novo curso de processo civil - volume 1 - edição 2017 · luiz guilherme marinoni pós-doutorado...

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2017-05-01

NovoCursodeProcessoCivil-Volume1-Edio2017PRIMEIRASPGINAS

destaedio[2017]

2017-05-01

destaedio[2017]

NovoCursodeProcessoCivil-Volume1-Edio2017SOBREOSAUTORES

LUIZGUILHERMEMARINONI

Ps-DoutoradonaUniversitdegliStudidiMilanoenaColumbiaUniversity.VisitingScholarna

ColumbiaUniversity.ProfessorTitulardeDireitoProcessualCivilnoscursosdegraduao,mestrado

edoutoradodaFaculdadedeDireitodaUniversidadeFederaldoParanUFPR.ProfessorVisitante

emvriasuniversidadesdaAmricaLatinaedaEuropa.Vice-PresidentedaAssociaoBrasileirade

DireitoProcessualConstitucional.MembrodoConselhoConsultivodoInstitutoBrasileirodeDireito

Processual IBDP e da International Association of Procedural Law IAPL. Diretor do Instituto

Iberoamericano de Derecho Procesal IIBDP. Temmais de uma dezena de livros publicados no

exterior.RecebeuoPrmioJabutiem2009efoiindicadoaomesmoprmionosanosde2007e2010.

Ex-ProcuradordaRepblica. Ex-Presidente daOAB-Curitiba.Advogado e Parecerista, com intensa

atuaonasCortesSupremas.

SRGIOCRUZARENHART

Ps-DoutoradopelaUniversitdegliStudidiFirenze.DoutoreMestreemDireitopelaFederaldo

ParanUFPR.Professor-AdjuntodeDireitoProcessualCivilnoscursosdegraduao,mestradoe

doutoradodaFaculdadedeDireitodaUniversidadeFederaldoParanUFPR.Publicou10livros

umdelesnoexteriorediversosartigosemrevistasespecializadas.FoiomaisjovemJuizFederaldo

Brasil e atualmente Procurador Regional da Repblica na 4. Regio, tendo ingressado no

MinistrioPblicoFederalmedianteconcursonacional,sendoaprovadoem1.lugar.

DANIELMITIDIERO

Ps-DoutoradopelaUniversitdegliStudidiPavia.DoutoremDireitopelaUniversidadeFederal

do Rio Grande do Sul UFRGS. Professor-Adjunto de Direito Processual Civil nos cursos de

graduao,especializao,mestradoedoutoradodaUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul

UFRGS.Publicou25livrosquatrodelesnoexteriorediversosartigosemrevistasespecializadas

nacionais e internacionais, dentre as quais a Zeitschrift fr Zivilprozess International e o

InternationalJournalofProceduralLaw.MembrodaInternationalAssociationofProceduralLaw

IAPL,do Instituto IberoamericanodeDerechoProcesal IIBDPedo InstitutoBrasileirodeDireito

ProcessualIBDP.RecebeuoPrmioJabutiem2009.AdvogadoeParecerista,comintensaatuao

nasCortesSupremas.

2017-05-01

NovoCursodeProcessoCivil-Volume1-Edio2017APRESENTAO

APRESENTAO

Uma adequada ligao da teoria do direito, do Estado Constitucional e da teoria dos direitos

fundamentaiscomateoriadoprocessocivilespecialmenteparasuacompreensocomoummeio

paratuteladosdireitosdependedeumadoutrinaconscientedarelatividadehistricadodireitoe

doprocessoecapazdetraduziraculturadeseutemponasuainterpretao.Ofatodetermosum

novoCdigodeProcessoCivilpromulgadorecentemente,portanto,porsisnoconstitui senoa

promessadeumnovoprocessocivil.Issoporque,comopoucomaisqueevidente,semqueasfontes

recebam uma interpretao capaz de gerar significados normativos novos e sem que esses

significados possam ser apropriadamente ordenados em uma unidade sistemtica, pouco se pode

esperardeumanovalegislao.

Umprimeirovolume,voltadointegralmente teoriadoprocessocivil, imprescindvelparase

desenvolver e compreender as elaboraes dogmticas destinadas a explicar o novo Cdigo, na

medida em que toda e qualquer afirmao tcnico-processual, despida de base terica, uma

opinio v. Essa teoria, porm, no mais pode estar ligada aos velhos pressupostos do Estado

legislativo,comoaindacomumnasobrasquesupemserpossvelconstruirumanica teoriaa

serviodoprocessocivil,penaletrabalhista.Ateoriadoprocessoquepodehojeinteressaraque

mergulha o direito processual nos espaos da teoria do direito e do direito constitucional,

especialmentedasteoriasdosdireitosfundamentais.

Emborateoricamenteaprofundado,estelivrofoiescritodemaneiradidtica,visandoafacilitar

a compreenso dos estudantes e dos operadores do direito. O seu objetivo dar suporte terico

capazdepermitiraoestudiosocompreenderetrabalharoprocessocivildeformacrticaecriativa,

evidenciandoqueotrabalhodojuiz,doadvogado,doMinistrioPblico,dadefensoriapblica,do

doutrinador,doprofessoredoestudantenopodeficarlimitadoaumaaplicaomecnicaefriado

processo civil, como desejou o processualismo legalista, que, lamentavelmente, mesmo aps a

transformaodoEstado e das Constituies, continuoude formaacrtica a dominar as obras de

teoriadoprocessonosnoBrasil,comoemgrandepartedaAmricaLatinaedaEuropa.

Este o primeiro volume do nosso Curso. Esperamos que suas linhas possam colaborar na

composiodeumhorizonte idneoparaumaadequada,efetivae tempestiva tutela jurisdicional

dosdireitosemnossopas.

Porfim,agradecemosaoscolegasMarcellaPereiraFerraro,JordoViolineLeandroRutano,pelo

minucioso trabalho de reviso realizado e pela constante disposio na verificao das vrias

versesdonovoCdigodeProcessoCivilaolongodesuaelaboraoedaconstruodestaobra.

Verode2015.

LuizGuilhermeMarinoni,

SrgioCruzArenhart

eDanielMitidiero

destaedio[2017]

2017-05-01

NovoCursodeProcessoCivil-Volume1-Edio2017INTRODUO

INTRODUO

PorforadeumnotrioexercciodeabstraorealizadopeladoutrinaitalianadaprimeirametadedeNovecentos,1cujoresultadofoiatransformaodaRivistadiDirittoProcessualeCivileemRivistadiDirittoProcessuale,acriaodeumadisciplinanoscurrculosuniversitrioseofomentodeummododeveroprocessocivilinconscientementedespreocupadocomasparticularidadesdodireitomaterialqueessedeveria seencontrarpreordenadoaefetivar, tornou-se lugar-comumoestudodoprocessocivilserprecedidopeloestudodateoriageraldoprocesso.Essatradiofoiimportadapeladoutrinabrasileira na segunda metade de Novecentos2 e mesmo no incio do nosso sculo contou comentusiasmadasadesesecriativastentativasdedesenvolvimento.3

A expresso teoria geral cuja aplicao teoria do direito foi feita pela primeira vez emOitocentostantonatradioromano-germnica(AllgemeineRechtslehre)comonatradiodoCommonLaw (general jurisprudence)4 pode ser compreendida no mnimo de trs maneiras diferentes. Aambiguidadedaexpressoresideespecificamentenaadjetivaogeralqueacompanhaosubstantivoteoria.

Emprimeirolugar,pode-sefalaremteoriageralparadesignar-seumateoriauniversal,isto,umateoria que se prope a identificar os conceitos suscetveis de emprego e os institutos comuns paracompreensodequalquerordenamentojurdicosemnenhumadistinodeespaoedetempo5isto,comaabstraodequalquerelementojurdico-cultural.Trata-sedeacepoemgrandeparteligadaaoestilo cientificistado jusnaturalismoracionalistadeSetecentos.6Nessaperspectiva, a teoria geralacabaseconvertendoemumateoriasimplesmentepreocupadacomaterminologiajurdica.7

Oproblemaqueosordenamentosjurdicosnosevaleminvariavelmentedosmesmosconceitose institutos jurdicos. Nem sempre s mesmas palavras correspondem os mesmos conceitos, assimcomoosordenamentosnocontamnecessariamentecominstitutoscomuns.8Aexpressojurisdiction,nombitodadoutrinaestadunidense,porexemplo,significacompetncia,sendoqueonossoconceitode jurisdio encontra adequada traduo naquela doutrina com o termo adjudication. Ainda, oprocessocivilbrasileiroconheceoinstitutodosembargosdedeclaraocomoumrecurso(art.1.022do CPC), ao passo que o direito alemo trata como simples requerimento o pedido de correo dadeciso por obscuridade ou contradio ( 320, ZPO). Nomais, a prpria ideia de conceitos lgico-jurdicosapriori e universais deixa de lado o fato de que no possvel conceber a existncia deconceitos jurdicos independentes de determinada ordem jurdica. Da que a pretenso deuniversalidade conceitual e institucional vinculada teoria geral como teoria universal no sesustenta.

Emsegundolugar,pode-secogitardeteoriageralcomoteoriatransordenamental,isto,umateoriaquetemporobjetivoconstruirosconceitossuscetveisdeutilizaoemdeterminadosordenamentosjurdicos que contam com caractersticas semelhantes.9 Cuida-sede aceponotoriamente ligada aopositivismo jurdico kelseniano de Novecentos.10 Nessa linha, porm, a teoria geral terminaesfumaando-senombitodeumsimplesexercciodecomparaojurdica.11

Emterceirolugar,possvelfalaremteoriageralcomoteoriatranssetorial,isto,comoumateoriaencarregadadereconstruirosfundamentoseosconceitosquesocomunsaosdiferentessetoresdeummesmoordenamentojurdico.12Essaumamaneiraapropriadadecompreenderosignificadode

umateoriageralque,noentanto,nonospareceadequadoparaviabilizaroestudodoprocesso.13

Emboraatradiopossalegitimarousoemdeterminadoscontextosdaexpressoteoriageraldoprocesso para uma melhor comunicao com a comunidade acadmica,14 certo que existemdiferenasfuncionaisentreoprocessocivileoprocessopenal15issoparanofalarmosnasdiferenasentreosprocessosjurisdicionaisenojurisdicionais16quedesautorizamsuateorizaoconjunta.Ecomoessasdiferenasfuncionaisacabamecoandonasgrandeslinhasdoprocessocivil,naformulaodos seus conceitos enaestruturao do processo como um todo, o ideal que o processo civil sejateorizadoautonomamente.

EssaarazopelaqualestevolumedenossoCursocuidaapenasdateoriadoprocessocivil.Neste,examinamososconceitosbsicosdoprocessojurisdio,ao,defesaeprocessonaperspectivadoprocessocivil,bemcomoomodopeloqualonossonovoCdigodeProcessoCivilestestruturadoparaprestaodatutelajurisdicionaldosdireitos.Nosprximosvolumesestudaremosatuteladosdireitosmedianteprocedimentocomumeatuteladosdireitosmedianteprocedimentosdiferenciados.

footnotesfootnotes

1

FRANCESCOCARNELUTTI,SistemadelDirittoProcessualeCivile,v.I,p.3-6.

2

Com a publicao em 1974 do livro Teoria geral do processo, de ANTNIO CARLOS DE ARAJO CINTRA, ADAPELLEGRINIGRINOVEReCNDIDORANGELDINAMARCO,hojena30.ed.,2014.

3

FREDIEDIDIERJNIOR.Sobreateoriageraldoprocessoessadesconhecida.

4

PIERLUIGICHIASSONI,Lindirizzoanaliticonella filosofialdeldiritto. I.Dabenthamakelsen,p.125-128ep.192-197;GUIDOFASS,Storiadellafilosofiadeldiritto,v.III,atualizadaporCarlaFaralli,p.183-185.AexpressogeneraljurisprudencedevidaaJOHNAUSTIN,Theusesof thestudyof jurisprudence(1863),Theprovinceof jurisprudencedeterminedandtheusesofthestudyofjurisprudence,comintroduodeHerbertHart,p.367,cujanotriainspiraoauniversalunauthoritativeexpositoryjurisprudencedeJEREMYBENTHAM,Anintroductiontotheprinciplesofmoralsandlegislation (1789),editadopor J.H.BurnseHerbertHartecomensaiosdeF.RoseneHerbertHart,p.293-295,apontadacomoverdadeiracertidodenascimentodateoriadodireito(PIERLUIGICHIASSONI,Lindirizzoanaliticonella filosofia del diritto, p. 15). A expressoAllgemeineRechtslehre prpria do final de Oitocentos no mbito daculturajurdicagermnicaepodeserencontrada,porexemplo,naobradeAugustThon,RechtsnormundsubjectivesRecht.

5

RICCARDOGUASTINI,Teoriadeldirittoapprocciometodologico,p.28.Nessalinha,FREDIEDIDIERJNIOR,Sobrea teoria geral do processo, p. 36 (uma teoria geral quando rene enunciados que possuempretenso universal,invarivel)e64(ateoriageraldoprocesso,teoriadoprocesso,teoriageraldodireitoprocessualouteoriadodireitoprocessual uma disciplina jurdica dedicada elaborao, organizao e articulao dos conceitos jurdicosfundamentais(lgico-jurdicos)processuais.Soconceitoslgico-jurdicosprocessuaistodosaquelesindispensveiscompreenso jurdica do fenmenoprocessual, ondequerque ele ocorra. (...). A teoria geral doprocessopode sercompreendidacomouma teoriageral,poisosconceitos lgico-jurdicosprocessuais,quecompemoseucontedo,tm pretenso universal. Convm adjetiv-la como geral exatamente para que possa ser distinguida das teorias

individuaisdoprocesso,quetmpretensodeservircompreensodedeterminadasrealidadesnormativas).

6

RICCARDO GUASTINI, Teoria del diritto, p. 28. Sobre o estilo cientificista do jusnaturalismo racionalista,sinteticamente, NORBERTO BOBBIO, Teoria generale del diritto, p. 206; extensamente, FRANZ WIEACKER,PrivatrechtsgeschichtederNeuzeitunterbesondererBercksichtingderdeutschenEntwicklung,p.249-347(htraduoportuguesa:FRANZWIEACKER,Histriadodireitoprivadomoderno,trad.AntnioManuelHespanha,p.279-395).

7

JEREMYBENTHAM,Anintroductiontotheprinciplesofmoralsandlegislation,p.295.

8

RICCARDOGUASTINI,Teoriadeldiritto,p.28.

9

RICCARDOGUASTINI,Teoriadeldiritto,p.29.

10

ComoobservaHANSKELSEN,noprefciosuaTeoriageraldodireitoedoestado(1945),ateoriaqueserexpostana primeira parte deste livro uma teoria geral doDireito positivo.O direito positivo sempre oDireito de umacomunidadedefinida:oDireitodosEstadosUnidos,oDireitodaFrana,oDireitomexicano,oDireitointernacional.Conseguir uma exposio cientfica dessas ordens jurdicas parciais que constituem as comunidades jurdicascorrespondentesointuitodateoriageraldoDireitoaquiexposta.Estateoria,resultadodeumaanlisecomparativadasdiversasordens jurdicaspositivas, forneceosconceitos fundamentaispormeiodosquaisoDireitopositivodeumacomunidadejurdicadefinidapodeserdescrito(Teoriageraldodireitoedoestado,trad.LusCarlosBorges,p.XXVII).

11

RICCARDOGUASTINI,Teoriadeldiritto,p.29.

12

RICCARDOGUASTINI,Teoriadeldiritto,p.31.Poressarazo,dadaanecessidadede transversalidadecomoalgoinerentecaracterizaodateoriageral,parece-nosinapropriadofalaremteoriageraldoprocessocivil(comoest,porexemplo,emOVDIOBAPTISTADASILVAeFBIOGOMES,Teoriageraldoprocessocivil),porqueaateoriageralacabasendoreportadaapenasaumnicosetordadogmticajurdica.

13

Contra, entendendo possvel a existncia de uma teoria geral do processo capaz de amalgamar o estudo doprocesso civil e do processo penal, FRANCESCOCARNELUTTI,Sistema del diritto processuale civile, p. 3-6;Diritto eprocesso, p. 47-48; ANTNIO CARLOS DE ARAJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CNDIDO RANGELDINAMARCO,Teoriageraldoprocesso,p.48;contra,entendendopossvelaexistnciadeumateoriageraldoprocessocapazdeenfeixarnosoestudodosprocessosjurisdicionaiscivil, trabalhistaepenal,mastambmdosprocessosno jurisdicionais administrativo e legislativo, ELIO FAZZALARI, Istituzioni di diritto processuale, p. 67-69; FredieDidierJnior,Sobreateoriageraldoprocesso,p.76.

14

Eprecisamentepor issopara facilitarodilogoacadmicoumdens intitulouumdeseus livrosanteriores

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comoTeoria geral do processo, nada obstante o seu contedo facilmente denotasse se tratar de um livro voltadoespecificamenteparaa teoriadoprocesso civil (LuizGuilhermeMarinoni,Cursodeprocesso civil teoria geral doprocesso,v.I).

15

O processo civil ummeio para tutela adequada, efetiva e tempestiva dos direitosmediante processo justo. Odireitodeaoeodireitodedefesaesto, comoregra, emequilbrio.Oprocessopenal, embora sirvaparaefetivarealizao da pretenso punitiva alegada pelo Estado mediante processo justo, constitui em primeiro lugar umanteparo ao arbtrio do Estado e instrumento de salvaguarda da liberdade do acusado.As posies ocupadas pelodemandanteepelodemandadonoesto, comoregra, emequilbrio.Essasdiferenas funcionais entreoprocessocivil eoprocessopenaldemandamdiferentesadequaes em termosde tcnicaprocessualparapromoode suajustaestruturao.Nessalinha,frisandoasdiferenasentreoprocessocivileoprocessopenal,HEITORSICA,Velhosenovosinstitutosfundamentaisdodireitoprocessualcivil,p.432.

16

As diferenas so ainda mais flagrantes entre os processos jurisdicionais e os processos no jurisdicionais. Oprocesso legislativo,porexemplo,no temanecessidadede terminarcomumadeciso justificada,bastandocomomeio de sua legitimao a composio de maioria parlamentar. O processo judicial obedece outra lgica: semdecisojustificadanohexercciolegtimodopoderestatal.

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NovoCursodeProcessoCivil-Volume1-Edio2017PARTEI-AJURISDIONOESTADOCONSTITUCIONAL

PARTEI-AJURISDIONOESTADOCONSTITUCIONAL

2017-05-01

NovoCursodeProcessoCivil-Volume1-Edio2017PARTEI-AJURISDIONOESTADOCONSTITUCIONALINTRODUO

Introduo

Aindasosustentadas,depoisdeaproximadamentecemanos,asteoriasdequeajurisdiotemafunodeatuaravontadeconcretadaleiatribudaaChiovenda1edequeojuizcriaanormaindividualparaocasoconcreto,relacionadacomatesedajustacomposiodalide formuladaporCarnelutti.2

E issoapsaprpriaconcepodedireito tersidocompletamente transformada.A lei,quenapocadoEstadolegislativovaliaemrazodaautoridadequeaproclamava,independentementedasuacorrelaocomosprincpiosdejustia,noexistemais.Alei,comosabido,perdeuoseupostode supremacia e hoje subordinada Constituio.3 Agora amarrada substancialmente aosdireitospositivadosnaConstituioe,porisso,jconstituislogandizerqueasleisdevemestaremconformidadecomosdireitosfundamentais,contrariandooqueantesacontecia,quandoosdireitosfundamentaisdependiamdalei.4

AassunodoEstadoconstitucionaldeunovocontedoaoprincpiodalegalidade.Emprimeirolugar,esseevidenciouanecessidadedeodireitoser trabalhadocomoumproblemaquedemandaparaasuasoluoumempreendimentodecolaboraoentreolegislador,ojuizeadoutrina.5Emsegundo lugar,esseprincpio incorporouoqualificativo substancial paraevidenciarqueexigeaconformao da lei com a Constituio e, especialmente, com os direitos fundamentais. No sepense,porm,queoprincpiodalegalidadesimplesmentesofreuumdesenvolvimento,trocando-sea lei pelas normas constitucionais, ou expressa apenas umamera continuao do princpio dalegalidade formal, caracterstico do Estado legislativo. Na verdade, o princpio da legalidadesubstancial significa uma transformao que afeta as prprias concepes de direito e dejurisdioe,assim,representaumaquebradeparadigma.6

Seasteoriasdajurisdioconstituemespelhosdosvaloresedasideiasdaspocase,assim,nopodemserditasequivocadasumavezqueissoseriaumerroderivadodeumafalsacompreensodehistria,certamentedevemserdeixadasdeladoquandonomaisrevelamafunoexercidapelojuiz.IssosignificaqueasteoriasdeChiovendaeCarnelutti,senopodemsercontestadasemsua lgica, certamente no tm nem poderiam ter mais relao alguma com a realidade doEstadocontemporneo.Porisso,soimportantesapenasquandosefazumaabordagemcrticadodireitoatual,considerando-seasuarelaocomosvaloreseconcepesdoinstanteemqueforamconstrudas.Assim,antesdeconstituremteoriascapazesdedarlugarcompreensodoprocessocivilnoEstadoConstitucional,pertencemapenashistriadaculturajurdicaprocessualcivil.

A transformao da concepo de direito fez surgir um positivismo crtico, que passou adesenvolver teorias destinadas a dar ao juiz a real possibilidade de afirmar o contedo da leicomprometidocomaConstituio7medianteadequadainterpretaoeidneaaplicaodaordemjurdica.8 Nessa linha podem ser mencionadas a teoria das normas, inclusive no que tange aoprprio conceito de norma e incorporao da teorizao dos princpios e dos postuladosnormativos em seu mbito, as teorias dos direitos fundamentais, a tcnica da interpretao deacordo,asnovastcnicasdecontroledaconstitucionalidadequeconferemaojuizumafunoem

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grandemedidaprodutiva,enomaisapenasdedeclaraodeinconstitucionalidadeeaprpriapossibilidadedecontroledainconstitucionalidadeporomissonocasoconcreto.

Ora, poucomaisdoqueevidenteque isso tudo fez surgir outromodelode jurisdio, sendoapenasnecessrio,agora,queodireitoprocessualcivilsedcontadissoeproponhaumconceitodejurisdioquesejacapazdeabarcaranovarealidadequesecriou.

footnotesfootnotes

1

GIUSEPPECHIOVENDA,Instituiesdedireitoprocessualcivil,v.2,p.55.

2

FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema di diritto processuale civile, v. 1, p. 40. To importantes e tradicionais como estas, podem ser

mencionadas,nadoutrinaalem,asteoriasdeBERNARDWINDSCHEID,DieActioAbwehrgegenDr.TheodorMuther,p.1-3,eOSCAR

BLOW, Die Lehre von den Prozesseinreden und die Prozessvoraussetzungen, p. V-VII, e Klage und Urteil Eine Grundfrage des

VerhltnisseszwischenPrivatrechtundProzess,p.68ess.

3

VerMarburyversusMadison,5U.S(1Cranch)137(1803).

4

JAMESFLEMING,Constructingthesubstantiveconstitution.TexasLawReview,v.72,n.2,p.211.

5

GUSTAVOZAGREBELSKY,IlDirittoMite,p.45.

6

LUIGIFERRAJOLI,Derechosfundamentales.Losfundamentosdelosderechosfundamentales,p.53.

7

Nessesentido,LUIGIFERRAJOLI,Derechoyrazn.

8

RICCARDOGUASTINI,InterpretareeArgomentare,p.13ess.;PIERLUIGICHIASSONI,TecnicadellInterpretazioneGiuridica,p.11ess.;

Humbertovila,TeoriadosPrincpios,p.50ess.

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NovoCursodeProcessoCivil-Volume1-Edio2017PARTEI-AJURISDIONOESTADOCONSTITUCIONAL1.AINFLUNCIADOSVALORESDOESTADOLIBERALDEDIREITOEDOPOSITIVISMOJURDICOSOBREOSCONCEITOS

CLSSICOSDEJURISDIO

1.AinflunciadosvaloresdoEstadoLiberaldeDireitoedo

positivismojurdicosobreosconceitosclssicosdejurisdio

1.1.AconcepodedireitonoEstadoLiberal

O Estado Liberal de Direito, diante da necessidade de frear os desmandos do regime que lheantecedeu,erigiuoprincpiodalegalidadecomofundamentoparaasuaimposio.Esseprincpioelevou a lei a um ato supremo, objetivando eliminar as tradies jurdicas do absolutismo e doancienrgime. A administrao e os juzes, a partir dele, ficaram impedidos de invocar qualquerdireitoourazopblicaquesechocassecomalei.1

O princpio da legalidade, porm, constituiu apenas a forma, encontrada pela burguesia, desubstituiroabsolutismodoregimedeposto.precisoteremcontaqueumadasideiasfundamentaisimplantadas pelo princpio da legalidade foi a de que uma qualidade essencial de toda lei prlimitesliberdadeindividual.Parahaverintromissonaliberdadedosindivduos,serianecessriaumaleiaprovadacomacooperaodarepresentaopopular.Nobastariaumaordenaodorei.Como adverte Carl Schmitt, para entender esse conceito de lei (lei como limite da liberdade) necessrio considerar a situao poltica em que se originou. Na luta poltica contra um fortegovernomonrquico,acooperaodarepresentaopopulartinhaqueseracentuadacadavezcommaisfora,atconverter-seemcritriodecisivodeconceituaodalei.Detalmodoaleipassouaserdefinidacomooatoproduzidomedianteacooperaodarepresentaopopular.Eoimpriodaleiconverteu-seemimpriodarepresentaopopular.2

NessesentidosepodedizerquenaEuropacontinentaloabsolutismodoreifoisubstitudopeloabsolutismoda assembleia parlamentar.Da a impossibilidade de confundir oRule of Law inglscom o princpio da legalidade.3 O parlamento ingls eliminou o absolutismo, ao passo que aassembleia parlamentar do direito francs, embora substituindo o rei, manteve o absolutismoatravsdoprincpiodalegalidade.4Diantedisso,egrossomodo,nodireitoinglsalei(oStatutoryLaw) pde ser conjugada com outros valores e elementos, dando origem a um sistema jurdicocomplexooCommonLaw,enquantonospasesmarcadospeloprincpiodalegalidadeodireitofoireduzidolei.5

SecomodizCarlSchmittnaidealizaodoEstadodeDireitoLiberalaburguesiaadotouumconceitodeleiquerepousaemumavelhatradioeuropeiaheranadafilosofiagrega,quepassou IdadeModernaatravsdaescolstica, conformeoquala leinoumavontadedeumoudemuitoshomens,masumacoisageral-racional(novoluntas,masratio),6noprocessohistricodeafirmaodaburguesia,estanoodeleicedeuespaoparaoseuoposto,isto,paraanoodeleidefendida pelos representantes do absolutismo de Estado, segundo a qual, na frmula clssicacunhadaporHobbes,auctoritas,nonveritas facit legem a leivontade,novaleporqualidadesmoraiselgicas,masprecisamentecomoordem.

Oprincpiodalegalidade,assim,acabouporconstituirumcritriodeidentificaododireito:o

direitoestariaapenasnanormajurdica,cujavalidadenodependeriadesuacorrespondnciacomajustia,massomentedetersidoproduzidaporumaautoridadedotadadecompetncianormativa.Nessa linha,Ferrajoliqualificaoprincpioda legalidadecomometanormadereconhecimentodasnormasvigentes,acrescentandoque,segundoesseprincpio,umanormajurdicaexisteevlidaapenasemrazodasformasdesuaproduo.Oumelhor,nessadimensoajuridicidadedanormaest desligada de sua justia intrnseca, importando somente se foi editada por uma autoridadecompetenteesegundoumprocedimentoregular.7

No Estado Liberal de Direito, os parlamentos da Europa continental reservaram a si o poderpoltico mediante a frmula do princpio da legalidade. Diante da hegemonia do parlamento, oExecutivoeoJudicirioassumiramposiesbviasdesubordinao:oExecutivosomentepoderiaatuarseautorizadopelaleienosseusexatoslimites,sendoqueoJudiciriopoderiaapenasaplic-la, sem mesmo poder interpret-la. O Legislativo, assim, assumia uma ntida posio desuperioridade.Nateoriadaseparaodospoderes,acriaododireitoeratarefanicaeexclusivadoLegislativo.

ParaMontesquieuautordaobra8queidealizouateoriadaseparaodospoderesrecepcionadapeloEstadoliberal,opoderdejulgardeveriaserexercidopormeiodeumaatividadepuramenteintelectual,meramentecognitivae logicista,noprodutivade direitosnovos.Essaatividadenoseria limitada apenas pela legislao,mas tambmpela atividade executiva, que teria tambm opoderdeexecutarmaterialmenteasdecisesqueconstituemo poderde julgar.Nessesentido,opoder dos juzes ficaria limitado a afirmar o que j havia sido dito pelo Legislativo, pois ojulgamentodeveria ser apenas um texto exatoda lei.9 Por isso,Montesquieu acabou concluindoqueopoderdejulgarera,dequalquermodo,umpodernulo(enquelquefaon,nulle).10

AntesdoEstadolegislativo,oudoadventodoprincpiodalegalidade,odireitonodecorriadalei, mas sim da jurisprudncia e das teses dos doutores, e por esse motivo existia uma grandepluralidadedefontes,procedentesdeinstituiesnosdiversas,mastambmconcorrentes,comooimprio,aigrejaetc.AcriaodoEstadolegislativo,portanto,implicousignificativatransformaodasconcepesdedireitoedejurisdio.11

A transformao operada pelo Estado legislativo teve a inteno de conter os abusos daadministraoedajurisdio.Comisso,obviamente,noseestdizendoqueosistemaanterioraodoEstadolegislativoeramelhor.NohdvidadequeasupremaciadaleisobreoJudicirioteveomritodeconterasarbitrariedadesdeumcorpodejuzesimoralecorrupto.

OsjuzesanterioresRevoluoFrancesaeramtocomprometidoscomopoderfeudalqueserecusavam a admitir qualquer inovao introduzida pelo legislador que pudesse prejudicar oregime.Oscargosdejuzesnoapenaseramhereditrios,comotambmpodiamsercompradosevendidos,sendodaoriundaaexplicaonaturalparaovnculodostribunaisjudicirioscomideiasconservadoras e prprias do poder institudo e para a consequente repulsa devotada aosmagistradospelasclassespopulares.12

Montesquieu,aoafirmaratesedequenopoderiahaverliberdadecasoopoderdejulgarnoestivesse separadodospoderesLegislativoeExecutivo,partiadasuaprpriaexperinciapessoal,pois conheciamuitobemos juzesdaFranada suapoca.MontesquieunasceuCharles-LouisdeSecondatemumafamliademagistrados,tendoherdadodoseutionoapenasocargodePrsidentmortiernoParlementdeBordeaux,bemcomoonomedeMontesquieu.13

Maselenosedeixouseduzirpelasfacilidadesdessaposiosocial,comoaindateveacoragemdedenunciarasrelaesespriasdos juzescomopoder,nessadimensoidealizandoateoriada

separao dos poderes,14 e assim propondo que os magistrados deveriam se limitar a dizer aspalavrasdalei.15

Porm, como o direito foi resumido lei e a sua validade conectada exclusivamente com aautoridadeda fontedasuaproduo,restou impossvelcontrolarosabusosda legislao.Sea leivaleemrazodaautoridadequeaedita,independentementedasuacorrelaocomosprincpiosdejustia,noh comodirecionaraproduododireitoaos reais valoresda sociedade.16Da se tercomo certoque a teoriadeMontesquieu, embora se voltando contra os abusosdoancien rgime,lanouassementesdatiraniadoLegislativo.17

Poroutrolado,oprincpiodalegalidadetinhaestreitaligaocomoprincpiodaliberdade,valorperseguidopeloEstadoliberalapartirdasideiasdequeaAdministraoapenaspodiafazeroquealeiautorizasseedequeoscidadospodiamfazertudoaquiloquealeinovedasse.ConformeanotaCarlSchmitt,daideiafundamentaldaliberdadeburguesaproteodoscidadoscontraosabusosdo poder pblico deduzem-se duas consequncias, que integram os dois princpios tpicos doEstadodeDireitoLiberal.Primeiro,umprincpiodedistribuio:aesferadeliberdadedoindivduosupostacomoumdadoanterioraoEstado,restandoaliberdadedoindivduoilimitadaaprincpio,enquanto a faculdade do Estado de invadi-la limitada a princpio. Segundo, um princpio deorganizao, que serve para pr em prtica aquele princpio de distribuio: o poder do Estado(limitadoemprincpio)reparte-seeencerra-seemumsistemadecompetnciascircunscritas.18

O imprio da lei, como instrumento a servio da liberdade burguesa, ganha contedo emcontraposioideiadeimpriodehomens.Impriodaleisignifica,antesdetudo,queoprpriolegislador est vinculado s leis que edita. A vinculao do legislador lei s possvel, todavia,enquantoa leiumanormacomcertaspropriedades.19Essassosintetizadasnaexpressoda leigeral e abstrata. Parano violar a liberdade e a igualdade formal dos cidados, a lei deveriaguardar as caractersticas da generalidade e da abstrao. A norma no poderia tomar emconsiderao algum em especfico ou ser feita para determinada hiptese. A generalidade erapensadacomogarantiade imparcialidadedopoderperanteoscidadosque,porserem iguais,deveriamsertratadossemdiscriminaoeaabstraocomogarantiadaestabilidadedelongavidadoordenamentojurdico.20

Aigualdade,quenotomavaemcontaavidarealdaspessoas,eravistacomosimplesprojeoda garantia da liberdade, isto , da no discriminao das posies sociais, pouco importando seentreelasexistissemgritantesdistinesconcretas.OEstadoliberaltinhapreocupaocomadefesadocidadocontraaseventuaisagressesdaautoridadeestatalenocomasdiferentesnecessidadessociais.21 A impossibilidade de o Estado interferir na sociedade,22 demodo a proteger as posiessociaismenosfavorecidas,constituaconsequncianaturaldasuposiodequeparaseconservaraliberdadedetodoseranecessrionodiscriminarningum,poisqualquertratamentodiferenciadoeravistocomovioladordaigualdadelogicamenteformal.23

Ademais,paraodesenvolvimentoda sociedadeemmeio liberdade, aspirava-se aumdireitoprevisvel ou chamada certeza do direito a entendida como garantia de certeza de umsignificado prvio e determinado atribudo norma.24 Desejava-se uma lei abstrata, que pudessealbergarquaisquersituaesconcretasfuturas,eassimeliminasseanecessidadedaediodenovasleis e especialmente a possibilidade de o juiz, ao aplic-la, ser levado a tomar em contaespecificidadesprpriasecaractersticasdedeterminadasituao.

Ageneralidadeeaabstraoevidentementetambmapontavamparaaimpossibilidadedeojuizaplicaraleiouconsiderarcircunstnciasespeciaisouconcretas.Comobvio,denadaadiantaria

uma leimarcada pela generalidade e pela abstrao se o juiz pudesse conform-la s diferentessituaesconcretas.Isso,segundoosvaloresliberais,obscureceriaaprevisibilidadeeacertezadodireito, pensados como indispensveis para a manuteno da liberdade. Compreende-se, nessadimenso, a razo pela qual Montesquieu disse que, se os julgamentos fossem uma opinioparticulardo juiz,viver-se-ianasociedadesemsaberprecisamenteoscompromissosquenelasoassumidos.25NohdvidadequeessaafirmaodeMontesquieurevelauma ideologiapolticaligada ideia de que a liberdade poltica, vista como segurana psicolgica do sujeito, realiza-semedianteacertezadodireito.26

Mas tudo isso leva ainda s questes da sistematicidade e da plenitude do direito. O ideal dasupremaciado legislativoeraodequea leieoscdigosdeveriamser toclarosecompletosqueapenas poderiam gerar uma nica interpretao, inquestionavelmente correta.27 O resultado dainterpretaospoderiaserumnicoresultadopossvel.28Aleierabastanteesuficienteparaqueojuizpudessesolucionarosconflitos29semqueprecisasserecorrersnormasconstitucionais.

ComoexplicaZagrebelsky,combasenessaspremissasacinciadodireitopodiaafirmarqueasdisposies legislativas nada mais eram do que partculas constitutivas de um edifcio jurdicocoerenteeque,portanto,ointrpretepodiaretirardelas,indutivamenteoumedianteumaoperaointelectiva, as estruturas que o sustentavam, isto , os seus princpios. Esse o fundamento dainterpretao sistemtica e da analogia, dosmtodos de interpretao que, na presena de umalacuna, isto , da falta de uma disposio expressa para resolver uma controvrsia jurdica,permitiam individualizar a norma precisa em coerncia com o sistema. A sistematicidadeacompanhava,portanto,aplenitudedodireito.30

1.2.Opositivismojurdico

Opositivismo jurdico solidrioaessaconcepodedireito,pois,partindoda ideiadequeodireitoseresumeleie,assim,frutoexclusivodascasaslegislativas,limitaaatividadedojuristadescriodaleiebuscadavontadedolegislador.31

Opositivismojurdiconadamaisdoqueumatentativadeadaptaodopositivismofilosficoaodomniododireito.32 Imaginou-se, sobortulodepositivismo jurdico,queseriapossvel criaruma cincia jurdica a partir dosmtodos das cincias naturais, basicamente da objetividade daobservaoedaexperimentao.Seoinvestigadordascinciasnaturaispoderealizarexperimentoscom base em procedimentos lgicos at concluir a respeito da verdade ou da falsidade de umaproposio,sups-sequeatarefadojuristapoderiasersubmetidaaessamesmalgica.Nessalinha,osjuristassemprechegariamaumresultadocorretooufalsonadescriododireitopositivo,comosefsicosouqumicosfossem.

A mera observao e descrio da norma constituem o ponto caracterizador do positivismojurdico,quedessaformapodeservistocomoumacinciacognoscitivaouexplicativadeumobjeto,isto,danormapositivada.Porconstituirexplicaodanorma,opositivismodiferenitidamentedaatividadedeproduododireito, oudaatividadenormativa, pois a tarefado juristapositivista completamente autnoma em relao atividade de produo do direito, sendo simplesmentedescritiva, ao contrrio do que acontecia poca em que a atividade da jurisprudncia e dosdoutorescriavaodireito.33

Opositivismonosepreocupavacomocontedodanorma,umavezqueavalidadedaleiestavaapenasnadependnciadaobservnciadoprocedimentoestabelecidoparaasuacriao.Almdomais, tal forma de pensar o direito no via lacuna no ordenamento jurdico, afirmando a sua

plenitude. A lei, compreendida como corpo de lei ou como Cdigo, era dotada de plenitude e,portanto,sempreteriaquedarrespostaaosconflitosdeinteresses.

Contudo,opositivismojurdiconoapenasaceitouaideiadequeodireitodeveriaserreduzidolei, mas tambm foi o responsvel por uma inconcebvel simplificao das tarefas e dasresponsabilidades dos juzes, promotores, advogados, professores e juristas, limitando-as a umaaplicao mecnica das normas jurdicas na prtica forense, na universidade e na elaboraodoutrinria.34

Issosignificaqueopositivismojurdico,originariamenteconcebidoparamanteraideologiadoEstado liberal, transformou-se, elemesmo, em ideologia.35 Nessa dimenso, passou a constituir abandeiradosdefensoresdostatusquooudosinteressadosemmanterasituaoconsolidadapelalei.Issopermitiuqueasociedadesedesenvolvessesobumasspticoeindiferentesistemalegaloumedianteaproteodeumaleique,semtratardemodoadequadoosdesiguais,tornouosiguaisemcarneeossomaisdesiguaisainda.36

1.3.Ajurisdiocomofunodirigidaatutelarosdireitossubjetivosprivadosviolados

Secertoqueajurisdio,nofinaldosculoXIX,encontrava-setotalmentecomprometidacomosvaloresdoEstadoliberaledopositivismojurdico,passaaimportaragoraarelaoentreessesvalores e a concepo de jurisdio como funo voltada a dar atuao aos direitos subjetivosprivadosviolados.

Osprocessualistasquedefiniramessaideiadejurisdioestavamsobainflunciaideolgicadomodelo do Estado Liberal de Direito e, por isso, submetidos aos valores da igualdade formal, daliberdadeindividualmedianteanointerfernciadoEstadonasrelaesprivadasedoprincpiodaseparaodepoderescomomecanismodesubordinaodoExecutivoedoJudiciriolei.37

Napoca,nareadeinflunciafranco-italiana,atuavaachamadaescolaexegtica,que,almdeter sido influenciada pelo iluminismo, foi acentuadamente marcada pelo positivismo jurdico e,assim,pelaideiadesubmissodojuizlei.38

A tendncia de defesa da esfera de liberdade do particular aliada tese de que apenas asupremaciadaleiseriacapazdeprotegeressesdireitosderamnaturalmentejurisdioafunodeprotegerosdireitossubjetivosdosparticularesmedianteaaplicaodalei.

Maisprecisamente,ajurisdiotinhaafunodeviabilizarareparaododano,umavezque,nessa poca, no se admitia que o juiz pudesse atuar antes de uma ao humana ter violado oordenamentojurdico.SealiberdadeeragarantidanamedidaemqueoEstadonointerferianasrelaesprivadas,obviamentenosepodiadaraojuizopoderdeevitaraprticadeumacondutasoboargumentodequeelapoderiaviolaralei.Naverdade,qualqueringernciadojuiz,semquehouvessesidovioladaumalei,seriavistacomoumatentadoliberdadeindividual.

Giuseppe Manfredini um doutrinador italiano da poca , ao escrever, em 1884, o seuProgramma del corso di diritto giudiziario civile, destacou entre os princpios informadores daproceduracivileaquelequesintetizariaanecessidadedeseconferiraosdireitosprivadosamximagarantia social com o mnimo de sacrifcio de liberdade individual. Disse Manfredini que cadarestrio liberdade do indivduo superior ao poder de todas as leis positivas humanas, e queconsequentementetambmadeproceduradeverespeitaresselimite.39

No de se admirar, assim, que o conceito de jurisdio, nessa poca, no englobasse a

necessidadedetutelapreventiva,ficandorestritareparaododireitoviolado.40

Mas a conotao repressiva da jurisdio no foi simplesmente influenciada pelo valor daliberdade individual, pois o princpio da separao dos poderes tambm serviu para negar jurisdioopoderdedartutelapreventivaaosdireitos,umavezque,noquadrodesteprincpio,afunodeprevenodiantedaameaadenoobservnciadaleieradaAdministrao.Esseseriaum poder exclusivo de polcia administrativa, evitando-se, desse modo, uma sobreposio depoderes:aAdministraoexerceriaaprevenoeoJudicirioapenasarepresso.

Ademais,aideiadeigualdadeformal,aorefletiraimpossibilidadedetratamentodiferenciadosdiferentesposiessociaiseaosbens,unificouovalordosdireitos,permitindoasuaexpressoemdinheiro e, assim, que a jurisdio pudesse conferir a todos eles um significado em pecnia. Foiquando surgiu a ideia de reparao do dano pelo equivalente, o que obviamente tambm teveinflunciasobreaconcepodejurisdiocomofunodirigidaadartutelaaosdireitosprivadosviolados.

Ora, se todos os direitos podiam ser convertidos em pecnia, e a jurisdio ento no sepreocupava com a tutela da integridade do direito material, mas apenas em manter emfuncionamento os mecanismos de mercado, logicamente no era necessria a prestaojurisdicionalpreventiva,bastandoaquelaquepudessecolocarnobolsodoparticularoequivalentemonetrio.

1.4.Dateoriadaproteodosdireitossubjetivosprivadosteoriadaatuaodavontadedalei

Apsaanliserealizadanoitemanterior,cabeverificaroqueseparaeoqueidentificaasteoriasdaproteodosdireitossubjetivosprivadosedaatuaodavontadedalei.

Aatuaodavontadedaleirevelaapreocupaoemsalientarqueajurisdioexerceumpodervoltadoafirmaododireitoobjetivooudoordenamentojurdico.Oobjetivodajurisdio,nessalinha,passaa ter,antesde tudo,umaconotaopublicista,enoapenasumcompromissocomaproteodosparticulares,isto,umcompromissoprivatista.

SodeLodovicoMortaraasprimeirasliesendereadasaessaconcepodejurisdio,asquaislevaramosprpriosprocessualistaschiovendianosaconfessaroseupapelde juristade transioentreaescolaexegticaeaescolahistrico-dogmtica,fundadaporGiuseppeChiovenda.possveldizer que o Commentario del codice e delle leggi di procedura civile41 de Mortara afirmou, pelaprimeiravez,anaturezapblicadoprocessocivil.ComoreconheceuChiovenda,42ograndemritodeMortarafoiodeterpensadooprocessocivilcomoinstitutodedireitopblico,oqualfoiopontodepartidadosprogressossucessivamenteobtidosnonossocampo.43

No obstante, ainda que o pensamento de Mortara tenha sido importante para afirmar anaturezapblicadoprocesso,ofatoqueasuaconcepodejurisdio,aofrisaradefesadodireitoobjetivo,noselivroudopesodosvaloresdoEstadoliberal,mantendo-seabsolutamentefielideiadequeojuiz,diantedasuaposiodesubordinaoaolegislador,deveriaapenasatuaravontadedalei.

QuandoMortaraafirmaqueajurisdiotemofimdedefenderodireitoobjetivo,ficaclaroqueesseobjetivodeveserrealizadomedianteadeclaraoouaatuaodalei.Portanto,adoutrinadeMortara se diferenciou, em relao s lies dosprocessualistas que sustentarama concepodejurisdiovistanoitemanterior,apenasemrazodeterreveladoanaturezapblicadoprocesso,massemantevepresaaosvaloresculturaiseideolgicosdoEstadoliberal.

1.5.AteoriadeChiovenda:ajurisdiocomoatuaodavontadeconcretadalei

GiuseppeChiovenda,em1903,proferiuumaconfernciaquesetornoufamosanosestudosdoprocesso civil demonstrando a autonomia conceitual da ao em face do direito subjetivomaterial.44Essaconferncia,aorelativamentedesvincularaaododireitomaterial,marcouofimdaeraprivatistadoprocessoereafirmoua tendncia j inauguradaporMortaradorealcedanaturezapublicistadoprocessocivil.

A jurisdio,mergulhada no sistema de Chiovenda, vista como funo voltada atuao davontadeconcretadalei.SegundoChiovenda,ajurisdio,noprocessodeconhecimento,consistenasubstituio definitiva e obrigatria da atividade intelectual no s das partes, mas de todos oscidados, pela atividade intelectual do juiz, ao afirmar existente ou no existente uma vontadeconcretadaleiemrelaospartes.45

Chiovenda chegou a dizer que, como a jurisdio significa a atuao da lei, no pode haversujeio jurisdio seno onde pode haver sujeio lei.46 Essa passagem da doutrinachiovendianabastanteexpressivanosentidodequeoverdadeiropoderestatalestavanaleiedequeajurisdiosomentesemanifestavaapartirdarevelaodavontadedolegislador.

verdade que Chiovenda afirmou que a funo do juiz aplicar a vontade da lei ao casoconcreto.Comisso,noentanto,jamaisdesejoudizerqueojuizcriaanormaindividualouanormadocasoconcreto,semelhanadoquefizeramCarneluttietodososadeptosdateoriaunitriadoordenamentojurdico.Lembre-sedeque,paraKelsencertamenteograndeprojetordessaltimateoria,ojuiz,almdeaplicaralei,criaanormaindividual(ouasentena).47

Chiovendaumverdadeiroadeptodadoutrinaque, inspiradano iluminismoenosvaloresdaRevoluoFrancesa,separavaradicalmenteasfunesdolegisladoredojuiz,oumelhor,atribuaao legisladoracriaododireitoeao juizasuaaplicao.Recorde-seque,nadoutrinadoEstadoliberal, aos juzes restava simplesmenteaplicara leiditadapelo legislador.Nessapoca,odireitoconstituaasnormasgerais,isto,alei.Portanto,oLegislativocriavaasnormasgeraiseoJudicirioasaplicava.EnquantooLegislativoconstituaopoderpolticoporexcelncia,oJudicirio,vistocomdesconfiana,resumia-seaumcorpodeprofissionaisquenadapodiacriar.48

Demodoquenosepodeconfundiraplicaodanormageralaocasoconcretocomcriaodanormaindividualdocasoconcreto.Quandosesustenta,nalinhadaliodeKelsen,queojuizcriaanormaindividual,admite-sequeodireitooconjuntodasnormasgeraisedasnormasindividuaise,porconsequncia,queodireitotambmcriadopelojuiz.49

Emboraadoutrinadacriaodanormaindividualnosignifiquequeojuiznoestejapresoaotexto da lei como ficar claro quando se estudar a concepo de jurisdio de Carnelutti , inegvelquetaldoutrina,aosustentarqueojuizcriaanormaindividual,representouumacrticaposioqueenxergavanafunodojuizumasimplesaplicaodasnormasgerais.

Contudo, no se pode obscurecer que a doutrina de Chiovenda deu origem a uma escola quedesvinculouoprocessododireitomaterial,manchando-secomcaractersticasqueadiferenciaramda escola exegtica. Porm, os princpios bsicos da escola chiovendiana sobre os quais, alis,formaram-se a moderna doutrina processual italiana e a doutrina processual brasileira,especialmenteaquela ligada formaodoCdigoBuzaidde1973 foram inspiradosnomodeloinstitucional do Estado de Direito de matriz liberal, revelando, de tal modo, uma continuidadeideolgicaemrelaoaopensamentodosjuristasdosculoXIX.50

Amudanaqueseverificouemrelaonaturezadoprocesso,quedealgopostoaserviodosparticularespassouaservistocomomeiopeloqualseexprimeaautoridadedoEstado,nadateveaver como surgimentodeuma ideologiadiversada liberal, emuitomenos comuma tentativadeinserodoprocessocivilemumadimensosocial,constituindoapenasoresultadodaevoluodaculturajurdica.51

Deixe-seclaroqueaescolachiovendiana,aindaquepreocupadacoma investigaodasrazeshistricas dos institutos processuais, bem como com uma maior problematizao da dogmticaprocessualcivil,jamaischegouaquestionar,porexemplo,oacessodoscidadosaoPoderJudicirioeaefetividadedosprocedimentosparaatenderaosdireitosdasclassesdesprivilegiadas.

Comoestclaro,aescolachiovendiana,apesardetercontribudoparadesenvolveranaturezapublicistadoprocesso,manteve-sefielaopositivismoclssico.

1.6.AdoutrinadeCarnelutti:ajustacomposiodalide

Carneluttiatribuiujurisdioafunodejustacomposiodalide,entendidacomooconflitodeinteressesqualificadopelapretensodeumepelaresistnciadooutrointeressado.52A lide,nosistemadeCarnelutti,ocupaolugardaaonosistemachiovendiano.

Comovisto,Chiovenda,aodesenvolveroestudodaao,demonstrouasuarelativaautonomiaemrelaoaodireitomaterial.Porm,essetrabalhodeseparaoentreaaoeodireitosubjetivomaterial teve o ntido objetivo de demonstrar a superao da concepo privatista de processo.Como fez questo de frisar Cristina Rapisarda, a teoria chiovendiana da jurisdio, como funovoltadaatuaodavontadeconcretadalei,eraestritamenteconexa,noplanoconceitual,comoprincpio da autonomia da ao.53 Ou seja, se a ao no se confunde com o direito material,constituindo um poder de provocar a atividade do juiz, lgico que essa atividade voltada atuaodaleienorealizaododireitomaterial.Demodoqueoconceitochiovendianodeaose colocou ao centro do sistema que revelou a natureza publicista do processo. A partir desseconceito,ajurisdiofoi,porconsequncia,pensadanoquadrodasfunesdoEstado,considerada,ento,atripartiodospoderes.

Carnelutti,entretanto,partiudaideiadelideentreduaspessoascompreendidacomoconflitodeinteressesindividualou,maisprecisamente,marcadapelaideiadelitigiosidade,conflituosidadeoucontenciosidadeparadefiniraexistnciadejurisdio.Alide,dentrodosistemacarneluttiano, caracterstica essencial para a presena de jurisdio. Havendo lide, a atividade do juiz jurisdicional,masnohjurisdioquandonoexisteumconflitodeinteressesparaserresolvidoouumalideparasercompostapelojuiz.54

evidentequeongulovisualdeCarneluttirevelaumacompreensoprivatistadarelaoentrea lei, os conflitos e o juiz, alm de uma imagem puramente individualista dos conflitos sociais.EnquantoChiovendaprocuravaaessnciada jurisdiodentrodoquadrodas funesdoEstado,Carneluttivianaespecialrazopelaqualaspartesprecisavamdojuiznoconflitodeinteressesacaracterstica que deveria conferir corpo jurisdio. Carnelutti estava preocupado com afinalidadedaspartes;Chiovenda,comaatividadedo juiz.Por isso,possveldizerqueCarneluttienxergavaoprocessoapartirdeuminteresseprivadoeChiovendaemumaperspectivapublicista.

Dequalquermaneira,afrmuladacomposiodalidetambmpodeseranalisadaapartirdaideia,queestpresentenosistemadeCarnelutti,dequealei,porsis,insuficienteparacomporalide,sendonecessriaparatantoaatividadedojuiz.Asentena,nessalinha,integraoordenamento

jurdico,tendoamissodefazerconcretaanormaabstrata,isto,alei.Asentena,aotornaraleiparticularparaaspartes,comporiaalide.55

Asconcepesdejustacomposiodalide,deCarnelutti,edeatuaodavontadeconcretadodireito, elaborada por Chiovenda, so ligadas a uma tomada de posio em face da teoria doordenamento jurdico, ou melhor, funo da sentena diante do ordenamento jurdico. ParaChiovenda,afunodajurisdiomeramentedeclaratria;ojuizdeclaraouatuaavontadedalei.Carnelutti,aocontrrio,entendequeasentenatornaconcretaanormaabstrataegenrica,isto,fazparticularaleiparaoslitigantes.

ParaCarnelutti,asentenacriaumaregraounormaindividual,particularparaocasoconcreto,que passa a integrar o ordenamento jurdico, enquanto, na teoria de Chiovenda, a sentena externa (est fora) ordem normativa, tendo a funo de simplesmente declarar a lei, e no decompletaroordenamentojurdico.Aprimeiraconcepoconsideradaadeptadateoriaunitriaeasegunda,dateoriadualistadoordenamentojurdico,sendoqueessasteoriastambmsochamadasdeconstitutiva(unitria)edeclaratria(dualista).

Algumpode indagar,diantedisso,seCarnelutti,quandoadere teoriaunitria,admitequeasentenacriaumdireitoqueaindanoexistia.Paratantoprecisoesclarecerse,diantedateoriaunitria, devida especialmente a Kelsen, o qual afirma que o juiz produz uma norma jurdicaconcreta,desejou-se concluirqueo juizpode,aoproferira sentena, criarumanorma individualquenotenhabaseemumanormajurdicajexistente.

Arespostanoanimadoraparaquempretendaveralgomaisnadefiniodejurisdio.ParaKelsentodoatojurdicoconstitui,emumstempo,aplicaoecriaododireito,comexceodaConstituio e da execuo da sentena, pois a primeira seria pura criao e a segunda puraaplicaododireito.56Porisso,olegisladoraplicaaConstituioecriaanormageraleojuizaplicaanormageralecriaanormaindividual.57

AteoriadeKelsenafirmaaideiadequetodanormatemcomobaseumanormasuperior,atsechegar norma fundamental, que estaria no pice do ordenamento. De modo que a normaindividual, fixada na sentena, liga-se necessariamente a uma norma superior. A norma individualfaria parte do ordenamento, ou teria natureza constitutiva, apenas por individualizar a normasuperiorparaaspartes.58

Contudo,aoindividualizaranormasuperior,ojuizadeclara.Quandotornaanormaconcreta,ou compea lideno sentidodadoutrinadeCarnelutti, faz apenasumprocessodeadequaodanormajexistenteaocasoconcreto.certoqueanormajurdica,genricaeabstrata,podeserconcretizadaaindaquesemanecessidadedoprocesso.Paratanto,bastaqueumfatoseenquadreperfeitamenteprevisodanormaabstrata.Masseissonoocorreatmesmoporquenofcil,primeiravistaedecomumacordo,concluirseumfatoseadaptaprevisodanormaabstrata,surgecomonecessriaa jurisdioparadizer seo fatoocorridoestporelaalbergado.Medianteuma atividade de conhecimento do fato e de inteleco da norma, o juiz, ao proferir a sentena,individualizaanorma,tornando-aconcretaparaoslitigantes.

Isso quer dizer que as concepes de que o juiz atua a vontade da lei e de que o juiz edita anormadocasoconcretobeberamnamesmafonte,poisasegunda,aoafirmarqueasentenaproduza norma individual, quer dizer apenas que o juiz, depois de raciocinar, concretiza a norma jexistente,aqual,dessaforma,tambmdeclarada.59

Quando os processualistas clssicos sustentam que a sentena fixa a lei do caso concreto,

obviamentenoqueremdizerqueasentenanofielleiquepreexisteaoprocesso,masapenasque a sentena, aps o processo ter encerrado e produzido o que se chama de coisa julgadamaterial,valecomoleiparaaspartes.Dizia,porexemplo,Calamandrei,jemobramadura60umdosmais importantes processualistas do sculo passado que a lei abstrata se individualiza porobradojuiz.61Issoocorreriaapsotrminodoprocesso,quandoasentenanopudessemaisserdiscutida,ocasioemquenoseadmitiriamaisnemfaltadecertezanemconflitosobrearelaojurdicajulgada.Eisaliodoilustrejuristaitaliano:Assimcomoaleivale,enquantoestemvigor,noporquecorrespondajustiasocial,senounicamentepelaautoridadedequeestrevestida(duralexsedlex),assimtambmasentena,umavez transitadaemjulgado,valenoporqueseja justa,senoporquetem,paraocasoconcreto,amesmaforadalei(lexspecialis).Emumcertoponto,jnolegalmentepossvelexaminarseasentenacorrespondeounolei:asentenaalei,ealeiaqueojuizproclamacomotal.Mascomistonosequerdizerqueapassagemcoisajulgadacrieodireito:asentena (ouacoisa julgadamaterialoudeclaraodecerteza),nosistemada legalidade,temsemprecarterdeclarativo,nocriativododireito.62

Frise-sequeCalamandreiadeptodateoriaunitriadoordenamentojurdico,sustentandoquealeiseindividualizaatravsdasentena.Mas,aindaassim,nonegaqueatarefajurisdicionaltenhafunodeclaratria.Alis,afirmaexpressamentequealeivale,enquantoestemvigor,noporquecorrespondajustiasocial,senounicamentepelaautoridadedequeestrevestida.EssaafirmaodeCalamandreiimprescindvelparasecompreenderedemonstrarqueaadesoteoriaunitrianorepresenta,porsis,qualquerrompimentocomopositivismoclssico.

Deixe-se claro, portanto, que as concepes de Carnelutti e Calamandrei, apesar de filiadas teoriaunitriadoordenamento jurdico,no sedesligaramda ideiadequea funodo juiz estestritamente subordinadado legislador,devendodeclarara lei.Naverdade, adistinoentreaformulao de Chiovenda e as de Carnelutti e Calamandrei est em que, para a primeira, ajurisdio declara a lei, mas no produz uma nova regra, que integra o ordenamento jurdico,enquanto, para as demais, a jurisdio, apesar de no deixar de declarar a lei, cria uma regraindividualquepassaaintegraroordenamentojurdico.

footnotesfootnotes

1

MARTINRAYMOND,Anouveausiclenouveauprocscivil,p.40:Cetteneutralitedecoulait,aumoinsdanslaprocduresuiviedevant

letribunalcivilrepresentantledroitcommunprocedural,delarepresentationobligatoiredespartiespardesavous,successeursdes

procureursdAncienRegime.Laproceduretaitfaiteparlesavoues.Lejugenenconnaissaitquloccasiondesincidentsquitaient

portsdevant lui,circonstancerare,car lesavousprfraientreglerces incidentsenfamillie. (...)Lesavocatsnesesafissaientpas

alorslesmainscesjeuxproceduriers.Laneutralitdujugetaitfaitedefactivitdesavoues.Cetaituneneutralitdetouslesjours,

coupedequelquesincidentsrecueillisparderaresprofesseurs,etnonuneaffirmationdeprincipe.

2

CARLSCHMITT,TeoradelaConstitucin,p.157.

3

A.V.DICEY,Introductiontothestudyofthelawoftheconstitution,p.202-203,caracterizaoruleoflawportrsnotas:ausnciadepoder

arbitrrio,igualdadeperantealeie,porfim,ofatodequeosprincpiosgeraisdaConstituioconstituemresultadosdodireitocomum,

ouseja,revelam-senaformacomoostribunaisreconhecemdireitosindividuais.Ver,ainda,paraumestudocomparativodasnoes

deruleoflaw,tatdedroiteRechtstaat,MICHELROSENFELD,Theruleoflawandthelegitimacyofconstitutionaldemocracy,Southern

CaliforniaLawReview,v.74,n.5,p.1307-1351;LUCHEUSCHLING,EtatdeDroit,Rechtsstaat,RuleofLaw.Nodireitobrasileiroe,em

particular,diantedoprocessocivil,verDANIELMITIDIERO,ProcessocivileEstadoconstitucional.

4

GUSTAVOZAGREBELSKY,Alei,odireitoeaConstituio,textoapresentadonocolquiocomemorativodoXXAniversriodoTribunal

Constitucional Portugus, realizado em Lisboa, em 28.11.2003. Sobre a importncia da histria constitucional, oumelhor, de uma

histria crtica para uma melhor compreenso do direito constitucional contemporneo, ver GUSTAVO ZAGREBELSKY, Historia y

Constitucin(comintroduodeMIGUELCARBONELL).

5

GUSTAVOZAGREBELSKY,Elderechodctil,p.25.

6

CARLSCHMITT,Teoradelaconstitucin,cit.,p.150.

7

LUIGIFERRAJOLI,Derechosfundamentales,cit.,p.52.

8

Delespritdeslois(Doespritodasleis),publicadapelaprimeiravezem1748.

9

MONTESQUIEU,Doespritodasleis,p.158.

10

VerGIOVANNITARELLO,Storiadellaculturagiuridicamoderna(assolustismoecodificazionedeldiritto),p.291.

11

LUIGIFERRAJOLI,Pasadoefuturodelestadodederecho,Neoconstitucionalismo(s),p.15-17.

12

MAUROCAPPELLETTI, RepudiandoMontesquieu? A expanso e a legitimidade da justia constitucional,Revista da Faculdade de

DireitodaUFRGS,v.20,p.268.

13

Idem,p.269.

14

NaobraDoespritodasleis.

15

A Lei Revolucionria de agosto de 1790 afirmou expressamente que os tribunais judicirios no tomaro parte, direta ou

indiretamente, no exerccio do poder legislativo, nem impediro ou suspendero a execuo das decises do poder legislativo (...)

(TtuloII,art.10);queostribunaisreportar-se-oaocorpolegislativosemprequeassimconsideraremnecessrio,afimdeinterpretar

oueditarumanovalei (TtuloII,art.12);equeasfunes judiciriassodistintasesemprepermaneceroseparadasdasfunes

administrativas. Sob pena de perda de seus cargos, os juzes de nenhumamaneira interferiro com a administrao pblica, nem

convocaro os administradores prestao de contas com respeito ao exerccio de suas funes (Ttulo II, art. 12) (cf. MAURO

CAPPELLETTI,RepudiandoMontesquieu?...,cit.,p.272).

16

VerGUSTAVOZAGREBELSKY,A lei, o direito e a Constituio.Colquio comemorativo doXXAniversrio do Tribunal Constitucional

Portugus;KathleenM.Sullivan,TheSupremeCourt,1991TermForeword:Thejusticeofrulesandstandards,HarvardLawReview,v.

106,p.22;RONALDDWORKIN,ABillofRightsforBritain.

17

MAUROCAPPELLETTI,RepudiandoMontesquieu?...,cit.,p.272.

18

CARLSCHMITT,TeoradelaConstitucin,cit.,p.138.

19

Idem,p.150.

20

GUSTAVOZAGREBELSKY,Elderechodctil,cit.,p.29;verEDWARDSS.CORWIN,Theestablishmentof judicialreview,MichiganLaw

Review,v.9,n.2,p.102-125.

21

VerJRGENHABERMAS,Direito e democracia, p. 305: Essemodelo parte da premissa segundo a qual a constituio do Estado de

direitodemocrticodeverepelirprimariamenteosperigosquepodemsurgirnadimensoqueenvolveoEstadoeocidado,portanto

nas relaesentreoaparelhoadministrativoquedetmomonopliodopodereaspessoasprivadasdesarmadas.Aopassoqueas

relaeshorizontaisentreaspessoasprivadas,especialmenteasrelaesintersubjetivas,notmnenhumaforaestruturadoraparao

esquemaliberaldedivisodospoderes.

22

VerCARLSCHMITT,Teoradelaconstitucin,cit.,quedefineoEstadodeDireitooriundodoliberalismoclssicocomotodoEstadoque

respete sin condiciones el Derecho objetivo vigente y los derechos subjetivos que existan, e adverte que tal concepo tem por

consequncialegitimaryeternizarelstatusquovigente.

23

Exemplar,nessesentido,opronunciamentodaSupremaCortedosEstadosUnidosnocasoAdkinsversusChildrensHospital261U.S.

525(1923),decisode1923queinvalidouumalegislaoqueestabeleciasalriomnimoparamulheresecrianas:Totheextentthat

thesumfixed[bytheminimumwagestatute]exceedsthefairvalueoftheservicesrendered,itamountstoacompulsoryexactionfrom

theemployerforthesupportofapartiallyindigentperson,forwhoseconditionthererestsuponhimnopeculiarresponsibility,and

therefore, in effect, arbitrarily shifts to his shoulders a burdenwhich, if it belongs to anybody, belongs to society as awhole (Na

extenso em que a soma fixada [pela lei do salriomnimo] excede o valor justo dos servios prestados, equivale a uma exao

compulsria do empregador para o sustento de uma pessoa parcialmente indigente, por cuja condio ele no tem nenhuma

responsabilidade especial, e por isso, de fato, transfere arbitrariamente para os seus ombros um fardo que, se pertence a algum,

pertencesociedadecomoumtodo).VerCASSSUNSTEIN,Thepartialconstitution,p.45.

24

Sobreesseconceitodecertezajurdicaesobreasuasuperao,HUMBERTOVILA,Seguranajurdica,p.250-252.

25

MONTESQUIEU,Doespritodasleis,cit.,p.158.

26

GIOVANNITARELLO,Storiadellaculturagiuridicamoderna...,cit.,p.294;verGeoffreyC.HAZARDJR.,Reflectionsonthesubstanceof

finality,CornellLawReview,v.70,p.642,646-647.

27

MAUROCAPPELLETTI,RepudiandoMontesquieu?...,cit.,p.271.

28

Para um quadro da teoria do direito emOitocentos, em que se inserem os dogmas do cognitivismo interpretativo e do logicisimo

aplicativo dos quais decorrem a tese da nica resposta correta para os problemas interpretativos naquele ambiente cultural,

PIERLUIGICHIASSONI,LIndirizzoAnaliticonellaFilosofiadelDiritto,p.116-117.

29

JRGENHABERMAS,Direitoedemocracia,cit.,p.313:Oparadigmaliberaldodireitoexpressou,atasprimeirasdcadasdosculoXX,

umconsensodefundomuitodifundidoentreosespecialistasemdireito,preparando,assim,umcontextodemximasdeinterpretao

noquestionadasparaaaplicaododireito.Essacircunstnciaexplicaporquemuitospensavamqueodireitopodiaseraplicadoa

seutempo,semorecursoaprincpiosnecessitadosdeinterpretaoouaconceitos-chaveduvidosos.

30

GUSTAVOZAGREBELSKY,El derecho dctil, cit., p. 32. Referindo-se ao Cdigo Civil italiano de 1865, dizNATALINO IRTI: Na idade

liberal a idadeque seencerraem1914entreosesplendoresdagrandeguerra, o sistemanormativogravita completamente em

tornoaoCdigoCivil.OCdigoCivil de 1865 contmosprincpios gerais,queorientama regulaodasparticulares instituies ou

matrias, e que, emltima instncia, servempara colmataras lacunasdoordenamento (Leyes especiales (delmono-sistemaalpoli-

sistema),Laedaddeladescodificacin,p.93).

31

Ver,sobreopositivismojurdicooitocentista,PIERLUIGICHIASSONI,LIndirizzoAnaliticonellaFilosofiadeldiritto,p.177eseguintes;

NORBERTOBOBBIO,O positivismo jurdico;KARL LARENZ,Metodologia da cincia do direito, p. 21 e seguintes; sobre o positivismo

jurdicoemNovecentos,HANSKELSEN,Teoriapuradodireito;HERBERT L. A.HART,O conceito de direito; ALF ROSS,On Law and

Justice;CLUDIOMICHELON,AceitaoeobjetividadeUmacomparaoentreastesesdeHARTedopositivismoprecedentesobrea

linguagem e o conhecimento do direito; LUS FERNANDO BARZOTTO, O positivismo jurdico contemporneo Uma introduo a

Kelsen,RosseHart;RONALDOPORTOMACEDOJNIOR.DoxadrezcortesiaDworkineateoriadodireitocontempornea;Ronald

Dworkin,Taking Rights Seriously; RONALDDWORKIN, Justice forHedgehogs; JOSEPHRAZ,The authority of law; JULES COLEMAN,

Negativeandpositivepositivism,OxfordJournalofLegalStudies,v.11,p.139.Paraumvigorosoargumentopositivistasustentandoa

importnciadas intenesdo legisladorparaa interpretao,LARRYALEXANDER.Tudoounada?As intenesdasautoridadesea

autoridadedasintenes,Direitoeinterpretao,p.537-608.

32

ComoobservaTERCIOSAMPAIOFERRAZJR.,otermopositivismonounvoco,servindoparadesignartantoadoutrinadeAUGUSTE

COMTE,comotambmaquelasqueseligamsuadoutrinaouaelaseassemelham.COMTEentendeporcinciapositivacoordination

defaits.Devemos,segundoele,reconheceraimpossibilidadedeatingirascausasimanentesdosfenmenos,aceitandoosfatosesuas

relaesrecprocascomoonicoobjetopossvelde investigaocientfica.Aphysiquesocialedeveria, neste sentido, tornar-seuma

estigmatizaodosdogmasedospressupostosdafilosofiadosculoXVIII.COMTEafirmaque,numaordemqualquerdefenmenos,a

ao humana sempre bastante limitada, isto , a intensidade dos fenmenos pode ser perturbada,mas nunca a sua natureza. O

estreitamento namargem demutabilidade da natureza humana, que COMTE recolhe domodelo da biologia antievolucionista, d

condies de possibilidade a uma sociologia. Supe-se que o desenvolvimento humano sempre omesmo, apenasmodificado na

desigualdadedasuavelocidade(vitessededeveloppement).EmclebredisputaentreLamarqueeCuvier,COMTEcolocou-seaoladodo

ltimo.Foidabiologiafixistaquesaiuoseuprincpiodascondiesdeexistncia,garantiadapositividadedaSociologia.Aadooda

problemtica da biologia positiva (tant donn lorgane, trouver la fonction et rciproquement) implicou a recusa do mtodo

teleolgico e o predomnio da explicao causal. Da a luta, na segundametade do sculo XIX, contra a teleologia nas cincias da

natureza e mais tarde, com KELSEN, na Cincia do Direito; da o determinismo e a negao da liberdade da vontade. Todos os

fenmenosvitaishumanosdeviamserexplicadosapartirdesuascausassociolgicas.Eraumaconformitspontanedosfenmenos

polticos com uma fase determinada do desenvolvimento da civilizao. Todas essas teses de Comte foram base comum para o

positivismo do sculo XIX. Da surgiu, finalmente, a negao de toda metafsica, a preferncia dada s cincias experimentais, a

confianaexclusivanoconhecimentodosfatosetc.(Acinciadodireito,p.31).

33

LUIGIFERRAJOLI,Pasadoefuturo...,cit.,p.16;verHANSKELSEN,Teoriapuradodireito,cit.

34

MAURO CAPPELLETTI, Dimensioni della giustizia nelle societ contemporanee, p. 72. O que se pretende evidenciar aqui que o

positivismoclssiconodcontadealgumaformaderaciocniojurdicoquenosejaumasimplesdeduo,ouquedeixedeencaixar

umcasoespecialdentrodomoldedeumaregrageralprefixada.Paraumacomparaodopapeldadoutrinaoitocentistaedaprimeira

metade de Novecentos com o papel da doutrina contempornea, HUMBERTOVILA, Funo da cincia do direito tributrio: do

formalismoepistemolgicoaoestruturalismoargumentativo,RevistaDireitoTributrioAtual.

35

NORBERTOBOBBIO,Ilpositivismogiuridico,p.233ess.

36

PETERHBERLE,DieWesengehaltsgarantie des Art. 19 Abs. 2 Grundgesetz, p. 90-91: O pensamento individualista e o liberalismo

constituemascausasadicionaisparaodesprezodaparteinstitucionaldosdireitosfundamentais.(...)Oformalismoeopositivismono

tmnenhumsentidoparaarelaoimanentedosdireitosfundamentaiscomoinstitutos.Creemqueaessnciadaliberdadeseesgota

comasliberdadesnegativasdiantedacoerodoEstado.

37

RUDOLFWASSERMANN,DersozialeZivilprozess,p.44: Nacrenadequeo juizest sujeitosamarrasda lei, sente-seautopiado

desconfianteliberalismocontratodopoderestatal,imaginando-secomissosetersolucionadooproblemadocontroledopoder.Quem

podedizeroquealeiafirmanoexercepoderalgum.apenasumguardio,queporsuaveznorequerqualqueroutroguardio

sobresi.Operigodequeasinstnciaspolticaspossaminfluirnajurisprudnciaconduztambmaoprincpiodojuiznatural.

38

Sobreoassunto,GIOVANNITARELLO,LaScuoladellEsegesiesuaDiffusioneinItalia,CulturaGiuridicaePoliticadelDiritto,p.69e

ss.;PierluigiChiassoni,LIndirizzoAnaliticonellaFilosofiadelDiritto,pp.243ess.;ALFROSS,TheoriederRechtsquellen,p.34ess.

39

GIUSEPPEMANFREDINI,Programmadelcorsodidirittogiudiziariocivile,p.44.

40

VerLUIZGUILHERMEMARINONI,Tutelainibitria,p.312ess.

41

LODOVICOMORTARA,CommentariodelCodiceedelleleggidiproceduracivile.Ainda,PAOLOGROSSI,ScienzaGiuridicaItalianaUn

ProfiloStorico(18601950),p.61-66.

42

EmhomenagempstumaaMORTARA.

43

GIUSEPPECHIOVENDA,LODOVICOMORTARA.RivistadiDirittoProcessualeCivile,1937,p.101.

44

GIUSEPPECHIOVENDA,Lazionenelsistemadeidiritti.Saggididirittoprocessualecivile,p.3ess.

45

GIUSEPPECHIOVENDA,Principiosdelderechoprocesal,p.365.

46

GIUSEPPECHIOVENDA,Instituies...,cit.,v.2,p.55.

47

HANSKELSEN,Teoria geral do direito e do estado, p. 165; ver ULISES SCHMILLORDEZ, Observaciones a inconstitucionalidad y

derogacin.Discusiones,p.79-83;CARLOSNINO,ElconceptodevalidezjurdicaenlateoradeKelsen.Lavalidezdelderecho,p.7-40.

48

EUGENIOBULYGIN,Losjuecescreanderecho?,textoapresentadoaoXIISeminrioEduardoGarcaMaynezsobreteoriaefilosofiado

direito,organizadopeloInstitutodeInvestigacionesJurdicasyelInstitutodeInvestigacionesFilosficasdelaUnam,p.8.

49

HANSKELSEN,ReineRechtslehreEinleitungindierechtswissenschaftlicheProblematik,1934,p.3-5,197,237;emsensocrticoHorst

Dreier,HANSKELSEN(1881-1973)JuristdesJahrhunderts?DeutscheJuristenjdischerHerkunft,1993,p.705-733.

50

CRISTINARAPISARDA,Profilidellatutelacivileinibitoria,p.70.

51

MICHELETARUFFO,LagiustiziacivileinItaliadal700aoggi,p.186.

52

FRANCESCOCARNELUTTI,Sistema...,cit.,v.1,p.40.

53

CRISTINARAPISARDA,Profili...,cit.,p.52.

54

FRANCESCOCARNELUTTI,Sistema...,cit.,v.1,p.130ess.

55

FRANCESCOCARNELUTTI,Dirittoeprocesso,p.18ess.

56

Cf.EUGENIOBULYGIN,Losjuecescreanderecho?,cit.,p.10.

57

Criarumanorma,portanto,aomesmotempo,aplicarumaoutranorma;omesmoato,simultaneamente,decriaoedeaplicao

dodireito(HANSKELSEN,Teoriageraldoestado,p.105);vertambmHansKELSEN,Lagarantiejurisdictionnelledelaconstitution.

Lajusticeconstitutionnelle.RevuedeDroitPublic,1928,p.204.

58

HANSKELSEN,TeoriageraldoEstado,cit.,p.109ess.Eltribunaltienequedeclararlaexistenciadetalnormadelmismomodoque

estobligadoaestablecerlaexistenciadelactoviolatorio.Peronosololostribunales:todoslosrganosjurdicosseencuentranenla

necesidad de decidir si la norma que prima facie les exige ejecucin es una norma perteneciente al orden jurdico. Para ello,

colocndoseenelpuntodevistainternooinmanentealderecho,tienequedeterminarsilanormarespectivaesunanormaexistentey

regular, si ha sido creada con arreglo a los procedimientos y con los contenidos establecidos por las normas condicionantes

(superiores)(ULISESSCHMILLORDEZ,Observaciones...,cit.,p.109);LanormabsicadeKELSENestablecelaobligatoriedaddeun

sistema jurdico; su identidad est determinada por un criterio que toma en cuenta el hecho de que la misma norma bsica es

presupuestacuandoadscribimosobligatoriedada todas lasnormasdelsistema.Decualquiermanera,comocriteriode identidadel

anterioresvacuo,yaqueelcontenidodecadanormabsica(y,consecuentemente,supropiaidentidad)nopuede,serestablecido,enel

contextodelateoradeKELSEN,antesdecircunscribirlasnormasquepertenecenalsistemajurdico.(...)Sisedanporcorrectaslas

destaedio[2017]

objecionesprecedentes,seriaelcasodepreguntarseculessonlosobstculosqueKELSENpretendesuperarintegrandoasuteorala

hiptesisdeautorizacinabiertaquehemosexaminado.EsobvioqueelconceptodevalidezquelaTeorapurapareceformularen

formaexplcita,implicatrivialmentequenosonvlidasaquellasnormasquecontradicenlascondicionesparasucreacinprescriptas

pornormasdenivelsuperior.Porotraparte,esasupuestadefinicinkelsenianadevalidezesincompatibleconelreconocimientode

quelavalidezoinvalidezdeunanormadependadeladeclaracinenunouotrosentidoporunrganocompetente(CARLOSNINO,El

concepto...,cit.,p.14ep.35).

59

No se olvide, entretanto, que, aomenosnomodelo de criaodanorma individual pelo juiz reconhecidoporKELSEN, existe um

componentecriativooriginrionaatuaodojuiz.Comoexplicaoautor:Arelaoentreumescalosuperioreumescaloinferiorda

ordem jurdica, comoa relaoentreConstituioe lei, ou lei e sentena judicial, umarelaodedeterminaoouvinculao:a

norma do escalo superior regula o ato atravs do qual produzida a norma do escalo inferior. (...) Essa determinao nunca ,

porm,completa.Anormadoescalosuperiornopodevincularemtodasasdirees(sobtodososaspectos)oatoatravsdoqual

aplicada.Temsempredeficarumamargem,oramaiororamenor,delivreapreciao,detalformaqueanormadoescalosuperior

tem sempre, em relao ao ato de produonormativa, (...) o carter de umquadro oumoldura a preencher por esse ato (HANS

KELSEN,Teoriapuradodireito, cit.,p.388). Sepor interpretao se entendea fixaopor via cognoscitivado sentidodoobjeto a

interpretar,oresultadodeumainterpretaojurdicasomentepodeserafixaodamolduraquerepresentaoDireitoainterpretare,

consequentemente,oconhecimentodasvriaspossibilidadesquedentrodessamolduraexistem.Sendoassim,ainterpretaodeuma

leinodevenecessariamenteconduziraumanicasoluocomosendoanicacorreta,maspossivelmenteavriassoluesquena

medidaemqueapenassejamaferidaspelaleiaaplicartmigualvalor,sebemqueapenasumadelassetornedireitopositivonoato

dorgoaplicadordodireitonoatodotribunal,especialmente.Dizerqueumasentenajudicialfundadanaleinosignifica,na

verdade,senoqueelasecontmdentrodamolduraouquadroquealeirepresentanosignificaqueelaanormaindividual,mas

apenas que uma das normas individuais que podem ser produzidas dentro da moldura da norma geral (idem, p. 390-391). A

obtenodanorma individual no processo de aplicaoda lei , namedida emquenesse processo seja preenchida amoldura da

normageral,umafunovoluntria(idem,p.393).

60

preciso distinguir no mnimo duas fases do pensamento de CALAMANDREI:Calamandrei aluno de Chiovenda e CALAMANDREI

professordeMAUROCAPPELLETTI.Aobservaooportunanamedidaemque,nasIstituzioni(1940),CALAMANDREIapresentauma

relaoentrelegislaoejurisdioquemaisseaproximadeCarnelutti.EmseuclssicoensaiosobreLaGenesiLogicadellaSentenza

Civile(1914),porm,sualiosegueriscaopensamentodeCHIOVENDA.

61

PIEROCALAMANDREI,Istituzionididirittoprocessualecivile,p.156.

62

PIEROCALAMANDREI,Estudiossobreelprocesocivil,p.158.

2017-05-01

NovoCursodeProcessoCivil-Volume1-Edio2017PARTEI-AJURISDIONOESTADOCONSTITUCIONAL2.DOMITODOCOGNITIVISMOINTERPRETATIVOEDOLOGICISMONAAPLICAODODIREITONOPOSITIVISMOCLSSICO

DUPLAINDETERMINAODODIREITONOESTADOCONSTITUCIONAL

2.Domitodocognitivismointerpretativoedologicismona

aplicaododireitonopositivismoclssicodupla

indeterminaododireitonoEstadoConstitucional

2.1.OquadrotericodopositivismoclssicodeOitocentos

OquadrotericodopositivismoclssicodeOitocentos,queforneceuospressupostosgeraisparaas teoriasdeMortara,Chiovenda,Carnelutti edeCalamandrei sobreo conceitode jurisdio, emqualquer de suas trs vertentes mais conhecidas a cole de lExgse francesa, aBegriffsjurisprudenzaleme aanalytical jurisprudence inglesa1 pode ser traado em suas linhasgeraisapartirdedezideiasbsicas.Auma,odireitoeravistodesdeumaperspectivaimperativista,isto,odireitoseriabasicamenteumconjuntodecomandosedevedaes.Aduas,eravistocomoumsistema,comoalgonecessariamentedotadodeplenitude, isto,umtodoordenado,completoecoerente.Atrs,eravistocomoumacincia,nosmesmosmoldesdascinciasdanatureza,sendoodiscurso jurdicoavalorativo. A quatro, era encarado comoalgoartificial, vale dizer, to somentecomoumproduto da convivncia social. A cinco, comoum sistema artificial de imperativos cujaeficcia depende invariavelmente do uso da fora, sendo direito apenas aquilo que pode sersancionadocoercitivamente.A seis, diantedo seu carternecessariamente sancionatrio, odireitoeravistocomoalgosempre ligadoaoEstadoestatalismo jurdico,namedidaemqueapenasoEstado detm o monoplio do uso legtimo da fora. A sete, por ser necessariamente de origemestatal, odireito sempredeveria serveiculadopela legislao, sendoa lei a fonteexclusivaouaomenos preponderante de todas as manifestaes do direito. A oito, sendo o direito artificial eestando a sua validade ligada to somente sua origem e forma com que exteriorizado formalismojurdico,esseteriaumamoralidadecontingente,nosendoaassunodedeterminadamoralcondiodevalidadedodiscurso jurdico.Anove,pressupondo-seanormacomoalgopr-existenteatividadeinterpretativadojuiz,opositivismoclssicoenxergavanainterpretaoumaatividadepuramentecognitiva, cujoobjetivoestavaemdeclararo correto significadodanorma.Adez, por fim, o positivismo clssico pressupunha que a ligao entre a norma e o caso concretoocorreriamedianteum juzopuramente lgicodedutivo, emque figuraria comopremissamaioranorma,premissamenorocasoecomoconclusoasoluojurdicaverdadeiraparaacausa.2

Imperativismo, sistematicidade, avaloratividade, artificialidade, coatividade, estatalismo,legalismo,formalismo,cognitivismoelogicisimosotermoscomumenteassociadosaopensamentojurdico oitocentista.3 Todos estavam presentes no caldo de cultura em que imersos Mortara,Chiovenda, Carnelutti e Calamandrei.No entanto, ganharamespecial relevopara a formaodosseus respectivos conceitosde jurisdio epara todasasquestesdadecorrentes basicamenteduascaractersticas:ocognitivismointerpretativoeologicismoaplicativo.

2.2.Adoutrinadocognitivismointerpretativo

Tanto a doutrina da jurisdio como declarao da vontade concreta da lei quanto aquela dajustacomposiodalidepartemdopressupostodequeanormajurdicaalgototalmenteanterioratividadedeinterpretao.Valedizer:partemdopressupostodequeolegisladoroutorganosotexto,mas tambmanorma ao legislar.A interpretao constituiria,portanto,umaatividadequevisariasimplesmenteaconhecerosignificadointrnsecodotextolegal,declarando-oparasoluodedeterminadocaso.

Naperspectivacognitivista,ainterpretaoconsubstancia-seemumatodepuroconhecimento.Ainterpretaoteriacomoresultadoadeclaraodanica,exata,objetivaecorreta interpretaodalei.4Comoobservaadoutrina,astesescentraisdateoriacognitivistapodemserassimresumidas:(i)toda norma tem um significado intrnseco, implcito, mas objetivamente dado; (ii) a atividade dointrprete consiste em individualizar e tornar explcito esse significado; (iii) eventual problemainterpretativo,ouaexistnciademaisdeumsignificadoatribuvelaomesmoenunciadonormativo,resolve-sepelaindividualizaodoverdadeirosignificadoedescartedosdemaissignificados,queporconsequnciasofalsos;(iv)omtodointerpretativolgico-dedutivoeexcluiqualquervaloraoeescolha discricionria do intrprete; e (v) o juiz interpreta a norma a fim de declarar o seusignificado implcito objetivamente existente, sem em nenhum momento realizar qualquer escolhavalorativa,aplicandodedutivamenteanormaaofato.5

2.3.Adoutrinadologicismonaaplicaododireito

Paraadeclaraodavontadeconcretadaleiouparaajustacomposiodalide,aintepretaoda norma seria apenas um dos atos necessrios. O outro estaria no estabelecimento de umanecessria conexo entreanormadevidamente interpretadaeo casoconcretomedianteoqualavontade concreta da lei deveria ser atuada ou em que se concretizaria a lide que deveria serjustamentecomposta.

Nocontextotericodopositivismoclssico,imaginava-sequeessaconexoocorreriamedianteasimplesutilizaoda lgica especialmente,da lgicadedutiva. Supunha-sequea lgicadedutivaseriasuficienteparaligaranormaaofatoparadaseretirarumadeciso.Depoisdeinterpretadaanorma, essa deveria ser aplicada ao caso concreto mediante um silogismo judicirio, em quefigurava como premissa maior a norma, premissa menor o fato e como concluso a deciso dacausa.6

2.4.Oimpactodocognitivismoedologicismosobreaformaodosconceitosdejurisdioeda

funodoprocessocivil

Ocognitivismointerpretativoeologicismonaaplicaododireitofizeramcomqueajurisdiofosse compreendida como a declarao de uma norma pr-existente em que no comparecequalquer juzo decisrio. A jurisdio estaria pronta a desempenhar uma atividade de simplesconhecimento de uma norma pr-existente cujo objetivo estaria na declarao de um resultadoverdadeiro,declarando-seosignificado intrnsecoecorretodanormaparaocasoconcretosemaintervenodequalquerjuzovalorativoedecisrioporpartedojuiz.

Essas duas doutrinas partiram do pressuposto, portanto, de que o resultado da jurisdio sempreapenasadeclaraodalegislao.Exatamenteporessarazooseumodelodedireitoummodelo de legislao sem jurisdio. Essa concepo teve inmeras consequncias para aestruturaodoprocessocivil.7Aquemaisinteressaagoraadequesendoajurisdiomeramentedeclaratria,suasdecises jamaispoderiam interessaremtermosdepositivao jurdica, isto, em

termosdeacrscimodedadosnormativosnovosparaosistemajurdico.Valedizer:ajurisdioeoprocessocivil teriamapenasporfunoresolvercasosconcretosmedianteadeclaraodanormaincidenteeaplicvel.Istoquerdizerquenoteriamqualquerfunoemrelaoordemjurdicaemgeral.

2.5.Aduplaindeterminaododireitoesuaprojeosobreateoriadainterpretaoeda

aplicaododireito

Oproblemaqueo cognitivismo interpretativoeo logicisismoaplicativo revelaram-se teoriasequivocadas. As normas no preexistem ao ato de interpretao, com o que a atividadeinterpretativa no puramente cognitiva. E tambm o seu resultado no sempre unvoco,admitindo-seinvariavelmenteumapluralidadedealternativasigualmenteracionaiscomoresultadodainterpretao.Textoenormanoseconfundem.8Oatodeaplicaododireitoigualmentenosereduzlgicadedutiva.Tudoissoremeteasteoriasdadeclaraodavontadeconcretadaleiedajustacomposiodalidespginasdoslivrosdehistriadaculturaprocessualcivilmoderna.Daque qualquer tentativa de invocao de semelhantes teorias no contexto atual s pode ser vistacomo um despropositado exerccio de mistificao e de encobrimento daquilo que efetivamente ajurisdiofaznoEstadoConstitucional.

Aatividadede interpretaonodescritiva deumanormapr-existente.Por seu intermdiono possvel obter sempre uma nica resposta correta para os problemas interpretativos.9 Ainterpretaoadscritivade sentidoa textoseaelementosno textuaisdaordem jurdica essaoutorga sentido. O seu objeto, portanto, no a norma. O seu objeto o texto, o dispositivoconstitucional ou legal, ou elementos no textuais presentes na ordem jurdica, como os usos ecostumes.Interpretarsignificaadscreversentidoaumtextoouaelementosnotextuaisdaordemjurdica,oqueimplicanecessariamenteoreconhecimentodesentidosmnimoscomqueaspalavrasso utilizadas, a valorao das razes que militam a favor e contra a adoo de determinadossentidos e a efetivadeciso entre os significados concorrentes. Anorma jurdica o resultado dainterpretao, no o seu objeto. Isso quer dizer que o empreendimento normativo umempreendimentointerpretativoquedependedereconstruodesignificadosapartirdotrabalhodolegislador,dojuizedadoutrina.10

Aaplicao do direito no se confunde coma sua interpretao.Obviamente que todo ato deaplicaododireitopressupea sua interpretao.A constnciadoato interpretativo umdadofirme da teoria do direito de novecentos.11 Isso no quer dizer, contudo, que toda interpretaotenha por fim a aplicao do direito. Aplicar o direito significa retirar consequncias jurdicas daincidncia de normas jurdicas em uma determinada situao jurdica vale dizer, retirarconsequncias prticas no mundo normativo normalmente a partir de um caso concreto. Essaoperaoenvolvecertamentea lgicadedutiva, isto,oempregodeumsilogismo judicirio,masnos.Paraalmalgicadedutiva,comumautilizaodalgicaindutivaeabdutivanoraciocniojudicirio,especialmentenaformaodoconvencimento judicialarespeitodosfatosalegadosemjuzo. As normas so ainda vagas, no sentido de que seu alcance incerto. Para sua aplicao, necessrio proceder de formaanalgica, comparando-se semelhanas e diferenas, procedimentoquecertamentenopodeserenquadradocomoumcasodeaplicaodelgicadedutiva.

Texto e norma no se confundem basicamente porque o direito sofre de uma duplaindeterminao.essadupla indeterminaoquefazcomque interpretarodireitoconstituaumaempresalgico-argumentativa.Deumlado,ostextosemquevazadososdispositivossoequvocos.De outro, as normas so vagas. Equivocidade e vagueza so elementos de indeterminao do

significadodostextosedoalcancedasnormas.

Os textos so potencialmente equvocos por vrias razes. Entre elas, a ambiguidade, acomplexidade, a implicabilidade, a superabilidade e a abrangibilidade dos enunciados textuais. Osenunciadossoambguos,porqueapresentamduasoumaisopesde significado. Socomplexos,porque podem exprimirduas ou mais normas ao mesmo tempo. Por vezes, pode existir dvida arespeitodaexistnciadeumnexodeimplicaoentreosenunciados,dasuperabilidadeounodoenunciadoisto,seeleestsujeitoounoaexceesimplcitasedaabrangnciadadisposiose taxativaoumeramenteexemplificativa.12 Em todos esses casos h equivocidade do texto, sendonecessrioindividualizar,valorareescolherentreduasoumaisopesdesignificadoafimdeobter-seumanorma.13

Entretanto, essa potencial equivocidade dos textos no algo eliminvel simplesmente peloapuramentolingusticonasuaredao.Naverdade,aequivocidadenopropriamenteumdefeitoobjetivodotexto,masumadecorrnciadediferentesinteresseseconcepesarespeitodajustiadosintrpretesedamultiplicidadedeconcepesdogmticasemtodosinterpretativosporelesutilizadosque interferem na atividade de individualizao, valorao e escolha de significados. Ainterpretaovariade acordo comaposio assumidapelo intrpretena sociedadeoudiantededeterminadoconflito(diferentes interesses),comassuas inclinaestico-polticas(concepesdejustia), com os conceitos jurdicos de que se vale (concepes dogmticas) e com os argumentosinterpretativoseleitos(mtodosinterpretativos).14Anormaresultadodeumprocessoquevisaareduziraequivocidadedotextoeconcentraroseusignificado.Daarazopelaqual textoenormanoseconfundemenemhentreosmesmosumacorrespondnciabiunvoca.15

Asnormassovagas,namedidaemquenopossvelanteciparexatamentequaissooscasosqueentramnoseumbitodeaplicao.16Avaguezacomprometeoalcancedasnormas,dadaasuatextura aberta (open texture).17 Para reduo da vagueza, necessrio proceder analogicamente,comparando-se semelhanas e diferenas a fim de que a rea de penumbra normativa sejareduzida.18Logo,mesmodepoisdeinterpretadaanormaaindapodeserconsideradavaga,demodoque semostra necessria a atuao do intrprete tambm nomomento da sua aplicao para areduodaindeterminaonormativaeprecisodeseualcance.

Setudoissoverdade,ento impossvelsustentarquea jurisdio,quandoresolvesituaesjurdicas, apenas declara uma norma preexistente a fim de revelar o seu significado intrnseco(cognitivismo interpretativo) mediante um juzo puramente silogstico (logicismo aplicativo). Ajurisdionovisasimplesmenteatuaodedireitossubjetivosprivados,declaraodavontade

concretada leiou justa composioda lide, comosea interpretaoeaaplicaododireitono

colaborassem de forma ativa na positivao da ordem jurdica e, portanto, no importassem como

direitovigente.Esetudoissoverdade,entopareceigualmenteevidentequeajurisdiotambmtem um papel de outorga de unidade ao direito, dissipando-se dvidas interpretativas edesenvolvendo o direito de acordo com as necessidades sociais, no sendo apenas um meio para

resoluodecasosconcretos.Nessaperspectiva,obviamentequeosconceitosdejurisdioapegadostradiooitocentistanotmcondiesdedefinirdeformaadequadaaquiloqueajurisdiofaznoEstadoConstitucional.

footnotesfootnotes

1

MIGUELREALE,Filosofiadodireito,p.415-421.

2

Tudo conforme PIERLUIGI CHIASSONI, LIndirizzo analitico nella filosofia del diritto, p. 116-117. Ainda, NORBERTO BOBBIO, Il

positivismogiuridico,p.129-132.

3

Nada obstante, claro,muitos desses traos tenham sido herdados da cultura jurdica setecentista do jusnaturalismo racionalista,

conformeGIOVANNITARELLO,Storia della cultura giuridicamoderna, p. 97e seguintes;FranzWieacker,Privatrechtsgeschichte der

Neuzeit,p.249ess.

4

RICCARDOGUASTINI,Interpretareeargomentare,p.409-410;PIERLUIGICHIASSONI,Tecnicadellinterpretazionegiuridica,p.143.

5

MICHELETARUFFO,LaCortediCassazioneelaLegge,IlVerticeAmbiguoSaggisullaCassazioneCivile,p.75.

6

MICHELE TARUFFO,La motivazione della sentenza civile, p. 149-151; PIERLUIGI CHIASSONI,LIndirizzo analitico nella filosofia del

diritto,p.116-117.

7

OVDIOBAPTISTADASILVA,Jurisdioeexecuonatradioromano-cannica;processoeideologiaOparadigmaracionalista;LUIZ

GUILHERMEMARINONI,Tutela inibitria; precedentes obrigatrios; O STJ enquanto Corte de precedentes; SERGIO CRUZARENHART,

Perfisdatutelainibitriacoletiva;DANIELMITIDIERO,CortesSuperioreseCortesSupremas.

8

GIOVANNI TARELLO, LInterpretazione della legge, p. 9-10; RICCARDO GUASTINI, Interpretare e argomentare, p. 8-9; PIERLUIGI

CHIASSONI,Tecnicadellinterpretazionegiuridica,p.142.

9

AULIS AARNIO,The rational as reasonable, p. 158-165; ALEKSANDER PECZENIK, On law and reason, p. 305-307; contra, RONALD

DWORKIN,Takingrightsseriously,p.81eseguintes;Lawsempire,p.225eseguintes.

10

HUMBERTOVILA,Teoriadosprincpios,p.51-55.

11

Da a razo pela qual se pode afirmar que o direito atualmente considerado como uma atividade dependente do processo de

interpretaoeaplicao(HUMBERTOVILA,Seguranajurdica,p.137).

12

RICCARDOGUASTINI,Interpretareeargomentare,p.39-46.

13

Idem,p.27-29;PIERLUIGICHIASSONI,Tecnicadellinterpretazionegiuridica,p.144-145.

14

destaedio[2017]

RICCARDOGUASTINI,Interpretareeargomentare,p.46-52;PIERLUIGICHIASSONI,Tecnicadellinterpretazionegiuridica,p.144-145.

15

Idem,p.44;HUMBERTOVILA,Teoriadosprincpios,p.50-51.

16

GIOVANNI TARELLO, LInterpretazione della legge, p. 27; RICCARDO GUASTINI, Interpretare e argomentare, p. 53; PIERLUIGI

CHIASSONI,Tecnicadellinterpretazionegiuridica,p.56.

17

HERBERTHART,Theconceptof law, p. 124e seguintes.Por comodidadedeexposio,novamosdistinguiraquivaguezapotencial

(opentexture)devagueza(comofaz,porexemplo,FrederickSchauer,Playingbytherules,p.35-36),namedidaemqueessadistino

aquinotemqualquerrelevncia.

18

RICCARDOGUASTINI,Interpretareeargomentare,p.56-57.

2017-05-01

NovoCursodeProcessoCivil-Volume1-Edio2017PARTEI-AJURISDIONOESTADOCONSTITUCIONAL3.ATRANSFORMAODOPRINCPIODALEGALIDADE:DALEGALIDADEFORMALPELASREGRASLEGALIDADESUBSTANCIAL

PELASNORMAS

3.Atransformaodoprincpiodalegalidade:dalegalidade

formalpelasregraslegalidadesubstancialpelasnormas

3.1.Adissoluodaleigenrica,abstrataefrutocoerentedavontadehomogneadoparlamento

A ideia de lei genrica e abstrata, fundada pelo Estado legislativo, supunha uma sociedadehomognea, compostapor homens livres e iguais e dotadosdasmesmasnecessidades. claroqueessapretensofoirapidamentenegadapeladimensoconcretadavidaemsociedade,inexoravelmenteformada por pessoas e classes sociais diferentes e com necessidades e aspiraes completamentedistintas.

A lei genrica ouuniversal, assim como a sua abstrao ou eficcia temporal ilimitada, somenteseriampossveisemumasociedadeformadaporiguaisoqueutpico,ouemumasociedadeemqueoEstadoignorasseasdesigualdadessociaisparaprivilegiaraliberdade,baseando-senapremissade que essa somente seria garantida se os homens fossem tratados demaneira formalmente igual,independentemente das suas desigualdades concretas. Lembre-se de que, para acabar com osprivilgios,tpicosdoantigoregime,oEstadoliberalresolveutratartodosdeformaigualperantealei.

Esseltimooverdadeirofundamentodaleigenricaeabstrata,1que,porsuavez,tambmteverepercusso sobre a funo da jurisdio. Ora, se a lei no podia considerar determinados bens ouposies sociais, claro que o juiz estava proibido de interpretar os textos legais considerando asdiferenasentreaspessoas.

Porm,aneutralidadeouafaltadecontedodaleiedajurisdioou,enfim,doprprioEstadolegislativorapidamentefezperceberqueaigualdadesocialconstituarequisitoparaaefetivaodaprpria liberdade, oumelhor, para o desenvolvimento da sociedade. Concluiu-se, em sntese, que aliberdadesomentepoderiaserusufrudaporaquelequetivesseomnimodecondiesmateriaisparaterumavidadigna.2

Surge, ento, o Estado preocupado com as questes sociais que impediam a justa insero docidadonacomunidade.Comeleexplodemgruposorientadosproteodesetoresdeterminados,quenessalinhapassamafazerpressosobreolegislativo,visandoelaboraodeleisdiferenciadas.

Taisgruposdepressosindicatos,associaesdeprofissionaisliberais,associaesdeempresriosetc. no apenas do origem a leis destinadas a regular as suas prprias reas de interesse, mastambm passam a medir foras em torno de leis que so, por exemplo, do interesse comum desindicatosdetrabalhadoreseempresrio.

Lembre-se de que poca do Estado liberal a lei era considerada fruto da vontade de umparlamentohabitadoapenasporrepresentantesdaburguesia,noqualnohaviaconfrontoideolgico.Aps essa fase, as casas legislativas deixam de ser o lugar da uniformidade, tornando-se o local dadivergncia,emquediferentesideiasacercadopapeldodireitoedoEstadopassamaseconfrontar.A,evidentemente, no h mais uma vontade geral, podendo-se falar em uma vontade poltica, ou

melhor, na vontade do grupo mais forte dentro do parlamento. Atualmente, porm, essa vontadepolticapodeseconfundircomavontadedoslobbiesedosgruposdepressoqueatuamnosbastidoresdoparlamento.3

A falta de conhecimento do direito, e at mesmo a tentativa de desprezo de direitos bsicos eindisponveis,porpartedosgruposdepresso,geraacadadialeismaiscomplexaseobtusas,frutodeajustesecompromissosentreospoderessociaisemdisp