normas sociais nas revistas femininas · de representação das normas sociais e criticados. peças...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UniCEUB FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – FASA CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO JORNALISMO DISCIPLINA: MONOGRAFIA PROFESSORA ORIENTADORA: Amalia Raquel Pérez-Nebra NORMAS SOCIAIS NAS REVISTAS FEMININAS LETÍCIA PEREIRA DE ALCÂNTARA RA 2053213/0 Brasília 2007

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UniCEUB FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – FASA CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO JORNALISMO DISCIPLINA: MONOGRAFIA PROFESSORA ORIENTADORA: Amalia Raquel Pérez-Nebra

NORMAS SOCIAIS NAS REVISTAS FEMININAS

LETÍCIA PEREIRA DE ALCÂNTARA RA 2053213/0

Brasília 2007

LETÍCIA PEREIRA DE ALCÂNTARA

NORMAS SOCIAIS NAS REVISTAS FEMININAS

Trabalho apresentado à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, como requisito parcial para a obtenção ao grau de Bacharel em Comunicação Social habilitação em Jornalismo no Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Profª. Amalia Raquel Pérez-Nebra

Brasília - DF 2007

Letícia Pereira de Alcântara

NORMAS SOCIAIS NAS REVISTAS FEMININAS

Trabalho apresentado à Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, como requisito parcial para a obtenção ao grau de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo no Centro Universitário de Brasília – UniCEUB.

Banca Examinadora

_____________________________________ Profª. Mestre Amalia Raquel Pérez-Nebra

Orientadora

__________________________________ Prof° PhD. Sérgio Euclides de Souza

Examinador

__________________________________ Profª. Mestre Ellis Regina Araújo

Examinador

Brasília, outubro de 2007

Este trabalho é dedicado a ninguém menos

que meus pais, verdadeiros financiadores e

motivadores dos meus estudos. Estes

educadores fascinantes que me

proporcionaram uma viagem fantástica pelo

mundo acadêmico.

Agradecimentos A Deus, em primeiro lugar, grande espírito de luz que nos guia. A meus pais, pela confiança que

depositaram em mim. A meus irmãos, que sempre motivaram a minha luta. A minha Tia Renilda,

pelo amor e carinho de sempre. A minha excepcional orientadora, Amália. A grandes mestres que

tive durante a vida acadêmica, entre eles Sérgio Euclides e Ellis Regina. A tantos amigos, que

indiretamente me ajudaram, pois dão razão ao meu viver.

Pensamos demasiadamente e sentimos muito pouco... Necessitamos mais de humildade que de máquinas, mais de bondade e ternura a somar-se à inteligência. Sem isso, a vida se tornará violenta e tudo se perderá.

CHARLES CHAPLIN

RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de identificar as normas sociais presentes na atualidade e reproduzidas nas revistas femininas. Como se desenvolve o discurso que elege um ideal de beleza padrão, envolve as leitoras, e vende o modelo da imagem ideal a partir da medicalização da beleza. Três revistas femininas de circulação nacional são analisadas no estudo com um recorte transversal de tempo. A análise realizada foi de conteúdo temática e deste são retirados exemplos de representação das normas sociais e criticados. Peças publicitárias e matérias jornalísticas são utilizadas para identificar o discurso proferidos às leitoras.

Palavras-chave: revistas femininas, normas sociais, mulher, beleza.

Sumário

1 Introdução..................................................................................................................................... 8

2 Histórico e função social das revistas femininas ........................................................................ 10

2.1 Imprensa feminina no Brasil ................................................................................................... 11

3 Papéis sociais da mulher............................................................................................................. 13

4 Normas Sociais............................................................................................................................15

4.1 Medicalização da beleza.......................................................................................................... 16

5 Método........................................................................................................................................ 19

5.1 Circulação................................................................................................................................ 20

5.1.2 Circulação por região............................................................................................................ 21

5.1.3 Classe Social......................................................................................................................... 21

5.1.4 Faixa etária ........................................................................................................................... 22

5.1.5 Estrutura das revistas femininas ........................................................................................... 22

5.1.5 Procedimento do método........................................................................................... 22

6 Resultados....................................................................................................................................23

7 Discussão.....................................................................................................................................29

8 Conclusão....................................................................................................................................31

Referências .................................................................................................................................... 32

Anexo A..........................................................................................................................................33

Anexo B......................................................................................................................................... 34

8

1 Introdução

O “ser mulher” no mundo contemporâneo talvez não seja das tarefas mais fáceis.

Inúmeros questionamentos permeiam os pensamentos femininos, sempre pautados pelas normas

sociais vigentes.

As normas estão presentes em qualquer organização social. Embora não estejam

registradas em qualquer documento, elas funcionam como lei, caso não sejam cumpridas, quem

infligi-las sofrerá as conseqüências. Mas quem fiscaliza? O olhar atento da sociedade.

Normas sociais povoam a mente das pessoas e podem ser consideradas um dos mais

simples processos reguladores da sociedade. Nem sempre implícitas, elas se manifestam de

diferentes formas - de acordo com a influência cultural. As características dessas normas sociais

variam conforme o tempo e o espaço – cidade, país, continente -; e dentro desta baliza de

conduta, englobam sobretudo padrões de beleza; carreira; conduta sexual, relacionamento; dentre

outras.

É o jornalismo que permite que discussões sociais, favoráveis ou contrários às normas,

sejam amplificadas através dos veículos de comunicação. O valor do jornalismo é incontestável

em qualquer sociedade democrática, posto que o pensamento dominante não é unânime em

nenhuma sociedade e precisa ser contestado.

Como amplificadores da voz da sociedade, os meios de comunicação são também

reprodutores de normas sociais. Seja disseminando o pensamento vigente na sociedade, assim

como movimentos artísticos, a música, a arte. Parte deste processo, os periódicos femininos,

presentes no cotidiano da mulher desde 1693, ajudam a ditar, ou pelo menos refletir, as “regras”.

Os periódicos destinados às mulheres tornaram-se importantes veículos de informação e,

até mesmo, formação para as leitoras. Esta mídia sempre funcionou como um termômetro de

época que registra aspirações e anseios da população feminina ao longo da trajetória humana.

Mas qual é o papel das revistas femininas dentro deste processo de adequação e submissão da

mulher às normas sociais? Qual a função exercida por esta mídia diante da sociedade? Responder

estas perguntas é o objetivo principal deste trabalho, que fará uma leitura crítica do discurso das

revistas proferido às leitoras.

Este projeto também pretende elucidar quais as normas que determinam o ideal de beleza

feminino contemporâneo e o posicionamento das revistas neste processo.

9

Nos últimos anos há um registro do crescente número de cirurgias plásticas no país.

Segundo dados de 2006 da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o Brasil é o segundo país no

mundo que mais realiza operações reparadoras e estéticas, ficando atrás somente dos Estados

Unidos da América. “Em 2004 foram realizadas 617 mil cirurgias, 60% delas para fins estéticos.

As mulheres receberam 70% das intervenções. E mais: os adolescentes respondem hoje por 15%

da clientela, denunciando o sofrimento precoce diante da pressão pela beleza padronizada”

(DINIZ, 2006).

Este estudo se faz importante num tempo em que as intervenções cirúrgicas e outras

intervenções médicas ganham conotação meramente estética, deixando-se de lado a saúde e o

bem-estar na corrida desenfreada para atingir um ideal de beleza. Como objetos de estudo, serão

analisadas três revistas femininas de circulação nacional do mês de setembro de 2007: Cláudia,

Nova e UMA.

10

2 Histórico e função social das revistas femininas

Segundo Buitoni (1986) a imprensa feminina é um conceito definitivamente sexuado: o

sexo do seu público faz parte de sua natureza. A pesquisadora explica que as publicações

femininas surgiram no final do século XVIII e já traziam no título a destinação – Lady’s Mercury

(Inglaterra) –, prática que persiste até os dias atuais.

O conteúdo das revistas é bem marcado, seções fixas de moda, beleza, culinária,

decoração e variações, de acordo com a revista, de filhos, sexo, trabalho e finanças. Por não ter

caráter noticioso, não utilizam a notícia como carro-chefe do seu conteúdo; alguns questionam se

esta publicação pode ser caracterizada como jornalística, mas as revistas utilizam do artifício das

reportagens, que também caracteriza o ofício de jornalistas. Conforme explica Buitoni (1986), a

reportagem trata de assuntos não necessariamente novos, mas busca conhecimento do mundo, “o

que inclui investigação e interpretação”.

Quando a imprensa feminina dá espaço a pessoas ligadas a acontecimentos atuais – geralmente astros de cinema e TV – utiliza o que Eveliny Sullerot1 chama de atualidade romanesca, que cria um clima de ficção e fantasia em torno de atos e sentimentos. (BUITONI, 1986, p.13)

É agarrando-se ao novo, à novidade, que as revistas femininas marcam sua presença no

tempo, historicamente falando. “Bem trabalhada, a novidade é uma qualidade capaz de revestir

qualquer objeto. A ancoragem temporal desloca-se para uma relação mental: a revista (ou a

indústria, a publicidade) inventa um modismo que logo é apresentado como o que existe de mais

‘atual’”, esclarece Buitoni (1986, p13).

Buitoni (1986) informa que a imprensa feminista teve a França como solo fértil, depois da

Revolução Francesa, assim como Alemanha e Itália. O L’Athenée des Dames, um dos primeiros e

surgiu logo depois da Revolução. O periódico era escrito em colaboração por uma “dezena de

damas francesas” (BUITONI, 1986, p.30), e suas redatoras descreviam lutas, nem sempre

possíveis de serem acompanhadas pelas leitoras. O veículo foi fechado por ordem do imperador,

em 1809.

Mas foi o La Fronde, que inteiramente produzido por mulheres – até a distribuição -, com

circulação inicial de 200 mil exemplares, com caráter inovador, que marcou época. O jornal foi 1 SULLEROT,Evelyne. La presse féminine. Paris, Colin, 1963.

11

editado por volta de 1896, dirigido por uma jovem atriz da Comédie Française, Marguerite

Durant, como exemplo de “energia e intuição jornalística” (BUITONI, 1986, p.32). O jornal tinha

seções fixas de correspondentes estrangeiros, serviços sociais, novas descobertas científicas,

espiritualismo, esportes, receitas de economia doméstica, educação e uma coluna sobre a Bolsa e

notícia sobre conselhos municipais.

La Fronde representou um marco, jamais ultrapassado, na imprensa feminina francesa e

mesmo no exterior. Um jornal que praticava jornalismo com todas as letras, mas avançado

demais para sua época. Em 1903, Marguerite dizia que seu veículo era: “julgado muito burguês

pelos socialistas, muito revolucionário pelos burgueses, muito sério pelas parisienses, muito

parisiense pela província” (BUITONI, 1986, p.33).

2.1 Imprensa feminina no Brasil

De acordo com a cronologia citada por Buitoni (1986), o primeiro periódico feminino no

Brasil foi o Espelho Diamantino, lançado em 1827, no Rio de Janeiro. O conteúdo era composto

por política, literatura, belas-artes e moda.

Posteriormente surge no Recife o segundo jornal para mulheres: O Espelho das

Brasileiras, em 1° de fevereiro de 1831. A capital pernambucana tinha atividade intelectual

intensa, Recife e São Paulo abrigavam as primeiras faculdades de Direito do Brasil.

É a partir de então que surgem inúmeros outros periódicos para as mulheres: Jornal de

Variedades (1835), Relator de Novellas (1838), Espelho das Bellas (1841). No Rio, o jornal

semanal Correio das Moças circulou durante três anos, de 1839 a 1941, com literatura, crônica e

figurinos pintados à mão vindos da Europa.

Somente no século XX as fotos passaram a ilustrar as revistas, neste período há um

público para as publicações mais trabalhadas, devido à industrialização, ao crescimento das

cidades e ao maior número de pessoas com acesso à educação.

A Revista Feminina leva o título de primeira grande revista feminina. Fundada por

Virgilina de Souza Salles, circulou durante 22 anos, de 1914 a 1936. Parte do seu sucesso é

atrelado a publicidade e ao uso da indústria de cosmético como sustentação comercial. A

publicação agregava entre seus colaboradores Olavo Bilac, Coelho Neto, Couto de Magalhães,

12

assim como as escritoras Júlia Lopes de Almeida, Francisca Júlia da Silva, Presciliana Duarte,

entre outras.

Para uma publicação ser definida como feminina não basta que ela seja dirigida por

mulheres, a classificação vai muito além disso, segundo explica Dulcília Buitoni (1990).

A mulher faz parte da caracterização da imprensa feminina, seja, como receptora e, às vezes, como produtora também. Todavia a circunstância de alguns veículos serem dirigidos por mulheres não é uma condição necessária para que qualifiquemos de femininos. (BUITONI, 1986, p.8)

As primeiras publicações femininas tinham suas páginas recheadas por assuntos do

cotidiano doméstico. Sendo utilizadas também como importantes instrumentos na luta das

mulheres por direitos, ainda caracterizavam-se por disseminar novidades e refletir inquietações

sociais. Num primeiro momento, trazem como conteúdo bastante literatura, substituída aos

poucos pela indústria da moda e da beleza.

No Brasil, as publicações seguiam o modelo dos jornais e das revistas produzidas para

mulheres nos Estados Unidos e na Europa. Começam a funcionar aqui no início do século XIX,

bem depois da Europa, quando as publicações européias já desempenhavam importante papel.

Seus conteúdos, explica Buitoni (1986), abusavam dos consultórios sentimentais e da moda, mas

eram também propagadores de inquietações, e por isso, traziam em seus textos muitas

contestações e críticas à sociedade.

13

3 Papéis sociais da mulher

A história delineia que durante muito tempo a família, entre outras coisas, foi uma

instituição econômica. Um contrato social no qual o dever do homem era entrar com o sustento

da família, e a mulher, como reprodutora.

No que diz respeito à atividade econômica, a diferença entre os sexos se resume a menor força física das mulheres e ao fato de que elas engravidam, dão à luz e cuidam dos filhos [...] Citando Margaret Mead: “Em algum ponto da alvorada da história humana, uma invenção social fez os homens começarem a alimentar as fêmeas e os filhos [...] Em todas as sociedades humanas conhecidas [...] o jovem do sexo masculino aprende que [...] uma das coisas que deve fazer para se tornar membro pleno de uma sociedade é prover comida para alguma mulher e seus filhos” (CHEVELD, 2004, p.183).

Conforme esclarece Penna (1989, p.46), a mulher está consciente de suas funções

biológicas. “Ela deve ser capaz de relacionar-se afetivamente com o homem, de ter filhos e

educá-los”. Penna (1989) explica ainda que estes objetivos não provêm da consciência da mulher,

mas pertencem ao “quadro de aquisições que ela deve buscar como fêmea da raça humana”. São,

portanto, coletivos em sua origem pela necessidade de perpetuação da espécie.

Posto desta forma, não há outra conclusão senão a de que parecer feminina é um valor de

alto prestígio social. As características femininas são impressas no corpo, conforme explica

Penna (1989): “O modo de parecer feminino se exprime através de sua voz, do seu rosto, da sua

aparência, da sua postura” (PENNA, 1989, p.42).

A beleza da mulher foi, e talvez ainda seja, considerada como um trampolim social.

Cheveld (2004) afirma que o homem nunca se impôs pela “bela estampa”, ao contrário das

mulheres. Ele argumenta que esta regra está bem clara para ambos os sexos, pois não é à toa,

segundo ele, que as revistas que ensinam como as pessoas ficarem mais bonitas sejam lidas por

mulheres, enquanto as que ensinam como prosperar na vida são mais lidas por homens.

Se a estrada para o sucesso consiste em arriscar investindo em bolsas de valores ou dirigir um carro vistoso [...] Como os anúncios mostram, a recompensa é sempre uma mulher com decotes profundos e lábios ligeiramente abertos (CHEVELD, 2004, p.80).

14

Nota-se que a mulher sempre pagou um preço alto pela sua beleza, até mesmo com a sua

saúde. Penna (1989) elucida que para adaptar-se ao padrão ideal do corpo feminino, a mulher

submete-se ao outro e trai a si própria.

A heterogeneidade dos costumes nos revela que não podemos falar do corpo da mulher sem delinearmos o cenário social e cultural correspondente. Através de seu impulso adaptativo ao meio externo, as mulheres tanto foram levadas a vestir espartilhos2 [...] quanto às reduzidas tangas de hoje (PENNA, 1989, p.40).

A realidade de uma mulher que tinha como papel social apenas cuidar da família não é

mais vigente. Observa-se hoje a mulher não mais como receptora de normas, mas de agente de

transformação da sociedade. Tudo possível graças à luta de inúmeras mulheres ao longo da

história que enfrentaram as normas vigentes para sair da “cozinha”.

A mulher de hoje busca ser inteligente, capaz, esperta e livre. Ela se expõe. A tanga é uma plena exposição [...] A mulher ainda joga com o próprio corpo, e nisso ela se assemelha às fêmeas de qualquer espécie. Mas está sendo treinada para subir na profissão, engajar-se em alta política, e, naturalmente, a sedução obedece a outras regras (PENNA, 1989, p.41).

A mulher contemporânea não se submete mais as imposições externas da mesma forma

que há 100 anos, mas não deixa de estar exposta a normas sociais, nem sempre aceitáveis.

2 Segundo informações de Penna (1989), há pouco menos de 150 anos, o espartilho provocava uma compressão torácica, impedindo o desenvolvimento natural dos órgãos internos. Devido a esta compressão as mulheres não respiravam normalmente. A baixa pressão vascular causava desmaios a qualquer susto.

15

4 Normas sociais De acordo com Asch (1977, p.298), as normas sociais são controles que limitam a

liberdade de ação. “A primeira função das normas sociais é estabelecer trilhas para a ação e

expectativas claras. Elas fornecem a segurança necessária de que a casa que habitamos hoje pode

ser habitada amanhã”, exemplifica. As normas representam desta forma a limitação do

desconhecido, a base da orientação estável.

As normas se fazem necessárias para organizar a sociedade, onde cada indivíduo tem

interesses específicos, mesmo com interesses iguais.

É certo dizer que a sociedade consiste de forças que poderiam fazê-la explodir. A presença de homens no mesmo ambiente estabelece exigências definidas para relações organizadas entre eles (ASCH, 1977, p.298).

Para seguir o raciocínio de Asch (1977), este trabalho se aterá às normas que derivam da

livre cooperação, ou seja, apenas quando o objetivo da obediência às normas é obter vantagens

mútuas. Neste caso, os controles empregados são psicossociais.

O filósofo do direito, Ilhering, indicou que uma norma é uma invenção tremendamente eficiente, que substitui, através de uma única proposição milhares de ordens separadas. De acordo com a finalidade de regular a conduta mútua, uma norma se aplica a todos, ou a todos os que pertencem a uma determinada categoria (ASCH, 1977, p.299).

Assim sendo, do ponto de vista do indivíduo, as normas são restrições obedecidas por

causa do medo da conseqüência. No caso do ideal de beleza, não se adequar ao ideal eleito pode

ser causa determinante para ser excluído de uma determinada “tribo” da sociedade. Fato que pode

ocasionar ao autor da “infração” sentimento de exclusão, desencadeando assim inúmeros outros

sentimentos que podem gerar patologias.

Diniz (2006) esclarece que a psicanalista Maria Lucia Homem chama o momento atual de

"ditadura da Barbie". Quando é traçado um paralelo entre os valores contemporâneos e o sucesso

da boneca. Homem (apud DINIZ, 2006) aponta que a perseguição do "ideal" provoca "disfunções

entre o externo e o subjetivo", gerando sofrimento e desencadeando doenças.

16

Conforme explica Penna (1989, p.31), “a satisfação da mulher com seu corpo varia com a

magnitude do desvio entre suas proporções reais e aquilo que ela considera o modelo ideal do

feminino”.

Este construto social em torno de um ideal de beleza é identificado nas mulheres que

estampam as capas das revistas femininas. Assim como as que ilustram as matérias e as páginas

de publicidade das revistas.

Swain (2001, p.18) explica que a modelagem dos corpos segue a representação de um

sistema complexo de representações e auto-representações sociais “codificadas em normas,

regras e paradigmas morais e modelos corpóreos, que delimitam os campos do aceitável, do

dizível, do compreensível”. É neste espaço de ação social que entra o discurso de como tornar-se

feminina e vender o “ser mulher”. Uma das normas sociais é a medicalização da beleza.

4.1 Medicalização da beleza

Liliane Brum [2006?] aponta que o sujeito contemporâneo experiencia padrões estéticos

de forma medicalizada. Seria então a ausência de “beleza” um motivo para tratamento médico. A

diferença à qual se faz referência é quanto a formação corporal do homem e da mulher.

Laqueur ([2001] apud BRUM [2006?]) explica que a herança grega presente na teoria do

‘calor do corpo’ – que envolvia as concepções médicas a respeito do corpo humano - destacavam

diferenças entre homem e mulher em grau de perfeição, como se o corpo masculino fosse

biologicamente mais completo que o feminino. Teoria superada no século XVIII, a partir de

então, a mulher adquiriu um corpo particular e a biologia passou a explicar este corpo particular. Quando o próprio corpo natural tornou-se padrão de ouro no discurso social, o corpo da mulher tornou-se campo de batalha para definir a relação social antiga, íntima e fundamental entre o homem e a mulher. O corpo reprodutivo da mulher na sua concretude corpórea cientificamente acessível, na própria natureza de seus ossos, nervos e principalmente órgãos reprodutivos, passou a ter um novo significado de grande importância. Os dois sexos, em outras palavras, foram inventados como um novo fundamento para o gênero (LAQUEUR [2001] apud BRUM, [2006?], p.5).

Superado este período histórico, a mulher passa a ser encarada como um ser humano com

características individuais. Neste processo são feitas as necessárias diferenciações sociais. Mas

conforme salienta Laqueur ([2001] apud BRUM [2006?], p.6), “essa mudança nas concepções

17

médicas não teve necessariamente a ver com avanços científicos, estando mais ligado a mudanças

políticas e epistemológicas ocorridas”. Brum elucida que, para legitimar a diferença, nada daria

mais credibilidade que a medicina.

A percepção médica da mulher, portanto, passava por uma perspectiva essencializada;

essas concepções médicas englobavam também a beleza feminina. O corpo feminino ideal teria

que contemplar formas e qualidades apropriadas à maternidade, que segundo Rohden ([2001]

apud BRUM [2006?]) seriam: corpo arredondado; volumoso; seios generosos; ancas

desenvolvidas.

Ainda de acordo com Sant’Anna ([2000] apud BRUM [2006?]), as descobertas do corpo

possuem uma história secular vasta.

Da medicina dos humores à biotecnologia contemporânea, passando pela invenção de regimes, cirurgias, cosméticos e técnicas disciplinares, o conhecimento do corpo é por excelência histórico, relacionado aos receios e sonhos de cada época, cultura e grupo social. (SANT’ANNA [2000], apud BRUM, [2006?], p.13).

Fica claro então que a medicalização do corpo feminino não é recente. Se antes as práticas

médicas, corpo feminino e modelos de feminilidade andavam juntos, hoje a mulher tem a

possibilidade de agência sobre seu corpo. Mudou-se então os discursos que dão sentido a

cirurgias plásticas e reparadoras ou procedimentos estéticos. A intervenção médica na busca do

“ser mulher” passa a ser legitimada pela “auto-estima”, “gostar de seu corpo”, “sentir-se bem

consigo mesma”, são essas e outras frases que estão presentes nas páginas de revistas femininas,

tanto em peças publicitárias como em matérias jornalísticas.

Para Brum ([2006?]), é na importação da cultura estadunidense que o imaginário

brasileiro passa a pensar que “ser moderna” depende do cultivo “da aparência bela e do bem-estar

corporal”. A falta de beleza é interpretada como fruto de frustrações, baixa estima, tornando-se

caso clínico; um problema psíquico. Ela explica que entre 1900 e 1930, os cosméticos eram

vistos como remédios responsáveis por curar “defeitos da aparência feminina”, existindo

pomadas para “afinar a cintura”, “branquear a pele”, “tirar os pêlos” ou “escurecer cabelos

brancos”. É então a partir da década de 60 que a mulher feia adquire singularidade psicológica: é

feia porque não se ama. Os produtos de beleza na publicidade passaram a não mais ser chamados

18

de remédio, mas evidenciam o modo como, além de deixar a mulher mais bela, ainda a deixava

bem consigo mesma.

Neste sentido, é fácil entender porque as cirurgias plásticas são vendidas com tanta

naturalidade. A revista Veja, da editora Abril, em sua edição de março de 2002 já alertava para os

exageros da plástica. “Movidos pelo desejo legítimo de ter uma aparência melhor, milhares de

brasileiros recorrem à cirurgia plástica como quem vai às compras”, está escrito na chamada de

capa da revista.

Em reportagem publicada na revista, Buchalla e Pastore (2002) descrevem que só existe

alguém que vende exageros porque há quem os compre. “A verdade é que a busca por um ideal

estético inatingível e pela eterna juventude assumiu proporções jamais vistas no Brasil”. A

matéria cita um estudo do Hospital das Clínicas de São Paulo que dimensiona o grau de

insatisfação dos brasileiros com a própria imagem. O estudo, de novembro de 2001, ouviu 350

homens e mulheres da classe média paulista. A reportagem descreve que segundo dados da

pesquisa, a maioria estava no peso ideal, mas seis de cada dez revelaram que freqüentemente

ficavam irritados, ansiosos e até deprimidos com a própria silhueta.

Uma das perguntas da pesquisa era: "Você se imagina cortando porções do seu corpo?". Metade dos entrevistados respondeu afirmativamente. Outra questão curiosa era: "Você tenta convencer as pessoas de que não está bem quando lhe dizem que você está ótimo?". Cerca de 60% das pessoas disseram que sim. Ou seja, auto-estima zero. Apesar de toda essa insatisfação, quase 55% dos entrevistados declararam não se exercitar para melhorar a aparência – e é no vácuo dessa tendência ao menor esforço que muitos médicos oferecem seus préstimos, prometendo o impossível. A partir desse estudo, também é possível concluir que 80% das mulheres entre 18 e 39 anos têm o costume de se comparar a modelos e atrizes. A conseqüência disso é que, na hora de cair na faca, se pede ao cirurgião "o nariz de Nicole Kidman", "os seios de Gisele Bündchen" e por aí vai (BUCHALLA, PASTORE, 2002, p. 1).

Nota-se então que mesmo que a mulher tenha agência sobre seu corpo, não deixa de

passar pela experiência medicalizada da beleza. É neste espaço que irá se desenvolver a análise

do conteúdo das revistas femininas: até onde o discurso das revistas reproduzem as normas

sociais sem questioná-las e incentivam a beleza permeada pela medicalização.

19

5 Método

Para elaborar o presente estudo foram analisadas as seguintes publicações de circulação

nacional: NOVA; UMA e Claudia. O critério de escolha foi baseado na semelhança do público

alvo, levando-se em consideração a classe social e a faixa etária das leitoras. Todas as

publicações citadas têm periodicidade mensal. As revistas que serão objeto de estudo custam em

média R$ 9,90, preço acima da média (R$ 2,00) de revistas populares vendidas nas bancas por se

dirigirem a um público pertencente às classes sociais A e B.

Os conteúdos analisados foram as chamadas de capa sobre beleza e as formas de

abordagem. O conteúdo destinado à publicidade, e a verificação se há diálogo entre o conteúdo

jornalístico e a linguagem publicitária. As matérias sobre beleza com chamadas na capa e outras

internas que não foram anunciadas. A verificação tentará traçar um perfil de abordagem dessas

revistas em relação às leitoras.

Atualmente, há um número imensurável de revistas destinadas a mulheres, essas

publicações variam de populares até as mais sofisticadas. As populares custam apenas R$ 1,99

com conteúdo que limita-se tão somente a fofocas sobre artistas, resumos de novelas, matérias

com conteúdo de auto-ajuda, neste caso, por vezes as personagens são as próprias leitoras, e,

como já citado anteriormente, matérias que utilizam das técnicas do “passo-a-passo” ou “faça

você mesmo” para ensinar ao seu público ofícios que ajudam a aumentar a renda familiar.

Existe também uma extensa variedade de publicações destinadas somente à beleza do

corpo, com dietas, dicas de alimentação, exercícios e procedimentos cirúrgicos. Também já é

possível encontrar nas bancas algumas revistas especializadas em cirurgias plásticas.

Mas o grande mote das publicações femininas ainda atém-se aos assuntos ligados a sexo,

beleza, relacionamento e filhos. Assim sendo, escolhe-se as revistas de maior circulação no

Brasil, as duas mais antigas e uma recente que desponta no mercado com um discurso

diferenciado, apesar do conteúdo similar às demais.

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5.1 Circulação

A revista Claudia, da editora Abril, informa no sítio eletrônico que a sua tiragem mensal é

de 508.950 (quinhentos e oito mil, novecentos e cinqüenta) exemplares. Destes, 296.470

(duzentos e noventa e seis mil, quatrocentos e setenta) exemplares são de assinantes, e 83.700

(oitenta e três mil e setecentos) são vendidos em banca de jornais e revistas. Dados totalizam,

segundo informa o veículo 3, quase dois milhões de leitores, 1.974.000 (um milhão novecentos e

setenta e quatro mil).

A NOVA, que também pertence ao grupo Abril, informa que tem 1.111.000 (um milhão,

cento e onze mil) leitores. Possui tiragem de 217.600 (duzentos e dezessete mil e seiscentos)

exemplares, sendo 115.400 (cento e quinze mil e quatrocentos) de assinantes, e 102.190 (cento e

dois mil, cento e noventa) exemplares oriundos de venda avulsa. Dados no sítio eletrônico4.

A revista UMA, da editora Símbolo, também traz informações técnicas em seu sítio

eletrônico5. A publicação é relativamente recente em relação às revistas Nova e Claudia. UMA

tem oito anos de existência, publicação relativamente nova, se comparada aos 46 anos de vida da

Claudia e aos 35 anos de NOVA. Tem 86.000 (oitenta e seis mil) leitores, e tiragem mensal de

112.000 (cento e doze mil) exemplares. Não informa percentual de assinaturas e vendas avulsas.

Tabela 1: Dados de circulação

Revistas Tiragem Assinantes Vendas avulsas Leitores

Claudia 508.950 296.470 83.700 1.974.000

Nova 217.600 115.400 102.190 1.111.000

Uma 112.000 * * 86.000

3 http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=13 4 http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=32 5 http://www.simbolo.com.br/institucional/Conteudo/0/artigo5344-1.asp

21

5.1.2 Circulação por região

A venda das revistas se concentra em grande parte na região Sudeste. A NOVA aponta

que 58% de seus leitores estão nesta região, em contrapartida, 11% está no Nordeste, 19% no Sul

do País, 8% no Centro-Oeste, e somente 3% no Norte. Dados não muito diferentes dos

anunciados pela Claudia: 57% no Sudeste; 20% no Sul; 12% no Nordeste; 8% no Centro-Oeste e

3% no Norte. A UMA não dispõe deste dado na página eletrônica.

Tabela 2: Penetração das revistas por região

Revistas Sudeste Sul Nordeste Centro-Oeste Norte

Claudia 57% 20% 12% 8% 3%

Nova 58% 19% 11% 8% 3%

Uma * * * * *

5.1.3 Classe Social

A classe econômica das leitoras e leitores, sim, homens também lêem revistas femininas –

uma média de 15% dos leitores totais -, estão explicitadas no quadro abaixo:

Tabela 3: Penetração das revistas por classe social

Revistas Classe

EconômicaA B C

Claudia 25% 39% 28%

NOVA 25% 46% 21%

UMA Classe Média6

6 A revista não especifica em porcentagem a classe socioeconômica de seus leitores, limita-se a descrever como classe média.

22

5.1.4 Faixa etária

A faixa etária deste público está entre 18 e 39 anos, revela dados da CLAUDIA, 49% dos

leitores encaixam-se neste perfil. Já a NOVA revela que 76% de seu público tem entre 18 e 49

anos. Para a UMA, sem mais discriminações, seu público alvo se enquadra na faixa etária de 20 a

39 anos.

5.1.5 Estrutura das revistas femininas As revistas femininas se estruturam em cima de assuntos básicos e bem definidos como

beleza, moda, sexo, filhos, esoterismo, gastronomia (também pode ser alimentação), cultura e

carreira, estes dois últimos itens em menor escala.

Nós últimos anos, tem se notado o crescimento de revistas populares destinadas às

mulheres com conteúdo centrado em fofocas de artistas e resumos de novelas. Muitos destes

recentes lançamentos, devido ao público alvo ser composto por mulheres de baixa renda, ensinam

ofícios na área de artesanato, culinária, dentre outros como forma de gerar renda familiar. Em

ambos os casos as páginas destas publicações são permeadas de publicidade de roupas, sapatos,

bolsas, cosméticos, procedimentos médicos e estéticos.

5.1.5 Procedimento do método Depois da leitura prévia das três revistas do mês de setembro de 2007 (CLAUDIA, Nº 9, ano 46;

NOVA, Nº 9, ano 35; UMA, Nº 84, ano 8) foram identificadas na capa quais eram as matérias ali

citadas que tinham a beleza como conteúdo. Foi identificado o espaço destinado a estas matérias,

as ilustrações e/ou fotos que compunham a página. Após a leitura para identificar qual o contexto

da matéria, foi feita uma outra leitura, mais apurada, para encontrar o que a matéria ditava de

norma social, explicitando-a em palavras ou frases. Sobre publicidade, o estudo ateve-se a

identificar qual o estereótipo de mulher que mais estampa as páginas das revistas, e qual o

número de páginas destinadas à publicidade. Posterior à identificação do material citado,

procurou-se identificar outras matérias jornalísticas que complementassem os dados deste

presente estudo.

23

6 Resultado

Na revista Claudia, encontramos a matéria Rumo à Estação Verão, já na capa o

questionamento: “Botox ou preenchimento no rosto?” e mais “Ultra-som ou lipoaspiração nas

curvas? Radiofreqüência ou fios tensores para flacidez? Mais: os últimos lançamentos antiidade”.

Acabar com linhas de expressão para o verão, assim como outros ‘defeitos’, tem uma agenda

programada, é o que sugere a revista. Ao longo da reportagem, inúmeros procedimentos

medicalizados são oferecidos à leitora. Os procedimentos são atrelados a sugestão de cosméticos

diversos de marcas conhecidas. Em nenhum momento citam técnicas naturais e/ou hábitos

saudáveis. Procedimentos dermatológicos e cirúrgicos são vendidos com naturalidade.

Os dados encontrados abaixo foram retirados da revista Claudia, na matéria de beleza com

chamada na capa:

Positivo Negativo Normas

C1 • Rosto liso

• Efeito esticadinho

• Livre de rugas de

expressão

• Cintura definida

• Contorno sob medida

• Coxas firmes

• Braços firmes

• Rugas

• Vincos e sulcos

• Pés-de-galinha

• Culotes

• Barriguinha

• Gordura localizada

• Efeito gelatina

• Flacidez

• celulite

• Eliminar rugas

• Preenchimento

facial (toxina

botulínica) botox

• Recorrer à

lipoaspiração

• Definir cintura

• Pele tencionada,

recorrer a lifting no

rosto

• Firmar o rosto e o

corpo

Quadro 1: Revista CLAUDIA

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Na revista NOVA encontrá-se duas chamadas na capa para matérias que têm a beleza

como conteúdo principal. Um dos textos da capa chama a leitora da seguinte maneira: Oba!

Moda para corpos imperfeitos. Dentro da revista o título é Cansei de Ser Igual Apesar do título

descartar a padronização da beleza, seu conteúdo não o faz. A matéria limita-se a cinco

depoimentos curtos, duas ou três frases, de mulheres famosas magras e “saradas” (não basta ser

magra, tem de ter no corpo características de exercícios físicos regulares), que falam sobre como

valorizar aspectos peculiares de seus corpos. Dentre os aspectos mais citados estão os seios

fartos, as pernas grossas e o bumbum arrebitado. A frase da apresentadora de TV, Luisa Mell

chama atenção para a temporalidade. “Morria de vergonha de meus seios grandes quando

menina. Hoje, são meu ponto forte” (NOVA, setembro, 2007, p.168).

A segunda matéria lança: Luxo! Ponha ouro, champanhe, caviar na beleza. A beleza

também se veste de produtos sofisticados, é o que diz a reportagem. Atrelado a páginas de

mulheres em poses sensuais, o texto, quase publicitário, vende produtos acima da média de preço.

Como um xampu, que diz conter champanhe entra os seus ingredientes, que custa R$ 18, outro

feito com caviar que custa R$ 42, e um terceiro produzido com ouro ao custo de R$ 197. E assim

segue com outros produtos. Vale ressaltar que a matéria fala deste produtos como se pudessem

ser obtidos por um preço muito barato, como remete uma das chamadas: “Produtos de socialite

por um precinho, ó....”.

Positivo Negativo Normas

N1 • Parecer milionária;

• Ser classe “AAA”;

• Garota rica;

• Parecer a celebridade

Paris Hilton7

“Pertencer ao mundo do

glamour”, se não for rico,

fazer de tudo para parecer.

Quadro 2: Revista NOVA

7 Paris Whitney Hilton é uma celebridade americana conhecida mundialmente por ser bisneta do fundador da rede de hotéis Hilton. A loira Paris Hilton sempre sonhou em ser famosa, conseguiu após atuar em vários filmes, gravar um cd e estrelar várias vezes as capas de revistas e colunas sociais. Seus excessos na vida pessoal geralmente rendem capas de revistas de fofocas. O último acontecimento envolvendo seu nome foi este ano, foi presa depois de ter conduzido um veículo sem carteira de habilitação, Paris foi condenada a 45 dias de prisão, pena depois reduzida para 23 dias por seu bom comportamento.

25

UMA com o título Corpo lindo, corpo real será a matéria U1. A revista traz o discurso de

valorizar a “beleza real” no sentido de gostar de si e não valorizar excessivamente a vaidade. A

estética, no entanto, não é deixada de lado. Esse pensamento é bem delineado na matéria. “Entra

em cena o famoso estereótipo da mulher linda: magra, alta e loira. Apesar de encontrá-lo em todo

lugar, a gente não pode encará-lo como sendo real”, pondera o texto.

A reportagem ainda cita as conseqüências desta busca por padrões impostos. “Ficar

sofrendo, se comparando às beldades que aparecem na mídia não leva a lugar algum, ou o que é

pior, pode nos afundar em uma frustração sem tamanho”.

Positivo Negativo Normas

U1 • Vaidade sem exagero

• Beleza real

• Valorizar o que tem

Estereótipos

Padrão de beleza

Metas inatingíveis

Padrões impostos pela mídia

A referencia é não seguir

as normas.

Quadro 3: Revista UMA

Estes argumentos, no entanto, entram em conflito com a publicidade que invade as

páginas das revistas. Como mostra a tabela abaixo o número de modelos e seus respectivos

biotipos:

Tabela A: Páginas de publicidade

Loiras Morenas Negras Asiáticas

UMA 14 10 1 1

NOVA 27 14 3 1

Claudia 23 11 1 1

Em valores aproximados de porcentagem, isso significa:

Tabela B: Percentual de páginas de publicidade

Loiras Morenas Negras Asiáticas

UMA 53% 38% 3,5% 3,5%

26

NOVA 60% 31% 6% 2%

Claudia 63% 30% 2% 2%

Vale ressaltar que as mulheres morenas citadas são brancas de cabelos lisos e, na grande

maioria de olhos claros. Esta tendência também é possível de ser observada nas capas das

revistas.

Abaixo foram reunidas as capas da revistas Nova, de janeiro a setembro deste ano.

Organizadas das mais recentes as mais antigas. As demais encontram-se nos anexos: A

(CLAUDIA) e B (UMA) .

Capas da NOVA em ordem decrescente de setembro a janeiro de 2007:

27

Pode-se observar na matéria “A crise dos 38”, da NOVA (DEZZEN, set/2007, p125). O

texto se delineia em forma de narrativa. Uma mulher recebe um convite para uma festa no sábado

à noite e tinha a missão de comprar uma calça de “arrasar o quarteirão”. Por este motivo, ela teria

de “enfrentar a tortura do provador”, descreve. O grande dilema: “Será que eu encontraria um

modelo que valorizasse meus pontos fortes, minimizasse meus pontos fracos e ainda fosse 38?”,

questiona. Vestir uma calça jeans número 38 é a descrição de um ideal a ser alcançado. Ela lança

novamente: “Por que vamos combinar. Quem quer vestir maior?”. A narrativa em primeira

pessoa continua a tramitar pelos caminhos das normas sociais, padrões estéticos, ideais de beleza

que enquadram as mulheres.

A fim de ficar um pouco mais calma, me consolei pensando que nem só eu passava por essa situação difícil. Doze entre dez garotas se enchem de uma felicidade inexplicável ao entrar em uma calça 38 - e se sentem culpadas ao ter de usar 40 ou mais. Por quê? Será maldição – ainda mais no caso das brasileiras de bumbum grande e coxas grossas? Quando comecei a investigar, me dei conta de que praticamente todas as mulheres bem-sucedidas e cobiçadas que conhecemos são magras (DEZZEN, revista NOVA, set/2007, p125).

A narrativa continua e explica que um dos motivos pelos quais as mulheres buscam

incessantemente vestir o manequim 38 deve-se a influência da moda, que é citada como “vilã”.

“As modelos têm que seguir um padrão para conseguir bons trabalhos, e nele só entra a calça 38”,

a firmação é do booker da agência Mega Models, Murilo Andrade. Seriam então as top models

um modelo de perfeição, exemplos as serem seguidos? Outra explicação, ainda no texto da

matéria, vem da diretora de criação de marca de jeans Ellus, Adriana Bonzon.

Ela me disse que sua marca é voltada para consumidoras de 25 a 30 anos que trabalham, malham, são vaidosas e cuidam do corpo. ‘E todas querem vestir 38 para mostrar que estão bem, nem magras demais nem acima do peso’. De fato este perfil me atrai (DEZZEN, revista NOVA, set/2007, p125).

Ao folhear a revistas as matérias trazem predicados que caracterizam todo o tempo um

corpo ideal. Vários atributos estão associados ao corpo idealizado. Para “marmanjo nenhum botar

defeito” as pernas devem ser “bem torneadas”, “firmes” a exemplo da apresentadora de televisão,

Angélica, e a ex-integrante de um reality show, Grazi Massafera. As duas artistas são citadas para

exemplificar os passos que devem ser seguidos para alcançar o objetivo do corpo ideal. Ao longo

28

de outras matérias citam os “pneuzinhos” e “quilinhos” a mais como “inimigos” das “curvas”,

das “curvas na medida”, das “curvas incríveis”, da “barriga durinha”.

29

7 Discussão Nos resultados identifica-se o discurso social das revistas femininas. Em linguagem

direta, com os textos, ou indireta, com imagens - neste caso, mais utilizadas na publicidade - fica

claro que a função exercida por esta mídia diante da sociedade, respondendo ao questionamento

inicial deste trabalho, é de mera reprodutora de normas sociais que ditam um ideal de beleza.

Revela-se ainda que estas publicações perderam o objetivo inicial de dar voz às mulheres

e refletir anseios e aspirações. Se o tempo aprimora determinadas coisas, não foi este o caso das

revistas femininas. Qual o papel das revistas femininas dentro deste processo de adequação e

submissão da mulher às normas sociais? Qual a função exercida por esta mídia diante da

sociedade? As revistas femininas analisadas não se põem como críticas da ditadura da beleza que

oprime a tantas mulheres. Embora, observa-se, em alguns trechos, a consciência deste processo

de coerção social.

A psicóloga Suzy Camacho, na matéria A crise dos 38, alerta que a “sociedade atualmente

valoriza quem alcança o equilíbrio. Então, uma mulher com um peso saudável mostra que tem

força de vontade e controle sobre seu próprio corpo”, argumenta ela. Mas Penna (1989) explica

que o corpo feminino é um ideal de abstração, “o ideal esperado é um produto do valor conferido

pela sociedade às diferentes medidas do corpo físico feminino” (PENNA, 1989, p.106).

As cirurgias plásticas são, por vezes, vendidas às leitoras sem qualquer menção aos

perigos de submeter-se a este procedimento. Uma das revistas explicita os motivos pelos quais,

cada vez mais, estrangeiros procuram o Brasil para realizarem cirurgias plásticas. Os argumentos

da reportagem para justificar a alta demanda dos estrangeiros são do presidente da Sociedade

Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). “Vivemos num país tropical, onde é normal haver

bastante exposição do corpo. As brasileiras querem desfilar impecáveis pelas areias da praia,

exigem cirurgias que deixem poucas marcas” (revista NOVA, set/2007, p.44). Ewaldo Bolívar,

membro do Conselho Deliberativo da SBCP complementa: “Costumo brincar dizendo que

brasileira aceita tudo, menos traição e insatisfação como o corpo” (revista NOVA, set/2007,

p.44), diz descrevendo uma norma social.

O discurso social é bem encadeado, lindas mulheres na capa das revistas, todas magras,

seguidas por outras mulheres que seguem o mesmo padrão da capa a enfeitar as páginas de

publicidade, às quais tomam aproximadamente 30% do conteúdo das revistas; tudo isso seguido

por uma abordagem que situa a leitora numa guerra, onde o inimigo é o “pneuzinho”, a

30

“barriguinha”, as “gordurinhas que enfeiam as curvas”, neste ambiente são vendidos os

procedimentos médicos, que como elucidou-se na descrição da medicalização da beleza, nada

daria mais credibilidade a teorização da mulher como um ser diferente, e que - portanto -

necessita de cuidados que a deixassem mais feminina, que a medicina. Neste cenário, a venda da

beleza medicalizada tem terreno fértil: lifiting, lipoaspiração, implantes de silicone, botox, entre

outros.

Se hoje a mulher tem mais agência sobre seu corpo, os discursos que justificam as

intervenções cirúrgicas estão sempre atrelados ao próprio desejo das mulheres de estarem

“impecáveis”, a vontade sempre provém delas, sem ater-se ao fato das normas sociais da época

determinarem, por exemplo, ser esta a era das “siliconadas”. O discurso parece tentar convencer

que os melhores cirurgiões do mundo estão aqui no Brasil, portanto, não há desculpa para não

“melhorar” as formas físicas na busca do “ser mulher”. Como descreve Brum ([2006?]), o sujeito

contemporâneo experiencia padrões estéticos de forma medicalizada.

Todo cenário exposto favorece a persuasão. O uso de determinados termos e o

mapeamento do corpo da mulher em busca de defeitos passíveis de melhoramento, tornam as

matérias e publicidade das revistas persuasivas, conforme explica Myers (2000). Ele prefere não

qualificar a persuasão como boa, nem má, mas descreve que este ato de fazer crê, que gera

convencimento, pode se tornar eficaz de acordo com a utilização de quatro fatores: o

comunicador, a mensagem, o canal e a audiência.

Para Myers (2000), associar, por exemplo, a mensagem a bons sentimentos torna-a mais

convincente. Neste caso, observa-se que as matérias sempre atrelam a necessidade de mudança

para garantir o próprio bem-estar da mulher. As imagens também são caracterizadas como

persuasivas, que podem ser chamadas de “traço periférico”, pois não exigem reflexão.

As imagens visuais também podem servir como argumentos periféricos. Em vez de fornecerem informações, os anúncios de cigarro associam o produto com imagens de beleza e prazer. O mesmo acontece com os anúncios de refrigerantes que promovem “a coisa real” ou a “geração Pepsi”, com imagens de juventude, vitalidade e alegria (MYERS, 2000, p.134).

O canal são revistas que já têm credibilidade diante do leitor, tanto por veicularem

material jornalístico – abusam das novidades - como por pertencerem a grandes editoras, assim

como pelos anos de existência. A audiência é composta por leitoras que já estão propícias atender

o apelo estético vulgarizado na busca da feminilidade emoldurada pelas normas sociais.

31

8 Conclusão Inicialmente, este trabalho interroga qual o papel das revistas femininas diante de um

processo de submissão da mulher às normas sociais e a função deste veículo de comunicação

diante da sociedade. O presente estudo elucidou que esta mídia, quando foi fundada, tinha um

importante papel a exercer: colaborar com a mulher na luta por mais espaço ativo na sociedade,

mas não evoluiu no sentido de celebrar a conquista de espaço das mulheres ao longo dos últimos

anos.

Na atualidade, como mostra os dados trazidos por este trabalho, as revistas estão tomadas

por fins meramente comerciais. O conteúdo das revistas reproduzem em seus textos normas

sociais que oprimem a mulher, sobretudo por um ideal de beleza que não condiz com a maioria

das brasileiras. Fato que pode gerar uma busca incessante e inútil, que oprime as mulheres.

Estes dados se mostram relevantes por este veículo alcançar milhões de leitoras, que como

a grande maioria dos brasileiros, não fazem uma leitura crítica do discurso a elas lançado,

simplesmente absorvem às normas sociais. É preocupante que uma grande parcela da sociedade

seja atingida por esta mídia.

A realização deste estudo enfrentou uma série de limitações, uma das mais determinantes

no resultado final foi o tempo. Deixou de ser exposto aqui o imensurável número de revistas que

circulam no país, o que demonstra que praticamente todas as mulheres são atingidas por alguma

dessas publicações. Também deixou se ser feito um estudo longitudinal destas mesmas revistas, o

que poderia revelar um agenda muito similar dos seus respectivos editoriais.

Estudos futuros podem pesquisar as leitoras das revistas, qual a percepção deste público

sobre o veículo. As editoras das revistas também podem ser questionadas, de acordo com os

resultados desta pesquisa, e atrelar estes dados ao estudo de editoriais. Também recomenda-se o

estudo de revistas mais populares, vale questionar qual a lacuna deixada por grandes revistas que

as populares ocuparam.

32

Referências

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BUITONI, Dulcília Schoroeder. Imprensa Feminina. São Paulo: Ática, 1989.

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MYERS, David G. Psicologia Social. 6. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 2000.

NOVA, Revista. PubliAbril. Disponível em: <http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=13>. Acesso em: 15 set. 2007. NOVA: Cosmopolitan. São Paulo: Abril, 01 set. 2007. Mensal.

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OS EXAGEROS DA PLÁSTICA. Revista Veja: Abril, n. 1741, 06 mar. 2002. Semanal. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/060302/p_084.html>. Acesso em: 30 set. 2007.

PENNA. Lucy. Corpo Sofrido e Mal-Amado: As experiências da Mulher com o próprio corpo. 2. ed. São Paulo: Summus, 1989.

RIBEIRO, Liliane Brum. Cirurgia estética em corpos femininos: a medicalização da diferença. Disponível em: <http://www.antropologia.com.br/arti/colab/vram2003/a13-lbribeiro.pdf.>. Acesso em: 20 set. 2007.

SWAIN, Tania Navarro. Feminismo e representações sociais: A invenção das mulheres nas revistas "femininas". História: Questões e Debates, Curitiba, n. 34, p.11-44, 2001.

UMA, Revista. Nossas Marcas. Disponível em: <http://www.simbolo.com.br/institucional/Conteudo/0/artigo5344-1.asp>. Acesso em: 15 set. 2007. UMA. São Paulo: Símbolo, 01 set. 2007. Mensal.

33

Anexo A

Capas da CLAUDIA em ordem decrescente de setembro a janeiro de 2007:

34

Anexo B Capas da UMA em ordem decrescente de setembro a janeiro de 2007: