notas sobre um espaço 2

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    Universidade Federal de

    Uberlndia

    Dickson Duarte Pires

    Espaos Especficos - Uma reflexo sobre a idea deSite

    Specific Art e a concepo do espetculo Anjos dgua.

    Uberlndia | MG, setembro de 2012

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    Universidade Federal de

    Uberlndia

    Dickson Duarte Pires

    Espaos Especficos - Uma reflexo sobre a idea deSite

    Specific Art e a concepo do espetculo Anjos dgua.

    Artigo apresentado disciplina Pesquisa em Artes,ministrada pelo Professor Dr. Mrio Ferreira Piragibe

    e Professor Dr. Alex Miyoshi para obteno parcialde crditos na Disciplina Pesquisa em Artes 1sem/2012 do curso Ps Graduo Mestrado emArtes da Universidade Federal de Uberlndia.

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    http://www.ppga.iarte.ufu.br/node/320http://www.ppga.iarte.ufu.br/node/320
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    Uberlndia | MG, setembro de 2012

    A dana sobre a cidade perspectivas para uma criao.

    Pensar na relao da dana em todas as suas abrangncias no contexto das

    cidades, apensar de no ser uma discusso recente e sobre a qual muitos artistas e

    pesquisadores contemporneos dedicam importantes reflexes, se configura como um

    campo vasto de estudos e sobre o qual muito pode ser ainda investigado. A cidade como

    territrio de legitimao da arte contempornea se abre de forma imensurvel nos ltimos

    anos, estabelecendo dilogos para alm das matrizes artsticas, tangenciado principalmente

    disciplinas como a filosofia, sociologia, geografia, arquitetura e outras, na tentativa de

    compreender a cidade em todas as suas dimenses, como um macro organismo rizomtico,

    vivo e que est em constate transmutao. Entretanto, a cidade, precisa ser considerada em

    suas partes, especificidades e caractersticas singulares. O foco das reflexes sugeridas

    nesse texto buscam apontar para a necessidade de se pensar a cidade para alm de um

    cenrio, mas como uma situao e um espao legtimo inexorvel para intervenes

    de arte, tendo o corpo como principal suporte.

    Nesse sentindo o primeiro passo para essa argumentao buscar entendimentos

    definidos sobre os conceitos de Metrpole, Paisagens Urbanas e Cotidiano. Trs autores e

    trs obras que dialogam como esse contexto se fazem importantes e podem ser configurar

    como um esquema triangular de um discurso coeso e substancial. Walter Benjamin em

    Baudelaire, um lrico no auge do capitalismo; Michel de Certeau em A Inveno do

    Cotidiano e Nelson Brissac em Paisagens Urbanas; Esses autores e suas reflexes nos

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    permitem perceber o fenmeno da cidade (e suas questes), e a opo pelo dilogo com

    seus apontamentos justamente a tentativa de perceber de fato a cidade como um territrio

    para a criao em dana. Entretanto, para dialogar como que se pretende estabelecer no

    objetivo de se perceber a cidade como organismo constantemente retroalimentado pela

    arte, dialogaremos no momento apenas com Brissaci - fundador do projeto Arte/Cidade -

    em um entendimento da cidade e suas distncias.

    "A metrpole, armada por uma nova trama de circuitos de transporte ecomunicao, rasga-se em todas as direes. Um estilhaamento que a converte

    num amlgama de reas desconectadas. Espaamento e desmaterializao somecanismos da expanso urbana. Ao avanar, a metrpole deixa um vcuo atrs desi. Hiatos na narrativa urbana, interrupes no seu contnuo histrico, estes espaosintermedirios no so simplesmente passivos, zonas mortas. Eles provocamrearticulaes no desenho da cidade, pela conexo de elementos afastados. Ametrpole se constri entre suas reas de assentamento, entre suas zonas deocupao, no meio. Hoje toda experincia urbana implica ruptura, distncia.Tentativa de articulao de um espao fragmentado, atravs das intransponveisdescontinuidades entre suas partes. Intervalos que se produzem no interior daprpria cidade ( BRISSAC - Cidade Desmedida, 2004, pg. 46).

    Assim nessa forma de pensar a cidade, pelas suas lacunas, duas distancias e,

    sobretudo suas desconectividades que o fazer artstico assume uma importante funo na

    sociedade um vez que pode funcionar como instrumento de resgate do espao e uma

    reflexo sobre as zonas de fora, memria, identidade, conflitos e apagamentos. De mesmo

    modo a qualquer outro organismo vivo a cidade tambm sofre com processos de agonia,

    adoecimento, perda de rgos funcionais, derivados de um pensamento urbano patolgico

    oriundo de uma falta de planejamento, crescimento geogrfico desordenado e que resulta

    em tantos outros problemas.

    Esse panorama desenhado at o momento tem a estrita funo de apoiar uma

    reflexo sobre as circunstncias e condies da criao do espetculo Anjos dgua ii, Este

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    trabalho prope a ocupao de praas que contenham chafarizes ou fontes de gua,

    resignificando esses elementos, privilegiando os questionamentos sobre suas funes e

    usos no contexto da cidade. Estreado no fim de 2010, na cidade de Uberlndia o trabalho

    recebeu o Prmio Cena Minas de Artes Cnicas da Secretaria de Estado de Cultura de

    Minas Gerais, o que proporcionou a continuao da pesquisa.

    Para qu servem as fontes? Teriam elas outras funes que no apenas uma

    contemplao distanciada? O efeito maior ainda continua sendo aquele de causar um

    refrigrio ao esprito, uma pausa em maio ao caos do cotidiano? As fontes instaladas nas

    praas das cidades ainda so desfrutadas pelos seus habitantes? Quem so de foto os seus

    habitantes?

    Esses questionamentos que vieram sendo colecionados por anos foram o princpio

    do processo criativo. Imagens e situaes que revelavam outras possibilidades de uso

    desses equipamentos arquitetnicos. Desse repertrio de imagens, consideramos duas

    como as mais importantes para o processo de concepo do espetculo e delimitao do

    roteiro das cenas.

    A primeira refere-se ao chafariz da praa da S

    em So Paulo, antes da sua reformulao em

    janeiro de 2007, no aniversrio da cidade. A

    grande presena de meninos de rua que se

    banhavam e brincavam com as guas da fonte

    nos chamou a ateno, principalmente pelo

    desprendimento e apropriao com que se relacionavam dentro do chafariz. Poderia ento

    as fontes nas cidades ser uma grande banheira coletiva? Da percebemos o quanto a gua

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    um elemento democrtico e deveria ser amplamente acessvel. Alm dos banhos, usam as

    guas para lavar suas roupas, escovar os dentes e at mesmo para preparar alimentos.

    Nesse momento nos foi importante pensar a noo de Pertencimento e

    Intersubjetividade apresentando por Werther Holzer, um dois principais pensadores

    contemporneos da teoria da Geografia Humanizada. Segundo sua concepo, habitar

    implica mais do que simplesmente morar ou organizar o espao, significa viver de um

    modo pelo qual se est adaptado aos ritmos da natureza.

    O lugar est imerso na intersubjetividade, sendo para Holzer (1997, p. 79) o momento em

    que o corpo, como elemento mvel, coloca-se em contato com o exterior e localiza o outro,

    comunicando-se com outros homens e conhecendo outras situaes.

    Procurou se resguardar na montagem do espetculo a estrutura na relao do eu

    com o outro, o palco de uma histria, de uma condio social e at mesmo de formas de

    se apropriar da cidade, resignificando seus elementos arquitetnicos, nesse caso, os

    chafarizes e fontes de gua. O corpo situa-se na transio do eu para o mundo, mas

    tambm no sentido inverso. O ponto de vista aqui est mais prximo do sentido de ser-

    no-mundo, sendo a condio necessria da existncia humana, buscando esses habitantes

    condies para satisfazerem, como dito anteriormente, suas necessidades das mais

    elementares como banho, lavar roupas, escovar os dentes ou saciar a sede, at mesmo

    tornando esse espao que por sua natureza pblico no lugar para experincias ntimas e

    sexuais.

    A ideia de intersubjetividade est no dilogo entre a pessoa e o meio, nacompreenso e na aproximao de herana scio-cultural. A intersubjetividadesugere a situao herdada que circunda a vida diria. Pode tambm sercompreendida como um processo em movimento, pelo qual os indivduoscontinuam a criar seus mundos sociais.O modo intersubjetivo permite um dilogo entre a pessoa e a subjetividade do seumundo, sendo este mundo permeado de valores, de bens, de significados e de

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    experincias pessoais. As experincias intersubjetivas no so fixas e imutveis,mas, variam com as mudanas e as atitudes. Holzer (1997, p.81)

    A ideia de pertencimento e subjetividade que brota da relao dos moradores de

    rua como a fonte algo muito peculiar e merece outras digresses em momentos mais

    oportunos, considerando a complexidade da questo e reflexes que podem ser

    estabelecidos.

    Na pesquisa sobre a relao das fontes e suas ambincias, muitas delas situadas em

    praas pblicas, uma ao ocorrida na Praa Raul Soares em Belo Horizonte tambm

    serviu como repertrio de imagens, referenciando criativamente o processo de pesquisa do

    espetculo Anjos dgua. Assdua

    frequentadora da praa a designer e artista

    Mrcia Amaral costuma tomar banhos de

    sol e se refrescar com os vapores das guas.

    Essas aes geraram no princpio muita

    polmica pois feria as normas de bom

    comportamento social pelo uso dos trajes e o cdigo de conduta do municpio de Belo

    Horizonte no que diz respeito a utilizao das fontes de gua. Por vrias vezes a artista teve

    seu banho de sol interrompido pela ao de policiais militares que a retiraram da praa, sob

    ameaa de priso. Da surge um reflexo sobre se essa tambm no poderia ser a funo de

    das fontes como aparelhos arquitetnicos inseridos no espao pblico que podem cumprir a

    funo de refrescar os habitantes da cidade, proporcionando momentos de lazer e bem

    estar. Claro que essa discusso tem que ser entendida para alm de um simples banho na

    fonte da cidade. Estamos no referindo aqui a toda uma legislao que entende o espao

    pblico de forma anacrnica e tambm de uma grande carncia de entendimento por parte

    das gestes pblicas sobre o prprio espao pblico. No momento em que de fato a arte se

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    desloca ou se cria nos espaos das cidades urgente pensar sobre a arte como poltica

    pblica e oferecer aos artistas condies no mnimo menos constrangedoras para a

    realizao de seus projetos no espao pblico e urbano. A ordem do dia buscar

    mecanismos para desburocratizar o processo e permitir que assim como qualquer habitante

    da cidade, os espaos pblicos possam ser legtimos territrios para a ocupao dos artistas

    estimulando a produo e difuso de processos criativos..

    No espetculo Anjos dgua cenas

    baseadas nessa discusso surgem de forma

    criativa e bem humorada, parafraseando a ao da

    artista Mrcia Amaral. Em dado momento do

    trabalho os bailarinos/performers j em trajes de

    banho convidam os expectadores para tambm

    usufrurem do banho de piscina no espelho

    dgua da fonte e tomar sol s suas margens. A

    proposta performtica que as fontes de gua

    sejam reelaboradas no imaginrio das habitantes

    como o mar e a praia que no banha o Estado de

    Minas Gerais. Esse momento do espetculo

    tambm faz uma referncia ao ttulo do projeto aprovado pelo governo do estado que

    Minas no tem praia, no tem mar, mas tem chafarizes e fontes dgua. A proposta

    conceitual do trabalho se pauta pela arte da dana e do movimento como elemento

    resignificador desses territrios promovendo por uma ao cultural outras possibilidades de

    leitura do ambiente urbano.

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    ASite Especific Artcomo territrio para rematerializao da dana

    Site specificity um conceito, ou melhor, um suporte muito ligado as prticas das

    artes visuais, da performance e da instalao. Surgida por volta dos anos 70,a noo de

    site specificity, emerge por meio da criao de obras em dilogo com o ambiente e seu

    contexto, considerando a relao da obra e seu espao circundante. Orientadas por esse

    conceito, algumas obras de arte pblica passam a ser desenvolvidas a partir de

    caractersticas topogrficas e traos culturais locais, envolvendo conhecimentos anteriores

    sobre o espao que recebe a interveno temporria ou permanentemente e

    considerando os diferentes interesses que atuam sobre o referido espao. A obra de arte

    passa de fato considerar o local, o ambiente, o territrio e as pessoas que ocupam os

    espaos naturais e construdos, dialogando com a arquitetura e a natureza, em seus

    respectivos contextos. A obra constri-se a partir desse dilogo, integra-se ao entorno,

    levando em conta alm dos espaos fsicos/arquitetnico, toda uma trama de relaes

    sociais que est contida ou provocada por esse lugar.

    A pesquisadora e historiadora da arte Gabriela Vaz Pinheiro, licenciada em

    Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, sendo uma das

    principais artistas portuguesas a pensar a cidade, apresenta uma definio bastante

    elementar, mas que no serve como uma primeira senha de entendimento:

    A Arte Site-specific comeou por ser, em meados dos anos 60, uma reao dosartistas s condies de exposio, circulao e acesso das obras de arte inseridas oespao museolgico e galerstico. Est ligada a movimentos como a Land Arte a

    Environmental Art, mas investiga primordialmente as relaes entre a paisagem

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    construda (a arquitetura e as suas dinmicas sociais), bem como entre asinstituies artsticas ou de outra natureza, e a prtica artstica. Deu incio ao queviria a chamar-se deInstallation Art, e a partir dos anos 80, tambm deu origem amovimentos que vieram a evoluir no sentido da sua plena interveno no espao,entretanto genericamente designado por Public Art. Embora formascontemporneas de arte que respondem ao lugar para onde realizada tendam aoptar pela efemeridade, a artesite-specific foi inicialmente produzida segundo umanatureza (mais ou menos) permanente. De forma lata diz-se da arte site-specificque realizada em funo de um determinado stio e que tm em conta ascaractersticas fsicas e as dinmicas sociais do mesmo.

    Tambm como um modo de operao nas artes visuais, um segundo conceito sobre

    Site Specific nos pertinente, propondo uma reflexo mais vertical, agenciada pelo

    Minimalismo e que, por assim ser, pode nos facilitar o entendimento e uma anlise do

    espetculo Anjos dgua como uma obra em dana que dialoga como essa noo. Esse

    segundo ponto de vista, nos apresentado por Douglas Crimp (1995) que a princpio pode

    parecer apenas um complemento de ao primeiro, mas que pina outras possibilidades de

    percepo que vo ao sentido oposto.

    A prtica site-specific, na sua gnese, esteve portanto ligada ao Minimalismo e sinterrelaes perceptivas que reorientavam o sentido de presena do observadorestabelecendo uma radical interdependncia dos termos daquela trilogia:espectador, obra e lugar. Mas se referindo o idealismo da escultura moderna no seudesenraizamento e aspirao de autonomia, pareceu estar na origem de uma novarelao da obra com os outros dois termos e assim equacionar o advento da prticasite-specific, esta, na verdade, apenas acaba por estender o idealismo da arte aostio que a envolve. A esteticizao do stio torna-se assim, e por uma espcie demotivao antittica, o motor daquilo que viria a estabelecer-se como o territrioda crtica institucional. A abstratizao idealista da obra minimalista coloca em

    evidncia o carter no-neutro do espao museolgico, isto , demonstra a suacondio material de subordinao ao sistema comercial de circulao de [objetosde arte portteis]. Revendo a condio nmade da arte modernista e ao radicar-senum dado lugar (museu ou paisagem), a arte site-specific pretende programar ummodelo de recusa da [commodification] da obra de arte.

    Nesse sentido possvel afirmar ainda que as obras ou instalaes Site Specific

    remetem noo de arte pblica, que designa, em seu sentido recorrente, a arte realizada

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    http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3648&cd_idioma=28555http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=356&cd_idioma=28555http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3648&cd_idioma=28555http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=356&cd_idioma=28555
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    fora dos espaos tradicionalmente dedicados a ela, no caso das artes visuais, os museus e

    galerias, e no caso dos artes cnicas, os teatros e salas de espetculo. A ideia que se trata de

    arte fisicamente acessvel, que modifica a paisagem circundante, de modo permanente ou

    temporrio. Questo que precisar ser amplamente analisada e ser retomada no final do

    texto com mais propriedade.

    Minas no tem Mar, mas tem Chafarizes e Fontes dguas

    Quando se pensa nas paisagens e iconografias de Minas Gerias, a ideia dos

    chafarizes sempre so imagens recorrentes. Desde o barroco quando esses aparelhos

    cumpriam a funo de fazer jorrar nas ruas e praas a gua pura vinda das nascentes e

    minas, saciando a sede de escravos, viajantes, trabalhadores livres e at mesmo dos

    senhores daquela poca. A presena da gua no contexto da cidade para alm de sua

    funo orgnica sempre serviu como espao de convivncia. Pontos de parada sejam de

    tropeiros ou dos habitantes das cidades as praas e chafarizes tinham a funo de

    aglomerar pessoas, sendo um marco, um referencial de espao, smbolo arquitetnico e

    organizacional das cidades. Sempre presente nas memrias e nos contos, da literatura ao

    cinema, esses lugares so fundamentais para a preservao da histria do povo mineiro.

    Com o advento da cidade moderna, o conceito desses chafarizes foi ampliado e

    surgiram fontes de gua, depois as fontes luminosas at chegar aos dias atuais no conceito

    das fontes interativas onde se possvel participar do todos os benefcios da gua e no

    apenas estar restrito a observao contemplativa. Entretanto, relegadas muitas vezes a

    administrao pblica essas fontes sofrem com a degradao e falta adequada de

    manuteno, sendo desativadas ou funcionando parcialmente. Suprimindo do povo o

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    direito e esse elemento de fascnio, seduo e entretenimento. Podemos nesse momento

    tomar como quase uma metfora parte de um texto do professor Eduardo Rocha

    Arquiteto e Urbanista, Especialista em Artes, Mestre em Educao e Doutor em

    Arquitetura publicado em seu site, para tentar compreender o apagamento dessas

    construes no contexto da cidade contempornea, fundamentada no que ele chama de

    Arquitetura do Abandono.

    As arquiteturas do abandono compreendem desde edificaes desabitadas, runas,restos de construo como tambm favelas, resduos, sujeitos excludos e tudo queat o desprendimento da matria poder nos levar a sentir e a pensar.

    Num primeiro momento, apenas uma casa abandonada, em qualquer lugar, vizinhaa tantas outras, nossa vizinha. Por ela, passamos todos os dias, caminhamos pelarua, a qual tambm acumula a sujeira, os restos, o capim. Tudo ao redor dessacasa, saindo pelas frestas, ruindo o reboco. A casa lar que antes abrigava umafamlia, agora se abre aos desabrigados, aos vagabundos, aos bandidos. Abandona-se ao bando.[...]

    o caso, por exemplo, da fonte da Praa da Matriz em Montes Claros (Norte de Minas

    Gerais) que desativada, como em outras vrias cidades, motivo de melancolia,

    saudosismo e protesto dos monte-clarenses. Presa apenas as lembranas esses espaos

    tendem ao desaparecimento se medidas no forem tomadas no sentido de sensibilizar a

    comunidade, poder publico e at mesmo a iniciativa privada sobre a imensurvel

    importncia de se ter nas cidades praas com suas fontes dgua em pleno e perfeito

    funcionamento. A ideia principal do espetculo Anjos dgua promover e sensibilizar

    sobre essas questes, convidando o expectador-participante a uma real reflexo sobre a

    cidade como bem cultural, comum e que necessita ser redescoberta. Pretende-se assim com

    a circulao do espetculo chamar ateno para esses espaos, contribuindo para sua

    manuteno e reivindicando j em algumas das cidades, que as fontes voltem a jorrar,

    cumprindo suas funes, sejam elas estticas ou funcionais. Considerada no passado como

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    uma das mais audaciosas e atraentes invenes do engenho humano, esses aparelhos

    arquitetnicos so em cidades de pases desenvolvidos um requinte de civilizao.

    Responsvel pela criao e continuidade da

    vida na terra, a gua presente no contexto das

    cidades modernas, azfamas e frias, nos convidam

    uma reflexo. A experincia que o projeto do

    espetculo obteve na cidade de Uberlndia, quando

    da sua estreia, nos mostra que possvel

    sensibilizar a cidade por meio da arte/dana, pois

    antes dessa ocasio, a fonte estava parcialmente

    desativada e aps os seis dias de apresentao do

    espetculo, de 18 a 23 de dezembro de 2010, a comunidade em geral vem solicitando que

    a fonte continue continue em funcionamento. Tambm por conta das aes do espetculo,

    descobriu-se que a Secretaria de Meio Ambiente e Servios Urbanos possui aes para que

    se comece a desenvolver um plano de revitalizao da fonte e da praa Tubal Vilela, onde

    est instalada. Apresentado em 2011 nas cidades vizinhas de Araguari e Tupaciguara, e

    novamente em Uberlndia, o trabalho foi submetido a variadas situaes, sendo

    reestruturado a cada apresentao e incorporando a memria dos espaos, a relao dos

    habitantes como as praas e as fontes, e nos deparamos como os mesmos estados de

    abandono e descompromisso do poder pblico. Um dado importante dessa temporada do

    espetculo que todas as praas visitadas foram projetadas pelo mesmo arquiteto, Joo

    Jorge Cury um dos principais representantes da arquitetura modernista brasileira a partir

    dos anos 50.

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    Assim como todo trabalho de arte contempornea esse espetculo se configura

    como uma obra aberta em constante transformao, trazendo no bojo de suas aes uma

    busca pela compreenso dos destes espaos para alm de uma relao fsica,

    geogrfica/arquitetural mas discutido suas relaes metafricas, subjetivas, histricas e at

    mesmo afetivas. Tendo como suporte de criao a dana, o trabalho invoca elementos da

    performance para concretizar a ideia de interveno urbana.

    Retomando a questo do tempo e da durao das obras dentro desse panorama

    de anlise podemos pensar que, o passo que recorrente o carter permanente das obras

    site specific no contexto das artes visuais, principalmente considerando as obras

    gigantescas da Land Art, talvez seja esta uma das principais diferenas em se pensar Site

    Specific no contexto das artes cnicas, o fator da temporalidade da obra, da efemeridade da

    obra e a capacidade de, ao final da interveno, a obra habitar apenas a memria sensorial

    e afetiva, como tambm o imaginrio do observador, promovendo, a posteriori,

    desdobramentos resignificativos.

    Ainda nesse debate, podemos

    observar o conceito que o artista Richard

    Serra (1939)iii prope sobre seu fazer

    artstico. O artista estabelece obras de

    grandes propores inseridas

    permanentemente no contexto das cidades,

    elaboradas para lugares especficos, em relao com um contexto especfico e financiada

    por esse contexto, um bom exemplo para essa anlise. Prevendo o carter permanente de

    suas obras, o artista convoca para sua elaborao criativa o exame detalhado do lugar em

    todas as dimenses: desenho da praa, arquitetura, fluxo dirio de transeuntes,

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    luminosidade e outros. Alm do carter permanente de suas obras a conscincia sobre a

    incorporao da obra na paisagem do lugar uma questo fundamental.

    Do outro lado, pode-se tambm perceber a ideia de temporalidade das obras no

    mbito da Site Specfic Arte presente nos trabalhos alocados na linguagem das artes

    cnicas. Aps as 15 intervenes do espetculo Anjos dgua nas trs cidades vizinhas no

    Tringulo, percebemos o quanto as imagens instauradas e sugeridas durante as cenas foram

    absorvidas pelo imaginrio das cidades. Sendo uma obra de natureza pblica fica difcil

    medir com preciso a quantidade de pessoas que tiveram contato com o espetculo, mas

    estimasse que cerca de 12 mil pessoas passaram pelo espaos da praa durante o perodo

    de 1h10 de durao de cada interveno. Foram tambm realizadas entrevistas

    videogrficas e varias pessoas nos enviaram espontaneamente relatos de suas experincias

    com o espetculo, promovendo o debate para alm da relevncia quanto a resignificao da

    arquitetura do espao, a manipulao de signos comunicativos e a proposta de

    rememorao do ambiente fsico e afetivo das praas.

    Para fechar, por hora a discusso e e abrir novas perceptivas de reflexo sobre o

    tema, transcrevemos o depoimento de Yone Arajo, artista visual,que ilustra o quanto a

    relao do fazer artstico na cidade uma possibilidade latente, repleta de vetores e o

    quanto se convoca ao artista contemporneo ser pulverizado dessas possibilidades:

    O mundo da obra e o mundo cotidiano deixaram de ser entidadesseparadas, e passaram a trocar de posio se cessar. E esse o grande trunfo daarte e do artista, o de nos remover de lugares comuns. Samos de um lugarrotineiro, mesmo sendo num espao/cenrio do cotidiano: a praa.

    Meninos Terracotta nos batizavam com a gua das bolhas coloridas! Osgarotos da praia, sedutores arrebataram e provocaram todo o povo, provocaram ogesto para alm do desejo! Os meninos de rua lavavam suas ropuas e brincavam nagua, estavam felizes, eram imagens simples, as imagens de um espao feliz.Ainda todos eles sobre a fonte nos levavam ao movimento de ascenso, mesmoestando no espao da horizontalidade: a praa.

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    Fomos todos arrebatados! No final do espetculo, quis abraar os meninosTerracott e agradecer! Estava com uma blusa branca e ao abra-los, alm da guaque nos benzeram, fiquei com minha blusa molhada e fui duplamente abenoada.

    So esses espetculos que do significado ao mundo que vejo. E para

    encerrar deixo Guimares Rosa: Perto de muita gua tudo feliz.iv

    Referencial Bibliogrfico

    CRIMP, Douglas, Redefinign Site SpecificityinOn the Museums Ruins, (MIT, Cambridge,Mass., London, 1995 (1993)), pp.150-186.

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    iO Projeto Arte/Cidade, coordenado por Nelson Brissac Peixoto, foi lanado em 1994, numa parceria com a Secretaria do Estado deCultura de So Paulo. Articulando equipes multidisciplinares na escolha dos locais, discusso terica e prtica, busca de parceiros epatrocinadores e considerando a participao do pblico no evento, o projeto teve como objetivo intensificar a percepo dosespaos, trazendo tona significados ocultos ou esquecidos, apontar para novas possibilidades de usos, redimensionar suaorganizao estrutural, sugerir novas e inusitadas configuraes. Atualmente o grupo trabalha de forma independente, articulandoparcerias com instituies pblicas e privadas de acordo com as caractersticas de cada projeto.

    ii O espetculo Anjos dgua foi criando por Dickson Duarte e Vanilton Lakka para o TerraCotta Dana AfroContempornea.

    Iniciado em novembro de 2008 e, oficialmente, em 2009, o projeto do Grupo TerraCotta resultado de uma ao educacional queprev o resgate e a revalorizao de alunos da rede pblica de ensino em situao de risco social. De uma iniciativa escolar, comoatividade pedaggica em cumprimento da Lei 10.639/2003 - as atividades do grupo tm como foco de pesquisa artstica um olharsobre a cultura popular e o corpo negro, buscando em sua elaborao tcnica, movimentos e imagens de referncias AfroDescendentes e suas cartografias simblicas. O trabalho artstico do grupo apresenta tambm novas estticas para a danacontempornea, contribuindo para a formao e a presena masculina no cenrio da dana brasileira. Formados por jovens bailarinos(Uberlndia|MG), o projeto rompe o muro da escola e ganha grande visibilidade em outros contextos como festivais e eventos dedana em todo o pas. Para alm de uma ao afirmativa em o cumprimento lei, as aes do grupo vm servindo como modelo paravrias outras escolas em diferentes cidades por onde o grupo se apresenta. Os bailarinos so nativos da cultura de tradio como ocongado, a capoeira e a religio, e buscam tambm nas manifestaes urbanas, como o carnaval e o hip hop, suas vias de expresso,conferindo uma identidade mpar na pesquisa de linguagens e estticas para a dana contempornea brasileira.

    iii

    Richard Serra (1939) um escultor minimalista americano, que tem produzido esculturas monumentais em ao cortene para oespao pblico. Embora a sua obra j tivesse visibilidade, foi com a escultura pblica que ganhou maior reconhecimentointernacional. As suas instalaessite-specific so originalmente criadas tendo em considerao o espao fsico para o qual foramprojectadas, estabelecendo assim, uma relao no s com a arquitectura e tecido urbano, mas principalmente com os traseuntes quecirculam nesses espaos. A sua dimenso monumental projectada em funo do espectador, propondo-lhe uma rara experinciafenomenolgica.

    iv Yone Arajo, Artista visual, mestre em Poticas Visuais pela UNICAMP, Diretora em exerccio da Oficina Cultura deUberlndia. Texto referente a temporada de estreia Anjos dgua em dezembro de 2010 Praa Tubal Vilela Uberlndia/MG Enviado por e-mail em 14 de dezembro de 2010.

    http://www.pucsp.br/artecidade/http://www.pucsp.br/artecidade/