento do início do século XX, a de que os seres humanos

se comportam de forma racional, e na base de suas decisões estava agora a ordem racional, o

que finalmente tornaria o homem livre.

A idéia que estava sendo gerada era a de que, com a série de revoluções

secularizadas das sociedades européias (a Revolução Francesa, as revoluções

burguesas, na França e na Alemanha, a Comuna de Paris), dos séculos XVIII e XIX,

o ser humano ficaria, enfim, livre dos grilhões impostos pelas estruturas feudais e

medievais. Poderia, a partir de então, tomar suas decisões livremente.

(CASSASSSUS, 2009, p. 31).

No entanto, o problema, estava no fato de se estreitar as ações do ser humano a

relações meramente de tomada de decisões sobre interesses individuais. A liberdade, em que

se incorporava essa nova cultura de se perceber o ser humano na sociedade, finalmente livre

de decisões da ordem política, agora baseado em uma ordem racional, não era tão livre assim,

pois para se seguir tal lógica, é obrigado a se basear na regra do CUSTO-BENEFÍCO, que

segundo Cassassus (2009) tal regra seria a capacidade de decidir. Esse princípio defende que,

diante de cada situação em que uma pessoa deve tomar uma decisão, coloca-se na balança, de

um lado, o CUSTO que isso implica e, do outro, o BENEFÍCIO que traz. Portanto o modelo

racional é: REGRA DO CUSTO-BENEFÍCIO.

Conclusão: ser racional – ser egoísta, implacavelmente guiado por seu interesse

pessoal. No modelo racionalista, encontra-se a idéia de que a ação humana é motivada por

fins estritamente egoístas e submetida ao controle da regra custo-benefício. (CASSASSUS,

2009).

Mas hoje algo parece estar mudando. Os acontecimentos no mundo vem nos

mostrando que esse modelo racionalista do ser humano é insuficiente e limitado para explicar

os comportamentos das pessoas. Assim sendo,

[...] pensar que o egoísmo universal é o que move as ações do humano é uma

abstração perigosa e um tanto absurda. É verdade que muitas pessoas insistem em

perseguir e defender seus interesses pessoais. Mas também é verdade que muitas

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pessoas insistem em perseguir e defender desinteressadamente os interesses de

outras pessoas e do coletivo. Basta ver o que ocorre na vida cotidiana para encontrar

evidências das limitações do modelo racionalista.

Isso porque, nós estamos sempre em direção das outras pessoas, do próximo, pós

sentimos a necessidade de compartilhar, partilhar, sentir, nos afetar, entrar em contato com o

outro, independentemente das formas e sentidos. A vida é uma grande rede, basta paramos

para pensar com quantas pessoas precisamos falar, compartilhar, conversar para tomar

atitudes diárias em nossa vida. A nossa própria estrutura organizacional necessita desses

contatos, já dizia Maturana (1999).

Esses tipos de ação, orientados na direção do “outro”, são comportamentos que o

modelo racionalista não pode explicar satisfatoriamente. Ele é muito limitado para

explicar essas formas de atuação dos humanos. Aparentemente há outras formas,

além do custo-benefício e do interesse pessoal, que também motivam nossas ações.

O modelo racional como tal pode explicar o comportamento humano em algumas

pessoas e em algumas ocasiões, mas não pode no conjunto das pessoas, nem no conjunto das ocasiões. Por isso, não pode mais ser confundido com a identidade e o

comportamento real das pessoas. (CASSASSUS, 2009, p. 34).

Essas novas formas de nos percebermos no mundo em relação a tudo que nos rodeia,

existem bases científicas entusiasmantes e impressionantes. A que mais me afeta e entrelaça é

a teoria do biólogo Humberto Maturana, embasada em uma reflexão biologia da estrutura

organizacional do ser. Onde afirma que nós percebemos o mundo a partir de nossa condições

de estrutura biológica, e que portanto não há a objetividade de qual nós tantos nos

orgulhamos, pois não somos separados do mundo e de nos mesmo, trazendo uma revolução

epistemológica de se perceber as relações sociais.

Para Maturana o mundo em que vivemos é o que construímos a partir de nossas

percepções, e é nossa estrutura que permite essas percepções. Por conseguinte, nosso

mundo é a nossa visão de mundo. Eis por que o chamado conhecimento só objetivo

é inviável: o observador não é separado dos fenômenos que observa. Se somos

determinados pelo modo como se interligam e funcionam as partes de que somos

feitos (ou seja, pela nossa estrutura), o ambiente só desencadeia em nós o que essa

estrutura permite. Assim, não podemos afirmar que existe a objetividade da qual

tanto nos orgulhamos. Para Maturana, quando alguém diz que está sendo objetivo,

na realidade está afirmando que tem acesso a uma forma privilegiada de ver o

mundo e que esse privilégio lhe confere alguma autoridade, que pressupõe a submissão de quem não é objetivo. Essa é uma das bases da chamada argumentação

lógica.

Maturana assim concluiu que nossos condicionamentos nos levaram a ver o mundo

como um objeto. Imaginamos que estamos separados dele. Isso nos leva a uma ilusão de que

podemos nos isentar das interferências que o mundo nos proporciona através das pessoas, dos

animais e do meio natural. Mas isso não é verdade, pois “a idéia de que a racionalidade é a

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única força capaz de guiar as ações humanas foi substituída por outra mais complexa”

(CASSASSUS, 2009, p. 35).

Resgatar as emoções dentro duma deriva cultural que tem escondido as emoções, por

ir contra da razão, é uma das aberturas de olhar propostas por Maturana, pois dá conta que a

deriva natural do ser humano como um ser vivo particular, tem um fundamento emocional

que determina nossas ações em relação ao meio. O modelo racionalista finalmente, “perdeu o

monólogo que exercia sobre o imaginário humano. Abriu-se assim, a possiblidade de nos

considerarmos como algo mais que seres racionais. Atualmente nos reconhecemos como seres

racionais e emocionais. No período de um século, surgiu o ser emocional” (CASSASSUS,

2009, p. 35).

Deste modo, os questionamentos e insatisfações da imagem e forma de conceber a nós

mesmo, nos reconhecendo apenas como seres racionais, fez surgir a necessidade de falarmos e

nos considerarmos como seres emocionais, percebendo que a complexidade de nossa estrutura

humana e biológica jamais poderia ser explicada apenas pela racionalidade, em que separa o

ser do seu meio e desconsidera os afetos que nos são causados por nossas relações sociais

com as pessoas, natureza e com o mundo.

Logo, é importante ressaltar que,

quando nos reconhecemos como seres emocionais, não estamos dizendo que somos seres irracionais. A irracionalidade é um conceito que tem significado apenas como

antítese da ordem racional, como o oposto do racional. O ser emocional não é oposto

do ser racional, é algo que o complementa (CASSASSUS).

Um dos fatos importante a se considerar aqui são as noções de progresso que se

estabeleceu-se na sociedade como produção e consumo através de um sistema que leva o ser a

considerar a competição a única forma de operar no mundo, estabelecendo suas conquistas

através da negação do outro, refutando o imaginário humano em uma naturalização dos

acúmulos, da propriedade privada e do bem estar. Segundo Maturana “a competição não é

nem pode ser sadia, porque se constitui na negação do outro [...] A competição é um

fenômeno cultural e humano, e não constitutivo do biológico” (Maturana, 1999).

Em decorrência desses fatos, os sistemas educacionais têm sofrido influência dessa

noção de progresso, ainda estabelecida na ordem racional do século XX de conquista e

liberdade do ser humano diante de ordens políticas. Isto mostra que continua sendo utilizada a

idéia de que os ser humanos se comportam de forma racional, e assim são estruturados os

sistemas educativos modernos que tem como orientação e tarefa principal a perpetuação desse

conceito de ser humano. A ausência e a desvalorização das emoções em nossa cultura, fez

com que ela fosse afastada dos processos de formação. Segundo Cassassus (2009), apenas

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recentemente tem se falado sobre a educação emocional como processo de formação.

Contudo, para se incorporar essa “nova” visão do ser humano, é necessário que entremos num

processo de aprendizagem, para que possamos conhecer e reconhecer os fundamentos da

educação emocional que se baseiam em uma visão mais complexa, mais integrada, com um

novo olhar de nós como espécie e como pessoa. Portanto, é um processo de se remover os

obstáculos que nos atalha de desabrochar o nosso ser emocional mergulhado no interior de um

imaginário onde existe apenas seres puramente racionais.

Uma escola é fundamentalmente uma comunidade de relações orientadas para a

aprendizagem, onde a aprendizagem depende principalmente do tipo de relação que se

estabelecem na escola e na classe entre aluno e professor. Hoje se reconhece que não há

aprendizagem fora do espaço emocional, que a forma como os posicionamentos e

estabelecimento do tipo de relações, ou seja, tudo que alguém faz tem uma emoção na base,

que o clima emocional da sala de aula é o principal fator que explica as variações no

rendimento dos alunos.

Por fim, considero que uma das formas de se mudar essa condição cultural de

progresso colocada pelo sistema que rege a nossa sociedade, é a nossa educação, ela é capaz

de nos guiar por outras estratégias de conquista pessoais, profissionais e sociais. As escolas

precisam, devem e necessitam educar para a vida, e conseguir alavancar uma relação mais

equilibrada entre o mercado profissional e nossa responsabilidade social de ser humano e

cidadão. Pois trata-se de dois mundo “completamente” diferentes, onde no mercado

profissional precisamos negar o outro para conquistar um posto, enquanto que a nossa

responsabilidade social busca mudar, ou pelo menos minimizar uma competição que vem

gerando excessivas desigualdades sociais. Por isso é preciso que saibamos para que queremos

a educação, e assim seja possível percebermos para que ela serve, e finalmente nos darmos

conta que um dos maiores objetivos é devolvermos a nossa comunidade o que recebemos

dela, trabalhando no desenvolvimento não apenas de interesses particulares, mas

principalmente de interesses coletivos, construir e desenvolver assim, nossa escola, nosso

bairro, nossa cidade, nosso país!

Sê a mudança que queres ver no mundo (Gandhi).

Só é preciso o Amor (John e Paul).

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REFERÊNCIAS

CASSASSUS, Juan. Educação emocional. Brasília: UNESCO, Liber Livro Editora, 2009.

MATURANA, Humberto. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Tradução:

José Fernando Campos Forte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.