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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA
NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: Inovações importantes introduzidas pela Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de
2005
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de São José.
ACADÊMICA: LUCIANA DA SILVA COSTA
São José (SC), junho de 2005.
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA
NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: Inovações importantes introduzidas pela Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de
2005
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, na Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de São José, sob a orientação do Professor MSc. José Rafael Freitas de Melo.
ACADÊMICA: LUCIANA DA SILVA COSTA
São José (SC), junho de 2005.
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA
NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS:
Inovações importantes introduzidas pela Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005
LUCIANA DA SILVA COSTA
A presente monografia foi aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau
de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Educação de São José.
São José (SC), ___ de junho de 2005.
Banca Examinadora:
____________________________________________ Prof.º MSc. José Rafael Freitas de Melo - Orientador
_____________________________________________ Prof.º MSc. - Membro
___________________________________________
Prof.º MSc. - Membro
3
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, irmãs e amiga Maria Luiza Nascimento Campos, por terem nas
certezas de suas presenças e nas seguranças de seus passos guiado os meus. O carinho de suas
vozes, a esperança de seus sorrisos, o conforto de suas lágrimas, o brilho de seus olhares me
fizeram tão grande quanto os seus amores por mim. Se eu pudesse lhes fazer eternos. Eternos
eu lhes faria. A vocês não mais que com justiça, dedico esta vitória!
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis;
Aos meus pais, Antônio Vassilak Costa e Carmi Costa, que nunca mediram esforços,
amor e carinho para me proporcionar as melhores oportunidades.Os maiores responsáveis por
tudo de bom que aconteceu em minha vida, principalmente este momento final de mais uma
etapa vitoriosa;
Ao Professor Orientador, José Rafael Freitas de Melo, que transmitiu dados precisos
para o aprimoramento desta monografia;
Às minhas irmãs, Carolina Costa, Liliane Costa e Adriane Souza, pela força,
companhia e compreensão indispensáveis para tornar este longo caminho mais fácil de ser
percorrido;
Em especial, à minha amiga Maria Luiza Nascimento Campos, que demonstra no
olhar o quanto torce por mim e pelo inabalável apoio, não medindo esforços e incentivando-
me sempre a persistir na busca de meu ideal;
Por fim, a todos que de uma forma ou outra contribuíram nesta caminhada.
5
“Não há melhor maneira de exercitar a
imaginação do que estudar direito. Nenhum
poeta jamais interpretou a natureza com tanta
liberdade quanto um jurista interpreta a
verdade”.
[Jean Giraudox]
6
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................. 8 ABSTRACT.......................................................................................................................... 9 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS........................................................................ 10 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 11 1 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO FALIMENTAR............................................. 15 1.1 ORIGEM ETMOLÓGICA............................................................................................... 15 1.2 ALGUNS CONCEITOS DO INSTITUTO DA FALÊNCIA.......................................... 16 1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO FALIMENTAR........................................... 17 1.3.1 No Direito Romano....................................................................................................... 17 1.3.2 Na Idade Média.............................................................................................................. 19 1.3.3 Na Idade Moderna e Contemporânea............................................................................ 20 1.4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO FALIMENTAR NO BRASIL..................... 21 1.4.1 Período Colonial............................................................................................................ 21 1.4.2 Período Imperial............................................................................................................ 22 1.4.3 Período Republicano......................................................................................................
23
2 O DIREITO FALIMENTAR NA FASE DO DECRETO-LEI Nº 7.661 DE 1945....... 25 2.1 O SURGIMENTO E REFORMA DO DECRETO-LEI Nº 7.661 DE 1945.................... 25 2.2 ALGUNS ASPECTOS SOBRE A FALÊNCIA.............................................................. 28 2.3 ORDEM DE PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS NA FALÊNCIA................................ 30 2.4 OS CRÉDITOS TRABALHISTAS.................................................................................. 34 2.5 A REALIZAÇÃO DE ATIVOS NA FALÊNCIA........................................................... 35 2.6 A CONCORDATA .......................................................................................................... 37 2.7 A ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA......................................................................... 42 2.8 A PERSECUÇÃO PENAL .............................................................................................
43
3 ALTERAÇÕES RELEVANTES TRAZIDAS PELA LEI Nº 11.101/05..................... 47 3.1 NOVOS RUMOS DO DIREITO FALIMENTAR........................................................... 47 3.2 DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA.................................................................................... 49 3.3 NOVA ORDEM DE PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS............................................... 50 3.4 LIMITAÇÃO DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS....................................................... 53 3.5 REALIZAÇÃO DO ATIVO............................................................................................ 54 3.6 FIM DA SUCESSÃO TRIBUTÁRIA.............................................................................. 56 3.7 A FIGURA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL............................................................... 59 3.8 O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL............................................ 63
7
3.9 ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO NA FALÊNCIA E NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL.......................................................................................................................
65
3.10 A RESPONSABILIDADE PENAL .............................................................................. 68 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 71 5 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 74 6 ANEXO I - ARTIGOS DO DECRETO-LEI Nº 7.661, DE 21 DE JUNHO DO 1945 (LEI DE FALÊNCIAS) CITADOS NO SEGUNDO CAPÍTULO.......................................
78
7 ANEXO II - ARTIGOS DA LEI Nº 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 (NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS) CITADOS NO TERCEIRO CAPÍTULO.............................................................................................................................
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8
RESUMO
Os doutrinadores, a classe empresária, e demais interessados há muito tempo reclamavam
pela reforma da legislação falimentar que regula o instituto desde 1945, quando foi
promulgado o Decreto-lei nº 7.661. Procurando então coadunar as diretrizes do direito
concursal à realidade econômica e social atual e promover total reforma do sexagenário
Diploma Falimentar, após 11 anos de tramitação foi finalmente sancionada a Lei nº
11.101/05, denominada agora de Lei de Recuperação de Empresas e Falências. Esta lei
promoveu total reformulação no instituto falimentar brasileiro, uma vez que não visa mais
pura e simplesmente regular os interesses privatistas de devedores, credores e do erário ou
punir o empresário insolvente. Vislumbrando preservar a função social exercida pelas
sociedades empresárias, tidas hoje como a atividade econômica mais importante para o
desenvolvimento econômico e social de uma nação, a nova lei criou mecanismos modernos
que priorizam a manutenção das empresas viáveis, ao invés da decretação da quebra. Trouxe
inovações relevantes, que comparadas à Legislação anterior, representam grande avanço ao
instituto e reais possibilidades de alcançar o novo escopo do Direito Falimentar: a preservação
da empresa e, por conseguinte, sua capacidade produtiva, postos de trabalhos, recolhimento
de tributos, distribuição de lucros, distribuição de renda, desenvolvimento econômico e bem-
estar social, ou seja, manter sua função social.
Palavras-chave: Falência; Função Social da Empresa; Recuperação Judicial e Recuperação
Extrajudicial.
9
ABSTRACT
The doutrinadores, the classroom entrepreneur, and excessively interested have much time
complain for the reform of the legislation to bankrupt that it regulates the institute since 1945,
when were promulgated the very old Decree-law nº 7.661. Looking for then to coadunar the
lines of direction of the bankruptcy right á current economic and social reality and to promote
total remodels of the sexagenarian Diploma To bankrupt, after 11 years of transaction finally
was sancionada the Law nº 11,101, now called of Law of Bankruptcies and Recovery of
Companies. This law promoted total reformularization in the institute to bankrupt Brazilian, a
time that it does not aim at purer and simply to regulate the interests privatistas of debtors,
creditors and of the state treasury or to punish the insolvent entrepreneur. Glimpsing to
preserve the social function exerted by the societies entrepreneurs, had today as the more
important economic activity it stops of the economic and social development of a nation, the
new law created modern mechanisms, that prioritize the maintenance of the viable companies,
instead of the decreement of the breaking. It brought excellent innovations, that comparative
to the previous Legislation, represent great advance to the institute and Reals possibilities to
reach the new target of the Right To bankrupt: the preservation of the company and, therefore,
its productive capacity, ranks of works, collect of tributes, distribution of profits, distribution
of income, economic development and social welfare, or either, to keep its social function.
Key-words: Bankruptcy; Social Function Of The Company; Process To Bankrupt And
Judicial Recovery Of The Companies
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
a.C. antes de Cristo Art. Artigo Arts. Artigos Atual. Atualizada caput Cabeça do artigo Cf. Conforme CLT Consolidação das Leis Trabalhistas CTN Código Tributário Nacional Dec. Decreto ed. Edição FGTS Fundo de Garantia por tempo de Serviço inc. Inciso INSS Instituto Nacional da Seguridade Social in verbis Abaixo LSA Lei das Sociedades Anônimas nº Número omissis Lacuna, hiato, vazio p. Página QGC Quadro Geral de Credores rev. Revisada STF Supremo Tribunal Federal v. Volume UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí
11
INTRODUÇÃO
O objeto desta Monografia de conclusão de Curso gravita em torno do instituto
falimentar e a Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências, cujo tema foi delimitado
nos seguintes termos: uma breve análise da evolução histórica do instituto, versando desde
sua origem etimológica e seu surgimento no Direito Romano, passando por sua implantação e
desenvolvimento no ordenamento jurídico pátrio, até à promulgação do Decreto-lei nº 7.661
de 1945, com seus principais aspectos, que foram alvo de críticas pela doutrina e merecedoras
de reformas pela nova legislação, chegando, ao final deste trabalho monográfico à abordagem
das principais inovações introduzidas pela Lei nº 11.101 de 2005 que regula a Recuperação
Judicial, a Extrajudicial e a Falência como instrumento destinado a preservar a função social
da empresa.
A presente pesquisa monográfica não tem como finalidade esgotar o tema e
tampouco abordá-lo em sua amplitude. Trata-se apenas de uma sucinta pesquisa doutrinária,
objetivando, fazer uma análise comparativa entre o Decreto-lei nº 7.661 de 1945 e a nova Lei
de Recuperação de Empresas e Falências, sancionada em 09 de fevereiro de 2005, com o
intuito de demonstrar quais as alterações mais significativas produzidas por esta.
Por seu turno, o ideal seria que nesta monografia fossem referenciados todos os
assuntos relativos ao tema, porém não há menor possibilidade para tal estudo, já que a
exigüidade do tempo e a natureza deste trabalho de pesquisa tornam necessárias algumas
delimitações.
Desta forma, a escolha do tema da nova Lei de Falências e Recuperação Empresarial
deu-se em razão de se tratar de Lei recente, ainda pouco explorada. No entanto, há muito
tempo esperada e com grandes expectativas de reformulação do antigo Diploma Falimentar.
Desta forma, faz-se necessário o estudo das inovações introduzidas pela Lei nº 11.101, de 09
de fevereiro de 2005, para que se comece a desenvolver um conhecimento maior sobre o
assunto.
Sabe-se que a atividade empresária, hoje, é tida como uma das atividades
econômicas mais relevantes devido à função social que possui. Isso porque é a maior
responsável pela distribuição de riquezas, desenvolvimento econômico e bem-estar social
gerados a partir do pagamento de salários aos trabalhadores; o recolhimento de tributos que
12
mantêm o Estado; distribuição dos lucros aos investidores; compra dos fornecedores;
atendimento aos consumidores.
Neste viés, a Falência da empresa e o fim de suas atividades podem trazer
conseqüências desastrosas de repercussão local, regional ou até nacional, posto que a
tendência do Direito Falimentar atual demonstra preocupação maior em preservar empresas
que passam por momento de desequilíbrio econômico financeiro, porém que se demonstrem
capazes de se reestruturar e se manter no mercado. Não havendo chances de recuperação,
deve-se primar pela celeridade, equidade, e segurança do processo falimentar de forma que
seus efeitos sejam menos danosos possíveis.
Diante desta nova concepção de empresa, vista a partir da função social que carrega,
e do novo escopo da legislação falimentar, far-se-á um estudo comparativo entre a diploma
anterior e o atual para verificar se este traz os avanços necessários ao que se propõe: a
preservação da empresa e sua função social, quando viável, ou, uma falência mais expedita,
quando inviável sua recuperação.
Por conseguinte, esta pesquisa tem como objetivos: 1) o institucional: produzir uma
monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí
– UNIVALI; 2) o geral: demonstrar que a nova Legislação (Lei nº 11.101/05) trouxe avanços
ao instituto da Falência através da introdução de mecanismos que possibilitem a preservação
da empresa viável ou um procedimento mais otimizado da Falência, de modo que seja
vislumbrado em primeiro lugar a função social da atividade empresarial e suas repercussões
sociais e; 3) os específicos: a) Obter dados históricos do instituto da Falência, no contexto
geral e no brasileiro; b) Analisar o direito falimentar na fase do decreto-lei nº 7.661 de 1945;
c) Investigar, com base, principalmente, na legislação e doutrina brasileiras, as principais
inovações advindas ao ordenamento pátrio com a promulgação da Lei nº 11.101/05.
Quanto à Metodologia1 empregada, registre-se que na Fase de Investigação foi
utilizado o Método Indutivo2; na Fase de Tratamento dos Dados o Método Cartesiano3 e, no
1 “Na categoria metodologia estão implícitas duas categorias diferentes entre si: método de investigação e técnica” (PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, 7. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. p. 87). (Destaque conforme o original).
2 Referido método se consubstancia em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral” (PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 104).
3 O referido método pode ser resumido em quatro preceitos que são: 1. “[...] nunca aceitar, por verdadeira, cousa nenhuma que não conhecesse como evidente [...]”; 2. “[...] dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudessem ser e fossem exigidas para melhor compreendê-las”; 3. “[...] conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelo objeto mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros”; 4. “[...] fazer sempre
13
Relatório dos Resultados, expresso na presente Monografia, utilizou-se, mais uma vez, o
Método Indutivo. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente4,
da Categoria5, dos Conceitos Operacionais6 e da Pesquisa Bibliográfica7.
Para seu desenvolvimento lógico, o presente trabalho apresenta-se dividido em três
capítulos.
No primeiro capítulo serão tratados alguns aspectos do instituto falimentar para que
se tenha um melhor entendimento deste, abordando sua origem etimológica; alguns conceitos
doutrinários mais clássicos e outros mais atuais; e sua evolução histórica, desde os seus
primórdios no Direito Romano, quando a Falência possuía caráter predominantemente
personalista, passando pela Idade Média, época em que surge uma execução de caráter
coletivo, indo até a Idade Moderna e Contemporânea, marcada por grande influência da
legislação francesa, quando a Falência adquire uma feição mais econômico-social.
Ainda no primeiro capítulo, estuda-se a evolução do instituto no território brasileiro
que se inicia com as Ordenações do Reino Português até ser introduzida no ordenamento
brasileiro na fase imperial e, por fim, fazendo uma abordagem das legislações que se
seguiram após a proclamação da República até o advento do Decreto-lei nº 7.661 de 1945.
No segundo capítulo, com fito de desenvolver um estudo comparativo com a
legislação atual, dedica-se ao estudo do Decreto-lei nº 7.661 de 1945, apontando os pontos
que mais receberam críticas da doutrina durante os seus 60 anos de vigência. Serão
abordados, também, o surgimento do Decreto; alguns aspectos sobre a Falência; a ordem de
preferência dos créditos; os créditos trabalhistas; a realização de ativos; a concordata como
instrumento de preservação da empresa; a administração da Falência; e, por fim, a persecução
penal falimentar.
No último capítulo, manifesta-se o estudo do tema disposto, analisando, como
objetivo geral, as principais inovações, de acordo com os estudiosos do assunto, trazidas pela
nova Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, quais sejam: o limite de valor para a
enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficassem certo de nada omitir” (grifo no original) (PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 106-107).
4 “Explicitação prévia do motivo, objetivo e produ to desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa” ( PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas para o operador do direito, p. 62).
5 “Palavra ou expressão e stratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” ( PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 31).
6 “Definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósit o de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas” ( PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 56).
7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais” ( PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 67).
14
decretação da falência; a nova ordem de preferência dos créditos; a limitação dos créditos
trabalhistas; a realização do ativo de forma antecipada; o fim da sucessão tributária; as figuras
da recuperação judicial e extrajudicial; os novos órgãos de administração; e a
responsabilidade penal mais rigorosa.
Esta pesquisa encerra-se com as considerações finais, aduzindo-se sobre a
confirmação ou não da hipótese trabalhada, seguida da estimulação à continuidade dos
estudos e de reflexões sobre as novas tendências do instituto falimentar no direito brasileiro.
Portanto, propõe-se estudar o tema, buscando tão-somente demonstrar as principais
inovações que gravitam em torno da nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência em
cotejo ao antigo Decreto-Lei nº 7.661/45.
15
1 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO FALIMENTAR
1.1 ORIGEM ETIMOLÓGICA
O vocábulo Falência é originado do verbo latino fallere, e significa faltar, enganar.8
Ensina Rubens Requião9 que “[...] de expressão comum o verbo passou,
tecnicamente, no meio jurídico a expressar a impossibilidade do devedor pagar suas dívidas,
em conseqüência da falta de meios decorrentes de escasso e insuficiente patrimônio”.
Porém, por muitos anos predominou na legislação falimentar brasileira, que a priori
provinha de Portugal, o verbo quebrar. O próprio Código Comercial brasileiro de 1850
intitulou sua Parte Terceira que tratava da Falência, com a expressão “ Das Quebras”. Foi
apenas no fim do século passado que se passou a dar preferência como linguagem técnica ao
verbo falir e seus derivativos, deixando de lado o verbo quebrar.10
Já a expressão italiana bancarrota, era usada pelo Código Criminal de 1830 para
designar a Falência fraudulenta, não tendo sido acolhida pelo Brasil. Tal expressão é
proveniente de um antigo costume medieval italiano no qual os credores insatisfeitos
quebravam, em praça pública, a banca de exposição de mercadorias dos comerciantes que não
conseguiam honrar com seus compromissos.11
A França e a Itália conservam a expressão bancarrota para designar a Falência
culposa ou fraudulenta e os norte-americanos e ingleses a utilizam para denominar qualquer
Falência (banckruptcy).12
1.2 ALGUNS CONCEITOS DO INSTITUTO DA FALÊNCIA
8 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar. 14. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.
p. 13. 9 Consoante lição de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 3. 10 Cf. entendimento doutrinário de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 3. 11 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 3. 12 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 4.
16
A Falência pode ser conceituada tanto econômica como juridicamente. Ao conceituar
o instituto no seu aspecto jurídico, os doutrinadores o fazem tanto de uma ótica de direito
material quanto processual, dependendo da orientação que seguem.13
Segundo Rocco, citado por Lacerda14, economicamente analisada, define-se a
Falência como sendo um estado patrimonial. É o que se infere do seguinte texto:
[...] a condição daquele que, havendo recebido uma prestação a crédito, não tenha à disposição para executar a contraprestação, um valor suficiente, realizável no momento da contraprestação. A falência é, por isso, um estado de desequilíbrio entre os valores realizáveis e as prestações exigidas.
Do ponto de vista jurídico, numa ótica processualista, Lacerda15 afirma que: [...] a falência se caracteriza como um processo de execução coletiva, decretado judicialmente, dos bens do devedor comerciante ao qual concorrem todos os credores para o fim de arrecadar o patrimônio disponível, verificar os créditos, liquidar o ativo, saldar o passivo, em rateio, observadas as preferências legais.
Da mesma forma, Sant’Anna16 concebe a Falência como um instituto de natureza
processual, pois na sua concepção é “[...] processo de execução coletiva instaurado contra o
devedor comerciante que não teve condições de satisfazer no vencimento obrigação líquida e
certa”.
Por sua vez, Miranda Valverde citado por Requião17, dentro de uma conceituação
mais genérica, define o instituto como um “[...] complexo de regras jurídicas, técnicas ou
construtivas, que definem e regulam uma situação especial, de ordem econômica, a falência”.
Sob um prisma mais simplista, para Requião18, traduz-se a Falência como “[...] a
solução jurídica do devedor-comerciante que não paga no vencimento obrigação líquida”.
Na lição de Fazzio Júnior19, não se pode limitar a concepção de Falência a uma
natureza meramente material ou processual isoladamente, pois se trata de instituto complexo,
ao assim sustentar que:
A conciliação dos dois extremos aproxima-se mais da realidade jurídica da falência, porque a conjuntura patrimonial anômala do empresário só se transforma nesse estado em virtude de um provimento judiciário, que assoma no mundo jurídico por meio de um processo. [...]. A falência é um
13 Cf. orientação de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 4. 14 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 28. 15 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 28. 16 SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas. São Paulo: Aide, 1985. p. 26. 17 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 6. 18 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 4. 19 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2005. p. 23-
24.
17
estado jurídico instaurado por um provimento jurisdicional, para solucionar as relações oriundas da insolvência do agente econômico inviável, tendo em vista o tratamento eqüitativo de seus créditos.
Diante destas considerações, constata-se que a Falência, em linhas gerais, é uma ação
de execução coletiva, onde todos os bens do falido são arrecadados para uma venda judicial
forçada, distribuindo o ativo proporcionalmente entre todos os credores que forem habilitados
no processo falimentar.
1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO FALIMENTAR
A sociedade, sempre no intuito de fazer com que as pessoas cumprissem suas
obrigações, utilizava meios coercitivos para garantir seu cumprimento. No princípio, a
responsabilidade de uma pessoa que devia a outra era extremamente pessoal. O devedor,
quando não conseguia solver a dívida, pagava com seu próprio corpo por meio do trabalho
escravo ou, até mesmo, com a vida, pois a coerção se dava na pessoa do devedor e não nos
seus bens, como será visto, no decorrer deste capítulo.20
1.3.1 No Direito Romano
Para falar da origem remota da Falência, é necessário que se reporte à fase mais
primitiva do Direito Romano, o direito quiritário, que surge a partir da fundação de Roma e se
estende até a codificação da Lei das XII Tábuas, caracterizando-se por ser um direito lendário,
consuetudinário e exclusivo dos cidadãos.21
Nesta época, a garantia do cumprimento da obrigação era o próprio devedor que
fazia uma espécie de contrato com o credor comprometendo-se a pagar a dívida com seu
trabalho escravo.
Segundo Almeida22, este contrato, chamado nexum, admitia a addicere que consistia
na adjudicação do devedor insolvente que serviria ao credor por um período de sessenta dias
até que fosse solvido. Passado o prazo, sem que o devedor conseguisse pagar o débito ou não
aparecesse ninguém para fazê-lo (videx), ele poderia ser vendido como escravo para o
20 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 3. 21 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 3. 22 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 3.
18
estrangeiro (trans Tiberim), ou ser morto e esquartejado em quantas partes fossem o número
de credores.
Com o passar do tempo, todas as atrocidades cometidas contra o devedor levaram ao
consenso de que a responsabilidade pelas dívidas não mais deveria ser pessoal, e sim,
patrimonial.
Foi então, com a promulgação da Lex Poetelia Papiria, em 428 a.C., que fora
introduzido no Direito Romano a execução patrimonial, em detrimento da pessoal,
determinando “[...] a proibição do encarceramento, a venda como escravo e a mor te do
devedor” 23. Esta foi uma fase de grande evolução da Falência, vez que, o instituto tornou-se
mais humano.
Mas foi com a vigência da lei Lex Aebutia em 643 a.C., promulgada pelo pretor
Rutilio Rufo, que surgiu a bonorum venditio, prevendo o desapossamento dos bens do
devedor, evidenciando, novamente, significativo avanço do instituto. Neste sistema, o
magistrado nomeava um curador (curator bonorum) que, além de administrar o patrimônio do
devedor, deveria dar publicidade ao ato para que os demais credores, no prazo de 30 dias,
concorressem aos bens. Se, decorrido o prazo, o devedor não tivesse pago a dívida, o curador
poderia alienar todo o patrimônio para quem tivesse a melhor oferta e este se responsabilizava
em pagar a dívida aos credores de forma proporcional.24
Wilson e Silvia Batalha25 ensinam que a bonorum venditio acarretava a infâmia, que
significava a morte ficta do devedor. Desta forma, o devedor poderia livrar-se a sanção
optando pela cessio bonorum, instituída pela Lex Julia em 737. Por este instituto, o devedor
sem culpa transferia seus bens ao credor que poderia vendê-los, por meio de um curador, que
pagaria proporcionalmente os demais credores, sendo que, parte do produto da venda era
reservada para a sobrevivência do executado.
Portanto, o instituto romano da cessio bonorum delineou a concordata preventiva que
surgiria nos tempos medievais.26
23 Cf. TZIRULNIK, Luiz. Direito falimentar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 36. 24 Cf. TZIRULNIK, Luiz. Direito falimentar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 36. 25 BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silvia Marian Labate. Falência e concordatas:
comentários à lei de falências, doutrina, legislação e jurisprudência. São Paulo: LTr, 1996. p. 50. 26 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 10.
19
1.3.2 Na Idade Média
A Idade Média, para a Falência, é uma época que, ao contrário dos anos anteriores,
caracteriza-se, principalmente, pela maior ingerência da tutela estatal no processo de execução
do devedor. O Direito Falimentar deste período foi organizado e sistematizado pelos italianos
que utilizaram o Direito Romano como fonte fundamental27.
Na lição de José Hamilton Magalhães28, surgiu a idéia de que o crédito comercial era
de interesse de todos e não apenas do credor e devedor. A partir deste entendimento, coloca-se
de lado a iniciativa do credor na execução dos bens do devedor, exigindo-se a habilitação
daquele que tem sua atuação totalmente condicionada ao judiciário.
Da mesma forma, ensina Almeida29:
O concurso creditório é rigidamente disciplinado, com a obrigatoriedade de os credores habilitarem-se em juízo, por onde se processa a arrecadação dos bens do devedor, atribuindo-se ao juiz a função de zelar por que se guardasse e vendesse, partilhando-se o produto entre os credores.
Apregoa, ainda, Almeida30 que foi a partir desse momento, quando o comércio
marítimo começa a se desenvolver de forma significativa nas cidades italianas, que o
concurso de credores afeiçoa-se em Falência, considerada tanto para o devedor comerciante
ou não.
Apesar da relevante evolução do instituto falimentar, que deixou de responsabilizar a
pessoa do devedor para responsabilizar seu patrimônio, e da maior interferência do Poder
Público, ainda permaneceram rigorosos castigos que puniam os devedores falidos de forma
enérgica. Sendo a Falência vista como um crime, o devedor falido era considerado como
infame e submetido à pena de prisão, penas vexatórias e até mesmo a mutilação.31
Segundo Lacerda32:
[...] eram, pois rigorosas as penas para os falidos, derivadas, aliás, do fato de ser a falência considerada um delito. Por isso quase sempre o devedor procurava todos os meios lícitos e ilícitos para evitar a ação dos credores e, quando fosse impossível, fugia.
27 “O instituto da falência surgiu nos estatutos corporativos das cidades italianas, provavelmente em Verona, no
início de século XIII, onde afloraram as primeiras normas que mais tarde comporiam a falência como típica execução patrimonial” (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 23).
28 MAGALHÃES, José Hamilton de. Direito falimentar brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 5. 29 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 4. 30 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 4. 31 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 11. 32 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 29.
20
A fuga chegou a ser considerada pressuposto da Falência, pois presumia insolvência.
Contudo, conforme Fazzio Júnior33, no século XV surgiram as primeiras tendências em evitar
a Falência. Arregimentou-se uma espécie de concordata na qual a autoridade pública
homologava acordos realizados com os credores.
1.3.3 Na Idade Moderna e Contemporânea
As normas atinentes à Falência, constantes dos estatutos italianos, exerceram
preponderante influência nas legislações dos demais países. De acordo com Ronconi34,
parafraseando Sant’Anna, “[...] a importância do Direito Italiano foi fundamental, pois abriu
suas portas ao mundo, possibilitando as mais diversas alterações de acordo com a necessidade
da Sociedade na qual as normas do instituto falimentar passou a reger [...]”.
O instituto da Falência foi introduzido no direito francês por intermédio de Lyon com
a instituição de seu regulamento de câmbio em 1667. Porém, tal regulamento só cuidava da
Falência fraudulenta impondo duras penas aos culpados de bancarrota35. Somente, a partir das
Ordenações de 1673 que se instituiu um sistema de liquidação coletiva e possibilitaram-se as
concordatas. Entretanto, apenas para os devedores honestos.
Mas foi o Código Comercial francês de 1807, de Napoleão Bonaparte, que teve
grande importância no desenvolvimento do instituto falimentar e profunda influência no
Direito Comercial brasileiro. Apesar deste Código ainda impor enérgicas restrições ao falido,
as penas foram sendo minoradas de forma gradual, adquirindo características econômico-
sociais e contribuindo para as intensas modificações no Direito Comercial que levaram ao
entendimento atual do conceito de empresa como sendo uma instituição social.36
Evoluindo da responsabilidade personalista do Direito Romano, para a maior
ingerência do poder estatal durante o período medieval e o significativo progresso
impulsionado pela legislação francesa, chega-se aos tempos atuais com a necessidade de
encarar a empresa como um instituto indispensável ao progresso econômico e social. Distante
de como se via, o crédito não interessa mais apenas ao credor e ao devedor. Uma empresa
produtiva e em dia com seus compromissos ou mesmo um crédito melhor protegido, interessa
33 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 23-24. 34 RONCONI, Diego Richard. Falência e recuperação de empresas: análise da utilidade social de ambos os
institutos. Itajaí: Univali, 2002. p. 28. 35 Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silvia Marian Labate. Falência e concordatas:
comentários à lei de falências, doutrina, legislação e jurisprudência, p. 52. 36 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 5.
21
a todos, mesmo que de forma indireta, pois se percebe que hoje, os efeitos de uma Falência
são catastróficos para a sociedade.
1.4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO FALIMENTAR NO BRASIL
1.4.1 Período Colonial
O Brasil, enquanto colônia de Portugal, sujeitava-se à legislação portuguesa na qual
predominavam os princípios do Direito Romano. Como em Portugal vigoravam as
Ordenações Afonsinas, foram essas normas estabelecidas no país.
Apesar das Ordenações Afonsinas não cuidarem de forma específica da quebra do
comerciante, estabeleciam a preferência ao credor que tivesse dado início ao concurso
creditório, extinguiram a prisão por dívida simples ao permitir a concessão de moratória do
devedor até o prazo de 5 anos, e previam duras penas quando a Falência era fraudulenta.37
Estas Ordenações foram revistas por D. Manuel e em 1521 substituídas pelas
Ordenações Manuelinas que se caracterizaram pelo agravamento da punição ao devedor,
prevendo que este seria preso até pagar aos credores caso fosse constatada uma Falência
fraudulenta. Porém, como a legislação portuguesa era fortemente influenciada pelo Direito
Estatutário italiano, havia a possibilidade de o falido impedir sua prisão cedendo seus bens
aos credores.38
Em 1603 passaram a vigorar as Ordenações Filipinas, normas de nacionalidade
espanhola, contudo aplicadas em Portugal, que, nesta época, estava submetido ao Reino de
Castela. A quebra do comerciante passou a ser tratada de forma mais específica na Lei de 8 de
março de 1595, promulgada por Filipe II. Lei esta que inspirou o Título LXVI do Livro V das
Ordenações Filipinas que tratava dos mercadores que quebram, diferenciando os devedores
em mercadores criminosos, comparando-os aos ladrões públicos que eram punidos com o
degredo ou a morte, e os mercadores que faliam sem culpa e podiam compor-se com os
credores.39
Passado este período, com o advento do Alvará de 13 de novembro de 1756
promulgado pelo Marquês de Pombal, finalmente o Brasil pôde contar com um autêntico 37 Cf. MAGALHÃES, José Hamilton de. Direito falimentar brasileiro, p. 5. 38 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 16. 39 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. p. 5.
22
processo falimentar. Conforme descreve Almeida40, o comerciante tinha que se apresentar à
Junta Comercial, jurar a causa da falência, declarar todos os seus bens, entregar as chaves da
fazenda e o Livro Diário. Em seguida, era feito o inventário e a convocação dos credores. A
subsistência do falido e de sua família era garantida com 10% da arrecadação. Como nas
Ordenações precedentes, constatada a falência fraudulenta, o devedor também era punido com
a prisão.
Segundo Requião41, o Alvará de 1756 já demonstrava tendências de preservação da
empresa por meio do instituto falimentar. Fato inferido da regra VIII constante do sistema
pombalino, que assim determinava:
[...] os que caírem em pobreza sem culpa sua, por receberem grandes perdas no mar, ou na terra, em seus tratos e comércios lícitos, não constante de algum dolo ou malícia, não incorrerão em pena algum crime. E neste caso serão os atos remetidos ao Prior e Cônsules do Consulado, que os procurarão concertar e compor com seus credores, conforme o seu Regimento.
Este alvará foi promulgado no ano após um grande terremoto em Lisboa, que
provocou desordem e a derrocada do comércio e local e por isso revisou esta parte das
Ordenações anteriores com tanta significância.42
1.4.2 Período Imperial
A independência do Brasil modificou pouca coisa na normatização da Falência, visto
que continuou a ser regida pelas leis portuguesas. Somente com a promulgação de uma Lei de
30 de outubro de 1823 que, ao determinar a observância da “Lei da Boa Razão” 43, passou-se a
dar preferência ao Código Comercial Francês de 1807.
Segundo Lacerda44, de acordo com a Lei da Boa Razão deveria ser aplicada “[...] o
antigo direito dos povos cultos, ou melhor, das nações cristãs, iluminadas e polidas”.
Pode-se dizer que foi na fase imperial que o instituto falimentar, pela primeira vez,
insurgiu na história do Direito brasileiro. Em 1850, foram promulgados o Código Comercial,
40 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 5. 41 Cf. REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro: a reforma da lei de falências. Revista de
Direito Mercantil, nº 14, p. 23-33, São Paulo, set./out. 2000, p. 24. 42 Cf. REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro: a reforma da lei de falências. Revista de
Direito Mercantil, p. 24. 43 “Lei promulgada pelo Rei D. José, em 18 de agosto de 1769. Foi assim chamada porque autorizava a aplicação
subsidiária do direito romano somente quando este se achasse fundado na boa razão, isto é, nos princípios essenciais do direito natural e das gentes”. Disponível em: < http://www.dji.com.br/civil/lei_da_boa_razão. htm>. Acesso em: 22 out. 2004.
44 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 31.
23
que regulamentou o instituto da falência no Livro III, intitulado “Das quebras” e o Decreto nº.
738 que cuidou da parte processual em seus art. 102 a 187.
Porém, no entender de Lacerda45, a legislação falimentar brasileira já nascera
bastante defeituosa, ao assim mencionar que:
Alegava-se, contra o sistema do Código Comercial, ser ele lento, complicado, dispendioso, prejudicando, a um tempo, credores e devedor; além disso dava maior importância à apuração da responsabilidade comercial da falência, pois só com a ultimação do processo da quebra e qualificação da falência é que se iniciava a liquidação da massa. Por outro lado, a aceitação da concordata dependendo da maioria de credores em número e que representassem pelo menos dois terços dos créditos sujeitos aos efeitos da concordata constituía obstáculos à obtenção desse favor.
As exigências iníquas para concessão da concordata foram responsáveis pela
primeira reforma da regulamentação falimentar.
Na época, Visconde de Mauá - grande banqueiro e empresário brasileiro - em meio a
graves crises em seus negócios, viu-se impossibilitado de pedir a concordata, pois seria
impossível reunir seus 3.000 credores distribuídos pelo Brasil e pelo mundo.
Diante disso, em 1879, fez uma representação à Câmara, demonstrando a ineficiência
de tal preceito legal, o que levou á criação da concordata preventiva pelo Decreto-Lei nº
3.065, de 6 de janeiro de 1882. Estabeleceu ainda que o quorum para concessão da concordata
seria a maioria dos credores presente e que representassem dois terços dos créditos.46
1.4.3 Período Republicano
Após a proclamação da República, o instituto falimentar passou por intensa
reelaboração legislativa. Começou com o Decreto nº 917 de 24 de outubro de 1890, idealizado
por Carlos de Carvalho que revogou toda a terceira parte de Código de 1850.
Este Decreto, de grande importância para a evolução da normatização da Falência,
caracterizou o estado falitário em atos e fatos previstos na legislação e pela impontualidade no
pagamento de obrigações. Além disso, instituiu como meios preventivos a moratória, a cessão
de bens, o acordo extrajudicial47 e a concordata preventiva, que posteriormente, foram alvos
de diversas críticas por facilitar abusos e fraudes.48
45 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 31. 46 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 18. 47 O art. 120 dispunha sobre o novo sistema da concordata preventiva, que desse modo era introduzida no direito
brasileiro: “O devedor, com firma inscrita no registro do comércio, que, antes do protesto por falta de pagamento de obrigação comercial, líquida e certa, tiver feito extrajudicialmente algum acordo ou concordata
24
Apesar das graves críticas, Requião49 admite que “[...] sem dúvida o Decreto n° 917
foi um passo à frente na modernização do instituto falimentar na época [...]”. 50
Em seguida, com o intuito de prevenir tramas entre credores de devedores, foi
promulgada a Lei nº 859 de 16 de agosto de 1902 sem, contudo, obter êxito. A previsão da
criação de uma lista com nomes de fora dos quadros da Falência, organizada pelas Juntas
Comerciais, de onde seria escolhido um síndico pelo juiz, causou tanto escândalo que o
Congresso foi obrigado a substituí-la.51
Entrou em vigor então a Lei nº 2.024, de 17 de dezembro de 1908, obra de Carvalho
de Mendonça que, conforme Lacerda52 “[...] representava uma síntese bem formulada dos
princípios que nortearam o Dec. 917, de 1890, embora com o aproveitamento de algumas
normas colhidas do direito estrangeiro novo”. Esta lei extinguiu a concordata extrajudicial e a
moratória, consolidando o sistema da concordata judicial na forma preventiva e suspensiva.
Entretanto, apesar de haver perdurado por um certo tempo, devido a alguns defeitos
da Lei, em 9 de dezembro de 1929 promulgou-se o Decreto nº 5.746 que previu a diminuição
do número de síndicos e determinou percentagem para a proposta de concordata. Esta lei
permaneceu em vigor até o advento do Decreto-Lei nº 7.661 de 1945 que será comentado no
próximo capítulo.
Realizou-se, neste capítulo, estudo sobre alguns aspectos do instituto falimentar
como sua etimologia, conceituação e desenvolvimento histórico, desde os seus primórdios no
Direito Romano até a promulgação do Decreto-lei nº 7.661 de 1945, que após sessenta anos
de vigência, acaba de ser revogado.
No capítulo seguinte, passa-se a estudar as características deste Decreto-lei, que
sofreram duras críticas da doutrina durante esses anos, e que foram alvo da reforma
promovida pela Lei n° 11.101 de 2005, hoje em vigor.
com os credores, representando pelo menos ¾ da totalidade do passivo, deverá requerer, sem demora, a homologação pelo juiz comercial com jurisdição na sede de seu principal estabelecimento, e, obtida ela, não poderá ser declarado falido. O acordo, ou concordata extrajudicial, devia ser assinado pelos credores e apresentado ao juiz em petição, acompanhada da relação nominal dos credores, para efeito de homologação” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 11).
48 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 32. 49 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 20. 50 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 20. 51 “Os quarenta insc ritos nessa lista, no Distrito Federal, dadas as suas sinuosas atividades, logo foram
alcunhados, pela verve carioca, de Ali-Babá e os quarenta ladrões” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 21).
52 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 32.
25
2 O DIREITO FALIMENTAR NA FASE DO DECRETO-LEI Nº 7.661 DE 1945
2.1 O SURGIMENTO E REFORMA DO DECRETO-LEI Nº 7.661 DE 1945
Com o advento do Estado Novo, foram tencionadas diversas reformas legislativas
com o intuito de alinhar a legislação brasileira com a filosofia política de fortalecimento dos
poderes do Estado.53
Dentre as reformas planejadas, estava a reestruturação do Diploma falimentar.
Neste prisma, Lacerda54 relata que em 31 de outubro de 1939, encarregado pelo
Ministro da Justiça na época, Trajano Miranda Valverde apresentou um anteprojeto de lei de
Falência, que, dentre outras inovações, instituía que a concordata dependesse da vontade dos
credores, limitaria a administração da Falência ao síndico – eliminando o liquidatário, e que
sua escolha ficasse a cargo do juiz. Contudo, depois de publicado, o andamento do anteprojeto
não obteve êxito.
Foi então que em 21 de outubro de 1943, Alexandre Marcondes Filho, Ministro da
Justiça na época, ofereceu outro anteprojeto elaborado por uma comissão composta por
Filadelfo Azevedo, Hahnemann Guimarães, Noé Azevedo, Joaquim Canuto Mendes de
Almeida, Sílvio Marcondes e Luís Lopes Coelho. O anteprojeto, que trouxe alguma inovações
já constantes do anteprojeto de Miranda Valverde, transformou-se no Decreto-lei nº 7661 de
21 de junho de 1945. 55
As principais inovações, elencadas por Lacerda56 foram: a extinção do liquidatário,
cujas funções passaram a ser exercidas pelo síndico; a concessão da concordata preventiva
pelo juiz, sem a audiência dos credores; e, a tramitação paralela do processo penal e do
falimentar na ocorrência de crime falimentar.
Sant’Anna 57 destaca ainda como caracteres do Decreto-lei nº 7.661 os seguintes:
[...] a faculdade de o devedor ou o credor requererem a falência; o princípio de defesa do devedor quando requerida a falência pelo credor; a decretação da falência mediante sentença; a habilitação dos credores; a verificação dos créditos; a arrecadação, avaliação e venda dos bens, para a realização do
53 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 21. 54 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 33. 55 Cf. lição de LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 33. 56 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 34. 57 SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 23.
26
ativo e pagamento dos credores, através de rateios; a extinção das obrigações do falido; o direito de o falido impetrar concordata suspensiva.
Apesar de todas as novidades adotadas pelo Decreto-lei, alamarva-se naquela época a
que a “nova” Lei de Falências já nascera velha e viciada. Mesmo a economia brasileira
apresentando-se de forma tímida, onde predominavam empresas individuais ou familiares,
estava passando por um período de certo desenvolvimento devido à II Guerra Mundial e já
ostentava empreendimentos de porte. Entretanto, o legislador de 1945 não vislumbrou os
acontecimentos da época e focou o Diploma das Quebras na figura do comerciante individual,
relegando a sociedade mercantil ao campo das exceções.58
Neste sentido, em análise à regulamentação falimentar em questão, Nelson Abrão
citado por Cruz59 leciona que:
[...] refere-se o diploma legal brasileiro, de maneira sistemática, ao comerciante individual. As sociedades mercantis, não só as chamadas pessoas, como a sociedade por ações, são mencionadas em plano secundário. Ora, legislando-se para o indivíduo, evidentemente não se tem a visão da importância do organismo economicamente organizado, e que sobrepõe à pessoa física de seu titular ou titulares, que é a empresa.
Vigente há quase 60 anos, já há muito tempo totalmente ultrapassada e incompatível
com a realidade econômico-social em que se vive, apesar de diversos de seus dispositivos
terem sido reformulados, não é novidade afirmar que a legislação falimentar era grande
merecedora de uma reforma integral. Segundo Bulgarelli60:
[...] o Dec.-Lei 7.661/45, vem se sustentando, graças a uma interpretação extensiva e evolutiva proposta, debatida e exigida pelos operadores do Direito – no caso, os advogados e a doutrina – que orientam a Jurisprudência a respeito.
Doutrinadores, estudiosos e demais interessados reclamavam pela modernização e
reforma do instituto falimentar em uníssono, pois os legisladores esqueceram que o direito
tem que espelhar o comportamento social e econômico de um povo, e evoluir com ele. A
economia de hoje está muito além da acanhada economia de 60 anos atrás. O mercado está
muito mais competitivo e complexo e as chances de fracassar nunca estiveram tão grandes.
58 TEPEDINO, Ricardo. A Recuperação da Empresa em Crise Diante do Decreto-Lei 7.661/1945. Revista de
Direito Mercantil, nº 128, São Paulo, out/dez, 2002, p. 165. 59 CRUZ, Carlos Alberto de Oliveira. Falência e Concordata – A Interpretação Sistemática no Direito Concursal
Brasileiro. Revista Jurídica, nº 248, jun. 1998, p. 16. 60 BUGARELLI, Waldirio. O Novo direito empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 154.
27
Szklarowsky61 define bem esse momento econômico pelo qual se está passando:
[...] um mundo fascinante envolvido por novos mercados e blocos comerciais, profundas alterações político-sociais, queda e criação de novos impérios econômicos e Estados, numa universalização jamais vista, e por descobertas tecnológicas e científicas, que exigem do legislador mais que meros expedientes legislativos, senão intensa arte de ourivesaria, na elaboração legislativa, porque o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a realidade. A empresa é hoje encarada como uma entidade de suma importância e sua recuperação não advém de mera abstração, senão de uma realidade incontestável, com assento na doutrina e no direito alienígena.
Sant’Anna 62, já em 1986 ressaltava o grande abismo existente entre o ambiente
político-econômico vivido em 1945 e o daquela época:
Nos distantes dias de 1945, quando foi decretada a Lei de Falências, o Brasil praticamente não conhecia inflação, inexistia a correção monetária e a base do crédito do comércio em geral era mantida pelos fornecedores, a rede bancária não formava os grandes conglomerados que existem atualmente, a incipiente noção de empresa não correspondia à que se afirma nos dias correntes, a carga tributária era muitíssimo inferior à de agora.
Após o advento da Legislação Falimentar vieram inúmeras outras normas63 que
modificaram alguns pontos do Decreto-Lei nº 7.661/45, sem, entretanto, alterar sua
substância. Mas, as mudanças não foram suficientes para modernizar seus aspectos
extremamente formais e processuais que impossibilitavam um entendimento econômico dos
motivos que levavam o comerciante a entrar em crise, o que deixaria a legislação brasileira
muito mais próxima dos padrões internacionais.64
61 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Projeto de Lei de Falências: sugestões ao substitutivo. Jus Navigandi,
Teresina, a. 1, n. 8, mar. 1997. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=761>. Acesso em: 15 jan. 2005.
62 SANT’ANNA, Rubens. A Falência da Empresa. Realidade Contemporânea e Perspectivas Futuras. Revista de Direito Mercantil, nº 64, São Paulo, 1986, p. 43.
63 “Lei n. 3.726/60 (dispõe sobre a preferência dos créditos trabalhistas); lei n. 4.839/65 (dispõe sobre a preferência dos créditos trabalhistas); decreto-lei n. 192/67 (fixa o entendimento da expressão ‘indenizações trabalhistas’); decreto -lei 669/69 (exclui do benefício da concordata empresas que exploram serviços aéreos ou de infra-estrutura aeronáutica); lei n. 6.014/73 (promove adaptações por força no novo CPC); lei n. 6.024/73 (dispões sobre a intervenção e liquidação de instituições financeiras); lei n. 6.458/77 (promove adaptações e razão do CPC); lei n. 4.983/83 (dispõe sobre o rito sumário, aplicável as falências cujo passivo for inferior a 100 salários mínimos); lei n. 7.274/84 (dispõe sobre várias alterações na concordata); lei n. 8.131/90 (dispõe sobre várias alterações na concordata); e lei n. 8.639/93 (dispõe sobre várias alterações na concordata)” (CRUZ, Carlos Alberto de Olivei ra. Falência e Concordata - A Interpretação Sistemática no Direito Concursal Brasileiro. Revista Jurídica, p. 17).
64 CRUZ, Carlos Alberto de Oliveira. Falência e Concordata - A Interpretação Sistemática no Direito Concursal Brasileiro. Revista Jurídica, p. 17.
28
Neste diapasão, Fazzio Júnior65 explica que o caráter formalista da antiga Lei de
Falências e Concordatas incentivava a morosidade, deixava desprotegidos os créditos que não
fossem públicos e dava grande importância ao elemento punitivo do instituto, desta forma,
não era mais capaz de suportar os emaranhados problemas engendrados pelos processos de
falência ou concordata que se mostravam “[...] cada vez mais complexos, burocratizados e
inócuos”.
O entendimento dos comercialistas modernos, como se demonstrará mais adiante, e
adotado na maioria dos países desenvolvidos, aponta para um só caminho: o da preservação
da empresa. Esta tendência se coaduna com a compreensão atual da importância econômica e
social que a empresa representa para a sociedade. A proteção excessiva ao credor ou ao
devedor de outrora, deu lugar à preocupação em proteger o organismo empresarial e com ela
resguardar postos de trabalho, a atividade produtora, a arrecadação de impostos, os sócios ou
acionistas, os consumidores, e a ordem econômica através da proteção do crédito.
2.2 ALGUNS ASPECTOS SOBRE A FALÊNCIA
No estudo da natureza jurídica Falência do sistema de 1945, há que se informar que,
apesar de tratar de interesses privados, é procedimento de ordem pública. Já quando se tenta
delimitar o verdadeiro objetivo do instituto, algumas opiniões divergentes afloram66.
Há os que defendiam que seu objetivo maior era garantir a igualdade entre os
credores na divisão do patrimônio do devedor insolvente – par condicio creditorum. Outros
defendem que escopo principal era eliminar do mercado empresas debilitadas econômica e
financeiramente para que não contaminassem e prejudicassem outros organismos do
mercado.67
Na lição de Requião68, ambos princípios eram instrumentos legais utilizados pelo
Estado para proteção do crédito comercial como mecanismo essencial da estabilidade e
desenvolvimento econômico. O que não se podia admitir era que o processo falencial fosse
concebido, de acordo com a visão simplista de alguns autores, como mero meio de cobrança
por parte do credor.
65 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 17. 66 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 26. 67 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 26. 68 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 27.
29
Em que pese os ilustres objetivos desse sistema, o que se via na realidade era que a
falência estava sendo desviada de sua finalidade, tornando-se meio de cobrança coercitiva por
parte do credor69. Não eram poucos pedidos de Falência fundados em títulos executivos,
muitas vezes de valores irrisórios, que tinham único intuito de cobrança, como meio mais
desembaraçado que a execução. É o que se vê, por exemplo, do acórdão do Supremo Tribunal
Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 87.405, do Rio de Janeiro, em
11/03/1980:
Falência. Requerimento que empresta função de cobrança irregular ao instituto falimentar, desviando-o de sua função especifica e constrangendo ilicitamente o devedor. Indeferimento da petição inicial, que se restabelece. Recurso extraordinário conhecido e provido.
Neste julgado, o credor requeria a Falência instruindo o pleito com duas duplicadas,
mas apenas uma protestada, pedindo que fossem pagos dois títulos-executivos, sendo um
protestado e outro não, em 24 horas sob pena de decretação da quebra. O credor defendeu-se
alegando a inexatidão do requerimento, se Falência ou execução, tese acolhida pelo Supremo.
Da sentença declaratória de Falência, em princípio, caberia agravo de instrumento,
peculiaridade do processo falimentar. Porém, em caso de pedido calcado na impontualidade,
havia a possibilidade também, sem prejuízo do agravo, da interposição de embargos. Da
decisão desses, abria-se ainda a possibilidade para a apelação e embargos infringentes.70
Essa pluralidade recursal permitida pela lei foi duramente criticada pela doutrina,
pois servia como meio de procrastinação do processo, prejudicando direitos das partes e o
crédito. Esta era a opinião de Requião71 ao afirmar:
A lei falimentar é liberal, pródiga em recursos, e nisso padece do vício do antigo sistema processual, facultando às partes um número exagerado, em excessivas oportunidades. A tendência moderna, como se efetiva no atual Código de Processo Civil, é a redução da quantidade e possibilidade de recursos. Além disso, a lei é complicada e de certa forma confusa na regulação dos recursos que oferece.
O processamento pré-falencial seguia aspectos diferentes dependendo do fundamento
do pedido de quebra. Se o requerimento era baseado na impontualidade injustificada (art. 1°),
o teria que seguir rito previsto no art. 11; se calcado nos atos falenciais, processaria-se pelo
69 CARVALHO, Dora Martins de. O Anteprojeto Legislativo da Lei de Concordatas e Falências. Revista
Direito Mercantil, nº 88, p. 88-94, São Paulo, 1992, p. 91. 70 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 3. 5. ed. rev. atual. de acordo com o novo Código
Civil e alterações da LSA. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 254. 71 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 138.
30
art. 12; por fim, se ocorresse autofalência, seguiria rito mais simplificado, constante do art.
8º.72
2.3 ORDEM DE PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS NA FALÊNCIA
Quando ocorre a decretação da Falência de uma sociedade em dificuldade, o
patrimônio da falida torna-se garantia comum aos credores nos recebimentos dos seus
créditos. Entretanto, como se tratam de créditos concursais, ou seja, concorrem ao pagamento
através de recursos proveniente da liquidação dos ativos da devedora, o direito concursal,
mesmo objetivando colocar os credores em pé de igualdade, teve que estabelecer uma ordem
de preferência de recebimento dos créditos que atendesse à ordem de preferência constante
dos contratos e da lei. 73
A igualdade, portanto, fica revelada apenas entre os credores da mesma classe – é a
par condicio creditorum. Neste sentido, assevera Requião74 que os créditos com maior
preferência devem ser pagos antes dos créditos mais fracos e, ao final, devem-se pagar os que
não gozam de nenhuma preferência, que se classificam como créditos quirografários.
Segundo análise da Lei feita por Requião75, a ordem de preferência de pagamentos
dos créditos, de acordo com que estabelecia o Decreto-lei nº 7.661 e demais legislações, era
disposta da seguinte forma:
a) créditos por acidente de trabalho (art. 102, § 1º); b) créditos trabalhistas, compreendendo todos os pagamentos devidos pela sociedade empresária a seus empregados (CLT, art. 499, § 1º); nessa mesma classificação estão os créditos dos representantes comerciais (Lei n. 4.886/65, art. 44, incluído pela Lei n. 8.844/94) e os da Caixa Econômica Federal, pelo FGTS (Lei n. 8.844/94, art. 2º, § 3º, com redação dada pela Lei n. 9.467/97); c) dívida ativa de natureza tributária ou não tributária (art. 186 do CTN e 4º, § 4º, da Lei n. 6.830/80); d) crédito da Fazenda Nacional decorrente de multas e penas pecuniárias devidas pela falida (Dec.-Lei n. 1.893/81, art. 9º; LF, art. 124); e) créditos por encargos da massa (art. 124, § 1º); f) créditos por dívidas da massa (art. 124, § 2º); g) credores com garantia real (art. 102, I); h) com privilégio especial (art. 102, II); i) com privilégio geral (art. 102, III);
72 Cf. lição de COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 246. 73 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 110. 74 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 326. 75 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 326.
31
j) quirografários (art. 102, IV); k) subquirografários (LSA, art. 58, § 4º).
Tal ordem classificatória dos créditos é direcionada ao síndico que tem, ou pelo
menos deveria, satisfazer os pagamentos de acordo com o que ela estabelece. Porém, várias
questões com relação a essa ordem devem ser ponderadas.76
Primeiramente, observa Coelho77 que, apesar da ordem de prioridades ter que ser
seguida pelo síndico na hora do pagamento do passivo, não está descartada a possibilidade de
alguns credores terem seus créditos satisfeitos antes mesmo de outros que, de acordo com a
Lei, possuam créditos que preferem àquele.
É o que ocorre com os créditos fiscais – nestes compreendidos os de natureza
tributária e não tributária78 – que, por força do art. 18779, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de
1966 (CTN), gozam de superprivilégios por estarem excetuados da concorrência de credores e
da exigência de suspensão das execuções individuais contra a falida, não precisando a
Fazenda Pública se sujeitar à habilitação para cobrar suas dívidas.
Neste caso, como os créditos públicos não precisam concorrer com os demais, se a
execução fiscal tramitar de forma mais rápida do que o processo falimentar, o bem penhorado
em favor da Fazenda Pública pode ser vendido antes da liquidação da massa, podendo o fisco
receber antes mesmo dos credores trabalhistas80. Quanto a essa possibilidade, pondera
Lacerda81 que, se os bens da falida já estivem arrecadados, só restará à Fazenda Pública “[...]
pedir reserva ao Juízo da falência, a fim de lá receber, obedecendo à preferência legal dos
créditos trabalhistas”.
Em interessante prisma, ao analisar esta prerrogativa dos créditos públicos, assevera
Lacerda82:
A nova lei de falências em França (13.7.1967) restringiu as prerrogativas da Fazenda Pública e reforçou o privilégio dos credores trabalhistas. A Fazenda Pública tem que se habilitar na falência como qualquer outro credor. Disposição sensata que deveria ser adotada sem tardança pelo
76 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 308. 77 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 308. 78 “Por força do art. 2 3, III, não podiam ser exigidas na falência as penas pecuniárias e por infração das leis
penais e administrativas. Apesar da jurisprudência considerar a multa fiscal moratória pena administrativa, tinha excluído sua cobrança na falência (Súmula nº 565), porém, por força do Decreto-lei nº 1.893/81, quando se tratar de penalidade imposta pela União, os créditos serão cobrados na mesma classe dos encargos da massa” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 153).
79 “ Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento” (BRASIL. Código comercial, código tributário nacional e constituição federal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 347).
80 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 308. 81 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 208. 82 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 208.
32
legislador pátrio, como pondera Fábio Konder Comparato. Não se compreende, com efeito, que o soi-disant ‘juízo universal da falência’ não abranja os créditos fazendários, cuja satisfação costuma ser, afinal de contas, decisiva para o pagamento dos credores quirografários. Por outro lado, se o soerguimento da grande empresa combalida é de interesse público, por razões de ordem social e econômica, é inevitável o sacrifício relativo do Fisco e imprescindível a sólida proteção dos assalariados (Problemas Jurídicos da Macroempresa, São Paulo, 1970, nº 46, p 119).
A justificativa para tantas vantagens e privilégios concedidos aos créditos públicos
seria a preservação do bem-estar social, isso porque aqueles são os responsáveis por seu
financiamento. Porém, por outro lado, deve ser analisado também o fato de que as
prerrogativas cedidas à Fazenda Pública podem provocar, além de prejuízo aos trabalhadores,
efeitos muito danosos à sociedade.83
Como exemplo, pode ser citado o aumento do risco de recebimento de créditos em
um processo falimentar por um credor privado, o que conseqüentemente provoca a retração na
oferta de créditos e elevação dos juros dos empréstimos, ou ainda, o prejuízo ou mesmo
Falência de credores menores que dependem crucialmente do recebimento de dívidas; e por
conseqüência, diminuição do bem-estar social.84
A ordem preferencial de pagamento dos créditos estabelecida pelo Decreto-lei nº
7.661/45 e pela Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) foi objeto de rigorosas críticas por
parte da doutrina e dos credores. A experiência forense revela que a maioria dos credores que
se localizam em ordem menos privilegiada, raramente consegue receber seus créditos, pois os
recursos provenientes da liquidação dos bens da falida geralmente se esvaem na satisfação das
dívidas trabalhistas, não suportando nem as dívidas fiscais.85
Essa situação de iniqüidade provém do fato do legislador, nos últimos anos, ter se
preocupado unicamente em aumentar a proteção dos créditos trabalhistas e fiscais de forma
excepcional e absoluta, desvirtuando o verdadeiro sentido do processo falimentar.
A maior prova disso pode ser verificada no descrédito em que caiu o direito real em
garantia. Mesmo se resguardando de possíveis inadimplências por meio de hipotecas de
imóveis, alienação fiduciária, penhor de máquina ou mercadorias, dentre outras, os credores
com garantias reais, dificilmente conseguem receber, uma vez que o produto da alienação dos
83 Cf. observação doutrinária de TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto
de Lei da Câmara nº 70, de 2003. Senado. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/web/senador/ramez/ 2003>. Acesso em: 17 mar. 2005. p. 1.
84 TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 70, de 2003. Senado, p. 1-2.
85 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de Direito Mercantil, nº 12, p. 92-105, São Paulo, out/dez 2002. p. 75.
33
bens gravados deverá pagar primeiramente os volumosos créditos trabalhistas e depois os
fiscais86.
Segundo os economistas Araújo e Lundberg87, “o Brasil é um dos raros países onde a
execução das garantias reais de uma operação de crédito não funciona quando ela é mais
necessária – na falência – quando a empresa se mostra incapaz de honrar seus compromissos”.
A principal conseqüência disso, como já dito, é a menor oferta de crédito por parte das
instituições financeiras e o aumento dos spreads88 bancários, fatores fundamentais para o
desenvolvimento da economia.
Na grande maioria dos países, em caso de Falência, os créditos com garantia real
preferem aos fiscais. São poucos também os países onde os créditos trabalhistas têm
prioridade sobre aqueles, e quando tem, o crédito é limitado. Este padrão internacionalmente
adotado justifica-se como uma forma de manter “[...] um ambiente institucional favorável ao
crédito, procurando privilegiar a empresa produtiva com a possibilidade de acesso a
empréstimos e financiamentos fartos e baratos”, como instruem Araújo e Lundberg 89.
Desta forma, constata-se que as vantagens legais de que gozam as dívidas fiscais, na
forma como vigorava no Diploma Falimentar e o CTN, dificultavam a formação de uma
conjuntura econômica e institucional que favorecesse o desenvolvimento. Portanto, via-se,
desde já, a necessidade definir novamente a função do crédito tributário no processo
falimentar, e promover alteração na ordem preferencial de pagamento das dívidas.90
Outra questão levantada pela doutrina refere-se à ordem de preferência dos encargos
e dívidas da massa que englobam as despesas com a administração da Falência. Da análise da
Lei, como exposto acima, percebe-se que esses créditos deveriam ser pagos apenas depois das
restituições em dinheiro e após terem sido satisfeitas todas as dívidas trabalhistas e fiscais.
Porém, essa ordem de pagamento era incompatível com um dos objetivos da Falência: o de
viabilizar uma administração profissional da massa, como justifica Coelho91:
O juiz apenas pode contar com a colaboração de síndicos honestos, competentes, empenhados e experientes se eles forem remunerados de forma satisfatória. Nenhum depósito ou seguradora, por outro lado,
86 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de
Direito Mercantil, p. 75. 87 ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper.
Disponível em: <http://www.bcb.gov.br>. Acesso em: 08 mar. 2005. p. 1. 88 Representa a diferença entre as taxas de juros de aplicação e de captação, compreendendo o lucro e o risco
relativos às operações de crédito. Conceito extraído do glossário do Banco Central. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/glossario.asp?id=GLOSSARIO&q=spread>. Acesso em: 10 abr. 2005.
89 ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper, p. 1. 90 Cf. TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 70,
de 2003. Senado, p. 2. 91 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 341.
34
concordaria em contratar com a massa para ser eventualmente pago, após os credores trabalhistas e fiscais, se sobrar dinheiro.
Este entendimento levou juízes a sabiamente determinar que antes de qualquer outro
crédito sejam pagas as despesas provenientes da administração da massa falida.92 Decisões
estas que, de certa forma, preconizaram as mudanças que se insurgiram na nova Lei de 2005,
como se verá.
2.4 OS CRÉDITOS TRABALHISTAS
Pela redação original do Decreto-lei nº 7.661 de 1945, os créditos trabalhistas eram
classificados em último lugar na dos privilégios reais, ou seja, só seriam satisfeitos após os
créditos fiscais, os por dívidas e encargos da massa, os com garantia real e os com privilégio
especial. Tal posição , como ensina Requião93, era muito injusta e desprezava “[...] a natureza
falimentar da remuneração empregatícia, e a proteção que é devida pela sociedade moderna à
condição da classe proletária”.
A correção deste despropósito legislativo só ocorreu em 1960, com a vigência da Lei
nº 3.726, que passou a dar classificação bem mais privilegiada e protetora aos salários e
indenização dos empregados da empresa falida, colocando o crédito trabalhista como o
primeiro a ser satisfeito no processo de liquidação.94
Também na redação original do Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que
instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho, o art. 499 e seus parágrafos prescreviam norma
que mitigava a proteção que deveria ser concedida aos trabalhadores.
Segundo Requião95, o preceito legal dispunha que:
[...] na falência e na concordata subsistem os direitos oriundos da existência de contrato de trabalho, constituindo crédito privilegiado a totalidade dos salários e um terço das indenizações a que tiver direito o empregado, e crédito quirografário os restantes dois terços.
Foi somente com o advento da Lei nº 6.449, de 14 de outubro de 1977 que o
dispositivo do § 1º96, do art. 499, foi alterado, determinando a nova redação que constituiriam
92 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 341. 93 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 328. 94 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 329. 95 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 329.
35
créditos trabalhistas privilegiados o total dos salários e das indenizações a que os empregados
tiverem direito.97
Desta forma, os créditos trabalhistas, formados por salários e indenizações de
qualquer origem98 e sem qualquer limitação, passaram a preterir todos os demais créditos na
ordem preferencial de pagamento, inclusive os fiscais, ficando após apenas dos créditos
resultantes de indenização por acidente de trabalho.
2.5 A REALIZAÇÃO DE ATIVOS NA FALÊNCIA
A fase de liquidação do ativo se divide em duas partes: a realização do ativo e a
satisfação do passivo.
De acordo com Requião99, pelo Decreto-lei nº 7.661, inicia-se a realização dos ativos
quando já apurado a situação patrimonial da Falência, o total dos créditos concorrentes, as
dívidas e os encargos da massa falida, isso tudo verificado com a publicação do relatório do
síndico e do quadro geral de credores.
Ou seja, na forma do art. 63, só podem ser vendidos os bens após a formação
completa do quadro geral de credores – procedimento que no Estado de São Paulo, onde
ficam as maiores empresas do país, pode levar em média de 7 a 10 anos100 – e posterior
apresentação do relatório do síndico, isso quando já tenha esgotado o prazo para o
requerimento da concordata preventiva ou a mesma ter sido indeferida.
Decorridos os referidos prazos e preenchidas as formalidades, o síndico publicaria
por duas vezes no Diário Oficial que será iniciada a liquidação. Cabia ao síndico também
diligenciar para a forma mais proveitosa de alienação dos ativos, analisando sempre a
96 “Art. 499. [ omisssis] § 1º Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito.” (BRASIL. Consolidação das lei trabalhistas, legislação previdenciária, constituição federal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.) 97 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 208. 98 “Saldo salarial, férias não gozadas, décimo terceiro proporcional ou integral, aviso prévio, hora extra e todos
os demais valores devidos aos empregados, conforme apurados pela Justiça do Trabalho, devem ser pagos pelo síndico no atendimento a essa ordem de classificação” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 346).
99 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 361. 100 Cf. PAIVA, J. A. Almeida. Após 09/06/05 todos os bens das falências em curso já podem ser vendidos antes
da formação do QGC. Advocacia Almeida & Paiva. Disponível em: < http://www.almeidapaiva.adv.br/>. Acesso em: 30 mar. 2005. p. 1.
36
conjuntura do mercado e as condições e valores dos bens a fim de angariar a maior quantidade
de recursos possíveis para o pagamento dos credores.101
A legislação de 1945 possibilitava ao síndico a discricionariedade de optar por duas
alternativas de alienação: englobada ou separadamente (art. 116), podendo ser realizadas por
leilão ou proposta. Então, baseado no que entender ser a escolha mais benéfica para os
credores, o plano de venda dos bens era “da exclusiva escolha e responsabilidade do síndico”,
como afirma Requião102.
Entretanto, ensina Coelho103 que, não concordando com a proposta do síndico, a
coletividade de credores poderia modificar a alternativa escolhida e deliberar que a venda se
daria de forma diferente. Bastava para isso que reunissem mais de ¼ do passivo habilitado e
solicitassem ao juiz a convocação de uma assembléia, não podendo, entretanto, contrariar o
que dispusesse a lei e nem prejudicar os atos já realizados pelo síndico.
Era autorizada também a venda extraordinária dos bens, ou seja, formas diferentes do
leilão e da proposta, como por exemplo, a constituição de uma sociedade pelos credores que
incorporará os ativos ou a cessão em bloco a terceiro que se responsabilizará pelos créditos.
Mas, nestes casos não cabe ao síndico decidir, pois essas somente se darão por deliberação
dos credores em assembléia que representem no mínimo 2/3 do passivo admitido e a
homologação pelo juiz.
Quando fosse mais vantajosa a alienação englobada como de uma fábrica, por
exemplo, “[...] com todas as suas máquinas e instalações, inclusive o imóvel em que funciona
[...]” 104, ou a incorporação pela sociedade de credores ou cessão dos créditos, a doutrina é
unânime no entendimento que a falida se extingue e surge outra sociedade empresária. E,
extinta a sociedade falida, estão extintos os contratos de trabalho e seus ônus não deveriam ser
transmitidos para os adquirentes.
Todavia, como verbera Requião105, não obstante conclusões tão óbvias, “os tribunais
trabalhistas passaram a considerar existente a sucessão entre a empresa falida e o adquirente
do estabelecimento, que assim responderia pelos encargos sociais dos antigos empregados”.
Trata-se de jurisprudência ilegítima que desconhece que, com a falência, os contratos
101 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordata, p. 116. 102 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 362. 103 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 337. 104 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 217. 105 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 373.
37
trabalhistas são rescindidos e que os trabalhadores devem se habilitar no processo
concursal106.
Além do ônus trabalhista, outra questão que prejudicava a interesse dos compradores,
era a sucessão do passivo tributário, prevista no art. 133 do CTN107, que assim determina:
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
O fato de um comprador ter que arcar com todo o passivo da sociedade falida pode
diminuir sensivelmente o interesse do mercado pelo negócio, assim como o valor do
estabelecimento. Tais fatores podem ter o condão de inviabilizar qualquer possibilidade de
alienação, ou porque não há interessados ou porque o valor oferecido, mediante o risco que o
negócio representa, é baixo demais108.
Diante o exposto, nota-se que, apesar de alguns autores aconselharem a venda do
estabelecimento na sua integridade, quando for melhor para os credores, a antiga legislação e
jurisprudência falimentar não proporcionavam um aparato institucional que incentivasse essa
possibilidade. Pelo contrário, criava obstáculos desestimulavam e prejudicavam o interesse de
possíveis adquirente da falida.
2.6 A CONCORDATA
A preocupação em humanizar os mecanismos de execução do devedor comerciante –
que nos seus primórdios tinha caráter predominantemente punitivo, e possibilitar a
sobrevivência da empresa que passa por período de crise sem dolo do comerciante é bem
antiga109.
106 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 373. 107 BRASIL. Código comercial, código tributário nacional e constituição federal, p. 335. 108 Cf. FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Alienação da Empresa na Falência e Sucessão Tributária.
Revista de Direito Mercantil, ano 87, nº 132, p. 87-95, São Paulo: Malheiros Editores, out./dez. 2003. p. 88. 109 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 382.
38
O instituto da concordata surgiu com o objetivo de solucionar o estado de insolvência
econômica do comerciante devedor, prevenindo ou obstando a falência ou sustando seus
efeitos, quando já declarada, e desta forma, sanear e recuperar a sociedade comercial em crise
econômica ou financeira.110
No Código Comercial Brasileiro de 1850, o benefício da concordata, que a princípio
era concedido apenas na sua forma suspensiva, exigia-se a anuência da maioria do número de
credores que representassem ao menos dois terços do valor de todos os créditos. Com o
advento do Decreto-lei nº 7.661 de 1945, foi abolida a exigência do consentimento dos
credores para sua concessão111.
Segundo Coelho112, a concordata transformou-se num “favor legal” concedido ao
empresário em crise que estivesse de boa-fé. Porém, esta boa-fé era caracterizada por meio de
uma valoração objetiva, ou seja, bastava que o requerente apresentasse uma lista dos
documentos exigidos por lei, para obter o favor legal, o que permitia a sorte do benefício até
mesmo por parte de comerciantes inescrupulosos.
Noutro norte, leciona Cruz113 que a concordata era remédio jurídico cujo alvo era
evitar a Falência da sociedade empresária devedora por meio da remissão parcial ou
adiamento dos vencimentos das obrigações, impedindo o início de uma execução coletiva ou
suspendendo seus efeitos. Não havia qualquer análise econômica, financeira ou administrativa
que verificasse a viabilidade de continuação das atividades da empresa combalida.
Este era o maior erro do instituto: conceder o benefício mediante atendimento de
alguns pressupostos formais. Não havia a preocupação de analisar as causas da insolvência do
devedor, ou se o plano de soerguimento da empresa era viável, ou mesmo se o devedor era
apto a continuar no comando dos negócios. Desta forma, mesmo diante de empresas com
notória incapacidade de se recuperar e se manter, preenchida as formalidades, os juízes
acabavam por conceder a concordata na esperança que os credores conseguissem receber seus
créditos, o que geralmente não ocorria.114
A concordata acabou por se tornar meio de postergar a Falência e enriquecer
devedores perspicazes e inescrupulosos.115
110 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 3. 111 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 384. 112 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito falimentar, p. 359. 113 CRUZ, Carlos Alberto de Oliveira. Falência e Concordata. A Interpretação Sistemática no Direito Concursal
Brasileiro. Revista Jurídica, p. 16. 114 Cf. REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro – A Reforma da Lei de Falências. Revista
de Direito Mercantil, p. 28. 115 Cf. REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro – A Reforma da Lei de Falências. Revista
de Direito Mercantil, p. 28.
39
No mesmo sentido é o entendimento de Tepedino116 ao advertir que:
O instituto da concordata transformada pela lei de 1945, num favor legal que se concede à vista do preenchimento de meras formalidades, sem qualquer preocupação com a probabilidade de recuperação do impetrante, está longe de propiciar a execução de um plano de reestruturação da empresa em crise.
A legislação falimentar, da mesma forma que disponibilizava um mecanismo para
que o devedor se salvasse da ruína empresarial, em outra mão, criava obstáculos que
dificultavam o alcance da finalidade do instituto de expurgar a Falência. Perquirindo algumas
nuanças da concordata, podem ser citados vários exemplos.
Um dos obstáculos que podem ser notados, ainda nas observações de Coelho117 era
que a simples impetração do pedido de concordata, quando não concedida pela ausência de
algum de seus pressupostos, era elemento ensejador da Falência. A justificativa do legislador
para essa prescrição era que ninguém pleitearia concordata se não estivesse insolvente, e se
está insolvente e não reúne os requisitos para se beneficiar do favor legal, o mais prudente
seria que se instaurasse de pronto a Falência.
Assim dispunha o art. 176 do Decreto-lei nº 7.661/45118, in verbis:
Art. 176. Negando a concordata preventiva, o juiz declarará a falência do devedor, proferindo sentença em que observará o disposto no art. 162, parágrafo 1º.
Da mesma forma, e em pior hipótese, também era passível da decretação de Falência
a empresa que promovesse mera convocação extrajudicial de credores para oferecer-lhes
proposta de dilação da exigibilidade dos créditos ou remissão parcial destes, como meio de
contornar situação de crise momentânea pela qual passa a sociedade empresária. De acordo
com o art. 2º, III do mesmo Decreto-lei, tratava-se de ato que pressupunha a insolvência e
servia para fundamentar pedido de declaração de insolvência.119
Presumia a legislação que quando o devedor lançava mão desta atitude era porque a
sociedade estava manifestando estado de desorganização e corria risco de ser fraudada,
prejudicando o interesse dos credores120. Ou então que, se o falido se utilizou desses meios ao
116 TEPEDINO, Ricardo. A Recuperação da Empresa em Crise Diante do Decreto-Lei 7.661/1945. Revista de
Direito Mercantil, p.166. 117 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito falimentar, p. 360. 118 BRASIL. Lei da falência. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. 15. ed.
São Paulo: Saraiva, 1999. p. 78. 119 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 327. 120 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 85.
40
invés de requerer a concordata era porque não reunia as condições necessárias para alcançar o
favor legal, tornando imprescindível à decretação da quebra121.
Segundo Coelho122, esta solução determinada pela lei geralmente não corresponde
aos interesses dos credores e outros agentes atingidos por uma possível Falência. São essas as
suas palavras:
[...] na concordata, podem receber com demora, mas acabam recebendo; na falência, o prejuízo é certo. Muito menos os dos empregados, que podem conservar seus postos de trabalho na concordata e certamente os perdem na falência do empregador. Além disso, a sociedade concordatária continua fornecendo bens e serviços aos consumidores, enquanto a falida não. A quebra não corresponde, também, aos interesses do fisco e da própria comunidade vizinha à empresa. Todos esses sujeitos, e não apenas a sociedade devedora, são prejudicados pela interrupção da atividade econômica desenvolvida pelo impetrante da concordata.
Como dito, para obter a concordata (preventiva ou suspensiva) era necessário o
preenchimento de alguns requisitos legais: a) exercer o comércio regularmente; b) não ter
título vencido ou a Falência requerida há mais de 30 dias; c) não ter sido beneficiado pela
concordata nos 5 anos anteriores; d) não possuir dívidas com o fisco e o INSS.123
Preenchidos os requisitos gerais e especiais para cada espécie de concordata, o
devedor tinha acesso ao favor legal, porém, sua proposta de recuperação limitava-se a escolha
de prazos e formas de pagamento fixadas pela lei.
Na concordata preventiva, por força do art. 156, podia optar em pagar a vista 50% da
dívida, ou se preferisse a prazo, 60%, 75%, 90% ou 100% em 6 (seis), 12 (doze), 18 (dezoito)
ou 24 (vinte e quatro) meses, respectivamente. Já na preventiva, pelo art. 177, as opções eram
de pagamento à vista de, no mínimo, 35% dos débitos ou 50% no prazo de 2 (dois) anos.
Não havia, portanto, qualquer chance de negociação entre credores e devedor.
Concedido o benefício, todos os credores admitidos tinham obrigatoriamente que se sujeitar a
ela. A única forma de se opor aos efeitos da concordata era por meio de embargos, que
tentavam impedir a concessão, ou se já concedida, por meio de ação de rescisão, que
suspendia a concordata e instalava a falência124.
Outra questão que prejudica em demasia a intenção do instituto de evitar a Falência
da empresa em crise verifica-se na abrangência de seus efeitos. Ou seja, não eram todos os
credores que se submetiam aos efeitos da concordata. Os únicos atingidos pela proposta do
121 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 237. 122 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 360. 123 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 365. 124 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 383.
41
favor legal eram os credores quirografários, geralmente fornecedores e bancos em empréstimo
de curto prazo. Os demais créditos como os trabalhistas e equiparados, os tributários, os com
garantia real e os com privilégio especial ou geral poderiam livremente protestar e executar
seus títulos vencidos e não pagos ou, até mesmo, pedir a falência da concordatária.125
Esta limitação aos efeitos da concordata prejudicava muito as chances de saneamento
da concordatária, uma vez que, como se verifica no mercado empresarial, quando uma
empresa encontra-se em dificuldades econômico-financeira, o crédito tributário é o primeiro
que se deixa de pagar porque a possibilidade de rolagem da dívida é maior que das demais.126
Assim como na Falência, somente as sociedades empresárias tinham direito ao favor
legal, porém, a Lei estabelecia algumas exceções. Não podiam requerer a concordata, como
expõe Coelho127:
[...] as instituições financeiras, as sociedades integrantes do sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários no mercado de capitais ou corretoras de câmbio; as operadoras de planos privados de assistência à saúde; as empresas que exploram serviços aéreos de qualquer natureza ou infraestrutura aeronáutica.
Diferente do que ocorria na Falência, o concordatário não perdia a administração dos
seus bens. Mesmo na concordata suspensiva, o devedor retomava a gestão dos negócios que
até então estava nas mãos do síndico, visando a sua reorganização e pagamento das dívidas.
As únicas restrições que sofria era na venda e alienação dos bens, que só poderia ser feita
mediante autorização judicial, e na venda ou transferência do estabelecimento comercial, que
só se realizaria com a anuência de todos os credores128.
Além disso, na concordata preventiva, o devedor administrador ficava sob a
fiscalização do comissário. Este, por sua vez, não poderia, de forma alguma, infiltrar-se na
gestão da empresa, limitando-se apenas auxiliar o juiz e fiscalizar o comportamento do
concordatário tanto na vida empresarial como particular129.
Nota-se que a concordata era benefício concedido ao devedor e não à sociedade
empresária. O Diploma de Falências e Concordatas de 1945, em certos aspectos, não
125 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 364. 126 CORRÊA JÚNIOR, Gilberto Deon. XII Seminário “Lei de recuperação judicial, extrajudicial e falência” Lei
nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005. Seminário realizado na FIESC – Federação da Indústria do Estado de Santa Catarina no dia 23 de maio de 2005. Florianópolis, 2005.
127 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 360. 128 Cf. doutrina de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 40. 129 Cf. lição REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 36.
42
dissociava a empresa dos seus administradores, apesar desta já representar forte tendência no
cenário internacional.130
A prova disso infere-se do fato de ser causa de decretação da Falência da
concordatária a constatação de que seu administrador incorrera em crime. Apesar de alguns
autores entenderem que pessoa jurídica, após destituir o administrador criminoso, poderia
impetrar concordata131, a lei previa que, no decorrer do processo, verificando-se a ocorrência
dos crimes enumerados no art. 140, III ou crime falimentar, o juiz decretaria a Falência132.
Como não havia previsão de afastamento dos gestores da concordatária, a falência
acabava se tornando punição ao devedor criminoso, desvirtuando ambos institutos dos seus
verdadeiros escopos.
2.7 A ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA
De acordo com o Decreto-lei nº 7.661, sendo declarada a Falência, o falido era
desapossado do seu patrimônio perdendo qualquer direito de administração e disposição sobre
ele (art. 40). Desta forma, diante da necessidade de alguém ter que substituí-lo na
administração e conservação da massa falida, a Lei designou três órgãos para tal tarefa: o juiz,
o síndico e o promotor de justiça.
Conforme Requião133, poderia ser adicionada a essa lista a coletividade de credores,
porque, sendo eles os maiores interessados no sucesso da liquidação, além de ser exigida sua
deliberação por meio de assembléia, para realização de diversos atos, possuíam o direito e
dever de fiscalizar a administração do síndico e, se necessário, requerer sua destituição (art.
66), ou mesmo, na omissão do síndico, impetrar ação revocatória de atos do devedor (art. 55).
O juiz era autoridade maior na condução do concurso de credores. Cabia a ele, em
última análise – apesar de possuir formação jurídica e não administrativa – a administração da
falência, porém com o auxilio do síndico, que ficava sob sua superintendência, e do membro 130 MACHADO, Rubens Approbato (coord.). Comentários à nova Lei de Falências e Recuperação de
Empresas. 1. ed. São Paulo: Quartien Latin, 2005. p. 140. 131 Cf. observação de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 31. 132 “ Art. 150. A concordata pode ser rescindida: VII - pela condenação, por crime falimentar, do concordatário
ou dos diretores, administradores, gerentes ou liquidantes da sociedade em concordata. [...]. Art. 162. O juiz decretará a falência, dentro de vinte e quatro horas e, se, em qualquer momento do processo, houver pedido do devedor ou ficar provado: I – existência de qualquer dos impedimentos enumerados no art. 140” (BRASIL. Lei da falência. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira, p. 63/65).
133 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 242.
43
do Ministério Público, que também atuava no processo falimentar como fiscal da lei ou como
parte, no caso de denúncia de crime falimentar134.
Competia ao juiz, também, a nomeação do síndico. Para isso, o Estatuto Falimentar
de 45 determinava três critérios para nortear o juiz na sua escolha. Tinha o síndico que ser
escolhido entre os maiores credores da massa falida; tinha que residir ou ser domiciliado no
foro da Falência; e possuir reconhecida idoneidade moral e financeira. Ocorre que essas
exigências dificultavam sobremaneira a escolha de um bom síndico.
Ao estabelecer que o síndico teria que ser um dos maiores credores, presumia a lei
que dentre eles se encontraria os maiores interessados numa boa e regular tramitação do
processo falimentar. Porém, na prática, tal hipótese mostrou-se diferente, pois, geralmente, os
titulares dos maiores créditos são os bancos, que não demonstram muito interesse pela
sindicatura, porque se resguardam da insolvência por meio de cobrança de juros elevados ou
porque fazem utilização de direitos reais em garantia.135
Desta forma, era mais fácil encontrar interessados num bom andamento do processo
falimentar entre os credores menores. Isso porque o recebimento da dívida era fundamental a
sua sobrevivência ou porque cobiçavam obter vantagens pessoais com o processo.136
Diante disso, se houvesse a recusa consecutiva de três credores nomeados, a lei
autorizava a escolha do síndico fora do quadro geral de credores, desde que fosse pessoa
idônea e preferencialmente comerciante. Porém, o que na realidade ocorria era a nomeação de
um síndico dativo, normalmente um advogado falencista conhecido do juiz. Segundo
Coelho137, tratava-se “[...] de procedimento de escolha não previsto na lei, mas que se revela o
mais interessante e ágil para a defesa dos interesses da comunidade de credores”.
Outra questão que sofreu grande crítica da doutrina foi a ordem legal de preferência
da remuneração do síndico. Como abordado em item anterior, o síndico só deveria ser pago
após a satisfação de três classes creditícias com preferências superiores aos encargos da
massa, classe que abrange as despesas de administração da massa. Como uma administração
satisfatória da massa seria impossível sem que o síndico tivesse garantia de receber justa
indenização, os juízes já vinham autorizando o pagamento do síndico antes de qualquer
desembolso, até mesmo antes das restituições em dinheiro.138
134 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 258. 135 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 259. 136 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1, p. 248. 137 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 259. 138 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 260.
44
2.8 A PERSECUÇÃO PENAL
A doutrina nacional e internacional sempre divergiu quanto à área de direito que
deveria disciplinar os crimes falimentares: se o direito criminal, por tratar de crimes e suas
respectivas sanções; ou se pela legislação comercial, para que o comerciante pudesse localizar
todo o regulamento referente a sua atividade num único diploma que cuida do exercício do
comércio.139
Analisando o histórico da legislação brasileira, nota-se que os crimes falimentares
sempre se incorporaram nos diplomas comerciais. O Código Comercial de 1850, no capítulo
que tratava das quebras, classificou a falência como causal, culposa ou fraudulenta,
disciplinando seu processamento até a fase da pronúncia. O mesmo sistema foi mantido no
decorrer do tempo e o Decreto-lei nº 7.661/45 continuou a abranger na lei comercial o
regramento dos crimes falimentares.140
Também sempre foi alvo de grande divergência doutrinária a natureza jurídica dos
crimes falimentares. As posições são diversas entre os autores. Uns os consideram crime
contra o patrimônio, outros contra fé pública, ou então crimes contra o comércio. Há ainda um
entendimento mais abrangente que sustenta tratar-se de crime pluriobjetivo. Este parece ser o
que melhor se amolda ao direito falimentar brasileiro na opinião Maximilianus Cláudio
Américo Füher, citado por Sant’Anna 141, que diz o seguinte:
[...] o crime falimentar é um crime pluriofensivo, que atinge ou pode atingir não só o patrimônio, mas também o crédito, a fé pública, o comércio, a economia pública, a economia popular, o interesse ao tratamento igualitário dos credores, o interesse a uma liquidação rápida e justa da massa ativa, e ainda o interesse da Administração da Justiça.
O Decreto-lei de 45, ao contrário do Diploma Comercial de 1850, não classificava os
delitos falimentares baseados na culpa, no dolo ou na fraude, ocupava-se somente em elencar
as condutas típicas que considerava como criminosas. Porém, encontravam-se no rol dos
delitos falimentares características consideradas de natureza claramente dolosa e outras de
natureza culposa.142
Os fatos considerados como crime de natureza culposa eram enumerados no art. 186
e punidos com pena de detenção de seis meses a três anos. Já os atos fraudulentos, ou seja,
139 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 161. 140 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 161. 141 SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 162. 142 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 163.
45
crimes de natureza dolosa eram expostos nos art. 187 e 188, sendo punidos com reclusão de
um a quatro anos.
São também de natureza dolosa os delitos no art. 189, que trata de crimes que podem
ser praticados pelo falido ou por pessoa diversa que tenha algum vínculo com o processo
falimentar e é punido com reclusão de um a três anos.143
Quanto à investigação do crime falimentar, ao contrário dos demais delitos os quais a
persecução criminal fica a cargo da autoridade policial, esta se dava em juízo, por meio de um
inquérito judicial, tornando juiz imparcial num dirigente de investigação144. O inquérito
judicial era procedimento obrigatório típico do processo falimentar que objetivava apurar o
comportamento dos devedores da falida, a ocorrência de crime e sua autoria, dando alicerce
ao Ministério Público para concluir se houve fato típico ou não, e, em caso positivo oferecer
denúncia.145
Havia grande discordância a respeito da natureza jurídica da falência: se era mero
instrumento inquisitório, sem exigência de grandes formalidades ou se era peça indispensável
à ação penal, sujeitando-se obrigatoriamente ao contraditório. Ambos entendimentos
encontravam apoio no STF e acabavam provocando muitas confusões por parte dos
julgadores e também a impunidade dos criminosos.146
A respeito dessa celeuma, descreve Requião147 “[...] esse hibridismo do inquérito
judicial, e as confusões que vem causando, é que nos levam a sustentar a necessidade de, em
futura reforma da Lei de Falências, extirpar esse corpo do procedimento falimentar”.
Inexistia, portanto, inquérito policial na apuração do delito falimentar. A justificativa
da lei para a adoção dessa modalidade investigatória tão peculiar era que estariam no juízo da
Falência os elementos necessários para a investigação “[...] como os documentos da empresa
falida, o laudo pericial sobre a escrituração, termo de arrecadação de bens”, como diz
Coelho148.
Detectado o crime, a denúncia era endereçada ao juiz da Falência que a recebia por
despacho e encaminhava ao juízo criminal que iria dar prosseguimento à ação atém o fim, de
acordo com rito próprio disciplinado pelos art. 503 a 512 do Código de Processo Penal. A
competência para julgamento da ação criminal falimentar, definida por este sistema dualista
era duramente criticada. 143 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 166. 144 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 367. 145 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 328. 146 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1, p. 348. 147 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1, p. 350. 148 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 328.
46
Quanto ao prazo prescricional dos crimes falimentares, disciplinava o art. 199 e seu
parágrafo único, do Decreto-lei, que a extinção da punibilidade se daria em dois anos e que o
termo a quo começaria a correr na data do trânsito em julgado da sentença de encerramento
da Falência ou que julgar cumprida a concordata.
Esse entendimento, a priori pacífico, que era inclusive o do STF, sofreu
transformações inspiradas pelas aspirações de eqüidade. Ou seja, mesmo o art. 132, § 1º
determinando que o processo falimentar deve ser encerrado em dois anos, essa proposição
estava longe de ser alcançada porque a realidade demonstra que a tramitação de uma Falência
é maculada de grande morosidade, sendo impossível encerrá-la no prazo previsto.149
Desta forma, como o comum é a Falência se arrastar por anos ou até mesmo décadas
para ser encerrada, a extinção de punibilidade de um crime falimentar pela prescrição seria
indeterminado causando grande insegurança jurídica às partes envolvidas. Começaram então a
surgir entendimentos de que o prazo prescricional deveria iniciar-se não da sentença de
encerramento, e sim da data em que deveria estar encerrado o processo falimentar, ou seja,
dois anos após da declaração da quebra.150
Após muita divergência, o STF incluiu Súmula que dirimia as dúvidas quanto ao
termo a quo. Assim era o conteúdo da Súmula 174151:
Súmula nº 174. A prescrição de crime falimentar começa a correr da data em que deveria estar encerrada a falência ou do trânsito em julgado da sentença que a encerrar ou julgar cumprida a concordata.
Entendimento este que, conforme será exposto no capítulo seguinte, fora alterado
pela nova legislação falimentar.
Encerrado o estudo do Sistema Falencial de 1945, percebe-se que nem a Falência,
excessivamente formalista e ineficaz, e nem a concordata, tida como um favor legal
concedido ao devedor, nos termos do antigo Decreto-lei nº 7.661, correspondiam mais aos
anseios da sociedade e da estrutura econômica dos tempos atuais.
Originada do Projeto de Lei nº 4.376 de 1993, foi então finalmente sancionada em 9
de fevereiro de 2005 a nova legislação falimentar (Lei nº 11.101), agora denominada Lei de
Recuperação de Empresas e Falências, trazendo diversas inovações para o sistema que serão
estudadas no próximo capítulo.
149 Consoante lição de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 165. 150 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 165. 151 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 166.
47
3. ALTERAÇÕES RELEVANTES TRAZIDAS PELA LEI Nº 11.101/05
3.1 NOVOS RUMOS DO DIREITO FALIMENTAR
O papel da empresa na sociedade contemporânea vai além da sua noção primária de
mera produtora ou transformadora de bens e serviços que coloca no mercado com o espoco de
lucro. A atividade empresária, hoje, é tida como uma das organizações de maior relevância
devido à função social152 que carrega. Isso porque é a maior responsável pela distribuição de
riquezas, desenvolvimento econômico e bem-estar social.153
Assim, uma vez constituída, cabe à empresa atender diversos
interesses públicos e privados que gravitam no seu entorno: pagar salários aos trabalhadores;
recolher tributos para manter o Estado; distribuir lucros aos investidores; comprar dos
fornecedores; atender consumidores.
Diante disso, assevera Requião154 que:
Na verdade, os institutos da falência e concordata se revelaram estreitos para atender aos vultosos interesses, privados e públicos, envolvidos nas grandes empresas modernas, que manipulam poderosos valores econômicos e sociais. O conceito moderno de empresa, como atividade do empresário destinada à produção ou circulação de bens ou de serviços, fatalmente acarretaria a tomada de outras posições do direito falimentar. Vivemos, assim, em pleno terceiro estágio, no qual a falência passa a se preocupar com a permanência da empresa e não apenas com sua liquidação judicial.
Desta forma, em momentos de crise, não devem ser privilegiados os interesses
instantâneos do erário ou dos credores insatisfeitos, deve-se sim analisar a sua importância no
contexto em que se encontra para que seja tomado o melhor caminho: dissolvê-la ou recuperá-
la e mantê-la.155
152 “[...] consiste na qualidade a que toda em presa deve estar adstrita, consistindo no posicionamento social
perante a sociedade, ou seja, com função eminentemente socializadora e buscando a realização da justiça social” (PANTOJA, Teresa Cristina. A Empresa no novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 26).
153 Cf. SANT’ANNA, Rubens. A Falência da Empresa. Realidade Contemporânea e Perspectivas Futuras. Revista de Direito Mercantil, p. 38
154 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 12. 155 Cf. REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro: a reforma da lei de falências. Revista de
Direito Mercantil, p. 24.
48
Este é, ainda, o entendimento de Requião156 ao afirmar que “[...] se a empresa
insolvente tem condições de recuperação ou restauração, esse deve ser o desiderato do Estado,
através do instituto falimentar”.
Carvalho157 encontra justificativa para a adoção do princípio da recuperação da
empresa nas necessidades econômicas e sociais da atualidade. São estas suas palavras:
[...] no limiar do ano 2000, num mundo finito de riquezas, mas com consumo infinito, a preocupação mor em todos os países é a de produzir bens e manter empregos. Essa a essência, o fundamento, o objetivo que impulsiona, que sustenta a manutenção, a recuperação, a reorganização da empresa.
Diante da relevância social que possui, este é o objetivo principal do novo sistema
falimentar: criar mecanismos que possibilitem a recuperação econômico-financeira da
empresa viável que passa por um momento de desequilíbrio. Não sendo possível sua
recuperação, a falência tem que ser expedita, sem procrastinações legais, de forma que os
recursos sejam otimizados e os credores garantidos.
Fazzio Júnior158 reafirma esta posição ao referir que:
O direito concursal é, hoje, o direito da empresa em crise. Superou a fase primitiva da vindita dos credores, ultrapassou os estreitos limites da liquidação falitária e, dia após dia, apresenta-se como solução jurídica mais pragmática, mais sintonizada com o direito econômico e, acima de tudo, deixou de ser um mero complexo regulador de relações estritamente privadas para encampar o interesse público e as repercussões sociais das isquemias das empresas.
Neste enfoque, seguindo a tendência internacional da preservação da empresa viável,
que já vem sendo adotada em diversos países, a Lei nº 11.101, após 11 anos de tramitação foi
sancionada em 09 de fevereiro de 2005 prevendo, dentre outras alterações, o fim da
concordata e a criação das figuras da Recuperação Judicial e Extrajudicial, aumentando a
abrangência e flexibilidade dos processos de reestruturação de empresas, por meio de um
elenco de alternativas destinadas a sanear a sociedade devedora que se encontra em
dificuldade econômico financeira e que possua real possibilidade de levantar-se e atuar no
mercado.
A falência deixa de ser o ponto principal da legislação falimentar para dar ênfase aos
mecanismos de reorganização da empresa. Nota-se essa mudança de escopo até mesmo na
estrutura da nova lei: enquanto a anterior direcionava apenas 47 artigos para normatizar a 156 A Crise do Direito Falimentar Brasileiro: a reforma da lei de falências. Revista de Direito Mercantil, p. 24. 157 CARVALHO, Dora Martins de. O Anteprojeto Legislativo da Lei de Concordatas e Falências. Revista
Direito Mercantil, p. 91. 158 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 20.
49
concordata, reservava ao disciplinamento da Falência 154; na lei atual, dos seus 201 artigos,
85 disciplinam a Falência e 33 os processos de Recuperação e 82 artigos com disposições
comuns aos dois institutos.159
Ainda que o enfoque principal da lei seja os instrumentos de recuperação, o processo
falimentar sofreu uma revitalização através de modificações que procuram: incutir mais
celeridade ao processo, com a facilitação na venda dos bens; melhor otimização dos recursos,
com o fim da sucessão; garantir a segurança do mercado, com a nova ordem preferencial e
limitação dos créditos trabalhistas; maior participação dos credores no processo, com a
criação de novos órgãos de administração da falência e da recuperação; coibir as fraudes,
tornando a punição mais rigorosa, como será exposto no decorrer deste capítulo.
3.2 DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA
Assim como na legislação anterior, a nova Lei de Falências e Recuperação
Empresarial condiciona a decretação da Falência forçada à insolvência presumida do devedor.
Na lição de Coelho160, neste caso, não se caracteriza a insolvência por um estado
patrimonial de crise econômico-financeira, onde o passivo é maior que o ativo, e sim pela
ocorrência de um dos fatos elencados na lei que autorizam o pedido da quebra, quais sejam: a
impontualidade injustificada (art. 94, I); a execução frustrada (art. 94, II); e a prática de atos
de falência (art. 94, III).
Com o fito de coibir a utilização do processo de execução concursal como meio
judicial de cobrança de empresas inadimplentes, a legislação inovou e fixou valor mínimo
para os pedidos de Falência. Agora, o título executivo que instruir o pedido de decretação da
quebra, além de ser protestado, tem que corresponder a valor acima de 40 salários-mínimos.
Esta modificação busca impedir que processos de Falência sejam instaurados como
meio coercitivo de cobrança de valores irrisórios, que não justificariam a quebra da empresa,
desviando a moderna finalidade do instituto.
No entendimento de Fazzio Júnior161, ao mesmo tempo em que o legislador procurou
inibir a multiplicação de ações falimentares impondo tal limitação, por outro lado acabou
159 Cf. GABRIEL, Sérgio. O Projeto Substitutivo da Lei de Falências. Lei de Recuperação de Empresas – Uma
mudança de concepção. Jusvi. Disponível em: < http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/list/24 >. Acesso em: 01 abr. 2005.
160 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 251. 161 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 202.
50
facilitando, pois em seu art. 94, § 1º, admite que os credores se reúnam em litisconsórcio com
a finalidade de alcançarem juntos o total mínimo exigido. Além disso, ao permitir que o
pedido de decretação fundado na execução frustrada (art. 94, II), o legislador não estipulou
valor mínimo para o título que instrui a execução, o que abre mais uma possibilidade de
decretação da quebra da empresa por baixo valor.
Visando maior celeridade ao processo falimentar, a nova lei afastou a possibilidade
de impetração de uma infinidade de recursos cabíveis da sentença declaratória de Falência,
antes permitidos. Mais precisamente, suprimiu os embargos falimentares cabíveis quando o
requerimento da quebra fosse por impontualidade, mantendo apenas o agravo de
instrumento.162
Quanto ao rito falencial, o legislador, preocupado em simplificar o processo,
extinguiu os vários procedimentos da lei anterior, que dependia da fundamentação do pedido
– se por impontualidade ou atos de Falência – unificando-os no rito contencioso previsto nos
art. 94 a 96 e 98. Somente no caso de autofalência, o rito é diferente, do art. 105 a 107, pois
possui natureza não contenciosa.163
3.3 A NOVA ORDEM DE PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS
A ordem de preferência dos créditos ditada pela Lei anterior foi alvo de muitas
críticas nos últimos anos. O legislador se preocupou, por longo tempo, em proteger
demasiadamente os créditos públicos em detrimento dos privados. E o que se percebe nos
processos falimentares é que, geralmente, os créditos trabalhistas absorviam todo o produto da
alienação da empresa, não restando nada nem mesmo ao erário.164
Essa situação provocou uma grande desconfiança no direito real em garantia, pois os
bens gravados, geralmente por instituições de concessão de crédito, acabavam destinando-se
ao pagamento das dívidas trabalhista, quando muito, tributárias.165
A resposta para essa insegurança institucional é que, ao menor sinal de dificuldade
financeira, os bancos e demais agentes retraem suas ofertas de empréstimos e aumentam os
162 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 278. 163 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 264. 164 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de
Direito Mercantil, p. 76. 165 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de
Direito Mercantil, p. 76.
51
juros, prejudicando novas empresas que necessitam de recursos para se lançar no mercado ou
de empresas já estruturadas que precisam investir para crescer, acabando por prejudicar o
desenvolvimento da atividade econômica e em conseqüência, o bem-estar público.
Portanto, na intenção imediata de criar condições institucionais para diminuir o custo
e a escassez dos empréstimos bancários, e mediata de contribuir para o desenvolvimento da
economia nacional, a nova legislação produziu relevante alteração na ordem de prioridade no
pagamento dos créditos.166
Por força dos arts. 83 e 84 da Lei nº 11.101/05167, a nova classificação dos créditos
na Falência obedece a seguinte ordem:
I – os créditos extraconcursais;168 II – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salário-mínimos, e os decorrentes de acidentes de trabalho; III – créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; IV – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; V – créditos com privilégio especial; VI – créditos com privilégio geral; VII – créditos quirografários; VIII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; IX – créditos subordinados.
Primeiramente, o legislador reuniu os créditos por encargos e dívidas da massa e as
restituições em uma só classe: na dos créditos extraconcursais. Sendo que os créditos relativos
às despesas com administração da massa devem ser satisfeitos antes das restituições. Com
estas alterações a nova Lei nada mais fez do que normatizar dois objetivos e tendências do
sistema falimentar que é o da profissionalização da Falência e o da coibição da má-fé
presumida da falida.169
Outra inovação, tida como uma das mais relevante, é a sobreposição dos créditos
com garantia real sobre os fiscais, até o limite do valor do bem gravado. Agindo assim o
legislador mitigou os privilégios concedidos ao fisco e atendeu aos reclamos das instituições
financeiras por maiores garantias na restituição de seus créditos com a promessa de que 166 Cf. TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 70,
de 2003. Senado, p. 2-3. 167 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a
falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 de março de 2005.
168 “Os créditos extraconcursais são aqueles a que o administrador judicial deve atender antes do pagamento dos credores da sociedade falida. São duas as espécies de créditos extraconcursais: os relacionados à administração da falência e as restituições em dinheiro". (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 357).
169 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 359.
52
reduziriam as taxas de juros cobradas dos tomadores de empréstimo e aumentariam suas
linhas de crédito, e por conseqüência, estimular o desenvolvimento econômico.170
Vale ressaltar ainda que a ordem de prioridades estipulada para a Falência deve ser
observada também quando se tratar de processo de recuperação judicial. Este é o
entendimento de Fazzio Júnior171 :
Mesmo a ordenação classificatória pactuada na recuperação, pelo consenso de credores e devedor, deve atentar para os princípios regentes da classificação legal dos créditos, gravada no art. 83. A liberdade de convencionar uma ordem adequada para satisfação dos créditos na recuperação judicial não é plena, na medida em que os interesses privados envolvidos na matéria não podem sobrepujar o interesse social e o interesse público, por certo, indisponíveis.
Estas alterações só foram possíveis porque foi sancionada, junto com a Lei nº 11.101
de 2005, a Lei Complementar nº 118, que altera alguns dispositivos do CTN para adaptá-lo ao
Novo Diploma de Recuperação Empresarial e Falência.
Dispõe o art. 186 da Lei Complementar nº 118172, com nova redação que:
Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. Parágrafo único. Na falência: I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcrusais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados.
Não será mais permitido também, incluir as multas tributárias na classe dos créditos
fiscais. Estas, assim como as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis
penais ou administrativas – que não poderiam ser cobradas na falência do regime anterior –,
classificam-se como créditos subquirografários, ou seja, serão contemplados somente após a
integral satisfação dos quirografários.173
Contudo, a Lei complementar não alterou a prerrogativa mais criticada dada aos
créditos públicos: a referente à dispensa de habilitação dos seus créditos no concurso de
170 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de
Direito Mercantil, p. 79. 171 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de
Direito Mercantil, p. 89. 172 BRASIL. Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005. Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº
5.172, de 25 de outubro de 1996 – Código Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma lei. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de abr. de 2005.
173 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 374.
53
credores. A reforma do Código Tributário não atingiu o teor do art. 187 e foi mantida a
exceção ao princípio da universalidade da Falência quando se tratar da Fazenda Pública.
Segundo Requião174, o quadro geral de credores deveria abranger todos os créditos
que serão cobrados da falida, inclusive os fiscais, pois “o síndico sobre ele prestará suas
contas e os credores, ou terceiros interessados, tomam conhecimento do volume real do
passivo apenas examinando seus elementos”.
3.4 LIMITAÇÃO DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS
A simples alteração na ordem de preferência dos créditos, por si só, não teria o
condão de transmitir maior segurança aos credores com garantia real e um tratamento
equânime no concurso creditório. Como dito anteriormente, os créditos trabalhistas, na
maioria das vezes, consomem todo o produto da liquidação da falida. Diante disso, a Lei teve
que se valer de mais uma novidade para evitar que os parcos recursos da Falência se
esvaíssem na primeira classe de credores.
Limitou a 150 salários mínimos por credor, ou seja, só goza do privilégio da classe
dos créditos trabalhista o total que não ultrapassar este teto e as indenizações por acidente do
trabalho, o restante torna-se crédito quirografário privado de qualquer privilégio.175
Explica Coelho176 que a intenção da limitação imposta é também evitar que os
recursos da massa não sejam consumidos para pagar os elevados salários dos altos executivos
da empresa falida, que muitas vezes têm grande culpa na derrocada da mesma, pois “[...] a
preferência da classe dos empregados e equiparados é estabelecida com vistas a atender os
mais necessitados, e os credores por elevados salários não se consideram nessa situação”.
Em sentido contrário Fazzio Júnior177 alerta que “[...] é enganosa a interpretação
dessa limitação a pretexto de que não prejudica o interesse dos trabalhadores, mas, ao
contrário, garante sua preferência”. No entendimento deste Autor, a limitação deveria ser feita
apenas aos altos funcionários e não aos hipossuficientes.
Tal alteração, longe de diminuir ou suprimir direito dos trabalhadores, procura evitar
que ex-administradores da empresa debilitada consigam se beneficiar com preferência da 174 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 332. 175 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 363. 176 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 363. 177 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 92.
54
classe para obter proveitos exorbitantes e às vezes fraudulentos por meio de ações trabalhistas
milionárias contra a devedora, alijando os trabalhadores assalariados que são os que realmente
devem ser protegidos, de sua parte na massa e também os demais credores.178
Outra inovação da Lei, visando proteger os direitos dos trabalhadores, foi a
antecipação prevista no art. 151. A nova norma dispõe que, havendo disponibilidade de
recursos em caixa, o administrador judicial deverá pagar os créditos trabalhistas de natureza
exclusivamente salarial que estejam vencidos nos três meses anteriores à decretação da
Falência e que não ultrapasse o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador.
A antecipação será feita antes mesmo das restituições, porém, o valor pago será
descontado quando forem satisfeitos integralmente os créditos trabalhistas, na forma do art.
83.
3.5 REALIZAÇÃO DO ATIVO
Frustradas as tentativas de preservação da empresa, o poder legiferante buscou
mecanismos que oferecessem maior proteção aos direitos dos credores e tornassem o processo
falencial o mais objetivo e rentável possível – no sentido de maximização do valor dos ativos
destinados ao pagamento do passivo. Para isso, afastou diversos empecilhos que prejudicavam
a alienação dos bens da massa falida, como se verá.
Instaurado o processo de Falência ou de recuperação judicial, um dos itens cruciais
para o seu sucesso ou fracasso é a agilidade na venda dos ativos da empresa, seja para liquidar
o patrimônio da sociedade falida da forma mais vantajosa, seja para auferir capital para injetar
forças na atividade produtiva da empresa em recuperação.
Alude Coelho179 que, na Falência, assim que forem arrecadados os bens do devedor,
eles devem ser imediatamente vendidos ou porque se deterioram rapidamente, ou porque
podem ser roubados, ou por possuírem custos de manutenção muito elevados, causando
grande prejuízo aos credores e correndo o risco de se desvirtuar da verdadeira intenção da
concorrência de credores. 178 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de
Direito Mercantil, p. 78. 179 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 345.
55
Exemplifica Coelho180, ainda, que uma moderna rede de computadores, se ficar
parada por um período de um ano, pode reduzir drasticamente seu valor de venda.
Levando em consideração também a rapidez com que os bens de capital, a clientela,
a marca, o ponto comercial, além de outros intangíveis se desvalorizam quando estão por trás
de uma sociedade que apresenta dificuldades em se manter no mercado, o legislador criou
mecanismos que desburocratizassem e facilitassem a alienação dos ativos.181
Ao contrário do que ocorria no regime anterior, agora, por força do art. 140, § 2º da
nova Lei, a alienação de bens pode ser feita logo após a arrecadação e avaliação. Isso quer
dizer que não é mais necessário esperar anos pela complicada e complexa formação do quadro
geral de credores, para que o administrador judicial comece a vender os bens da falida no
interesse dos credores. 182
Segundo prognóstico de Paiva183, havendo a colaboração dos interessados, esta
oportuna alteração gera eficiência podendo diminuir o tempo da realização dos ativos para até
um ano, propiciando diversas vantagens aos credores, ao assim apregoar que:
O sistema atual resguarda a integridade e preserva a valorização dos bens, evitando: sua depreciação, sua desvalorização, invasão de áreas, apossamentos indevidos, desapropriação por improdutividade, enfim, permitindo que todo o ativo que ao longo de 7, 8, 10 ou mais anos que iria ficar aguardando a formação do QGC para então poder ser alienado, seja finalmente vendido logo após a arrecadação e avaliação, beneficiando todos os credores em um ano ou pouco mais.
Apesar da legislação anterior já prever a possibilidade de venda englobada ou
separada dos ativos, a nova Lei traz agora uma lista em ordem preferencial e exemplificativa
de formas de alienação dos bens, constante em seus incisos I, II, III e IV do art. 140184, in
verbis:
Art. 140. [omissis]: I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV – alienação dos bens individualmente considerados.
180 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 345. 181 Cf. ARAÚJO, Aloísio e LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper,
p. 2. 182 Cf. PAIVA, J. A. Almeida. Após 09/06/05 todos os bens das falências em curso já podem ser vendidos antes
da formação do QGC. Advocacia Almeida & Paiva, p. 2. 183 Cf. PAIVA, J. A. Almeida. Após 09/06/05 todos os bens das falências em curso já podem ser vendidos antes
da formação do QGC. Advocacia Almeida & Paiva, p. 2. 184 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a
falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 mar. 2005.
56
Fazzio Júnior185 salienta que tal rol não é exaustivo, pois o juiz poderá autorizar outra
modalidade de alienação, desde que vantajosa à massa falida. Comenta ainda que, procurando
estimular a participação e fiscalização por parte dos credores no processo liquidatário, a nova
lei incumbiu a assembléia geral de credores, e não exclusivamente o síndico, como outrora, de
analisar e votar a melhor forma de realização do ativo, além de propor alternativas de meios
de alienação.
Cabe, portanto, aos órgãos da falência identificar a melhor maneira de maximizar os
recursos da massa falida. Porém, ressalta Fonseca186 que, assim como ordena a lei, deve-se
sempre dar preferência à venda do estabelecimento no seu conjunto. São essas as palavras do
Autor:
A alienação dos bens em conjunto, como núcleos econômicos completos, deve ser levada a efeito sempre que possível, uma vez que o valor obtido nessa modalidade de venda supera o somatório dos valores de cada um dos bens vendidos separadamente para adquirentes diversos. Tal se dá porque a alienação do estabelecimento engloba intangíveis, como nome, ponto comercial, marcas, clientela, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros, levados em conta pelo mercado para avaliar seu interesse e fixar o valor das ofertas. Esses intangíveis seguramente se perderiam numa venda em separado.
Portanto, a venda em bloco, além de garantir um melhor valor de venda, pois
preserva os intangíveis da empresa, proporciona benefício ainda maior que é a manutenção da
empresa, e desta forma evitar os percalços, já bem conhecidos, provocados pela dissolução de
uma sociedade empresária: desemprego, retração da produção e da concorrência, perda na
arrecadação de impostos, desvalorização de intangíveis e a conseqüente retração na economia
e do bem-estar social.
3.6 FIM DA SUCESSÃO TRIBUTÁRIA
Uma das principais preocupações do novo Diploma Legal é que, em não sendo
possível manter a empresa, que ao menos, decretada a Falência, sua fase liquidatária seja bem
objetiva187.
185 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 351. 186 FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Alienação da Empresa na Falência e Sucessão Tributária. Revista
de Direito Mercantil, p. 88. 187 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 337.
57
Comenta Coelho188 que quando um adquirente de empresa tem que arcar com todas
as dívidas que causaram a quebra ou dificuldades do proprietário anterior, as oportunidades de
otimização dos recursos da empresa em crise diminuem sensivelmente, prejudicando a
eficácia do processo falimentar e as chances de recuperação da empresa.
Diante disso, cuidou o legislador de criar mais uma forma de aumentar a
possibilidade de venda e maximizar o valor da empresa, e principalmente mantê-la em
atividade, preservando toda a gama de interesses que gravitam a sua volta.189
Para isso, a legislação falimentar inovou e agora prevê no art. 141, inciso II190,
exclusão expressa de sucessão de obrigações fiscais, trabalhistas e acidentárias quando da
venda conjunta ou separada de ativos da massa falida, ao assim dispor:
Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: [omissis]; II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de trabalho.
Coelho191 observa que a previsão de negativa de sucessão só se refere de forma
expressa aos modos de aquisição ordinária (leilão, propostas ou pregão), pois o artigo fala
apenas do arrematante. Porém, adverte que mesmo a Lei não disciplinando as modalidades de
venda extraordinária, havendo qualquer outra hipótese de realização do ativo, o adquirente, da
mesma forma, não deve suceder a sociedade falida em suas dívidas.
Neste diapasão, Fazzio Júnior192 esclarece que se os empregados da sociedade falida
continuarem na empresa que passou para as mãos do adquirente, estarão empregados sob
novo contrato de trabalho, não podendo, portanto, pleitear da nova sociedade as verbas
trabalhistas que lhes ficou devendo a empresa quebrada.
Ademais, objetivando adequar-se aos novos princípios norteadores da Falência, o
legislador reformou art. 133 do CTN, prevendo que estão excluídos da sucessão tributária os
adquirentes de ativos de empresas em processo de Falência ou Recuperação Judicial.
188 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 365. 189 Cf. TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 70,
de 2003. Senado, p. 3-4. 190 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a
falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 mar. 2005.
191 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 353. 192 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 354.
58
De acordo com a Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005 a vigorar em
08 de junho de 2005, esta é a nova previsão, como se infere de seu art. 133193:
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: [omissis]; § 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: I – em processo de falência; II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.
Em que pesem as críticas de que a Fazenda Pública perderia com a isenção da
sucessão de obrigações tributárias na alienação dos estabelecimentos comerciais da empresa
em bancarrota, esclarece Fonseca194 que:
Na verdade, a sucessão tributária traz mais detrimentos que benefícios à Fazenda Pública. Ao estabelecer a oferta pela empresa, os interessados, normalmente os próprios concorrentes da empresa à venda, evidentemente levam em consideração todos os fatores que possam diminuir o valor do negócio. Se a sociedade oferecida é devedora de obrigações tributárias, não pode haver dúvidas de que o mercado não negligenciará essa informação e o valor oferecido naturalmente sofrerá a redução correspondente às obrigações transferidas ao arrematante. Assim, no que tange ao volume das garantias do Fisco, a sucessão não traz vantagem aos cofres públicos.
Quanto à possibilidade de fraude, que pode advir da negativa de sucessão das
obrigações como, por exemplo, a hipótese do estabelecimento comercial em processo de
Falência ser adquirido por pessoa em conluio com seu antigo controlador para livrá-la das
dívidas tributárias, acidentárias e trabalhistas195, o legislador, tanto na Lei nº 11.101 quanto na
Lei Complementar nº 118 isentou do benefício da nova regra do art. 141, II e art. 133, § 1º, I e
II, respectivamente, quando o adquirente for parente em linha reta ou colateral até o quarto
grau, consangüíneo ou afim, do controlador ou sócio da falida; controlador ou controlada da
falida; ou qualquer um que seja identificado com interposta pessoa do falido com o objetivo
de burlar a sucessão.196
193 BRASIL. Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005. Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº
5.172, de 25 de outubro de 1996 – Código Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma lei. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de abr. de 2005.
194 FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Alienação da Empresa na Falência e Sucessão Tributária. Revista de Direito Mercantil, p. 88.
195 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 353. 196 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 354.
59
3.7 A FIGURA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
O novo Diploma Falimentar traz muitas inovações, sendo a principal delas a
preocupação com a manutenção das empresas, seu princípio norteador, que passam por um
momento de crise, mas que precisam de oportunidade e de um aparato institucional eficiente
para se reestruturar, pagar suas dívidas e continuar produzindo, gerando empregos,
fornecendo produtos e serviços, comprando de fornecedores, arrecadando impostos, enfim,
movimentando a economia e contribuindo para melhora do bem-estar social.
Assim se observa do art. 47, da Lei nº 11.101/05197:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Respondendo aos anseios da realidade econômica e social hodierna, a nova
legislação substituiu o instituto da concordata por mecanismos mais abrangentes e flexíveis
que, de fato, possibilitem o saneamento da empresa em crise: a recuperação judicial e a
recuperação extrajudicial. Longe de ser uma prerrogativa do Judiciário, os novos instrumentos
de recuperação empresarial permitem melhor renegociação com os credores, não mais se
limitando à mera dilação de prazos ou remissão das dívidas.198
Corroborando com este entendimento, leciona Coelho199 que, ao contrário do que
ocorria com a concordata, que era concedida como um mero favor legal, a recuperação
judicial deve ser instaurada diante da análise pelo Judiciário da viabilidade da empresa que se
encontra em crise. Tanto é assim que a nova legislação exige em seu art. 53, sob pena de
decretação da Falência, que conste do plano de recuperação judicial além de um detalhamento
minucioso dos meios de recuperação, também a demonstração da viabilidade econômica da
entidade.
Não é qualquer empresa em dificuldade econômica que merece ou deve ser
recuperada. O processo de recuperação empresarial é custoso não só para os agentes
econômicos envolvidos diretamente, mas também para a sociedade brasileira que acaba
197 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a
falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 mar. 2005.
198 Consoante entendimento de ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper, p. 4.
199 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 421.
60
arcando indiretamente com seus custos200. A prova disso está no fato dos agentes econômicos
submetidos a um processo de recuperação repassarem para a sociedade, por meio de juros e
preços mais elevados, os riscos e ônus provenientes das medidas saneadoras.201
Portanto, a sociedade empresária pretendente do benefício, deve mostrar que se for
recuperada e mantida no mercado poderá compensar à sociedade brasileira dos sacrifícios
despendidos para livrá-la da ruína. E fará isso mediante a demonstração de que reúne
condições necessárias para não só reestruturar, mas também manter sua atividade econômica,
ou seja, de que é uma empresa viável.202
A verificação da viabilidade econômica da empresa deve ser feita pelo Judiciário,
que definirá, por meio de análise criteriosa de alguns parâmetros objetivos, se a empresa
merece e deve ser recuperada. A legislação falimentar atual, assim como a anterior, não
enumera fatores que devem ser considerados para se caracterizar uma empresa como viável
ou não, porém a doutrina203 tem citado os seguintes:
- importância social e econômica da atividade do negócio no âmbito local, regional ou nacional;
- mão-de-obra e tecnologia empregadas; - volume do ativo e do passivo; - tempo de constituição e funcionamento do negócio; e - faturamento anual e nível de endividamento da empresa.
Esta verificação será feita após o despacho de processamento da recuperação, que
suspenderá todas as ações ou execuções contra o devedor pelo prazo de 180 dias, período em
que deverá ser apresentado o plano de recuperação – até 60 (sessenta) dias após a publicação
da decisão de processamento (art. 53) – e se estudará a viabilidade da proposta e para proferir
decisão por sua aprovação ou rejeição.
A abrangência dos instrumentos de reestruturação, em especial a recuperação
judicial, refere-se à extensão dos seus efeitos. Enquanto o mecanismo de reerguimento do
Decreto-lei revogado englobava somente os credores quirografários, agora, sendo o plano
aprovado, submetem-se aos seus efeitos todos os credores anteriores ao pleito de recuperação
judicial, mesmo os que a ele se opuseram204, salvo algumas situações específicas delimitadas
200 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 383. 201 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 382. 202 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 383. 203 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 139; e COELHO, Fábio
Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 383-385. 204 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 140.
61
pelo novo sistema205. Ou seja, sujeitam-se ao plano de recuperação judicial aprovado os
credores trabalhistas, fiscais, com garantia real, com privilégio geral e especial.
Segundo Biolchi206, a legislação brasileira é a única no mundo que submete os
créditos tributários à Recuperação Judicial, fator este, imprescindível ao soerguimento da
empresa.
Portanto, quanto aos créditos fiscais, mesmo havendo a exigência legal da
apresentação de certidões negativas de débitos tributários para concessão do benefício, elas
podem ser positivas.207 É que a própria Lei (art. 68) e o CTN – após a reforma do seu art. 155,
pela Lei Complementar nº 118 – permitem agora que as Fazendas Públicas e o INSS parcelem
seus créditos em sede de recuperação judicial. Inovação que contribui significativamente nas
chances de reestruturação, vez que, geralmente, o maior problema das empresas em crise
econômico-financeira é a dificuldade de saldar seus impostos.
Procurando estabelecer um ambiente sadio e flexível de negociação entre devedora e
credores, a lei seguiu tendência internacional208 e encarregou a Assembléia dos Credores de
discutir e votar o plano de recuperação apresentado em juízo pela devedora, por meio de
impugnações e conciliação dos interesses contrapostos. Mesmo sob a supervisão judicial, cabe
à Assembléia, os maiores interessados no processo, decidir, pela maioria qualificada ou
maioria expressiva, a efetivação ou não do plano209.
Ensina Coelho210 que a Lei prevê um rol exemplificativo dos mecanismos
financeiros, administrativos e jurídicos que podem se valer os devedores para estruturar um
plano de recuperação judicial da atividade econômica da empresa em crise.
De acordo com o art. 50 da Lei 11.101/2005211, os meios indicados são:
a) Dilação do prazo ou revisão das condições de pagamento; b) Transformação societária; c) Alteração do controle societário; d) Reestruturação da administração;
205 “Não se submetem ao plano de recuperação judicial o banco que antecipou contrato de câmbio e o
proprietário fiduciário, do arrendador mercantil e do proprietário vendedor, promitente vendedor ou vendedor com reserva de domínio, quando do respectivo contrato consta cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 425).
206 BIOLCHI, Osvaldo. XII Seminário “Lei de recuperação judicial, extrajudicial e falência” Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005. Seminário realizado na FIESC – Federação da Indústria do Estado de Santa Catarina no dia 23 de maio de 2005. Florianópolis, 2005.
207 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 172. 208 Cf. ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper,
p. 4. 209 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 140. 210 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 385/392. 211 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a
falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2005.
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e) Concessão de direitos societários extrapatrimoniais aos credores; f) Reestruturação do capital; g) Transferência ou arrendamento do estabelecimento; h) Reorganização das obrigações dos passivos trabalhistas; i) Dação em pagamento ou novação; j) Constituição de sociedade de credores; k) Realização parcial do ativo; l) Equalização de encargos financeiros; m) Usufruto de empresa; n) Administração compartilhada; o) Emissão de valores mobiliários; e p) Adjudicação de bens.
Fazzio Júnior212 pondera que, por se tratar de lista não exaustiva podem e devem ser
adotadas mais de uma modalidade propostas pela lei, na busca da debelação da crise, de
acordo com especificidade de cada situação, oportunidade que facilita o soerguimento da
empresa em dificuldade.
O novo sistema abandonou os rígidos prazos – que só podiam extender-se até no
máximo 2 anos – e formas de pagamento estipulados pela legislação anterior. Deixou a cargo
do devedor e credores negociarem e o juiz decidir a melhor forma de reajuste das dívidas bem
como do tempo necessário para sua recuperação, de acordo com as especificidades de cada
empresa, do ambiente econômico e da natureza dos créditos.213
Com relação a prazo de pagamento, a única ressalva feita pelo legislador foi com
relação aos créditos trabalhistas que têm que ser satisfeitos no lapso de um ano e os créditos
de natureza salarial, no limite de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador, vencidos nos 3
(três) meses anteriores ao pedido de recuperação, que devem ser pagos em no máximo 30
(trinta) dias.214
Outro mecanismo de recuperação que vale destacar é a reestruturação da
administração. Diferente da concordata, que mantinha o devedor na gestão dos negócios, é
permitida a substituição dos administradores da empresa. Segundo Coelho215 trata-se de
medida indispensável quando o motivo da crise está “[...] na falt a de condições ou
competência para os administradores realizarem cortes de pessoal e de despesas,
modernizarem o estabelecimento empresarial ou otimizarem os recursos disponíveis”.
A nova legislação, no intuito de preservar a empresa como unidade sócio-econômica
produtiva, separou definitivamente a figura do empresário, da sociedade empresária. Agora, 212 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 142. 213 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 142. 214 Art. 54 e parágrafo único. BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação
judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2005.
215 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 387.
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mesmo o administrador da sociedade requerente ou processante da recuperação judicial, que
incorra em crime anterior ou posterior a concessão do benefício, será afastado da gestão do
negócio sem prejudicar o andamento do processo216. Neste caso, o administrador judicial ou
comitê, órgãos criados pela legislação em estudo que serão abordados adiante, assumem a
direção da empresa em recuperação até que seja nomeado outro administrador.
Outra possibilidade inexistente na concordata e agora permitida na recuperação
judicial é a dação em pagamento ou novação que, de acordo com lição é Fazzio Júnior217
“pela novação, que pode ser subjetiva ou objetiva, substituem -se elementos das obrigações
existentes, dando ensejo à sua substituição por outras, novas”.
3.8 O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Apesar de possuir instituto destinado a evitar o fim de empresas em dificuldade
(concordata preventiva), o Decreto-lei nº 7.661/45 não contribuía para criar um ambiente
propício que estimulasse soluções de mercado para a manutenção da sociedade empresária em
dificuldade. Entendimento que se infere da disposição legal de que a simples convocação de
credores pelo devedor para compor a respeito das dívidas poderia se transformar em ato que o
levaria à Falência218.
A Lei de Recuperação de Empresas foi feliz ao descartar esta possibilidade e incutir
no novo instituto da recuperação extrajudicial caracteres que facilitem e estimulem as
negociações informais, que são mais ágeis e flexíveis, entre a sociedade em crise e os
credores, no intuito de evitar a Falência da empresa.
A grande importância na introdução da figura da recuperação extrajudicial está no
fato do novo diploma dar maior amparo legal aos acordos informais entre credores e
devedores, que sempre existiram. O termo extrajudicial não significa a exclusão da
participação jurisdicional no processo – uma vez que o acordo é passível de homologação –,
mas refere-se à negociação preliminar da recuperação, segundo Fazzio Júnior219.
216 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 175. 217 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 175. 218 “ Art. 2º. Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante: III – convoca credores e lhes propõe dilação,
remissão ou cessão de bens” (BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2005).
219 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 115.
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É essa a maior diferença deste instituto com a recuperação judicial que exige que a
negociação do plano de reestruturação seja feita através de mediação judicial. Além disso, o
acordo Extrajudicial não abrange todos os credores da empresa (art. 161, 1º), ao contrário da
Recuperação Judicial.
Nesse sentido, expõe Melaré220 que:
O legislador formatou o plano de Recuperação Extrajudicial em bases voluntárias, ou seja, na participação não obrigatória da totalidade dos credores, mas apenas daqueles que se disponham a ele aderir. E, justificou que, mesmo não sendo obrigatória a adesão, a Recuperação Extrajudicial carrega, em si, um elemento de valorização dos créditos, já que o valor econômico de um crédito está atrelado à probabilidade de seu não-pagamento.
Como não abrange todos os credores – apenas os créditos com garantia real;
privilégio especial; privilégio geral; os quirografários e os subordinados podem ser
negociados – o devedor pode selecionar e convocar quem quiser para integrar o plano,
possibilidade que ressalta o caráter negocial e informal da recuperação extrajudicial.221
Porém, como o princípio maior da nova legislação é o da preservação da empresa, ao
prever a homologação do plano de recuperação extrajudicial, a Lei quis garantir que a
possibilidade de uma renegociação mais informal não se esvaísse por razão de uma pequena
parcela de credores não aceitar fazer concessões. Desta forma, havendo a adesão da maioria
dos credores (3/5), o devedor pode pleitear a homologação do acordo informal e obrigar a
parcela minoritária dissidente a se submeter ao plano. Assim determina o art. 163 da Lei nº
11.101/05222:
Art. 163. O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangido. § 1º O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos previstos no art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII do caput, desta Lei, ou grupo de credores de mesma natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e, uma vez homologado, obriga a todos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente em relação aos créditos constituídos até a data do pedido de homologação.
220 MELARÉ, Márcia Regina Machado. A Recuperação Extrajudicial na Nova Lei da Falência. Revista
Consulex, nº 196, São Paulo, mar. 2005. p. 31. 221 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 118. 222 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a
falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2005.
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Portanto, a Recuperação Extrajudicial comporta dois tipos de plano: um em que a
homologação é facultativa, pois obriga apenas a quem com ele concordar, e outro de
homologação obrigatória, porque, independente da adesão de número significante de credores,
só estende seus efeitos a todos após o ato judicial. Nos dois casos, a efetivação do acordo cabe
às partes envolvidas, sendo a participação do Judiciário secundária visto que só se manifestará
se as partes não cumprirem com o acordo. 223
Recebido o plano, os credores terão o prazo de 30 (trinta) dias para se manifestar. Em
seguida, o juiz verificará se constam do acordo cláusulas e condições que possam levar a
sociedade empresária à falência; ou que prevejam o pagamento antecipado de débitos; ou
ainda, que prejudiquem os credores não aderentes. Não havendo tais ajustes, o juiz deve
decidir pela homologação no prazo de 5 (cinco) dias.224
Caso o plano não seja homologado por qualquer motivo impeditivo, esta decisão não
acarreta Falência nem impede que o devedor ofereça outro pedido.
O pedido de homologação do acordo extrajudicial não causa suspensão de ações e
execuções contra o devedor. Desta forma, a recuperação pode ser interrompida por pedido de
falência tanto pelo credor que não faz parte do acordo como pelo signatário, quando se tratar
de descumprimento do plano.
3.9 ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Anteriormente, como já explanado, a Lei destacava como órgãos de administração da
Falência o juiz, o representante do Ministério Público e o síndico. Na concordata preventiva,
existia o comissário que apesar de não ter função administrativa, era auxiliar do juiz. Agora,
sob a égide da nova Lei, o síndico e o comissário passaram a ser chamados de administrador
judicial e foram introduzidos mais dois órgãos: a Assembléia de Credores e o Comitê, como
será discorrido a seguir.
A administração da Falência foi alterada sensivelmente de forma que fossem
estimulados a sua profissionalização e maior participação e interesse dos credores. Também,
em relação à recuperação judicial, devido à “[...] complexidade dos interesses envolvidos e
223 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 435/437. 224 Cf. MELARÉ, Márcia Regina Machado. A Recuperação Extrajudicial na Nova Lei da Falência. Revista
Consulex, p. 31.
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dos fundamentos técnicos da recuperação de qualquer empresa em crise, foi necessário a
criação de instâncias deliberativas e fiscais que garantam a efetividade do plano de
recuperação”, como apregoa Coelho 225.
Primeiramente, a nova Lei substituiu a figura do síndico pela do administrador
judicial. Diferentemente da nomeação daquele, que deveria ser escolhido dentre os maiores
credores da falida, além de ter que possuir domicílio ou residir no foro da Falência, o
administrador judicial tem que ser um profissional, da confiança do juiz e que possua
experiência e condições técnicas para gerir os bens da Falência ou dirigir a empresa que teve
seu administrador afastado até que se instaure o plano de recuperação. O art. 21 determina que
este profissional deve ser “preferencialmente um advogado, economista, administrador de
empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada”.
Quanto a esta questão, avalia Fazzio Júnior226 que “[...] em boa hora o direito
brasileiro abandonou o critério de escolha do administrador judicial entre os credores” com
maior montante a receber, pois esses geralmente são os que já estão com seus créditos
respaldados por preferências e garantias e por isso não espelham o interesse da maioria.
Em segundo, procurando melhorar a qualidade do trabalho do administrador judicial
e dos demais profissionais que o assessoram importante missão de auxiliar o juiz na
otimização dos recursos da falida, e a representar a comunhão de interesse dos credores, a lei
avançou e introduziu prerrogativas a sua remuneração. Antes, autorizado a receber somente
após credores com preferência, correndo o risco de não receber nada, agora manda o sistema
que remunerado em duas parcelas sendo que a primeira de 40% do total da remuneração antes
de qualquer outro crédito extraconcursal, ou seja, antes de qualquer desembolso da massa e os
60% restante, após a aprovação de contas.
De acordo com Coelho227, a justificativa para essa vantagem está no fato de a que a
diligência e competência desses profissionais aumenta proporcionalmente à atratividade de
sua recompensa.
Na busca de incentivar a o envolvimento dos credores na fase liquidatária na
Falência e, principalmente, na tentativa de soerguimento da empresa em dificuldade, o novo
Diploma criou mais dois órgãos para auxiliar administrativamente: a Assembléia Geral de
Credores e o Comitê.
225 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 392. 226 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 181. 227 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 276.
67
Na lição de Coelho228 “Assembléia de Credores é o órgão colegiado e deliberativo
responsável pela manifestação do interesse ou vontade predominante entre os que titularizam
crédito”, diante da empresa em processo de Falência ou que instaurou pedido de Recuperação
Judicial.
Na Falência, ensina Machado229 que as funções da Assembléia se resumem às
seguintes atribuições: deliberar sobre a substituição do administrador judicial; aprovar a
constituição do Comitê de Credores e eleger seus membros; aprovar, por 2/3 dos créditos,
modalidades alternativas de realização do ativo; deliberar sobre qualquer matéria do interesse
dos credores.
Já no processo de Recuperação Judicial, devido à gama de interesses que carrega, a
Lei reservou à Assembléia a competência para definir as questões estratégicas para sua
consecução, tornando-a desta forma, indispensável. Por força do art. 35 da Lei 11.101/05,
suas funções são: aprovar, rejeitar e modificar o plano de recuperação judicial; deliberar sobre
a constituição do Comitê e eleger ou substituir seus membros; manifestar-se sobre o pedido de
desistência da recuperação judicial; eleger o gestor judicial, quando destituído os diretores da
empresa requerente; deliberar sobre qualquer outra matéria que afete o interesse dos credores.
Jermias Alves Pereira Filho, citado por Machado230, faz críticas negativas quanto a
prerrogativa dos credores de decidir sobre o plano de recuperação porque “[...] a presença dos
credores, durante o curso do processo, ao invés de levá-lo a bom termo, irá fazer recrudescer o
embate, procrastinando o seu término, uma vez que o interesse declarado do credor é receber
o seu crédito e nada mais.”
Por sua vez, o Comitê é órgão consultivo e de fiscalização composto de 3 (três)
membros e 6 (seis) suplentes, cada um daqueles representando uma classe de credores: um
representante dos empregados; um representante dos credores com direitos reais de garantia
ou privilégios especiais; e um representante dos credores quirografários e com privilégios
gerais.
Sua constituição é facultativa e deve ser recomendada apenas quando o tamanho da
sociedade econômica que está em recuperação ou a complexidade do passivo na falência
justificarem seus custos. O Comitê pode ser instalado pelo juiz na sentença que decreta a
quebra ou por deliberação de qualquer classe de credores.
228 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 280. 229 MACHADO, Rubens Approbato. Comentários à nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. p.
140. 230 MACHADO, Rubens Approbato. Comentários à nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, p.
33.
68
Na falência, ao Comitê compete manifestar-se quanto à impugnação de crédito; a
respeito dos pedidos de restituição; sobre a conveniência da venda antecipada de ativos ou
concessão de descontos a devedor e quanto às formas ordinárias de alienação dos bens. Já na
recuperação judicial, possui atribuições preponderantemente fiscais, pois cabe a seus
membros vigiar o administrador judicial e a sociedade em fase de reestruturação, antes e
depois de aprovado o plano. Compete-lhe ainda elaborar plano de recuperação alternativo
quando não concordar com o proposto pela devedora e também auxiliar o juiz em algumas
questões de natureza administrativa, quando do afastamento do dirigente da sociedade
empresária.231
3.10 A RESPONSABILIDADE PENAL
Apesar das críticas e divergências a respeito da seara do direito que deve se ocupara
da regulamentação o crime falimentar, o legislador preferiu mantê-la no âmbito comercial.
O advento da Lei nº 11.101, de 2005, provocou alterações profundas no regime dos
ilícitos penais falimentares, tanto quanto nas questões materiais, substituindo algumas
condutas típicas já em desuso232, quanto processuais, ao revogar no seu art. 200 os artigos 503
a 512 do Código de Processo Penal que disciplinavam o processamento e julgamento dos
delitos falimentares.
A primeira alteração louvável diz respeito à competência. Na lição de Marcão233, o
foro competente para o endereçamento da denúncia deixou de ser o do juízo universal da
Falência, ou seja, o juízo cível, e excepcionalmente o criminal para ser agora remetida direta e
exclusivamente ao o juízo criminal. Esta é a nova determinação do art. 183 da Lei nº
11.101/05234 ao prescrever que:
Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta lei.
231 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 403. 232 Consoante lição de FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 359. 233 MARCÃO, Renato. Procedimento Penal na Nova Lei de Falência. Direito Net. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br> . Acesso em: 01 mar. 2005. p. 1. 234 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a
falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2005.
69
No entendimento de Fazzio Júnior235, trata-se de uma modificação bastante
elogiável, ao afirmar que:
Não se pode deixar de aplaudir o deslocamento da ação penal falimentar para sua sede própria, quer dizer, para o juízo criminal, eliminando a cumulação de tarefas do juízo da falência. Na realidade, ação de falência, execução concursal e ação penal falimentar são processos que, embora amarrados uns ao outro pelo fenômeno da falência, têm escopos diversos. No processo concursal, as metas judiciais são a realização dos direitos dos credores e a reestruturação dos negócios do devedor tendo em vista a conservação da empresa. Já, na ação penal falimentar, o serviço judiciário consiste em examinar a procedência da imputação, sopesar elementos probatórios, sem prejuízo de assegurar prioridade aos direitos constitucionais, condenar ou absolver o agente. Na justiça criminal, os atos do devedor são contemplados sob a perspectiva de sua relevância típica como ilícitos de maior gravidade. Na jurisdição falimentar, há, em princípio, um empresário cujo negócio está em crise econômico-financeira.
Outra inovação significativa, que vislumbra contribuir para a desburocratização e
celeridade da persecução criminal, além dirimir as confusões jurisprudenciais que provocava,
foi a extinção da figura do inquérito judicial. Considerado na antiga Lei como instrumento
obrigatório, agora a apuração das informações sobre ilícitos falimentares foi transferida para o
seu lugar de origem, o inquérito policial, que somente será instaurado quando houver
necessidade.
Em que pese o abrandamento das punições contra os devedores fraudadores no
decorrer da história, em comparação ao Decreto-lei nº 7.661, de 1945, Fazzio Júnior236 avalia
que a Lei nº 11.101/05 procurou majorar as sanções aos crimes falimentares. Conclusão essa
inferida do fato do atual sistema punir a grande maioria dos ilícitos falimentares com reclusão,
excetuando apenas o delito previsto no art. 178, que é sancionado com detenção, e
principalmente por ter aumentado consideravelmente o tempo de punição na maioria dos
crimes. Enquanto no Decreto-lei a prescrição de pena para uma conduta típica mais elevada
era de 4 (quatro) anos, agora, pela nova Lei é de 6 (seis) anos com a possibilidade de aumento
de pena em alguns casos.
Destacam-se também as modificações promovidas pela nova Lei com relação ao
prazo prescricional para os delitos falimentares. A extinção da punibilidade desses crimes não
235 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p 371. 236 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 359.
70
se dá mais em dois anos como anteriormente, agora, os prazos prescricionais passam a
obedecer às determinações do Código Penal237.
Ademais, o termo de início para contagem do lapso prescricional deixa de começar a
correr da data do trânsito em julgado da sentença de encerramento da Falência ou da data que
deveria estar encerrada, e passa a ser contada da data de decretação desta e da concessão da
Recuperação Judicial ou da homologação do plano de Recuperação Extrajudicial.238
Mesmo já sofrendo algumas críticas, o novo regramento disciplinador da persecução
penal falimentar avançou sensivelmente em relação ao anterior. Tornou-se mais prático ao
extinguir o inquérito judicial e devolver a competência do julgamento do fraudador
exclusivamente ao juízo criminal; aumentou o grau inibitório dos crimes ao prever penas mais
rigorosas e extinguiu o antigo prazo prescricional; além de atualizar as normas com a
realidade empresarial atual.
237 MARCÃO, Renato. Procedimento Penal na Nova Lei de Falência. Direito Net. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br> . Acesso em: 01 mar. 2005. p. 1. 238 Art. 182. BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial
e a falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2005.
71
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização desta pesquisa, chega-se a algumas considerações acerca do tema
proposto.
Destaca-se, todavia, que a presente investigação bibliográfica é apenas o início de
um estudo que, certamente, merece maior aprofundamento, em face da constatação de que,
dentre as principais alterações introduzidas pela Lei nº 11.101, foram criados mecanismos que
objetivam viabilizar a manutenção da empresa e, por conseqüência, conservar sua função
social.
Desta forma, o objetivo geral do presente trabalho foi estudar o instituto falimentar,
desde sua origem, seus conceitos, sua evolução histórica no mundo e no Brasil, seu advento
no ordenamento pátrio até os dias de hoje, e como foco principal, as possibilidades que as
alterações introduzidas pela Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências podem criar
para preservação desta e sua função social.
Por seu turno, a análise do tema procedido nos três capítulos desta monografia, com
relação aos objetivos previamente estabelecidos para a realização deste estudo monográfico,
resultou nas seguintes constatações:
Antes de chegar ao princípio atual que prima pela preservação da empresa, o instituto
falimentar passou, no decorrer de seu desenvolvimento histórico, por vários estágios
evolutivos e reformulações. No decorrer da pesquisa constatou-se que a Falência, em sua
origem, era usada como meio de punição do devedor que não conseguia pagar suas dívidas.
Em seguida passou a adquirir caráter mais sócio-econômico, porém, ainda privilegiava
sobremaneira os interesses privados dos credores.
O instituto falimentar foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo
Código Comercial de 1850. Todavia, o sistema enfatizou demais a apuração da
responsabilidade da Falência, o que procrastinava o início do processo falimentar,
prejudicando, a um só tempo, credores e devedores. Apesar de já se constatar a preocupação
com a manutenção da empresa, pois o ordenamento previa o benefício da concordata,
detectou-se também que esta era regulamentada de forma que a tornava totalmente ineficaz.
Após a proclamação da república, a legislação falimentar foi reformada diversas
vezes, porém sua substância permaneceu intacta. Com a promulgação do Decreto-lei nº 7.661
de 1945, constatou-se que o legislador procurou impedir que o processo falimentar fosse
72
vulnerável às fraudes. Porém, o Decreto-lei se mostrou demasiadamente formalista, e ainda
guardava o resquício de utilizar o instituto como forma de punição ao devedor inadimplente.
Esta lei, que perdurou durante 60 anos, foi alvo de fortes críticas por parte dos
estudiosos no assunto, pois o Diploma se tornou ineficiente para solucionar os problemas
econômico-financeiros das sociedades empresárias dos tempos atuais que são muito mais
complexas do que as sociedades da década de 40.
Em 09 de fevereiro de 2005 foi então sancionada a Lei n° 11.101 que revogou a
legislação falimentar de 45, trazendo importantes inovações, tais como:
Visando impedir que o instituto falimentar fosse utilizado como meio coercitivo de
cobrança, foi estipulado um valor mínimo para o pedido de quebra de uma empresa.
Objetivando promover a celeridade e simplicidade do processo falimentar, e, portanto, reduzir
os prejuízos da quebra na sociedade, foi diminuído o número de recursos e de ritos
processuais, além de possibilitar a venda de bens, antes mesmo da formação do quadro geral
de credores, fator que pretende minimizar a desvalorização dos ativos da empresa.
Com o fito de proporcionar maior otimização dos recursos da massa e de preservar
os ativos intangentes da empresa e mesmo a própria empresa, afastou-se a previsão de
sucessão das obrigações trabalhistas e tributárias por parte do adquirente de bens da sociedade
em processo falimentar ou de recuperação.
Detectou-se, também, que a nova lei preocupou-se em garantir maior segurança ao
mercado de crédito e, por conseguinte, propiciar ambiente favorável à diminuição dos juros
dos empréstimos e aumento da oferta de capital, fatores imprescindíveis ao desenvolvimento
econômico e social, através da alteração da ordem de preferência dos créditos, estabelecendo
que os credores com garantia real têm prioridade no pagamento com relação aos credores
tributários.
Com o intuito de proteger os trabalhadores, limitou a 150 salários mínimos o valor
dos créditos trabalhistas que podem integrar esta classe, que goza do mais alto privilégio.
Desta forma, procurou-se evitar que os funcionários dos mais altos postos da empresa
prejudicassem o rateio dos recursos dentro da classe. E ainda, a lei estabelece que sejam pagos
os salários dos 3 (três) meses anteriores à decretação da quebra, que totalize no máximo 5
(cinco) salários-mínimos, tão logo haja dinheiro em caixa.
Constatou-se ainda que, com escopo de conter as fraudes nos processos falimentar e
de recuperação, as penas tornaram-se mais rigorosas comparadas ao sistema anterior.
Por conseguinte, dentre outros pontos tracejados ao longo desta tarefa acadêmica,
compreendeu-se que o ponto mais alto da Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências,
73
que mais contribuirá para a preservação da função social da sociedade empresária, é a criação
dos instrumentos de Recuperação Judicial e Extrajudicial da empresa em crise, extinguindo a
velha e ineficaz concordata.
Destarte, o presente estudo limitou-se a reunir elementos dispersos na doutrina e na
nova Lei Falimentar, a fim de demonstrar que o processo de Recuperação Judicial se destaca
por ser mais abrangente e flexível, gerando maiores possibilidade de compor com seus
credores sobre a melhor maneira de reorganizar e sanear a empresa em crise. Além de abarcar
todos os credores, pode se valer de diversos mecanismos que tornem seu soerguimento muito
mais factível. Por sua vez, a Recuperação Extrajudicial permite que o devedor convoque, sem
correr o risco de ter sua falência decretada como outrora, seus credores para ajustar uma
recomposição de dívidas, e só depois, se necessário levar à homologação judicial para que o
acordo seja dotado de maior segurança.
Constatou-se, ademais, que as modificações implementadas pela Nova Lei de
Recuperação de Empresas e Falências no ordenamento jurídico brasileiro aproximaram o
Direito Concursal da concepção atual de empresa, que não pode mais ser vista de uma ótica
em que não seja vislumbrada, em primeiro lugar, sua função social, ao criar formas de
recuperá-la e mantê-la, tornando-a capaz de preservar os empregos dos trabalhadores, a
arrecadação de tributos, a geração de riquezas, distribuição de renda, enfim, fatores geradores
do bem-estar social.
Finalmente, este tema é instigante, tendo importantes desdobramentos que não
podem ser deixados de lado e que sugerem que as pesquisas devem continuar.
74
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva, 2001.
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ANEXO I
ARTIGOS DO DECRETO-LEI Nº 7.661, DE 21 DE JUNHO DO 1945 (LEI DE FALÊNCIAS) CITADOS NO SEGUNDO CAPÍTULO
Art. 1º Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva.
Art. 2º Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante:
[omissis]
III - convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens;
[...]
Art. 8º O comerciante que, sem relevante razão de direito, não pagar no vencimento obrigação líquida, deve, dentro de trinta dias, requerer ao juiz a declaração da falência, expondo as causas desta e o estado dos seus negócios, e juntando ao requerimento:
I - o balanço do ativo e passivo com a indicação e a avaliação aproximada de todos os bens, excluídas as dívidas ativas prescritas;
II - a relação nominal dos credores comerciais e civis, com a indicação do domicílio de cada um, importância e natureza dos respectivos créditos;
III - o contrato social, ou, não havendo, a indicação de todos os sócios, suas qualidades e domicílios, ou os estatutos em vigor, mesmo impressos, da sociedade anônima.
1º Tratando-se de sociedade em nome coletivo, de capital e indústria, em comandita simples, ou por cotas de responsabilidade limitada, o requerimento pode ser assinado por todos os sócios, pelos que gerem a sociedade ou têm o direito de usar a firma, ou pelo liquidante. Os sócios que não assinem o requerimento, podem opor-se à declaração da falência e usar dos recursos admitidos nesta lei.
2º Tratando-se de sociedade por ações, o requerimento deve ser assinado pelos seus representantes legais.
3º O devedor apresentará, com o requerimento, os seus livros obrigatórios, os quais permanecerão em cartório para serem entregues ao síndico, logo após o compromisso dêste.
4º No seu despacho, o juiz mencionará a hora em que recebeu o requerimento e, no mesmo ato, assinará os têrmos de encerramento dos livros obrigatórios, lavrados pelo escrivão.
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Art. 11. Para requerer a falência do devedor com fundamento no art. 1º, as pessoas mencionadas no art. 9º devem instruir o pedido com a prova da sua qualidade e com a certidão do protesto que caracteriza a impontualidade do devedor.
1º Deferindo a petição, o juiz mandará citar o devedor para, dentro de vinte e quatro horas, apresentar defesa.
Feita a citação, será o requerimento apresentado ao escrivão, que certificará, imediatamente, a hora da sua entrada, de que se conta o referido prazo. Se o devedor não fôr encontrado, far-se-á a citação por edital, com o prazo de três dias para a defesa.
Findo o prazo, ainda que à revelia do devedor, o escrivão o certificará e fará os autos conclusos ao juiz para a sentença.
2º Citado, poderá o devedor, dentro do prazo para defesa, depositar a quantia correspondente ao crédito reclamado, para discussão da sua legitimidade ou importância, elidindo a falênica. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 27.12.1973)
Feito o depósito, a falência não poderá ser declarada, e se for verificada a improcedência das alegações do devedor, o juiz ordenará, em favor do requerente da falência, o levantamento da quantia depositada, ou da que tiver reconhecido como legitimamente devida.
Da sentença cabe apelação.
3º Ao devedor que alegue matéria relevante (art. 4º), o juiz pode conceder, a seu pedido, o prazo de cinco dias para provar a sua defesa, com intimação do requerente. Findo êsse prazo, serão os autos conclusos, imediatamente, para sentença.
4º Tratando-se de sociedade em nome coletivo, de capital e indústria, em comandita simples, ou por cotas de responsabilidade limitada, pode qualquer sócio opor-se à declaração de falência, nos têrmos do parágrafo anterior, se a sociedade, por seu representante, não comparecer para se defender ou se a falência tiver sido requerida por outro sócio.
Art. 12. Para a falência ser declarada nos casos do art. 2°, o requerente especificará na petição os fatos que a caracterizam, juntando as provas que tiver e indicando as que pretenda aduzir.
1° O devedor será citado para defender-se devendo apresentar em cartório, no prazo de vinte e quatro horas, os seus embargos, instruindo-os com as provas que tiver e indicando outras que entenda necessárias à defesa.
2° Se o devedor citado não comparecer, correrá o processo à revelia; se não fôr encontrado, o juiz nomeará curador que o defenda.
3° Não havendo provas a realizar, o juiz proferirá a sentença; se as houver o juiz, recebendo os embargos, determinará as provas que devam ser realizadas, e procederá a uma instrução sumária, dentro do prazo de cinco dias, decidindo em seguida.
4° Durante o processo, o juiz, de ofício ou a requerimento do credor, poderá ordenar o sequestro dos livros, correspondência e bens do devedor, e proibir qualquer alienação dêstes,
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publicando-se o despacho, em edital, no órgão oficial. Os bens e livros ficarão sob a guarda de depositário nomeado pelo juiz, podendo a nomeação recair no próprio credor requerente.
5° As medidas previstas no parágrafo anterior cessarão por fôrça da própria sentença que denegar a falência.
Art. 40. Desde o momento da abertura da falência, ou da decretação do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens e dêles dispôr.
Art. 55. A ação revocatória deve ser proposta pelo síndico, mas se o não fôr dentro dos trinta dias seguintes à data da publicação do aviso a que se refere o art. 114 e seu parágrafo, também poderá ser proposta por qualquer credor.
Art. 63. Cumpre ao síndico, além de outros deveres que a presente lei lhe impõe:
XIX - apresentar, depois da publicação do quadro geral de credores (art. 96, § 2°) e do despacho que decidir o inquérito judicial (art. 109 e § 2°), e no prazo de cinco dias contados da ocorrência que entre aquelas se verificar por último, relatório em que:
a) exporá os atos da administração da massa, justificando as medidas postas em prática;
b) dará o valor do passivo e o do ativo, analizando a natureza dêste;
c) informará sôbre as ações em que a massa seja interessada, inclusive pedidos de restituição e embargos de terceiro;
d) especificará os atos suscetíveis de revogação, indicando os fundamentos legais respectivos;
[...]
Art. 66. O síndico será destituído pelo juiz, de ofício, ou a requerimento do representante do Ministério Público ou de qualquer credor, no caso de exceder qualquer dos prazos que lhe são marcados nesta lei, de infringir quaisquer outros deveres que lhe incumbem ou de ter interêsses contrários aos da massa. Art. 114. Apresentado o relatório do síndico (art. 63, nº XIX), se o falido não pedir concordata, dentro do prazo a que se refere o art. 178, ou se a que tiver pedido lhe fôr negado, o síndico, nas quarenta e oito horas seguintes, comunicará aos interessados, por aviso publicado no órgão oficial, que iniciará a realização do ativo e o pagamento do passivo.
Art. 116. A venda dos bens pode ser feita englobada ou separadamente.
[...]
Art. 132. Apresentado o relatório final, deverá o juiz encerrar, por sentenças, o processo da falência.
1º Salvo caso de fôrça maior, devidamente provado, o processo da falência deverá estar encerrado dois anos depois do dia da declaração.
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[...]
Art. 140. Não pode impetrar concordata:
[...]
III - o devedor condenado por crime falimentar, furto, roubo, apropriação indébita, estelionato e outras fraudes, concorrência desleal, falsidade, peculato, contrabando, crime contra o privilégio de invenção ou marcas de indústria e comércio e crime contra a economia popular;
Art. 156. O devedor pode evitar a declaração da falência, requerendo ao juiz que seria competente para decretá-la, lhe seja concedida concordata preventiva.
§ 1° O devedor, no seu pedido, deve oferecer aos credores quirografários, por saldo de seus créditos, o pagamento mínimo de:
I - 50%, se fôr à vista; (Redação dada pela Lei nº 4.983, de 18.5.45)
II - 60%, 75%, 90% ou 100%, se a prazo, respectivamente, de 6 (seis), 12 (doze), 18 (dezoito), ou 24 (vinte e quatro) meses, devendo ser pagos, pelo menos, 2/5 (dois quintos) no primeiro ano, nas duas últimas hipóteses. (Redação dada pela Lei nº 4.983, de 18.5.45)
§ 2° O pedido de concordata preventiva da sociedade não produz quaisquer alterações nas relações dos sócios, ainda que solidários, com os seus credores particulares.
Art. 177. O falido pode obter, observadas as disposições dos artigos 111 a 113, a suspensão da falência, requerendo ao juiz lhe seja concedida concordata suspensiva.
Parágrafo único. O devedor, no seu pedido, deve oferecer aos credores quirografários, por saldo de seus créditos, o pagamento mínimo de:
I - 35%, se fôr a vista;
II - 50%, se fôr a prazo, o qual não poderá exceder de dois anos, devendo ser pagos pelo menos dois quintos no primeiro ano.
Art. 186. Será punido o devedor com detenção, de seis meses a três anos, quando concorrer com a falência algum dos seguintes fatos:
I - gastos pessoais, ou de família, manifestamente excessivos em relação ao seu cabedal;
II - despesas gerais do negócio ou da emprêsa injustificáveis, por sua natureza ou vulto, em relação ao capital, ao gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;
III - emprêgo de meios ruinosos para obter recursos e retardar a declaração da falência, como vendas, nos seis meses a ela anteriores, por menos do preço corrente, ou a sucessiva reforma de títulos de crédito;
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IV - abuso de responsabilidade de mero favor;
V - prejuízos vultosos em operações arriscadas, inclusive jogos de Bôlsa;
VI - inexistência dos livros obrigatórios ou sua escrituração atrasada, lacunosa, defeituosa ou confusa;
VII - falta de apresentação do balanço, dentro de sessenta dias após à data fixada para o seu encerramento, à rubrica do juiz sob cuja jurisdição estiver o seu estabelecimento principal.
Parágrafo único. Fica isento da pena nos casos dos ns. VI e VII dêste artigo, o devedor que, a critério do juiz da falência, tiver instrução insuficiente e explorar comércio exíguo.
Art. 187. Será punido com reclusão por um a quatro anos, o devedor que, com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem, praticar, antes ou depois da falência, algum ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores.
Art. 188. Será punido o devedor com a mesma pena do artigo antecedente, quando com a falência concorrer algum dos seguintes fatos:
I - simulação de capital para obtenção de maior crédito;
II - pagamento antecipado de uns credores em prejuízo de outros;
III - desvio de bens, inclusive pela compra em nome de terceira pessoa, ainda que cônjuge ou parente;
IV - simulação de despesas, de dívidas ativas ou passivas e de perdas;
V - perdas avultadas em operações de puro acaso, como jogos de qualquer espécie:
VI - falsificação material, no todo ou em parte, da escrituração obrigatória ou não, ou alteração da escrituração verdadeira;
VII - omissão, na escrituração obrigatória ou não, de lançamento que dela devia constar, ou lançamento falso ou diverso do que nela devia ser feito;
VIII - destruição, inutilização ou supressão, total ou parcial, dos livros obrigatórios;
IX - ser o falido leiloeiro ou corretor.
Art. 189. Será punido com reclusão de um a três anos:
I - qualquer pessoa, inclusive o falido, que ocultar ou desviar bens da massa;
II - quem quer que, por si ou interposta pessoa, ou por procurador, apresentar, na falência ou na concordata preventiva, declarações ou reclamações falsas, ou juntar a elas títulos falsos ou simulados;
III - o devedor que reconhecer como verdadeiros créditos falsos ou simulados;
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IV - o síndico que der informações, pareceres ou extratos dos livres do falido inexatos ou falsos, ou que apresentar exposição ou relatórios contrários à verdade.
Art. 199. A prescrição extintiva da punibilidade de crime falimentar opera-se em dois anos.
Parágrafo único. O prazo prescricional começa a correr da data em que transitar em julgado a sentença que encerrar a falência ou que julgar cumprida a concordata.
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ANEXO II
ARTIGOS DA LEI Nº 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 (NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS)CITADOS NO TERCEIRO CAPÍTULO
Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.
Art. 35. A assembléia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre:
I – na recuperação judicial:
a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor;
b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;
c) (VETADO)
d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do art. 52 desta Lei;
e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor;
f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores;
II – na falência:
a) (VETADO)
b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;
c) a adoção de outras modalidades de realização do ativo, na forma do art. 145 desta Lei;
d) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.
Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:
I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;
II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;
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III – alteração do controle societário;
IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;
V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;
VI – aumento de capital social;
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;
VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;
IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;
X – constituição de sociedade de credores;
XI – venda parcial dos bens;
XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;
XIII – usufruto da empresa;
XIV – administração compartilhada;
XV – emissão de valores mobiliários;
XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.
§ 1o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.
§ 2o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.
Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:
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I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;
II – demonstração de sua viabilidade econômica; e
III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.
Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, a saber:
a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;
V – créditos com privilégio geral, a saber:
a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;
c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
VI – créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
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b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;
c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;
VIII – créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em contrato;
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
§ 1o Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado.
§ 2o Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.
§ 3o As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.
§ 4o Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários.
Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;
II – quantias fornecidas à massa pelos credores;
III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;
IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;
V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
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I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.
§ 1o Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo.
§ 2o Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não se possam reclamar.
§ 3o Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9o desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica.
§ 4o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.
§ 5o Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o pedido de falência descreverá os fatos que a caracterizam, juntando-se as provas que houver e especificando-se as que serão produzidas.
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Art. 95. Dentro do prazo de contestação, o devedor poderá pleitear sua recuperação judicial.
Art. 96. A falência requerida com base no art. 94, inciso I do caput, desta Lei, não será decretada se o requerido provar:
I – falsidade de título;
II – prescrição;
III – nulidade de obrigação ou de título;
IV – pagamento da dívida;
V – qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título;
VI – vício em protesto ou em seu instrumento;
VII – apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação, observados os requisitos do art. 51 desta Lei;
VIII – cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.
§ 1o Não será decretada a falência de sociedade anônima após liquidado e partilhado seu ativo nem do espólio após 1 (um) ano da morte do devedor.
§ 2o As defesas previstas nos incisos I a VI do caput deste artigo não obstam a decretação de falência se, ao final, restarem obrigações não atingidas pelas defesas em montante que supere o limite previsto naquele dispositivo.
Art. 98. Citado, o devedor poderá apresentar contestação no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. Nos pedidos baseados nos incisos I e II do caput do art. 94 desta Lei, o devedor poderá, no prazo da contestação, depositar o valor correspondente ao total do crédito, acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios, hipótese em que a falência não será decretada e, caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o levantamento do valor pelo autor.
Art. 105. O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial, acompanhadas dos seguintes documentos:
I – demonstrações contábeis referentes aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:
a) balanço patrimonial;
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b) demonstração de resultados acumulados;
c) demonstração do resultado desde o último exercício social;
d) relatório do fluxo de caixa;
II – relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos;
III – relação dos bens e direitos que compõem o ativo, com a respectiva estimativa de valor e documentos comprobatórios de propriedade;
IV – prova da condição de empresário, contrato social ou estatuto em vigor ou, se não houver, a indicação de todos os sócios, seus endereços e a relação de seus bens pessoais;
V – os livros obrigatórios e documentos contábeis que lhe forem exigidos por lei;
VI – relação de seus administradores nos últimos 5 (cinco) anos, com os respectivos endereços, suas funções e participação societária.
Art. 106. Não estando o pedido regularmente instruído, o juiz determinará que seja emendado.
Art. 107. A sentença que decretar a falência do devedor observará a forma do art. 99 desta Lei.
Parágrafo único. Decretada a falência, aplicam-se integralmente os dispositivos relativos à falência requerida pelas pessoas referidas nos incisos II a IV do caput do art. 97 desta Lei.
Art. 140. [omissis]
§ 2o A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de credores.
Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.
Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.
§ 1o Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3o, e 86, inciso II do caput, desta Lei.
[...]
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Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.
Art. 200. Ressalvado o disposto no art. 192 desta Lei, ficam revogados o Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, e os arts. 503 a 512 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: Inovações importantes introduzidas pela Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de
2005
LUCIANA DA SILVA COSTA
São José (SC), junho de 2005.
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LETRAS: TNR 12; EM DOURADO COR DA CAPA: VERMELHO ROYAL DORSO: DE BAIXO PARA CIMA: 2005 || LUCIANA DA SILVA COSTA || UNIVALI