nova lei de recuperaÇÃo de empresas e falÊncias: …siaibib01.univali.br/pdf/luciana da silva...

93
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: Inovações importantes introduzidas pela Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005 Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de São José. ACADÊMICA: LUCIANA DA SILVA COSTA São José (SC), junho de 2005.

Upload: trinhminh

Post on 10-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA

NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: Inovações importantes introduzidas pela Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de

2005

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de São José.

ACADÊMICA: LUCIANA DA SILVA COSTA

São José (SC), junho de 2005.

Page 2: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

1

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA

NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: Inovações importantes introduzidas pela Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de

2005

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, na Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de São José, sob a orientação do Professor MSc. José Rafael Freitas de Melo.

ACADÊMICA: LUCIANA DA SILVA COSTA

São José (SC), junho de 2005.

Page 3: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

2

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA

NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS:

Inovações importantes introduzidas pela Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005

LUCIANA DA SILVA COSTA

A presente monografia foi aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau

de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Educação de São José.

São José (SC), ___ de junho de 2005.

Banca Examinadora:

____________________________________________ Prof.º MSc. José Rafael Freitas de Melo - Orientador

_____________________________________________ Prof.º MSc. - Membro

___________________________________________

Prof.º MSc. - Membro

Page 4: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

3

DEDICATÓRIA

Aos meus pais, irmãs e amiga Maria Luiza Nascimento Campos, por terem nas

certezas de suas presenças e nas seguranças de seus passos guiado os meus. O carinho de suas

vozes, a esperança de seus sorrisos, o conforto de suas lágrimas, o brilho de seus olhares me

fizeram tão grande quanto os seus amores por mim. Se eu pudesse lhes fazer eternos. Eternos

eu lhes faria. A vocês não mais que com justiça, dedico esta vitória!

Page 5: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

4

AGRADECIMENTOS

A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis;

Aos meus pais, Antônio Vassilak Costa e Carmi Costa, que nunca mediram esforços,

amor e carinho para me proporcionar as melhores oportunidades.Os maiores responsáveis por

tudo de bom que aconteceu em minha vida, principalmente este momento final de mais uma

etapa vitoriosa;

Ao Professor Orientador, José Rafael Freitas de Melo, que transmitiu dados precisos

para o aprimoramento desta monografia;

Às minhas irmãs, Carolina Costa, Liliane Costa e Adriane Souza, pela força,

companhia e compreensão indispensáveis para tornar este longo caminho mais fácil de ser

percorrido;

Em especial, à minha amiga Maria Luiza Nascimento Campos, que demonstra no

olhar o quanto torce por mim e pelo inabalável apoio, não medindo esforços e incentivando-

me sempre a persistir na busca de meu ideal;

Por fim, a todos que de uma forma ou outra contribuíram nesta caminhada.

Page 6: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

5

“Não há melhor maneira de exercitar a

imaginação do que estudar direito. Nenhum

poeta jamais interpretou a natureza com tanta

liberdade quanto um jurista interpreta a

verdade”.

[Jean Giraudox]

Page 7: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

6

SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................................. 8 ABSTRACT.......................................................................................................................... 9 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS........................................................................ 10 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 11 1 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO FALIMENTAR............................................. 15 1.1 ORIGEM ETMOLÓGICA............................................................................................... 15 1.2 ALGUNS CONCEITOS DO INSTITUTO DA FALÊNCIA.......................................... 16 1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO FALIMENTAR........................................... 17 1.3.1 No Direito Romano....................................................................................................... 17 1.3.2 Na Idade Média.............................................................................................................. 19 1.3.3 Na Idade Moderna e Contemporânea............................................................................ 20 1.4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO FALIMENTAR NO BRASIL..................... 21 1.4.1 Período Colonial............................................................................................................ 21 1.4.2 Período Imperial............................................................................................................ 22 1.4.3 Período Republicano......................................................................................................

23

2 O DIREITO FALIMENTAR NA FASE DO DECRETO-LEI Nº 7.661 DE 1945....... 25 2.1 O SURGIMENTO E REFORMA DO DECRETO-LEI Nº 7.661 DE 1945.................... 25 2.2 ALGUNS ASPECTOS SOBRE A FALÊNCIA.............................................................. 28 2.3 ORDEM DE PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS NA FALÊNCIA................................ 30 2.4 OS CRÉDITOS TRABALHISTAS.................................................................................. 34 2.5 A REALIZAÇÃO DE ATIVOS NA FALÊNCIA........................................................... 35 2.6 A CONCORDATA .......................................................................................................... 37 2.7 A ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA......................................................................... 42 2.8 A PERSECUÇÃO PENAL .............................................................................................

43

3 ALTERAÇÕES RELEVANTES TRAZIDAS PELA LEI Nº 11.101/05..................... 47 3.1 NOVOS RUMOS DO DIREITO FALIMENTAR........................................................... 47 3.2 DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA.................................................................................... 49 3.3 NOVA ORDEM DE PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS............................................... 50 3.4 LIMITAÇÃO DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS....................................................... 53 3.5 REALIZAÇÃO DO ATIVO............................................................................................ 54 3.6 FIM DA SUCESSÃO TRIBUTÁRIA.............................................................................. 56 3.7 A FIGURA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL............................................................... 59 3.8 O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL............................................ 63

Page 8: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

7

3.9 ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO NA FALÊNCIA E NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL.......................................................................................................................

65

3.10 A RESPONSABILIDADE PENAL .............................................................................. 68 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 71 5 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 74 6 ANEXO I - ARTIGOS DO DECRETO-LEI Nº 7.661, DE 21 DE JUNHO DO 1945 (LEI DE FALÊNCIAS) CITADOS NO SEGUNDO CAPÍTULO.......................................

78

7 ANEXO II - ARTIGOS DA LEI Nº 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 (NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS) CITADOS NO TERCEIRO CAPÍTULO.............................................................................................................................

84

Page 9: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

8

RESUMO

Os doutrinadores, a classe empresária, e demais interessados há muito tempo reclamavam

pela reforma da legislação falimentar que regula o instituto desde 1945, quando foi

promulgado o Decreto-lei nº 7.661. Procurando então coadunar as diretrizes do direito

concursal à realidade econômica e social atual e promover total reforma do sexagenário

Diploma Falimentar, após 11 anos de tramitação foi finalmente sancionada a Lei nº

11.101/05, denominada agora de Lei de Recuperação de Empresas e Falências. Esta lei

promoveu total reformulação no instituto falimentar brasileiro, uma vez que não visa mais

pura e simplesmente regular os interesses privatistas de devedores, credores e do erário ou

punir o empresário insolvente. Vislumbrando preservar a função social exercida pelas

sociedades empresárias, tidas hoje como a atividade econômica mais importante para o

desenvolvimento econômico e social de uma nação, a nova lei criou mecanismos modernos

que priorizam a manutenção das empresas viáveis, ao invés da decretação da quebra. Trouxe

inovações relevantes, que comparadas à Legislação anterior, representam grande avanço ao

instituto e reais possibilidades de alcançar o novo escopo do Direito Falimentar: a preservação

da empresa e, por conseguinte, sua capacidade produtiva, postos de trabalhos, recolhimento

de tributos, distribuição de lucros, distribuição de renda, desenvolvimento econômico e bem-

estar social, ou seja, manter sua função social.

Palavras-chave: Falência; Função Social da Empresa; Recuperação Judicial e Recuperação

Extrajudicial.

Page 10: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

9

ABSTRACT

The doutrinadores, the classroom entrepreneur, and excessively interested have much time

complain for the reform of the legislation to bankrupt that it regulates the institute since 1945,

when were promulgated the very old Decree-law nº 7.661. Looking for then to coadunar the

lines of direction of the bankruptcy right á current economic and social reality and to promote

total remodels of the sexagenarian Diploma To bankrupt, after 11 years of transaction finally

was sancionada the Law nº 11,101, now called of Law of Bankruptcies and Recovery of

Companies. This law promoted total reformularization in the institute to bankrupt Brazilian, a

time that it does not aim at purer and simply to regulate the interests privatistas of debtors,

creditors and of the state treasury or to punish the insolvent entrepreneur. Glimpsing to

preserve the social function exerted by the societies entrepreneurs, had today as the more

important economic activity it stops of the economic and social development of a nation, the

new law created modern mechanisms, that prioritize the maintenance of the viable companies,

instead of the decreement of the breaking. It brought excellent innovations, that comparative

to the previous Legislation, represent great advance to the institute and Reals possibilities to

reach the new target of the Right To bankrupt: the preservation of the company and, therefore,

its productive capacity, ranks of works, collect of tributes, distribution of profits, distribution

of income, economic development and social welfare, or either, to keep its social function.

Key-words: Bankruptcy; Social Function Of The Company; Process To Bankrupt And

Judicial Recovery Of The Companies

Page 11: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a.C. antes de Cristo Art. Artigo Arts. Artigos Atual. Atualizada caput Cabeça do artigo Cf. Conforme CLT Consolidação das Leis Trabalhistas CTN Código Tributário Nacional Dec. Decreto ed. Edição FGTS Fundo de Garantia por tempo de Serviço inc. Inciso INSS Instituto Nacional da Seguridade Social in verbis Abaixo LSA Lei das Sociedades Anônimas nº Número omissis Lacuna, hiato, vazio p. Página QGC Quadro Geral de Credores rev. Revisada STF Supremo Tribunal Federal v. Volume UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

Page 12: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

11

INTRODUÇÃO

O objeto desta Monografia de conclusão de Curso gravita em torno do instituto

falimentar e a Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências, cujo tema foi delimitado

nos seguintes termos: uma breve análise da evolução histórica do instituto, versando desde

sua origem etimológica e seu surgimento no Direito Romano, passando por sua implantação e

desenvolvimento no ordenamento jurídico pátrio, até à promulgação do Decreto-lei nº 7.661

de 1945, com seus principais aspectos, que foram alvo de críticas pela doutrina e merecedoras

de reformas pela nova legislação, chegando, ao final deste trabalho monográfico à abordagem

das principais inovações introduzidas pela Lei nº 11.101 de 2005 que regula a Recuperação

Judicial, a Extrajudicial e a Falência como instrumento destinado a preservar a função social

da empresa.

A presente pesquisa monográfica não tem como finalidade esgotar o tema e

tampouco abordá-lo em sua amplitude. Trata-se apenas de uma sucinta pesquisa doutrinária,

objetivando, fazer uma análise comparativa entre o Decreto-lei nº 7.661 de 1945 e a nova Lei

de Recuperação de Empresas e Falências, sancionada em 09 de fevereiro de 2005, com o

intuito de demonstrar quais as alterações mais significativas produzidas por esta.

Por seu turno, o ideal seria que nesta monografia fossem referenciados todos os

assuntos relativos ao tema, porém não há menor possibilidade para tal estudo, já que a

exigüidade do tempo e a natureza deste trabalho de pesquisa tornam necessárias algumas

delimitações.

Desta forma, a escolha do tema da nova Lei de Falências e Recuperação Empresarial

deu-se em razão de se tratar de Lei recente, ainda pouco explorada. No entanto, há muito

tempo esperada e com grandes expectativas de reformulação do antigo Diploma Falimentar.

Desta forma, faz-se necessário o estudo das inovações introduzidas pela Lei nº 11.101, de 09

de fevereiro de 2005, para que se comece a desenvolver um conhecimento maior sobre o

assunto.

Sabe-se que a atividade empresária, hoje, é tida como uma das atividades

econômicas mais relevantes devido à função social que possui. Isso porque é a maior

responsável pela distribuição de riquezas, desenvolvimento econômico e bem-estar social

gerados a partir do pagamento de salários aos trabalhadores; o recolhimento de tributos que

Page 13: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

12

mantêm o Estado; distribuição dos lucros aos investidores; compra dos fornecedores;

atendimento aos consumidores.

Neste viés, a Falência da empresa e o fim de suas atividades podem trazer

conseqüências desastrosas de repercussão local, regional ou até nacional, posto que a

tendência do Direito Falimentar atual demonstra preocupação maior em preservar empresas

que passam por momento de desequilíbrio econômico financeiro, porém que se demonstrem

capazes de se reestruturar e se manter no mercado. Não havendo chances de recuperação,

deve-se primar pela celeridade, equidade, e segurança do processo falimentar de forma que

seus efeitos sejam menos danosos possíveis.

Diante desta nova concepção de empresa, vista a partir da função social que carrega,

e do novo escopo da legislação falimentar, far-se-á um estudo comparativo entre a diploma

anterior e o atual para verificar se este traz os avanços necessários ao que se propõe: a

preservação da empresa e sua função social, quando viável, ou, uma falência mais expedita,

quando inviável sua recuperação.

Por conseguinte, esta pesquisa tem como objetivos: 1) o institucional: produzir uma

monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí

– UNIVALI; 2) o geral: demonstrar que a nova Legislação (Lei nº 11.101/05) trouxe avanços

ao instituto da Falência através da introdução de mecanismos que possibilitem a preservação

da empresa viável ou um procedimento mais otimizado da Falência, de modo que seja

vislumbrado em primeiro lugar a função social da atividade empresarial e suas repercussões

sociais e; 3) os específicos: a) Obter dados históricos do instituto da Falência, no contexto

geral e no brasileiro; b) Analisar o direito falimentar na fase do decreto-lei nº 7.661 de 1945;

c) Investigar, com base, principalmente, na legislação e doutrina brasileiras, as principais

inovações advindas ao ordenamento pátrio com a promulgação da Lei nº 11.101/05.

Quanto à Metodologia1 empregada, registre-se que na Fase de Investigação foi

utilizado o Método Indutivo2; na Fase de Tratamento dos Dados o Método Cartesiano3 e, no

1 “Na categoria metodologia estão implícitas duas categorias diferentes entre si: método de investigação e técnica” (PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, 7. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. p. 87). (Destaque conforme o original).

2 Referido método se consubstancia em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral” (PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 104).

3 O referido método pode ser resumido em quatro preceitos que são: 1. “[...] nunca aceitar, por verdadeira, cousa nenhuma que não conhecesse como evidente [...]”; 2. “[...] dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudessem ser e fossem exigidas para melhor compreendê-las”; 3. “[...] conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelo objeto mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros”; 4. “[...] fazer sempre

Page 14: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

13

Relatório dos Resultados, expresso na presente Monografia, utilizou-se, mais uma vez, o

Método Indutivo. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente4,

da Categoria5, dos Conceitos Operacionais6 e da Pesquisa Bibliográfica7.

Para seu desenvolvimento lógico, o presente trabalho apresenta-se dividido em três

capítulos.

No primeiro capítulo serão tratados alguns aspectos do instituto falimentar para que

se tenha um melhor entendimento deste, abordando sua origem etimológica; alguns conceitos

doutrinários mais clássicos e outros mais atuais; e sua evolução histórica, desde os seus

primórdios no Direito Romano, quando a Falência possuía caráter predominantemente

personalista, passando pela Idade Média, época em que surge uma execução de caráter

coletivo, indo até a Idade Moderna e Contemporânea, marcada por grande influência da

legislação francesa, quando a Falência adquire uma feição mais econômico-social.

Ainda no primeiro capítulo, estuda-se a evolução do instituto no território brasileiro

que se inicia com as Ordenações do Reino Português até ser introduzida no ordenamento

brasileiro na fase imperial e, por fim, fazendo uma abordagem das legislações que se

seguiram após a proclamação da República até o advento do Decreto-lei nº 7.661 de 1945.

No segundo capítulo, com fito de desenvolver um estudo comparativo com a

legislação atual, dedica-se ao estudo do Decreto-lei nº 7.661 de 1945, apontando os pontos

que mais receberam críticas da doutrina durante os seus 60 anos de vigência. Serão

abordados, também, o surgimento do Decreto; alguns aspectos sobre a Falência; a ordem de

preferência dos créditos; os créditos trabalhistas; a realização de ativos; a concordata como

instrumento de preservação da empresa; a administração da Falência; e, por fim, a persecução

penal falimentar.

No último capítulo, manifesta-se o estudo do tema disposto, analisando, como

objetivo geral, as principais inovações, de acordo com os estudiosos do assunto, trazidas pela

nova Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, quais sejam: o limite de valor para a

enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficassem certo de nada omitir” (grifo no original) (PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 106-107).

4 “Explicitação prévia do motivo, objetivo e produ to desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa” ( PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas para o operador do direito, p. 62).

5 “Palavra ou expressão e stratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” ( PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 31).

6 “Definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósit o de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas” ( PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 56).

7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais” ( PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 67).

Page 15: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

14

decretação da falência; a nova ordem de preferência dos créditos; a limitação dos créditos

trabalhistas; a realização do ativo de forma antecipada; o fim da sucessão tributária; as figuras

da recuperação judicial e extrajudicial; os novos órgãos de administração; e a

responsabilidade penal mais rigorosa.

Esta pesquisa encerra-se com as considerações finais, aduzindo-se sobre a

confirmação ou não da hipótese trabalhada, seguida da estimulação à continuidade dos

estudos e de reflexões sobre as novas tendências do instituto falimentar no direito brasileiro.

Portanto, propõe-se estudar o tema, buscando tão-somente demonstrar as principais

inovações que gravitam em torno da nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência em

cotejo ao antigo Decreto-Lei nº 7.661/45.

Page 16: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

15

1 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO FALIMENTAR

1.1 ORIGEM ETIMOLÓGICA

O vocábulo Falência é originado do verbo latino fallere, e significa faltar, enganar.8

Ensina Rubens Requião9 que “[...] de expressão comum o verbo passou,

tecnicamente, no meio jurídico a expressar a impossibilidade do devedor pagar suas dívidas,

em conseqüência da falta de meios decorrentes de escasso e insuficiente patrimônio”.

Porém, por muitos anos predominou na legislação falimentar brasileira, que a priori

provinha de Portugal, o verbo quebrar. O próprio Código Comercial brasileiro de 1850

intitulou sua Parte Terceira que tratava da Falência, com a expressão “ Das Quebras”. Foi

apenas no fim do século passado que se passou a dar preferência como linguagem técnica ao

verbo falir e seus derivativos, deixando de lado o verbo quebrar.10

Já a expressão italiana bancarrota, era usada pelo Código Criminal de 1830 para

designar a Falência fraudulenta, não tendo sido acolhida pelo Brasil. Tal expressão é

proveniente de um antigo costume medieval italiano no qual os credores insatisfeitos

quebravam, em praça pública, a banca de exposição de mercadorias dos comerciantes que não

conseguiam honrar com seus compromissos.11

A França e a Itália conservam a expressão bancarrota para designar a Falência

culposa ou fraudulenta e os norte-americanos e ingleses a utilizam para denominar qualquer

Falência (banckruptcy).12

1.2 ALGUNS CONCEITOS DO INSTITUTO DA FALÊNCIA

8 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar. 14. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.

p. 13. 9 Consoante lição de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 3. 10 Cf. entendimento doutrinário de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 3. 11 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 3. 12 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 4.

Page 17: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

16

A Falência pode ser conceituada tanto econômica como juridicamente. Ao conceituar

o instituto no seu aspecto jurídico, os doutrinadores o fazem tanto de uma ótica de direito

material quanto processual, dependendo da orientação que seguem.13

Segundo Rocco, citado por Lacerda14, economicamente analisada, define-se a

Falência como sendo um estado patrimonial. É o que se infere do seguinte texto:

[...] a condição daquele que, havendo recebido uma prestação a crédito, não tenha à disposição para executar a contraprestação, um valor suficiente, realizável no momento da contraprestação. A falência é, por isso, um estado de desequilíbrio entre os valores realizáveis e as prestações exigidas.

Do ponto de vista jurídico, numa ótica processualista, Lacerda15 afirma que: [...] a falência se caracteriza como um processo de execução coletiva, decretado judicialmente, dos bens do devedor comerciante ao qual concorrem todos os credores para o fim de arrecadar o patrimônio disponível, verificar os créditos, liquidar o ativo, saldar o passivo, em rateio, observadas as preferências legais.

Da mesma forma, Sant’Anna16 concebe a Falência como um instituto de natureza

processual, pois na sua concepção é “[...] processo de execução coletiva instaurado contra o

devedor comerciante que não teve condições de satisfazer no vencimento obrigação líquida e

certa”.

Por sua vez, Miranda Valverde citado por Requião17, dentro de uma conceituação

mais genérica, define o instituto como um “[...] complexo de regras jurídicas, técnicas ou

construtivas, que definem e regulam uma situação especial, de ordem econômica, a falência”.

Sob um prisma mais simplista, para Requião18, traduz-se a Falência como “[...] a

solução jurídica do devedor-comerciante que não paga no vencimento obrigação líquida”.

Na lição de Fazzio Júnior19, não se pode limitar a concepção de Falência a uma

natureza meramente material ou processual isoladamente, pois se trata de instituto complexo,

ao assim sustentar que:

A conciliação dos dois extremos aproxima-se mais da realidade jurídica da falência, porque a conjuntura patrimonial anômala do empresário só se transforma nesse estado em virtude de um provimento judiciário, que assoma no mundo jurídico por meio de um processo. [...]. A falência é um

13 Cf. orientação de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 4. 14 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 28. 15 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 28. 16 SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas. São Paulo: Aide, 1985. p. 26. 17 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 6. 18 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 4. 19 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2005. p. 23-

24.

Page 18: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

17

estado jurídico instaurado por um provimento jurisdicional, para solucionar as relações oriundas da insolvência do agente econômico inviável, tendo em vista o tratamento eqüitativo de seus créditos.

Diante destas considerações, constata-se que a Falência, em linhas gerais, é uma ação

de execução coletiva, onde todos os bens do falido são arrecadados para uma venda judicial

forçada, distribuindo o ativo proporcionalmente entre todos os credores que forem habilitados

no processo falimentar.

1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO FALIMENTAR

A sociedade, sempre no intuito de fazer com que as pessoas cumprissem suas

obrigações, utilizava meios coercitivos para garantir seu cumprimento. No princípio, a

responsabilidade de uma pessoa que devia a outra era extremamente pessoal. O devedor,

quando não conseguia solver a dívida, pagava com seu próprio corpo por meio do trabalho

escravo ou, até mesmo, com a vida, pois a coerção se dava na pessoa do devedor e não nos

seus bens, como será visto, no decorrer deste capítulo.20

1.3.1 No Direito Romano

Para falar da origem remota da Falência, é necessário que se reporte à fase mais

primitiva do Direito Romano, o direito quiritário, que surge a partir da fundação de Roma e se

estende até a codificação da Lei das XII Tábuas, caracterizando-se por ser um direito lendário,

consuetudinário e exclusivo dos cidadãos.21

Nesta época, a garantia do cumprimento da obrigação era o próprio devedor que

fazia uma espécie de contrato com o credor comprometendo-se a pagar a dívida com seu

trabalho escravo.

Segundo Almeida22, este contrato, chamado nexum, admitia a addicere que consistia

na adjudicação do devedor insolvente que serviria ao credor por um período de sessenta dias

até que fosse solvido. Passado o prazo, sem que o devedor conseguisse pagar o débito ou não

aparecesse ninguém para fazê-lo (videx), ele poderia ser vendido como escravo para o

20 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 3. 21 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 3. 22 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 3.

Page 19: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

18

estrangeiro (trans Tiberim), ou ser morto e esquartejado em quantas partes fossem o número

de credores.

Com o passar do tempo, todas as atrocidades cometidas contra o devedor levaram ao

consenso de que a responsabilidade pelas dívidas não mais deveria ser pessoal, e sim,

patrimonial.

Foi então, com a promulgação da Lex Poetelia Papiria, em 428 a.C., que fora

introduzido no Direito Romano a execução patrimonial, em detrimento da pessoal,

determinando “[...] a proibição do encarceramento, a venda como escravo e a mor te do

devedor” 23. Esta foi uma fase de grande evolução da Falência, vez que, o instituto tornou-se

mais humano.

Mas foi com a vigência da lei Lex Aebutia em 643 a.C., promulgada pelo pretor

Rutilio Rufo, que surgiu a bonorum venditio, prevendo o desapossamento dos bens do

devedor, evidenciando, novamente, significativo avanço do instituto. Neste sistema, o

magistrado nomeava um curador (curator bonorum) que, além de administrar o patrimônio do

devedor, deveria dar publicidade ao ato para que os demais credores, no prazo de 30 dias,

concorressem aos bens. Se, decorrido o prazo, o devedor não tivesse pago a dívida, o curador

poderia alienar todo o patrimônio para quem tivesse a melhor oferta e este se responsabilizava

em pagar a dívida aos credores de forma proporcional.24

Wilson e Silvia Batalha25 ensinam que a bonorum venditio acarretava a infâmia, que

significava a morte ficta do devedor. Desta forma, o devedor poderia livrar-se a sanção

optando pela cessio bonorum, instituída pela Lex Julia em 737. Por este instituto, o devedor

sem culpa transferia seus bens ao credor que poderia vendê-los, por meio de um curador, que

pagaria proporcionalmente os demais credores, sendo que, parte do produto da venda era

reservada para a sobrevivência do executado.

Portanto, o instituto romano da cessio bonorum delineou a concordata preventiva que

surgiria nos tempos medievais.26

23 Cf. TZIRULNIK, Luiz. Direito falimentar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 36. 24 Cf. TZIRULNIK, Luiz. Direito falimentar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 36. 25 BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silvia Marian Labate. Falência e concordatas:

comentários à lei de falências, doutrina, legislação e jurisprudência. São Paulo: LTr, 1996. p. 50. 26 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 10.

Page 20: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

19

1.3.2 Na Idade Média

A Idade Média, para a Falência, é uma época que, ao contrário dos anos anteriores,

caracteriza-se, principalmente, pela maior ingerência da tutela estatal no processo de execução

do devedor. O Direito Falimentar deste período foi organizado e sistematizado pelos italianos

que utilizaram o Direito Romano como fonte fundamental27.

Na lição de José Hamilton Magalhães28, surgiu a idéia de que o crédito comercial era

de interesse de todos e não apenas do credor e devedor. A partir deste entendimento, coloca-se

de lado a iniciativa do credor na execução dos bens do devedor, exigindo-se a habilitação

daquele que tem sua atuação totalmente condicionada ao judiciário.

Da mesma forma, ensina Almeida29:

O concurso creditório é rigidamente disciplinado, com a obrigatoriedade de os credores habilitarem-se em juízo, por onde se processa a arrecadação dos bens do devedor, atribuindo-se ao juiz a função de zelar por que se guardasse e vendesse, partilhando-se o produto entre os credores.

Apregoa, ainda, Almeida30 que foi a partir desse momento, quando o comércio

marítimo começa a se desenvolver de forma significativa nas cidades italianas, que o

concurso de credores afeiçoa-se em Falência, considerada tanto para o devedor comerciante

ou não.

Apesar da relevante evolução do instituto falimentar, que deixou de responsabilizar a

pessoa do devedor para responsabilizar seu patrimônio, e da maior interferência do Poder

Público, ainda permaneceram rigorosos castigos que puniam os devedores falidos de forma

enérgica. Sendo a Falência vista como um crime, o devedor falido era considerado como

infame e submetido à pena de prisão, penas vexatórias e até mesmo a mutilação.31

Segundo Lacerda32:

[...] eram, pois rigorosas as penas para os falidos, derivadas, aliás, do fato de ser a falência considerada um delito. Por isso quase sempre o devedor procurava todos os meios lícitos e ilícitos para evitar a ação dos credores e, quando fosse impossível, fugia.

27 “O instituto da falência surgiu nos estatutos corporativos das cidades italianas, provavelmente em Verona, no

início de século XIII, onde afloraram as primeiras normas que mais tarde comporiam a falência como típica execução patrimonial” (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 23).

28 MAGALHÃES, José Hamilton de. Direito falimentar brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 5. 29 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 4. 30 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 4. 31 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 11. 32 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 29.

Page 21: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

20

A fuga chegou a ser considerada pressuposto da Falência, pois presumia insolvência.

Contudo, conforme Fazzio Júnior33, no século XV surgiram as primeiras tendências em evitar

a Falência. Arregimentou-se uma espécie de concordata na qual a autoridade pública

homologava acordos realizados com os credores.

1.3.3 Na Idade Moderna e Contemporânea

As normas atinentes à Falência, constantes dos estatutos italianos, exerceram

preponderante influência nas legislações dos demais países. De acordo com Ronconi34,

parafraseando Sant’Anna, “[...] a importância do Direito Italiano foi fundamental, pois abriu

suas portas ao mundo, possibilitando as mais diversas alterações de acordo com a necessidade

da Sociedade na qual as normas do instituto falimentar passou a reger [...]”.

O instituto da Falência foi introduzido no direito francês por intermédio de Lyon com

a instituição de seu regulamento de câmbio em 1667. Porém, tal regulamento só cuidava da

Falência fraudulenta impondo duras penas aos culpados de bancarrota35. Somente, a partir das

Ordenações de 1673 que se instituiu um sistema de liquidação coletiva e possibilitaram-se as

concordatas. Entretanto, apenas para os devedores honestos.

Mas foi o Código Comercial francês de 1807, de Napoleão Bonaparte, que teve

grande importância no desenvolvimento do instituto falimentar e profunda influência no

Direito Comercial brasileiro. Apesar deste Código ainda impor enérgicas restrições ao falido,

as penas foram sendo minoradas de forma gradual, adquirindo características econômico-

sociais e contribuindo para as intensas modificações no Direito Comercial que levaram ao

entendimento atual do conceito de empresa como sendo uma instituição social.36

Evoluindo da responsabilidade personalista do Direito Romano, para a maior

ingerência do poder estatal durante o período medieval e o significativo progresso

impulsionado pela legislação francesa, chega-se aos tempos atuais com a necessidade de

encarar a empresa como um instituto indispensável ao progresso econômico e social. Distante

de como se via, o crédito não interessa mais apenas ao credor e ao devedor. Uma empresa

produtiva e em dia com seus compromissos ou mesmo um crédito melhor protegido, interessa

33 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 23-24. 34 RONCONI, Diego Richard. Falência e recuperação de empresas: análise da utilidade social de ambos os

institutos. Itajaí: Univali, 2002. p. 28. 35 Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silvia Marian Labate. Falência e concordatas:

comentários à lei de falências, doutrina, legislação e jurisprudência, p. 52. 36 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 5.

Page 22: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

21

a todos, mesmo que de forma indireta, pois se percebe que hoje, os efeitos de uma Falência

são catastróficos para a sociedade.

1.4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO FALIMENTAR NO BRASIL

1.4.1 Período Colonial

O Brasil, enquanto colônia de Portugal, sujeitava-se à legislação portuguesa na qual

predominavam os princípios do Direito Romano. Como em Portugal vigoravam as

Ordenações Afonsinas, foram essas normas estabelecidas no país.

Apesar das Ordenações Afonsinas não cuidarem de forma específica da quebra do

comerciante, estabeleciam a preferência ao credor que tivesse dado início ao concurso

creditório, extinguiram a prisão por dívida simples ao permitir a concessão de moratória do

devedor até o prazo de 5 anos, e previam duras penas quando a Falência era fraudulenta.37

Estas Ordenações foram revistas por D. Manuel e em 1521 substituídas pelas

Ordenações Manuelinas que se caracterizaram pelo agravamento da punição ao devedor,

prevendo que este seria preso até pagar aos credores caso fosse constatada uma Falência

fraudulenta. Porém, como a legislação portuguesa era fortemente influenciada pelo Direito

Estatutário italiano, havia a possibilidade de o falido impedir sua prisão cedendo seus bens

aos credores.38

Em 1603 passaram a vigorar as Ordenações Filipinas, normas de nacionalidade

espanhola, contudo aplicadas em Portugal, que, nesta época, estava submetido ao Reino de

Castela. A quebra do comerciante passou a ser tratada de forma mais específica na Lei de 8 de

março de 1595, promulgada por Filipe II. Lei esta que inspirou o Título LXVI do Livro V das

Ordenações Filipinas que tratava dos mercadores que quebram, diferenciando os devedores

em mercadores criminosos, comparando-os aos ladrões públicos que eram punidos com o

degredo ou a morte, e os mercadores que faliam sem culpa e podiam compor-se com os

credores.39

Passado este período, com o advento do Alvará de 13 de novembro de 1756

promulgado pelo Marquês de Pombal, finalmente o Brasil pôde contar com um autêntico 37 Cf. MAGALHÃES, José Hamilton de. Direito falimentar brasileiro, p. 5. 38 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 16. 39 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. p. 5.

Page 23: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

22

processo falimentar. Conforme descreve Almeida40, o comerciante tinha que se apresentar à

Junta Comercial, jurar a causa da falência, declarar todos os seus bens, entregar as chaves da

fazenda e o Livro Diário. Em seguida, era feito o inventário e a convocação dos credores. A

subsistência do falido e de sua família era garantida com 10% da arrecadação. Como nas

Ordenações precedentes, constatada a falência fraudulenta, o devedor também era punido com

a prisão.

Segundo Requião41, o Alvará de 1756 já demonstrava tendências de preservação da

empresa por meio do instituto falimentar. Fato inferido da regra VIII constante do sistema

pombalino, que assim determinava:

[...] os que caírem em pobreza sem culpa sua, por receberem grandes perdas no mar, ou na terra, em seus tratos e comércios lícitos, não constante de algum dolo ou malícia, não incorrerão em pena algum crime. E neste caso serão os atos remetidos ao Prior e Cônsules do Consulado, que os procurarão concertar e compor com seus credores, conforme o seu Regimento.

Este alvará foi promulgado no ano após um grande terremoto em Lisboa, que

provocou desordem e a derrocada do comércio e local e por isso revisou esta parte das

Ordenações anteriores com tanta significância.42

1.4.2 Período Imperial

A independência do Brasil modificou pouca coisa na normatização da Falência, visto

que continuou a ser regida pelas leis portuguesas. Somente com a promulgação de uma Lei de

30 de outubro de 1823 que, ao determinar a observância da “Lei da Boa Razão” 43, passou-se a

dar preferência ao Código Comercial Francês de 1807.

Segundo Lacerda44, de acordo com a Lei da Boa Razão deveria ser aplicada “[...] o

antigo direito dos povos cultos, ou melhor, das nações cristãs, iluminadas e polidas”.

Pode-se dizer que foi na fase imperial que o instituto falimentar, pela primeira vez,

insurgiu na história do Direito brasileiro. Em 1850, foram promulgados o Código Comercial,

40 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 5. 41 Cf. REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro: a reforma da lei de falências. Revista de

Direito Mercantil, nº 14, p. 23-33, São Paulo, set./out. 2000, p. 24. 42 Cf. REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro: a reforma da lei de falências. Revista de

Direito Mercantil, p. 24. 43 “Lei promulgada pelo Rei D. José, em 18 de agosto de 1769. Foi assim chamada porque autorizava a aplicação

subsidiária do direito romano somente quando este se achasse fundado na boa razão, isto é, nos princípios essenciais do direito natural e das gentes”. Disponível em: < http://www.dji.com.br/civil/lei_da_boa_razão. htm>. Acesso em: 22 out. 2004.

44 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 31.

Page 24: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

23

que regulamentou o instituto da falência no Livro III, intitulado “Das quebras” e o Decreto nº.

738 que cuidou da parte processual em seus art. 102 a 187.

Porém, no entender de Lacerda45, a legislação falimentar brasileira já nascera

bastante defeituosa, ao assim mencionar que:

Alegava-se, contra o sistema do Código Comercial, ser ele lento, complicado, dispendioso, prejudicando, a um tempo, credores e devedor; além disso dava maior importância à apuração da responsabilidade comercial da falência, pois só com a ultimação do processo da quebra e qualificação da falência é que se iniciava a liquidação da massa. Por outro lado, a aceitação da concordata dependendo da maioria de credores em número e que representassem pelo menos dois terços dos créditos sujeitos aos efeitos da concordata constituía obstáculos à obtenção desse favor.

As exigências iníquas para concessão da concordata foram responsáveis pela

primeira reforma da regulamentação falimentar.

Na época, Visconde de Mauá - grande banqueiro e empresário brasileiro - em meio a

graves crises em seus negócios, viu-se impossibilitado de pedir a concordata, pois seria

impossível reunir seus 3.000 credores distribuídos pelo Brasil e pelo mundo.

Diante disso, em 1879, fez uma representação à Câmara, demonstrando a ineficiência

de tal preceito legal, o que levou á criação da concordata preventiva pelo Decreto-Lei nº

3.065, de 6 de janeiro de 1882. Estabeleceu ainda que o quorum para concessão da concordata

seria a maioria dos credores presente e que representassem dois terços dos créditos.46

1.4.3 Período Republicano

Após a proclamação da República, o instituto falimentar passou por intensa

reelaboração legislativa. Começou com o Decreto nº 917 de 24 de outubro de 1890, idealizado

por Carlos de Carvalho que revogou toda a terceira parte de Código de 1850.

Este Decreto, de grande importância para a evolução da normatização da Falência,

caracterizou o estado falitário em atos e fatos previstos na legislação e pela impontualidade no

pagamento de obrigações. Além disso, instituiu como meios preventivos a moratória, a cessão

de bens, o acordo extrajudicial47 e a concordata preventiva, que posteriormente, foram alvos

de diversas críticas por facilitar abusos e fraudes.48

45 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 31. 46 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 18. 47 O art. 120 dispunha sobre o novo sistema da concordata preventiva, que desse modo era introduzida no direito

brasileiro: “O devedor, com firma inscrita no registro do comércio, que, antes do protesto por falta de pagamento de obrigação comercial, líquida e certa, tiver feito extrajudicialmente algum acordo ou concordata

Page 25: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

24

Apesar das graves críticas, Requião49 admite que “[...] sem dúvida o Decreto n° 917

foi um passo à frente na modernização do instituto falimentar na época [...]”. 50

Em seguida, com o intuito de prevenir tramas entre credores de devedores, foi

promulgada a Lei nº 859 de 16 de agosto de 1902 sem, contudo, obter êxito. A previsão da

criação de uma lista com nomes de fora dos quadros da Falência, organizada pelas Juntas

Comerciais, de onde seria escolhido um síndico pelo juiz, causou tanto escândalo que o

Congresso foi obrigado a substituí-la.51

Entrou em vigor então a Lei nº 2.024, de 17 de dezembro de 1908, obra de Carvalho

de Mendonça que, conforme Lacerda52 “[...] representava uma síntese bem formulada dos

princípios que nortearam o Dec. 917, de 1890, embora com o aproveitamento de algumas

normas colhidas do direito estrangeiro novo”. Esta lei extinguiu a concordata extrajudicial e a

moratória, consolidando o sistema da concordata judicial na forma preventiva e suspensiva.

Entretanto, apesar de haver perdurado por um certo tempo, devido a alguns defeitos

da Lei, em 9 de dezembro de 1929 promulgou-se o Decreto nº 5.746 que previu a diminuição

do número de síndicos e determinou percentagem para a proposta de concordata. Esta lei

permaneceu em vigor até o advento do Decreto-Lei nº 7.661 de 1945 que será comentado no

próximo capítulo.

Realizou-se, neste capítulo, estudo sobre alguns aspectos do instituto falimentar

como sua etimologia, conceituação e desenvolvimento histórico, desde os seus primórdios no

Direito Romano até a promulgação do Decreto-lei nº 7.661 de 1945, que após sessenta anos

de vigência, acaba de ser revogado.

No capítulo seguinte, passa-se a estudar as características deste Decreto-lei, que

sofreram duras críticas da doutrina durante esses anos, e que foram alvo da reforma

promovida pela Lei n° 11.101 de 2005, hoje em vigor.

com os credores, representando pelo menos ¾ da totalidade do passivo, deverá requerer, sem demora, a homologação pelo juiz comercial com jurisdição na sede de seu principal estabelecimento, e, obtida ela, não poderá ser declarado falido. O acordo, ou concordata extrajudicial, devia ser assinado pelos credores e apresentado ao juiz em petição, acompanhada da relação nominal dos credores, para efeito de homologação” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 11).

48 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 32. 49 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 20. 50 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 20. 51 “Os quarenta insc ritos nessa lista, no Distrito Federal, dadas as suas sinuosas atividades, logo foram

alcunhados, pela verve carioca, de Ali-Babá e os quarenta ladrões” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 21).

52 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 32.

Page 26: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

25

2 O DIREITO FALIMENTAR NA FASE DO DECRETO-LEI Nº 7.661 DE 1945

2.1 O SURGIMENTO E REFORMA DO DECRETO-LEI Nº 7.661 DE 1945

Com o advento do Estado Novo, foram tencionadas diversas reformas legislativas

com o intuito de alinhar a legislação brasileira com a filosofia política de fortalecimento dos

poderes do Estado.53

Dentre as reformas planejadas, estava a reestruturação do Diploma falimentar.

Neste prisma, Lacerda54 relata que em 31 de outubro de 1939, encarregado pelo

Ministro da Justiça na época, Trajano Miranda Valverde apresentou um anteprojeto de lei de

Falência, que, dentre outras inovações, instituía que a concordata dependesse da vontade dos

credores, limitaria a administração da Falência ao síndico – eliminando o liquidatário, e que

sua escolha ficasse a cargo do juiz. Contudo, depois de publicado, o andamento do anteprojeto

não obteve êxito.

Foi então que em 21 de outubro de 1943, Alexandre Marcondes Filho, Ministro da

Justiça na época, ofereceu outro anteprojeto elaborado por uma comissão composta por

Filadelfo Azevedo, Hahnemann Guimarães, Noé Azevedo, Joaquim Canuto Mendes de

Almeida, Sílvio Marcondes e Luís Lopes Coelho. O anteprojeto, que trouxe alguma inovações

já constantes do anteprojeto de Miranda Valverde, transformou-se no Decreto-lei nº 7661 de

21 de junho de 1945. 55

As principais inovações, elencadas por Lacerda56 foram: a extinção do liquidatário,

cujas funções passaram a ser exercidas pelo síndico; a concessão da concordata preventiva

pelo juiz, sem a audiência dos credores; e, a tramitação paralela do processo penal e do

falimentar na ocorrência de crime falimentar.

Sant’Anna 57 destaca ainda como caracteres do Decreto-lei nº 7.661 os seguintes:

[...] a faculdade de o devedor ou o credor requererem a falência; o princípio de defesa do devedor quando requerida a falência pelo credor; a decretação da falência mediante sentença; a habilitação dos credores; a verificação dos créditos; a arrecadação, avaliação e venda dos bens, para a realização do

53 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 21. 54 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 33. 55 Cf. lição de LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 33. 56 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 34. 57 SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 23.

Page 27: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

26

ativo e pagamento dos credores, através de rateios; a extinção das obrigações do falido; o direito de o falido impetrar concordata suspensiva.

Apesar de todas as novidades adotadas pelo Decreto-lei, alamarva-se naquela época a

que a “nova” Lei de Falências já nascera velha e viciada. Mesmo a economia brasileira

apresentando-se de forma tímida, onde predominavam empresas individuais ou familiares,

estava passando por um período de certo desenvolvimento devido à II Guerra Mundial e já

ostentava empreendimentos de porte. Entretanto, o legislador de 1945 não vislumbrou os

acontecimentos da época e focou o Diploma das Quebras na figura do comerciante individual,

relegando a sociedade mercantil ao campo das exceções.58

Neste sentido, em análise à regulamentação falimentar em questão, Nelson Abrão

citado por Cruz59 leciona que:

[...] refere-se o diploma legal brasileiro, de maneira sistemática, ao comerciante individual. As sociedades mercantis, não só as chamadas pessoas, como a sociedade por ações, são mencionadas em plano secundário. Ora, legislando-se para o indivíduo, evidentemente não se tem a visão da importância do organismo economicamente organizado, e que sobrepõe à pessoa física de seu titular ou titulares, que é a empresa.

Vigente há quase 60 anos, já há muito tempo totalmente ultrapassada e incompatível

com a realidade econômico-social em que se vive, apesar de diversos de seus dispositivos

terem sido reformulados, não é novidade afirmar que a legislação falimentar era grande

merecedora de uma reforma integral. Segundo Bulgarelli60:

[...] o Dec.-Lei 7.661/45, vem se sustentando, graças a uma interpretação extensiva e evolutiva proposta, debatida e exigida pelos operadores do Direito – no caso, os advogados e a doutrina – que orientam a Jurisprudência a respeito.

Doutrinadores, estudiosos e demais interessados reclamavam pela modernização e

reforma do instituto falimentar em uníssono, pois os legisladores esqueceram que o direito

tem que espelhar o comportamento social e econômico de um povo, e evoluir com ele. A

economia de hoje está muito além da acanhada economia de 60 anos atrás. O mercado está

muito mais competitivo e complexo e as chances de fracassar nunca estiveram tão grandes.

58 TEPEDINO, Ricardo. A Recuperação da Empresa em Crise Diante do Decreto-Lei 7.661/1945. Revista de

Direito Mercantil, nº 128, São Paulo, out/dez, 2002, p. 165. 59 CRUZ, Carlos Alberto de Oliveira. Falência e Concordata – A Interpretação Sistemática no Direito Concursal

Brasileiro. Revista Jurídica, nº 248, jun. 1998, p. 16. 60 BUGARELLI, Waldirio. O Novo direito empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 154.

Page 28: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

27

Szklarowsky61 define bem esse momento econômico pelo qual se está passando:

[...] um mundo fascinante envolvido por novos mercados e blocos comerciais, profundas alterações político-sociais, queda e criação de novos impérios econômicos e Estados, numa universalização jamais vista, e por descobertas tecnológicas e científicas, que exigem do legislador mais que meros expedientes legislativos, senão intensa arte de ourivesaria, na elaboração legislativa, porque o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a realidade. A empresa é hoje encarada como uma entidade de suma importância e sua recuperação não advém de mera abstração, senão de uma realidade incontestável, com assento na doutrina e no direito alienígena.

Sant’Anna 62, já em 1986 ressaltava o grande abismo existente entre o ambiente

político-econômico vivido em 1945 e o daquela época:

Nos distantes dias de 1945, quando foi decretada a Lei de Falências, o Brasil praticamente não conhecia inflação, inexistia a correção monetária e a base do crédito do comércio em geral era mantida pelos fornecedores, a rede bancária não formava os grandes conglomerados que existem atualmente, a incipiente noção de empresa não correspondia à que se afirma nos dias correntes, a carga tributária era muitíssimo inferior à de agora.

Após o advento da Legislação Falimentar vieram inúmeras outras normas63 que

modificaram alguns pontos do Decreto-Lei nº 7.661/45, sem, entretanto, alterar sua

substância. Mas, as mudanças não foram suficientes para modernizar seus aspectos

extremamente formais e processuais que impossibilitavam um entendimento econômico dos

motivos que levavam o comerciante a entrar em crise, o que deixaria a legislação brasileira

muito mais próxima dos padrões internacionais.64

61 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Projeto de Lei de Falências: sugestões ao substitutivo. Jus Navigandi,

Teresina, a. 1, n. 8, mar. 1997. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=761>. Acesso em: 15 jan. 2005.

62 SANT’ANNA, Rubens. A Falência da Empresa. Realidade Contemporânea e Perspectivas Futuras. Revista de Direito Mercantil, nº 64, São Paulo, 1986, p. 43.

63 “Lei n. 3.726/60 (dispõe sobre a preferência dos créditos trabalhistas); lei n. 4.839/65 (dispõe sobre a preferência dos créditos trabalhistas); decreto-lei n. 192/67 (fixa o entendimento da expressão ‘indenizações trabalhistas’); decreto -lei 669/69 (exclui do benefício da concordata empresas que exploram serviços aéreos ou de infra-estrutura aeronáutica); lei n. 6.014/73 (promove adaptações por força no novo CPC); lei n. 6.024/73 (dispões sobre a intervenção e liquidação de instituições financeiras); lei n. 6.458/77 (promove adaptações e razão do CPC); lei n. 4.983/83 (dispõe sobre o rito sumário, aplicável as falências cujo passivo for inferior a 100 salários mínimos); lei n. 7.274/84 (dispõe sobre várias alterações na concordata); lei n. 8.131/90 (dispõe sobre várias alterações na concordata); e lei n. 8.639/93 (dispõe sobre várias alterações na concordata)” (CRUZ, Carlos Alberto de Olivei ra. Falência e Concordata - A Interpretação Sistemática no Direito Concursal Brasileiro. Revista Jurídica, p. 17).

64 CRUZ, Carlos Alberto de Oliveira. Falência e Concordata - A Interpretação Sistemática no Direito Concursal Brasileiro. Revista Jurídica, p. 17.

Page 29: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

28

Neste diapasão, Fazzio Júnior65 explica que o caráter formalista da antiga Lei de

Falências e Concordatas incentivava a morosidade, deixava desprotegidos os créditos que não

fossem públicos e dava grande importância ao elemento punitivo do instituto, desta forma,

não era mais capaz de suportar os emaranhados problemas engendrados pelos processos de

falência ou concordata que se mostravam “[...] cada vez mais complexos, burocratizados e

inócuos”.

O entendimento dos comercialistas modernos, como se demonstrará mais adiante, e

adotado na maioria dos países desenvolvidos, aponta para um só caminho: o da preservação

da empresa. Esta tendência se coaduna com a compreensão atual da importância econômica e

social que a empresa representa para a sociedade. A proteção excessiva ao credor ou ao

devedor de outrora, deu lugar à preocupação em proteger o organismo empresarial e com ela

resguardar postos de trabalho, a atividade produtora, a arrecadação de impostos, os sócios ou

acionistas, os consumidores, e a ordem econômica através da proteção do crédito.

2.2 ALGUNS ASPECTOS SOBRE A FALÊNCIA

No estudo da natureza jurídica Falência do sistema de 1945, há que se informar que,

apesar de tratar de interesses privados, é procedimento de ordem pública. Já quando se tenta

delimitar o verdadeiro objetivo do instituto, algumas opiniões divergentes afloram66.

Há os que defendiam que seu objetivo maior era garantir a igualdade entre os

credores na divisão do patrimônio do devedor insolvente – par condicio creditorum. Outros

defendem que escopo principal era eliminar do mercado empresas debilitadas econômica e

financeiramente para que não contaminassem e prejudicassem outros organismos do

mercado.67

Na lição de Requião68, ambos princípios eram instrumentos legais utilizados pelo

Estado para proteção do crédito comercial como mecanismo essencial da estabilidade e

desenvolvimento econômico. O que não se podia admitir era que o processo falencial fosse

concebido, de acordo com a visão simplista de alguns autores, como mero meio de cobrança

por parte do credor.

65 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 17. 66 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 26. 67 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 26. 68 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 27.

Page 30: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

29

Em que pese os ilustres objetivos desse sistema, o que se via na realidade era que a

falência estava sendo desviada de sua finalidade, tornando-se meio de cobrança coercitiva por

parte do credor69. Não eram poucos pedidos de Falência fundados em títulos executivos,

muitas vezes de valores irrisórios, que tinham único intuito de cobrança, como meio mais

desembaraçado que a execução. É o que se vê, por exemplo, do acórdão do Supremo Tribunal

Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 87.405, do Rio de Janeiro, em

11/03/1980:

Falência. Requerimento que empresta função de cobrança irregular ao instituto falimentar, desviando-o de sua função especifica e constrangendo ilicitamente o devedor. Indeferimento da petição inicial, que se restabelece. Recurso extraordinário conhecido e provido.

Neste julgado, o credor requeria a Falência instruindo o pleito com duas duplicadas,

mas apenas uma protestada, pedindo que fossem pagos dois títulos-executivos, sendo um

protestado e outro não, em 24 horas sob pena de decretação da quebra. O credor defendeu-se

alegando a inexatidão do requerimento, se Falência ou execução, tese acolhida pelo Supremo.

Da sentença declaratória de Falência, em princípio, caberia agravo de instrumento,

peculiaridade do processo falimentar. Porém, em caso de pedido calcado na impontualidade,

havia a possibilidade também, sem prejuízo do agravo, da interposição de embargos. Da

decisão desses, abria-se ainda a possibilidade para a apelação e embargos infringentes.70

Essa pluralidade recursal permitida pela lei foi duramente criticada pela doutrina,

pois servia como meio de procrastinação do processo, prejudicando direitos das partes e o

crédito. Esta era a opinião de Requião71 ao afirmar:

A lei falimentar é liberal, pródiga em recursos, e nisso padece do vício do antigo sistema processual, facultando às partes um número exagerado, em excessivas oportunidades. A tendência moderna, como se efetiva no atual Código de Processo Civil, é a redução da quantidade e possibilidade de recursos. Além disso, a lei é complicada e de certa forma confusa na regulação dos recursos que oferece.

O processamento pré-falencial seguia aspectos diferentes dependendo do fundamento

do pedido de quebra. Se o requerimento era baseado na impontualidade injustificada (art. 1°),

o teria que seguir rito previsto no art. 11; se calcado nos atos falenciais, processaria-se pelo

69 CARVALHO, Dora Martins de. O Anteprojeto Legislativo da Lei de Concordatas e Falências. Revista

Direito Mercantil, nº 88, p. 88-94, São Paulo, 1992, p. 91. 70 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 3. 5. ed. rev. atual. de acordo com o novo Código

Civil e alterações da LSA. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 254. 71 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 138.

Page 31: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

30

art. 12; por fim, se ocorresse autofalência, seguiria rito mais simplificado, constante do art.

8º.72

2.3 ORDEM DE PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS NA FALÊNCIA

Quando ocorre a decretação da Falência de uma sociedade em dificuldade, o

patrimônio da falida torna-se garantia comum aos credores nos recebimentos dos seus

créditos. Entretanto, como se tratam de créditos concursais, ou seja, concorrem ao pagamento

através de recursos proveniente da liquidação dos ativos da devedora, o direito concursal,

mesmo objetivando colocar os credores em pé de igualdade, teve que estabelecer uma ordem

de preferência de recebimento dos créditos que atendesse à ordem de preferência constante

dos contratos e da lei. 73

A igualdade, portanto, fica revelada apenas entre os credores da mesma classe – é a

par condicio creditorum. Neste sentido, assevera Requião74 que os créditos com maior

preferência devem ser pagos antes dos créditos mais fracos e, ao final, devem-se pagar os que

não gozam de nenhuma preferência, que se classificam como créditos quirografários.

Segundo análise da Lei feita por Requião75, a ordem de preferência de pagamentos

dos créditos, de acordo com que estabelecia o Decreto-lei nº 7.661 e demais legislações, era

disposta da seguinte forma:

a) créditos por acidente de trabalho (art. 102, § 1º); b) créditos trabalhistas, compreendendo todos os pagamentos devidos pela sociedade empresária a seus empregados (CLT, art. 499, § 1º); nessa mesma classificação estão os créditos dos representantes comerciais (Lei n. 4.886/65, art. 44, incluído pela Lei n. 8.844/94) e os da Caixa Econômica Federal, pelo FGTS (Lei n. 8.844/94, art. 2º, § 3º, com redação dada pela Lei n. 9.467/97); c) dívida ativa de natureza tributária ou não tributária (art. 186 do CTN e 4º, § 4º, da Lei n. 6.830/80); d) crédito da Fazenda Nacional decorrente de multas e penas pecuniárias devidas pela falida (Dec.-Lei n. 1.893/81, art. 9º; LF, art. 124); e) créditos por encargos da massa (art. 124, § 1º); f) créditos por dívidas da massa (art. 124, § 2º); g) credores com garantia real (art. 102, I); h) com privilégio especial (art. 102, II); i) com privilégio geral (art. 102, III);

72 Cf. lição de COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 246. 73 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 110. 74 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 326. 75 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 326.

Page 32: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

31

j) quirografários (art. 102, IV); k) subquirografários (LSA, art. 58, § 4º).

Tal ordem classificatória dos créditos é direcionada ao síndico que tem, ou pelo

menos deveria, satisfazer os pagamentos de acordo com o que ela estabelece. Porém, várias

questões com relação a essa ordem devem ser ponderadas.76

Primeiramente, observa Coelho77 que, apesar da ordem de prioridades ter que ser

seguida pelo síndico na hora do pagamento do passivo, não está descartada a possibilidade de

alguns credores terem seus créditos satisfeitos antes mesmo de outros que, de acordo com a

Lei, possuam créditos que preferem àquele.

É o que ocorre com os créditos fiscais – nestes compreendidos os de natureza

tributária e não tributária78 – que, por força do art. 18779, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de

1966 (CTN), gozam de superprivilégios por estarem excetuados da concorrência de credores e

da exigência de suspensão das execuções individuais contra a falida, não precisando a

Fazenda Pública se sujeitar à habilitação para cobrar suas dívidas.

Neste caso, como os créditos públicos não precisam concorrer com os demais, se a

execução fiscal tramitar de forma mais rápida do que o processo falimentar, o bem penhorado

em favor da Fazenda Pública pode ser vendido antes da liquidação da massa, podendo o fisco

receber antes mesmo dos credores trabalhistas80. Quanto a essa possibilidade, pondera

Lacerda81 que, se os bens da falida já estivem arrecadados, só restará à Fazenda Pública “[...]

pedir reserva ao Juízo da falência, a fim de lá receber, obedecendo à preferência legal dos

créditos trabalhistas”.

Em interessante prisma, ao analisar esta prerrogativa dos créditos públicos, assevera

Lacerda82:

A nova lei de falências em França (13.7.1967) restringiu as prerrogativas da Fazenda Pública e reforçou o privilégio dos credores trabalhistas. A Fazenda Pública tem que se habilitar na falência como qualquer outro credor. Disposição sensata que deveria ser adotada sem tardança pelo

76 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 308. 77 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 308. 78 “Por força do art. 2 3, III, não podiam ser exigidas na falência as penas pecuniárias e por infração das leis

penais e administrativas. Apesar da jurisprudência considerar a multa fiscal moratória pena administrativa, tinha excluído sua cobrança na falência (Súmula nº 565), porém, por força do Decreto-lei nº 1.893/81, quando se tratar de penalidade imposta pela União, os créditos serão cobrados na mesma classe dos encargos da massa” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 153).

79 “ Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento” (BRASIL. Código comercial, código tributário nacional e constituição federal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 347).

80 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 308. 81 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 208. 82 LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 208.

Page 33: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

32

legislador pátrio, como pondera Fábio Konder Comparato. Não se compreende, com efeito, que o soi-disant ‘juízo universal da falência’ não abranja os créditos fazendários, cuja satisfação costuma ser, afinal de contas, decisiva para o pagamento dos credores quirografários. Por outro lado, se o soerguimento da grande empresa combalida é de interesse público, por razões de ordem social e econômica, é inevitável o sacrifício relativo do Fisco e imprescindível a sólida proteção dos assalariados (Problemas Jurídicos da Macroempresa, São Paulo, 1970, nº 46, p 119).

A justificativa para tantas vantagens e privilégios concedidos aos créditos públicos

seria a preservação do bem-estar social, isso porque aqueles são os responsáveis por seu

financiamento. Porém, por outro lado, deve ser analisado também o fato de que as

prerrogativas cedidas à Fazenda Pública podem provocar, além de prejuízo aos trabalhadores,

efeitos muito danosos à sociedade.83

Como exemplo, pode ser citado o aumento do risco de recebimento de créditos em

um processo falimentar por um credor privado, o que conseqüentemente provoca a retração na

oferta de créditos e elevação dos juros dos empréstimos, ou ainda, o prejuízo ou mesmo

Falência de credores menores que dependem crucialmente do recebimento de dívidas; e por

conseqüência, diminuição do bem-estar social.84

A ordem preferencial de pagamento dos créditos estabelecida pelo Decreto-lei nº

7.661/45 e pela Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) foi objeto de rigorosas críticas por

parte da doutrina e dos credores. A experiência forense revela que a maioria dos credores que

se localizam em ordem menos privilegiada, raramente consegue receber seus créditos, pois os

recursos provenientes da liquidação dos bens da falida geralmente se esvaem na satisfação das

dívidas trabalhistas, não suportando nem as dívidas fiscais.85

Essa situação de iniqüidade provém do fato do legislador, nos últimos anos, ter se

preocupado unicamente em aumentar a proteção dos créditos trabalhistas e fiscais de forma

excepcional e absoluta, desvirtuando o verdadeiro sentido do processo falimentar.

A maior prova disso pode ser verificada no descrédito em que caiu o direito real em

garantia. Mesmo se resguardando de possíveis inadimplências por meio de hipotecas de

imóveis, alienação fiduciária, penhor de máquina ou mercadorias, dentre outras, os credores

com garantias reais, dificilmente conseguem receber, uma vez que o produto da alienação dos

83 Cf. observação doutrinária de TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto

de Lei da Câmara nº 70, de 2003. Senado. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/web/senador/ramez/ 2003>. Acesso em: 17 mar. 2005. p. 1.

84 TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 70, de 2003. Senado, p. 1-2.

85 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de Direito Mercantil, nº 12, p. 92-105, São Paulo, out/dez 2002. p. 75.

Page 34: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

33

bens gravados deverá pagar primeiramente os volumosos créditos trabalhistas e depois os

fiscais86.

Segundo os economistas Araújo e Lundberg87, “o Brasil é um dos raros países onde a

execução das garantias reais de uma operação de crédito não funciona quando ela é mais

necessária – na falência – quando a empresa se mostra incapaz de honrar seus compromissos”.

A principal conseqüência disso, como já dito, é a menor oferta de crédito por parte das

instituições financeiras e o aumento dos spreads88 bancários, fatores fundamentais para o

desenvolvimento da economia.

Na grande maioria dos países, em caso de Falência, os créditos com garantia real

preferem aos fiscais. São poucos também os países onde os créditos trabalhistas têm

prioridade sobre aqueles, e quando tem, o crédito é limitado. Este padrão internacionalmente

adotado justifica-se como uma forma de manter “[...] um ambiente institucional favorável ao

crédito, procurando privilegiar a empresa produtiva com a possibilidade de acesso a

empréstimos e financiamentos fartos e baratos”, como instruem Araújo e Lundberg 89.

Desta forma, constata-se que as vantagens legais de que gozam as dívidas fiscais, na

forma como vigorava no Diploma Falimentar e o CTN, dificultavam a formação de uma

conjuntura econômica e institucional que favorecesse o desenvolvimento. Portanto, via-se,

desde já, a necessidade definir novamente a função do crédito tributário no processo

falimentar, e promover alteração na ordem preferencial de pagamento das dívidas.90

Outra questão levantada pela doutrina refere-se à ordem de preferência dos encargos

e dívidas da massa que englobam as despesas com a administração da Falência. Da análise da

Lei, como exposto acima, percebe-se que esses créditos deveriam ser pagos apenas depois das

restituições em dinheiro e após terem sido satisfeitas todas as dívidas trabalhistas e fiscais.

Porém, essa ordem de pagamento era incompatível com um dos objetivos da Falência: o de

viabilizar uma administração profissional da massa, como justifica Coelho91:

O juiz apenas pode contar com a colaboração de síndicos honestos, competentes, empenhados e experientes se eles forem remunerados de forma satisfatória. Nenhum depósito ou seguradora, por outro lado,

86 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de

Direito Mercantil, p. 75. 87 ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper.

Disponível em: <http://www.bcb.gov.br>. Acesso em: 08 mar. 2005. p. 1. 88 Representa a diferença entre as taxas de juros de aplicação e de captação, compreendendo o lucro e o risco

relativos às operações de crédito. Conceito extraído do glossário do Banco Central. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/glossario.asp?id=GLOSSARIO&q=spread>. Acesso em: 10 abr. 2005.

89 ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper, p. 1. 90 Cf. TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 70,

de 2003. Senado, p. 2. 91 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 341.

Page 35: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

34

concordaria em contratar com a massa para ser eventualmente pago, após os credores trabalhistas e fiscais, se sobrar dinheiro.

Este entendimento levou juízes a sabiamente determinar que antes de qualquer outro

crédito sejam pagas as despesas provenientes da administração da massa falida.92 Decisões

estas que, de certa forma, preconizaram as mudanças que se insurgiram na nova Lei de 2005,

como se verá.

2.4 OS CRÉDITOS TRABALHISTAS

Pela redação original do Decreto-lei nº 7.661 de 1945, os créditos trabalhistas eram

classificados em último lugar na dos privilégios reais, ou seja, só seriam satisfeitos após os

créditos fiscais, os por dívidas e encargos da massa, os com garantia real e os com privilégio

especial. Tal posição , como ensina Requião93, era muito injusta e desprezava “[...] a natureza

falimentar da remuneração empregatícia, e a proteção que é devida pela sociedade moderna à

condição da classe proletária”.

A correção deste despropósito legislativo só ocorreu em 1960, com a vigência da Lei

nº 3.726, que passou a dar classificação bem mais privilegiada e protetora aos salários e

indenização dos empregados da empresa falida, colocando o crédito trabalhista como o

primeiro a ser satisfeito no processo de liquidação.94

Também na redação original do Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que

instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho, o art. 499 e seus parágrafos prescreviam norma

que mitigava a proteção que deveria ser concedida aos trabalhadores.

Segundo Requião95, o preceito legal dispunha que:

[...] na falência e na concordata subsistem os direitos oriundos da existência de contrato de trabalho, constituindo crédito privilegiado a totalidade dos salários e um terço das indenizações a que tiver direito o empregado, e crédito quirografário os restantes dois terços.

Foi somente com o advento da Lei nº 6.449, de 14 de outubro de 1977 que o

dispositivo do § 1º96, do art. 499, foi alterado, determinando a nova redação que constituiriam

92 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 341. 93 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 328. 94 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 329. 95 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 329.

Page 36: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

35

créditos trabalhistas privilegiados o total dos salários e das indenizações a que os empregados

tiverem direito.97

Desta forma, os créditos trabalhistas, formados por salários e indenizações de

qualquer origem98 e sem qualquer limitação, passaram a preterir todos os demais créditos na

ordem preferencial de pagamento, inclusive os fiscais, ficando após apenas dos créditos

resultantes de indenização por acidente de trabalho.

2.5 A REALIZAÇÃO DE ATIVOS NA FALÊNCIA

A fase de liquidação do ativo se divide em duas partes: a realização do ativo e a

satisfação do passivo.

De acordo com Requião99, pelo Decreto-lei nº 7.661, inicia-se a realização dos ativos

quando já apurado a situação patrimonial da Falência, o total dos créditos concorrentes, as

dívidas e os encargos da massa falida, isso tudo verificado com a publicação do relatório do

síndico e do quadro geral de credores.

Ou seja, na forma do art. 63, só podem ser vendidos os bens após a formação

completa do quadro geral de credores – procedimento que no Estado de São Paulo, onde

ficam as maiores empresas do país, pode levar em média de 7 a 10 anos100 – e posterior

apresentação do relatório do síndico, isso quando já tenha esgotado o prazo para o

requerimento da concordata preventiva ou a mesma ter sido indeferida.

Decorridos os referidos prazos e preenchidas as formalidades, o síndico publicaria

por duas vezes no Diário Oficial que será iniciada a liquidação. Cabia ao síndico também

diligenciar para a forma mais proveitosa de alienação dos ativos, analisando sempre a

96 “Art. 499. [ omisssis] § 1º Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito.” (BRASIL. Consolidação das lei trabalhistas, legislação previdenciária, constituição federal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.) 97 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 208. 98 “Saldo salarial, férias não gozadas, décimo terceiro proporcional ou integral, aviso prévio, hora extra e todos

os demais valores devidos aos empregados, conforme apurados pela Justiça do Trabalho, devem ser pagos pelo síndico no atendimento a essa ordem de classificação” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 346).

99 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 361. 100 Cf. PAIVA, J. A. Almeida. Após 09/06/05 todos os bens das falências em curso já podem ser vendidos antes

da formação do QGC. Advocacia Almeida & Paiva. Disponível em: < http://www.almeidapaiva.adv.br/>. Acesso em: 30 mar. 2005. p. 1.

Page 37: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

36

conjuntura do mercado e as condições e valores dos bens a fim de angariar a maior quantidade

de recursos possíveis para o pagamento dos credores.101

A legislação de 1945 possibilitava ao síndico a discricionariedade de optar por duas

alternativas de alienação: englobada ou separadamente (art. 116), podendo ser realizadas por

leilão ou proposta. Então, baseado no que entender ser a escolha mais benéfica para os

credores, o plano de venda dos bens era “da exclusiva escolha e responsabilidade do síndico”,

como afirma Requião102.

Entretanto, ensina Coelho103 que, não concordando com a proposta do síndico, a

coletividade de credores poderia modificar a alternativa escolhida e deliberar que a venda se

daria de forma diferente. Bastava para isso que reunissem mais de ¼ do passivo habilitado e

solicitassem ao juiz a convocação de uma assembléia, não podendo, entretanto, contrariar o

que dispusesse a lei e nem prejudicar os atos já realizados pelo síndico.

Era autorizada também a venda extraordinária dos bens, ou seja, formas diferentes do

leilão e da proposta, como por exemplo, a constituição de uma sociedade pelos credores que

incorporará os ativos ou a cessão em bloco a terceiro que se responsabilizará pelos créditos.

Mas, nestes casos não cabe ao síndico decidir, pois essas somente se darão por deliberação

dos credores em assembléia que representem no mínimo 2/3 do passivo admitido e a

homologação pelo juiz.

Quando fosse mais vantajosa a alienação englobada como de uma fábrica, por

exemplo, “[...] com todas as suas máquinas e instalações, inclusive o imóvel em que funciona

[...]” 104, ou a incorporação pela sociedade de credores ou cessão dos créditos, a doutrina é

unânime no entendimento que a falida se extingue e surge outra sociedade empresária. E,

extinta a sociedade falida, estão extintos os contratos de trabalho e seus ônus não deveriam ser

transmitidos para os adquirentes.

Todavia, como verbera Requião105, não obstante conclusões tão óbvias, “os tribunais

trabalhistas passaram a considerar existente a sucessão entre a empresa falida e o adquirente

do estabelecimento, que assim responderia pelos encargos sociais dos antigos empregados”.

Trata-se de jurisprudência ilegítima que desconhece que, com a falência, os contratos

101 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordata, p. 116. 102 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 362. 103 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 337. 104 Cf. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar, p. 217. 105 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 373.

Page 38: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

37

trabalhistas são rescindidos e que os trabalhadores devem se habilitar no processo

concursal106.

Além do ônus trabalhista, outra questão que prejudicava a interesse dos compradores,

era a sucessão do passivo tributário, prevista no art. 133 do CTN107, que assim determina:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

O fato de um comprador ter que arcar com todo o passivo da sociedade falida pode

diminuir sensivelmente o interesse do mercado pelo negócio, assim como o valor do

estabelecimento. Tais fatores podem ter o condão de inviabilizar qualquer possibilidade de

alienação, ou porque não há interessados ou porque o valor oferecido, mediante o risco que o

negócio representa, é baixo demais108.

Diante o exposto, nota-se que, apesar de alguns autores aconselharem a venda do

estabelecimento na sua integridade, quando for melhor para os credores, a antiga legislação e

jurisprudência falimentar não proporcionavam um aparato institucional que incentivasse essa

possibilidade. Pelo contrário, criava obstáculos desestimulavam e prejudicavam o interesse de

possíveis adquirente da falida.

2.6 A CONCORDATA

A preocupação em humanizar os mecanismos de execução do devedor comerciante –

que nos seus primórdios tinha caráter predominantemente punitivo, e possibilitar a

sobrevivência da empresa que passa por período de crise sem dolo do comerciante é bem

antiga109.

106 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 373. 107 BRASIL. Código comercial, código tributário nacional e constituição federal, p. 335. 108 Cf. FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Alienação da Empresa na Falência e Sucessão Tributária.

Revista de Direito Mercantil, ano 87, nº 132, p. 87-95, São Paulo: Malheiros Editores, out./dez. 2003. p. 88. 109 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 382.

Page 39: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

38

O instituto da concordata surgiu com o objetivo de solucionar o estado de insolvência

econômica do comerciante devedor, prevenindo ou obstando a falência ou sustando seus

efeitos, quando já declarada, e desta forma, sanear e recuperar a sociedade comercial em crise

econômica ou financeira.110

No Código Comercial Brasileiro de 1850, o benefício da concordata, que a princípio

era concedido apenas na sua forma suspensiva, exigia-se a anuência da maioria do número de

credores que representassem ao menos dois terços do valor de todos os créditos. Com o

advento do Decreto-lei nº 7.661 de 1945, foi abolida a exigência do consentimento dos

credores para sua concessão111.

Segundo Coelho112, a concordata transformou-se num “favor legal” concedido ao

empresário em crise que estivesse de boa-fé. Porém, esta boa-fé era caracterizada por meio de

uma valoração objetiva, ou seja, bastava que o requerente apresentasse uma lista dos

documentos exigidos por lei, para obter o favor legal, o que permitia a sorte do benefício até

mesmo por parte de comerciantes inescrupulosos.

Noutro norte, leciona Cruz113 que a concordata era remédio jurídico cujo alvo era

evitar a Falência da sociedade empresária devedora por meio da remissão parcial ou

adiamento dos vencimentos das obrigações, impedindo o início de uma execução coletiva ou

suspendendo seus efeitos. Não havia qualquer análise econômica, financeira ou administrativa

que verificasse a viabilidade de continuação das atividades da empresa combalida.

Este era o maior erro do instituto: conceder o benefício mediante atendimento de

alguns pressupostos formais. Não havia a preocupação de analisar as causas da insolvência do

devedor, ou se o plano de soerguimento da empresa era viável, ou mesmo se o devedor era

apto a continuar no comando dos negócios. Desta forma, mesmo diante de empresas com

notória incapacidade de se recuperar e se manter, preenchida as formalidades, os juízes

acabavam por conceder a concordata na esperança que os credores conseguissem receber seus

créditos, o que geralmente não ocorria.114

A concordata acabou por se tornar meio de postergar a Falência e enriquecer

devedores perspicazes e inescrupulosos.115

110 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 3. 111 Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 384. 112 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito falimentar, p. 359. 113 CRUZ, Carlos Alberto de Oliveira. Falência e Concordata. A Interpretação Sistemática no Direito Concursal

Brasileiro. Revista Jurídica, p. 16. 114 Cf. REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro – A Reforma da Lei de Falências. Revista

de Direito Mercantil, p. 28. 115 Cf. REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro – A Reforma da Lei de Falências. Revista

de Direito Mercantil, p. 28.

Page 40: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

39

No mesmo sentido é o entendimento de Tepedino116 ao advertir que:

O instituto da concordata transformada pela lei de 1945, num favor legal que se concede à vista do preenchimento de meras formalidades, sem qualquer preocupação com a probabilidade de recuperação do impetrante, está longe de propiciar a execução de um plano de reestruturação da empresa em crise.

A legislação falimentar, da mesma forma que disponibilizava um mecanismo para

que o devedor se salvasse da ruína empresarial, em outra mão, criava obstáculos que

dificultavam o alcance da finalidade do instituto de expurgar a Falência. Perquirindo algumas

nuanças da concordata, podem ser citados vários exemplos.

Um dos obstáculos que podem ser notados, ainda nas observações de Coelho117 era

que a simples impetração do pedido de concordata, quando não concedida pela ausência de

algum de seus pressupostos, era elemento ensejador da Falência. A justificativa do legislador

para essa prescrição era que ninguém pleitearia concordata se não estivesse insolvente, e se

está insolvente e não reúne os requisitos para se beneficiar do favor legal, o mais prudente

seria que se instaurasse de pronto a Falência.

Assim dispunha o art. 176 do Decreto-lei nº 7.661/45118, in verbis:

Art. 176. Negando a concordata preventiva, o juiz declarará a falência do devedor, proferindo sentença em que observará o disposto no art. 162, parágrafo 1º.

Da mesma forma, e em pior hipótese, também era passível da decretação de Falência

a empresa que promovesse mera convocação extrajudicial de credores para oferecer-lhes

proposta de dilação da exigibilidade dos créditos ou remissão parcial destes, como meio de

contornar situação de crise momentânea pela qual passa a sociedade empresária. De acordo

com o art. 2º, III do mesmo Decreto-lei, tratava-se de ato que pressupunha a insolvência e

servia para fundamentar pedido de declaração de insolvência.119

Presumia a legislação que quando o devedor lançava mão desta atitude era porque a

sociedade estava manifestando estado de desorganização e corria risco de ser fraudada,

prejudicando o interesse dos credores120. Ou então que, se o falido se utilizou desses meios ao

116 TEPEDINO, Ricardo. A Recuperação da Empresa em Crise Diante do Decreto-Lei 7.661/1945. Revista de

Direito Mercantil, p.166. 117 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito falimentar, p. 360. 118 BRASIL. Lei da falência. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. 15. ed.

São Paulo: Saraiva, 1999. p. 78. 119 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 327. 120 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 85.

Page 41: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

40

invés de requerer a concordata era porque não reunia as condições necessárias para alcançar o

favor legal, tornando imprescindível à decretação da quebra121.

Segundo Coelho122, esta solução determinada pela lei geralmente não corresponde

aos interesses dos credores e outros agentes atingidos por uma possível Falência. São essas as

suas palavras:

[...] na concordata, podem receber com demora, mas acabam recebendo; na falência, o prejuízo é certo. Muito menos os dos empregados, que podem conservar seus postos de trabalho na concordata e certamente os perdem na falência do empregador. Além disso, a sociedade concordatária continua fornecendo bens e serviços aos consumidores, enquanto a falida não. A quebra não corresponde, também, aos interesses do fisco e da própria comunidade vizinha à empresa. Todos esses sujeitos, e não apenas a sociedade devedora, são prejudicados pela interrupção da atividade econômica desenvolvida pelo impetrante da concordata.

Como dito, para obter a concordata (preventiva ou suspensiva) era necessário o

preenchimento de alguns requisitos legais: a) exercer o comércio regularmente; b) não ter

título vencido ou a Falência requerida há mais de 30 dias; c) não ter sido beneficiado pela

concordata nos 5 anos anteriores; d) não possuir dívidas com o fisco e o INSS.123

Preenchidos os requisitos gerais e especiais para cada espécie de concordata, o

devedor tinha acesso ao favor legal, porém, sua proposta de recuperação limitava-se a escolha

de prazos e formas de pagamento fixadas pela lei.

Na concordata preventiva, por força do art. 156, podia optar em pagar a vista 50% da

dívida, ou se preferisse a prazo, 60%, 75%, 90% ou 100% em 6 (seis), 12 (doze), 18 (dezoito)

ou 24 (vinte e quatro) meses, respectivamente. Já na preventiva, pelo art. 177, as opções eram

de pagamento à vista de, no mínimo, 35% dos débitos ou 50% no prazo de 2 (dois) anos.

Não havia, portanto, qualquer chance de negociação entre credores e devedor.

Concedido o benefício, todos os credores admitidos tinham obrigatoriamente que se sujeitar a

ela. A única forma de se opor aos efeitos da concordata era por meio de embargos, que

tentavam impedir a concessão, ou se já concedida, por meio de ação de rescisão, que

suspendia a concordata e instalava a falência124.

Outra questão que prejudica em demasia a intenção do instituto de evitar a Falência

da empresa em crise verifica-se na abrangência de seus efeitos. Ou seja, não eram todos os

credores que se submetiam aos efeitos da concordata. Os únicos atingidos pela proposta do

121 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 237. 122 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 360. 123 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 365. 124 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 383.

Page 42: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

41

favor legal eram os credores quirografários, geralmente fornecedores e bancos em empréstimo

de curto prazo. Os demais créditos como os trabalhistas e equiparados, os tributários, os com

garantia real e os com privilégio especial ou geral poderiam livremente protestar e executar

seus títulos vencidos e não pagos ou, até mesmo, pedir a falência da concordatária.125

Esta limitação aos efeitos da concordata prejudicava muito as chances de saneamento

da concordatária, uma vez que, como se verifica no mercado empresarial, quando uma

empresa encontra-se em dificuldades econômico-financeira, o crédito tributário é o primeiro

que se deixa de pagar porque a possibilidade de rolagem da dívida é maior que das demais.126

Assim como na Falência, somente as sociedades empresárias tinham direito ao favor

legal, porém, a Lei estabelecia algumas exceções. Não podiam requerer a concordata, como

expõe Coelho127:

[...] as instituições financeiras, as sociedades integrantes do sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários no mercado de capitais ou corretoras de câmbio; as operadoras de planos privados de assistência à saúde; as empresas que exploram serviços aéreos de qualquer natureza ou infraestrutura aeronáutica.

Diferente do que ocorria na Falência, o concordatário não perdia a administração dos

seus bens. Mesmo na concordata suspensiva, o devedor retomava a gestão dos negócios que

até então estava nas mãos do síndico, visando a sua reorganização e pagamento das dívidas.

As únicas restrições que sofria era na venda e alienação dos bens, que só poderia ser feita

mediante autorização judicial, e na venda ou transferência do estabelecimento comercial, que

só se realizaria com a anuência de todos os credores128.

Além disso, na concordata preventiva, o devedor administrador ficava sob a

fiscalização do comissário. Este, por sua vez, não poderia, de forma alguma, infiltrar-se na

gestão da empresa, limitando-se apenas auxiliar o juiz e fiscalizar o comportamento do

concordatário tanto na vida empresarial como particular129.

Nota-se que a concordata era benefício concedido ao devedor e não à sociedade

empresária. O Diploma de Falências e Concordatas de 1945, em certos aspectos, não

125 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 364. 126 CORRÊA JÚNIOR, Gilberto Deon. XII Seminário “Lei de recuperação judicial, extrajudicial e falência” Lei

nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005. Seminário realizado na FIESC – Federação da Indústria do Estado de Santa Catarina no dia 23 de maio de 2005. Florianópolis, 2005.

127 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 360. 128 Cf. doutrina de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 40. 129 Cf. lição REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 36.

Page 43: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

42

dissociava a empresa dos seus administradores, apesar desta já representar forte tendência no

cenário internacional.130

A prova disso infere-se do fato de ser causa de decretação da Falência da

concordatária a constatação de que seu administrador incorrera em crime. Apesar de alguns

autores entenderem que pessoa jurídica, após destituir o administrador criminoso, poderia

impetrar concordata131, a lei previa que, no decorrer do processo, verificando-se a ocorrência

dos crimes enumerados no art. 140, III ou crime falimentar, o juiz decretaria a Falência132.

Como não havia previsão de afastamento dos gestores da concordatária, a falência

acabava se tornando punição ao devedor criminoso, desvirtuando ambos institutos dos seus

verdadeiros escopos.

2.7 A ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA

De acordo com o Decreto-lei nº 7.661, sendo declarada a Falência, o falido era

desapossado do seu patrimônio perdendo qualquer direito de administração e disposição sobre

ele (art. 40). Desta forma, diante da necessidade de alguém ter que substituí-lo na

administração e conservação da massa falida, a Lei designou três órgãos para tal tarefa: o juiz,

o síndico e o promotor de justiça.

Conforme Requião133, poderia ser adicionada a essa lista a coletividade de credores,

porque, sendo eles os maiores interessados no sucesso da liquidação, além de ser exigida sua

deliberação por meio de assembléia, para realização de diversos atos, possuíam o direito e

dever de fiscalizar a administração do síndico e, se necessário, requerer sua destituição (art.

66), ou mesmo, na omissão do síndico, impetrar ação revocatória de atos do devedor (art. 55).

O juiz era autoridade maior na condução do concurso de credores. Cabia a ele, em

última análise – apesar de possuir formação jurídica e não administrativa – a administração da

falência, porém com o auxilio do síndico, que ficava sob sua superintendência, e do membro 130 MACHADO, Rubens Approbato (coord.). Comentários à nova Lei de Falências e Recuperação de

Empresas. 1. ed. São Paulo: Quartien Latin, 2005. p. 140. 131 Cf. observação de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 31. 132 “ Art. 150. A concordata pode ser rescindida: VII - pela condenação, por crime falimentar, do concordatário

ou dos diretores, administradores, gerentes ou liquidantes da sociedade em concordata. [...]. Art. 162. O juiz decretará a falência, dentro de vinte e quatro horas e, se, em qualquer momento do processo, houver pedido do devedor ou ficar provado: I – existência de qualquer dos impedimentos enumerados no art. 140” (BRASIL. Lei da falência. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira, p. 63/65).

133 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 242.

Page 44: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

43

do Ministério Público, que também atuava no processo falimentar como fiscal da lei ou como

parte, no caso de denúncia de crime falimentar134.

Competia ao juiz, também, a nomeação do síndico. Para isso, o Estatuto Falimentar

de 45 determinava três critérios para nortear o juiz na sua escolha. Tinha o síndico que ser

escolhido entre os maiores credores da massa falida; tinha que residir ou ser domiciliado no

foro da Falência; e possuir reconhecida idoneidade moral e financeira. Ocorre que essas

exigências dificultavam sobremaneira a escolha de um bom síndico.

Ao estabelecer que o síndico teria que ser um dos maiores credores, presumia a lei

que dentre eles se encontraria os maiores interessados numa boa e regular tramitação do

processo falimentar. Porém, na prática, tal hipótese mostrou-se diferente, pois, geralmente, os

titulares dos maiores créditos são os bancos, que não demonstram muito interesse pela

sindicatura, porque se resguardam da insolvência por meio de cobrança de juros elevados ou

porque fazem utilização de direitos reais em garantia.135

Desta forma, era mais fácil encontrar interessados num bom andamento do processo

falimentar entre os credores menores. Isso porque o recebimento da dívida era fundamental a

sua sobrevivência ou porque cobiçavam obter vantagens pessoais com o processo.136

Diante disso, se houvesse a recusa consecutiva de três credores nomeados, a lei

autorizava a escolha do síndico fora do quadro geral de credores, desde que fosse pessoa

idônea e preferencialmente comerciante. Porém, o que na realidade ocorria era a nomeação de

um síndico dativo, normalmente um advogado falencista conhecido do juiz. Segundo

Coelho137, tratava-se “[...] de procedimento de escolha não previsto na lei, mas que se revela o

mais interessante e ágil para a defesa dos interesses da comunidade de credores”.

Outra questão que sofreu grande crítica da doutrina foi a ordem legal de preferência

da remuneração do síndico. Como abordado em item anterior, o síndico só deveria ser pago

após a satisfação de três classes creditícias com preferências superiores aos encargos da

massa, classe que abrange as despesas de administração da massa. Como uma administração

satisfatória da massa seria impossível sem que o síndico tivesse garantia de receber justa

indenização, os juízes já vinham autorizando o pagamento do síndico antes de qualquer

desembolso, até mesmo antes das restituições em dinheiro.138

134 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 258. 135 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 259. 136 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1, p. 248. 137 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 259. 138 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 260.

Page 45: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

44

2.8 A PERSECUÇÃO PENAL

A doutrina nacional e internacional sempre divergiu quanto à área de direito que

deveria disciplinar os crimes falimentares: se o direito criminal, por tratar de crimes e suas

respectivas sanções; ou se pela legislação comercial, para que o comerciante pudesse localizar

todo o regulamento referente a sua atividade num único diploma que cuida do exercício do

comércio.139

Analisando o histórico da legislação brasileira, nota-se que os crimes falimentares

sempre se incorporaram nos diplomas comerciais. O Código Comercial de 1850, no capítulo

que tratava das quebras, classificou a falência como causal, culposa ou fraudulenta,

disciplinando seu processamento até a fase da pronúncia. O mesmo sistema foi mantido no

decorrer do tempo e o Decreto-lei nº 7.661/45 continuou a abranger na lei comercial o

regramento dos crimes falimentares.140

Também sempre foi alvo de grande divergência doutrinária a natureza jurídica dos

crimes falimentares. As posições são diversas entre os autores. Uns os consideram crime

contra o patrimônio, outros contra fé pública, ou então crimes contra o comércio. Há ainda um

entendimento mais abrangente que sustenta tratar-se de crime pluriobjetivo. Este parece ser o

que melhor se amolda ao direito falimentar brasileiro na opinião Maximilianus Cláudio

Américo Füher, citado por Sant’Anna 141, que diz o seguinte:

[...] o crime falimentar é um crime pluriofensivo, que atinge ou pode atingir não só o patrimônio, mas também o crédito, a fé pública, o comércio, a economia pública, a economia popular, o interesse ao tratamento igualitário dos credores, o interesse a uma liquidação rápida e justa da massa ativa, e ainda o interesse da Administração da Justiça.

O Decreto-lei de 45, ao contrário do Diploma Comercial de 1850, não classificava os

delitos falimentares baseados na culpa, no dolo ou na fraude, ocupava-se somente em elencar

as condutas típicas que considerava como criminosas. Porém, encontravam-se no rol dos

delitos falimentares características consideradas de natureza claramente dolosa e outras de

natureza culposa.142

Os fatos considerados como crime de natureza culposa eram enumerados no art. 186

e punidos com pena de detenção de seis meses a três anos. Já os atos fraudulentos, ou seja,

139 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 161. 140 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 161. 141 SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 162. 142 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 163.

Page 46: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

45

crimes de natureza dolosa eram expostos nos art. 187 e 188, sendo punidos com reclusão de

um a quatro anos.

São também de natureza dolosa os delitos no art. 189, que trata de crimes que podem

ser praticados pelo falido ou por pessoa diversa que tenha algum vínculo com o processo

falimentar e é punido com reclusão de um a três anos.143

Quanto à investigação do crime falimentar, ao contrário dos demais delitos os quais a

persecução criminal fica a cargo da autoridade policial, esta se dava em juízo, por meio de um

inquérito judicial, tornando juiz imparcial num dirigente de investigação144. O inquérito

judicial era procedimento obrigatório típico do processo falimentar que objetivava apurar o

comportamento dos devedores da falida, a ocorrência de crime e sua autoria, dando alicerce

ao Ministério Público para concluir se houve fato típico ou não, e, em caso positivo oferecer

denúncia.145

Havia grande discordância a respeito da natureza jurídica da falência: se era mero

instrumento inquisitório, sem exigência de grandes formalidades ou se era peça indispensável

à ação penal, sujeitando-se obrigatoriamente ao contraditório. Ambos entendimentos

encontravam apoio no STF e acabavam provocando muitas confusões por parte dos

julgadores e também a impunidade dos criminosos.146

A respeito dessa celeuma, descreve Requião147 “[...] esse hibridismo do inquérito

judicial, e as confusões que vem causando, é que nos levam a sustentar a necessidade de, em

futura reforma da Lei de Falências, extirpar esse corpo do procedimento falimentar”.

Inexistia, portanto, inquérito policial na apuração do delito falimentar. A justificativa

da lei para a adoção dessa modalidade investigatória tão peculiar era que estariam no juízo da

Falência os elementos necessários para a investigação “[...] como os documentos da empresa

falida, o laudo pericial sobre a escrituração, termo de arrecadação de bens”, como diz

Coelho148.

Detectado o crime, a denúncia era endereçada ao juiz da Falência que a recebia por

despacho e encaminhava ao juízo criminal que iria dar prosseguimento à ação atém o fim, de

acordo com rito próprio disciplinado pelos art. 503 a 512 do Código de Processo Penal. A

competência para julgamento da ação criminal falimentar, definida por este sistema dualista

era duramente criticada. 143 Cf. SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, p. 166. 144 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 367. 145 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 328. 146 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1, p. 348. 147 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 1, p. 350. 148 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 328.

Page 47: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

46

Quanto ao prazo prescricional dos crimes falimentares, disciplinava o art. 199 e seu

parágrafo único, do Decreto-lei, que a extinção da punibilidade se daria em dois anos e que o

termo a quo começaria a correr na data do trânsito em julgado da sentença de encerramento

da Falência ou que julgar cumprida a concordata.

Esse entendimento, a priori pacífico, que era inclusive o do STF, sofreu

transformações inspiradas pelas aspirações de eqüidade. Ou seja, mesmo o art. 132, § 1º

determinando que o processo falimentar deve ser encerrado em dois anos, essa proposição

estava longe de ser alcançada porque a realidade demonstra que a tramitação de uma Falência

é maculada de grande morosidade, sendo impossível encerrá-la no prazo previsto.149

Desta forma, como o comum é a Falência se arrastar por anos ou até mesmo décadas

para ser encerrada, a extinção de punibilidade de um crime falimentar pela prescrição seria

indeterminado causando grande insegurança jurídica às partes envolvidas. Começaram então a

surgir entendimentos de que o prazo prescricional deveria iniciar-se não da sentença de

encerramento, e sim da data em que deveria estar encerrado o processo falimentar, ou seja,

dois anos após da declaração da quebra.150

Após muita divergência, o STF incluiu Súmula que dirimia as dúvidas quanto ao

termo a quo. Assim era o conteúdo da Súmula 174151:

Súmula nº 174. A prescrição de crime falimentar começa a correr da data em que deveria estar encerrada a falência ou do trânsito em julgado da sentença que a encerrar ou julgar cumprida a concordata.

Entendimento este que, conforme será exposto no capítulo seguinte, fora alterado

pela nova legislação falimentar.

Encerrado o estudo do Sistema Falencial de 1945, percebe-se que nem a Falência,

excessivamente formalista e ineficaz, e nem a concordata, tida como um favor legal

concedido ao devedor, nos termos do antigo Decreto-lei nº 7.661, correspondiam mais aos

anseios da sociedade e da estrutura econômica dos tempos atuais.

Originada do Projeto de Lei nº 4.376 de 1993, foi então finalmente sancionada em 9

de fevereiro de 2005 a nova legislação falimentar (Lei nº 11.101), agora denominada Lei de

Recuperação de Empresas e Falências, trazendo diversas inovações para o sistema que serão

estudadas no próximo capítulo.

149 Consoante lição de REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 165. 150 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 165. 151 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 166.

Page 48: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

47

3. ALTERAÇÕES RELEVANTES TRAZIDAS PELA LEI Nº 11.101/05

3.1 NOVOS RUMOS DO DIREITO FALIMENTAR

O papel da empresa na sociedade contemporânea vai além da sua noção primária de

mera produtora ou transformadora de bens e serviços que coloca no mercado com o espoco de

lucro. A atividade empresária, hoje, é tida como uma das organizações de maior relevância

devido à função social152 que carrega. Isso porque é a maior responsável pela distribuição de

riquezas, desenvolvimento econômico e bem-estar social.153

Assim, uma vez constituída, cabe à empresa atender diversos

interesses públicos e privados que gravitam no seu entorno: pagar salários aos trabalhadores;

recolher tributos para manter o Estado; distribuir lucros aos investidores; comprar dos

fornecedores; atender consumidores.

Diante disso, assevera Requião154 que:

Na verdade, os institutos da falência e concordata se revelaram estreitos para atender aos vultosos interesses, privados e públicos, envolvidos nas grandes empresas modernas, que manipulam poderosos valores econômicos e sociais. O conceito moderno de empresa, como atividade do empresário destinada à produção ou circulação de bens ou de serviços, fatalmente acarretaria a tomada de outras posições do direito falimentar. Vivemos, assim, em pleno terceiro estágio, no qual a falência passa a se preocupar com a permanência da empresa e não apenas com sua liquidação judicial.

Desta forma, em momentos de crise, não devem ser privilegiados os interesses

instantâneos do erário ou dos credores insatisfeitos, deve-se sim analisar a sua importância no

contexto em que se encontra para que seja tomado o melhor caminho: dissolvê-la ou recuperá-

la e mantê-la.155

152 “[...] consiste na qualidade a que toda em presa deve estar adstrita, consistindo no posicionamento social

perante a sociedade, ou seja, com função eminentemente socializadora e buscando a realização da justiça social” (PANTOJA, Teresa Cristina. A Empresa no novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 26).

153 Cf. SANT’ANNA, Rubens. A Falência da Empresa. Realidade Contemporânea e Perspectivas Futuras. Revista de Direito Mercantil, p. 38

154 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, v. 2, p. 12. 155 Cf. REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro: a reforma da lei de falências. Revista de

Direito Mercantil, p. 24.

Page 49: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

48

Este é, ainda, o entendimento de Requião156 ao afirmar que “[...] se a empresa

insolvente tem condições de recuperação ou restauração, esse deve ser o desiderato do Estado,

através do instituto falimentar”.

Carvalho157 encontra justificativa para a adoção do princípio da recuperação da

empresa nas necessidades econômicas e sociais da atualidade. São estas suas palavras:

[...] no limiar do ano 2000, num mundo finito de riquezas, mas com consumo infinito, a preocupação mor em todos os países é a de produzir bens e manter empregos. Essa a essência, o fundamento, o objetivo que impulsiona, que sustenta a manutenção, a recuperação, a reorganização da empresa.

Diante da relevância social que possui, este é o objetivo principal do novo sistema

falimentar: criar mecanismos que possibilitem a recuperação econômico-financeira da

empresa viável que passa por um momento de desequilíbrio. Não sendo possível sua

recuperação, a falência tem que ser expedita, sem procrastinações legais, de forma que os

recursos sejam otimizados e os credores garantidos.

Fazzio Júnior158 reafirma esta posição ao referir que:

O direito concursal é, hoje, o direito da empresa em crise. Superou a fase primitiva da vindita dos credores, ultrapassou os estreitos limites da liquidação falitária e, dia após dia, apresenta-se como solução jurídica mais pragmática, mais sintonizada com o direito econômico e, acima de tudo, deixou de ser um mero complexo regulador de relações estritamente privadas para encampar o interesse público e as repercussões sociais das isquemias das empresas.

Neste enfoque, seguindo a tendência internacional da preservação da empresa viável,

que já vem sendo adotada em diversos países, a Lei nº 11.101, após 11 anos de tramitação foi

sancionada em 09 de fevereiro de 2005 prevendo, dentre outras alterações, o fim da

concordata e a criação das figuras da Recuperação Judicial e Extrajudicial, aumentando a

abrangência e flexibilidade dos processos de reestruturação de empresas, por meio de um

elenco de alternativas destinadas a sanear a sociedade devedora que se encontra em

dificuldade econômico financeira e que possua real possibilidade de levantar-se e atuar no

mercado.

A falência deixa de ser o ponto principal da legislação falimentar para dar ênfase aos

mecanismos de reorganização da empresa. Nota-se essa mudança de escopo até mesmo na

estrutura da nova lei: enquanto a anterior direcionava apenas 47 artigos para normatizar a 156 A Crise do Direito Falimentar Brasileiro: a reforma da lei de falências. Revista de Direito Mercantil, p. 24. 157 CARVALHO, Dora Martins de. O Anteprojeto Legislativo da Lei de Concordatas e Falências. Revista

Direito Mercantil, p. 91. 158 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 20.

Page 50: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

49

concordata, reservava ao disciplinamento da Falência 154; na lei atual, dos seus 201 artigos,

85 disciplinam a Falência e 33 os processos de Recuperação e 82 artigos com disposições

comuns aos dois institutos.159

Ainda que o enfoque principal da lei seja os instrumentos de recuperação, o processo

falimentar sofreu uma revitalização através de modificações que procuram: incutir mais

celeridade ao processo, com a facilitação na venda dos bens; melhor otimização dos recursos,

com o fim da sucessão; garantir a segurança do mercado, com a nova ordem preferencial e

limitação dos créditos trabalhistas; maior participação dos credores no processo, com a

criação de novos órgãos de administração da falência e da recuperação; coibir as fraudes,

tornando a punição mais rigorosa, como será exposto no decorrer deste capítulo.

3.2 DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA

Assim como na legislação anterior, a nova Lei de Falências e Recuperação

Empresarial condiciona a decretação da Falência forçada à insolvência presumida do devedor.

Na lição de Coelho160, neste caso, não se caracteriza a insolvência por um estado

patrimonial de crise econômico-financeira, onde o passivo é maior que o ativo, e sim pela

ocorrência de um dos fatos elencados na lei que autorizam o pedido da quebra, quais sejam: a

impontualidade injustificada (art. 94, I); a execução frustrada (art. 94, II); e a prática de atos

de falência (art. 94, III).

Com o fito de coibir a utilização do processo de execução concursal como meio

judicial de cobrança de empresas inadimplentes, a legislação inovou e fixou valor mínimo

para os pedidos de Falência. Agora, o título executivo que instruir o pedido de decretação da

quebra, além de ser protestado, tem que corresponder a valor acima de 40 salários-mínimos.

Esta modificação busca impedir que processos de Falência sejam instaurados como

meio coercitivo de cobrança de valores irrisórios, que não justificariam a quebra da empresa,

desviando a moderna finalidade do instituto.

No entendimento de Fazzio Júnior161, ao mesmo tempo em que o legislador procurou

inibir a multiplicação de ações falimentares impondo tal limitação, por outro lado acabou

159 Cf. GABRIEL, Sérgio. O Projeto Substitutivo da Lei de Falências. Lei de Recuperação de Empresas – Uma

mudança de concepção. Jusvi. Disponível em: < http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/list/24 >. Acesso em: 01 abr. 2005.

160 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 251. 161 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 202.

Page 51: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

50

facilitando, pois em seu art. 94, § 1º, admite que os credores se reúnam em litisconsórcio com

a finalidade de alcançarem juntos o total mínimo exigido. Além disso, ao permitir que o

pedido de decretação fundado na execução frustrada (art. 94, II), o legislador não estipulou

valor mínimo para o título que instrui a execução, o que abre mais uma possibilidade de

decretação da quebra da empresa por baixo valor.

Visando maior celeridade ao processo falimentar, a nova lei afastou a possibilidade

de impetração de uma infinidade de recursos cabíveis da sentença declaratória de Falência,

antes permitidos. Mais precisamente, suprimiu os embargos falimentares cabíveis quando o

requerimento da quebra fosse por impontualidade, mantendo apenas o agravo de

instrumento.162

Quanto ao rito falencial, o legislador, preocupado em simplificar o processo,

extinguiu os vários procedimentos da lei anterior, que dependia da fundamentação do pedido

– se por impontualidade ou atos de Falência – unificando-os no rito contencioso previsto nos

art. 94 a 96 e 98. Somente no caso de autofalência, o rito é diferente, do art. 105 a 107, pois

possui natureza não contenciosa.163

3.3 A NOVA ORDEM DE PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS

A ordem de preferência dos créditos ditada pela Lei anterior foi alvo de muitas

críticas nos últimos anos. O legislador se preocupou, por longo tempo, em proteger

demasiadamente os créditos públicos em detrimento dos privados. E o que se percebe nos

processos falimentares é que, geralmente, os créditos trabalhistas absorviam todo o produto da

alienação da empresa, não restando nada nem mesmo ao erário.164

Essa situação provocou uma grande desconfiança no direito real em garantia, pois os

bens gravados, geralmente por instituições de concessão de crédito, acabavam destinando-se

ao pagamento das dívidas trabalhista, quando muito, tributárias.165

A resposta para essa insegurança institucional é que, ao menor sinal de dificuldade

financeira, os bancos e demais agentes retraem suas ofertas de empréstimos e aumentam os

162 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 278. 163 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 264. 164 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de

Direito Mercantil, p. 76. 165 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de

Direito Mercantil, p. 76.

Page 52: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

51

juros, prejudicando novas empresas que necessitam de recursos para se lançar no mercado ou

de empresas já estruturadas que precisam investir para crescer, acabando por prejudicar o

desenvolvimento da atividade econômica e em conseqüência, o bem-estar público.

Portanto, na intenção imediata de criar condições institucionais para diminuir o custo

e a escassez dos empréstimos bancários, e mediata de contribuir para o desenvolvimento da

economia nacional, a nova legislação produziu relevante alteração na ordem de prioridade no

pagamento dos créditos.166

Por força dos arts. 83 e 84 da Lei nº 11.101/05167, a nova classificação dos créditos

na Falência obedece a seguinte ordem:

I – os créditos extraconcursais;168 II – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salário-mínimos, e os decorrentes de acidentes de trabalho; III – créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; IV – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; V – créditos com privilégio especial; VI – créditos com privilégio geral; VII – créditos quirografários; VIII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; IX – créditos subordinados.

Primeiramente, o legislador reuniu os créditos por encargos e dívidas da massa e as

restituições em uma só classe: na dos créditos extraconcursais. Sendo que os créditos relativos

às despesas com administração da massa devem ser satisfeitos antes das restituições. Com

estas alterações a nova Lei nada mais fez do que normatizar dois objetivos e tendências do

sistema falimentar que é o da profissionalização da Falência e o da coibição da má-fé

presumida da falida.169

Outra inovação, tida como uma das mais relevante, é a sobreposição dos créditos

com garantia real sobre os fiscais, até o limite do valor do bem gravado. Agindo assim o

legislador mitigou os privilégios concedidos ao fisco e atendeu aos reclamos das instituições

financeiras por maiores garantias na restituição de seus créditos com a promessa de que 166 Cf. TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 70,

de 2003. Senado, p. 2-3. 167 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a

falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 de março de 2005.

168 “Os créditos extraconcursais são aqueles a que o administrador judicial deve atender antes do pagamento dos credores da sociedade falida. São duas as espécies de créditos extraconcursais: os relacionados à administração da falência e as restituições em dinheiro". (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 357).

169 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 359.

Page 53: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

52

reduziriam as taxas de juros cobradas dos tomadores de empréstimo e aumentariam suas

linhas de crédito, e por conseqüência, estimular o desenvolvimento econômico.170

Vale ressaltar ainda que a ordem de prioridades estipulada para a Falência deve ser

observada também quando se tratar de processo de recuperação judicial. Este é o

entendimento de Fazzio Júnior171 :

Mesmo a ordenação classificatória pactuada na recuperação, pelo consenso de credores e devedor, deve atentar para os princípios regentes da classificação legal dos créditos, gravada no art. 83. A liberdade de convencionar uma ordem adequada para satisfação dos créditos na recuperação judicial não é plena, na medida em que os interesses privados envolvidos na matéria não podem sobrepujar o interesse social e o interesse público, por certo, indisponíveis.

Estas alterações só foram possíveis porque foi sancionada, junto com a Lei nº 11.101

de 2005, a Lei Complementar nº 118, que altera alguns dispositivos do CTN para adaptá-lo ao

Novo Diploma de Recuperação Empresarial e Falência.

Dispõe o art. 186 da Lei Complementar nº 118172, com nova redação que:

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. Parágrafo único. Na falência: I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcrusais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados.

Não será mais permitido também, incluir as multas tributárias na classe dos créditos

fiscais. Estas, assim como as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis

penais ou administrativas – que não poderiam ser cobradas na falência do regime anterior –,

classificam-se como créditos subquirografários, ou seja, serão contemplados somente após a

integral satisfação dos quirografários.173

Contudo, a Lei complementar não alterou a prerrogativa mais criticada dada aos

créditos públicos: a referente à dispensa de habilitação dos seus créditos no concurso de

170 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de

Direito Mercantil, p. 79. 171 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de

Direito Mercantil, p. 89. 172 BRASIL. Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005. Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº

5.172, de 25 de outubro de 1996 – Código Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma lei. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de abr. de 2005.

173 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 374.

Page 54: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

53

credores. A reforma do Código Tributário não atingiu o teor do art. 187 e foi mantida a

exceção ao princípio da universalidade da Falência quando se tratar da Fazenda Pública.

Segundo Requião174, o quadro geral de credores deveria abranger todos os créditos

que serão cobrados da falida, inclusive os fiscais, pois “o síndico sobre ele prestará suas

contas e os credores, ou terceiros interessados, tomam conhecimento do volume real do

passivo apenas examinando seus elementos”.

3.4 LIMITAÇÃO DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS

A simples alteração na ordem de preferência dos créditos, por si só, não teria o

condão de transmitir maior segurança aos credores com garantia real e um tratamento

equânime no concurso creditório. Como dito anteriormente, os créditos trabalhistas, na

maioria das vezes, consomem todo o produto da liquidação da falida. Diante disso, a Lei teve

que se valer de mais uma novidade para evitar que os parcos recursos da Falência se

esvaíssem na primeira classe de credores.

Limitou a 150 salários mínimos por credor, ou seja, só goza do privilégio da classe

dos créditos trabalhista o total que não ultrapassar este teto e as indenizações por acidente do

trabalho, o restante torna-se crédito quirografário privado de qualquer privilégio.175

Explica Coelho176 que a intenção da limitação imposta é também evitar que os

recursos da massa não sejam consumidos para pagar os elevados salários dos altos executivos

da empresa falida, que muitas vezes têm grande culpa na derrocada da mesma, pois “[...] a

preferência da classe dos empregados e equiparados é estabelecida com vistas a atender os

mais necessitados, e os credores por elevados salários não se consideram nessa situação”.

Em sentido contrário Fazzio Júnior177 alerta que “[...] é enganosa a interpretação

dessa limitação a pretexto de que não prejudica o interesse dos trabalhadores, mas, ao

contrário, garante sua preferência”. No entendimento deste Autor, a limitação deveria ser feita

apenas aos altos funcionários e não aos hipossuficientes.

Tal alteração, longe de diminuir ou suprimir direito dos trabalhadores, procura evitar

que ex-administradores da empresa debilitada consigam se beneficiar com preferência da 174 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 332. 175 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 363. 176 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 363. 177 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 92.

Page 55: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

54

classe para obter proveitos exorbitantes e às vezes fraudulentos por meio de ações trabalhistas

milionárias contra a devedora, alijando os trabalhadores assalariados que são os que realmente

devem ser protegidos, de sua parte na massa e também os demais credores.178

Outra inovação da Lei, visando proteger os direitos dos trabalhadores, foi a

antecipação prevista no art. 151. A nova norma dispõe que, havendo disponibilidade de

recursos em caixa, o administrador judicial deverá pagar os créditos trabalhistas de natureza

exclusivamente salarial que estejam vencidos nos três meses anteriores à decretação da

Falência e que não ultrapasse o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador.

A antecipação será feita antes mesmo das restituições, porém, o valor pago será

descontado quando forem satisfeitos integralmente os créditos trabalhistas, na forma do art.

83.

3.5 REALIZAÇÃO DO ATIVO

Frustradas as tentativas de preservação da empresa, o poder legiferante buscou

mecanismos que oferecessem maior proteção aos direitos dos credores e tornassem o processo

falencial o mais objetivo e rentável possível – no sentido de maximização do valor dos ativos

destinados ao pagamento do passivo. Para isso, afastou diversos empecilhos que prejudicavam

a alienação dos bens da massa falida, como se verá.

Instaurado o processo de Falência ou de recuperação judicial, um dos itens cruciais

para o seu sucesso ou fracasso é a agilidade na venda dos ativos da empresa, seja para liquidar

o patrimônio da sociedade falida da forma mais vantajosa, seja para auferir capital para injetar

forças na atividade produtiva da empresa em recuperação.

Alude Coelho179 que, na Falência, assim que forem arrecadados os bens do devedor,

eles devem ser imediatamente vendidos ou porque se deterioram rapidamente, ou porque

podem ser roubados, ou por possuírem custos de manutenção muito elevados, causando

grande prejuízo aos credores e correndo o risco de se desvirtuar da verdadeira intenção da

concorrência de credores. 178 Cf. CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de

Direito Mercantil, p. 78. 179 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 345.

Page 56: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

55

Exemplifica Coelho180, ainda, que uma moderna rede de computadores, se ficar

parada por um período de um ano, pode reduzir drasticamente seu valor de venda.

Levando em consideração também a rapidez com que os bens de capital, a clientela,

a marca, o ponto comercial, além de outros intangíveis se desvalorizam quando estão por trás

de uma sociedade que apresenta dificuldades em se manter no mercado, o legislador criou

mecanismos que desburocratizassem e facilitassem a alienação dos ativos.181

Ao contrário do que ocorria no regime anterior, agora, por força do art. 140, § 2º da

nova Lei, a alienação de bens pode ser feita logo após a arrecadação e avaliação. Isso quer

dizer que não é mais necessário esperar anos pela complicada e complexa formação do quadro

geral de credores, para que o administrador judicial comece a vender os bens da falida no

interesse dos credores. 182

Segundo prognóstico de Paiva183, havendo a colaboração dos interessados, esta

oportuna alteração gera eficiência podendo diminuir o tempo da realização dos ativos para até

um ano, propiciando diversas vantagens aos credores, ao assim apregoar que:

O sistema atual resguarda a integridade e preserva a valorização dos bens, evitando: sua depreciação, sua desvalorização, invasão de áreas, apossamentos indevidos, desapropriação por improdutividade, enfim, permitindo que todo o ativo que ao longo de 7, 8, 10 ou mais anos que iria ficar aguardando a formação do QGC para então poder ser alienado, seja finalmente vendido logo após a arrecadação e avaliação, beneficiando todos os credores em um ano ou pouco mais.

Apesar da legislação anterior já prever a possibilidade de venda englobada ou

separada dos ativos, a nova Lei traz agora uma lista em ordem preferencial e exemplificativa

de formas de alienação dos bens, constante em seus incisos I, II, III e IV do art. 140184, in

verbis:

Art. 140. [omissis]: I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV – alienação dos bens individualmente considerados.

180 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 345. 181 Cf. ARAÚJO, Aloísio e LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper,

p. 2. 182 Cf. PAIVA, J. A. Almeida. Após 09/06/05 todos os bens das falências em curso já podem ser vendidos antes

da formação do QGC. Advocacia Almeida & Paiva, p. 2. 183 Cf. PAIVA, J. A. Almeida. Após 09/06/05 todos os bens das falências em curso já podem ser vendidos antes

da formação do QGC. Advocacia Almeida & Paiva, p. 2. 184 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a

falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 mar. 2005.

Page 57: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

56

Fazzio Júnior185 salienta que tal rol não é exaustivo, pois o juiz poderá autorizar outra

modalidade de alienação, desde que vantajosa à massa falida. Comenta ainda que, procurando

estimular a participação e fiscalização por parte dos credores no processo liquidatário, a nova

lei incumbiu a assembléia geral de credores, e não exclusivamente o síndico, como outrora, de

analisar e votar a melhor forma de realização do ativo, além de propor alternativas de meios

de alienação.

Cabe, portanto, aos órgãos da falência identificar a melhor maneira de maximizar os

recursos da massa falida. Porém, ressalta Fonseca186 que, assim como ordena a lei, deve-se

sempre dar preferência à venda do estabelecimento no seu conjunto. São essas as palavras do

Autor:

A alienação dos bens em conjunto, como núcleos econômicos completos, deve ser levada a efeito sempre que possível, uma vez que o valor obtido nessa modalidade de venda supera o somatório dos valores de cada um dos bens vendidos separadamente para adquirentes diversos. Tal se dá porque a alienação do estabelecimento engloba intangíveis, como nome, ponto comercial, marcas, clientela, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros, levados em conta pelo mercado para avaliar seu interesse e fixar o valor das ofertas. Esses intangíveis seguramente se perderiam numa venda em separado.

Portanto, a venda em bloco, além de garantir um melhor valor de venda, pois

preserva os intangíveis da empresa, proporciona benefício ainda maior que é a manutenção da

empresa, e desta forma evitar os percalços, já bem conhecidos, provocados pela dissolução de

uma sociedade empresária: desemprego, retração da produção e da concorrência, perda na

arrecadação de impostos, desvalorização de intangíveis e a conseqüente retração na economia

e do bem-estar social.

3.6 FIM DA SUCESSÃO TRIBUTÁRIA

Uma das principais preocupações do novo Diploma Legal é que, em não sendo

possível manter a empresa, que ao menos, decretada a Falência, sua fase liquidatária seja bem

objetiva187.

185 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 351. 186 FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Alienação da Empresa na Falência e Sucessão Tributária. Revista

de Direito Mercantil, p. 88. 187 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 337.

Page 58: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

57

Comenta Coelho188 que quando um adquirente de empresa tem que arcar com todas

as dívidas que causaram a quebra ou dificuldades do proprietário anterior, as oportunidades de

otimização dos recursos da empresa em crise diminuem sensivelmente, prejudicando a

eficácia do processo falimentar e as chances de recuperação da empresa.

Diante disso, cuidou o legislador de criar mais uma forma de aumentar a

possibilidade de venda e maximizar o valor da empresa, e principalmente mantê-la em

atividade, preservando toda a gama de interesses que gravitam a sua volta.189

Para isso, a legislação falimentar inovou e agora prevê no art. 141, inciso II190,

exclusão expressa de sucessão de obrigações fiscais, trabalhistas e acidentárias quando da

venda conjunta ou separada de ativos da massa falida, ao assim dispor:

Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: [omissis]; II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de trabalho.

Coelho191 observa que a previsão de negativa de sucessão só se refere de forma

expressa aos modos de aquisição ordinária (leilão, propostas ou pregão), pois o artigo fala

apenas do arrematante. Porém, adverte que mesmo a Lei não disciplinando as modalidades de

venda extraordinária, havendo qualquer outra hipótese de realização do ativo, o adquirente, da

mesma forma, não deve suceder a sociedade falida em suas dívidas.

Neste diapasão, Fazzio Júnior192 esclarece que se os empregados da sociedade falida

continuarem na empresa que passou para as mãos do adquirente, estarão empregados sob

novo contrato de trabalho, não podendo, portanto, pleitear da nova sociedade as verbas

trabalhistas que lhes ficou devendo a empresa quebrada.

Ademais, objetivando adequar-se aos novos princípios norteadores da Falência, o

legislador reformou art. 133 do CTN, prevendo que estão excluídos da sucessão tributária os

adquirentes de ativos de empresas em processo de Falência ou Recuperação Judicial.

188 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 365. 189 Cf. TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 70,

de 2003. Senado, p. 3-4. 190 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a

falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 mar. 2005.

191 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 353. 192 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 354.

Page 59: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

58

De acordo com a Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005 a vigorar em

08 de junho de 2005, esta é a nova previsão, como se infere de seu art. 133193:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: [omissis]; § 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: I – em processo de falência; II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.

Em que pesem as críticas de que a Fazenda Pública perderia com a isenção da

sucessão de obrigações tributárias na alienação dos estabelecimentos comerciais da empresa

em bancarrota, esclarece Fonseca194 que:

Na verdade, a sucessão tributária traz mais detrimentos que benefícios à Fazenda Pública. Ao estabelecer a oferta pela empresa, os interessados, normalmente os próprios concorrentes da empresa à venda, evidentemente levam em consideração todos os fatores que possam diminuir o valor do negócio. Se a sociedade oferecida é devedora de obrigações tributárias, não pode haver dúvidas de que o mercado não negligenciará essa informação e o valor oferecido naturalmente sofrerá a redução correspondente às obrigações transferidas ao arrematante. Assim, no que tange ao volume das garantias do Fisco, a sucessão não traz vantagem aos cofres públicos.

Quanto à possibilidade de fraude, que pode advir da negativa de sucessão das

obrigações como, por exemplo, a hipótese do estabelecimento comercial em processo de

Falência ser adquirido por pessoa em conluio com seu antigo controlador para livrá-la das

dívidas tributárias, acidentárias e trabalhistas195, o legislador, tanto na Lei nº 11.101 quanto na

Lei Complementar nº 118 isentou do benefício da nova regra do art. 141, II e art. 133, § 1º, I e

II, respectivamente, quando o adquirente for parente em linha reta ou colateral até o quarto

grau, consangüíneo ou afim, do controlador ou sócio da falida; controlador ou controlada da

falida; ou qualquer um que seja identificado com interposta pessoa do falido com o objetivo

de burlar a sucessão.196

193 BRASIL. Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005. Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº

5.172, de 25 de outubro de 1996 – Código Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma lei. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de abr. de 2005.

194 FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Alienação da Empresa na Falência e Sucessão Tributária. Revista de Direito Mercantil, p. 88.

195 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 353. 196 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 354.

Page 60: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

59

3.7 A FIGURA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

O novo Diploma Falimentar traz muitas inovações, sendo a principal delas a

preocupação com a manutenção das empresas, seu princípio norteador, que passam por um

momento de crise, mas que precisam de oportunidade e de um aparato institucional eficiente

para se reestruturar, pagar suas dívidas e continuar produzindo, gerando empregos,

fornecendo produtos e serviços, comprando de fornecedores, arrecadando impostos, enfim,

movimentando a economia e contribuindo para melhora do bem-estar social.

Assim se observa do art. 47, da Lei nº 11.101/05197:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Respondendo aos anseios da realidade econômica e social hodierna, a nova

legislação substituiu o instituto da concordata por mecanismos mais abrangentes e flexíveis

que, de fato, possibilitem o saneamento da empresa em crise: a recuperação judicial e a

recuperação extrajudicial. Longe de ser uma prerrogativa do Judiciário, os novos instrumentos

de recuperação empresarial permitem melhor renegociação com os credores, não mais se

limitando à mera dilação de prazos ou remissão das dívidas.198

Corroborando com este entendimento, leciona Coelho199 que, ao contrário do que

ocorria com a concordata, que era concedida como um mero favor legal, a recuperação

judicial deve ser instaurada diante da análise pelo Judiciário da viabilidade da empresa que se

encontra em crise. Tanto é assim que a nova legislação exige em seu art. 53, sob pena de

decretação da Falência, que conste do plano de recuperação judicial além de um detalhamento

minucioso dos meios de recuperação, também a demonstração da viabilidade econômica da

entidade.

Não é qualquer empresa em dificuldade econômica que merece ou deve ser

recuperada. O processo de recuperação empresarial é custoso não só para os agentes

econômicos envolvidos diretamente, mas também para a sociedade brasileira que acaba

197 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a

falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 mar. 2005.

198 Consoante entendimento de ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper, p. 4.

199 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 421.

Page 61: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

60

arcando indiretamente com seus custos200. A prova disso está no fato dos agentes econômicos

submetidos a um processo de recuperação repassarem para a sociedade, por meio de juros e

preços mais elevados, os riscos e ônus provenientes das medidas saneadoras.201

Portanto, a sociedade empresária pretendente do benefício, deve mostrar que se for

recuperada e mantida no mercado poderá compensar à sociedade brasileira dos sacrifícios

despendidos para livrá-la da ruína. E fará isso mediante a demonstração de que reúne

condições necessárias para não só reestruturar, mas também manter sua atividade econômica,

ou seja, de que é uma empresa viável.202

A verificação da viabilidade econômica da empresa deve ser feita pelo Judiciário,

que definirá, por meio de análise criteriosa de alguns parâmetros objetivos, se a empresa

merece e deve ser recuperada. A legislação falimentar atual, assim como a anterior, não

enumera fatores que devem ser considerados para se caracterizar uma empresa como viável

ou não, porém a doutrina203 tem citado os seguintes:

- importância social e econômica da atividade do negócio no âmbito local, regional ou nacional;

- mão-de-obra e tecnologia empregadas; - volume do ativo e do passivo; - tempo de constituição e funcionamento do negócio; e - faturamento anual e nível de endividamento da empresa.

Esta verificação será feita após o despacho de processamento da recuperação, que

suspenderá todas as ações ou execuções contra o devedor pelo prazo de 180 dias, período em

que deverá ser apresentado o plano de recuperação – até 60 (sessenta) dias após a publicação

da decisão de processamento (art. 53) – e se estudará a viabilidade da proposta e para proferir

decisão por sua aprovação ou rejeição.

A abrangência dos instrumentos de reestruturação, em especial a recuperação

judicial, refere-se à extensão dos seus efeitos. Enquanto o mecanismo de reerguimento do

Decreto-lei revogado englobava somente os credores quirografários, agora, sendo o plano

aprovado, submetem-se aos seus efeitos todos os credores anteriores ao pleito de recuperação

judicial, mesmo os que a ele se opuseram204, salvo algumas situações específicas delimitadas

200 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 383. 201 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 382. 202 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 383. 203 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 139; e COELHO, Fábio

Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 383-385. 204 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 140.

Page 62: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

61

pelo novo sistema205. Ou seja, sujeitam-se ao plano de recuperação judicial aprovado os

credores trabalhistas, fiscais, com garantia real, com privilégio geral e especial.

Segundo Biolchi206, a legislação brasileira é a única no mundo que submete os

créditos tributários à Recuperação Judicial, fator este, imprescindível ao soerguimento da

empresa.

Portanto, quanto aos créditos fiscais, mesmo havendo a exigência legal da

apresentação de certidões negativas de débitos tributários para concessão do benefício, elas

podem ser positivas.207 É que a própria Lei (art. 68) e o CTN – após a reforma do seu art. 155,

pela Lei Complementar nº 118 – permitem agora que as Fazendas Públicas e o INSS parcelem

seus créditos em sede de recuperação judicial. Inovação que contribui significativamente nas

chances de reestruturação, vez que, geralmente, o maior problema das empresas em crise

econômico-financeira é a dificuldade de saldar seus impostos.

Procurando estabelecer um ambiente sadio e flexível de negociação entre devedora e

credores, a lei seguiu tendência internacional208 e encarregou a Assembléia dos Credores de

discutir e votar o plano de recuperação apresentado em juízo pela devedora, por meio de

impugnações e conciliação dos interesses contrapostos. Mesmo sob a supervisão judicial, cabe

à Assembléia, os maiores interessados no processo, decidir, pela maioria qualificada ou

maioria expressiva, a efetivação ou não do plano209.

Ensina Coelho210 que a Lei prevê um rol exemplificativo dos mecanismos

financeiros, administrativos e jurídicos que podem se valer os devedores para estruturar um

plano de recuperação judicial da atividade econômica da empresa em crise.

De acordo com o art. 50 da Lei 11.101/2005211, os meios indicados são:

a) Dilação do prazo ou revisão das condições de pagamento; b) Transformação societária; c) Alteração do controle societário; d) Reestruturação da administração;

205 “Não se submetem ao plano de recuperação judicial o banco que antecipou contrato de câmbio e o

proprietário fiduciário, do arrendador mercantil e do proprietário vendedor, promitente vendedor ou vendedor com reserva de domínio, quando do respectivo contrato consta cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 425).

206 BIOLCHI, Osvaldo. XII Seminário “Lei de recuperação judicial, extrajudicial e falência” Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005. Seminário realizado na FIESC – Federação da Indústria do Estado de Santa Catarina no dia 23 de maio de 2005. Florianópolis, 2005.

207 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 172. 208 Cf. ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper,

p. 4. 209 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 140. 210 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 385/392. 211 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a

falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2005.

Page 63: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

62

e) Concessão de direitos societários extrapatrimoniais aos credores; f) Reestruturação do capital; g) Transferência ou arrendamento do estabelecimento; h) Reorganização das obrigações dos passivos trabalhistas; i) Dação em pagamento ou novação; j) Constituição de sociedade de credores; k) Realização parcial do ativo; l) Equalização de encargos financeiros; m) Usufruto de empresa; n) Administração compartilhada; o) Emissão de valores mobiliários; e p) Adjudicação de bens.

Fazzio Júnior212 pondera que, por se tratar de lista não exaustiva podem e devem ser

adotadas mais de uma modalidade propostas pela lei, na busca da debelação da crise, de

acordo com especificidade de cada situação, oportunidade que facilita o soerguimento da

empresa em dificuldade.

O novo sistema abandonou os rígidos prazos – que só podiam extender-se até no

máximo 2 anos – e formas de pagamento estipulados pela legislação anterior. Deixou a cargo

do devedor e credores negociarem e o juiz decidir a melhor forma de reajuste das dívidas bem

como do tempo necessário para sua recuperação, de acordo com as especificidades de cada

empresa, do ambiente econômico e da natureza dos créditos.213

Com relação a prazo de pagamento, a única ressalva feita pelo legislador foi com

relação aos créditos trabalhistas que têm que ser satisfeitos no lapso de um ano e os créditos

de natureza salarial, no limite de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador, vencidos nos 3

(três) meses anteriores ao pedido de recuperação, que devem ser pagos em no máximo 30

(trinta) dias.214

Outro mecanismo de recuperação que vale destacar é a reestruturação da

administração. Diferente da concordata, que mantinha o devedor na gestão dos negócios, é

permitida a substituição dos administradores da empresa. Segundo Coelho215 trata-se de

medida indispensável quando o motivo da crise está “[...] na falt a de condições ou

competência para os administradores realizarem cortes de pessoal e de despesas,

modernizarem o estabelecimento empresarial ou otimizarem os recursos disponíveis”.

A nova legislação, no intuito de preservar a empresa como unidade sócio-econômica

produtiva, separou definitivamente a figura do empresário, da sociedade empresária. Agora, 212 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 142. 213 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 142. 214 Art. 54 e parágrafo único. BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação

judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2005.

215 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 387.

Page 64: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

63

mesmo o administrador da sociedade requerente ou processante da recuperação judicial, que

incorra em crime anterior ou posterior a concessão do benefício, será afastado da gestão do

negócio sem prejudicar o andamento do processo216. Neste caso, o administrador judicial ou

comitê, órgãos criados pela legislação em estudo que serão abordados adiante, assumem a

direção da empresa em recuperação até que seja nomeado outro administrador.

Outra possibilidade inexistente na concordata e agora permitida na recuperação

judicial é a dação em pagamento ou novação que, de acordo com lição é Fazzio Júnior217

“pela novação, que pode ser subjetiva ou objetiva, substituem -se elementos das obrigações

existentes, dando ensejo à sua substituição por outras, novas”.

3.8 O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

Apesar de possuir instituto destinado a evitar o fim de empresas em dificuldade

(concordata preventiva), o Decreto-lei nº 7.661/45 não contribuía para criar um ambiente

propício que estimulasse soluções de mercado para a manutenção da sociedade empresária em

dificuldade. Entendimento que se infere da disposição legal de que a simples convocação de

credores pelo devedor para compor a respeito das dívidas poderia se transformar em ato que o

levaria à Falência218.

A Lei de Recuperação de Empresas foi feliz ao descartar esta possibilidade e incutir

no novo instituto da recuperação extrajudicial caracteres que facilitem e estimulem as

negociações informais, que são mais ágeis e flexíveis, entre a sociedade em crise e os

credores, no intuito de evitar a Falência da empresa.

A grande importância na introdução da figura da recuperação extrajudicial está no

fato do novo diploma dar maior amparo legal aos acordos informais entre credores e

devedores, que sempre existiram. O termo extrajudicial não significa a exclusão da

participação jurisdicional no processo – uma vez que o acordo é passível de homologação –,

mas refere-se à negociação preliminar da recuperação, segundo Fazzio Júnior219.

216 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 175. 217 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 175. 218 “ Art. 2º. Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante: III – convoca credores e lhes propõe dilação,

remissão ou cessão de bens” (BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2005).

219 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 115.

Page 65: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

64

É essa a maior diferença deste instituto com a recuperação judicial que exige que a

negociação do plano de reestruturação seja feita através de mediação judicial. Além disso, o

acordo Extrajudicial não abrange todos os credores da empresa (art. 161, 1º), ao contrário da

Recuperação Judicial.

Nesse sentido, expõe Melaré220 que:

O legislador formatou o plano de Recuperação Extrajudicial em bases voluntárias, ou seja, na participação não obrigatória da totalidade dos credores, mas apenas daqueles que se disponham a ele aderir. E, justificou que, mesmo não sendo obrigatória a adesão, a Recuperação Extrajudicial carrega, em si, um elemento de valorização dos créditos, já que o valor econômico de um crédito está atrelado à probabilidade de seu não-pagamento.

Como não abrange todos os credores – apenas os créditos com garantia real;

privilégio especial; privilégio geral; os quirografários e os subordinados podem ser

negociados – o devedor pode selecionar e convocar quem quiser para integrar o plano,

possibilidade que ressalta o caráter negocial e informal da recuperação extrajudicial.221

Porém, como o princípio maior da nova legislação é o da preservação da empresa, ao

prever a homologação do plano de recuperação extrajudicial, a Lei quis garantir que a

possibilidade de uma renegociação mais informal não se esvaísse por razão de uma pequena

parcela de credores não aceitar fazer concessões. Desta forma, havendo a adesão da maioria

dos credores (3/5), o devedor pode pleitear a homologação do acordo informal e obrigar a

parcela minoritária dissidente a se submeter ao plano. Assim determina o art. 163 da Lei nº

11.101/05222:

Art. 163. O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangido. § 1º O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos previstos no art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII do caput, desta Lei, ou grupo de credores de mesma natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e, uma vez homologado, obriga a todos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente em relação aos créditos constituídos até a data do pedido de homologação.

220 MELARÉ, Márcia Regina Machado. A Recuperação Extrajudicial na Nova Lei da Falência. Revista

Consulex, nº 196, São Paulo, mar. 2005. p. 31. 221 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 118. 222 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a

falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2005.

Page 66: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

65

Portanto, a Recuperação Extrajudicial comporta dois tipos de plano: um em que a

homologação é facultativa, pois obriga apenas a quem com ele concordar, e outro de

homologação obrigatória, porque, independente da adesão de número significante de credores,

só estende seus efeitos a todos após o ato judicial. Nos dois casos, a efetivação do acordo cabe

às partes envolvidas, sendo a participação do Judiciário secundária visto que só se manifestará

se as partes não cumprirem com o acordo. 223

Recebido o plano, os credores terão o prazo de 30 (trinta) dias para se manifestar. Em

seguida, o juiz verificará se constam do acordo cláusulas e condições que possam levar a

sociedade empresária à falência; ou que prevejam o pagamento antecipado de débitos; ou

ainda, que prejudiquem os credores não aderentes. Não havendo tais ajustes, o juiz deve

decidir pela homologação no prazo de 5 (cinco) dias.224

Caso o plano não seja homologado por qualquer motivo impeditivo, esta decisão não

acarreta Falência nem impede que o devedor ofereça outro pedido.

O pedido de homologação do acordo extrajudicial não causa suspensão de ações e

execuções contra o devedor. Desta forma, a recuperação pode ser interrompida por pedido de

falência tanto pelo credor que não faz parte do acordo como pelo signatário, quando se tratar

de descumprimento do plano.

3.9 ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Anteriormente, como já explanado, a Lei destacava como órgãos de administração da

Falência o juiz, o representante do Ministério Público e o síndico. Na concordata preventiva,

existia o comissário que apesar de não ter função administrativa, era auxiliar do juiz. Agora,

sob a égide da nova Lei, o síndico e o comissário passaram a ser chamados de administrador

judicial e foram introduzidos mais dois órgãos: a Assembléia de Credores e o Comitê, como

será discorrido a seguir.

A administração da Falência foi alterada sensivelmente de forma que fossem

estimulados a sua profissionalização e maior participação e interesse dos credores. Também,

em relação à recuperação judicial, devido à “[...] complexidade dos interesses envolvidos e

223 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 435/437. 224 Cf. MELARÉ, Márcia Regina Machado. A Recuperação Extrajudicial na Nova Lei da Falência. Revista

Consulex, p. 31.

Page 67: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

66

dos fundamentos técnicos da recuperação de qualquer empresa em crise, foi necessário a

criação de instâncias deliberativas e fiscais que garantam a efetividade do plano de

recuperação”, como apregoa Coelho 225.

Primeiramente, a nova Lei substituiu a figura do síndico pela do administrador

judicial. Diferentemente da nomeação daquele, que deveria ser escolhido dentre os maiores

credores da falida, além de ter que possuir domicílio ou residir no foro da Falência, o

administrador judicial tem que ser um profissional, da confiança do juiz e que possua

experiência e condições técnicas para gerir os bens da Falência ou dirigir a empresa que teve

seu administrador afastado até que se instaure o plano de recuperação. O art. 21 determina que

este profissional deve ser “preferencialmente um advogado, economista, administrador de

empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada”.

Quanto a esta questão, avalia Fazzio Júnior226 que “[...] em boa hora o direito

brasileiro abandonou o critério de escolha do administrador judicial entre os credores” com

maior montante a receber, pois esses geralmente são os que já estão com seus créditos

respaldados por preferências e garantias e por isso não espelham o interesse da maioria.

Em segundo, procurando melhorar a qualidade do trabalho do administrador judicial

e dos demais profissionais que o assessoram importante missão de auxiliar o juiz na

otimização dos recursos da falida, e a representar a comunhão de interesse dos credores, a lei

avançou e introduziu prerrogativas a sua remuneração. Antes, autorizado a receber somente

após credores com preferência, correndo o risco de não receber nada, agora manda o sistema

que remunerado em duas parcelas sendo que a primeira de 40% do total da remuneração antes

de qualquer outro crédito extraconcursal, ou seja, antes de qualquer desembolso da massa e os

60% restante, após a aprovação de contas.

De acordo com Coelho227, a justificativa para essa vantagem está no fato de a que a

diligência e competência desses profissionais aumenta proporcionalmente à atratividade de

sua recompensa.

Na busca de incentivar a o envolvimento dos credores na fase liquidatária na

Falência e, principalmente, na tentativa de soerguimento da empresa em dificuldade, o novo

Diploma criou mais dois órgãos para auxiliar administrativamente: a Assembléia Geral de

Credores e o Comitê.

225 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 392. 226 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 181. 227 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 276.

Page 68: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

67

Na lição de Coelho228 “Assembléia de Credores é o órgão colegiado e deliberativo

responsável pela manifestação do interesse ou vontade predominante entre os que titularizam

crédito”, diante da empresa em processo de Falência ou que instaurou pedido de Recuperação

Judicial.

Na Falência, ensina Machado229 que as funções da Assembléia se resumem às

seguintes atribuições: deliberar sobre a substituição do administrador judicial; aprovar a

constituição do Comitê de Credores e eleger seus membros; aprovar, por 2/3 dos créditos,

modalidades alternativas de realização do ativo; deliberar sobre qualquer matéria do interesse

dos credores.

Já no processo de Recuperação Judicial, devido à gama de interesses que carrega, a

Lei reservou à Assembléia a competência para definir as questões estratégicas para sua

consecução, tornando-a desta forma, indispensável. Por força do art. 35 da Lei 11.101/05,

suas funções são: aprovar, rejeitar e modificar o plano de recuperação judicial; deliberar sobre

a constituição do Comitê e eleger ou substituir seus membros; manifestar-se sobre o pedido de

desistência da recuperação judicial; eleger o gestor judicial, quando destituído os diretores da

empresa requerente; deliberar sobre qualquer outra matéria que afete o interesse dos credores.

Jermias Alves Pereira Filho, citado por Machado230, faz críticas negativas quanto a

prerrogativa dos credores de decidir sobre o plano de recuperação porque “[...] a presença dos

credores, durante o curso do processo, ao invés de levá-lo a bom termo, irá fazer recrudescer o

embate, procrastinando o seu término, uma vez que o interesse declarado do credor é receber

o seu crédito e nada mais.”

Por sua vez, o Comitê é órgão consultivo e de fiscalização composto de 3 (três)

membros e 6 (seis) suplentes, cada um daqueles representando uma classe de credores: um

representante dos empregados; um representante dos credores com direitos reais de garantia

ou privilégios especiais; e um representante dos credores quirografários e com privilégios

gerais.

Sua constituição é facultativa e deve ser recomendada apenas quando o tamanho da

sociedade econômica que está em recuperação ou a complexidade do passivo na falência

justificarem seus custos. O Comitê pode ser instalado pelo juiz na sentença que decreta a

quebra ou por deliberação de qualquer classe de credores.

228 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 280. 229 MACHADO, Rubens Approbato. Comentários à nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. p.

140. 230 MACHADO, Rubens Approbato. Comentários à nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, p.

33.

Page 69: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

68

Na falência, ao Comitê compete manifestar-se quanto à impugnação de crédito; a

respeito dos pedidos de restituição; sobre a conveniência da venda antecipada de ativos ou

concessão de descontos a devedor e quanto às formas ordinárias de alienação dos bens. Já na

recuperação judicial, possui atribuições preponderantemente fiscais, pois cabe a seus

membros vigiar o administrador judicial e a sociedade em fase de reestruturação, antes e

depois de aprovado o plano. Compete-lhe ainda elaborar plano de recuperação alternativo

quando não concordar com o proposto pela devedora e também auxiliar o juiz em algumas

questões de natureza administrativa, quando do afastamento do dirigente da sociedade

empresária.231

3.10 A RESPONSABILIDADE PENAL

Apesar das críticas e divergências a respeito da seara do direito que deve se ocupara

da regulamentação o crime falimentar, o legislador preferiu mantê-la no âmbito comercial.

O advento da Lei nº 11.101, de 2005, provocou alterações profundas no regime dos

ilícitos penais falimentares, tanto quanto nas questões materiais, substituindo algumas

condutas típicas já em desuso232, quanto processuais, ao revogar no seu art. 200 os artigos 503

a 512 do Código de Processo Penal que disciplinavam o processamento e julgamento dos

delitos falimentares.

A primeira alteração louvável diz respeito à competência. Na lição de Marcão233, o

foro competente para o endereçamento da denúncia deixou de ser o do juízo universal da

Falência, ou seja, o juízo cível, e excepcionalmente o criminal para ser agora remetida direta e

exclusivamente ao o juízo criminal. Esta é a nova determinação do art. 183 da Lei nº

11.101/05234 ao prescrever que:

Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta lei.

231 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 403. 232 Consoante lição de FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 359. 233 MARCÃO, Renato. Procedimento Penal na Nova Lei de Falência. Direito Net. Disponível em:

<http://www.direitonet.com.br> . Acesso em: 01 mar. 2005. p. 1. 234 BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a

falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2005.

Page 70: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

69

No entendimento de Fazzio Júnior235, trata-se de uma modificação bastante

elogiável, ao afirmar que:

Não se pode deixar de aplaudir o deslocamento da ação penal falimentar para sua sede própria, quer dizer, para o juízo criminal, eliminando a cumulação de tarefas do juízo da falência. Na realidade, ação de falência, execução concursal e ação penal falimentar são processos que, embora amarrados uns ao outro pelo fenômeno da falência, têm escopos diversos. No processo concursal, as metas judiciais são a realização dos direitos dos credores e a reestruturação dos negócios do devedor tendo em vista a conservação da empresa. Já, na ação penal falimentar, o serviço judiciário consiste em examinar a procedência da imputação, sopesar elementos probatórios, sem prejuízo de assegurar prioridade aos direitos constitucionais, condenar ou absolver o agente. Na justiça criminal, os atos do devedor são contemplados sob a perspectiva de sua relevância típica como ilícitos de maior gravidade. Na jurisdição falimentar, há, em princípio, um empresário cujo negócio está em crise econômico-financeira.

Outra inovação significativa, que vislumbra contribuir para a desburocratização e

celeridade da persecução criminal, além dirimir as confusões jurisprudenciais que provocava,

foi a extinção da figura do inquérito judicial. Considerado na antiga Lei como instrumento

obrigatório, agora a apuração das informações sobre ilícitos falimentares foi transferida para o

seu lugar de origem, o inquérito policial, que somente será instaurado quando houver

necessidade.

Em que pese o abrandamento das punições contra os devedores fraudadores no

decorrer da história, em comparação ao Decreto-lei nº 7.661, de 1945, Fazzio Júnior236 avalia

que a Lei nº 11.101/05 procurou majorar as sanções aos crimes falimentares. Conclusão essa

inferida do fato do atual sistema punir a grande maioria dos ilícitos falimentares com reclusão,

excetuando apenas o delito previsto no art. 178, que é sancionado com detenção, e

principalmente por ter aumentado consideravelmente o tempo de punição na maioria dos

crimes. Enquanto no Decreto-lei a prescrição de pena para uma conduta típica mais elevada

era de 4 (quatro) anos, agora, pela nova Lei é de 6 (seis) anos com a possibilidade de aumento

de pena em alguns casos.

Destacam-se também as modificações promovidas pela nova Lei com relação ao

prazo prescricional para os delitos falimentares. A extinção da punibilidade desses crimes não

235 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p 371. 236 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 359.

Page 71: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

70

se dá mais em dois anos como anteriormente, agora, os prazos prescricionais passam a

obedecer às determinações do Código Penal237.

Ademais, o termo de início para contagem do lapso prescricional deixa de começar a

correr da data do trânsito em julgado da sentença de encerramento da Falência ou da data que

deveria estar encerrada, e passa a ser contada da data de decretação desta e da concessão da

Recuperação Judicial ou da homologação do plano de Recuperação Extrajudicial.238

Mesmo já sofrendo algumas críticas, o novo regramento disciplinador da persecução

penal falimentar avançou sensivelmente em relação ao anterior. Tornou-se mais prático ao

extinguir o inquérito judicial e devolver a competência do julgamento do fraudador

exclusivamente ao juízo criminal; aumentou o grau inibitório dos crimes ao prever penas mais

rigorosas e extinguiu o antigo prazo prescricional; além de atualizar as normas com a

realidade empresarial atual.

237 MARCÃO, Renato. Procedimento Penal na Nova Lei de Falência. Direito Net. Disponível em:

<http://www.direitonet.com.br> . Acesso em: 01 mar. 2005. p. 1. 238 Art. 182. BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial

e a falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2005.

Page 72: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

71

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização desta pesquisa, chega-se a algumas considerações acerca do tema

proposto.

Destaca-se, todavia, que a presente investigação bibliográfica é apenas o início de

um estudo que, certamente, merece maior aprofundamento, em face da constatação de que,

dentre as principais alterações introduzidas pela Lei nº 11.101, foram criados mecanismos que

objetivam viabilizar a manutenção da empresa e, por conseqüência, conservar sua função

social.

Desta forma, o objetivo geral do presente trabalho foi estudar o instituto falimentar,

desde sua origem, seus conceitos, sua evolução histórica no mundo e no Brasil, seu advento

no ordenamento pátrio até os dias de hoje, e como foco principal, as possibilidades que as

alterações introduzidas pela Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências podem criar

para preservação desta e sua função social.

Por seu turno, a análise do tema procedido nos três capítulos desta monografia, com

relação aos objetivos previamente estabelecidos para a realização deste estudo monográfico,

resultou nas seguintes constatações:

Antes de chegar ao princípio atual que prima pela preservação da empresa, o instituto

falimentar passou, no decorrer de seu desenvolvimento histórico, por vários estágios

evolutivos e reformulações. No decorrer da pesquisa constatou-se que a Falência, em sua

origem, era usada como meio de punição do devedor que não conseguia pagar suas dívidas.

Em seguida passou a adquirir caráter mais sócio-econômico, porém, ainda privilegiava

sobremaneira os interesses privados dos credores.

O instituto falimentar foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo

Código Comercial de 1850. Todavia, o sistema enfatizou demais a apuração da

responsabilidade da Falência, o que procrastinava o início do processo falimentar,

prejudicando, a um só tempo, credores e devedores. Apesar de já se constatar a preocupação

com a manutenção da empresa, pois o ordenamento previa o benefício da concordata,

detectou-se também que esta era regulamentada de forma que a tornava totalmente ineficaz.

Após a proclamação da república, a legislação falimentar foi reformada diversas

vezes, porém sua substância permaneceu intacta. Com a promulgação do Decreto-lei nº 7.661

de 1945, constatou-se que o legislador procurou impedir que o processo falimentar fosse

Page 73: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

72

vulnerável às fraudes. Porém, o Decreto-lei se mostrou demasiadamente formalista, e ainda

guardava o resquício de utilizar o instituto como forma de punição ao devedor inadimplente.

Esta lei, que perdurou durante 60 anos, foi alvo de fortes críticas por parte dos

estudiosos no assunto, pois o Diploma se tornou ineficiente para solucionar os problemas

econômico-financeiros das sociedades empresárias dos tempos atuais que são muito mais

complexas do que as sociedades da década de 40.

Em 09 de fevereiro de 2005 foi então sancionada a Lei n° 11.101 que revogou a

legislação falimentar de 45, trazendo importantes inovações, tais como:

Visando impedir que o instituto falimentar fosse utilizado como meio coercitivo de

cobrança, foi estipulado um valor mínimo para o pedido de quebra de uma empresa.

Objetivando promover a celeridade e simplicidade do processo falimentar, e, portanto, reduzir

os prejuízos da quebra na sociedade, foi diminuído o número de recursos e de ritos

processuais, além de possibilitar a venda de bens, antes mesmo da formação do quadro geral

de credores, fator que pretende minimizar a desvalorização dos ativos da empresa.

Com o fito de proporcionar maior otimização dos recursos da massa e de preservar

os ativos intangentes da empresa e mesmo a própria empresa, afastou-se a previsão de

sucessão das obrigações trabalhistas e tributárias por parte do adquirente de bens da sociedade

em processo falimentar ou de recuperação.

Detectou-se, também, que a nova lei preocupou-se em garantir maior segurança ao

mercado de crédito e, por conseguinte, propiciar ambiente favorável à diminuição dos juros

dos empréstimos e aumento da oferta de capital, fatores imprescindíveis ao desenvolvimento

econômico e social, através da alteração da ordem de preferência dos créditos, estabelecendo

que os credores com garantia real têm prioridade no pagamento com relação aos credores

tributários.

Com o intuito de proteger os trabalhadores, limitou a 150 salários mínimos o valor

dos créditos trabalhistas que podem integrar esta classe, que goza do mais alto privilégio.

Desta forma, procurou-se evitar que os funcionários dos mais altos postos da empresa

prejudicassem o rateio dos recursos dentro da classe. E ainda, a lei estabelece que sejam pagos

os salários dos 3 (três) meses anteriores à decretação da quebra, que totalize no máximo 5

(cinco) salários-mínimos, tão logo haja dinheiro em caixa.

Constatou-se ainda que, com escopo de conter as fraudes nos processos falimentar e

de recuperação, as penas tornaram-se mais rigorosas comparadas ao sistema anterior.

Por conseguinte, dentre outros pontos tracejados ao longo desta tarefa acadêmica,

compreendeu-se que o ponto mais alto da Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências,

Page 74: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

73

que mais contribuirá para a preservação da função social da sociedade empresária, é a criação

dos instrumentos de Recuperação Judicial e Extrajudicial da empresa em crise, extinguindo a

velha e ineficaz concordata.

Destarte, o presente estudo limitou-se a reunir elementos dispersos na doutrina e na

nova Lei Falimentar, a fim de demonstrar que o processo de Recuperação Judicial se destaca

por ser mais abrangente e flexível, gerando maiores possibilidade de compor com seus

credores sobre a melhor maneira de reorganizar e sanear a empresa em crise. Além de abarcar

todos os credores, pode se valer de diversos mecanismos que tornem seu soerguimento muito

mais factível. Por sua vez, a Recuperação Extrajudicial permite que o devedor convoque, sem

correr o risco de ter sua falência decretada como outrora, seus credores para ajustar uma

recomposição de dívidas, e só depois, se necessário levar à homologação judicial para que o

acordo seja dotado de maior segurança.

Constatou-se, ademais, que as modificações implementadas pela Nova Lei de

Recuperação de Empresas e Falências no ordenamento jurídico brasileiro aproximaram o

Direito Concursal da concepção atual de empresa, que não pode mais ser vista de uma ótica

em que não seja vislumbrada, em primeiro lugar, sua função social, ao criar formas de

recuperá-la e mantê-la, tornando-a capaz de preservar os empregos dos trabalhadores, a

arrecadação de tributos, a geração de riquezas, distribuição de renda, enfim, fatores geradores

do bem-estar social.

Finalmente, este tema é instigante, tendo importantes desdobramentos que não

podem ser deixados de lado e que sugerem que as pesquisas devem continuar.

Page 75: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

74

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva, 2001.

ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação. Working paper. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br>. Acesso em: 08 mar. 2005.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Juros e spread bancário no Brasil, out 1999. BCB. Disponível em: <http://www.bcb.gov>. Acesso em: 20 mar. 2005.

BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Silvia Marian Labate. Falência e concordatas: comentários à lei de falências, doutrina, legislação e jurisprudência. São Paulo: LTr, 1996.

BRASIL. Código comercial, código tributário nacional e constituição federal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

__________. Consolidação das leis trabalhistas, legislação previdenciária, constituição federal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

__________. Lei da falência. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

__________. Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005. Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1996 – Código Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma lei. Disponível em: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de abr. de 2005.

__________. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e a sociedade empresária. Disponível: <http://www1.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 de março de 2005.

BUGARELLI, Waldirio. O Novo direito empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

__________, Waldirio. A Reforma da Lei das Falências e Concordatas. Revista de Direito Mercantil, nº 85, p. 49-56, São Paulo, 1999.

CARVALHO, Dora Martins de. O Anteprojeto Legislativo da Lei de Concordatas e Falências. Revista Direito Mercantil, nº 88, p. 88-94, São Paulo, 1992.

CASTRO, Alberto Farracha de. Colonialismo Jurídico e a Reforma do Direito Falimentar. Revista de Direito Mercantil, nº 12, p. 92-105, São Paulo, out/dez 2002.

Page 76: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

75

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, v.3. 5. ed. rev. atual. de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA. São Paulo: Saraiva, 2002.

__________, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 3. 5. ed. rev. atual. de acordo com o novo Código Civil e a nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005.

COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995.

CRUZ, Carlos Alberto de Oliveira. Falência e Concordata – A Interpretação Sistemática no Direito Concursal Brasileiro. Revista Jurídica, nº 248, p. 15-29, São Paulo, jun. 1998.

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2005.

FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Alienação da Empresa na Falência e Sucessão Tributária. Revista de Direito Mercantil, ano 87, nº 132, p. 87-95, São Paulo: Malheiros Editores, out./dez. 2003.

GABRIEL, Sérgio. O Projeto Substitutivo da Lei de Falências. Lei de Recuperação de Empresas – Uma mudança de concepção. Jusvi. Disponível em: < http://jusvi. com/doutrinas _e_pecas/list/24 >. Acesso em: 01 abr. 2005.

LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar. 14. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.

MACHADO, Rubens Approbato. Comentário à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

MAGALHÃES, José Hamilton de. Direito falimentar brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983.

MARCÃO, Renato. Procedimento Penal na Nova Lei de Falência. Direito Net. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br> . Acesso em: 01 mar. 2005.

MELARÉ, Márcia Regina Machado. A Recuperação Extrajudicial na Nova Lei da Falência. Revista Consulex, ano IX, n. 196, p. 31-32, São Paulo, mar. 2005.

PAIVA, J. A. Almeida. Após 09/06/05 todos os bens das falências em curso já podem ser vendidos antes da formação do QGC. Advocacia Almeida & Paiva. Disponível em: < http://www.almeidapaiva.adv.br/>. Acesso em: 30 mar. 2005.

PANTOJA, Teresa Cristina. A Empresa no novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003.

Page 77: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

76

REQUIÃO, Rubens. A Crise do Direito Falimentar Brasileiro: a reforma da lei de falências. Revista de Direito Mercantil, nº 14. p. 23-33, set./out. 2000.

__________, Rubens. Curso de direito falimentar. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1995.

__________, Rubens. Curso de direito falimentar. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1999.

RONCONI, Diego Richard. Falência e recuperação de empresas: análise da utilidade social de ambos os institutos. Itajaí: Univali, 2002.

SANT’ANNA, Rubens. A Falência da Empresa. Realidade Contemporânea e Perspectivas Futuras. Revista de Direito Mercantil, nº 64, p. 37-43, São Paulo, 1986.

__________, Rubens. Falências e concordatas. São Paulo: Aide, 1985.

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Projeto de Lei de Falências: sugestões ao substitutivo. Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 8, mar. 1997. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/ texto.asp?id=761>. Acesso em: 15 jan. 2005.

TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 70, de 2003. Senado. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/web/senador/ramez/2003>. Acesso em: 17 mar. 2005.

TEPEDINO, Ricardo. A Recuperação da Empresa em Crise Diante do Decreto-Lei 7.661/1945. Revista de Direito Mercantil, nº 128, p. 165-173, São Paulo, out/dez, 2002.

TZIRULNIK, Luiz. Direito falimentar. 5. ed. Revista e atualizada, com Súmulas dos Tribunais Superiores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

Page 78: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

77

ANEXO I

ARTIGOS DO DECRETO-LEI Nº 7.661, DE 21 DE JUNHO DO 1945 (LEI DE FALÊNCIAS) CITADOS NO SEGUNDO CAPÍTULO

Art. 1º Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva.

Art. 2º Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante:

[omissis]

III - convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens;

[...]

Art. 8º O comerciante que, sem relevante razão de direito, não pagar no vencimento obrigação líquida, deve, dentro de trinta dias, requerer ao juiz a declaração da falência, expondo as causas desta e o estado dos seus negócios, e juntando ao requerimento:

I - o balanço do ativo e passivo com a indicação e a avaliação aproximada de todos os bens, excluídas as dívidas ativas prescritas;

II - a relação nominal dos credores comerciais e civis, com a indicação do domicílio de cada um, importância e natureza dos respectivos créditos;

III - o contrato social, ou, não havendo, a indicação de todos os sócios, suas qualidades e domicílios, ou os estatutos em vigor, mesmo impressos, da sociedade anônima.

1º Tratando-se de sociedade em nome coletivo, de capital e indústria, em comandita simples, ou por cotas de responsabilidade limitada, o requerimento pode ser assinado por todos os sócios, pelos que gerem a sociedade ou têm o direito de usar a firma, ou pelo liquidante. Os sócios que não assinem o requerimento, podem opor-se à declaração da falência e usar dos recursos admitidos nesta lei.

2º Tratando-se de sociedade por ações, o requerimento deve ser assinado pelos seus representantes legais.

3º O devedor apresentará, com o requerimento, os seus livros obrigatórios, os quais permanecerão em cartório para serem entregues ao síndico, logo após o compromisso dêste.

4º No seu despacho, o juiz mencionará a hora em que recebeu o requerimento e, no mesmo ato, assinará os têrmos de encerramento dos livros obrigatórios, lavrados pelo escrivão.

Page 79: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

78

Art. 11. Para requerer a falência do devedor com fundamento no art. 1º, as pessoas mencionadas no art. 9º devem instruir o pedido com a prova da sua qualidade e com a certidão do protesto que caracteriza a impontualidade do devedor.

1º Deferindo a petição, o juiz mandará citar o devedor para, dentro de vinte e quatro horas, apresentar defesa.

Feita a citação, será o requerimento apresentado ao escrivão, que certificará, imediatamente, a hora da sua entrada, de que se conta o referido prazo. Se o devedor não fôr encontrado, far-se-á a citação por edital, com o prazo de três dias para a defesa.

Findo o prazo, ainda que à revelia do devedor, o escrivão o certificará e fará os autos conclusos ao juiz para a sentença.

2º Citado, poderá o devedor, dentro do prazo para defesa, depositar a quantia correspondente ao crédito reclamado, para discussão da sua legitimidade ou importância, elidindo a falênica. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 27.12.1973)

Feito o depósito, a falência não poderá ser declarada, e se for verificada a improcedência das alegações do devedor, o juiz ordenará, em favor do requerente da falência, o levantamento da quantia depositada, ou da que tiver reconhecido como legitimamente devida.

Da sentença cabe apelação.

3º Ao devedor que alegue matéria relevante (art. 4º), o juiz pode conceder, a seu pedido, o prazo de cinco dias para provar a sua defesa, com intimação do requerente. Findo êsse prazo, serão os autos conclusos, imediatamente, para sentença.

4º Tratando-se de sociedade em nome coletivo, de capital e indústria, em comandita simples, ou por cotas de responsabilidade limitada, pode qualquer sócio opor-se à declaração de falência, nos têrmos do parágrafo anterior, se a sociedade, por seu representante, não comparecer para se defender ou se a falência tiver sido requerida por outro sócio.

Art. 12. Para a falência ser declarada nos casos do art. 2°, o requerente especificará na petição os fatos que a caracterizam, juntando as provas que tiver e indicando as que pretenda aduzir.

1° O devedor será citado para defender-se devendo apresentar em cartório, no prazo de vinte e quatro horas, os seus embargos, instruindo-os com as provas que tiver e indicando outras que entenda necessárias à defesa.

2° Se o devedor citado não comparecer, correrá o processo à revelia; se não fôr encontrado, o juiz nomeará curador que o defenda.

3° Não havendo provas a realizar, o juiz proferirá a sentença; se as houver o juiz, recebendo os embargos, determinará as provas que devam ser realizadas, e procederá a uma instrução sumária, dentro do prazo de cinco dias, decidindo em seguida.

4° Durante o processo, o juiz, de ofício ou a requerimento do credor, poderá ordenar o sequestro dos livros, correspondência e bens do devedor, e proibir qualquer alienação dêstes,

Page 80: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

79

publicando-se o despacho, em edital, no órgão oficial. Os bens e livros ficarão sob a guarda de depositário nomeado pelo juiz, podendo a nomeação recair no próprio credor requerente.

5° As medidas previstas no parágrafo anterior cessarão por fôrça da própria sentença que denegar a falência.

Art. 40. Desde o momento da abertura da falência, ou da decretação do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens e dêles dispôr.

Art. 55. A ação revocatória deve ser proposta pelo síndico, mas se o não fôr dentro dos trinta dias seguintes à data da publicação do aviso a que se refere o art. 114 e seu parágrafo, também poderá ser proposta por qualquer credor.

Art. 63. Cumpre ao síndico, além de outros deveres que a presente lei lhe impõe:

XIX - apresentar, depois da publicação do quadro geral de credores (art. 96, § 2°) e do despacho que decidir o inquérito judicial (art. 109 e § 2°), e no prazo de cinco dias contados da ocorrência que entre aquelas se verificar por último, relatório em que:

a) exporá os atos da administração da massa, justificando as medidas postas em prática;

b) dará o valor do passivo e o do ativo, analizando a natureza dêste;

c) informará sôbre as ações em que a massa seja interessada, inclusive pedidos de restituição e embargos de terceiro;

d) especificará os atos suscetíveis de revogação, indicando os fundamentos legais respectivos;

[...]

Art. 66. O síndico será destituído pelo juiz, de ofício, ou a requerimento do representante do Ministério Público ou de qualquer credor, no caso de exceder qualquer dos prazos que lhe são marcados nesta lei, de infringir quaisquer outros deveres que lhe incumbem ou de ter interêsses contrários aos da massa. Art. 114. Apresentado o relatório do síndico (art. 63, nº XIX), se o falido não pedir concordata, dentro do prazo a que se refere o art. 178, ou se a que tiver pedido lhe fôr negado, o síndico, nas quarenta e oito horas seguintes, comunicará aos interessados, por aviso publicado no órgão oficial, que iniciará a realização do ativo e o pagamento do passivo.

Art. 116. A venda dos bens pode ser feita englobada ou separadamente.

[...]

Art. 132. Apresentado o relatório final, deverá o juiz encerrar, por sentenças, o processo da falência.

1º Salvo caso de fôrça maior, devidamente provado, o processo da falência deverá estar encerrado dois anos depois do dia da declaração.

Page 81: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

80

[...]

Art. 140. Não pode impetrar concordata:

[...]

III - o devedor condenado por crime falimentar, furto, roubo, apropriação indébita, estelionato e outras fraudes, concorrência desleal, falsidade, peculato, contrabando, crime contra o privilégio de invenção ou marcas de indústria e comércio e crime contra a economia popular;

Art. 156. O devedor pode evitar a declaração da falência, requerendo ao juiz que seria competente para decretá-la, lhe seja concedida concordata preventiva.

§ 1° O devedor, no seu pedido, deve oferecer aos credores quirografários, por saldo de seus créditos, o pagamento mínimo de:

I - 50%, se fôr à vista; (Redação dada pela Lei nº 4.983, de 18.5.45)

II - 60%, 75%, 90% ou 100%, se a prazo, respectivamente, de 6 (seis), 12 (doze), 18 (dezoito), ou 24 (vinte e quatro) meses, devendo ser pagos, pelo menos, 2/5 (dois quintos) no primeiro ano, nas duas últimas hipóteses. (Redação dada pela Lei nº 4.983, de 18.5.45)

§ 2° O pedido de concordata preventiva da sociedade não produz quaisquer alterações nas relações dos sócios, ainda que solidários, com os seus credores particulares.

Art. 177. O falido pode obter, observadas as disposições dos artigos 111 a 113, a suspensão da falência, requerendo ao juiz lhe seja concedida concordata suspensiva.

Parágrafo único. O devedor, no seu pedido, deve oferecer aos credores quirografários, por saldo de seus créditos, o pagamento mínimo de:

I - 35%, se fôr a vista;

II - 50%, se fôr a prazo, o qual não poderá exceder de dois anos, devendo ser pagos pelo menos dois quintos no primeiro ano.

Art. 186. Será punido o devedor com detenção, de seis meses a três anos, quando concorrer com a falência algum dos seguintes fatos:

I - gastos pessoais, ou de família, manifestamente excessivos em relação ao seu cabedal;

II - despesas gerais do negócio ou da emprêsa injustificáveis, por sua natureza ou vulto, em relação ao capital, ao gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;

III - emprêgo de meios ruinosos para obter recursos e retardar a declaração da falência, como vendas, nos seis meses a ela anteriores, por menos do preço corrente, ou a sucessiva reforma de títulos de crédito;

Page 82: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

81

IV - abuso de responsabilidade de mero favor;

V - prejuízos vultosos em operações arriscadas, inclusive jogos de Bôlsa;

VI - inexistência dos livros obrigatórios ou sua escrituração atrasada, lacunosa, defeituosa ou confusa;

VII - falta de apresentação do balanço, dentro de sessenta dias após à data fixada para o seu encerramento, à rubrica do juiz sob cuja jurisdição estiver o seu estabelecimento principal.

Parágrafo único. Fica isento da pena nos casos dos ns. VI e VII dêste artigo, o devedor que, a critério do juiz da falência, tiver instrução insuficiente e explorar comércio exíguo.

Art. 187. Será punido com reclusão por um a quatro anos, o devedor que, com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem, praticar, antes ou depois da falência, algum ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores.

Art. 188. Será punido o devedor com a mesma pena do artigo antecedente, quando com a falência concorrer algum dos seguintes fatos:

I - simulação de capital para obtenção de maior crédito;

II - pagamento antecipado de uns credores em prejuízo de outros;

III - desvio de bens, inclusive pela compra em nome de terceira pessoa, ainda que cônjuge ou parente;

IV - simulação de despesas, de dívidas ativas ou passivas e de perdas;

V - perdas avultadas em operações de puro acaso, como jogos de qualquer espécie:

VI - falsificação material, no todo ou em parte, da escrituração obrigatória ou não, ou alteração da escrituração verdadeira;

VII - omissão, na escrituração obrigatória ou não, de lançamento que dela devia constar, ou lançamento falso ou diverso do que nela devia ser feito;

VIII - destruição, inutilização ou supressão, total ou parcial, dos livros obrigatórios;

IX - ser o falido leiloeiro ou corretor.

Art. 189. Será punido com reclusão de um a três anos:

I - qualquer pessoa, inclusive o falido, que ocultar ou desviar bens da massa;

II - quem quer que, por si ou interposta pessoa, ou por procurador, apresentar, na falência ou na concordata preventiva, declarações ou reclamações falsas, ou juntar a elas títulos falsos ou simulados;

III - o devedor que reconhecer como verdadeiros créditos falsos ou simulados;

Page 83: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

82

IV - o síndico que der informações, pareceres ou extratos dos livres do falido inexatos ou falsos, ou que apresentar exposição ou relatórios contrários à verdade.

Art. 199. A prescrição extintiva da punibilidade de crime falimentar opera-se em dois anos.

Parágrafo único. O prazo prescricional começa a correr da data em que transitar em julgado a sentença que encerrar a falência ou que julgar cumprida a concordata.

Page 84: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

83

ANEXO II

ARTIGOS DA LEI Nº 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 (NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS)CITADOS NO TERCEIRO CAPÍTULO

Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.

Art. 35. A assembléia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre:

I – na recuperação judicial:

a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor;

b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;

c) (VETADO)

d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do art. 52 desta Lei;

e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor;

f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores;

II – na falência:

a) (VETADO)

b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;

c) a adoção de outras modalidades de realização do ativo, na forma do art. 145 desta Lei;

d) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;

II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

Page 85: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

84

III – alteração do controle societário;

IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

VI – aumento de capital social;

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

X – constituição de sociedade de credores;

XI – venda parcial dos bens;

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

XIII – usufruto da empresa;

XIV – administração compartilhada;

XV – emissão de valores mobiliários;

XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.

§ 1o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

§ 2o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.

Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:

Page 86: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

85

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;

II – demonstração de sua viabilidade econômica; e

III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.

Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;

II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;

III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;

IV – créditos com privilégio especial, a saber:

a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;

c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;

V – créditos com privilégio geral, a saber:

a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;

c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;

VI – créditos quirografários, a saber:

a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;

Page 87: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

86

b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;

c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;

VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;

VIII – créditos subordinados, a saber:

a) os assim previstos em lei ou em contrato;

b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.

§ 1o Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado.

§ 2o Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.

§ 3o As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.

§ 4o Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários.

Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:

I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;

II – quantias fornecidas à massa pelos credores;

III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;

IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;

V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

Page 88: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

87

I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;

III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:

a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;

b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;

e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;

f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;

g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

§ 1o Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo.

§ 2o Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não se possam reclamar.

§ 3o Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9o desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica.

§ 4o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.

§ 5o Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o pedido de falência descreverá os fatos que a caracterizam, juntando-se as provas que houver e especificando-se as que serão produzidas.

Page 89: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

88

Art. 95. Dentro do prazo de contestação, o devedor poderá pleitear sua recuperação judicial.

Art. 96. A falência requerida com base no art. 94, inciso I do caput, desta Lei, não será decretada se o requerido provar:

I – falsidade de título;

II – prescrição;

III – nulidade de obrigação ou de título;

IV – pagamento da dívida;

V – qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título;

VI – vício em protesto ou em seu instrumento;

VII – apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação, observados os requisitos do art. 51 desta Lei;

VIII – cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.

§ 1o Não será decretada a falência de sociedade anônima após liquidado e partilhado seu ativo nem do espólio após 1 (um) ano da morte do devedor.

§ 2o As defesas previstas nos incisos I a VI do caput deste artigo não obstam a decretação de falência se, ao final, restarem obrigações não atingidas pelas defesas em montante que supere o limite previsto naquele dispositivo.

Art. 98. Citado, o devedor poderá apresentar contestação no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. Nos pedidos baseados nos incisos I e II do caput do art. 94 desta Lei, o devedor poderá, no prazo da contestação, depositar o valor correspondente ao total do crédito, acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios, hipótese em que a falência não será decretada e, caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o levantamento do valor pelo autor.

Art. 105. O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial, acompanhadas dos seguintes documentos:

I – demonstrações contábeis referentes aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:

a) balanço patrimonial;

Page 90: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

89

b) demonstração de resultados acumulados;

c) demonstração do resultado desde o último exercício social;

d) relatório do fluxo de caixa;

II – relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos;

III – relação dos bens e direitos que compõem o ativo, com a respectiva estimativa de valor e documentos comprobatórios de propriedade;

IV – prova da condição de empresário, contrato social ou estatuto em vigor ou, se não houver, a indicação de todos os sócios, seus endereços e a relação de seus bens pessoais;

V – os livros obrigatórios e documentos contábeis que lhe forem exigidos por lei;

VI – relação de seus administradores nos últimos 5 (cinco) anos, com os respectivos endereços, suas funções e participação societária.

Art. 106. Não estando o pedido regularmente instruído, o juiz determinará que seja emendado.

Art. 107. A sentença que decretar a falência do devedor observará a forma do art. 99 desta Lei.

Parágrafo único. Decretada a falência, aplicam-se integralmente os dispositivos relativos à falência requerida pelas pessoas referidas nos incisos II a IV do caput do art. 97 desta Lei.

Art. 140. [omissis]

§ 2o A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de credores.

Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.

Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

§ 1o Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3o, e 86, inciso II do caput, desta Lei.

[...]

Page 91: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

90

Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios:

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

Art. 200. Ressalvado o disposto no art. 192 desta Lei, ficam revogados o Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, e os arts. 503 a 512 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

Page 92: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

91

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: Inovações importantes introduzidas pela Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de

2005

LUCIANA DA SILVA COSTA

São José (SC), junho de 2005.

Page 93: NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS: …siaibib01.univali.br/pdf/Luciana da Silva Costa.pdf · A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis; Aos

92

LETRAS: TNR 12; EM DOURADO COR DA CAPA: VERMELHO ROYAL DORSO: DE BAIXO PARA CIMA: 2005 || LUCIANA DA SILVA COSTA || UNIVALI