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Universidade Federal de Sergipe Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia Social Mestrado em Psicologia Social KHALIL DA COSTA SILVA NORMAS SOCIAIS E EXPRESSÕES DO RACISMO EM CRIANÇAS São Cristóvão Sergipe 2013

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Universidade Federal de Sergipe

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia Social

Mestrado em Psicologia Social

KHALIL DA COSTA SILVA

NORMAS SOCIAIS E EXPRESSÕES DO RACISMO EM

CRIANÇAS

São Cristóvão – Sergipe

2013

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NORMAS SOCIAIS E EXPRESSÕES DO RACISMO EM

CRIANÇAS

Dissertação Apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Psicologia Social do Centro de

Ciências de Educação e Ciências Humanas da

Universidade Federal de Sergipe como requisito

parcial para a obtenção do título de Mestre em

Psicologia Social.

Orientadora: Profª.Drª. Dalila Xavier de França

São Cristóvão – Sergipe

2014

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COMISSÃO JULGADORA

Dissertação do Discente KHALIL DA COSTA SILVA, intitulada NORMAS SOCIAIS

E EXPRESSÕES DO RACISMO EM CRIANÇAS defendida e aprovada em

21/08/2014, pela Banca Examinadora constituída pelos Professores Doutores:

_______________________________________________________

Profª. Drª. Dalila Xavier de França

________________________________________________________

Prof.Dr. Marcus Eugênio Oliveira Lima

________________________________________________________

Profª. Drª. Ana Raquel Rosa Torres

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família, a qual amo muito, pelo carinho e incentivo que me

ofereceram para que me dedicasse a este projeto. Agradeço, em especial, aos meus pais,

pela atenção, afeto e apoio aos caminhos que decidi construir.

À professora Dalila, pela colaboração, paciência e conhecimentos transmitidos

desde a iniciação científica.

Ao grupo de pesquisa “socialização do preconceito em crianças”, em especial a

Iraí e Ananda pela disponibilidade em colaborar com a execução desta pesquisa.

Ao professor Marcus Eugênio, por mais uma vez ter aceitado avaliar este

trabalho e pelas contribuições já oferecidas e à professora Ana Raquel, por aceitar fazer

parte desta banca.

Aos colegas de mestrado, Cláudia, Flor, Vanessa e Thiago, pela companhia

agradável, pelos momentos de risada e pelas angústias e esperanças que

compartilhamos.

A todas as escolas que permitiram que minha pesquisa fosse desenvolvida.

Um agradecimento especial para cada uma das crianças que participaram deste

estudo.

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RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo verificar o impacto da norma social antirracismo

sobre a expressão das atitudes raciais das crianças. O racismo, embora condenado nas

sociedades democráticas, tem sido verificado nos estudos realizados no âmbito das

relações intergrupais. Pesquisas realizadas com adultos apontam que, em consonância

com a norma antirracismo, os indivíduos inibem a expressão do racismo a nível

explícito, contudo há evidências de que o preconceito e a discriminação racial

persistem, sendo expressos de formas indiretas e sutis. Participaram do estudo 72

crianças brancas (43 meninos e 29 meninas), que foram distribuídas em três diferentes

grupos em função da idade: 6-7anos, 8-10 anos e 11-12 anos. Foram verificadas as

atitudes destas crianças diante dos grupos branco e negro e os parâmetros normativos

que elas percebem nos adultos, nos amigos e nelas mesmas para interagir com estes

grupos. As atitudes foram analisadas a partir de três instrumentos: uma escala de

atitudes raciais-MRA, uma medida de distância social e um procedimento experimental

no qual o impacto da norma antirracismo sobre o comportamento da criança foi

manipulado pelas condições de presença/ausência de uma entrevistadora negra. Análises

de contingência indicaram que os três grupos etários estudados reconhecem a presença

da norma antirracismo, contudo reagem de forma distinta à presença da mesma. Uma

análise de variância entre a idade das crianças e os escores obtidos na escala MRA

revelou que as crianças entre 6 e 7 anos apresentam níveis elevados de preconceito

explícito em comparação com os demais grupos. Em contraste, as crianças com mais de

8 anos de idade apresentam baixos níveis de preconceito explícito e níveis mais

expressivos de atitude antirracismo. Comparações planejadas, entretanto, indicaram a

presença de racismo sutil. Embora não avaliem o exogrupo (negros) de forma negativa,

as crianças permanecem avaliando o endogrupo (brancos) de forma positiva. Os dados

obtidos a partir da medida de distância social indicaram, após uma análise de

contingência, maior sensibilidade à norma antirracismo nas crianças mais velhas. Entre

6 e 7 anos de idade, as crianças manifestam rejeição ao negro, entre 8 e 10 anos de idade

elas apenas rejeitam o negro nas situações que envolvem maior grau de intimidade.

Após os 10 anos, entretanto, há expressão de favoritismo pelo negro. Quanto ao

procedimento experimental, análises de variância não revelaram efeito significativo da

manipulação da norma, contudo foram verificados efeitos de interação entre idade da

criança e do alvo de escolha (branco/negro), indicando níveis mais elevados de

discriminação racial contra os negros os 6 e 10 anos e inibição do racismo após esta

idade. Os resultados encontrados corroboram as considerações teóricas sobre as novas

formas de expressão do racismo e sobre o desenvolvimento sócio-cognitivo da criança e

revelam que a inibição de suas formas explícitas, verificada nos adultos, começa a

emergir na média infância.

Palavras chave: normas sociais; racismo; crianças.

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ABSTRACT

This study has as its objective to determine the impact of antiracism social norm about

the expression of children‟s racial attitudes. Although, Racism is convicted in

democratic societies, it has been verified in studies conducted in the context of

intergroup relations. Researches conducted with adults have indicate that, in line with

the anti-racism norm, individuals inhibit expression of Racism at the explicit level,

however there is evidence that prejudice and racial discrimination persist, being

expressed in indirect and subtle ways. 72 White children (43 boys and 29 girls)

participated in this research, which were distributed among three different groups

according to age: 6-7years, 8-10 years and 11-12 years. Attitudes of these children

towards the White and Black groups and normative parameters that they verify in

adults, friends and in themselves to interact with these groups were observed. Racial

attitudes were analyzed by three measures: a scale of racial attitudes-MRA, a measure

of social distance and an experimental procedure in which the impact of the anti-racism

norm on the child's behavior was manipulated by conditions of presence / absence of a

Black interviewer. Contingency analysis indicated that all three groups studied here

recognize the presence of antiracism norm, however they react differently to the

presence of this norm. An analysis of variance between age of children and the scores

obtained on the scale MRA revealed that children between 6 and 7 years old show

elevated levels of explicit prejudice in comparison with the other groups. In contrast,

children over 8 years of age have low levels of explicit prejudice and more significant

levels of anti-racism attitude. Planned comparisons, however, indicated the presence of

subtle racism. Although the children didn‟t evaluate the outgroup (Black) in a negative

way, children remain evaluating the ingroup (White) positively. The data obtained from

the measurement of social distance indicated, after a contingency analysis, greater

sensitivity to anti-racism norm in older children. Between 6 and 7 years of age, children

manifest rejection of Black, between 8 and 10 years old they just reject the Black in

situations which involve higher degree of intimacy. After 10 years, however, there is

expression of favoritism to Black. Regarding the experimental procedure, analysis of

variance revealed no significant effect of the manipulation of the social norm, but there

were effects of interaction between the child's age and the target of choice (White /

Black). This analysis indicated higher levels of racial discrimination against Blacks

between children aged 6 to 10 years old and inhibition of racism among participants

over the age of 10. Results confirm the theoretical considerations about new forms of

expression of racism and the socio-cognitive development and show that the inhibition

of explicit forms of racial prejudice and discrimination observed in adults, begins to

emerge in childhood average.

Key-words: social norms; racism, children.

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SUMÁRIO

RESUMO..........................................................................................................................5

ABSTRACT......................................................................................................................6

INTRODUÇÃO...............................................................................................................9

CAPÍTULO I: NORMAS SOCIAIS E RACISMO....................................................14

1.1- O conceito de normas sociais.....................................................................14

1.2-Origem, classificação e processos de influência das normas sociais..........18

1.3-Definição de racismo...................................................................................28

1.4-Definição de preconceito.............................................................................32

CAPÍTULO II: NORMA ANTIRRACISMO E NOVOS RACISMOS...................37

2.1-Norma social antirracismo..........................................................................37

2.2-Normas sociais e novos racismos................................................................42

CAPÍTULO III: RACISMO E O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO...................50

3.1- Socialização de crianças.............................................................................50

3.2- A estratificação social e o desenvolvimento de atitudes raciais................55

3.3- Modelo sócio-cognitivo das atitudes intergrupais na criança....................62

CAPÍTULO IV: ABORDAGEM SÓCIO-NORMATIVA DAS ATITUDES

RACIAIS NA INFÂNCIA.............................................................................................68

4.1-Modelo do domínio social...........................................................................76

4.2-Teoria da mente e modelo do desenvolvimento das dinâmicas de grupo

subjetivas...........................................................................................................80

4.3-Normas sociais e controle do preconceito racial em crianças.....................85

CAPÍTULO V: ASPECTOS METODOLÓGICOS...................................................90

5.1-Problema da pesquisa..................................................................................90

5.2-Objetivo geral..............................................................................................90

5.3-Objetivos específicos..................................................................................91

5.4-Hipóteses.....................................................................................................92

5.5-Participantes................................................................................................97

5.6-Procedimentos e instrumentos....................................................................98

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5.7-Delineamento da pesquisa experimental...................................................102

5.8-Procedimentos para análise de dados........................................................102

CAPÍTULO VI: RESULTADOS...............................................................................105

6.1-- Análise dos parâmetros normativos que as crianças percebem nos adultos,

amigos e nelas mesmas para interagir com os grupos branco e negro............105

6.2- Análise das atitudes raciais explícitas a partir dos escores na escala

MRA................................................................................................................113

6.3-- Análise do preconceito racial explícito a partir de uma medida de

distância social.................................................................................................119

6.4- Analisando o impacto da norma antirracismo sobre a expressão do

preconceito......................................................................................................124

CAPÍTULO VII: DISCUSSÃO.................................................................................128

CAPÍTULO VIII: CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................143

REFERÊNCIAS..........................................................................................................150

ANEXOS......................................................................................................................162

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INTRODUÇÃO

O preconceito e o racismo são temas que mobilizam sentimentos ambíguos

quando colocados em evidência. Por um lado, causam repulsa ou aversão ao serem

abordados nas conversações cotidianas, posto que se encontram relacionados a

episódios desagradáveis de nossa história, tais como a escravidão dos negros no Brasil,

o holocausto dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial e aos recorrentes episódios

de discriminação que imigrantes latino-americanos sofrem nos EUA e na Europa, entre

tantas outras situações que vão de encontro aos princípios de igualdade e respeito às

diferenças que são sustentados nas sociedades democráticas atuais. A ocorrência de tais

situações leva os cientistas sociais a questionarem quanto à origem do preconceito e do

racismo, suas motivações subjacentes e às consequências que geram sobre aqueles que

são vítimas destes fenômenos.

O estudo desses temas vincula-se a uma problemática fundamental na sociedade

contemporânea: como se dá a diferenciação entre as pessoas e de que maneira a

natureza e a cultura são capazes de influenciar este processo de diferenciação. Mais

especificamente, estas temáticas demandam um olhar mais atento para a maneira em

que tais diferenciações implicam na manifestação de comportamentos discriminatórios,

na exclusão social e na expressão de sentimentos negativos frente a determinados

grupos a exemplo dos negros, índios, ciganos, judeus, homossexuais entre outros, os

quais, em diferentes contextos, sofrem das consequências mais perversas ocasionadas

pelo preconceito.

Pode-se considerar que o preconceito é um dos aspectos presentes nos

mecanismos de exclusão social e legitimação da desigualdade. Comumente associada à

ideia de preconceito encontra-se a discriminação. Esta última traduz-se como a

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manifestação comportamental do preconceito, consistindo em ações que envolvem um

tratamento diferencial negativo frente a determinadas pessoas, gerando relações de

segregação e desigualdades (Guimarães, 2004).

Desde o fim da 2ª Guerra Mundial, a sociedade passou a se posicionar de forma

crítica quanto às consequências negativas que o preconceito tende a produzir sobre as

relações sociais, emergindo então uma série de preocupações relacionadas aos Direitos

Humanos e à garantia de tratamento igualitário entre as pessoas, tal como pode ser

verificado a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, publicada pela

UNESCO em 1948, a qual em dois de seus artigos (art. II e art. XVI) abolia restrições

de raça como forma de garantia a estes direitos. Desde então, tem-se desenvolvido uma

norma social anti-preconceito, posto que as atitudes preconceituosas vêm sofrendo uma

série de sanções, tanto morais como legais, e, por conseguinte, suas manifestações são

publicamente condenadas.

Estas normas sociais que proíbem a expressão do preconceito interferem sobre

as manifestações do mesmo. Uma vez conscientes de que atitudes preconceituosas são

alvo de recriminação, as pessoas passam a expressá-las de forma menos direta ou

flagrante, algo que não acontecia em outros contextos históricos. Ao longo de quarenta

anos, enquetes de opinião pública têm revelado um decréscimo de manifestações

abertamente preconceituosas dos brancos diante dos grupos minoritários, em especial

dos negros (Pearson, Dovidio & Gaertner, 2009).

Nesse sentido, pode-se distinguir entre duas formas de racismo, o flagrante e

preconceito sutil (Meertens & Pettigrew, 1999), enquanto o primeiro caracteriza-se por

formas de expressão do preconceito mais diretas e tradicionalmente verificadas nas

pesquisas, este último sugere que a discriminação contra grupos minoritários não

desapareceu em nossa sociedade, porém adquiriu novas formas de expressão em

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consonância com as normas e valores igualitários difundidos na atualidade, tornando-se

mais implícito e discreto.

Nesse contexto social, em que as legislações antirracismo e a defesa dos

princípios de igualdade e justiça interagem como pressões para coibir a expressão do

preconceito e do racismo nas sociedades democráticas, os pesquisadores deparam-se

com o desafio de elaborar novas teorias e procedimentos capazes de analisar formas

mais indiretas e sutis da manifestação desse fenômeno. Diante desse quadro,

ressaltamos a importância do estudo das normas sociais para compreender como estas

têm atuado sobre as diferentes formas de manifestação do preconceito.

Desde os trabalhos desenvolvidos por Muzafer Sherif, nas décadas de 1930 a

1960, o estudo sobre normas sociais têm enfatizado que nossas escolhas e convicções

pessoais são suscetíveis às influências do grupo social. De tal maneira, a articulação

entre o preconceito e as normas sociais tende a contribuir para elucidar como suas

manifestações comportamentais são suscetíveis à influência do contexto de relações no

qual os atores sociais podem estar inseridos, bem como podemos verificar quais normas

sociais estão associadas às formas de expressão mais abertas ou implícitas das atitudes

preconceituosas.

Por ser um fenômeno complexo, o racismo é comumente associado aos adultos.

Contrariando essa crença comum, a investigação empírica indica que as manifestações

de preconceito e racismo também se fazem presentes nas interações sociais das crianças,

as quais, por volta dos três anos de idade mostram-se capazes analisar diferenças

intergrupais e reproduzir atitudes preconceituosas para com minorias raciais, ainda que

de forma rudimentar em comparação com os adultos (Aboud, 1988; França & Monteiro,

2013; Katz, 1976; Milner, 1983; Nesdale, 2004).

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Apesar de existirem evidências quanto ao desenvolvimento de atitudes raciais,

grande parte dessas pesquisas realizadas decorre da abordagem sócio-cognitiva do

desenvolvimento (Aboud, 1988; Doyle & Aboud, 1995), a qual analisa a expressão do

preconceito racial nas crianças como reflexo de suas estruturas cognitivas, bem como

compreende que, após os 7 anos de idade, em função da aquisição de novas

competências cognitivas, as crianças apresentariam níveis menos elevados de

preconceito.

O modelo sócio-cognitivo permitiu que o estudo das atitudes raciais nas crianças

fosse desenvolvido considerando as características e motivações de diferentes estágios

do desenvolvimento infantil, entretanto pouco foi enfatizado quanto à influência que as

pressões normativas podem exercer na expressão do racismo em crianças, tal como tem

sido abordado nas pesquisas com adultos. Não obstante, estudos mais recentes sobre o

desenvolvimento infantil sinalizam a importância dos fatores sócio-normativos sobre a

conduta da criança. Estes estudos destacam o papel ativo da criança para estabelecer

suas relações sociais, selecionar e influenciar pares (Grusec & Hastings, 2008). Nesse

âmbito, essas pesquisas também apontam que as crianças, tal como os adultos, são

capazes de controlar a manifestação de suas atitudes em função de normas sociais, uma

vez que revelam capacidade de avaliar regras e convenções que regem suas relações

com os demais (Killen & Rutland, 2011).

Com base nestas considerações, este estudo tem como objetivo analisar o

impacto que as normas sociais tende a exercer sobre racismo de crianças na faixa etária

dos 6 aos 12 anos. A realização desse estudo justifica-se pela necessidade de elucidar a

influência das normas sociais sobre os aspectos do desenvolvimento, manutenção e

manifestação do racismo na infância. Compreendemos que intervenções capazes de

reduzir a expressão do preconceito racial e a promoção de relações intergrupais

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positivas só serão eficazes na medida em que seja possível elucidar os fatores e

processos que estão associados ao racismo.

Este trabalho foi estruturado em oito capítulos. Os quatro primeiros referem-se

ao marco teórico-conceitual do estudo. Inicialmente, o capítulo 1 apresenta as principais

definições acerca das normas sociais, do racimo e do preconceito, conceitos centrais na

execução desta pesquisa. No capítulo 2, são apresentados estudos que revelam a relação

entre normas sociais e as expressões do racismo na atualidade. Em seguida, no capítulo

3, é analisado como as crianças, durante o processo de socialização, assimilam atitudes

preconceituosas a partir das principais teorias sobre o desenvolvimento das atitudes

raciais em crianças. No quarto capítulo, encontram-se alguns estudos que mostram

como as crianças se tornam sensíveis às normas sociais e como estas interferem sobre a

manifestação das atitudes intergrupais. Os aspectos metodológicos da pesquisa são

apresentados no capítulo 5. Os resultados estão expostos no capítulo 6. Por fim, os

capítulos 7 e 8 tratam, respectivamente, da discussão e das considerações finais.

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CAPÍTULO I

NORMAS SOCIAIS E RACISMO

1.1- O conceito de normas sociais.

A pesquisa sobre preconceito na Psicologia Social podem ser organizadas em

três grandes áreas: dinâmicas cognitivas, personalidade e normas sociais (Crandall,

Eshleman & O‟Brien, 2002). As duas primeiras áreas têm recebido maior destaque até

então e correspondem aos níveis de análise intraindividual e interpessoal, a área das

normas sociais combina, primordialmente, os níveis de análise posicional, grupal e

societal (Doise, 1980; Pepitone, 1976).

A pesquisa sobre normas sociais situa-se entre dois polos distintos de

investigação da Psicologia Social. Por um lado, encontra-se a ênfase nos aspectos

microssociais, a exemplo das interações entre pequenos grupos ou entre indivíduos, por

outro, a necessidade de compreender os processos de ordem macrossocial, tais como as

interações reais ou simbólicas entre os grupos sociais, este último enfoque passou a

receber maior ênfase na investigação, a partir dos crescentes movimentos sociais que

ocorreram na Europa e nos Estados Unidos no final dos anos 60 e início da década de

70 (Amâncio, 2004). O estudo das normas remete ao impacto que as interações sociais

podem exercer sobre nossas escolhas e convicções pessoais, sendo assim um dos mais

importantes conceitos para articular processos psicológicos com fenômenos sociais.

Dentre os primeiros estudos realizados sobre normas na Psicologia Social,

ressaltam-se as pesquisas de Sherif (1966). Seus trabalhos, realizados entre as décadas

de 1930 e 1950, resultaram de esforços teóricos e metodológicos para o estabelecimento

de vínculos entre os estudos da Psicologia Experimental, realizados em laboratórios,

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com os métodos e teorias desenvolvidos nas áreas da sociologia e da antropologia

cultural. A pesquisa de Muzafer Sherif posicionou-se de forma contrária à dicotomia

existente, na produção científica da época, entre as Psicologias Individual e Social, pois

considerava que a concepção do indivíduo e da sociedade como elementos antagônicos

não era capaz de fornecer respostas adequadas para compreender a formação e a função

das normas sociais.

Em seu esforço para encontrar as bases psicológicas das normas sociais, Sherif

(1966) criticou a produção realizada pela Psicologia Experimental de sua época,

enfatizando que os pesquisadores desta área ao mesmo tempo em que encontravam

sustentação empírica para construtos como a percepção, a memória e as atitudes, não

consideravam que tais fenômenos são suscetíveis a variações culturais e, por

conseguinte, não eram capazes de associar os achados do laboratório com aspectos da

vida social cotidiana. O autor argumentava que tal falha metodológica devia-se ao fato

dos trabalhos de Psicologia Experimental, até então realizados, não se reportarem às

teorias elaboradas por sociólogos e antropólogos.

Tomando como base os estudos e conceitos elaborados no que, em sua época,

denominou de Psicologia Individual (p. ex., percepção, memória, afetividade), Sherif

(1966) visava encontrar, pelo uso do método experimental, princípios gerais da

psicologia do indivíduo que fossem capazes de fornecer a base para a compreensão dos

fenômenos de grupo, articulando assim os campos do indivíduo e da sociedade. Para

tanto, sua pesquisa experimental sobre a formação social das normas partiu do princípio

de que os processos de elaboração de julgamentos forneceriam a base da compreensão

dos fenômenos de grupo. De tal modo, elaborou um procedimento experimental fazendo

uso do fenômeno autocinético1

com o objetivo de verificar como os indivíduos, ao

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serem colocados em situações de incerteza, elaboram padrões de julgamento (normas)

que lhe permitam estabilizar sua situação.

Diante desta problemática, a pesquisa delineada pelo referido autor criou duas

condições experimentais: uma condição em que o sujeito permaneceria sozinho, sem a

influência de outros fatores sociais além da presença do experimentador e, uma outra

condição na qual os sujeitos eram colocados em um situação de grupo, podendo o

indivíduo ser inserido no grupo, após experimentar o efeito autocinético sozinho, ou

passar pelo processo de experimentação na condição de grupo, para depois ter que

emitir julgamentos individualmente. O resultado mais relevante de tal pesquisa

evidencia que em situações de instabilidade, onde não existem critérios objetivos para

que possamos elaborar nossos julgamentos, os indivíduos tendem a construir critérios

ou padrões de referência em comum, sendo que as normas estabelecidas pelo grupo

permanecem mais estáveis do que os critérios de julgamento elaborados

individualmente.

A definição de normas sociais trazida por Sherif (1966) caracteriza as mesmas

como regras explícitas ou implícitas que descrevem e prescrevem um padrão de

comportamento apropriado ou desejável para os membros de um determinado grupo,

sendo estruturadas através dos valores sociais. Na perspectiva proposta por este autor, as

normas são verificadas enquanto “costumes, tradições, modelos, regras, valores, modas

e qualquer outro critério de conduta que seja padronizado em consequência do contato

dos indivíduos”. Tal como evidenciado em seus estudos experimentais, uma vez que

estes padrões de referência tenham sido estabelecidos e incorporados ao indivíduo, eles

1 De acordo com Garcia-Marques (2000) este fenômeno foi primeiramente observado na astronomia e

consiste num fenômeno perceptível de fácil reprodução, no qual um indivíduo ao ser colocado numa sala

escura tendo que observar, durante determinado intervalo de tempo, um ponto de luz imóvel, terá a falsa

impressão de que o ponto de luz está a se locomover no espaço. Esta situação foi escolhida por Sherif,

justamente por apresentar ambiguidade e por não existirem referências externas para se estabelecerem

julgamentos suficientemente precisos.

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atuam como fatores importantes para determinar ou modificar as reações dos mesmos

em outros contextos, em especial, naqueles em que o campo de estimulação não se

encontra bem estruturado.

A definição de normas sociais parte do princípio de que todos os grupos

humanos possuem regras que regulam o lugar do indivíduo em suas atividades e um

conjunto de produtos culturais, que constituem uma complexa estrutura social.

Considerando a relação entre o indivíduo e a estrutura social, Jesuíno (2004) salienta

que as normas são apreendidas e constituem-se como um dos mais importantes

mecanismos de controle social do comportamento dos indivíduos, o mesmo autor

sustenta que as normas são as expectativas que os membros têm sobre o que deve e o

que não deve ser permitido a determinado membro de um grupo e em circunstâncias

específicas.

As normas sociais atuam, portanto, como mecanismos reguladores da vida social

e são um fenômeno de ordem intergrupal e societal com repercussão sobre nossas ações

e julgamentos (Dubois, 2003). O estudo das normas sociais, ao passo que busca

compreender os diferentes padrões de conduta, parte da premissa de que os indivíduos

encontram-se vinculados a uma coletividade que prescreve ou fornece padrões de

comportamento considerados como mais adequados ou favoráveis.

Para desenvolver uma pesquisa sobre normas sociais, faz-se necessário que se

tenha clareza conceitual quanto sua definição, suas origens, tipologia e relação com o

comportamento e atitudes. Nesse sentido, apresentaremos quais são os tipos de normas

sociais e de que maneira estas podem interferir sobre a conduta dos indivíduos.

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1.2- Origem, classificação e processos de influência das normas sociais

Uma das explicações mais comuns para a origem e manutenção das normas

sociais considera que as normas são uma forma de coação voltada para o bem-estar

comum ou uma espécie de relação social que é capaz de garantir a sobrevivência do

indivíduo e da sociedade, maximizando benefícios e evitando custos. De tal maneira, as

normas surgiriam e permaneceriam por serem funcionais, garantindo a manutenção da

vida coletiva (Dols, 2012). Partindo desse viés funcionalista, Alisson (1992) aponta que

as normas teriam como principal função facilitar que objetivos dos grupos sejam

alcançados, balanceando metas egoístas dos indivíduos, guiando-os pela necessidade do

controle social e da sobrevivência coletiva.

Embora seja comum a ideia de que a norma atua como um elemento funcional

da vida coletiva, essa ideia é facilmente questionada ao se reportar o estudo clássico de

Sherif sobre o efeito autocinético, no qual os padrões de julgamento, elaborados pelos

participantes ao longo da realização da pesquisa, não tinham qualquer critério objetivo

que os validasse a não ser o fato de terem sido produzidos por influência coletiva. Ainda

assim, não se vislumbra de imediato qualquer funcionalidade na criação desses

julgamentos.

A pretensa funcionalidade das normas sociais é questionada por Dols (2012), o

qual expõe que as normas possuem origem arbitrária e surgem dos mecanismos de

imitação e do estabelecimento de práticas regulares e uniformes, sem que haja um

consenso coletivo sobre seus benefícios. O autor apresenta quatro fenômenos que

justificam a funcionalidade das normas, sem de fato chegar a uma funcionalidade

objetiva. Primeiramente, a funcionalidade não se refere à norma em si, mas à conduta

obediente, posto que não obedecer a uma norma acarreta em sanções. Em segundo

lugar, a pretensa funcionalidade pode ser uma justificação posterior, pois quando se

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racionaliza ou justifica uma determinada norma, é sempre possível encontrar uma

funcionalidade. Além disso, um padrão regular de conduta pode ter uma ou várias

funções sociais, pois torna a conduta previsível. Por fim, ressalta que apesar da origem

das normas ser arbitrária, elas não são caprichosas, pois sua arbitrariedade é limitada

por valores ou instituições morais dos indivíduos que as sustentam.

Embora os estudos já realizados por Sherif (1966) tenham fornecido evidências

acerca de como uma convicção elaborada coletivamente venha a interferir na

manifestação de julgamentos individuais a serem realizados posteriormente, cabe

salientar que não existe consenso tanto no tocante à definição e tampouco quanto à

influência das normas sobre aos diferentes padrões de comportamento. Quanto a este

aspecto, Torres e Rodrigues (2011) apontam que há uma vasta discussão acerca do

poder preditivo e explicativo das normas sociais sobre o comportamento humano, bem

como quanto a sua estrutura e definição, pois consideram que o conceito de normas

sociais é vago, difícil de ser operacionalizado e, por conseguinte, inadequado para

verificação empírica. Em contrapartida, também existem autores (Cialdini, Reno &

Kallgren, 1990; Lapinski & Rimal, 2005) que defendem que as normas são um conceito

central para a compreensão do comportamento social, em especial quanto à sua

capacidade de predizer condutas e intenções.

Não seria possível especificar a relação entre a influência normativa e o

comportamento sem que antes fossem definidos quais os tipos de normas que podem

estar associados com a manifestação de nossas ações. Acerca da tipologia das normas

sociais, Dols (2012) critica a distinção clássica entre normas formais, isto é aquelas que

possuem sanções formais e são explicitamente codificadas, tais como a legislação de um

país, e as normas informais, que não são explícitas, embora possam estabelecer

proibições, a exemplo das normas de etiqueta. O autor argumenta que a diferenciação

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20

entre normas formais e informais impediu que os psicólogos investigassem a fundo o

papel das normas formais, as quais só eram estudadas em situações de transgressão.

Para tanto, Dols propõe uma tipologia alternativa em que não se aborde a norma

social como algo que o indivíduo integra ao seu comportamento, podendo obedecê-la ou

transgredi-la. Partindo do princípio de que em toda sociedade há um imperativo

normativo, no sentido de que as normas fazem-se presentes independentemente dos

custos ou benefícios que podem trazer, apresenta um modelo que atende ao modo como

a norma atua sobre condutas ou ações do indivíduo. Para tanto, classifica as normas em

explícitas e implícitas. As primeiras, de caráter mais imperativo, consistem em

obrigações e proibições, enquanto que as segundas são caracterizadas como esquemas

cognitivos partilhados que geram expectativas sobre o significado social das condutas,

sendo um conceito mais próximo ao da terminologia de Sherif.

Outras tipologias procuram analisar a relação entre norma e conduta social a

partir da percepção que os sujeitos fazem acerca dos padrões de conduta existentes.

Quanto a este aspecto, Lanpinski e Rimal (2005) distinguem entre normas que existem a

nível coletivo e as normas percebidas, sendo que estas últimas corresponderiam às

normas elaboradas a partir da compreensão das pessoas quanto aos padrões de conduta

existentes. No nível coletivo, as normas representariam códigos predominantes de

conduta que tanto prescreveriam como proibiriam comportamentos que os membros do

grupo teriam possibilidade de executar. As normas coletivas são aquelas que operam a

nível institucional, abrangendo um grupo social específico, ou uma sociedade inteira,

representando um código social de conduta. Estas normas emergem através da interação

compartilhada entre membros de um grupo ou uma comunidade e seu surgimento está

associado ao modo como são construídas ou transmitidas coletivamente.

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As normas percebidas, por sua vez, existem a nível subjetivo e definem-se como

as interpretações que os indivíduos fazem acerca dos códigos de conduta coletivos.

Considerando que as pessoas podem realizar interpretações diversas acerca das normas

existentes, o estudo das normas percebidas remete aos processos comunicativos e

interacionais, os quais atuam sobre a construção subjetiva das normas.

A distinção entre normas coletivas e percebidas elucida uma diferença essencial

entre estes dois construtos e, portanto, demanda formas distintas de mensuração e

análise. De acordo com Lanpinski e Rimal (2005) as normas coletivas raramente estão

codificadas de modo formal ou são mencionadas de forma explícita, de maneira que as

pessoas podem interpretá-las de maneira divergente. Por esta razão, junção das normas

percebidas entre as pessoas não representa a norma coletiva predominante. Os autores

sugerem que as normas coletivas podem ser verificadas através da análise de alguns

indicadores de sua presença no sistema social, tais como o ambiente midiático, as

características estruturais do sistema social e as redes sociais, não podendo ser

analisadas a partir da soma de crenças individuais, posto que tal forma de análise é

congruente com o conceito de normas percebidas.

A discussão quanto aos problemas operacionais no estudo das normas também é

enfatizada por Cialdini, Reno e Kallgren (1990). Segundo estes, muito embora as

normas sociais possuam uma longa história na Psicologia Social, o uso desse conceito

como um dispositivo efetivamente explicativo e preditivo do comportamento humano é

contraditório, visto que são recorrentes as críticas de que o conceito é vago e de pouca

suscetibilidade à testagem empírica. Logo, deve-se reconhecer que o conceito de norma

necessita ser melhor definido a fim de serem evitadas maiores problemas quanto a seu

uso nas pesquisas.

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No intuito de operacionalizar adequadamente o conceito de norma e, por

conseguinte obter maior validação empírica do mesmo, Cialdini, Reno e Kallgren

(1990) discriminam entre normas descritivas e normas injuntivas. As primeiras referem-

se à percepção acerca do que a maioria das pessoas fazem, fornecendo informações para

que as pessoas verifiquem quais condutas podem ser efetivamente adaptativas. As

normas descritivas são úteis para prever o comportamento por influenciarem nossas

decisões quando devemos escolher qual comportamento é mais apropriado para

determinada situação, para tanto basta fazer o simples registro do que a maioria das

pessoas fazem e imitar suas ações.

As normas injuntivas ou prescritivas, por sua vez, tratam-se de regras ou crenças

acerca do que é moralmente aprovado ou desaprovado em uma conduta. Diferentemente

das normas descritivas, as quais informam sobre os comportamentos que são mais

frequentes em um determinado grupo, as injuntivas indicam o que deve ser feito.

Remetem-se à extensão a qual os indivíduos sentem-se pressionados a se engajarem em

determinados comportamentos. Nessa definição, a pressão pode ocorrer tanto por causa

de ameaças percebidas (ex. perder amizades ou ser incapaz de cultivá-las) ou benefícios

percebidos (ser inserido num grupo) (Rimal & Real, 2003). Isto é, estas normas

prescrevem comportamentos, por meio da promessa de sanções sociais.

As normas injuntivas, por conseguinte, são um fator significante para a

compreensão do comportamento à medida que os indivíduos percebem que a violação

de tais normas implica em sanções sociais. A influência subjacente das normas

injuntivas na direção do comportamento humano explica-se, assim, a partir do princípio

de que os comportamentos individuais são dirigidos pelo desejo de evitar sanções e

obter benefícios nas interações sociais (Lanpinski & Rimal, 2005).

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Embora os autores mencionados tratem as normas descritivas e injuntivas como

conceitos distintos, Dubois (2003) avalia que toda norma, mesmo quando supostamente

definida como descritiva, possui uma característica prescritiva, pois sempre um

indivíduo não adere ao que a maioria das pessoas fazem ele é considerado como um

desviante ou inadequado. Acrescenta que o aspecto prescrito da norma social também

ajuda a diferenciá-la do conceito de regra, conceito do qual é considerada erroneamente

como sinônimo. Enquanto que uma regra evoca restrições ou sanções possíveis, o termo

norma social também agrega a ideia de desejabilidade. Desse modo, quando se ressalta

que um comportamento ou julgamento é uma prescrição normativa, considera-se que

sua manifestação é socialmente valorada. Contrariamente, quando um julgamento ou

comportamento é considerado como anti-normativo, infere-se que sua manifestação é

imprópria ou indesejável em um determinado contexto.

Ainda que a noção de desejabilidade permita a distinção entre norma social e

regra, faz com que as normas sejam confundidas com outro conceito bastante utilizado

na Psicologia Social: os valores humanos. Os valores podem ser conceitualizados como

crenças que atendem a motivações ou fins desejáveis e que guiam a seleção, avaliação e

escolha de pessoas, comportamentos e acontecimentos (Schwartz, 2006). Segundo

Dubois, ainda que no conceito de valores também esteja presente a noção de

desejabilidade, eles diferenciam-se das normas pelo fato de serem um fenômeno do

âmbito motivacional.

A desejabilidade das normas, contudo, não se encontram associadas a

motivações ou metas pessoais, mas a comportamentos ou julgamentos. O autor salienta

que as normas emergem em situações de avaliação e autoapresentação, nas quais as

pessoas são levadas a emitirem julgamentos em função da especificidade do contexto

em que se encontram e não em função de metas ou crenças pessoais. Tal como ocorre

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em entrevistas de seleção de emprego, em que os candidatos são levados a emitir

opiniões que, muitas vezes, contrariam valores pessoais, mas que se fazem mais úteis ao

contexto da seleção.

Pode-se compreender que a relação entre normas atitudes e comportamentos

remete-se sempre a processos de interação social, não podendo existir isoladas dos

mesmos. O aspecto descritivo das normas, por envolver crenças quanto ao que é

realmente feito pela maioria das pessoas de um dado grupo social, está associado aos

processos de comparação social, descritos por Festinger (1954). Muito embora este

autor não tenha pesquisado diretamente sobre o processo das normas sociais,

argumentou que as pessoas fazem uso da comparação para avaliarem suas próprias

crenças relativas à realidade em que vivem. Este processo de comparação social pode

ocorrer sempre que as pessoas recorrem aos outros enquanto parâmetro de comparação

a fim de entender como agir em determinado contexto, particularmente quando a

situação é caracterizada pela ambiguidade.

A influência que o aspecto descrito das normas exerce sobre o comportamento

pode ser explicada justamente pela natureza informacional que estas normas possuem

para os indivíduos. O modelo de processamento espontâneo da informação proposto por

Fazio (1990), por exemplo, aponta que as normas servem para ajudarem as pessoas a

definirem uma situação particular, de modo que tal definição permite eventos

específicos sejam compreendidos. Nesse sentido, as normas descritivas tornam-se

capazes de exercer influência sobre o comportamento pelo fato dos indivíduos

apresentarem dependência informacional quanto às condutas que necessita desempenhar

em diferentes contextos. Portanto, quanto maior a percepção da prevalência de um

comportamento, maior a probabilidade dos indivíduos acreditarem que executar tal

comportamento é normativo, no sentido de ser um padrão predominante de conduta.

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A característica injuntiva das normas também prediz que as mesmas atuam como

preditoras sobre o comportamento. Por consistirem nas pressões que o indivíduo

percebe de seu meio social para que venha aderir a determinados padrões de conduta,

estas normas também são influenciadas pelos processos de comunicação e interação

social, posto que o indivíduo precisa reportar a referentes externos para que possa

elaborar parâmetros do que vem a ser ou não uma conduta socialmente aceita. Quanto a

esta qualidade das normas injuntivas, podemos recorrer à teoria social cognitiva de

Bandura (2008), a qual sustenta que os comportamentos são vistos como sendo de

natureza aceitável ou reprovável por meio da percepção de similaridades entre atores e

observadores das ações quanto às subsequentes sanções ou recompensas por seus

comportamentos.

Rimal e Real (2003) questionaram o fato da maioria dos estudos sobre normas

centrarem-se apenas na ideia de que o comportamento é predominantemente

influenciado pela maneira como a maioria das pessoas agem, ignorando aspectos

pertinentes à motivação humana e aos processos de aprendizagem. Sendo assim, os

autores elaboram um modelo compreensivo da influência normativa, o qual apresenta

que, além da normatividade descritiva, o comportamento pode sofrer influência de três

elementos mediadores, os quais seriam os padrões de comunicação, a identidade grupal

e as normas injuntivas.

Os padrões de comunicação correspondem à frequência com que os indivíduos

dialogam entre si acerca do comportamento alvo das normas. A identidade do grupo,

por seu turno, conceito adotado a partir dos trabalhos de Tajfel e Turner (1986), é

tratada como a percepção de similaridade entre o indivíduo e membros de seu grupo,

somando-se às aspirações pessoais para permanecer aceito pelo grupo. Por fim, as

normas injuntivas, correspondendo às coerções que os indivíduos experimentam para se

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conformarem às normas do grupo, sendo mensurada a partir da percepção da aprovação

social (o quanto um comportamento pode ser visto como socialmente favorável ou

desfavorável), dos benefícios pessoais (o quanto o comportamento é capaz de promover

satisfação pessoal) e pela percepção de benefícios para os outros (o quanto o indivíduo

acredita que outras pessoas encontrarão satisfação ao realizar um comportamento

específico). A partir deste modelo, Rimal e Real (2003) verificaram que as normas

descritivas não influenciam por si só o comportamento, apresentando maior poder

preditivo quando associadas à identidade grupal, à crença de que determinada conduta é

capaz de promover benefícios pessoais e à desejabilidade social da conduta.

Diante do exposto, evidencia-se que somente quando se é especificado o tipo de

norma social a ser investigada é possível caracterizar a maneira como esta é capaz de

guiar o comportamento na sociedade. Todavia, faz-se necessário ressaltar também que

as normas não devem ser vistas como forças uniformes atuando em todo tempo e

situação. As normas são capazes de motivar o comportamento quando são ativadas, ou

quando se fazem salientes em determinado contexto (Cialdini, Reno & Kallgren, 1990).

As normas sociais, portanto, exercem influência sobre comportamentos e

atitudes em função de prescreverem padrões de conduta que são vistos como mais

apropriados em diferentes contextos. Entretanto, existem diferentes motivações para se

aderir a uma conduta normativa. As bases motivacionais para se aderir às normas foram

analisadas por Kelman (1958). De acordo com este autor, quando o indivíduo adere a

uma mudança atitudinal, ele pode fazer isso a partir de três processos motivacionais

distintos, ainda que a atitude explícita seja a mesma. Esses processos motivacionais são

classificados por Kelman como aquiescência, identificação e internalização. Na

aquiescência, a expressão da atitude ocorre em função da expectativa de obter reações

favoráveis de outras pessoas. Neste caso, uma atitude é expressa não porque a pessoa

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acredita em seu conteúdo, mas porque espera obter recompensas ou evitar desaprovação

dos demais.

A identificação consiste num processo em que uma atitude é manifestada pelo

indivíduo com a finalidade de manter um bom relacionamento com outras pessoas com

quem se identifica. Ao se identificar com um grupo, o indivíduo realmente acredita nas

respostas que ele adota, porém pouco se interessa por seu conteúdo, tendo em vista que

a conduta que a que adere é em função de manter relações com as pessoas com que se

identifica. Por fim, o processo denominado de internalização ocorre quando há

aceitação da influência normativa por causa do conteúdo expresso pelas normas. Ao

internalizar uma norma, as ideias e ações que compõem uma atitude passam a ser

intrinsecamente recompensadoras para o indivíduo, posto que as atitudes são adotadas

por serem coerentes com seu sistema de valores pessoais.

A partir de tais considerações, passaremos a analisar como as normas sociais

estão relacionadas à manifestação de um fenômeno social específico, o racismo. Para

tanto, apresentaremos as principais definições de racismo e discutiremos acerca das

novas formas de suas novas formas de expressão na contemporaneidade, enfatizando os

tipos de normas que a literatura apresenta como relacionadas a este fenômeno e as

condições em que estas podem interferir na manifestação ou inibição do preconceito e

da discriminação racial.

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1.3-Definição de racismo

O racismo não é um fenômeno social recente, ao contrário ele acompanha a

sociedade ocidental há séculos, apresentando roupagens diversas em função do grupo

que toma como alvo, das crenças que o legitimam e de seu modo de atuação. Pode-se

definir brevemente o racismo como a crença na hierarquia racial entre os grupos

humanos (Agoustinos & Reynolds, 2001). Embora sua origem, enquanto corpo

ideológico, seja assinalada no século XVIII, o racismo envolve uma problemática que

acompanha toda a história da humanidade: o tratamento desigual a pessoas, baseado

num sentimento de diferença (Fredickson, 2004). Desse modo, definir o racismo não é

tarefa simples, posto que o conceito encontra-se associado a uma série de outros termos

que também envolvem a diferenciação e implicam em relações assimétricas entre

grupos humanos tais como raça, etnia preconceito, etnocentrismo e xenofobia.

Uma vez que o racismo tem por base a crença na hierarquia racial entre os

grupos humanos, é necessário analisar como a ideia de raça serviu de alicerce ao seu

desenvolvimento. Historicamente, a noção de raça apresenta sentidos diversos do que o

que viemos a conhecer na atualidade. De acordo com Munanga (2003), no latim

medieval, o conceito de raça designava a descendência, a linhagem, isto é, um grupo de

pessoas que têm um ancestral em comum e que, por conseguinte, também possuem

algumas características físicas em comum. O autor aponta que desde o ano 1684,

encontram-se registros de que o termo começou a ser empregado no sentido moderno da

palavra, para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados,

denominados de raças. O conceito de raça passou a atuar efetivamente nas relações

sociais da França, nos séculos XVI-XVII, pois era utilizado pela nobreza local que se

identificava com os francos, de origem germânica, em oposição aos Gauleses,

população local identificada como plebe.

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A ideia de raça é marcada pelo desenvolvimento histórico social do ocidente.

Embora seja difícil precisar o momento exato em que a noção de raça passou a ganhar

ênfase no mundo ocidental, Schwarcz (1996) ressalta as descobertas decorrentes das

navegações realizadas nos séculos XV e XVI como um momento significativo para as

conceituações iniciais do que mais tarde se constituiria na raciologia moderna.

Conforme mencionado pela autora, o encontro dos europeus com outros povos, fez com

que os primeiros colocassem em dúvida o conceito de humanidade até então conhecida

nos limites da civilização europeia, questionando-se acerca da natureza dos povos

recém-descobertos, entre estes os ameríndios, os negros e melanésios. Por meio da

análise de documentos e produções realizadas por artistas e navegadores da época, a

autora identifica que esses grupos eram recorrentemente caracterizados ou descritos

fazendo-se referências a animais, visto que entre os europeus não existia certeza alguma

quanto ao grau de humanidade que aqueles povos possuiriam.

Verifica-se, assim, que a noção de raça, desde sua origem, foi empregada para a

diferenciação entre pessoas. Entretanto, foi a partir do século XVIII que o racismo

passou a ser elaborado como um projeto científico, tendo seu auge no século XIX.

Segundo Cabecinhas (2007), a partir do século XVIII a noção de raça apoiou-se na

antropologia clássica, a qual se baseava em critérios morfológicos como a cor da pele, a

forma craniana, a textura do cabelo entre outros para criar classificações dos seres

humanos, classificações estas que apresentavam resultados contraditórios e muito

variáveis. A ausência de rigor nas classificações, contudo, não impediu que fossem

elaboradas as primeiras teorias da raciologia clássica, a qual partia do princípio de que

as características físicas visíveis (fenótipos) e as características profundas (genótipos)

seriam capazes de explicar as diferentes aptidões e capacidades dos indivíduos.

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Cabe destacar que o conceito de raça não foi utilizado para classificar as

populações humanas com a simples finalidade de compreender suas diferenças

utilizando um viés científico. Conforme observado por Munanga (2003), desde o início,

os naturalistas fizeram uso das classificações raciais como forma de criar um sistema

hierárquico entre as populações humanas, estabelecendo uma escala de valores entre as

raças. O autor destaca que um dos pontos fundamentais da ideia de raça foi o

estabelecimento de uma relação intrínseca entre o biológico (cor da pele, traços

morfológicos) e as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais. Assim, os

indivíduos da raça “branca”, foram decretados coletivamente superiores aos da raça

“negra” e “amarela”. Pensava-se que em função de suas características físicas

hereditárias, os brancos seriam mais bonitos, inteligentes, mais honestos, inventivos,

etc. A raça negra, por seus traços morfológicos, foi considerada como a mais estúpida,

mais emocional, menos honesta, menos inteligente e, portanto a mais sujeita à

escravidão e todas as formas de dominação.

A partir dessas definições, observa-se que o pensamento racista constituiu-se

como uma ideologia hierarquizadora e desigualitária, apoiada na cientificidade do

conceito de raça, cientificidade esta que foi traduzida na relação que se estabeleceu

entre características biológicas, capacidades intelectuais e demais aptidões. De acordo

com Cabecinhas (2007), por meio da hierarquização entre os grupos humanos e,

principalmente pela essencialização de suas diferenças, o racismo tornou-se capaz de

legitimar e justificar os sistemas de dominação social. Sendo um sistema de crenças

forjado pelo discurso científico, o racismo permitiu legitimar um sistema social com

fortes desigualdades, estabelecendo o lugar e o papel que os diferentes grupos humanos

deveriam ocupar, servindo como base para discriminação sistemática e intencional

desses grupos.

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O racismo encontra-se intimamente relacionado com outro fenômeno, o

preconceito, sendo ambos utilizados de forma intercambiável. Entretanto, eles

apresentam distinções importantes. O preconceito é usualmente avaliado como uma

atitude negativa frente a todo indivíduo membro de um grupo socialmente

desvalorizado (Allport, 1979; Dovidio, 2001). Em um nível individual, uma pessoa

pode manifestar preconceito: uma atitude negativa diante de uma pessoa ou grupo

baseada sobre um processo de comparação social no qual o indivíduo adota sua própria

raça como um ponto positivo de referência. Contudo, a simples rejeição a determinado

grupo não implica em racismo (Ponterotto, Utsey, & Pedersen, 2006). O racismo é um

constructo que relaciona crenças e práticas individuais a normas e práticas culturais e

institucionais (Jones,1972).

Essa distinção também é abordada por Fredickson (2004) que caracteriza o

racismo como um processo que não é restrito ao campo das atitudes ou das crenças, pois

também se expressa nas práticas, instituições e estruturas sociais justificadas por um

sentimento de profunda diferença. O racismo corresponde, portanto, algo mais que

teorizar acerca das diferenças humanas ou pensar mal de um grupo sobre o qual não se

tem nenhum controle.

Distingue-se, assim, o racismo do preconceito porque o primeiro repousa sobre

uma crença na distinção natural entre os grupos, ou melhor, envolve uma crença

naturalizadora das diferenças entre os grupos, pois se liga a ideia de que os grupos são

diferentes porque possuem elementos essenciais que os fazem diferentes, ao passo que o

preconceito não implica na essencialização das diferenças (Lima & Vala, 2004). Dentre

outras diferenças, cabe destacar outro elemento distintivo: o poder. No caso da

manifestação do racismo, o significado da preferência endogrupal repousa sobre o fato

endogrupo estar disposto a exercer poder sobre o exogrupo. O poder que um grupo

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exerce sobre outro transforma o preconceito racial em racismo e vincula o preconceito

com o corpo de práticas sociais. A prática de racismo num nível cultural e estrutural

mantém a hierarquia e reproduz as diferenças de poder entre os grupos no sistema social

englobando processos de discriminação e exclusão social (Jones, 1972).

Apesar de serem conceitos distintos, verifica-se que o racismo e o preconceito

possuem uma relação significativa. Embora o racismo seja um fenômeno mais

abrangente, por consistir no poder de negar aos outros grupos raciais a dignidade,

oportunidade, liberdade e recompensas conferidos ao grupo dominante e por se basear

numa ideologia amplamente aceita quanto à hierarquia e diferenciação entre os grupos

(Dovidio, 2001), é provável que a ideologia que fomenta a crença de que certos grupos

são racialmente inferiores também possa favorecer a manifestação de atitudes negativas

ou hostis contra os membros de grupos socialmente desvalorizados, atitudes estas que se

caracterizam como preconceito (Allport, 1979; Dovidio, 2001). Considerando o

preconceito racial como um dos componentes do racismo, discutiremos agora as suas

principais definições e a forma como tem sido abordado na Psicologia.

1.4- Preconceito

No campo da Psicologia, uma das primeiras e mais fundamentais definições

sobre o preconceito foi trazida por Allport (1954/1979), em seu livro The Nature of

Prejudice, o qual o define como sendo uma atitude hostil ou aversiva acerca de uma

pessoa que pertence a um grupo, simplesmente por ela pertencer a este grupo,

presumindo-se que possui as qualidades desagradáveis que são atribuídas àquele grupo.

O que potencializa na pessoa preconceituosa uma maior tendência a distanciar-se ou,

efetivamente, evitar o contato social com os representantes de tais grupos.

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O modelo conceitual do preconceito delineado por Allport (1954/1979) também

evidenciou uma das questões fundamentais das pesquisas em Psicologia Social: a

relação entre comportamentos e atitude. Em sua proposição, o preconceito abrangeria

atitudes e crenças negativas acerca de determinados grupos sociais, todavia o autor faz a

ressalva de que nem toda atitude hostil envolveria a manifestação de um comportamento

negativo para com grupos em específico, de modo que o preconceito poderia se

manifestar por diferentes graus de ações negativas, existindo ações mais hostis do que

outras. Na gradação que propôs, as formas de expressão do preconceito variam da anti-

locução (expressão verbal do preconceito), passando pela evitação a membros de outros

grupos, a discriminação propriamente dita que consistiria em tomar decisões que

envolvem em excluir o negar certos privilégios a membros de um grupo, a agressão

física e, por fim, a exterminação, tal como ocorreu no holocausto judeu.

O trabalho de Allport serviu como base para investigações subsequentes sobre a

natureza do preconceito, antecipando descobertas no campo da cognição social e do

comportamento intergrupal. Para a área da cognição social, por exemplo, seu trabalho

contribui ao trazer o conceito de categorização, o qual foi adotado em pesquisas

desenvolvidas posteriormente. A categorização destaca-se como um dos elementos que

vieram a exercer influência em outras perspectivas desenvolvidas posteriormente.

A categoria é definida por Allport (1954/1979) como um conjunto acessível de

ideias associadas que têm a propriedade de guiar os ajustamentos cotidianos. Desse

modo, a categorização atuaria como um mecanismo do aparelho cognitivo que tem por

finalidade tornar nossa interação com o meio físico e social mais eficaz e econômica em

termos da quantidade de informação a ser assimilada. Nessa perspectiva, haveria uma

tendência básica e inevitável de nosso sistema cognitivo em agrupar objetos e pessoas

em classes ou categorias. O preconceito seria, portanto, um processo natural,

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envolvendo limitações quanto a nossa capacidade de julgamento e avaliação das pessoas

e dos grupos a que pertencem. De tal maneira, as diferenças interindividuais seriam

pouco enfatizadas em nossa percepção e, por conseguinte, o indivíduo seria avaliado ou

julgado em função do grupo (categoria) ao qual pertence.

Não obstante às contribuições de Allport, o estudo do preconceito sofreu a

influência de diferentes vertentes teóricas que enfatizam aspectos distintos quanto à

natureza e característica do preconceito racial. Essas diferentes contribuições foram

revisadas por Duckitt (1992) em uma análise histórica sobre a produção científica nesta

área, tendo como referência o contexto social norte-americano. Nesta revisão, são

delimitados sete diferentes períodos em que o preconceito foi estudado a partir de

orientações teóricas e metodológicas específicas, partindo do início do século, quanto o

preconceito ainda não era visto como um problema, até a produção realizada no fim dos

anos de 1980.

Tal como destacou, a Psicologia voltou-se para o estudo das causas do

preconceito no período que coincidiu com a 2ª Guerra Mundial, até então as pesquisas

voltavam-se para a descrição do fenômeno, mas não para suas possíveis causas. Dentre

os modelos que buscavam identificar fatores causais para o preconceito, destacam-se o

modelo psicodinâmico e a teoria da personalidade autoritária, predominantes até a

década de 1950, os quais situavam o preconceito como resultante de processos

psicológicos e traços de personalidade que tornariam os indivíduos propensos a

desenvolverem o preconceito. Após este período, os estudos direcionaram-se para uma

perspectiva mais societal, buscando entender como a conformidade a determinadas

normas sociais e a dinâmica das relações entre os grupos são capazes de promover

atitudes preconceituosas e padrões recorrentes de discriminação.

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35

Na revisão feita por Duckitt, destaca-se como o paradigma predominante o que

foi enfatizado a partir da década de 1980, o qual buscou compreender como processos

cognitivos, em especial a categorização, influenciam o preconceito e a discriminação.

Nesta ênfase, o autor menciona duas abordagens, uma de ordem sócio-cognitiva e outra

cognitivo motivacional, as quais avaliam como processos cognitivos, tais como a

categorização, influenciam o preconceito e a discriminação. A abordagem cognitiva

volta-se para o conceito de estereótipo, definido como um conjunto de crenças

supergeneralizadas sobre membros dos grupos sociais (Allport, 1954/1979). Segundo

Blaine (2007), as pesquisas sobre estereótipos buscam compreender como esta estrutura

cognitiva organiza e representa a informação sobre as categorias sociais e de que modo

contribui na formação de vieses durante o processamento da informação e do

comportamento discriminatório.

Dentro da abordagem cognitivo motivacional, assim definida por Duckitt,

ressalta-se a teoria da identidade social de Tajfel e Turner (1986), a qual também fez

uso do conceito de categorização social e, ao mesmo tempo, situou o preconceito como

um fenômeno do âmbito das relações intergrupais. O modelo proposto por estes autores

para o estudo da identidade permitiu que o preconceito fosse identificado enquanto um

fenômeno envolvido nas relações de grupo. Os grupos de elevado estatuto social, a fim

de manter um autoconceito positivo entre seus membros e garantir sua posição

privilegiada nas relações sociais, estabelecem critérios de diferenciação positiva entre o

próprio grupo (endogrupo) e os outros grupos (exogrupos), fazendo uso de

determinadas ideologias que tornam sua posição social como legítima e permitem que

os grupos minoritários possam ser alvo de discriminação e tenham status diferenciado

nas relações sociais.

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36

Esta teoria foi responsável por articular elementos cognitivos, como o processo

de categorização, com aspectos motivacionais e societais, considerando que o

preconceito colabora para a manutenção de relações assimétricas entre os grupos

sociais. Por meio desta perspectiva, o estudo do preconceito não ficou restrito a uma

abordagem estritamente cognitiva, mas como um fenômeno social que é moldado por

questões históricas, políticas e econômicas, sendo portanto um processo intergrupal que

soma-se a fatores de ordem perceptiva e motivacional (Amâncio, 1989, apud

Cabecinhas, 2007).

O modelo cognitivo do estudo do preconceito e da discriminação contribuiu para

o que Augoustinos e Reynolds (2001) caracterizam como uma definição menos

pejorativa desses fenômenos, considerando que a proposta cognitiva situou as atitudes

preconceituosas como resultantes de processos cognitivos naturais e inevitáveis, tais

como a categorização e a estereotipia, que funcionavam para simplificar a realidade e

tornar a complexidade do mundo social mais manejável. Entretanto, salientam que esta

terminologia mais “neutra” do preconceito também foi alvo de críticas por não situar a

importância das dimensões afetiva e valorativa na manifestação deste fenômeno, bem

como por menosprezar os aspectos ideológicos e políticos que estão inseridos nas

relações interpessoais.

No contexto social atual, os estudos sobre racismo encontram um novo fator que

interfere diretamente na expressão de comportamentos discriminatórios e de atitudes

raciais, o fato de existirem normas sociais antirracismo que condenam sua expressão.

Desse modo, discutiremos as características das normas antirracismo e o impacto que as

mesmas têm exercido sobre a manifestação desses fenômenos.

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CAPÍTULO II

NORMA ANTIRRACISMO E NOVOS RACISMOS

2.1- Norma social antirracismo

Embora a noção de raça tenha ganhado força ideológica a partir do saber

científico produzido em fins do século XVIII, servido como base ideológica para

justificar relações desiguais entre os grupos humanos, é justamente como teoria

científica que o racismo tornou-se inadequado. Pesquisas realizadas durante o século

XX revelam que o patrimônio genético de indivíduos pertencentes a uma mesma raça

podem ser mais distantes que os pertencentes a raças diferentes, sendo a raça um critério

cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em

grupos (Munanga, 2003). Destacam-se os conhecimentos produzidos por cientistas do

Projeto Genoma Humano, os quais verificaram que todos os seres humanos são 99,9%

iguais, geneticamente falando. Em termos genéticos, toda diversidade que é observada

quanto ao comportamento, personalidade e qualidades físicas seria associada aos 0,1%

restantes. Nenhuma variação genética pode distinguir brancos, negros, asiáticos ou

hispânicos (Bonham, Washauer-Baker & Collins, 2005).

Além dos avanços das pesquisas na área da genética que foram de encontro a

ideia de que a variabilidade humana poderia ser explicada em termos de raça, no âmbito

sócio-político, observou-se o fortalecimento de uma norma social antirracismo. Desde o

fim da 2ª Guerra Mundial, as sociedades democráticas passaram a enfatizar princípios

de igualdade e justiça, os quais não são compatíveis com a existência de hierarquias e

tratamentos discriminatórios entre as pessoas. Tal mudança normativa pode ser

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observada na Declaração Universal dos Direitos do Homem elaborada pela Organização

das Nações Unidas em 1948:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e

consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade (§1º); Todos os seres

humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem

distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião

pública ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra

situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou

internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território

independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania (§2º).

Verifica-se assim, a ênfase em valores igualitários, presentes na possibilidade de

cada cidadão invocar os direitos presentes na Declaração, independentemente de

distinções, incluindo a de raça. No contexto da sociedade brasileira, também se observa

a constituição de um aparato jurídico que coíbe a doutrina racista e a manifestação de

atitudes e comportamentos discriminatórios, tal como pode ser observado na Lei nº

7.716 de 5 de janeiro de 1989, a qual definia os crimes resultantes do preconceito de

raça e de cor, sendo posteriormente alterada pela Lei nº 9.459 de 13 de maio de 1997, a

qual alterou os Ats. 1º e 20º da lei supracitada, definindo no seu artigo 1º que “serão

punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de

raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Em seu Artigo 20º refere como crime

de preconceito “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça,

etnia, religião ou procedência nacional.” Cabe referir ainda a Lei nº 8081 de 21 de

setembro de 1990, a qual estabelece os crimes e as penas aplicáveis aos atos

discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia, procedência nacional,

praticados pelos meios de comunicação ou por publicação de qualquer outra natureza.

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Desse modo, desde o período pós-guerra, sociedades democráticas como a nossa

têm enfatizado uma norma social da indesejabilidade do racismo. Antes deste período,

contudo, o preconceito e a discriminação eram manifestados explicitamente e recebiam

apoio político e institucional para que o fossem. De acordo com Quillan (2006), nas

pesquisas realizadas em Psicologia, o preconceito racial era claramente declarado em

respostas dos participantes a surveys, cujos resultados apontavam que a maioria dos

americanos brancos endossava a discriminação e a segregação racial, como também

atribuíam muitos estereótipos negativos aos não brancos.

As mudanças no quadro sócio-histórico influenciaram o desenvolvimento de

novas teorias acerca do preconceito e racismo, posto que as práticas explícitas de

discriminação foram gradativamente sendo proibidas e os brancos passaram a repudiar a

discriminação e formas ostensivas de preconceito contra negros. Dentro desse contexto

normativo, Meertens e Pettigrew (1999) propõem os conceitos de racismo flagrante e

preconceito sutil. O primeiro sendo caracterizado por formas de expressão mais abertas

e diretas e o segundo, por formas sutis e indiretas, sensíveis à norma antirracismo.

As modificações no contexto normativo, contudo, não alteraram as relações

desiguais entre brancos e negros, tendo sido constatadas desigualdades quanto ao acesso

ao emprego, moradia, saúde, entre outras esferas da vida social. Muitos pesquisadores

argumentaram que tal mudança no plano político não refletiria, necessariamente, uma

mudança genuína nas atitudes raciais dos grupos dominantes, mas sim que o

preconceito e a discriminação, em consonância com as normas sociais igualitárias,

teriam adotado formas mais sutis de manifestação (Gaertner & Dovidio, 1986).

Percebe-se, assim, uma mudança no foco do interesse dos pesquisadores, com

um aumento substancial de pesquisas, que empregando medidas mais indiretas, visam

revelar as atitudes raciais em suas formas de expressão mais sutis e menos evidentes,

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formas estas que reproduzem as atitudes racistas sem desafiar a norma social

antirracismo. Essas medidas mais indiretas passaram a ser utilizadas em detrimento

daquelas que tinham como objetivo a busca de seus conteúdos, utilizando métodos

diretos de obtenção de dados (Pereira, 2002; Vala, Brito & Lopes, 1999).

As principais mudanças nas técnicas utilizadas para analisar o preconceito e a

discriminação foram avaliadas por Brauer, Wasel e Niendental (2000). Conforme

observaram, as primeiras medidas adotadas consistiam em escalas que acessavam

preconceitos e estereótipos de uma maneira transparente ao participante. A exemplo, os

autores mencionam a escala de distância social de Borgadus (1925), na qual os

respondentes eram solicitados a declararem o grau de intimidade com membros de

outros grupos que estariam dispostos a tolerar, sendo que o escopo das respostas variava

de “excluiria esta pessoa de meu país” a “admitiria parentesco próximo, através do

casamento.”

Ainda segundo Brauer et al. (2000), a preocupação dos pesquisadores em

analisar atitudes raciais num contexto normativo que condena a manifestação do

racismo levou ao desenvolvimento de uma segunda geração nas escalas de preconceito,

elaboradas, principalmente, para verificar suas formas mais veladas ou indiretas. Tais

escalas eram consideradas como menos reativas, pois ajustes foram realizados para que

se apresentassem itens e formatos de resposta que encobrissem o propósito original da

investigação. Desse modo, presumia-se que se os participantes fossem realmente

preconceituosos, isso poderia ser verificado por meio das escalas, apesar de seus

esforços de autoapresentação.

A utilização dessas escalas de verificação de formas sutis do preconceito

demonstra que, apesar da raça ter pouco embasamento científico e seja constantemente

banida do discurso público através de coerções legais, isso não quer dizer que o

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preconceito e o racismo tenham sido excluídos das percepções e das relações

estabelecidas no cotidiano. A ideia de raça continua presente no contexto social

contemporâneo, ao passo que permanece estruturando a percepção que se tem dos

outros e a operar o discurso de exclusão, ainda que de forma camuflada (Cabecinhas,

2007).

Nesse quadro normativo, Vala, Lopes e Brito (1999) pontuaram que o

pensamento do senso comum vem deslocando a construção das teorias sociais sobre os

grupos humanos e as consequentes formas de categorização social, de ideias sobre raça

para ideias sobre diferenças culturais e étnicas. O discurso racista tradicional tem sido

substituído por outro que salienta as diferenças culturais e que opera novas

diferenciações a partir dos conceitos de cultura e etnia, também utilizados para enunciar

hierarquias entre grupos humanos tal como foi feito com o conceito de raça, contudo a

ideia de etnia é socialmente mais normativa para justificar conflitos sociais e assimetrias

de poder.

Diferentemente do conceito de raça, o grupo étnico é um conceito mais

impreciso e que não se resume a uma definição exclusiva, abrangendo outros aspectos

que não os traços fenotípicos, tais como o idioma, a religião, a herança cultural, a

história e o espaço territorial (Adesky, 2005). Entretanto, Meertens e Pettigrew (1999)

verificaram que os termos raça e etnia fazem parte de um processo mais geral de

heterorracialização e heteroetnização de grupos humanos, num contexto de relações

marcadas pela assimetria de poder ou por relações de dominações reais ou imaginadas.

Tal constatação foi observada num estudo sobre as atitudes sociais dos europeus em que

foram adotadas escalas de racismo sutil e racismo flagrante. Os resultados indicaram

que o primeiro racismo está associado a diferenciações no plano biológico e o segundo,

a diferenciações no plano emocional e de valores. Entretanto, análises fatoriais

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confirmatórias indicaram que ambos encontram-se relacionados, demonstrando que eles

compõem dimensões diferentes de um mesmo fenômeno, tornando-se legítimo abordar

os termos de raça e racismo no estudo processos intergrupais.

É dentro desse contexto em que as pessoas tornam-se conscientes das normas

antirracista e sustentam valores igualitários que propomos avaliar a relação entre

normas sociais e expressões do racismo em crianças. Nesse sentido, apresentaremos os

chamados “novos racismos” o impacto que as normas sociais têm exercido sobre a

manifestação dos mesmos.

2.2- Normas sociais e os novos racismos:

O estudo do racismo é algo que permanece a instigar o campo das ciências

sociais a buscar novas formas de compreender e solucionar esta problemática que

aparenta acompanhar diferentes configurações sociais ao longo da história. Tal como

abordado anteriormente, na sociedade contemporânea, o que mais chama atenção

quanto a esta problemática é o fato de existir todo um aparato jurídico e cultural que

condena o racismo e outra formas de discriminação, tais como a discriminação religiosa,

gênero, religião (ver Constituição de 1988), sendo ainda o racismo considerado como

crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. Todavia, ainda são

recorrentes episódios que envolvem a discriminação e o ódio entre os grupos humanos

em função da diferença existente entre os mesmos.

Embora já tenham se passado mais de seis décadas desde a publicação da

Declaração Universal dos Direitos do Homem, garantindo-se a brancos e negros,

igualdade de acesso a instituições e espaços públicos, as estratificações raciais

continuam a permear a sociedade brasileira, considerando que ainda é possível notar

que, mesmo mais de 100 anos após a abolição da escravatura, brancos e negros ocupam

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diferentes posições nas camadas da sociedade, tendo estes últimos permanecido nas

condições que envolvem maior desvantagem social, estando comumente vinculados a

situações de pobreza e vulnerabilidade.

Conforme um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

com amostra por domicílio (IPEA/ FIBGE/ PNAD/ 2008): 1) Os negros correspondem a

68% dos pobres e 71% dos indigentes são negros; 2) Um trabalhador negro ganha, em

média, pouco mais da metade do que ganha um trabalhador branco; 3) Das 571.000

crianças entre 7 e 14 anos estão fora da escola, 62% são negras; 4) Uma pessoa negra

tem, em média, quase dois anos a menos de estudo que a população branca (8,3 anos

contra 6,6). A taxa de analfabetismo entre os negros é mais que o dobro entre brancos.

No cerne deste paradoxo, em que se verificam disparidades sociais herdadas de

um passado recente marcado pela vasta tradição racista e pelo legado escravocrata, ao

mesmo tempo em que a sociedade estabelece princípios de justiça e equidade, que

condenam tanto no âmbito moral como no jurídico as expressões de preconceito, estas

últimas têm adquirido novas formas de manifestação que não venham a ferir de maneira

aberta as normas de igualdade difundidas em nosso meio social. Esse novo contexto

social tem despertado estudos baseados nas denominadas teorias dos novos racismos, as

quais afirmam que na sociedade contemporânea, a norma social é a de evitar a

expressão de comportamentos ou atitudes discriminatórias (Gaertner & Dovidio, 1986;

Katz & Hass, 1988; Kinders & Sears, 1981; Pettigrew & Meertens, 1995). De maneira

que estas novas abordagens do preconceito têm concentrado esforços para identificar

suas manifestações mais sutis, implícitas e automáticas.

Cabe ressaltar que, no caso de um país miscigenado como o Brasil, este

paradoxo reflete um processo cultural e histórico único, no qual o racismo convive não

só com normas que o condenam, mais também com ideologias que negam a sua

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presença no processo de formação de nosso povo, entre estas destaca-se o chamado

“mito da democracia racial” (Fernandes, 2007), o qual sustenta que a aparente ausência

de tensões abertas e conflitos permanentes entre os grupos sociais pode ser considerada

como indício de boa organização das relações raciais. Entretanto, o argumento de uma

suposta igualdade racial não pode ser sustentado numa sociedade recém-egressa da

escravidão e onde negros, conforme os dados mencionados, sofrem restrições quanto a

oportunidades econômicas, educacionais, sociais e políticas.

Várias teorias foram desenvolvidas com o propósito de avaliar o aparente

divórcio entre avaliações públicas mais igualitárias e condições de fato das relações

assimétricas entre os grupos. São exemplos a Teoria do Racismo Moderno (McConahay

& Hough, 1976), a Teoria do Racismo Aversivo (Gaertner & Dovidio, 1986) ou ainda a

teoria do preconceito flagrante e do preconceito sutil (Pettigrew & Meertens, 1995).

Essas teorias propõem que os grupos dominantes mantêm suas atitudes preconceituosas

face às minorias, mas não a expressam em contextos onde a norma antirracista tende a

inibir a expressão de preconceito, suscitando no seu lugar a expressão de atitudes

igualitárias e de repúdio da discriminação racial. As expressões do preconceito e da

discriminação raciais passam a ocorrer de forma velada, aversiva, discreta, sutil,

opondo-se às predecessoras de tipo flagrante, direto e explícito.

Embora não possa ser expresso de forma aberta, mas frequentemente de forma

sutil ou velada, é capaz de atuar de modo igualmente perverso sobre os grupos

minoritários. (Meertens & Pettigrew, 1999). Dentre estes novos racismos, destacamos o

racismo aversivo. A teoria do racismo aversivo considera que o preconceito continua a

existir e afetar a vida das pessoas, ainda que de forma indireta. Embora seja abordado

como “sutil”, as consequências deste preconceito (p. ex. restrição de oportunidades

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econômicas) pode ser significante para as pessoas de cor e tão perversa quanto às

formas mais tradicionais e declaradas de discriminação (Dovidio, 2001).

Gaertner e Dovidio (1986) argumentam que a maioria dos americanos exibem o

que eles definem como racismo aversivo, um estilo de preconceito que resulta do (1)

preconceito que se desenvolve histórico e culturamente no contexto racista e de

mecanismos cognitivos que promovem o desenvolvimento de estereótipos e (2) de

sistema de valores igualitários. O preconceito que o racista aversivo sente não é

abertamente hostil, mas sim é um sentimento de desconforto, mal-estar e medo de

negros, manifestado no ato de evitar contato com minorias raciais. Define-se, então o

racismo aversivo como uma forma de preconceito caracterizada por pensamentos,

sentimentos e comportamentos racistas de uma maioria de norte-americanos brancos

que se autodescrevem como bem intencionados e ostensivamente não preconceituosos

(Pearson, Gaertner & Dovidio, 2009).

O estudo sobre racismo aversivo aponta que as pessoas possuem crenças e

sentimentos raciais negativos, dos quais são inconscientes ou esforçam-se para dissociar

estas características de sua autoimagem não preconceituosa. Segundo Dovidio (2001), o

racista aversivo, por adotar valores igualitários, não discrimina de uma forma direta ou

aberta em que possam julgá-lo como racista, contudo, considerando que mantém

atitudes implícitas negativas, manifestará discriminação ainda que de forma não

intencional, sempre que seu comportamento possa ser justificado por um outro fator que

não seja a raça. O modelo do racismo aversivo considera, portanto, que em contextos

nos quais a norma social possa favorecer justificações não racistas para a discriminação,

esta última irá ocorrer.

A fim de obter evidências empíricas sobre o racismo aversivo, Dovidio e

Gaertner (2000) conduziram um estudo com o objetivo de explorar situações de

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discriminação em contextos do cotidiano, neste caso o contexto abordado foi a da

contratação, em que os participantes da pesquisa deveriam avaliar, através da descrição

de trechos de entrevistas, qual dos candidatos apresentavam perfil apropriado para

participar de um novo programa da universidade. Para tanto, os pesquisadores

elaboraram três diferentes perfis de candidato: um refletindo boas qualificações, outro

apresentando baixas qualificações e um terceiro candidato moderado quanto à

apresentação de boas qualificações. Os participantes teriam que avaliar estes perfis em

duas condições distintas, uma em que o candidato era negro e outra em que era da cor

branca. Os resultados encontrados mostraram que nas situações em que as

características dos candidatos eram objetivamente caracterizadas como positivas ou

negativas, não se verificaram diferenças expressivas entre brancos e negros. Contudo,

nas situações onde os critérios não eram tão objetivos, isto é quando o candidato

apresentava qualificações moderadas, houve maior rejeição do candidato negro.

Esta pesquisa evidencia como o preconceito é influenciado por normas sociais

que são salientadas no contexto imediato no qual os indivíduos se encontram. Embora

nenhum dos participantes se auto afirmasse como racista, no contexto onde não haviam

critérios suficientes para qualificar de forma positiva o candidato negro, este era

rejeitado, posto que a ausência características suficientemente positivas serviu como

justificativa para que este fosse discriminado. Nesse sentido, a teoria do racismo

aversivo não só considera que o preconceito tornou-se sensível ás normas sociais, mas

que também é caracterizado por atitudes e crenças implícitas que estariam subjacentes à

manifestação do comportamento discriminatório (Dovidio, 2001).

Pode-se salientar que a teoria do racismo aversivo considera que o preconceito

não pode ser acessado por meio de pesquisas de autorrelato tão como era feito nos

estudos iniciais sobre o tema. Isto porque tais instrumentos seriam capazes de acessar

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apenas as forma tradicionais de preconceito, manifestas por meio de ações explícitas e

conscientes de discriminação. De tal maneira, o racismo aversivo e os novos

preconceitos realizam uma distinção que emergiu na literatura da Psicologia Social

sobre atitudes e estereótipos (Greenwald & Banaji, 1995). As atitudes explícitas operam

de modo consciente e são exemplificadas por mensurações tradicionais de autorrelato.

As atitudes implícitas e os estereótipos, por outro lado, atuam como avaliações e

crenças ativadas automaticamente frente a um determinado objeto atitudinal,

demandando por instrumentos de mensuração capazes de acessar formas indiretas de

manifestação do preconceito.

Para Crandall e Eshleman (2003) as teorias correntes sobre o preconceito podem

ser caracterizadas como “teorias de dois fatores”. Isto porque compreendem o

preconceito racial como resultante da interação entre dois fatores motivacionais

distintos, o preconceito racial propriamente dito e a motivação para suprimi-lo. O

primeiro fator, o precocneito genuíno, é qualificado como primário, subjacente,

apreendido nos primeiros anos de vida e não requer grande esforço cognitivo para ser

expresso. O segundo fator, por seu turno, é considerado como o desejo de não

manifestar preconceito, sendo influenciado por normas sociais que condenam a

expressão do preconceito, abrangendo o liberalismo, o igualitarismo e o desejo de

manter de uma auto-imagem coerente com valores humanitários. As teorias, de maneira

geral, consideram que a tensão entre a expressão e supressão do preconceito

caracacteriza as atitudes dos brancos frente aos negros, sendo que tal interação gera

emoções ambivalentes, instabilidade emocional e inconsistência cognitiva.

Embora a teoria do racismo aversivo enfatize a existência de atitudes implícitas

na expressão do preconceito e que este é suscetível à influência das normas sociais,

ainda são pouocs os estudos que evidenciem a importância das normas sociais na

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expressão do preconceito e do racismo, e, mais especificamente quais as normas sociais

atuam diretamente sobre a produção e inibição desses fenômenos. Lima, Machado,

Ávila, Lima e Vala (2006), fazendo uso do Implicit Association Test (IAT) analisaram o

impacto das normas sociais da igualdade e da competição na expressão automática de

preconceito contra os negros no Brasil. Os autores realizaram três estudos. No primeiro

estudo, analisaram os efeitos dos contextos normativos, igualitário e meritocrático, na

expressão do preconceito e verificaram que o contexto meritocrático aumenta o

preconceito, entretanto o contexto igualitário não o reduz .

No segundo estudo, analisa-se os sentidos dados pelos participantes à

“igualdade”. Observou-se a atribuição de dois sentidos: 1) igualdade solidária: “Por

exemplo, podemos pensar que todas as pessoas devem ter as suas diferenças respeitadas

e valorizadas pela sociedade. E que as diferenças entre as pessoas não devem produzir

diferenciações ou discriminações e preconceitos. Isto implica pensar uma sociedade

mais inclusiva e justa que produza integração entre as pessoas e crie uma situação de

igualdade e solidariedade entre todos” (p.316); e 2) igualdade formal: “Um primeiro

sentido refere uma igualdade formalista ou constitucional, formada por respostas em

termos de “igualdade de direitos e de deveres” (p.315). No terceiro estudo, os autores

utilizaram ss duas formas de igualdade como priming, juntamente com contexto

meritocrático. Dois resultados são marcantes, o primeiro foi que o preconceito

automático contra os negros foi anulado na situação de igualdade solidária; e segundo, o

preconceito automático não acontece num vácuo social , nem é um resíduo indesejável e

inevitável do funcionamento cognitivo humano, mas acontece em contextos nos quais a

norma meritocrática está saliente.

As pesquisas sobre as novas formas do preconceito trazem à tona, portanto, que

a discriminação racial não é uma temática do passado, ao passo que demonstram que

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tanto as manifestações implícitas como as formas declaradas de discriminação são

capazes de restringir oportunidades para negros e outras minorias. Dentro desse novo

contexto de relações intergrupais, este trabalho busca identificar como as crianças têm

assimilado a norma antirracismo e verificar se esta norma interfere na maneira como

elas expressam atitudes e comportamentos de discriminação racial. Para tanto, serão

apresentadas, a seguir, algumas considerações quanto ao desenvolvimento de atitudes

raciais na criança e teorias relacionadas à manifestação do racismo na infância.

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CAPÍTULO III

RACISMO E O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO

3.1-Socialização de crianças

Os mecanismos pelos quais as crianças assimilam a ideia de raça e desenvolvem

atitudes e comportamentos em face aos diferentes grupos racializados com quem

convivem encontram-se envolvidos num processo mais amplo, no qual a criança torna-

se parte de uma sociedade e de uma cultura. Tal processo define-se como socialização

(Grusec & Hastings, 2008). Este conceito remete ao fato de que a criança não nasce

membro de uma sociedade, mas se torna membro desta ao ser inserida em sua rede de

relações e interiorizar seus significados. A socialização é um processo contínuo e

cumulativo e consiste na integração da criança como um ativo participante da

sociedade, abrangendo as tendências do indivíduo em estabelecer relações com os

outros, ser aceito como membro de um grupo e a regular seu comportamento de acordo

com códigos sociais (Damon, 2006; França 2013).

Conceber a socialização como um processo implica em analisar os mecanismos

pelos quais a criança transforma-se num ator social, capaz de fornecer significado para a

realidade em que vive e de ser reconhecido como um membro legítimo pelos demais

atores sociais. Nos estudos sobre o processo de socialização é possível observar

diferenças significativas entre as abordagens clássicas e as mais atuais. Inicialmente, as

teorias concebiam a criança como um ser moldado pela sociedade, de maneira que suas

atitudes e comportamentos seriam apenas reflexos da ordem social vigente. Embora esta

visão tenha delineado muitas das interpretações predominantes sobre a infância, outras

abordagens posteriores questionaram a ideia da criança como um aprendiz passivo das

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gerações anteriores e ressaltaram aspectos distintos do desenvolvimento infantil,

evidenciando o protagonismo e as singularidades da criança em comparação com os

adultos.

As primeiras teorias acerca do processo de socialização surgiram no âmbito das

ciências sociais a partir do conceito elaborado por Durkheim (1922/1955), em sua obra

“A educação: sua natureza e função”, na qual a educação é caracterizada como um

mecanismo metódico de socialização imposto pelas gerações mais antigas às novas

gerações. De acordo com o autor:

(...) a sociedade se encontra, a cada nova geração, como que diante de uma tabula rasa, sobre a

qual é preciso construir quase tudo de novo. É preciso que, pelos meios mais rápidos, ela agregue

ao ser egoísta e associal, que acaba de nascer, uma natureza capaz de vida moral e social. Eis a

obra da educação. Ela cria no homem um ser novo. (p.42).

Nesta abordagem sobre a socialização, verifica-se o agente social caracterizado

como naturalmente egoísta e associal, devendo a sociedade, compreendida aqui como

um agente externo ao indivíduo, imputar-lhe normas e os padrões que guiam a vida em

coletividade. Através da educação, as gerações mais antigas, representadas por agentes

socializadores como a família e a escola, regulariam o indivíduo, contendo seus

instintos e inserindo-o na sociedade através de mecanismos coercitivos. A socialização

estaria resumida, portanto, a um processo de interiorização de regras de comportamento

moral, no qual a criança assimila passivamente os padrões de vida da ordem coletiva.

De acordo com Setton (2005), embora a proposta de Durkheim seja contemporânea a de

outros pensadores que analisavam o caráter conflitivo e ambíguo entre indivíduo e

sociedade, seu modelo de socialização prevê uma coerência entre valores institucionais

e individuais, sendo a coerção entendida como uma ferramenta necessária ao processo

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civilizatório, através da qual indivíduo e sociedade estabeleceriam harmonia e

coerência.

A ideia de que a socialização corresponde a um ajustamento entre indivíduo e

sociedade também veio influenciar o desenvolvimento de teorias posteriores, a exemplo

do modelo elaborado por Berger e Luckman (1966/2010). Estes autores retomam e

aprofundam as análises anteriores sobre a coerência entre agentes e instituições sociais,

estabelecendo duas dimensões distintas de socialização: a primária e a secundária. A

primeira destas corresponde à imersão da criança no mundo social, sendo um processo

em que ela interioriza o mundo que lhe é transmitido pelos seus pais. Considerando que

a criança, pela relação de dependência que possui para com seus pais, inevitavelmente,

identifica-se com eles e interioriza os significados que lhe são transmitidos não como

uma dentre outras possíveis definições de mundo, mas como um único mundo existente

e concebível. Os conteúdos assimilados na socialização primária, embora variem de

sociedade para sociedade, são caracterizados pela maior solidez e resistência à

mudança, visto que asseguram a posse subjetiva de um “eu” e de um mundo exterior.

A socialização secundária, por sua vez, é caracterizada pela interiorização de

submundos institucionais, determinados pela complexa divisão do trabalho nas

sociedades modernas e pela segmentação social do conhecimento. Após ter passado pela

socialização primária, onde houve a interiorização dos conceitos que servem de base

para as primeiras noções da realidade e da consciência de si, na socialização secundária,

o indivíduo adquire vocabulários de funções e papéis sociais específicos. Ao contrário

do que ocorre na socialização anterior, a socialização secundária não tem como

principal agente a família, mas sim a escola, local privilegiado para a difusão de saberes

especializados. Também de forma distinta à socialização anterior, os conceitos

assimilados correspondem a saberes formais, de conteúdo menos subjetivo,

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configurando-se como realidades parciais, passíveis de questionamento e que não

necessariamente estão em coerência e harmonia nem sempre, encontram-se em

coerência com os saberes de base.

Ao considerar a possibilidade de modos distintos de socialização, a teoria de

Berger e Luckman rompe com a ideia da socialização como integração harmônica e

coerente entre o indivíduo e a sociedade, uma vez que considera a não existência de

linearidade ou complementaridade entre os diversos saberes institucionais e os saberes

de base assimilados durante a socialização primária, sugerindo a possibilidade de

ocorrência de conflito entre a socialização primária e os padrões normativos das

instituições da socialização secundária. Por conseguinte, a teoria ampliou a

compreensão do processo de transformação da criança em ator social, apontando que tal

processo é conduzido por diferentes agentes de socialização que transmitem saberes

específicos durante as etapas de desenvolvimento da criança.

As primeiras teorias elaboradas sobre o processo de socialização, portanto, não

consideravam as crianças como seres sociais plenos, sendo a criança analisada sempre

como estando em vias de o ser, visto que a socialização era compreendida apenas pela

perspectiva do efeito da ação adulta sobre as novas gerações. Quanto a este aspecto,

Sarmento (2008) avalia que o conceito apresentado pelas teorias clássicas não

identificava as crianças como verdadeiros entes sociais reconhecíveis em suas

características, interativos, racionais e com capacidade de opção entre valores distintos.

Nesse sentido, menciona o desenvolvimento de um novo paradigma dos estudos de

socialização, no qual as crianças são analisadas como atores deste processo e não como

simples receptores passivos da socialização adulta. Esse novo paradigma concebe que as

crianças, em sua interação com os adultos, recebem estímulos para a interação social,

sob forma de crenças, valores e conhecimentos que, ao invés de serem incorporados

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passivamente, são transformados, gerando juízos, interpretações e condutas infantis

próprias. As crianças, uma vez que não são meras receptoras da cultura, também operam

transformações nessa cultura, seja na forma como interpretam e integram, seja nos

efeitos que nela produzem a parir de sua prática.

As abordagens mais atuais, portanto, não consideram a socialização como um

simples mecanismo de assimilação dos indivíduos aos grupos sociais pré-existentes. Em

contrapartida, ressalta-se uma perspectiva interacionista, que salienta a socialização

como um processo contínuo, não linear e caracterizado pelo dinamismo e pelos

constantes reajustes entre o sujeito, o outro e seu ambiente social (Bouvier, 2005). O

modelo interacionista não só enfatiza a participação ativa da criança sobre seu processo

de socialização, como também leva em conta que este percurso, longe de ser coerente e

harmônico, é marcado por uma série de segmentações em termos de idades, tarefas e

lugares que imprimem rotinas e padrões de interação específicos sobre as crianças, a fim

de prepará-las para as diversas exigências sociais.

A partir dos autores mencionados, verifica-se que a forma como a criança é

concebida pelas teorias passou por um processo significativo de mudança, em especial

no que diz respeito ao papel que a criança vem a exercer em sua trajetória social.

Inicialmente compreendida apenas como receptora de uma ordem social já estabelecida,

a criança passou a ser considerada como pólo ativo nesse processo, capaz de elaborar

significados e desenvolver modos de conduta que a distingue dos adultos em suas

interações sociais.

Para Handel (2006), os estudos de socialização, além de considerarem o papel

ativo das crianças, não ignoram as funções que os diversos agentes e estruturas sociais

exercem sobre os modos de vida específicos da criança, interferindo no curso de seu

desenvolvimento e em nos seus níveis de participação social. Os estudos mais recentes

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envolvem não só a família como agente deste processo, mas também a escola, o grupo

de pares, as condições de trabalho, a exposição aos veículos de comunicação de massa,

o estabelecimento de uma família e o casamento, a participação na vida comunitária

organizada e as condições de aposentadoria (Outhwaine & Bottomore, 1996).

Os estudos sobre socialização têm sido utilizados para auxiliar na compreensão

de vários fenômenos sociais. Estes estudos elucidam determinados elementos centrais

na pesquisa do racismo nas crianças. Primeiramente, pode-se considerar a criança como

um receptor de crenças, valores e hábitos já difundidos no meio adulto, sendo o racismo

das crianças apenas reflexo da transmissão cultural dos adultos. Por outro lado, pode-se

compreender o racismo, enfatizando o dinamismo das interações sociais das crianças e

as formas como as crianças desenvolvem tais interações (Killen, 2011). Por fim, ao

tomar a criança como protagonista de seu processo de socialização, é possível

identificar quais os mecanismos que regem o pensamento da criança, fazendo com que

seus esquemas conceituais e padrões de interpretação sejam distintos dos adultos. A

partir desses três referenciais sobre a socialização de crianças, a saber: 1) a ênfase sobre

a assimilação de atitudes já existentes na sociedade, 2) os esquemas conceituais e

processos de pensamento característicos do mundo infantil e 3) o dinamismo das

interações sociais estabelecidas pela criança. Discutiremos agora o processo de

desenvolvimentos das atitudes raciais nas crianças pode ser analisado.

3.2- A estratificação social e o desenvolvimento de atitudes raciais.

O conceito de socialização possibilita elaborar alguns pontos norteadores para o

estudo do racismo e do preconceito em crianças. Primeiramente, ao considerar que a

criança assimila crenças, normas e atitudes amplamente difundidas em seu meio social,

é possível assumir que as atitudes raciais decorrem do próprio contexto étnico-racial da

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criança, derivando dos fatores sociais que se fazem presentes ao longo de seu percurso

de desenvolvimento. Dentre estes fatores, destaca-se a estratificação social, a qual se

caracteriza pelas desigualdades que existem entre indivíduos e grupos nas sociedades

humanas, envolvendo tanto as diferenças de status como os níveis de competição

existentes entre os grupos sociais (Giddens, 2005). Conforme ressaltado por Aboud

(1988), na sociedade norte-americana, onde há evidentes diferenças de status entre os

grupos raciais, é mais provável que ocorra o desenvolvimento de atitudes

preconceituosas. A depender de sua pertença grupal, a criança assimilará atitudes

específicas frente aos grupos de status majoritário ou minoritário com os quais interage

socialmente.

É necessário ressaltar que, embora a diferenças de status entre os grupos possa

ser identificada como um dos determinantes sociais do preconceito, a estratificação

social somente contribui para o surgimento de atitudes raciais ao passo que as

diferenças entre os grupos possam ser psicologicamente representadas. Quanto a este

aspecto, reportamos à Teoria da Identidade Social (Tajfel, 1978), uma vez que esta

forneceu as bases para compreender como as diferenças de status entre os grupos, ao

serem psicologicamente representadas pelos indivíduos, interferem em suas atitudes e

comportamentos diante dos diversos membros dos grupos sociais.

O modelo teórico elaborado por Tajfel (1978) estabelece que a categorização

social é um processo básico no desenvolvimento das relações intergrupais. Através da

categorização, os sujeitos elaboram mentalmente categorias em que objetos, eventos e

pessoas podem ser agrupados e distinguidos uns dos outros. Tajfel ressalta que o mero

processo de categorização, ao fazer saliência entre “nós” e “eles”, modifica as

percepções que as pessoas fazem umas das outras. Através das distinções categóricas,

são salientadas as similaridades entre os membros do próprio grupo e realçadas as

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distinções entre os grupos. Tais distinções perceptivas também surtem efeito sobre as

relações interpessoais.

As consequências do processo de categorização para o campo das interações

humanas são analisadas pela Teoria da Identidade Social a partir da ideia de que nossas

relações variam de acordo com um espectro, partindo de um nível puramente

interpessoal, que envolve a compreensão das pessoas enquanto indivíduos, até um grau

de interação puramente intergrupal, em que o indivíduo é identificado somente como

um representante de seu grupo, sendo suas características pessoais suprimidas em

função da saliência de sua pertença grupal.

Considerando que a criança assimila as informações que são transmitidas pelos

outros, pode-se esperar que o processo de categorização faz-se presente desde os

primeiros anos de vida. Shutts, Banaji e Spelke (2010) apresentam evidências para esta

hipótese, sugerindo que as crianças, ao buscarem novas informações, favorecem

informantes que são similares a elas ao longo de uma série de características, em

especial, das categorias de raça, gênero e idade. A fim de verificar quais destas

categorias tendem a exercer maior influência sobre as escolhas das crianças, eles

selecionaram 32 crianças brancas, de ambos os sexos e com apenas 3 anos de idade para

participarem de dois estudos experimentais em que as crianças foram solicitadas a

escolherem dentre objetos ou atividades enfatizadas por pessoas não familiares que

variavam quanto à raça (branca e negra), ao gênero (masculino e feminino) e à idade

(criança e adulto). Os resultados indicaram que o gênero e a idade são as categorias que

mais influenciam a criança nesta faixa etária. Embora não tenham sido obtidos

resultados significativos a respeito da raça, a pesquisa demonstra que, aos 3 anos de

idade as crianças expressam preferências sociais e avaliativas com base em categorias

de gênero e idade.

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A Teoria da Identidade Social pressupõe que as categorias atendem, ao mesmo

tempo, a propósitos cognitivos e motivacionais, posto que as mesmas são utilizadas

pelas pessoas em prol da manutenção de uma auto-imagem positiva. Tal teoria assume

que o comportamento intergrupal seria consequência da motivação subjacente dos

indivíduos em sustentarem uma identidade social positiva. Nesse sentido, os indivíduos

empreenderão esforços para distinguirem seu grupo (endogrupo) dos demais grupos

(exogrupos) nas dimensões que consideram relevantes em seu autoconceito. Em função

desta tendência em conservar uma identidade social positiva, as pessoas são motivadas a

pensar e agir no sentido de promover uma distintividade positiva entre o seu grupo e os

demais, apresentando vieses em suas escolhas e avaliações pessoais com a finalidade de

favorecer ao endogrupo em detrimento do exogrupo nas dimensões consideradas

socialmente relevantes.

Uma vez que as crianças são socializadas como membros de determinados

grupos sociais, a pertença grupal promove na criança a identificação com o endogrupo e

a discriminação contra outros grupos. Files, Casey e Oleson (2010) realizaram uma

pesquisa com a finalidade de analisar como as preferências intergrupais surgem nas

crianças e como estas preferências são consistentes ao longo do tempo. Para tanto,

criaram grupos com crianças entre 9 e 11 anos de idade que participaram de uma

atividade extracurricular em sua escola. Nesta atividade, os participantes foram

aleatoriamente distribuídos entre dois grupos, identificados pela cor (vermelha ou

amarela) presentes em adesivos que as crianças utilizavam durante as sessões

experimentais.

No estudo mencionado, as crianças interagiram somente com seu próprio grupo

durante duas semanas e, após esse período, foram solicitadas a avaliar membros de

ambos os grupos, representados por crianças não familiares aos participantes, em cinco

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dimensões avaliativas (afabilidade, cooperativismo, valor do grupo, honestidade e

capacidade de seguir instruções). Os resultados corroboraram pressupostos da Teoria da

Identidade Social, evidenciando que, ainda que não haja uma situação de confronto

intergrupal, as crianças tendem a favorecer o próprio grupo em suas avaliações, sendo

tais avaliações persistentes ao longo de várias semanas.

Um outro estudo que foi desenvolvido a partir dos princípios da Teoria da

Identidade Social é descrito por Aboud (1988), neste caso, utilizando-se as categorias

raciais branco e negro, ao invés de categorias artificiais. Nesta pesquisa, salienta-se que

as crianças tendem a oferecer recompensas ou privilégios ao endogrupo, usando uma

estratégia que maximiza as diferenças entre o endogrupo e o exogrupo. Contudo, a

mesma autora afirma que os resultados de pesquisas realizadas com crianças a partir

desta abordagem mostram que as preferências intergrupais são variáveis em função da

classe econômica e da pertença grupal da criança. A Teoria da Identidade Social

pressupunha que a interação entre a pertença a um grupo social majoritário e a classe

econômica elevada estariam relacionadas a um maior grau de preconceito, visto que

ambas seriam capazes de favorecer à construção de uma auto-imagem positiva.

Os dados encontrados por Aboud, entretanto, não foram capazes de sustentar tais

predições. Segundo a autora, a maioria das pesquisas realizadas com crianças indicam

que o preconceito, independentemente da classe social, é maior entre aqueles que

possuem 5 e 7 anos de idade, tornando-se menos saliente quando comparados a grupos

na faixa etária dos 8 aos 12 anos. Entretanto, ao serem comparados tais resultados com

crianças de grupos minoritários, verificou-se que estas últimas eram mais afetadas pelo

status sócio-econômico. Dentre os participantes deste estudo, as crianças negras de

classe média, por exemplo, entre os 5 e 8 anos mostraram mais preconceito que as

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crianças negras de classe baixa, porém eles foram preconceituosos contra o próprio

grupo e apresentaram preferência pelos brancos.

A Teoria da Identidade Social forneceu, assim, as bases para a compreensão do

comportamento intergrupal, destacando que o contraste entre endogrupo e exogrupo

atua por meio de uma motivação implícita para a distintividade, promovendo no

indivíduo clareza perceptiva e significado social. (Horsey, 2008). Todavia, uma das

principais críticas feitas às pesquisas nesta abordagem recai sobre o fato de muitos

estudos considerarem que o favoritismo endogrupal necessariamente implica em

hostilidade ou preconceito frente aos demais grupos. Contrariando tal expectativa, há

evidências de que o favoritismo endogrupal pode ser acompanhado por positividade,

indiferença, rejeição ou ódio ao exogrupo (Brewer, 1999).

Outros desenvolvimentos importantes da Teoria da Identidade Social foram

encabeçados por Nesdale (2004), o qual procurou articular o desenvolvimento das

habilidades cognitivas com a capacidade da criança avaliar a realidade social. Tal como

Brewer (1999), uma das principais questões colocadas por Nesdale acerca do

desenvolvimento do preconceito nas crianças é a distinção entre favoritismo endogrupal

e preconceito. O autor avalia que a preferência pelo endogrupo não necessariamente

acarreta em atitudes negativas frente ao exogrupo, ressaltando que o preconceito só

pode ser observado caso o favoritismo endogrupal seja acompanhado de avaliação

negativa diante de membros do exogrupo. Sua teoria sobre o desenvolvimento das

atitudes intergrupais na criança propõe quatro fases de desenvolvimento, nas quais o

favoristismo endogrupal é anterior ao preconceito propriamente dito.

Na primeira fase, entre os 2 e 3 anos de idade, as crianças ainda estão

assimilando os conceitos relacionados a cada categoria social e, por conseguinte ainda

têm atitudes pouco diferenciadas em função das categorias. Por volta dos 3 anos de

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idade, a criança já apresenta uma consciência étnica desenvolvida e faz uso recorrente

das categorias raciais. Na fase entre os 4-5 anos de idade, a criança começa a manifestar

o favoritismo endogrupal, revelado pela tendência a gostar e a perceber a si mesma

como similar a membros do endogrupo.

Em contraste, após os 7 anos de idade, a criança torna-se capaz de manifestar o

preconceito, pois neste período, além do favoritismo endogrupal, as crianças passariam

a fazer avaliações negativas e a hostilizar dos membros do exogrupo. Todavia, em

consonância com a teoria de Tajfel, Nesdale considera que o preconceito depende da

extensão em que a criança se identifica com seu grupo social e do tipo de relação

existente com os demais grupos. Sendo assim, menciona que quanto maior a

identificação da criança com seu grupo, maior a probabilidade dela assimilar atitudes

negativas para com os demais grupos. Além disso, há maior probabilidade de ocorrer

preconceito quando há um contexto de competição entre os grupos e o exogrupo é

percebido como fonte de ameaça ao status e funcionamento do endogrupo.

A perspectiva da identidade social permitiu compreender de que modo a

pertença a um determinado grupo social, numa sociedade estratificada, isto é com

diferenças de status, é capaz de mobilizar a criança a desenvolver formas específicas de

interação com os demais membros da sociedade, avaliando-os em função da categoria a

que pertencem. Entretanto, uma outra vertente de estudos sobre a socialização das

atitudes raciais nas crianças buscou analisar como o processo de desenvolvimento

cognitivo interfere sobre as atitudes e comportamentos discriminatórios. Passaremos

assim a discutir as atitudes intergrupais a partir do referencial sócio cognitivo.

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3.3-Modelo sócio-cognitivo das atitudes intergrupais na criança

A abordagem sócio-cognitiva das atitudes intergrupais da criança tem como

ponto central a teoria elaborada por Aboud (1988), a qual apontou limitações das teorias

até então existentes para analisar a origem do preconceito racial na criança. Dentre estas

teorias encontravam-se, a abordagem do reflexo social Allport (1954/1979) e da teoria

da personalidade autoritária (Adorno, Frenkel-Brunswick, Levinson & Sandford, 1950).

A primeira considerava que as atitudes raciais da criança seriam reflexo das atitudes

sustentadas pelos adultos e pela sociedade mais ampla, enquanto que a segunda

concebia o preconceito como um traço de personalidade, resultante de um estilo

parental autoritário e repreensivo.

Não discordando do alcance explicativo de tais abordagens, o modelo sócio-

cognitivo criticou o fato de tais teorias terem sido elaboradas a partir de estudos

realizados com adultos, sendo as explicações para o surgimento do preconceito na

criança elaboradas a partir de inferências dos dados obtidos com populações adultas.

Contrapondo-se a tal limitação, adotou uma perspectiva desenvolvimentista para

compreender o surgimento das atitudes raciais na criança, tomando como unidade de

análise a própria criança e as estruturas cognitivas e motivacionais que a distinguem do

adulto.

Conforme destacado por Aboud (1988), o preconceito na criança não é um

simples reflexo das atitudes das gerações anteriores, pois o período desenvolvimental da

criança faz com que ela tenha atitudes e percepções de seu meio social distintas dos

adultos. Esta perspectiva envolve a ideia de que em cada idade a criança apresentará

uma configuração de diferentes capacidades e limitações pessoais e sociais, o que faz

com que preconceito não se manifeste da mesma forma e nem de acordo com as

mesmas motivações durante a infância.

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O modelo sócio-cognitivo avalia, portanto, que o preconceito não pode ser

analisado como um fenômeno desvinculado de estruturas cognitivas. Nesta proposta, os

afetos negativos, que caracterizam o preconceito, são concebidos como provenientes de

estruturas cognitivas que predispõem os indivíduos a responderem de forma

desfavorável a determinadas pessoas, em função do grupo a que elas pertencem. De

acordo com Aboud (1988), a partir do ponto de vista sócio-cognitivo, é possível

esquematizar o preconceito em três componentes básicos: julgamentos desfavoráveis ou

atitudes negativas, predisposições subjacentes organizadas e negatividade direcionada a

determinadas categorias étnico-raciais.

A ênfase no enfoque do desenvolvimento permitiu que fossem elucidadas as

especificidades do preconceito na criança em comparação com o adulto e caracterizar o

desenvolvimento das habilidades cognitivas que interferem na estrutura e expressão do

preconceito durante a infância. Uma vez que a criança ainda se encontra em processo de

assimilação do contexto social e do desenvolvimento de suas estruturas cognitivas e

motivacionais básicas, ela não poderá apresentar atitudes preconceituosas da mesma

maneira que os adultos, mas sim de modo mais rudimentar e menos organizado que

eles.

Dentro dessa perspectiva, é assumido, portanto, que o preconceito deve ser

avaliado a partir dos diferentes processos cognitivos que predominam na criança

durante o seu processo de desenvolvimento. Cabe ressaltar que a abordagem sócio-

cognitiva das atitudes intergrupais da criança foi influenciada pelos estudos realizados

por Piaget (1964/2011). A perspectiva do desenvolvimento de Piaget apresentou etapas

cognitivas e sócio-morais específicas, apontando evidências de que as atitudes e

interações sociais da criança são influenciadas pelo estágio de desenvolvimento em que

ela se encontra.

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Embora a inteligência seja um conceito central em seus trabalhos, a temática das

interações sociais e da afetividade não está excluída do modelo piagetiano, ao contrário,

a cognição, os afetos e a conduta social são entendidos como aspectos inter-

relacionados. Segundo Taile (1992), a temática das interações sociais não esteve alheia

ao trabalho desenvolvido por Piaget, pois o mesmo considerava que a compreensão do

que vem a ser social não pode ser tomada sem que antes se considere a qualidade das

trocas intelectuais que os indivíduos são capazes de realizar nos diferentes níveis de

idade, tomando a inteligência como uma obra simultânea da sociedade e do indivíduo.

Piaget distingue entre quatro estágios ou períodos do desenvolvimento que

caracterizam as estruturas cognitivas e sócio-morais de equilíbrio progressivo do

lactente até a adolescência. O primeiro estágio, (do nascimento aos 2 anos) corresponde

a uma fase onde há predominância dos reflexos, dos mecanismos hereditários e das

primeiras tendências instintivas, sendo marcado pelos primeiros hábitos motores e pela

organização das percepções, bem como pelos primeiros afetos diferenciados. Neste

estágio é verificada a inteligência sensório-motora ou prática (anterior à linguagem),

onde ocorrem as primeiras regulações afetivas. Na segundo fase do desenvolvimento,

ou a também chamada segunda parte da primeira infância (dos 2 aos 7 anos), formam-se

as primeiras categorias sociais, surgem os sentimentos interindividuais espontâneos e as

relações sociais de submissão ao adulto. O terceiro estágio (dos 7 aos 12 anos)

corresponde às operações intelectuais concretas e dos sentimentos morais e sociais de

cooperação. Por fim, o quarto e último estágio (12 anos em diante) envolve as operações

intelectuais abstratas e a inserção afetiva e intelectual no mundo dos adultos.

O aspecto importante deste modelo teórico reside no fato de compreender que, a

depender do nível de desenvolvimento considerado, o indivíduo apresentará diferentes

necessidades. Dessa forma, a conduta da criança é avaliada como resultado das

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disposições afetivas predominantes nesses estágios e do conjunto de noções

anteriormente adquiridas. Ao trazer tais considerações para o campo da formação de

crenças e atitudes preconceituosas, ressalta-se o estágio definido como primeira infância

(dos 2 aos 7 anos), posto que nesta fase ocorre a formação das primeiras categorias

sociais e da percepção de que a sociedade é comporta por diferentes grupos.

Tomando por base o modelo teórico de Piaget, Aboud considera que entre dos 4

e 7 anos de idade é possível verificar que as crianças apresentam o domínio de

categorias raciais e associam atributos físicos, tais como cor da pele e fisionomia, com

categorias sociais (branco, negro, latino, entre outros). Ao mesmo tempo, verifica-se

que nesta fase as crianças manifestam nitidamente preferências por determinados grupos

em detrimento de outros, apresentando níveis elevados de preconceito.

Aboud considera que os níveis elevados de preconceito racial verificados nas

crianças nesta idade decorrem das limitações cognitivas que elas possuem. Dentre estas

limitações, encontra-se a tendência a avaliar as pessoas a partir de atributos externos,

tais como a cor da pele, traços faciais e vestimentas. Além disso, o pensamento

egocêntrico predominante no período entre os 4 e 7 anos impede que a criança tenha

flexibilidade em suas avaliações, fazendo com que tanto as diferenças físicas como as

psicológicas sejam superestimadas entre os grupos. O pensamento egocêntrico desta

fase também não possibilita que a criança analise de forma positiva os atributos de

grupos sociais distintos do seu.

Ainda durante o estágio pré-operacional, a teoria de Aboud pontua que entre os

6 e 7 anos de idade, as crianças tendem a apresentar níveis mais elevados de

preconceito, pois nesta fase tendem a perceber os aspectos externos e observáveis que

caracterizam os diferentes grupos sociais e elaboram seus julgamentos com base nestas

diferenças. A avaliação dos grupos, neste período, é basicamente fundamentada a partir

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de características observáveis, negligenciando atributos internos ou psicológicos dos

grupos sociais.

Outro marco desenvolvimental desta teoria é a idade dos 7 anos Conforme a

referida autora salienta, a partir desta idade a criança desenvolve novas habilidades

cognitivas que a permitem adquirir atitudes mais tolerantes e menos preconceituosas

diante dos grupos minoritários. Estas habilidades correspondem à aquisição da

flexibilidade e da conservação, características do período operacional concreto. Por

meio delas, a criança conquista a capacidade de minimizar as diferenças entre os grupos

e a perceber similaridades entre os mesmos, adotando uma percepção menos polarizada

das diferenças intergrupais, estando mais atenta às qualidades individuais do que à

filiação grupal das pessoas. Em conjunto, essas novas habilidades cognitivas permitem

que as avaliações das crianças não sejam baseadas apenas na pertença grupal das

pessoas. Antes disso, as crianças tornam-se mais sensíveis a analisar os indivíduos com

base em características internas e consistentes que as diferenciam dos demais.

Outro modelo de ênfase sócio-cognitiva é apresentado por Quintana (1998).

Com base no trabalho já desenvolvido por Aboud, o autor propõe que o

desenvolvimento das atitudes raciais da criança passa por quatro etapas. Dos 3 aos 6

anos de idade, a criança faz as primeiras classificações raciais, baseando-se em

características diretamente observáveis e manifesta afetos diferenciados para membros

do endogrupo e do exogrupo. Entre os 7 e 10 anos de idade, as crianças desenvolvem

um conceito de raça mais similar ao dos adultos, compreendendo que um grupo racial

compartilha aspectos que não são diretamente observáveis, como por exemplo a

linguagem e hábitos culturais. Entre os 10 e 14 anos, ocorre o desenvolvimento do que o

autor denomina de perspectiva social da raça, isto é, é adquirido o conhecimento de que

a pertença a um grupo racial está vinculada a outros aspectos da vida social como o

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nível sócio-econômico e a possibilidade de vir a sofrer preconceito. Por fim, após os 14

anos, há uma maior consciência acerca da identidade étnico-racial do que em fases

anteriores, no sentido de que o indivíduo percebe com maior precisão que compartilha

atitudes e experiências com seu grupo de referência.

A teoria sócio-cognitiva contribuiu para que o desenvolvimento das atitudes

raciais nas crianças fosse compreendido a partir das motivações e capacidades

cognitivas predominantes na criança em cada uma de suas etapas de desenvolvimento,

entretanto ela tem sofrido críticas que contestam a universalidade do fenômeno da

redução do preconceito racial com o aumento da idade (França & Monteiro, 2004;

Monteiro, França & Rodrigues, 2009; Rutland, 1999). Estudos recentes mostram que,

noutros contextos intergrupais, por exemplo, naqueles em que são salientadas as

categorias de nacionalidade, o preconceito tende a surgir mais tarde e não decresce com

a idade (Rutland, 1999; Rutland, Cameron, Milne & McGeorge, 2005), o que vai de

encontro à ideia de que a aquisição de novas habilidades cognitivas tende a reduzir a

expressão do preconceito.

Uma das explicações possíveis para a redução de atitudes preconceituosas pode

ser a capacidade da criança em identificar as normas sociais antirracismo predominantes

em seu meio, fazendo com que após os 7 anos elas evitem manifestações explícitas do

preconceito, apresentando formas de expressão semelhantes às que são encontradas nos

adultos. Desse modo, faz-se necessário analisar como as normas sociais tendem a

interferir sobre as expressões do racismo na infância.

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68

CAPÍTULO IV

ABORDAGEM SÓCIO-NORMATIVA DAS ATITUDES

RACIAIS NA INFÂNCIA

Algumas pesquisas têm construído explicações a nível sócio-normativo para

compreender a expressão do racismo na infância. Estes estudos apontam limitações dos

modelos do desenvolvimento cognitivo e da identidade social e mostram evidências de

que, do mesmo modo que os adultos, as crianças têm internalizado a norma social

antirracismo e revelam atitudes distintas quando se comparam os níveis implícito e

explícito. A exemplo, Rutland et al. (2005) solicitaram que crianças e adolescentes (6

aos 16 anos) fornecessem explicações e julgamentos para grupos étnico-raciais e

nacionalidade, utilizando indicadores explícitos (autorrelato) e implícitos (IAT). Os

resultados indicaram um declínio das atitudes preconceituosas frente ao exogrupo com o

uso das medidas explícitas, contudo nenhuma mudança foi observada a nível implícito,

tendo o preconceito permanecido, inclusive entre os adolescentes.

Resultados semelhantes foram obtidos em estudo realizado por Baron e Banaji

(2006) que avaliaram as atitudes raciais de 3 amostras de participantes, uma com

crianças branca com 6 anos de idade, outra com crianças brancas de 10 anos de idade e

a terceira composta por adultos brancos. Neste estudo, fizeram uso de instrumentos de

auto-relato, como indicador de preconceito explícito, e do IAT como medida de

preconceito implícito. Novamente, os resultados indicaram atitudes raciais negativas

diante dos negros por parte das crianças mais novas, tanto a nível explícito como a nível

implícito, enquanto que as crianças de 10 anos e os adultos revelavam atitudes

igualitárias nas medidas explícitas e expressavam preconceito a nível implícito.

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Em um contraponto à proposta sócio-cognitiva, observa-se que, através de

medidas explícitas, onde as pessoas podem controlar e monitorar suas respostas, o

preconceito diminui com a idade, porém com o uso de medidas implícitas, onde se

considera que as respostas são menos suscetíveis ao auto-controle, o nível de

preconceito permanece imutável com a idade.

Baseando-se na hipótese de que as crianças não diminuem o preconceito com o

aumento da idade, mas sim internalizam normas sociais antirracistas, França e Monteiro

(2013) verificaram o desenvolvimento do racismo aversivo na infância a partir de dois

estudos experimentais em que crianças brancas na faixa etária dos 5 aos 10 anos de

idade deveriam alocar recursos para crianças dos grupos branco e negro, representadas

por meio de fotografias. No primeiro estudo, os sujeitos deveriam alocar os recursos a

partir do desempenho dos alvos branco e negro na realização de uma tarefa, sendo que

havia um contexto que justificava a discriminação (desempenho diferente dos alvos

branco e negro) e outro que não justificava (desempenho igual). Enquanto que num

segundo estudo, estes recursos deveriam ser alocados pelas crianças num contexto de

saliência da norma antirracista, identificada pela presença de uma entrevistadora negra e

um outro em que esta norma não era salientada (ausência da entrevistadora). Os

resultados indicaram que as crianças mais novas manifestavam preferência endogrupal

em todas as condições, porém após os 7 anos, o favoritismo era expresso somente nos

contextos normativos que permitiam tal manifestação, isto é no contexto da

discriminação justificada e no condição de baixa saliência da norma antirracista.

A partir dessas pesquisas foi verificado que as crianças mais velhas não

diminuem o seu grau de preconceito contra os negros, pelo contrário, elas continuam

manifestando atitudes discriminatórias, porém de forma velada, o que demonstra que

crianças reagem em consonância com a norma antirracismo. Antes dos 8 anos de idade,

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a criança tende a orientar seu comportamento e suas avaliações raciais apenas em

função da norma da lealdade endogrupal, enquanto que após esta idade elas tendem a

selecionar, a partir do referencial presente em sua sociedade, a norma mais adequada à

situação em que se encontra, tal como fazem os adultos (Rodrigues, Monteiro &

Rutland, 2012).

Esses dados revelam a que a norma antirracismo também é percebida pelas

crianças de modo que elas expressam atitudes diferenciadas a depender da saliência da

norma. Embora a relação entre normas e inibição do preconceito racial a nível explícito

também seja observado em crianças, seu estudo mostra-se mais complexo que nos

adultos. Compreender o impacto que as normas antirracismo exercem sobre a expressão

de atitudes e comportamentos discriminatórios na criança remete outras questões

fundamentais: Como a criança adquire a capacidade de perceber a existência de normas

sociais? Quais fatores e habilidades adquiridas durante o desenvolvimento infantil

interferem na relação entre normas e atitudes intergrupais?

Uma vez que as normas sociais são regras implícitas e explícitas que descrevem

e prescrevem um padrão de comportamento desejável para um determinado grupo

(Sherif, 1966), a criança precisa estar apta a compreender quais são as regras que

membros de seus grupos sociais possuem quanto à inclusão e rejeição de pares, bem

como precisa ser capaz de analisar e antecipar as consequências envolvidas no ato de

discriminar, tanto para quem pratica a discriminação como para aquele que a sofre.

No campo do desenvolvimento infantil, os estudos sobre a aquisição da

moralidade na infância têm colaborado para as pesquisas sobre o papel das normas nas

atitudes intergrupais das crianças. De acordo com Killen e Rutland (2011) a moralidade

pode ser definida como normas prescritivas relacionadas ao modo como as pessoas

devem tratar umas as outras, implicando em conceitos como justiça, lealdade e

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igualdade de direitos, que são aplicados em situações que envolvem a aceitação ou

rejeição de outras pessoas. Para estes autores, as normas morais são o oposto da norma

do preconceito, entendendo-se que as primeiras estão associadas a noções de justiça e

igualitarismo, enquanto que a norma do preconceito viola tais princípios por estar

associada ao favoritismo endogrupal e à rejeição daqueles que se distinguem dos

membros do endogrupo.

Os estudos sobre moralidade, portanto, tendem a ser úteis para a compreensão da

influência das normas socais sobre as crianças e, mais especificamente, sobre a

expressão do racismo e de outras formas de discriminação. O julgamento moral emerge

nos primeiros anos da infância e possuem uma longa tradição de pesquisa na Psicologia,

destacando-se nesse âmbito os trabalhos de Piaget (1932/1977) e Kohlberg (1971), os

quais forneceram as primeiras definições sobre a moralidade, bem como formas de

mensurá-la e avalia-la, servindo de base para pesquisas posteriores.

Os estudos sobre a aquisição da moralidade nas crianças desenvolvidos Piaget

(1932/1977) estão apresentados em sua obra clássica, “O julgamento moral na criança”.

Neste livro, o autor relata uma série de estudos realizados com crianças na faixa etária

dos 3 aos 12 anos de idade, as quais eram questionadas acerca das regras do jogo de

bola de gude, no caso dos meninos, e da “amarelinha”, quando o estudo era realizado

com meninas. A escolha do contexto de jogo campo de estudo ocorreu em função de ser

uma atividade interindividual regida por normas, as quais demandam o respeito e a

adesão daqueles que participam do jogo, sejam normas apreendidas pelo contato com

gerações anteriores ou criadas em acordo mútuo pelos participantes do jogo.

Ao conduzir entrevistas detalhadas com as crianças, Piaget verificou os

julgamentos que elas faziam sobre o jogo e as soluções que estas propunham para

dilemas hipotéticos. Suas questões mobilizavam a criança a definir o que faziam as

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regras do jogo serem justas ou injustas, de onde as regras vinham e se elas poderiam ser

transformadas.

A pesquisa de Piaget (1932/1977) centrou-se sobre o conhecimento que as

crianças possuem acerca das normas e como as utilizam na prática. Durante os estágios

iniciais de desenvolvimento, as crianças compreendem normas quanto ao que é certo ou

errado a partir de ordens fornecidas por autoridades, neste caso os adultos, sendo que,

gradativamente, passam a construir conceitos relacionados à justiça, baseando-se nestes

para construir suas regras em detrimento do que é estabelecido pelos adultos. Sua teoria

salienta que a moral não é apenas assimilação de regras ou normas culturais, mas sim

um raciocínio sobre como os outros devem ser tratados.

O modelo de desenvolvimento moral de Piaget apresenta três etapas distintas do

processo de aquisição da consciência das normas por parte das crianças. Primeiramente,

concebe que até a fase dos 5 ou 6 anos de idade as crianças as crianças vivem em um

estado que ela classificou de anomia, isto porque elas não possuem consciência quanto a

existência de normas, de modo que, ao interagirem numa situação de jogo, elas não

seguem regras coletivas, de modo que cada uma participa do jogo a sua maneira.

A partir dos 7 anos, as crianças percebem a existência de normas e manifestam

interesse gradativo em seguir atividades regidas por regras, contudo nesse estágio, o

qual Piaget classifica como heteronomia, as modificações das regras são inconcebíveis

para as crianças, ainda que sejam modificações decorrentes de acordos mútuos entre os

jogadores. Ressalta que, apesar de as crianças atribuírem caráter sagrado às regras, elas

ainda não as seguem na prática, pois não internalizarem seu sentido. A criança

heterônoma aceita as regras como inquestionáveis, não sendo capaz de conhecer a

origem contratual das mesmas ou a importância que elas possuem para determinadas

interações sociais. As crianças nesta fase vivenciam o que Piaget denomina de realismo

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moral o qual apresenta as seguintes características: 1-) é considerado bom todo ato que

revele obediência às regras ou aos adultos, 2-) as regras são inquestionáveis e têm

caráter sagrado e 3-) os comportamentos são julgados pela sua consequência objetiva e

não por sua intencionalidade.

Conforme avaliação de Piaget, a idade dos 10 anos parece ser um ponto

fundamental quanto às transformações que ocorrem no raciocínio da criança, posto que

a partir desta idade o autor observa que as crianças não só assimilavam regras, mas são

capazes de as avalia-las criticamente e compreender as consequências que elas possuem

sobre cada um dos participantes envolvidos no jogo. As regras passam a ser vistas

como acordos mútuos realizados pelo grupo, de modo que cada participante do jogo é

capaz de propor novas regras, desde que sejam submetidas à apreciação dos demais.

Neste estágio denominado de autonomia, a criança supera o realismo moral e entende

que a normas possuem função social. O raciocínio da criança adquire a habilidade de

reciprocidade, isto é ela entende que em suas interações é necessário coordenar seu

ponto de vista com os demais, buscando coordenar diferentes perspectivas para que a

interação ocorra em comum acordo. Estudos mais recentes denominam esta habilidade

como teoria da mente (Flavell, 2004).

O trabalho conduzido por Piaget, portanto, trouxe algumas questões relevantes

para o estudo das normas e o desenvolvimento cognitivo da criança. Os estudos sobre

julgamento moral demonstram que as crianças não assimilam as normas passivamente

por meio da imposição dos adultos, posto que a assimilação corresponde a apenas uma

das etapas do desenvolvimento cognitivo. A partir dos 7 anos, verifica-se que a criança

passa a identificar as normas no contexto em que está envolvida e, posteriormente, por

volta dos 10 anos de idade, desenvolve o conceito de justiça e passa a utilizá-lo como

princípio norteador para a elaboração de normas, sendo esta habilidade

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progressivamente desenvolvida até os 12 anos. Por meio da leitura do modelo do

desenvolvimento de Piaget, verificamos que as crianças não encaram as normas apenas

como regras a serem assimiladas e cumpridas, mas sim como elementos que, a depender

de seu estágio de desenvolvimento cognitivo, podem ser percebidas como regras que

influenciam diretamente no seu relacionamento umas com as outras e que são

sustentadas por determinados preceitos, tais como os de justiça e igualdade.

Baseando-se na teoria de Piaget, Kohlberg (1971) apresentou um modelo de

desenvolvimento da moralidade caracterizado em seis estágios de desenvolvimento. Da

mesma que Piaget, ele compreende que a moralidade não é a assimilação de regras e

valores transmitidos pelos adultos, mas resultado de estruturas de raciocínio que seguem

uma sequência de estágios de desenvolvimento que vão desde a infância até a fase

adulta e permitem a utilização de formas de julgamento cognitivamente mais

complexas. A metodologia empregada por ele desenvolvida consistia na apresentação

de dilemas morais hipotéticos, em que os participantes eram solicitados a expor

soluções possíveis.

Este modelo de desenvolvimento determina que o raciocínio moral evolui de um

estágio para outro de acordo com as seguintes características: 1) Os estágios são “todos

estruturais” ou estruturas de pensamento coerentes. Isto significa que os julgamentos

dos indivíduos são consistentes com seu nível de desenvolvimento, 2) Os estágios

formam uma sequência universais invariantes. Sob todas as condições, exceto em

situações altamente traumáticas, o movimento é sempre para frente, nunca em regresso,

os indivíduos nunca pulam estágios e o movimento é sempre direcionado para o estágio

seguinte e 3) Os estágios são integrações hierárquicas. O pensamento num estágio

hierarquicamente mais elevado inclui ou compreende um estágio inferior de

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pensamento, havendo uma tendência a preferir ou a funcionar no estágio mais elevado

(Kohlberg & Hersh, 1977).

Nesses estágios de desenvolvimento, identifica-se uma mudança qualitativa na

concepção de justiça que decorrem de aquisições cognitiva que favorecem a empatia e

para tomada de perspectiva do outro. De modo geral, Kohlberg observou que as

crianças encontram-se num estágio de desenvolvimento denominado de pré-

convencional em que elas reconhecem regras e categorias como certo ou errado,

contudo interpretam esses termos com base nas consequências físicas ou hedonísticas de

uma ação, tais como punição, recompensa ou troca de favores, ou com base na

autoridade de quem enuncia as regras. Na adolescência, observa-se o nível

convencional, no qual a manutenção de expectativas da família, grupo ou nação do

indivíduo é percebido como algo valorado por si só, independentemente das

consequências óbvias e imediatas. A atitude não é só de conformidade às expectativas

pessoais e à ordem social, mas de lealdade a elas, de ativamente manter, sustentar e

justificar a ordem e de se identificar com as pessoas do grupo em que se está envolvido.

Por fim, somente na fase adulta, os atos poderiam ser avaliados em termos de

justiça e não por uma perspectiva egocêntrica ou direcionada as expectativas do grupo.

Este estágio final é definido como pós-convencional ou autônomo, no qual se verifica

um esforço para definir valores e princípios morais que possuem validade e aplicação

independentemente da autoridade dos grupos ou pessoas que os sustentam, bem como

independentemente da identificação da pessoa com tais grupos.

As teorias de Kohlberg e Piaget forneceram contribuições teóricas importantes

quanto ao papel que o desenvolvimento cognitivo da criança exerce sobre os processos

de julgamento moral, neles incluído a capacidade de compreender o aspecto prescritivo

das normas. No entanto, é importante destacar que ambas as teorias analisam a

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compreensão das normas a partir do desenvolvimento cognitivo da criança, partindo do

princípio que, em cada um dos estágios de desenvolvimento, as crianças adotam

esquemas globais de avaliação para examinar uma série de situações distintas.

Em contraste, as pesquisas mais recentes em detrimento da análise da estrutura

de esquemas cognitivos globais têm enfatizado a coexistência de formas de raciocínio

na infância e na vida adulta e analisam os julgamentos da criança a partir de domínios

específicos (Rutland, Killen & Abrams, 2010). Neste âmbito, está o modelo do domínio

social (Turiel, 1998; Smetana, 2006), o qual analisa o desenvolvimento dos julgamentos

morais e normativos a partir dos diferentes contextos sociais e para das relações

intergrupais estabelecidas pela criança.

4.1- Modelo do domínio social

De acordo com Killen e Rutland (2011), as teorias do domínio social

compreendem que os precursores do julgamento moral na criança são

multidimensionais, incluindo tanto as relações estabelecidas com a família como as

interações sociais que se estabelecem desde os primeiros anos da infância. Desse modo,

os critérios normativos são avaliados a partir das trocas sociais que ocorrem no dia-a-dia

da criança, analisando-se os julgamentos, justificativas e critérios subjacentes pelos

quais as crianças avaliam a conduta social.

As pesquisas na abordagem do domínio social abordam o desenvolvimento

moral de forma distinta da teoria de Kohlberg, na qual as crianças são orientadas para o

self (nível pré-convencional), os adolescentes e adultos orientados para o grupo (nível

convencional) e os adultos com elevada consciência moral são voltados para a justiça.

Em contraste, pesquisas nesta área indicam que o juízo moral está presente desde idade

entre 3 e 4 anos, ainda que de maneira rudimentar (Killen & Rutland, 2011). O modelo

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do domínio social entende que os julgamentos sociais da criança são reflexos de

diferentes formas de raciocínio, que se desenvolvem paralelamente, abrangendo três

domínios distintos: o moral, o societal e o psicológico. As regras do domínio moral

baseiam-se em princípios de como os outros devem ser tratados, noções de justiça e

igualdade de direitos. O domínio societal envolve a compreensão das convenções,

tradições e costumes. O domínio psicológico, por sua vez implica no entendimento por

parte das crianças de que certos assuntos não são governados por regras, mas por

objetivos e decisões individuais (Rutland, Killen & Abrams, 2010).

As normas sociais adquirem significado, portanto, em meio às relações entre

pares, e na convivência com pais, professores, irmãos e cuidadores, pois estes vínculos

tratam-se de experiências importantes que contribuem para a formação dos conceitos

ligados à moralidade, que incluem não só o desenvolvimento de habilidades cognitivas,

mas também habilidades como empatia, a tomada de perspectiva, reciprocidade e

respeito mútuo. Em contraste ao que muitos teóricos do desenvolvimento teorizaram na

metade do século passado, as crianças são capazes de compreender estes conceitos,

embora em uma forma mais primitiva que a manifestada pelos adultos (Killen &

Rutland, 2011).

A aplicabilidade da teoria do domínio social é evidenciada por Killen, Kelly,

Richardson, Crystal e Ruck (2010), por meio de uma pesquisa em que crianças foram

solicitadas a avaliar cenas que tratavam de dois comportamentos transgressores: a) bater

em outra criança sem ter sido provocado por ela e, b) usar pijamas na escola. Para

verificar de que forma as crianças avaliavam estas duas transgressões, foram elaboradas

quatro questões que tratavam de conceitos distintos: 1-) alterabilidade da regra (Você

pode mudar esta regra?); 2-) generabilidade (Esta regra também é válida em outras

escolas e culturas?; 3-) evitar punição (Estaria tudo bem em fazer isso se você não se

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envolver em problemas logo em seguida?); 4-) autoridade (Cabe ao professor decidir se

esta ação é certa ou errada?) 5-) contingência da regra (esse ato somente será correto se

existir uma regra para isto?) .

Os resultados da pesquisa mostraram que as crianças com as idades de 4 e 5 anos

percebem a situação de agredir alguém em termos morais. A moralidade envolveria a

ideia de que a regra não é alterável (a criança não pode muda-la arbitrariamente), é

generalizável (é válida em outros contextos) e não depende da autoridade de um

professor ou de outro adulto para o comportamento ser considerado como errado. Por

outro lado, a situação de vestir pijamas foi percebida como alterável e contingente à

permissão do professor ou à situação.

Esses dados demonstram que as crianças possuem critérios subjacentes, que

utilizam para avaliarem eventos, interações e relacionamentos de seu mundo social, de

modo que podem fazer uso de uma série de justificações, sejam do âmbito moral, social

ou psicológico ao se depararem com condutas antinormativas. O cerne desta teoria

baseia-se na ideia de que estas justificativas ocorrem em função dos contextos

normativos com que a criança se depara, podendo variar, logicamente, em termos

desenvolvimentais (p.ex. a idade da criança), embora não se restrinja a estes últimos.

As pesquisas que adotam o modelo do domínio social revelam que o preconceito

explícito baseado somente em categorias como gênero e raça é visto como algo errado e

injusto pela grande maioria das crianças que são entrevistadas. Todavia, a forma de

raciocínio utilizada pelas crianças varia em função de parâmetros contextuais. As

crianças e adolescentes podem avaliar a exclusão intergrupal de forma distinta e,

adotando diferentes critérios em função da fonte de influência (pais ou pares), nível de

intimidade considerado (amizade, encontro, casamento), características do indivíduo e

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do grupo, bem como se o contexto em que o preconceito ocorre é público ou privado

(Rutland, Killen & Abrams, 2010).

Baseando-se nessas considerações, Killen e Rutland (2011) relatam um estudo

realizado com crianças de diferentes grupos étnicos, de ambos os gêneros e com faixa

etária que variava dos 6 aos 13 anos com o objetivo de verificar se elas percebiam a

exclusão de uma pessoa negra como uma transgressão moral (errado ainda que os pais

ou amigos digam que é correto) ou como uma transgressão convencional (errado a

depender do que os outros dizem). Para tanto, o estudo contou com a descrição de três

diferentes contextos: 1-) amizade (exclusão realizada por uma criança que não quer ser

amiga da outra por causa de sua raça); 2-) clube de música (exclusão realizada por um

grupo que não quer incluir alguém por causa de sua raça) e 3-) escola (exclusão

institucional, na qual uma escola recusa-se a admitir uma criança como aluno por causa

de sua cor).

Os resultados do referido estudo mostraram que a maioria das crianças e

adolescentes percebiam a exclusão baseada na raça como algo prejudicial àquele que

sofre da exclusão (âmbito moral), contudo existiram variações a depender do contexto,

do alvo e da idade dos participantes. Foi verificado que as crianças mais novas

percebiam todos os contextos de exclusão como condenáveis do ponto de vista moral,

enquanto que as situações de amizade e de exclusão do clube de música eram

percebidas pelos adolescentes a partir de outros critérios, em especial pela justificação

de que as pessoas podem fazer escolhas pessoais quanto a quem desejam ter em seus

círculos pessoais. De modo que, nesses dois contextos mencionados a discriminação

pode ser justificada a partir da ideia de que as pessoas são autônomas para fazerem

tomarem suas decisões.

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4.2- Teoria da mente e o modelo de desenvolvimento das dinâmicas de grupo

subjetivas

O julgamento moral e as demais formas de compreensão das normas por parte

das crianças não seriam possíveis se elas não tivessem a habilidade de compreender que

determinados comportamentos e atitudes são reprováveis para os demais. Para tanto, é

necessário que a criança seja capaz de inferir que suas ações são representadas e

avaliadas na mente dos outros. Este tipo de raciocínio é denominado de Teoria da

Mente, a qual se caracteriza como sendo a capacidade de inferir que os outros possuem

crenças, desejos e intenções (Hughes & Leekam, 2004).

A maior parte das pesquisas sobre Teoria da Mente centra-se sobre tarefas de

falsa crença, as quais consistem em testes que verificam se a criança é capaz de

reconhecer que os outros possuem crenças que não condizem com a realidade. Numa

tarefa de falsa crença, a criança está a par de uma informação que outra pessoa não

possui. A criança é julgada como possuindo uma Teoria da Mente caso perceba que a

outra pessoa terá um comportamento consistente com a falta de informação (Fitzroy &

Rutland, 2010).

De acordo com Flavell (2004), os estudos sobre Teoria da Mente convergem

quanto à ideia de que a criança, inicialmente, desenvolve esta habilidade com relação a

estímulos físicos, tais como a percepção visual e atenção e, a partir da média infância,

por volta dos 7 anos, a criança faz inferências com relação a constructos mais

complexos como emoções, crenças e expectativas. Por exemplo, a partir dos 5 anos a

criança já é capaz de compreender que um mesmo objeto pode ser visto de forma

diferente por dois observadores a depender do ângulo do qual observam. Por volta dos 7

anos de idade, a criança desenvolve uma Teoria da Mente voltada para estímulos sociais

e para as emoções, de modo que elas compreendem que nem sempre as pessoas

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externalizam as emoções que sentem e que podemos ter impressões distintas uns dos

outros a depender das expectativas e crenças que possuímos sobre as pessoas.

Pode-se considerar que o desenvolvimento da Teoria da Mente ocorre de forma

paralela ao surgimento do raciocínio moral nas crianças, posto que para se sustentar

certas formas de pensamento moral é necessário que exista a capacidade de apreciar que

os outros possuem emoções e pensamentos. Nesse sentido, Lane, Wellman, Olson,

LaBounty e Kerr (2010) realizaram um estudo longitudinal com crianças dos 3 aos 8

anos de idade com a finalidade de verificar como a Teoria da Mente e a compreensão

emocional pode predizer o uso do raciocínio moral das crianças quando estas se

deparam com dilemas morais. A pesquisa apontou que níveis mais elevados da teoria da

mente e de compreensão emocional são capazes de predizer o uso do raciocínio

socialmente orientado para a aceitação da autoridade dos adultos, isto porque as

crianças, ao desenvolverem estas habilidades, tornam-se mais conscientes quanto às

relações que existem entre sua conduta, as percepções dos outros acerca de suas ações e

os estados emocionais e psicológicos (aprovação ou reprovação) que podem resultar

destas percepções.

Por volta dos 7 anos de idade, a criança desenvolve a compreensão de que as

crenças e emoções das pessoas emergem em meio as relações sociais, este raciocínio é

denominado de Teoria da Mente Social, desse modo é de se esperar que as crianças

mais velhas sejam mais capazes de antecipar as perspectivas dos membros do grupo

quanto à expressão do preconceito diante de outros grupos (Abrams, Rutland &

Cameron, 2003).

Abrams, Rutland, Pelletier & Ferrell (2009) analisaram como o julgamentos das

crianças poderiam estar associados ao desenvolvimento de uma Teoria da Mente Social.

Para tanto, solicitaram que crianças entre 6 e 11 anos avaliassem indivíduos que eram

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leais ou desleais às normas do grupo e, paralelamente, utilizaram um instrumento de

mensuração da Teoria da Mente Social. Este instrumento demandava aos participantes

que eles compreendessem uma “falsa avaliação” de outro personagem. A atividade tinha

um foco social, requerendo compreensão de como um primeiro personagem reagiria a

um segundo personagem que secretamente roubou seus brinquedos. Para responder a

esta questão corretamente, as crianças deveriam dissociar entre suas próprias avaliações

do ladrão daquelas sustentadas pelo primeiro personagem. Neste estudo foi observado

que a compreensão das normas do grupo estava relacionada ao desenvolvimento da

Teoria da Mente Social. Além disso, as crianças com este raciocínio mais desenvolvido

eram capazes de utilizar esta informação para justificar atitudes preconceituosas contra

determinados membros do grupo.

O papel das normas sociais sobre a expressão de atitudes intergrupais nas

crianças também tem sido analisado por uma nova perspectiva teórica denominada de

modelo do desenvolvimento das dinâmicas de grupo subjetivas (Abrams, Rutland &

Cameron, 2003; Abrams, Cameron, Milne & McGeorge, 2005; Abrams, Rutland;

Cameron & Farrel, 2007). Esta abordagem foi proposta como uma extensão à teoria da

identidade social (Tajfel & Turner, 1979), considerando não só as atitudes das crianças

diante de grupos distintos (atitudes intergrupais), mas também os julgamentos a respeito

dos indivíduos pertencentes a seu grupo (atitudes intragrupais).

A teoria também se distingue da teoria do desenvolvimento cognitivo (Aboud,

1988). Tal como foi exposto, esta abordagem propõe que as atitudes intergrupais das

crianças variam, ao longo do curso desenvolvimental, em função das transformações

que ocorrem em seus esquemas cognitivos. O modelo do desenvolvimento das

dinâmicas de grupo subjetivas não desconsidera que a aquisição de novas estruturas

cognitivas na criança interfira sobre sua expressão de atitudes intergrupais, contudo as

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pesquisas realizadas nesta abordagem indicam que as habilidades cognitivas aumentam

o viés endogrupal da criança ao invés de reduzi-lo. A teoria compreende que com o

avanço da idade, a criança desenvolve seu aparelho cognitivo, tornando-se apta a

compreender estados mentais e emocionais dos outros, bem como expande sua rede

social, posto que passa a pertencer a um maior número de grupos sociais (Abrams,

Rutland, Cameron & Ferrell, 2007).

De forma mais específica, a teoria propõe que, por volta dos 8 anos, a criança

muda de um padrão avaliativo baseado apenas nas categorias endogrupo e exogrupo,

para uma forma de avaliação que considera as diferenças entre os indivíduos de cada

grupo. Nesse sentido, a criança é mais propensa a integrar suas preferências por

diferentes grupos com suas avaliações dos indivíduos, baseando-se em características e

comportamentos particulares (Abrams & Rutland, 2008). Por exemplo, um grupo de

crianças que se identifica com uma equipe esportiva tanto pode rejeitar membros de

outras equipes como também pode hostilizar um membro de sua equipe que tem

preferência por outra. Esta mudança na cognição significa que as crianças podem

excluir um par porque ele pertence a outro grupo (ex: viés endogrupal) e excluir um par

de seu próprio grupo (ex: viés intragrupal), caso este desvie das normas sócio-

convencionais sustentadas pelos demais membros do grupo.

As pesquisas que adotam esta perspectiva têm investigado as atitudes

intergrupais das crianças por meio de um paradigma experimental que analisa como as

crianças avaliam pares de seu próprio grupo e de outros grupos que demonstram

comportamentos normativos ou desviantes. Abrams, Rutland e Cameron (2003)

elaboraram um experimento em que crianças britânicas foram solicitadas a avaliarem

suas atitudes diante dos grupos nacionais distintos, ingleses (endogrupo) e alemães

(exogrupo). A escolha destes grupos ocorreu em função da rivalidade histórica entre

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estas duas nações, tanto no contexto político como no esportivo. Neste estudo, as

crianças ouviam descrições de pares normativos e desviantes tanto do próprio como do

outro grupo nacional. Os pares normativos faziam duas declarações positivas sobre seu

grupo, enquanto que os pares desviantes faziam uma afirmação positiva sobre o seu

grupo e também uma afirmação positiva sobre a outra nação. Inicialmente, as crianças

foram solicitadas a avaliar os pares desviantes e normativos (exclusão intragrupal).

Além disso, também julgavam como os demais membros do grupo reagiram aos pares

avaliados, como uma forma de verificar sua consciência acerca das normas de exclusão

e inclusão de pares.

Os resultados indicaram que, após os 7 anos de idade, as crianças tendem a fazer

avaliações mais diferenciadas entre os pares normativos e os desviantes, sendo mais

favoráveis aos membros que possuem conduta condizente à norma do grupo, neste caso

a norma de lealdade. A partir desta idade, as crianças tornam-se mais conscientes acerca

das normas sustentadas pelos membros de seu grupo, uma vez que compreendiam que

os pares normativos teriam melhor aceitação pelos demais membros do grupo, ao passo

que os desviantes seriam rejeitados. À medida que a criança fica mais velha, portanto,

ela desenvolve critérios mais sofisticados de avaliação social, podendo,

simultaneamente, excluir aqueles que pertencem a outros grupos sociais como também

os membros de seu próprio grupo que violam as normas centrais a seu grupo.

Compreendendo que as normas possuem efeito moderador sobre as atitudes

sociais das crianças, Abrams, Rutland, Cameron e Ferrell (2007) realizaram um estudo

com o propósito de verificar como as atitudes das crianças seriam sensíveis aos aspectos

normativos do contexto. Para tanto realizaram um estudo experimental com crianças

entre 5 e 12 anos que passavam férias num acampamento escolar de verão. Neste

estudo, as crianças foram solicitadas a julgar seu acampamento (endogrupo) com

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relação a um outro acampamento de crianças (exogrupo) e também a avaliar membros

normativos e desviantes de seu próprio grupo, utilizando o mesmo procedimento do

estudo de Abrams, Rutland & Cameron. Entretanto, a pesquisa distinguiu-se desta

última por manipular o efeito das normas sociais através de duas condições: exposição a

membros do endogrupo e ausência de exposição.

Na primeira condição, as crianças eram informadas de que suas respostas seriam

vistas pelos demais membros de seu grupo, ao passo que essa informação não era

fornecida na outra condição. A pesquisa indicou que na condição em que a criança

estará exposta a outros membros de seu grupo, ela tende a apresentar maior favoritismo

endogrupal e a realizar avaliações mais favoráveis de membros normativos que dos

desviantes. Este resultado mostrou-se mais significativo entre as crianças mais velhas,

confirmando que as mesmas possuem maior sensibilidade aos aspectos normativos das

relações intergrupais.

Em conjunto, estes estudos abrem espaço para um novo campo de investigação

das atitudes sociais na infância. Ao mesmo tempo em que apontam as limitações das

abordagens anteriores quanto à compreensão das atitudes intergrupais das crianças, eles

lançam novas perspectivas a respeito do processo de desenvolvimento da criança,

revelando como variáveis sócio-cognitivas, tais como a Teoria da Mente, o juízo moral

e as identidades grupais encontram-se inter-relacionados com as normas sociais que

norteiam a expressão das atitudes e julgamentos. Desse modo, passaremos a analisar

como estas contribuições teóricas contribuíram para o estudo do racismo em crianças.

4.3- Normas sociais e controle do preconceito racial em crianças

Conforme exposto nas pesquisas mencionadas, a expressão do preconceito nas

crianças demanda do desenvolvimento de estruturas cognitivas que as permitam

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compreender as dinâmicas que regem as relações intergrupais. Entretanto, esse processo

também depende da percepção por parte da criança de que seu grupo possui normas

específicas quanto à expressão do preconceito. Há evidências de que normas sociais

quanto à expressão do preconceito geram preocupações na criança acerca da imagem

que ela transmitirá para os demais membros de seu grupo. Rutland, Cameron, Milne e

McGeorge (2005) realizaram dois estudos que envolviam diferentes contextos de

expressão do preconceito. No primeiro estudo, eles verificaram as normas pessoais de

crianças com idades entre os 5 aos 16 anos descrevendo aos participantes uma situação

imaginária envolvendo uma criança do grupo racial majoritário excluindo uma outra

criança de grupo minoritário. Em seguida, as crianças deveriam analisar o quanto

consideravam tal exclusão errada ou correta.

A pesquisa indicou que as crianças que aderem às normas antirracismo

apresentam baixos níveis de preconceito explícito contra grupos raciais minoritários.

Entretanto, as crianças com baixa adesão a esta norma, apenas inibem a expressão do

preconceito na condição em que suas respostas seriam expostas aos demais membros de

seu grupo. A exposição ao grupo, neste estudo, foi realizada fazendo-se a criança

acreditar que suas respostas seriam filmadas e, posteriormente, seriam exibidas num

vídeo a qual outras crianças e adultos teriam acesso. O estudo ainda trouxe um dado

relevante do ponto de vista desenvolvimental, visto que somente as crianças com mais

de 10 anos não apresentaram níveis significativos de preconceito racial explícito o que

evidencia maior internalização da norma antirracismo a partir desta idade.

Muito embora este estudo tenha sinalizado que a internalização da norma

antirracismo pode moderar a expressão do preconceito racial em crianças, tal como

ocorre com os adultos, ressalta-se que a supressão do preconceito depende das normas

prevalentes na sociedade quanto à aceitabilidade ou não do preconceito. De tal maneira,

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as crianças não irão suprimir seu preconceito quanto à norma predominante for de

tolerância e não de aversão a atitudes preconceituosas. Tais conclusões foram obtidas

num segundo estudo, no qual Rutland et al. (2005) adotaram com crianças britânicas na

faixa etária dos 6 aos 16 os mesmos procedimentos do primeiro estudo descrito, desta

vez analisando-se as normas pessoais e atitudes das crianças quanto ao preconceito

nacional de britânicos (endogrupo) contra alemães (exogrupo).

Diferentemente dos resultados obtidos com o preconceito racial, o estudo

indicou que a exposição aos demais membros do grupo não levava à supressão do

preconceito nacional explícito por parte das crianças. Ao contrário, as crianças entre 10

e 12 anos, apresentavam maiores níveis de preconceito quanto acreditavam que suas

respostas seriam vistas por demais membros do grupo. Os resultados indicam que, entre

as crianças estudadas, não há uma norma anti-preconceito tão saliente no campo das

atitudes nacionais tal como ocorre no contexto das relações raciais. De tal maneira, a

supressão do preconceito explícito depende das normas prevalentes no ambiente social

da criança e de sua capacidade cognitiva de verificar e compreender a implicação destas

normas.

Uma vez que o controle do preconceito em crianças está associado à exposição a

demais membros do grupo, bem como à consciência de que há a predominância de uma

norma antirracismo, Fitzroy e Rutland (2010) conduziram dois estudos com o objetivo

de identificar quais fatores estariam associados à expressão do preconceito explícito em

crianças. Num primeiro estudo, crianças entre os 6 e 9 anos foram solicitadas a

expressar atitudes frente aos grupos branco e negro, bem como foram avaliadas quanto à

sua capacidade de compreensão emocional, visto que a inibição do preconceito estaria

associada a emoções sociais complexas, tais como culpa e vergonha. Além disso, foi

adotado um procedimento semelhante ao de Abrams et al. (2007), no qual havia uma

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condição em que a criança era informada de que suas respostas seriam vistas por outras

crianças e pelos professores (exposição ao público) e outra condição em que essa

informação não era transmitida. A pesquisa indicou que as crianças com níveis de

emoção social pouco expressivos apenas inibem o preconceito explícito ao terem

conhecimento de que suas respostas serão vistas por outras pessoas de seu grupo.

Em um segundo estudo, Fitzroy e Rutland (2010) avaliaram as atitudes raciais de

crianças entre 6 e 9 anos frente aos grupos branco e negro, manipulando condições de

exposição ao grupo e de ausência de exposição. Todavia, ao contrário do primeiro

estudo, nesta pesquisa foi adotado um procedimento de verificação das normas do grupo

quanto à expressão do preconceito racial e um instrumento de verificação da Teoria da

Mente Social. Para verificar a consciência das normas antirracismo nas crianças, a elas

foi apresentada uma figura que ilustrava uma situação ambígua. Na imagem, duas

criança, uma branca e outra negra estão num parquinho. A criança branca está com seus

bolsos puxados para fora e traz uma expressão de angústia em seu rosto. Um nota de £5

estava colocada no chão atrás da criança branca e a criança negra aparece curvando-se e

segurando a nota. Após observar esta ilustração, a criança era solicitada a avaliar, por

meio de seis frases positivas (ex: a criança negra não é má, está devolvendo o dinheiro)

e seis negativas (ex: a criança negra roubou o dinheiro), como crianças e professores de

sua escola entenderiam a situação.

Para identificar o nível de desenvolvimento da Teoria da Mente Social nas

crianças, foi adotada uma tarefa de falsa crença idêntica à utilizada por Abrams et al.

(2009) em que o participante deveria avaliar como uma criança reagiria a uma outra

criança que, secretamente, roubou seus brinquedos. Este estudo indicou que as crianças

com elevados níveis de desenvolvimento da Teoria da Mente Social e que identificam

que seu grupo de referência possui uma norma antirracismo apresentam baixos níveis de

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preconceito explícito, independentemente de suas respostas serem ou não exibidas aos

demais membros do grupo. Contudo, quando as crianças apresentavam baixos níveis da

Teoria da Mente, mas compreendiam que seu grupo possuía uma norma antirracismo,

elas tendiam a suprimir o preconceito na situação de alta exposição ao grupo.

Em síntese, verifica-se que o preconceito racial tem adquirido novas formas de

manifestação que sofrem interferência das normas presentes nas diversas situações em

que as pessoas possam estar envolvidas e do desenvolvimento sócio-cognitivo da

criança. Os estudos mencionados apontam resultados distintos quando se comparam

dados obtidos em contextos em que a norma antirracismo fez-se saliente pela exposição

a demais membros do grupo, em contraste com as situações em que tal exposição não

ocorria. Considerando as novas formas de expressão do racismo e a influência de fatores

desenvolvimentais sobre as atitudes raciais das crianças, esta pesquisa será realizada

com o objetivo de verificar a presença do preconceito racial entre as crianças brancas

dos 6 aos 12 anos diante do grupo dos negros. Para tanto, analisaremos as diferenças na

expressão do racismo em função dos estágios de desenvolvimento cognitivo dos sujeitos

e, em consonância com a teoria do racismo aversivo, verificaremos como a saliência da

norma antirracismo interfere na manifestação das atitudes intergrupais das crianças.

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90

CAPÍTULO V

ASPECTOS METODOLÓGICOS

5.1- Problema da pesquisa:

A presente pesquisa aborda o tema da socialização das atitudes raciais em

crianças, relacionando estas atitudes tanto a aspectos do desenvolvimento cognitivo das

crianças, quanto à persistência do preconceito racial e da discriminação numa sociedade

que têm enfatizado a norma antirracista. Seriam as atitudes raciais das crianças distintas

ao longo de diferentes fases do desenvolvimento, conforme sugere a literatura? Ao

interagir com os grupos branco e negro, quais parâmetros normativos as crianças

percebem em seu meio social? Seriam as crianças capazes de identificar a saliência da

norma antirracismo e, do mesmo modo que os adultos, inibir o preconceito racial a nível

explícito? Sendo as crianças sensíveis à existência da norma antirracismo, em que

período ou fase do desenvolvimento haveria a inibição do preconceito racial?

Diante dos problemas colocados, o presente trabalho procurou respondê-los,

verificando se a expressão das atitudes raciais das crianças brancas (grupo dominante)

seria sensível à saliência da norma antirracismo e se o impacto desta norma seria

moderado pela idade ou estágio desenvolvimental da criança.

5.2- Objetivo geral:

Investigar o impacto da norma social antirracismo sobre as atitudes raciais de

crianças brancas na faixa etária dos 6 aos 12 anos.

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5.3-Objetivos específicos:

1-) Comparar as atitudes raciais explícitas das crianças brancas, em três fases do

desenvolvimento, dos 6 aos 7 anos de idade, dos 8 aos 10 anos de idade e dos 11 aos 12

anos de idade, considerando as características destacadas pelo modelo de

desenvolvimento moral de Piaget (1932/1977), pelas teorias sobre o desenvolvimento

das atitudes raciais em crianças (Aboud, 1988; Nesdale, 2004) e os dados dos estudos

sobre o impacto da norma antirracismo sobre as atitudes das crianças (Fitzroy &

Rutland, 2010; França & Monteiro, 2013; Rutland, 1999; Rutland et al., 2005).

2-) Investigar os parâmetros normativos percebidos pelas crianças nos adultos,

nos amigos e nelas mesmas quanto à interação com os grupos raciais branco e negro.

3-) Identificar em qual(is) das três fases de desenvolvimento mencionadas existe

diferenças significativas entre as atitudes raciais expressas num contexto de saliência da

norma antirracismo e em outro onde não houve saliência.

4-) Comparar, entre as três fases de desenvolvimento consideradas, diferenças

entre as manifestações explícitas e sutis do preconceito racial.

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5.4- Hipóteses:

Analisando as normas sociais das crianças quanto às relações raciais

Considerando a ênfase da norma antirracismo na sociedade atual (Pearson,

Dovidio & Gaertner, 2009) e que, ao longo das etapas do desenvolvimento sócio-

cognitivo, a criança mostra-se gradativamente capaz de reconhecer as normas sociais

sustentadas por membros de seu grupo (Abrams et al. 2007; Flavell, 2004), bem como

internaliza estas normas tomando como referência agentes socializadores importantes

como pares, pais, professores e cuidadores (Killen & Rutland, 2011), espera-se que os

parâmetros normativos que as crianças percebem nos adultos, nos amigos e nelas

mesmas quanto à interação com os grupos raciais branco e negro apresentem as

seguintes características, conforme nossas hipóteses de pesquisa:

H 1: As crianças entre 6-7 anos de idade, em comparação com os demais grupos,

expressarão com maior frequência que adultos e amigos gostam de pessoas brancas e

não gostam de pessoas negras, pois ainda não identificam a presença da norma

antirracismo.

H 2: Espera-se que as crianças mais velhas (8-10 anos de idade; 11-12 anos de

idade) refiram que tanto os adultos como os amigos gostam das pessoas brancas e das

pessoas negras, uma vez que é esperado que, por possuírem habilidades cognitivas mais

desenvolvidas, estes participantes tenham consciência da presença da norma

antirracismo.

H 3: Por não terem atingido um estágio de desenvolvimento que as permita

compreender como uma atitude racista pode ser avaliada pelos demais, as crianças entre

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6-7 anos de idade, em comparação com os demais participantes, expressarão com maior

frequência que gostam de pessoas brancas e não gostam de pessoas negras.

H 4: Os dois grupos de crianças mais velhas (8-10 anos de idade; 11-12 anos de

idade), em função de possuírem consciência acerca das normas que regem as relações

raciais, revelarão que gostam tanto de pessoas brancas como de pessoas negras.

Analisando as atitudes raciais nas crianças a partir de medidas do preconceito

explícito

As crianças expressam preferências sociais e avaliativas a partir de categorias

como gênero, idade e raça (Shutts, Banaji & Spelke, 2010) e, ainda que não exista

conflito intergrupal objetivo, elas tendem a manifestar favoritismo endogrupal e

discriminação contra o exogrupo. (Files, Casey & Oleson, 2010). Contudo, em função

da saliência da norma antirracismo, pesquisas que avaliam as atitudes raciais de crianças

através de instrumentos de autorrelato indicam o decréscimo do preconceito racial

explícito com o decorrer da idade (Rutland et al., 2005).

Os dados obtidos por meio de instrumentos de autorrelato resultam da interação

de fatores desenvolvimentais e sócio-normativos. Antes dos 8 anos de idade, as

avaliações raciais das crianças brancas são orientadas pelas distinções entre o os grupos,

predominado o favoritismo endogrupal e a hostilidade ao exogrupo (Aboud, 1988;

Doyle & Aboud, 1995). Após esta idade, os critérios normativos predominantes em seu

meio social tendem a ter, progressivamente, maior peso nas avaliações das crianças

(Abrams & Rutland, 2008; Rodrigues, Monteiro & Rutland, 2012). Desse modo, a partir

dos 10 anos de idade, as crianças tendem a expressar atitudes mais igualitárias diante

dos grupos raciais (Baron & Banaji, 2006).

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Para avaliar as atitudes raciais das crianças, utilizamos uma versão adaptada da

escala Multiresponse Racial Attitude Measure-MRA de Doyle e Aboud (1995), que

consiste numa medida onde as crianças devem atribuir, diante de um entrevistador,

traços positivos e negativos aos grupos branco e negro. Havendo a possibilidade desses

traços serem atribuídos a ambos os grupos ou a nenhum deles. Nesta escala, podemos

mensurar níveis de preconceito racial e de atitude antirracismo. Conforme os autores

que a desenvolveram, o preconceito racial é identificado neste instrumento por meio dos

escores de favoritismo endogrupal da criança (atribuição de qualidades positivas ao

branco) e de hostilidade ao exogrupo (atribuição de qualidades negativas aos negros).

Para verificar a atitude antirracismo, somamos os escores de atribuição de qualidades

positivas a ambos os grupos e de qualidades negativas a nenhum deles. A partir desta

medida, espera-se que a expressão do preconceito racial nas crianças apresente as

seguintes características:

H 5: Os índices de preconceito explícito e de atitude antirracismo sofrerão

influência da idade dos participantes. As crianças com idade entre 6 e 7 anos ainda não

possuem habilidades que as permita inferir a presença da norma antirracismo na

sociedade. Sendo assim, apresentarão os maiores níveis de preconceito racial visto que

atribuirão mais traços positivos aos brancos que aos negros (favoritismo endogrupal) e

mais traços negativos aos negros que aos brancos (hostilidade ao exogrupo).

H 6: Tendo em vista que a consciência da norma antirracismo ocorre a partir do

desenvolvimento sócio-cognitivo das crianças, espera-se que o preconceito racial

explícito decresça com a idade. De tal modo, as crianças com idade entre os 6 e 7 anos

apresentarão maiores níveis de preconceito racial, sendo estes níveis menos expressivos

após os 8 anos.

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H 7: A partir dos 8 anos de idade, as crianças mostram-se mais conscientes

acerca das implicações das normas sociais e, por conseguinte, tenderão a atribuir traços

positivos a ambos os grupos, ao mesmo tempo em que não farão atribuições de traços

negativos aos grupos avaliados. Desse modo, esperamos que a atitude antirracismo

mostre-se gradativamente mais expressiva com a idade.

H 8: Espera-se que a atitude antirracismo seja mais expressiva com a idade, ao

passo que o preconceito explícito decresça. Todavia, a partir dos 8 anos de idade, as

crianças podem apresentar preconceito racial de forma sutil, tal como ocorre com os

adultos. O preconceito sutil será verificado, caso o alvo branco (endogrupo) apresente

mais avaliações positivas que negativas e o alvo negro (exogrupo) não apresente

diferenças significativas entre estas avaliações.

As pesquisas sobre atitudes raciais em crianças também indicam que a maioria

das crianças entende o preconceito racial como algo errado ou injusto (Rutland, Killen

& Abrams, 2010), entretanto, o preconceito racial pode ser encarado de formas distintas

a partir de variações contextuais. A criança entende que, em uma determinada situação,

pode rejeitar alguém em função de sua pertença racial, compreendendo tal atitude como

legítima e, em outra pode compreender o preconceito como atitude injusta e, assim,

expressar atitudes igualitárias (Killen & Rutland, 2011).

Desse modo, procuramos analisar a variação contextual da expressão explícita

do preconceito, por meio de uma medida de distância social em que as crianças foram

solicitadas a escolher entre um alvo branco e outro negro nas situações que envolvem:

a) escolha de um irmão adotivo; b) escolha de colega de classe com que irá realizar

atividade valendo nota; c) escolha de um melhor amigo e, d) escolha de uma criança

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com a qual compartilharia um doce. Para este tipo de medida, foram elaboradas as

seguintes hipóteses de pesquisa:

H 9: As crianças entre 6 e 7 anos de idade optarão pelo alvo branco na maioria

dos contextos colocados, pois ainda não conseguem avaliar as implicações da norma

antirracismo.

H 10: As crianças com mais de 7 anos de idade tenderão a balancear suas

escolhas entre os alvos branco e negro, posto que possuem consciência acerca das

normas que norteiam as relações raciais.

H 11: Como o preconceito racial apresenta variações contextuais, o alvo branco

será preferido nas situações que envolvem maior proximidade e comprometimento

social (irmão adotivo, atividade valendo nota), enquanto que o alvo negro será escolhido

nas situações que implicam em maior distância (dar um doce, melhor amigo).

Analisando a norma antirracismo e a expressão do preconceito.

Ao longo de seu percurso de socialização, a criança, ao mesmo tempo em que

expande sua rede social, também desenvolve seu aparelho cognitivo e tona-se apta a

compreender estados mentais e emocionais dos outros (Abrams, Rutland, Cameron &

Ferrel, 2007; Flavell, 2004). A partir dos 8 anos de idade, ela é capaz de antecipar as

perspectivas dos demais quanto à expressão do preconceito racial (Abrams, Rutland &

Cameron, 2003). Uma vez consciente de que seu comportamento será avaliado e jugado

pelos demais, a criança inibe a expressão do preconceito racial nas circunstâncias em

que suas atitudes estarão expostas à avaliação de outras pessoas, sendo essa inibição

mais expressiva após os 10 anos de idade (Fitzroy & Rutland, 2010; Rutland, Cameron

& McGeorge, 2005).

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Desse modo, analisamos a relação entre o preconceito e a norma antirracismo,

utilizando o mesmo procedimento adotado por França e Monteiro (2013), o qual

consistia num contexto de distribuição de recursos aos grupos raciais branco e negro em

duas condições distintas: uma condição de alta saliência da norma antirracismo e outra

de baixa saliência desta mesma norma. Para este procedimento, foram formuladas as

seguintes hipóteses sobre a expressão do racismo:

H 12: No total da amostra, a criança branca receberá mais recursos que a negra.

H 13: Na condição de alta saliência da norma antirracismo, as crianças que

possuem mais de 7 anos de idade terão comportamento favorável ao negro, sendo essa

atitude mais expressiva entre os participantes com mais de 10 anos.

H 14: Na condição em que a norma antirracismo não é ressaltada, tanto as

crianças com mais de 7 anos como as crianças mais novas apresentarão comportamento

favorável aos brancos.

H 15: As crianças com idade entre 6 e 7 anos, independentemente da saliência da

norma, não manifestarão comportamento favorável aos negros.

5.5- Participantes:

Participaram deste estudo 72 crianças brancas. A cor da criança foi definida a

partir de dois critérios: a classificação de uma entrevistadora negra previamente treinada

e a auto-definição da própria criança, a qual deveria informar à entrevistadora se

considerava ser branca ou negra. O estudo foi composto apenas de crianças que,

simultaneamente, auto afirmaram-se como brancas e que assim foram classificadas pela

entrevistadora. A amostra possui 43 meninos e 29 meninas, que foram distribuídas e três

diferentes grupos em função da idade. 6-7anos de idade (41,7%), 8-10 anos de idade

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(41,7%) e 11-12 anos de idade (16,6%). Não houve relação significativa entre o gênero

dos participantes e a distribuição nos três grupos etários F (1,70) = .55, p = .46;

(Mmeninos = 8.3, D.P = 2.15; Mmeninas = 8.55, D.P=2.08). A amostra foi retirada de

escolas da cidade de Aracaju-SE e de sua zona metropolitana.

5.6- Procedimentos e Instrumentos:

As crianças foram abordadas em suas próprias escolas, para tanto foi

estabelecido contato anterior com a instituição de ensino a fim de obter o consentimento

informado das mesmas e, se necessário, dos pais das crianças para a realização do

estudo.

As crianças foram entrevistadas individualmente, em sua própria escola, por

uma entrevistadora negra previamente treinada, acompanhada de um entrevistador que

anotava as respostas das crianças. Ao longo do procedimento, a criança foi posicionada

em frente à entrevistadora para que ele pudesse ser observada durante a entrevista.

Antes do início da entrevista, foi estabelecido o rapport, por meio do seguinte

relato que era feito à criança:

“Eu estou querendo escrever uma história sobre o que as crianças pensam sobre as pessoas. Para

isto, eu resolvi conversar com algumas crianças para ter ideias de como escrever a história. Eu

gostaria que você me ajudasse respondendo algumas perguntas que eu vou lhe fazer. Você

responde do jeito que você achar certo, para mim o que é importante é o que você pensa.

Podemos começar?”

Além deste relato, destacava-se que o objetivo era conversar com a criança e

conhecer a opinião dela e que as perguntas feitas não tinham relação com a escola e não

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valeriam nota, bem como que a criança poderia responder às questões da maneira que

quisesse e que outras pessoas não saberiam o que ela respondeu.

O questionário utilizado abrange uma pesquisa maior que envolve a análise das

normas e dos valores sobre a expressão do racismo em crianças. Para o alcance dos

objetivos do presente estudo, foram analisadas as variáveis:

a) Normas sociais: Essa medida buscou testar as hipóteses H 1, H 2, H 3 e H 4.

Solicitou-se às crianças que avaliassem os padrões de preferência racial dos adultos, dos

amigos e de si mesma. Para tanto, foram utilizadas três caixas retangulares com os

rótulos “adultos”, “amigos” e “você mesmo” e cartões que continham desenhos de

expressões emocionais acompanhados dos nomes “gosta”, “não gosta” e “não sei”. As

crianças foram solicitadas a utilizar estes cartões para responderem as seguintes

perguntas: 1) Você acha que os adultos gostam ou não gostam das pessoas brancas? , 2)

Você acha que os seus amigos gostam ou não gostam de pessoas brancas? e 3) Você

gosta ou não gosta de pessoas que são brancas? Em seguida, estas questões eram feitas

novamente quanto aos negros.

b) Atitudes raciais: Essa medida teve o objetivo de verificar as hipóteses H 5, H

6, H 7 e H 8 e consiste numa adaptação da Multiresponse Racial Attitude Measure-

MRA de Doyle e Aboud (1995), a qual possibilita investigar o preconceito racial

explícito e a atitude antirracismo além de permitir que estereótipos positivos e negativos

sejam avaliados separadamente. Nesta escala, a criança é solicitada a avaliar os grupos

branco e negro utilizando 10 adjetivos, sendo 5 positivos (bom, bonito, inteligente,

limpo e saudável) e 5 negativos (burro, doente, feio, ruim e sujo). Cada um desses

adjetivos encontravam-se escritos em cartões, sendo que a criança recebia um cartão por

vez, devendo inseri-lo, conforme sua preferência, em uma das quatro caixas dispostas.

Uma caixa possuía a foto de uma criança branca, uma segunda caixa, a foto de uma

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100

criança negra, uma terceira apresentava tanto a fotografia da criança branca como a da

criança negra e a última caixa não apresentava fotos. Desse modo, a criança poderia

associar os adjetivos com o alvo branco, com o negro, com ambos ou com nenhum

deles.

As fotografias utilizadas variavam em função do gênero da criança, sendo

utilizadas fotografias de meninos quando os sujeitos eram do sexo masculino e

fotografias de meninas, quando eram do sexo feminino, a fim de evitar que as respostas

fossem dadas em função do gênero e não do grupo racial. A entrevistadora entregou

para a criança um traço de cada vez, sempre questionando : “qual desses (as) meninos

(as) é bom (boa)? Esse (a)? Esse (a)? Os dois (as duas)? Ou nenhum (a)?”. Pedia-se,

assim, que a criança que colocasse o cartão na caixa que correspondia à opinião dela. O

procedimento foi repetido com os 9 traços restantes.

Foram computados os números de adjetivos colocados em cada uma das caixas.

A partir das atribuições feitas pelas crianças, foram construídas as variáveis de

estereótipos positivos e negativos para cada uma das quatro respostas possíveis (branco,

negro, ambos, nenhum). Para se obter a variável de preconceito racial, as variáveis de

estereótipo positivo para o branco e estereótipo negativo para o negro foram somadas.

Enquanto que a variável de atitude antirracismo foi construída a partir da soma das

variáveis de estereótipo positivo para ambos os grupos e estereótipo negativo para

nenhum dos grupos.

c) Preferência intergrupal: Essa medida teve o propósito de verificar as

hipóteses H 9, H 10 e H 11. Nela, pediu-se que as crianças escolhessem entre um alvo

branco e outro negro qual preferem como irmão, como colega para realizar atividade da

escola, como melhor amigo e para dividir um doce. Foram utilizadas as mesmas

Page 101: NORMAS SOCIAIS E EXPRESSÕES DO RACISMO EM … · análise de variância entre a idade das crianças e os escores obtidos na escala MRA ... preconceito

101

fotografias das perguntas anteriores, havendo variação da fotografia em função do

gênero da criança.

d) Racismo implícito: Essa medida testou as hipóteses H 12, H 13, H 14 e H 15 e

investigou o racismo em função da saliência da norma. Para tanto, foi criada uma

situação experimental de manipulação da norma antirracismo. Tomou-se como modelo

o procedimento utilizado por França e Monteiro (2013) de distribuição de recompensas

entre crianças do próprio grupo e do outro grupo. Para este estudo foi apresentada à

criança a seguinte situação:

“Vou falar sobre dois meninos que querem comprar bicicletas. Cada um deles quer sua própria

bicicleta. Eu resolvi ajudá-los pedindo contribuição para eles às crianças das escolas. Para

contribuir você têm só que colocar esse (13 moedas de brinquedo de R$ 1,00 cada) dinheiro

nesses cofres. Veja! Outras crianças já contribuíram. Você dá o quanto quiser e do jeito que

quiser. O dinheiro que você der, vai ser transformado em dinheiro de verdade e depois dado a

eles.”.

À frente da criança, ficavam os dois cofres e as treze moedas de brinquedo de

R$ 1,00. Em um cofre estava anexada a fotografia de uma criança branca e no outro a

de uma criança negra. Havia moedas dentro de cada cofre com dois propósitos: dar a

impressão de que a tarefa já havia sido feita por outras crianças e de haver

confidencialidade na distribuição do dinheiro.

Para se investigar o racismo aversivo, foram criadas duas situações distintas na

execução desta tarefa. Na condição 1, uma entrevistadora negra ficou presente durante a

distribuição das moedas (saliência da norma antirracismo). Enquanto que, na condição 2

(ausência da norma) a entrevistadora deixou a sala informando à criança que deverá sair

por um instante e que esta poderia realizar a tarefa à vontade, retornando após 3

minutos.

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102

Ao término da entrevista, foi verificada a capacidade matemática da criança,

com a finalidade de garantir que, ao distribuir as recompensas entre os alvos branco e

negro, a criança compreendia que se tratavam de quantidades distintas. Para tanto, a

entrevistadora pediu à criança que dividisse 10 moedas de 1 centavo, igualmente, entre

duas crianças. Para esta tarefa, foi utilizada a prancha com o desenho de duas crianças

no patinete. Como esta questão não envolve atitudes raciais, mas sim raciocínio

matemático, as imagens utilizadas nesta questão consistem em ilustrações gráficas e não

em fotografias de membros dos grupos branco e negro. Análises posteriores indicaram

que 100% das crianças entrevistadas obtiveram sucesso nesta tarefa o que nos permite

concluir que todos os participantes do estudo apresentaram condições cognitivas para a

participar do experimento.

As fotografias utilizadas nesta pesquisa foram previamente testadas no estudo de

França e Monteiro (2011) e mostraram-se adequadas para essa amostra. Foi solicitado à

criança que categorizasse 6 fotografias, 3 representando crianças brancas e outras 3

representando os negros, para tanto, colocava-se sobre a mesa duas caixas, cada uma

contendo um rótulo, branco ou negro. Solicitando-se, em seguida, que a criança lesse os

nomes de cada uma das caixas e iniciasse a tarefa. As três fotografias que

representavam o negro foram assim classificadas por 94,5 % das crianças e as

fotografias do branco foram classificadas desse modo por 98% dos participantes.

5.7- Desenho da pesquisa experimental

Para a análise do impacto da norma antirracismo sobre as atitudes raciais das

crianças, foi adotado um delineamento 3 X 2 X 2. A primeira condição assume 3

valores referentes à faixa etária dos participantes (6-7 vs. 8-10 vs. 11-12 anos), a

segunda possui 2 valores relativos a saliência da norma antirracismo (presença vs.

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103

ausência da entrevistadora), e a terceira também com 2 valores que dizem respeito ao

alvo (branco vs. negro). O último fator foi dentre participantes. A variável dependente

foi o comportamento de ajuda, mensurado como o número de moedas de R$ 1,00

destinadas a cada um dos alvos.

5.8-Procedimentos para análise de dados

Foram conduzidas análises quantitativas que serviram como base para a

discussão proposta. Realizaram-se as seguintes análises: a) caracterização da amostra

por meio de estatísticas descritivas; b) teste X² (qui-quadrado) 3X3 para acessar os

níveis de associação entre os três grupos etários estudados (6-7; 8-10; 11-12 anos) e as

normas dos adultos, amigos e da própria criança para interagir com os grupos branco e

negro; c) a construção das variáveis de estereótipo positivo e negativo do grupo branco,

do negro, de ambos e de nenhum deles, totalizando 8 variáveis distintas (4 relativas a

estereótipos positivos e 4 a estereótipos negativos); d) construção da variável de

preconceito racial a partir da soma das variáveis “estereótipo positivo do branco” e

“estereótipo negativo do negro” e de uma variável de atitude antirracismo, obtida a

partir da soma do “estereótipo positivo para ambos os grupos” e “estereótipo negativo

para nenhum dos grupos”; e) teste t relacionado para comparar os estereótipos positivos

e negativos na escala MRA; f) One-Way ANOVA do impacto da idade dos

participantes sobre os índices de preconceito e de atitude antirracismo; g) teste de X² de

independência 3x2 para verificar a associação entre a idade do participante e a

preferência pelos grupos branco e negro, nas situações em que deveria indicar qual

escolheria como irmão, melhor amigo, para dividir um doce e para realizar atividade da

escola; h) ANOVA 3 x 2 x 2 para comparar o impacto da saliência da norma

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104

antirracismo sobre a expressão de preconceito dos participantes diante dos alvos branco

e negro.

Os procedimentos de análise dos dados são melhor visualizados na Tabela 1

Tabela 1: Procedimentos de análise de dados.

OBJETIVOS ANÁLISE DOS DADOS

Identificar quais parâmetros normativos as

crianças percebem nos adultos, nos amigos e

nelas mesmas quanto à interação com os grupos

raciais branco e negro.

Testes X² (Qui-quadrado) (3X3)

Variáveis relacionadas:

Idade da criança (6-7anos/ 8-10 anos /11-12 anos)

X

Padrões de preferência

(Gosta/Não gosta/Não sei)

Avaliar o impacto da idade da criança sobre seus

níveis expressão de preconceito racial explícito e

de atitudes antirracismo

One-Way ANOVA

VI: Idade da Criança (6-7anos; 8-10 anos; 11-12 anos)

VD: Escores preconceito racial e atitude antirracismo obtidos

na MRA.

Comparar, dentre cada um dos três grupos de

idade considerados, os níveis de avaliação

positiva e negativas feitas sobre os alvos branco

e negro.

Teste t relacionado

Variáveis pareadas:

1) Avaliação positiva do branco X avaliação negativa do branco

2) Avaliação positiva do negro X avaliação negativa do negro

Analisar a associação entre a idade da criança e a

escolha para os alvos branco e negro nas

situações em que devem escolher: a) um irmão,

b) melhor amigo, c) um colega de classe para

realizar atividade valendo nota e, d) uma criança

para compartilhar um doce.

Testes X² (Qui-quadrado) (3X2)

Variáveis relacionadas:

Idade da criança (6-7anos/ 8-10 anos /11-12 anos)

X

Alvo (branco/ negro)

Comparar o impacto da norma social

antirracismo sobre a expressão do preconceito

dos três grupos etários estudados (6-7 anos; 8-10

anos; 11-12 anos), nas condições de alta saliência

(presença da entrevistadora) e baixa saliência

(ausência da entrevistadora) da norma

antirracismo.

ANOVA 3 X 2 X 2

VIs: 1) Norma antirracismo(alta saliência/baixa saliência);

2)Idade da criança(6-7anos/ 8-10 anos /11-12 anos)

X

VDs: Recursos destinados ao alvo (branco/ negro)

Page 105: NORMAS SOCIAIS E EXPRESSÕES DO RACISMO EM … · análise de variância entre a idade das crianças e os escores obtidos na escala MRA ... preconceito

105

CAPÍTULO VI

RESULTADOS

Neste capítulo, serão apresentados os resultados referentes a cada uma das

análises realizadas. Inicialmente, serão apresentados os dados relativos aos parâmetros

normativos que as crianças percebem nos adultos, amigos e nelas mesmos quanto à

interação com os grupos branco e negro. Em seguida, são mostrados os dados que foram

coletados por meio da versão adaptada da escala MRA e da medida de distância social

para avaliar o preconceito racial explícito frente aos grupos branco e negro. Por fim, são

descritos os resultados do procedimento experimental.

6.1- Análise dos parâmetros normativos que as crianças percebem nos adultos,

amigos e nelas mesmas para interagir com os grupos branco e negro

Para testar as hipóteses H 1, H 2, H 3 e H 4, as quais fizeram predições sobre as

normas sociais que as crianças identificam nos adultos, nos amigos e nelas mesmas para

interagir com os grupos branco e negro, os resultados foram submetidos a uma análise

de contingência (Teste X² -qui-quadrado) entre os três grupos de idade (6-7 anos; 8-10

anos e 11-12 anos) e os parâmetros de normativos (gosta/não gosta/ não sei).

A hipótese H 1 sustentava que as crianças entre 6 e 7 anos de idade, em

comparação com os demais grupos, afirmariam com maior frequência que adultos e

amigos gostam de brancos e não gostam dos negros, enquanto a hipótese H 2 predizia

que os dois grupos de crianças mais velhas (8-10 anos de idade; 11-12 anos de idade),

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106

por terem consciência da norma antirracismo, mencionariam que tanto os adultos como

os amigos gostam de pessoas brancas e de pessoas negras. Estas duas hipóteses foram

testadas por meio das análises das preferências que as crianças observam nos adultos e

amigos para interagir com os grupos branco e negro.

As análises efetuadas para as normas que a crianças identificam nos adultos para

interagir com o branco apresentaram os seguintes resultados (Tabela 2):

Tabela 2: Frequências e percentuais dos parâmetros normativos que as crianças

percebem nos adultos para interagir com os brancos, agrupados em função da idade dos

participantes (N=72)

Os adultos gostam de pessoas brancas? Total

Gostam Não Gostam Não sei

6-7 anos 27

(90%)

2

(6,7%)

1

(3,3%)

30

(100%)

8-10 anos 22

(73,3%)

3

(10%)

5

(17,7%)

30

(100%)

11-12 anos 7

(58,3%)

1

(8,3%)

4

(33,3%)

12

(100%)

Total 56

(77,8%)

6

(8,3%)

10

(13,9%)

72

(100%)

Os resultados não revelaram associação significativa entre a idade dos

participantes e os padrões de preferência dos adultos para interagir com o grupo branco

(X² = 7.27, gl = 4, p = .122). A ausência de significância, provavelmente, deve-se ao

fato da maioria dos participantes ter referido que os adultos gostam de pessoas brancas.

Dentre os 72 entrevistados, 56 (77,8%) mencionaram que os adultos gostam de pessoas

brancas, sendo este o padrão de resposta predominante nos três grupos considerados.

Os resultados obtidos quanto às normas que as crianças percebem nos adultos

para interagir com negros encontram-se na Tabela 3:

Page 107: NORMAS SOCIAIS E EXPRESSÕES DO RACISMO EM … · análise de variância entre a idade das crianças e os escores obtidos na escala MRA ... preconceito

107

Tabela 3: Frequências e percentuais dos parâmetros normativos que as crianças

percebem nos adultos para interagir com os negros, agrupados em função da idade dos

participantes (N=72)

Os adultos gostam de pessoas negras? Total

Gostam Não Gostam Não sei

6-7 anos 18

(60%)

10

(33,3%)

2

(6,7%)

30

(100%)

8-10 anos 13

(43,3%)

10

(33,3%)

7

(23,3%)

30

(100%)

11-12 anos 6

(50%)

1

(8,3%)

5

(41,7%)

12

(100%)

Total 37

(51,4%)

21

(29,2%)

14

(19,4%)

72

(100%)

Para a interação com os negros, os resultados foram tendencialmente

significativos (X² = 8.75, gl = 4, p = .067). Apesar da maioria das crianças ter

mencionado que os adultos gostam dos negros (51,4%), parte delas percebe que os

adultos não gostam (29,2%). É possível verificar que a percepção de que os adultos não

gostam de pessoas negras é mais expressiva nos grupos de crianças entre 6 e 7 anos de

idade (33,3%) e 8 e 10 anos (33,3%) que nas crianças mais velhas (8,3%).

Quanto às normas que as crianças percebem em seus amigos para interagir com

os grupos raciais estudados, os valores do teste qui-quadrado foram significativos

apenas para os padrões de interação com os brancos (X² = 17.58, gl = 4, p = .001). Os

resultados quanto às normas verificadas nos amigos para interagir com os brancos

encontram-se na Tabela 4:

Page 108: NORMAS SOCIAIS E EXPRESSÕES DO RACISMO EM … · análise de variância entre a idade das crianças e os escores obtidos na escala MRA ... preconceito

108

Tabela 4: Frequências e percentuais dos parâmetros normativos que as crianças

percebem nos amigos para interagir com os brancos, agrupados em função da idade dos

participantes (N=72)

Os seus amigos gostam de pessoas brancas? Total

Gostam Não Gostam Não sei

6-7 anos

RA

26

(86,7%)

1.1

3

(10%)

.1

1

(3,3%)

-1.5

30

(100%)

8-10 anos

RA

25

(83,3%)

.5

4

(13,3%)

.9

1

(3,3%)

-1.5

30

(100%)

11-12 anos

RA

7

(58,3%)

-2.1

___

-1.2

5

(41,7%)

4.1

12

(100%)

Total 58

(80,6%)

7

(9,7%)

7

(9,7%)

72

(100%)

Nota: RA = resíduos ajustados.

Os dados mostram que para 58 (80,6%) dos 72 entrevistados, os amigos gostam

das pessoas brancas, enquanto que 7 (9,7%) afirmaram não saber responder e outros 7

(9,7%) indicaram que os amigos não gostam dos brancos. A análise dos resíduos

ajustados revelou que esses dados foram significativos em função das respostas das

crianças mais velhas (11-12 anos). Em comparação com os demais grupos, estas

crianças dividiram suas respostas entre afirmar que os amigos gostam de pessoas

brancas (58,3%) e não saber se os amigos gostam de pessoas brancas (41,7%). Em

contrapartida, para 26 (86,7%) crianças entre 6 e 7 anos, os amigos gostam dos brancos,

enquanto que 3 (10%) afirmaram que os amigos não gostam e somente 1(3,3%) não

sabia dar resposta. Os dados são semelhantes aos das crianças entre 8-10 anos de idade,

dos quais 25 (83,3%) mencionaram que os amigos gostam dos brancos, 4 (13,3%)

disseram que os amigos não gostam dos brancos e apenas 1 (3,3%) não soube dar

resposta.

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109

Ao se considerar o grupo dos negros, verificamos que os resultados não foram

significativos (X² = 4.87 ,gl = 4, p = .305). Os dados referentes às normas que as

crianças percebem em seus amigos para interagir com os negros estão dispostos na

Tabela 5:

Tabela 5: Frequências e percentuais dos parâmetros normativos que as crianças

percebem nos amigos para interagir com os negros, agrupados em função da idade dos

participantes (N=72)

Os seus amigos gostam de pessoas negras? Total

Gostam Não Gostam Não sei

6-7 anos

17

(56,7%)

8

(26,7%)

5

(16,7%)

30

(100%)

8-10 anos 20

(66,7%)

4

(13,3%)

6

(20%)

30

(100%)

11-12 anos 9

(75%)

_

3

(25%)

12

(100%)

Total 46

(63,9%)

12

(16,7%)

14

(19,4%)

72

(100%)

Os resultados indicam que dos 72 participantes, 46 (63,9%) afirmaram que os

amigos gostam dos negros, havendo 12 (16,7%) dos participantes que indicam que os

amigos não gostam dos negros e 14 (19,4%) que não souberam responder, sendo que,

em cada um dos três grupos de idade considerados, observamos que a maioria dos

entrevistados afirmou que os amigos gostam de pessoas negras.

Os resultados aqui apresentados não confirmam a hipótese H 1. Diferente da

previsão desta hipótese, as crianças entre 6 e 7 anos revelaram, em sua maioria, que

perceberem que os adultos e amigos gostam de pessoas brancas e das pessoas negras.

Entretanto, observamos que o parâmetro normativo “os adultos gostam de pessoas

negras” (60%) não é tão expressivo quanto “os adultos gostam de pessoas brancas”

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110

(90%). Tendo o mesmo acontecido com as normas que percebem nos amigos, visto que,

para estas crianças, é mais evidente que os amigos gostam de pessoas brancas (86,7%)

que de pessoas negras (56,7%).

De acordo com a hipótese H 2, era previsto que a maioria dos participantes

com mais de 7 anos percebesse que os adultos e os amigos gostam de pessoas brancas e

de pessoas negras, entretanto, foram observados diferenças ao se comparar as normas

dos adultos e dos amigos. Quanto à norma social verificada nos adultos, observou-se

que esta hipótese não foi confirmada. Para as crianças entre 8 e 10 anos de idade, a

maioria dos adultos gosta dos brancos (73,3%), contudo, para elas não é tão evidente

que os adultos gostam dos negros (43,3%). O padrão de resposta foi semelhante ao dos

participantes com mais de 10 anos de idade. Para a maioria deles (59,3%), os adultos

gostam dos brancos, porém não é tão evidente que os adultos gostam dos negros (50%).

A hipótese H 2 também previa que, por possuírem consciência da norma

antirracismo, as crianças com mais de 8 anos identificariam que os amigos gostam dos

negros. Essa previsão foi confirmada. A maioria das crianças entre 8 e 10 anos referiu

que os amigos gostam dos negros (66,7%), embora essa resposta não seja tão expressiva

quando comparada à norma “gostar de pessoas brancas” (83,3%). Ocorreu o contrário

com as crianças entre 11 e 12 anos de idade. Para a maioria destas, os amigos gostam

dos negros (75%), porém essa percepção não é tão saliente para os brancos (58,3%).

Com o objetivo de testar as previsões das hipóteses H 3 e H 4, foram efetuadas

análises referentes às normas das crianças para interagir com os grupos branco e negro

distribuídos em função da idade. A hipótese H 3 afirmava que, por não terem

consciência da norma antirracismo, as crianças entre 6 e 7 anos de idade expressariam,

com maior frequência, que gostam de pessoas brancas e não gostam de pessoas negras.

Ao passo que a hipótese H 4 sustentava que, em função de possuírem consciência das

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111

normas sociais, as crianças com mais de 8 anos revelariam gostar de pessoas brancas e

de pessoas negras. Os resultados referentes às normas pessoais para interagir com o

grupo branco estão presentes na Tabela 6:

Tabela 6: Frequências e percentuais dos parâmetros normativos que as crianças

percebem em si mesmas para interagir com os brancos, agrupados em função da idade

dos participantes (N=72)

Você gosta de pessoas brancas? Total

Gosto Não Gosto Não sei

6-7 anos

RA

23

(76,7%)

-2.8

6

(20%)

3

1

(3,3%)

.2

30

(100%)

8-10 anos

RA

29

(96,7%)

1.8

_

-2.2

1

(3,3%)

2

30

(100%)

11-12 anos

RA

12

(100%)

1.3

_

-1.1

_

- .6

12

(100%)

Total 64

(88,9%)

6

(8,3%)

2

(2,8%)

72

(100%)

Nota: RA = resíduos ajustados.

Os dados foram significativas para o grupo branco (X² = 9.67, gl = 4, p = .046).

A análise dos resíduos ajustados apontou que a significância ocorreu em função das

respostas das crianças mais novas, sendo o único grupo onde ocorreu a resposta “não

gosto de pessoas brancas”. Dos 72 participantes da pesquisa, 64 (88,9%) afirmaram que

gostam das pessoas brancas, ao passo que 6 (8,3%) não gostam e 2 (2,8%) não sabiam

responder. Dentre as crianças entre 6 e 7 anos de idade, 23 (76,7%) afirmaram que

gostam dos brancos, 6 (20%) não gostam e apenas 1 (3,3%) não sabia responder.

Nenhuma das crianças com idade entre 8 e 10 anos afirmou que não gostava dos

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112

brancos, 29 (96,7%) indicou que gosta e somente 1 (3,3%) não sabia responder. Todas

as crianças com mais de 10 anos de idade afirmaram que gostam dos brancos.

Os resultados acerca das normas pessoais das crianças para interagir com os

negros, distribuídos em função da idade, são apresentados na Tabela 7:

Tabela 7: Frequências e percentuais dos parâmetros normativos que as crianças

percebem em si mesmas para interagir com os negros, agrupados em função da idade

dos participantes (N=72)

Você gosta de pessoas negras? Total

Gosto Não Gosto Não sei

6-7 anos

RA

19

(63,3%)

-2.2

10

(33,3%)

2.8

1

(3,3%)

- .7

30

(100%)

8-10 anos

RA

25

(83,3%)

.4

2

(6,7%)

-1.5

3

(10%)

1

30

(100%)

11-12 anos

RA

11

(91,7%)

1.4

1

(8,3%)

-1

_

- .9

12

(100%)

Total 55

(76,4%)

13

(18,1%)

4

(5,6%)

72

(100%)

Nota: RA = resíduos ajustados.

Para o grupo negro os resultados também foram significativos (X² = 9.88, gl =

4, p = .042). Os dados indicam que das 72 crianças que compõem a amostra, 55 (76,4%)

afirmaram que gostam de pessoas negras, enquanto que 13 (18,1%) não gostam e 4

(5,6%) não souberam responder. A análise dos resíduos ajustados apontou que a

significância dos resultados ocorreu em decorrência das respostas das crianças mais

novas (6-7 anos). Embora a maioria destas crianças tenha mencionado que gosta dos

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113

negros (63,3%), houve um número expressivo de participantes que afirmaram não

gostar dos negros (33,3%).

Nos demais participantes do estudo, o padrão de respostas foi diferente. Das

crianças com idade entre 8 e 10 anos, 25 (83,3%) afirmaram gostar dos negros, 2 (6,7%)

disseram não gostar e 3 (10%) não sabiam responder. No grupo de crianças mais velhas

(11-12 anos), 11 (91,7%) declararam gostar dos negros e apenas 1 (8,3%) afirmou que

não gosta.

Por meio desses dados, verificamos que a hipótese H 3 foi parcialmente

refutada. Conforme esperado, a maioria das crianças entre os 6 e 7 anos de idade afirma

gostar dos brancos (76,7%), contudo, não era previsto que a maioria delas (63,7%)

também afirmasse gostar dos negros, tal como foi observado. Todavia, esse valor é

pouco expressivo quando comparado com as respostas dos demais grupos, o que explica

a significância do teste qui-quadrado para esses resultados.

As análises para as normas pessoais apresentaram um resultado que confirma

as expectativas da hipótese H 4. Tal como esta hipótese previa, a maioria das crianças

que possuem mais de 8 anos de idade revelou gostar de pessoas brancas e de pessoas

negras.

6.2- Análise das atitudes raciais explícitas a partir dos escores na escala MRA

A análise dos dados obtidos a partir da versão adaptada da escala MRA permitiu

que fossem testadas as hipóteses H 5, H 6, H 7 e H 8, as quais faziam previsões acerca

das atitudes raciais das crianças diante de uma medida explícita de preconceito. Os

dados obtidos a partir desta escala foram elaborados da seguinte maneira.

Primeiramente, foram elaboradas as variáveis de estereótipos positivos e negativos. Para

cada um dos alvos que poderiam ser escolhidos pela criança (branco, negro, ambos e

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114

nenhum), foram construídas variáveis de estereótipo positivo e negativo separadamente.

A composição da variável “estereótipo positivo do branco” foi realizada através da

soma das qualidades positivas que poderiam ser atribuídas ao alvo branco. A cada um

dos 5 itens positivos (bom, bonito, inteligente, limpo e saudável) foi atribuído um

escore específico que variava de 0 a 1. Desse modo, quando a criança classificava o

branco como “bom” a este item era atribuído o valor de 1, dando-se o valor de zero às

demais respostas.

O mesmo procedimento foi adotado para a composição da variável de

“estereótipo negativo do branco”, contudo, desta vez foi atribuído o valor de 1 quando a

criança associava um dos 5 itens negativos (burro, doente, feio, ruim e sujo) com o alvo

branco e o valor 0 para as outras respostas. Por fim, as variáveis “estereótipo positivo do

branco” e “estereótipo negativo do branco” foram, respectivamente, constituídas a partir

da soma das pontuações das crianças nos itens positivos e negativos atribuídos ao alvo

branco.

Através deste cálculo, obtivemos um total de 8 variáveis: “estereótipo positivo

do branco/estereótipo negativo do branco”; “estereótipo positivo do negro/ estereótipo

negativo do negro”; “estereótipo positivo de ambos/ estereótipo negativo de ambos”;

“estereótipo positivo de nenhum dos grupos/ estereótipo negativo de nenhum dos

grupos”.

Uma vez que essas variáveis foram obtidas, foi realizada a composição das

variáveis de preconceito racial e de atitude antirracismo. A primeira foi calculada a

partir da soma das variáveis “estereótipo positivo do branco” e “estereótipo negativo do

negro”, enquanto que a “atitude antirracismo” foi composta pela soma das variáveis

“estereótipo positivo de ambos os grupos” e “estereótipo negativo de nenhum dos

grupos”.

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115

As previsões feitas pelas hipóteses H 5, H 6 e H 7 foram testadas por meio de

uma análise de variância. Conforme a hipótese H 5, esperava-se que as crianças com

idade entre os 6 e 7 anos apresentassem níveis mais elevados de preconceito. A partir

dos 8 anos de idade, seriam esperados níveis menos expressivos de preconceito racial

explícito (Hipótese-H 6). Esperava-se que a idade dos 8 anos também tivesse efeitos

sobre a atitude antirracismo. Diferente do que ocorre com o preconceito explícito, a

hipótese H 7 sustentava que, a partir desta idade, seriam observados níveis mais

expressivos de atitude antirracismo.

Para que essas três hipóteses fossem testadas, os dados foram submetidos a uma

One-Way ANOVA, com os grupos de idade (6-7/8-10/11-12), sendo tomados como

variável entre participantes e os escores de preconceito racial e de atitude antirracismo

como variáveis dependentes. Os resultados revelaram efeito significativo entre a idade e

o preconceito racial, F (2,69) = 13.46, p < .001, bem como entre a idade e a atitude

antirracismo, F (2,69) = 12.79, p < .001. As crianças mais novas (6-7anos) apresentam

maior nível de preconceito (M= 2.53, DP= 1.07) quando comparadas às crianças com

idade entre 8 e 10 anos (M= 1.46, DP = 1.18), t (58)= 3.64, p = .001, bem como ao

serem comparadas às crianças mais velhas (11-12 anos; M = .79, DP = .78), t (40) =

5.08, p < .001. Tais resultados confirmam a hipótese H 5, considerando que as crianças

até os 7 anos apresentam níveis de preconceito racial significativamente maiores que as

crianças mais velhas.

Os dados também apoiam a hipótese H 6. Conforme previsto, não existem

diferenças significativas entre o preconceito racial das crianças entre os 8 e 10 anos de

idade (M= 1.46, DP = 1.18) e as crianças mais velhas (11-12 anos; M = .79, DP = .78), t

(40) = 1.8, p = .078, o que demonstra que, a partir dos 8 anos, as crianças evitam

expressar preconceito de forma explícita. As análises ainda apresentaram que, ao

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116

contrário do preconceito racial, a atitude antirracismo tende a ser mais expressiva nas

crianças mais velhas (Figura 1). Na faixa etária entre os 6 e 7 anos as crianças

apresentam baixos níveis de atitude antirracismo (M = 1.43, DP= .97) quando

comparadas com as crianças entre 8 e 10 anos (M = 2.5,DP = 1.39), t (58) = -3.47, p =

.001 ou com os participantes entre 11 e 12 anos (M = 3.37,DP = 1.24), t (40) = -5.4, p <

.001. Contudo, o nível de atitude antirracismo das crianças entre 11 e 12 anos (M =

3.37,DP = 1.24) não difere de forma significativa dos participantes entre 8 e 10 anos (M

= 2.5,DP = 1.39), t(40) = -1.84, p = .072. Estes dados indicam que a atitude

antirracismo já se mostra presente a partir dos 8 anos de idade, confirmando a hipótese

H 7.

Figura 1: Médias dos escores das variáveis preconceito e atitude antirracismo,

distribuídas pela idade da criança.

Conforme observado na Figura 1, a atitude antirracismo torna-se mais expressiva

com o decorrer da idade da criança, à medida que o preconceito explícito tende a ser

menos evidente. Não obstante, a hipótese H 8 sustentava que os níveis crescentes de

atitude antirracismo e o declínio do preconceito explícito a partir dos 8 anos de idade

não poderiam ser indicação de redução do preconceito na criança, pois nesta idade elas

passariam a expressar preconceito de forma sutil, tal como fazem os adultos. Esse

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117

preconceito seria verificado casos o endogrupo (brancos) apresentasse mais avaliações

positivas que negativas e se o exogrupo (negros) não apresentasse diferenças

significativas entre estas avaliações.

A fim de testar a hipótese H 8, foi analisado como os três grupos etários em

questão diferem nas avaliações que fazem acerca do grupos branco e negro. Para tanto,

a amostra foi dividida em função das três faixas de idade consideradas e, em seguida,

foi efetuado um teste t relacionado, no qual foram comparadas as diferenças entre os

níveis de estereótipo positivo e negativo associados aos brancos (endogrupo) e de

estereótipo positivo e negativo associados aos negros (exogrupo). (Tabela 8).

Tabela 8: Valores de média e desvio padrão dos escores de estereótipo positivo e de

estereótipo negativo diante dos alvos branco e negro distribuídos pela idade. (N=72)

Idade

Grupo Racial 6-7 8-10 11-12 Total

Branco

Estereótipo

positivo

2.66 ( 1.24) 1.93 (1.28) 1.08 (1.08) 2.09 (1.34)

Estereótipo

negativo

.4 ( .62) .023 ( .56) .25 ( .45) 3 ( .57)

Negro

Estereótipo

positivo

.89 ( .83) 1 ( .78) .5 ( .52) .84 ( .78)

Estereótipo

negativo

2.4 (1.45) 1 (1.3) .5 ( .79) 1.5 (1.5)

Os resultados obtidos indicam que as crianças mais novas (6-7 anos) apresentam

mais estereótipo positivo para os brancos (M =2.66, DP = 1.24) que estereótipo

negativo (M = .4, DP = .62), t (29) = 8.16, p < .001. Contudo, ao avaliar o grupo negro,

essas mesmas crianças fizeram mais atribuições negativas (M = 2.4, DP = 1.45) que

positivas (M= .89, DP = .83), t (29) = -4.19, p < .001.

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118

No grupo de crianças com idade entre 8 e 10 anos, também observamos que

existem diferenças significativas na avaliação do alvo branco, para o qual foram

atribuídas mais qualidades positivas (M= 1.93; DP = 1.28) que negativas (M = .023,

DP= .56), t (29) = 6.3, p<.001. Contudo, os analisarmos as atribuições feitas ao alvo

negro, não observamos diferenças significativas entre o estereótipo positivo (M = 1, DP

= .78) e o negativo (M = 1, DP = 1.3), t (29) = 0, p =1. Esses resultados aproximam-se

dos que foram encontrados dentre as crianças mais velhas. Analisando-se as atribuições

do grupo com idade entre 11 e 12 anos para o alvo branco, também observamos

diferenças significativas entre estereótipo positivo (M = 1.08, DP = 1.08) e negativo (M

= .25, DP = .45), t (11) = 2.8, p = .017. Por outro lado, ao avaliar o alvo negro, não

houve diferenças significativas para estereótipo positivo (M = .5, DP = .52) e negativo

(M = .5, DP = .79), t (11) = 0, p = 1.

Os dados aqui apresentados confirmam a hipótese H 8. A partir dos 8 anos de

idade, as crianças não manifestam diferenças significativas entre as atribuições positivas

e negativas que fazem ao alvo negro, contudo tal diferença é observada nas atribuições

feitas para o alvo branco, o qual apresenta média de estereótipo positivo

significativamente maior que a média de estereótipo negativo. Este resultado serve

como indicador de preconceito sutil nas crianças com mais de 8 anos. Apesar de não

existirem diferenças significativas nas avaliações que fazes sobre os negros (exogrupo),

as crianças permanecem fazendo mais qualificações positivas que negativas aos brancos

(endogrupo), tal como ocorre com as crianças mais novas. Além disso, considerando

que o preconceito envolve a avaliação negativa do exogrupo, nesse caso os negros, só

seria possível afirmar que há redução do preconceito caso o exogrupo fosse associado a

mais atributos positivos que negativos, o que não foi verificado nesta pesquisa.

Page 119: NORMAS SOCIAIS E EXPRESSÕES DO RACISMO EM … · análise de variância entre a idade das crianças e os escores obtidos na escala MRA ... preconceito

119

6.3- Análise do preconceito racial explícito a partir de uma medida de distância

social

As hipóteses H 9, H 10 e H 11 também consistiam em predições sobre como os

três grupos de idade aqui considerados expressariam atitudes raciais de modo explícito

diante dos alvos branco e negro em situações de distância social. Com o objetivo de

testar estas hipóteses, realizamos um teste de associação X² (qui-quadrado): 3 X 2,

buscando-se identificar o nível de associação entre os três grupos de idade (6-7/8-10/11-

12) e os alvos de escolha (branco/negro) para cada uma das situações de distância social

elencadas a seguir: a) escolha do irmão; b) escolha de melhor amigo; c) escolha de

colega de classe para realizar atividade valendo nota e d) escolha de uma criança para

compartilhar um doce.

Para estas situações de distância social, a hipótese H 9 previa que as crianças

com idades entre os 6 e 7 anos escolheriam o alvo branco na maioria dos contextos

colocados. A partir dos 8 anos de idade, entretanto, seria observado que as crianças

procuram balancear suas escolhas entre os alvos branco e negro, conforme afirmava a

hipótese H 10. Como o preconceito apresenta variações contextuais, a hipótese H 11

apoiava que o alvo branco seria escolhido nas situações que envolvem maior

proximidade e comprometimento social (irmão adotivo/ atividade valendo nota),

enquanto que o alvo negro seria escolhido nas situações de maior distância (dar um

doce/ melhor amigo).

Com relação à situação de escolha do irmão, as respostas das crianças para os

alvos branco e negro apresentaram o padrão de distribuição disposto na Tabela 9:

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120

Tabela 9- Frequências e percentuais da escolha das crianças pelo alvo branco ou negro,

agrupados em função da idade dos participantes (N=72)

Qual dessas crianças você prefere como irmão? Total

Branco Negro

6-7 anos

RA

28

(93,3%)

3.9

2

(6,7%)

-3.9

30

(100%)

8-10 anos

RA

18

(60%)

-1.2

12

(40%)

1.2

30

(100%)

11-12 anos

RA

3

(25%)

-3.5

9

(75%)

3.5

12

(100%)

Total 49

(68,1%)

23

(38,9%)

72

(100%)

Nota: RA = resíduos ajustados.

A análise efetuada apresentou resultados significativos para a escolha do irmão

(X²= 19.9, gl = 2, p < .001). O V de Crammer obtido foi de .526, indicando que

aproximadamente 27,6% das variações na frequência de escolha pelos alvos branco e

negro podem ser explicadas pela variação na idade dos participantes. A análise dos

resíduos ajustados revelou que a significância dos resultados decorre das diferenças

entre o padrão de respostas das crianças entre 6 e 7 anos de idade e as crianças mais

velhas (11-12 anos).

É possível identificar que 28 (93,3%) das crianças entre 6-7 anos demonstram

preferência por ter uma criança branca como irmã, enquanto que 2 (6,7%) indicaram

que escolheriam o negro como irmão. Dentre as crianças com idade dos 8 aos 10 anos,

observamos que a criança branca é preferida por 18 (60%) destas crianças, ao passo que

12 (40%) optaram pelo alvo negro (40%), embora a diferença entre os grupos seja

menos expressiva que no grupo de crianças mais novas. Distinguindo-se dos grupos

anteriores, as crianças com idade entre 11 e 12 anos revelaram, em sua maioria, ter

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121

preferência pelo negro. Destas crianças, 9 (75%) escolheriam o negro como irmão em

detrimento do branco e apenas 3 (25%) optaram pelo branco.

Quanto à condição que envolvia a escolha do melhor amigo, foram obtidos os

seguintes resultados apresentados na Tabela 10:

Tabela 10- Frequências e percentuais da escolha das crianças pelo alvo branco ou negro

para “melhor amigo”, agrupados em função da idade dos participantes (N=72)

Qual dessas crianças você prefere como melhor

amigo?

Total

Branco Negro

6-7 anos 23

(76,7%)

7

(23,3%)

30

(100%)

8-10 anos 21

(70%)

9

(30%)

30

(100%)

11-12 anos 5

(41,7%)

7

(58,3%)

12

(100%)

Total 49

(68,1%)

23

(31,9%)

72

(100%)

Para a escolha do melhor amigo, verificou-se que os resultados não foram

significativos (X² = 4.9, gl = 2, p = .085). Excetuando-se o grupo de crianças entre 11 e

12 anos que, em sua maioria (58,3%) optou por ter uma criança negra como melhor

amigo em detrimento da criança branca (41,7%), os demais grupos escolheram o alvo

branco com maior frequência.

Na situação que envolvia a escolha de um colega de classe para realiza uma

atividade valendo nota, os resultados mostraram-se significativos (X²= 7,44, gl= 2, p =

.024). O valor do V de Crammer foi de .322, indicando que aproximadamente 10% da

variância na escolha pelo alvo branco ou negro pode ser explicada pela idade da criança.

Novamente, a análise dos resíduos ajustados indicou que os resultados foram

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122

significativos em decorrência da diferença existente entre as respostas das crianças com

idade entre 6 e 7 anos e as crianças mais velhas (11-12 anos). As frequências e

percentuais relativos a cada um dos alvos, agrupados em função da idade, estão

apresentados na Tabela 11:

Tabela 11- Frequências e percentuais da escolha das crianças pelo alvo branco ou negro

para “realizar atividade valendo nota”, agrupados em função da idade dos participantes

(N=72)

Com qual dessas crianças você faria uma

atividade valendo nota?

Total

Branco Negro

6-7 anos

RA

25

(83,3%)

1.8

5

(16,7%)

-1.8

30

(100%)

8-10 anos

RA

22

(73,3%)

.2

8

(26,7%)

- .2

30

(100%)

11-12 anos

RA

5

(41,7%)

-2.6

7

(58,3%)

2.6

12

(100%)

Total 52

(72,2%)

20

(27,8%)

72

(100%)

Nota: RA = resíduos ajustados.

Os dados indicam que as crianças mais velhas (11-12 anos) apresentaram padrão

de preferência distinto dos demais entrevistados. A criança branca foi escolhida por 25

(83,3%) das crianças com idade entre 6 e 7 anos e por 22 (73,3%) das crianças com

idade entre 8 e 10 anos. Por outro lado, a criança negra foi escolhida 5 (16,7%) das

crianças mais novas (6-7 anos) e por 8 (28,7%) dos participantes com idade entre 8 e 10

anos. Todavia, as crianças mais velhas (11-12 anos) revelaram preferência pelo negro, o

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123

qual foi escolhido por 7 (58,3%) dos participantes deste grupo, enquanto que o branco

foi escolhido por 5 (41,7%) destas crianças.

Por fim, foram analisadas as respostas acerca do alvo preferido para “dividir um

doce”. Para esta condição, a associação entre a idade do participante e a escolha do alvo

não se mostrou significativa (X² =2.18, gl = 2, p = .335). Esses resultados são mostrados

na Tabela 12:

Tabela 12- Distribuição dos valores de Frequência absoluta e relativa da escolha das

crianças pelo alvo branco ou negro para “dividir um doce”, agrupados em função da

idade dos participantes (N=72)

Com qual dessas crianças você dividiria um doce? Total

Branco Negro

6-7 anos 15

(50%)

15

(50%)

30

(100%)

8-10 anos 13

(43,3%)

17

(56,7%)

30

(100%)

11-12 anos 3

(25%)

9

(75%)

12

(100%)

Total 31

(43,1%)

41

(56,9%)

72

(100%)

Verificou-se que o grupo de crianças com idade entre os 6 e 7 anos fez

distribuições igualitárias entre o alvo branco (50%) e o alvo negro (50%). Os demais

grupos, contudo, beneficiaram o negro em suas escolhas. Dentre as 72 crianças

entrevistadas, a maioria (56,9%) dividiria o doce com uma criança negra em detrimento

da criança branca (43,1%).

Os dados aqui apresentados confirmam a hipótese H 9. Tal como era previsto, as

crianças mais novas (6-7 anos) optaram, em sua maioria, pelo alvo branco nas situações

que lhe foram apresentadas, excetuando-se o contexto que envolvia a divisão de um

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124

doce, no qual apresentaram preferência igualitária pelos grupos branco e negro. Por

outro lado, a hipótese H 10 foi refutada. Ao contrário do esperado, a partir dos 8 anos de

idade, as crianças não fazem escolhas mais igualitárias. O grupo com idade entre 8 e 10

anos revelou preferência pelo alvo branco em três das quatro condições colocadas,

excetuando-se somente à situação de divisão do doce, na qual preferiram a criança

negra. Já no grupo com idade entre 11 e 12 anos, foi constatado um comportamento

distinto dos demais participantes, pois este grupo revelou preferência pela criança negra

em todas as situações apresentadas.

A hipótese H 11 foi parcialmente confirmada. De acordo com o que esta

hipótese previa, as condições que envolvem maior proximidade social (escolha do irmão

e do colega para realizar atividade valendo nota) implicaram em maior preferência pelo

branco. Ressalta-se que somente para estes contextos de escolha os valores do X² para a

associação entre idade e escolha do alvo mostraram-se significativos. Todavia, essa

hipótese foi confirmada apenas para as crianças com menos de 11 anos, posto que as

crianças mais velhas (11-12 anos) manifestaram preferência pela criança negra, ao passo

que os demais participantes escolheram o alvo branco.

6.4- Analisando o impacto da norma antirracismo sobre a expressão do

preconceito

Os resultados obtidos no experimento em que a norma social antirracismo era

manipulada através da presença (alta saliência da norma) e ausência (baixa saliência da

norma) da entrevistadora negra foram analisados da seguinte maneira: incialmente, os

valores extremos encontrados nas condições experimentais foram substituídos pelas

médias (quatro outliers em cada condição), afim de que a amostra preenchesse critérios

de normalidade. Tendo esses critérios sido preenchidos, os dados faram submetidos a

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uma ANOVA de medidas repetidas, tomando-se a idade dos participantes e a presença

versus ausência da entrevistadora como variáveis entre participantes, enquanto que os

alvos (branco e negro) foram selecionados como variáveis dentre participantes. A

variável dependente foi o número de moedas destinadas pelas crianças a cada um dos

alvos.

Através da realização deste procedimento experimental, foram testadas as

hipóteses H 12, H 13, H 14, e H 15. A hipótese H 12 previa que, no total da amostra, a

criança branca receberia mais recursos que a criança negra. Enquanto que as hipóteses

H 13, H 14 e H 15 sustentavam predições sobre o impacto da norma antirracismo na

manifestação da discriminação racial dos três grupos etários aqui analisados. De acordo

com a hipótese H 13, na condição de alta saliência da norma antirracismo (presença da

entrevistadora), as crianças com mais de 7 anos discriminariam a favor do negro, sendo

esse comportamento mais expressivo após os 10 anos. Quanto à condição de baixa

saliência da norma (ausência da entrevistadora), as crianças com mais de 7 anos

discriminariam em favor do branco, tal como fazem as crianças mais novas. Por fim, a

hipótese H 15 afirmava que, independentemente da saliência da norma, as crianças entre

6 e 7 anos discriminariam contra o negro.

Os resultados revelaram efeito principal sobre o alvo, F (1,66) = 6.6, p < .01. No

total da amostra, o alvo negro recebeu menos moedas (M= 5.91; DP = 1.2) que o alvo

branco (M= 7.1; DP= 1.2). Este resultado confirma a hipótese H 12, pois foi observado

que, no total da amostra, foram destinados mais recursos ao alvo branco que ao negro.

A alocação de recursos entre os alvos branco e negro não se mostrou significativa ao se

comparar as condições de presença da entrevistadora e ausência da entrevistadora F

(1,66) = .32, p = .57. Também não houve efeito de interação tripla entre a idade dos

participantes X presença/ausência da entrevistadora X alvo, F (2,66)= .22, p = 8. Não

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126

havendo diferenças entre as condições de alta e baixa saliência da norma antirracismo,

as hipóteses H 13 e H 14 não foram confirmadas. Conforme previsto pela hipótese H

15, as crianças com idades entre 6 e 7 anos favoreceram o alvo branco tanto na condição

de presença (Mb= 7.3, DP = 1.1) e (Mn= 5.8, DP= 1.01) como na de ausência da

entrevistadora (Mb= 7.5, DP= 1.12) e (Mn= 5.5, DP= 1.12), entretanto não é possível

dizer que esta hipótese foi confirmada, uma vez que nos demais grupos de crianças

também não houve efeito da manipulação experimental.

Não obstante, foi verificado efeito de interação dupla entre a idade dos

participantes e o alvo (branco/negro), F (2,66)= 5.78, p = .005. Os resultados

encontrados estão presentes na Tabela 13:

Tabela 13- Escores da média de recompensas alocadas aos alvos branco e negro em

função da idade dos participantes. (N= 72).

Idade dos participantes

Criança-alvo 6 - 7 anos 8 -10 anos 11-12anos

Branco 7.3 (1.1) 7.2 (1.2) 6.1 (1.2)

Negro 5.6 (1.1) 5.8 (1.2) 6.9 ( .9)

Por meio desses dados, verificou-se que apesar de não existir diferença

significativa entre as condições de presença e ausência da entrevistadora, foi observado

efeito significativo da idade das crianças sobre a distribuição de moedas entre os grupos

raciais. Comparações planejadas indicaram que existem diferenças significativas entre

os padrões de distribuição de moedas das crianças mais velhas (11-12 anos) e os demais

participantes. As crianças com idade entre os 6 e 7 anos distribuíram mais moedas para

o alvo branco (Mb= 7.3, DP= 1.1) que as crianças com mais de 10 anos (Mb= 6.1, DP=

1.2), t (40)= 3.59, p = .001. Os resultados também foram significativos ao se comparar a

distribuição de moedas para o alvo negro, pois as crianças com idade entre 11 e 12 anos

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destinaram mais recursos ao negro (Mn= 6.9, DP= .9) que as crianças com idade entre

6 e 7 anos (Mn= 5.6, DP = 1.1), t (40) = 3.67, p = .001.

Efeitos semelhantes foram encontrados quando se comparou as distribuições

efetuadas pelos participantes com mais de 10 anos e as crianças com idade entre os 8 e

10 anos. Estes últimos distribuíram menos moedas aos negros (Mn =5.8, DP=1.2) que

as crianças mais velhas (Mn = 6.9, DP = .9), t (40) = 2.87, p = .006. Ao mesmo tempo,

percebeu-se que as crianças com idade entre 8 e 10 anos, destinaram mais moedas ao

branco (Mb = 7.2, DP =1 .2) que os participantes mais velhos (Mb = 6.1, DP = 1.2), t

(40) =2.87, p = .006. Os efeitos da idade não foram significativos ao se comparar as

crianças mais novas (6-7 anos) com as crianças entre 8 e 10 anos, tanto para a alocação

de moedas ao branco, t (58) = .453, p= .652, como para o negro, t (58) = - .565, p =

.574.

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128

CAPÍTULO-VII

DISCUSSÃO

O presente estudo foi realizado com o objetivo de verificar a expressão do

racismo de crianças brancas com idades dos 6 aos 12 anos. Pesquisas sobre a

socialização de crianças indicam que aos três anos de idade já é possível verificar que

elas organizam sua percepção com base em categorias tais como gênero, raça e idade

(Shutts, Banaji & Spelke, 2010) e que, a partir da média infância (por volta dos 6 anos

de idade), verifica-se que crianças pertencentes a grupos dominantes, ao expressarem

atitudes raciais, manifestam favoritismo endogrupal e rejeição ao exogrupo (Aboud,

1988; Files, Casey e Oleson; 2010; Nesdale, 2004). Contudo, estudos realizados com

adultos indicam que os brancos, em consonância com as normas sociais que condenam

a expressão do racismo e de outras formas de discriminação, manifestam atitudes

igualitárias e de repúdio à discriminação racial a nível explícito, porém permanecem

expressando atitudes preconceituosas contra os negros ainda que de forma velada ou

indireta (Gaertner e Dovidio, 1986; Katz & Hass, 1988; Kinders & Sears, 1981;

Pettigrew & Meertens, 1995).

Nesse sentido, as pesquisas realizadas com crianças também têm adotado um

nível de explicação sócio-normativo, apresentando evidências de que, após os 7 anos de

idade, as crianças apresentam atitudes raciais distintas ao se comparar níveis explícitos e

implícitos de expressão de atitudes raciais (Rutland et al. 2005) ou quando são

comparadas as atitudes manifestadas em contextos públicos e privados (França &

Monteiro, 2013; Monteiro et al., 2009). Esses estudos consideram que a mudança nas

atitudes da criança ocorre em decorrência da aquisição de novas habilidades cognitivas

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129

que as permite ter conhecimento da norma antirracismo e, do mesmo modo que os

adultos, regular a expressão de suas atitudes raciais em função dessas normas.

Ao analisarmos os parâmetros normativos que as crianças percebem nos adultos,

nos amigos e nelas mesmas para interagir com os grupos branco e negro, esperávamos

que as crianças mais novas (6-7 anos de idade), por não possuírem consciência acerca

da norma antirracismo, expressariam que os adultos e os amigos gostam de pessoas

brancas e não gostam de pessoas negras (Hipótese - H 1). Nossas expectativas, porém

não foram confirmadas. Verificamos que a maioria dessas crianças percebe que os

adultos gostam dos brancos e também gostam dos negros, embora a norma “gostar de

pessoas negras” não seja tão evidente para estas crianças quanto “gostar de pessoas

brancas”.

Por outro lado, acreditava-se que as crianças com mais de 7 anos, estando

conscientes das normas que regem as relações raciais, revelariam que os adultos e os

amigos gostam tanto dos brancos como dos negros (Hipótese - H 2). As análises,

entretanto, indicaram que para a maioria destas crianças os adultos e amigos gostam dos

brancos, porém parte delas referiu que os adultos não gostam dos negros.

Quanto às normas pessoais para interagir com os grupos branco e negro, era

esperado que as crianças entre os 6 e 7 anos de idade, também por não terem

consciência da norma antirracismo, expressassem que gostam dos brancos e não gostam

dos negros (Hipótese - H 3). Os resultados não corroboram o esperado. Os dados

apresentados revelaram que a maioria destas crianças referiu gostar dos brancos,

entretanto a maior parte delas também afirmou gostar dos negros. Cabe destacar,

contudo, que o número de crianças entre os 6 e 7 anos que mencionaram não gostar dos

negros foi maior em comparação com as crianças mais velhas. Quanto às crianças com

mais de 7 anos, esperava-se que as mesmas, por terem consciência das normas que

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130

regem as relações raciais, revelassem gostar tantos dos brancos como dos negros

(Hipótese H-4), sendo que os resultados obtidos confirmaram esta previsão.

De maneira geral, esses dados indicam que para todos os grupos etários aqui

analisados, “gostar de pessoas brancas” é um parâmetro normativo predominante nos

adultos, nos amigos e nas próprias crianças. Entretanto, o resultado não é tão uniforme

quando se analisam as normas para interagir com os negros. No total da amostra, a

maioria das crianças revelou que adultos e amigos gostam de pessoas negras, todavia

“gostar de pessoas negras” não é uma norma social tão saliente quanto “gostar de

pessoas brancas”.

Desse modo, compreendemos que as crianças reconhecem em seus grupos de

referência a presença da norma antirracista, no entanto esta norma coexiste com a norma

racista. Esses resultados indicam que, apesar da prevalência da norma antirracismo na

sociedade atual (Gaertner & Dovidio, 1986; Katz & Hass, 1988; Kinders & Sears, 1981;

Pettigrew & Meertens, 1995), existem prescrições normativas contraditórias no interior

dos grupos sociais e que as crianças mostram-se capazes de fazer o reconhecimento

dessas normas sociais conflitantes (Rodrigues, Monteiro & Rutland, 2012).

Os dados apresentam outro aspecto interessante. No total da amostra, a maioria

das crianças mencionou que gosta de pessoas brancas e de pessoas negras, contudo o

parâmetro normativo “não gostar de pessoas negras” foi mais expressivo ao se avaliar as

normas dos adultos. Esse resultado sugere que as crianças, em especial as que contam

com mais de 7 anos de idade, evitam afirmar que não gostam dos negros, porém

verificam esta conduta nos adultos. Resultados semelhantes já foram observados em

estudos realizados com adultos, a exemplo da pesquisa conduzida por Camino, Silva,

Machado e Pereira (2001), na qual os participantes afirmaram, em sua maioria, que no

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Brasil existe preconceito, entretanto, em função da norma social antirracismo, estes

mesmos participantes não assumiam atitudes preconceituosas.

A hipóteses H 1, a qual supunha que a maioria das crianças entre os 6 e 7 anos

de idade, por não compreenderem a presença da norma antirracismo mencionariam que

adultos e amigos gostam de pessoas brancas e não gostam de pessoas negras. Por esta

mesma razão, a hipótese H 3, sustentava que as crianças nesta faixa etária expressariam

que gostam de brancos e não gostam de negros. Contrariando essas hipóteses, as

análises sugeriram que estas crianças, ainda que de forma pouco expressiva, percebem a

existência da norma antirracismo. Esta percepção, entretanto, não implicou na inibição

do preconceito e a discriminação nos demais instrumentos adotados nesta pesquisa, tal

como ocorreu com as crianças a partir dos 8 anos de idade.

Na versão adaptada da escala MRA, as crianças mais novas apresentaram

índices elevados de preconceito racial e níveis poucos expressivos de atitude

antirracismo, uma vez que atribuíram uma maior quantidade de traços positivos

exclusivamente ao branco, enquanto que associavam apenas o negro com traços

negativos. Na medida de distância social, mostraram-se igualitárias apenas na situação

de compartilhar um doce, enquanto que nas demais condições, revelaram preferência

pelo branco em detrimento do alvo negro. Por fim, no procedimento experimental,

distribuíram um maior número de recursos à criança branca que na criança negra.

Esses resultados revelam que as crianças mais novas, possivelmente, percebem a

norma antirracismo apenas em seu aspecto descritivo, isto é como um padrão de

conduta predominante entre a maioria das pessoas (Cialdini, Reno & Kallgren, 1990).

Ainda que o aspecto descrito das normas possa exercer influência sobre o

comportamento por fornecer informações quanto às condutas que se necessita

desempenhar em diferentes contextos, sinalizando possíveis sanções e recompensas a

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132

certos comportamentos (Bandura, 2008; Fazio, 1990), ele não interferiu sobre a

expressão das atitudes raciais das crianças entre 6 e 7 anos de idade. É provável que as

crianças nesta idade, apesar de serem capazes de observar suas ações e as dos outros,

identificando similaridades entre si, elas não conseguem inferir que uma conduta racista

possa ser negativamente avaliada pelos demais.

Esta explicação é sustentada pelas pesquisas realizadas sobre a Teoria da Mente.

Para que as crianças possam compreender as consequências advindas de uma conduta

anti-normativa, é necessário que elas tenham uma Teoria da Mente bem desenvolvida,

isto é que compreendam que os outros possuem crenças, desejos e intenções (Hugees &

Leekam, 2004). Apesar de mostrarem essa habilidade bem desenvolvida aos 5 anos de

idade, somente após os 7 anos de idade que as crianças conseguem fazer inferências

com relação a construtos mais complexos, como emoções, crenças e expectativas

(Flavell, 2004). Desse modo, as crianças entre 6 e 7 anos de idade, embora possam

verificar a regularidade da norma antirracismo, não conseguem regular seu

comportamento de acordo com esta norma, pois não alcançaram um nível de

desenvolvimento cognitivo que as permita antecipar as consequências de não aderir a

esta norma num contexto de expressão das atitudes raciais.

Uma vez que a literatura indica que com o aumento da idade, a criança

desenvolve a Teoria da Mente e, por conseguinte, torna-se apta a moderar suas atitudes

em função das normas existentes nas diversas situações da vida social, esperávamos

que, ao adotar uma medida de preconceito racial explícito num contexto em que a

norma antirracismo estaria saliente pela presença de uma entrevistadora negra, as

crianças entre os 6 e 7 anos de idade apresentariam níveis elevados de preconceito, em

função de não possuírem habilidades que as permita avaliar as implicações da norma

antirracismo (Hipótese - H 5). Compreendendo que a inferência da norma antirracismo

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depende do desenvolvimento das habilidades sócio-cognitivas das crianças, esperava-se

que, a partir dos 8 anos de idade, as crianças apresentariam níveis menos expressivos de

preconceito racial explícito (Hipótese - H 6).

À medida que a aquisição de uma Teoria da mente favorece o declínio da

expressão explícita do preconceito após os 8 anos (Abrams & Rutland, 2008; França &

Monteiro, 2013; Rodrigues, Monteiro & Rutland, 2012), supunha-se que, a partir desta

idade, as crianças também tenderiam a expressar atitudes mais igualitárias diante dos

grupos branco e negro, caracterizando-se como atitude antirracismo (Hipótese- H 7).

Para testar essas predições, adotou-se uma versão adaptada da escala MRA, na qual a

criança de forma deliberada e, estando exposta ao olhar de uma entrevistadora negra,

teve que atribuir traços positivos e negativos aos grupos branco e negro, podendo

atribuir cada um dos traços a ambos ou a nenhum dos grupos.

Os resultados do estudo vieram a confirmar estas três hipóteses. Conforme

mencionado, as crianças com até 7 anos de idade realizaram avaliações mais polarizadas

entre os brancos (endogrupo) e negros (exogrupo), associando os primeiros com

qualidades positivas e os negros com atributos negativos, corroborando a hipótese H 5.

Também foi confirmada a hipótese H 6, uma vez que, a partir dos 8 anos de idade,

verificou-se um decréscimo do preconceito racial explícito, efeito recorrentemente

verificado em crianças brancas a partir dos 7 anos de idade (Aboud, 1988; Doyle &

Aboud, 1995). Tal como era esperado pela hipótese H 7, o declínio da expressão

explícita de racismo a partir dos 8 anos de idade, foi acompanhado pela acentuação da

atitude antirracismo, posto que, após esta idade, as crianças tendiam a atribuir

qualidades positivas a ambos os grupos e não associavam os atributos negativos a

nenhum deles.

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Sendo este instrumento uma medida explícita do preconceito, em que a criança

deveria emitir respostas diante de uma entrevistadora negra, compreendemos que a

situação da pesquisa salientava a presença da norma antirracismo para a criança,

mobilizando-a ao autocontrole de suas atitudes e a manifestar respostas em acordo com

esta norma social. Conforme os dados do estudo apontaram, a expressão de atitudes em

acordo com o padrão normativo é verificada a partir dos 8 anos de idade. Neste período,

a criança torna-se capaz de antecipar as perspectivas dos demais quanto à expressão do

preconceito e, por conseguinte, tendem a controlar suas atitudes em função do contexto

em que se encontram (Abrams, Rutland & Cameron, 2003).

Essa mudança de atitude que ocorre a partir dos 8 anos é decorrente da expansão

de capacidades cognitivas e de experiências sociais que, geralmente, ocorre nesta fase,

tornando a criança apta a compreender estados mentais e emocionais dos outros

(Abrams, Rutland, Cameron & Ferrell, 2007). A partir desse período, as crianças

desenvolvem maior consciência acerca das normas que são sustentadas pelos membros

de seu grupo e compreendem que sua conduta será avaliada em função dos parâmetros

normativos que predominam em cada situação. Dessa maneira, a criança elabora

critérios mais sofisticados de avaliação em que considera não só as distinções entre

endogrupo e exogrupo, mas também as normas sociais que são centrais para seu grupo

(Abrams & Rutland, 2008; Abrams, Rutland & Cameron, 2003; França & Monteiro,

2013).

Considerando a presença da norma antirracista na sociedade atual, pode-se

afirmar que a tendência das crianças com mais de 7 anos em evitar fazer atribuições

negativas e em avaliar tanto os brancos como os negros de forma positiva seja reflexo

da norma antirracismo. Essa explicação também é sustentada por França e Monteiro

(2013) e por Rodrigues, Monteiro e Rutland (2012), os quais consideram que com o

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desenvolvimento sócio-cognitivo, a crianças adquirem a capacidade de gerir conflitos

normativos, hierarquizando normas conflitantes de acordo com sua importância e

aplicabilidade em dado contexto. Enquanto as crianças mais novas orientam, em todos

os contextos, seu comportamento pela norma do favoritivismo endogrupal e rejeição ao

exogrupo, as crianças mais velhas privilegiam, nos contextos públicos e de

autoapresentação, a norma antirracista.

Muito embora as crianças com mais de 7 anos de idade não tenham apresentado

níveis elevados de preconceito racial explícito na escala MRA, supunha-se que, após

esta idade, elas fossem capazes de manifestar preconceito sutil, tal como fazem os

adultos (Hipótese- H 8). Esta hipótese foi corroborada, pois os resultados apontaram a

presença uma forma sutil de racismo. Comparações planejadas indicaram que os três

grupos etários aqui estudados (6-7 anos/8-10 anos/11-12 anos) fazem mais avaliações

positivas que negativas ao alvo branco (endogrupo). Ao avaliar o alvo negro, contudo,

as crianças com idade entre 6 e 7 anos associaram mais atributos negativos que

positivos), enquanto que os participantes mais velhos não mostraram diferenças

significativas entre as avaliações positivas e negativas que fizeram ao exogrupo.

Esses resultados indicam o desenvolvimento do preconceito sutil a partir dos 8

anos de idade. Foi observado que todos os grupos etários estudados nesta pesquisa

avaliaram o branco (endogrupo) com mais atributos positivos que negativos. Embora os

níveis de preconceito racial explícito tenham declinado com a idade, o alvo negro

(exogrupo) não recebeu mais avaliações positivas que negativas.

O preconceito sutil é resultado do estabelecimento de normas que rejeitam a

expressão flagrante do preconceito racial e de qualquer tipo de discriminação (Meertens

& Pettigrew, 1999). Enquanto o preconceito flagrante é caracterizado pela hostilidade

manifestada de forma explícita ao exogrupo, a forma sutil, por sua vez, mostra-se mais

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indireta, caracterizando-se pela rejeição à expressão de simpatia e admiração com

relação a membros do exogrupo (Pettigrew & Meertens, 1995).

Ao evitar a rejeição explícita ao exogrupo, as pessoas manifestam o preconceito

racial de forma socialmente aceitável. Em função das pressões normativas, o exogrupo

não é alvo de atribuições negativas, entretanto, o endogrupo recebe mais atributos

positivos que negativos. Desse modo, o exogrupo não é visto como pior que o

endogrupo, mas este último é melhor que o exogrupo (Dovidio, Mann & Gaertner,

1989). Estando conscientes das implicações da norma antirracismo, as crianças com

mais de 7 anos não expressam o preconceito racial de modo flagrante, contudo,

desenvolvem novas formas de expressão do preconceito, tal como foi verificado em

pesquisas com adultos (Gaertner & Dovidio, 1986; Katz & Hass, 1988; Kinders &

Sears, 1981; Pettigrew & Meertens, 1995).

As pesquisas sobre a expressão do racismo realizadas a partir da abordagem

sócio-normativa enfatizam que o preconceito e a discriminação racial podem

manifestar-se de formas distintas a depender do contexto em que ocorrem, posto que

cada interação social apresenta parâmetros normativos específicos (França & Monteiro,

2013; Rodrigues, Monteiro & Rutland, 2012). Neste estudo, tanto o caráter contextual

da expressão do racismo como as mudanças atitudinais que ocorrem durante o

desenvolvimento infantil foram evidenciados através da utilização da medida de

distância social.

Ao utilizar a medida de distância social, supunha-se que as crianças entre os 6 e

7 anos de idade, por não avaliarem as implicações da conduta racista, optariam pelo

alvo branco na maioria das condições apresentadas (Hipótese- H 9). A partir dos 8 anos

de idade, em função de terem consciência das normas que norteiam as relações raciais,

as crianças tenderiam a balancear suas escolhas entre os alvos branco e negro (Hipótese-

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H 10). Tendo em vista que a medida de distância social avaliava a preferência pelos

grupos branco e negro a partir de diferentes contextos de interação, era previsto que a

criança branca fosse escolha nas situações de maior proximidade e comprometimento

social, enquanto que o negro seria escolhido nas situações de maior distância (Hipótese-

H 11).

A medida de distância social, adotada nesta pesquisa, avaliava as escolhas das

crianças, dentre os alvos branco e negro, qual prefeririam: a) como irmão; b) melhor

amigo; c) como colega para realizar atividade valendo nota e, d) para compartilhar um

doce. Os resultados demonstram que as escolhas das crianças variam a depender da

situação e do período de desenvolvimento em que se encontram. As crianças com idade

entre 6 e 7 anos, revelaram atitude igualitária diante dos grupos branco e negro na

situação de distribuição do doce, contudo preferiram o branco nas demais condições. Os

participantes com idade entre 8 e 10 anos manifestaram preferência pelo negro na

situação de distribuição do doce e nas outras situações demonstraram preferência pelo

branco. As crianças mais velhas (11-12 anos), por sua vez, revelaram preferência pelo

negro em todas as situações de distância social que lhe foram apresentadas.

Esses dados revelam, portanto, interações importantes entre o desenvolvimento

sócio-cognitivo da criança e a norma antirracismo. As crianças mais velhas (11-12 anos)

foram o único grupo que não favoreceu ao alvo branco no instrumento de avaliação

adotado, distinguindo-se dos participantes mais novos. A preferência destas crianças

pelo grupo negro revela maior sensibilidade à presença da norma antirracismo e

corrobora a perspectiva do desenvolvimento moral de Piaget (1932/1977), segundo a

qual, após os 10 anos a criança alcança o estágio de desenvolvimento classificado como

autonomia.

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Neste estágio, a criança não só se torna capaz de assimilar as regras existentes,

mas também de avaliá-las criticamente e de compreender as consequências que elas

possuem. Considerando que, após os 10 anos, a criança revela uma crescente

capacidade de reconhecer e coordenar adequadamente a sua perspectiva com a dos

outros, compreendemos que estas crianças tiveram maior facilidade para reconhecer que

o estudo avaliava a discriminação racial, fazendo-os inibir o racismo, através da

manifestação da preferência pelo negro. Esses dados vão ao encontro de outros estudos

que evidenciaram que após os 10 anos as crianças revelam, significativamente, níveis de

preconceito explícito mais baixos que nos períodos anteriores da infância (Baron &

Banaji, 2006; Rutland, Cameron, Milne & McGeorge, 2005).

Ainda sobre o aspecto desenvolvimental da expressão do racismo, foi verificado

que as crianças mais novas (6-7 anos), revelaram preferência pelo alvo branco,

excetuando-se a situação de distribuição do doce. Conforme já apontado pela literatura

do desenvolvimento cognitivo (Aboud, 1988; Doyle & Aboud, 1995), esse resultado

não surpreende, posto que, nesta faixa etária, são esperados níveis elevados de

favoritismo endogrupal e de rejeição ao exogrupo, tal como verificado na escala MRA.

As respostas das crianças entre 8 e 10 anos, contudo, revelam preferência pelo branco

nas situações de escolha do irmão, do melhor amigo e do colega para realizar atividade

valendo nota. Cabe ressaltar esses dados, pois, apesar de sinalizarem rejeição pelo negro

ao responderem a esse instrumento, as crianças deste grupo manifestaram baixos índices

de preconceito racial explícito e altos níveis de atitude antirracismo na escala MRA,

apresentando resultados semelhantes às crianças mais velhas.

A contradição entre esses dados pode ser explicadas tanto pelo estágio

desenvolvimental destas crianças como pela distinção entre os instrumentos adotados. O

modelo de Piaget (1932/1977) indica que o estágio de desenvolvimento moral da

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criança, após os 7 anos, é caracterizado pela heteronomia, período em que a criança

reconhece que as interações sociais são regidas por regras, mas ainda não conseguiram

internalizar completamente o sentido destas. De tal maneira, dos 8 aos 10 anos, as

crianças percebem a existência da norma antirracismo, conforme verificado nos demais

instrumentos utilizados. Entretanto, ao contrário das crianças com mais de 10 anos, elas

ainda não conseguem inferir as implicações em expressar rejeição pelo negro na escolha

de um irmão, um amigo ou um colega para fazer atividade escolar.

A diferença entre os instrumentos utilizados também elucida as razões pelas

quais as crianças entre 8 e 10 anos apresentaram divergência. O MRA pode ter tornado

a norma antirracismo mais saliente para as crianças por envolver a simples atribuição de

traços positivos e negativos aos grupos branco e negro. Por sua vez, o instrumento de

distância social, embora também seja uma medida explícita, permite avaliar as atitudes

raciais a partir de possíveis contextos de interação social que se diferenciam quanto ao

grau de intimidade. Pesquisas que adotam o modelo do domínio social (Killen &

Rutland, 2011) demonstram que a criança utiliza critérios distintos de raciocínio moral

ao avaliar as interações sociais, de modo que podem condenar a rejeição de grupos

minoritários em determinadas situações e, em outras, considerar a rejeição como uma

atitude legítima.

As situações de escolha do irmão, do melhor amigo e do colega para realizar

atividade escolar são situações que envolvem maior grau de intimidade para a criança

que o simples ato de distribuir doces. De tal maneira, é provável que as crianças entre 8

e 10 anos ainda não tenham assimilado a norma antirracismo como aspecto do domínio

moral, o qual se baseia em princípios de como os outros devem ser tratados, noções de

justiça e de igualdade de direitos. Possivelmente, estas crianças rejeitaram o negro

nestas circunstâncias por compreender que são escolhas do chamado domínio

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psicológico, o qual implica no entendimento de que certos assuntos não são governados

por regras, mas por objetivos e decisões individuais (Rutland, Killen & Abrams, 2010),

tornando assim, a manifestação de preferência pelo endogrupo (brancos) e rejeição pelo

exogrupo (negros) como conduta aceitável para estas crianças.

As pesquisas que analisam as atitudes raciais na infância com modelo sócio-

normativo (França & Monteiro, 2013; Fitzroy & Rutland, 2010; Monteiro et al. 2009;

Rutland, 1999; Rutland, Cameron & McGeorge, 2005) e a teoria do racismo aversivo

(Gaertner & Dovidio, 1986) compreendem que as crianças mais velhas irão suprimir as

expressões do racismo caso se encontrem num contexto público, onde suas atitudes

serão observadas por outras pessoas. Enquanto que num contexto privado, onde não há

justificativas para inibir suas atitudes anti-normativas, o racismo será manifestado.

Com a finalidade de identificar como as crianças expressam o racismo em

diferentes contextos de saliência da norma antirracista, foi realizado um procedimento

experimental já utilizado por França e Monteiro no qual as crianças foram colocadas

num contexto de ajuda, em que deveriam distribuir, da maneira que achassem mais

adequada, 13 moedas de brinquedo, representando o valor de R$ 1,00, entre um alvo

branco e outro negro. A condição de saliência da norma, consistia na distribuição de

moedas diante de uma entrevistadora negra, enquanto que na condição de baixa

saliência da norma não havia a presença da entrevistadora.

Acreditávamos que, no total da amostra, a criança branca receberia mais

recursos que a negra (Hipótese - H 12) e, ao manipular os contextos de alta saliência da

norma antirracismo (presença da entrevistadora) e baixa saliência desta norma (ausência

da entrevistadora), os resultados seriam distintos a depender do nível de

desenvolvimento sócio-cognitivo da criança. Na condição de alta saliência da norma,

era esperado que as crianças com mais de 7 anos de idade discriminassem a favor do

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negro, sendo esse comportamento mais expressivo após os 10 anos de idade (Hipótese –

H 13). Como evidência de racismo implícito, para condição em que a norma não foi

ressaltada, era previsto que tanto os participantes com mais de 7 anos, como as crianças

mais novas, discriminariam em favor do branco (Hipótese – H 14). Quanto às crianças

com idade entre os 6 e 7 anos, acreditava-se que, independentemente da saliência da

norma antirracismo, elas manifestariam discriminação contra o negro (Hipótese -H 15).

Os resultados indicaram efeito principal sobre o alvo de escolha (branco/negro)

o que confirma a hipótese H 12 e, ao mesmo tempo, corrobora a literatura que aponta a

presença do racismo entre crianças (Aboud, 1988; Doyle & Aboud, 1995; Nesdale,

2004), posto que o alvo branco recebeu significativamente um maior número de moedas

em comparação com o negro. Conforme esperado, as condições de alta e baixa saliência

da norma antirracismo não se mostraram significativas para o grupo de crianças mais

novas (6-7 anos), posto que nas duas condições, elas beneficiaram o alvo branco, o que

novamente confirma que as crianças nesta idade ainda não modificam sua conduta em

função da norma social antirracista (Abrams, Rutland & Cameron, 2003; Abrams &

Rutland, 2008).

Entretanto, ao se analisar as respostas dos demais participantes da pesquisa,

também não foram encontradas diferenças entre as condições alta e baixa saliência da

norma antirracismo, de modo que as hipóteses H 13, H 14 e H 15 não foram

confirmadas. As crianças entre 8 e 10 anos de idade beneficiaram ao alvo branco nas

duas condições, contrariando estudos anteriores que revelam inibição do preconceito

racial explícito, após os 7 anos de idade (Fitzroy & Rutland, 2010; França & Monteiro,

2013; Rutland, Cameron, Milne & McGeorge, 2005). Esses resultados parecem

distintos dos encontrados por França e Monteiro (2013) e, possivelmente, podem

decorrer de erros na manipulação do procedimento experimental, uma vez que, além da

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entrevistadora, um outro entrevistador fazia o registro da respostas da criança durante a

entrevista, o que pode ter prejudicado a confiabilidade do estudo e impedido que estas

hipóteses pudesses ser testadas de forma adequada.

Não obstante, os resultados revelaram efeito significativo entre a idade dos

participantes e a distribuição de moedas entre os grupos branco e negro. Tal efeito

resulta do fato de as crianças com mais de 10 anos de idade terem beneficiado o alvo

negro na condição de ausência da entrevistadora e terem realizado distribuição

igualitária entre os dois grupos na condição de presença da entrevistadora. Estes dados

confirmam as transformações que ocorrem na expressão do racismo das crianças ao

longo do desenvolvimento sócio-cognitivo. Tal como indicado no instrumento de

distância social, os resultados confirmam que, após os 10 anos de idade, a criança atinge

um nível de desenvolvimento moral mais sofisticado (Piaget, 1932/1977) e, por

conseguinte, apresenta níveis de preconceito racial explícito mais baixos que nas fases

anteriores da infância (Baron & Banaji, 2006; Rutland, Cameron, Milne & McGeorge,

2005).

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143

CAPÍTULO VIII

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo principal desta pesquisa consistiu em avaliar o impacto da norma

social antirracismo sobre a expressão das atitudes raciais das crianças. Para tanto,

considerou-se que a ênfase nos princípios de igualdade e justiça tem suprimido formas

explícitas de expressão do racismo e que a norma social pode exercer influência distinta

sobre as crianças a depender do estágio de desenvolvimento sócio-cognitivo em que se

encontram. O estudo foi conduzido com crianças brancas, de ambos os sexos e que

estavam na faixa etária dos 6 aos 12 anos, abrangendo-se três etapas distintas do

processo de desenvolvimento moral (Piaget, 1932/1977).

A pesquisa identificou os parâmetros normativos que as crianças observam para

interagir com os grupos raciais branco e negro e, por meio de três diferentes

procedimentos, verificou formas de expressão das atitudes raciais em crianças. Desse

modo, este estudo encontra-se vinculado à corrente de pesquisas que analisa o

fenômeno do racismo a partir de fatores sócio-normativos, cuja compreensão permite

verificar como ele tem apresentado novas formas de expressão, as quais, aparentemente,

não violam as normas de igualdade (Gaertner & Dovidio, 1986; Katz & Hass, 1988;

Kinders & Sears, 1981; Pettigrew & Meertens, 1995).

Consideramos que a opção metodológica foi adequada e eficaz para a amostra

estudada. A representação dos grupos raciais por meio de fotografias de crianças

permitiu que os três grupos etários estudados (6-7 anos/ 8- 10 anos/ 11-12 anos)

reconhecessem as categorias branco e negro e, por conseguinte, não revelassem

dificuldade para responder aos instrumentos adotados.

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144

Conforme já evidenciado pela literatura do desenvolvimento cognitivo (Aboud,

1988; Doyle & Aboud, 1995), acreditávamos que as crianças com idades entre 6 e 7

anos apresentariam maiores níveis de preconceito racial explícito e não revelariam

inibição para discriminar o negro, ainda que a norma social antirracismo estivesse

saliente pela presença da entrevistadora. As respostas das crianças que se encontravam

neste período de desenvolvimento vieram a confirmar a expectativas. Contudo, chamou-

nos atenção o fato deste grupo de crianças, embora de forma menos evidente que as

crianças mais velhas, terem como parâmetro normativo gostar de pessoas negras e, ao

mesmo tempo, verificar esse padrão de conduta nos adultos e seus amigos.

Esses resultados apontam para a possibilidade de que, entre os 6 e 7 anos de

idade as crianças percebam a norma antirracismo. É provável que as respostas destes

participantes sejam um reflexo da ênfase que é dada à norma antirracismo na sociedade

atual. Todavia, a presença dessa norma não foi suficiente para que as crianças inibissem

suas atitudes preconceituosas contra os negros em contextos nos quais sua conduta é

alvo de observação, tal como ocorreu na pesquisa. Conforme destacado, as respostas das

crianças entre 6 e 7 anos de idade não sofrem interferência da norma antirracismo, posto

que, em função de seu estágio de desenvolvimento cognitivo, não conseguem avaliar as

implicações dos parâmetros normativos sobre as relações sociais ainda que percebam a

presença da norma (Abrams, Rutland & Cameron, 2003).

De maneira geral, os resultados indicaram que a categoria-alvo teve papel

importante nas respostas das crianças. Os dados apresentados reforçam que a criança

adota a raça como uma categoria que orienta suas percepções e avaliações sociais, ao

mesmo tempo em que apontam o grupo negro como alvo de preconceito e

discriminação. As questões utilizadas para verificar preconceito racial a nível explícito

identificaram assimetria entre as atitudes diante de brancos e negros. A criança negra foi

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145

associada a atributos negativos na versão adaptada da MRA, foi alvo de rejeição na

medida de distância social e de discriminação no procedimento experimental. Esta

pesquisa, portanto, integra-se ao campo de estudos que aborda as relações raciais como

aspecto pertinente ao estudo da socialização de crianças (Aboud, 1988; França, 2013;

Files, Casey & Oleson; 2010; Nesdale, 2004; Shutts, Banaji & Spelke, 2010).

Tal como nas pesquisas já realizadas por Aboud (1988), é mais provável que o

preconceito e a discriminação racial ocorram em sociedades heterogêneas, onde existem

grandes diferenças de status entre os grupos. De tal maneira, essa pesquisa apresentou

resultados importantes, pois alerta para a permanência do racismo ainda que, no

contexto atual, seja enfatizada a norma antirracista e que exista a crença de que o Brasil

é um país de cultura miscigenada onde não há segregação ou conflitos abertos entre os

grupos raciais (Fernandes, 1972/2007).

As expressões do racismo das crianças, identificadas a partir da versão adaptada

da escala MRA, da medida de distância social e do procedimento experimental

indicaram diferenças significativas na manifestação das atitudes raciais em função de

mudanças que ocorrem ao longo do desenvolvimento infantil. Os estudos realizados

pela abordagem sócio-cognitiva (Aboud, 1988; Doyle & Aboud, 1995) atribuíam essas

mudanças à aquisição de habilidades como a flexibilidade e a conservação, entretanto

pesquisas mais atuais demonstram que, a partir dos 8 anos de idade, as crianças

permanecem expressando racismo a nível implícito (Baron & Banaji, 2006; Rutland et

al., 2005) ou em contextos em que a norma antirracismo está pouco saliente (Fitzroy &

Rutland, 2010; França & Monteiro, 2013). Desse modo, a adesão a atitudes e

comportamentos coerentes com a norma social está vinculada ao gradativo

desenvolvimento da Teoria da Mente (Abrams, Rutland, Cameron & Ferrel, 2007;

Flavell, 2004), a qual permite que a criança faça inferências acerca das expectativas dos

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146

demais acerca das condutas que são mais apropriadas aos diferentes contextos

normativos.

Os resultados confirmaram as expectativas delineadas pelo modelo sócio-

normativo da expressão do racismo em crianças (Fitzroy & Rutland, 2010; França &

Monteiro, 2013; Rutland, Cameron, Milne & McGeorge, 2005). O desenvolvimento das

habilidades cognitivas nas crianças com mais de 7 anos não as impede de manifestar o

racismo. Ao contrário, elas aprendem a suprimir o preconceito racial explícito, o qual é

proibido pelas normas sociais prevalentes na sociedade. Por conseguinte, seu

preconceito é expresso de forma sutil. Após esta idade, as crianças evitam associar o

negro a um estereótipo negativo, entretanto permanecem avaliando os brancos com mais

atributos positivos que negativos.

As diferenças nas expressões de atitudes raciais das crianças foram mais

expressiva ao se comparar as crianças mais novas (6-7 anos de idade) com as crianças

mais velhas (11-12 anos). As primeiras manifestaram maiores níveis de preconceito

explícito e de preferência pelo branco. Em contrapartida, as crianças entre 11 e 12 anos

de idade apresentaram maior sensibilidade à norma antirracismo, posto que revelaram

favoritismo pelo alvo negro na medida de distância social e no procedimento

experimental. A distinção entre esses dois grupos etários corrobora as pesquisas sobre

os estágios de desenvolvimento da moralidade na criança (Piaget, 1932/1977).

Compreendemos, assim, que o estudo da moralidade tende a contribuir para a

construção de um modelo sócio-normativo das atitudes raciais na infância.

A pesquisa sobre desenvolvimento moral indica que as crianças desenvolvem de

forma gradativa critérios de justiça e igualdade e avaliam as regras e convenções que

permeiam suas relações com os demais (Killen & Rutland, 2011). O ato de excluir ou

discriminar alguém pode ser entendido como uma tarefa complexa na qual a criança

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147

deve ponderar entre princípios morais e o contexto em que o ato de excluir ocorre. A

depender das normas sociais que se fazem salientes, a exclusão pode ser percebida

como um ato justo e legítimo ou como uma prática discriminatória condenável.

Nesse sentido, a manifestação de uma atitude preconceituosa envolve a criança

num conflito entre sua expressão e o imperativo moral de que excluir é injusto ou

errado. Dado que a interferência das normas sociais sobre as atitudes e comportamentos

da criança está associada tanto ao desenvolvimento da Teoria da Mente como do

raciocínio moral, pesquisas futuras poderiam avaliar não só as atitudes das crianças, mas

também as justificativas que apresentam para as mesmas, pois estas revelariam os

julgamentos e critérios que as crianças adotam ao manifestar ou inibir uma conduta

racista.

Embora as diferenças que ocorrem na expressão do racismo ao longo na infância

possam ser associadas ao desenvolvimento da Teoria da Mente e do raciocínio moral,

estas habilidades não são suficientes para explicar a supressão do racismo em contextos

públicos. Para que isso ocorra, é necessário que a norma antirracismo seja percebida e

apoiada pelo contexto social da criança. Essa explicação é sustentada por pesquisas

voltadas para o estudo das atitudes nacionais (Fitzroy & Rutland, 2010; Rutland, 1999),

as quais demonstraram que, diferentemente com o que ocorre com as atitudes raciais, as

atitudes nacionais das crianças são caracterizadas por maior viés endogrupal no

contexto em que suas respostas seriam percebidas por demais membros do grupo. Desse

modo, a expressão de atitudes intergrupais na infância varia, não apenas em função do

desenvolvimento sócio-cognitivo, mas em decorrência das normas sociais existentes.

Estudos realizados em diferentes contextos intergrupais, por conseguinte, poderiam

favorecer para o entendimento da relação existente entre normas sociais e atitudes.

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148

Tal como foi ressaltado do capítulo 1, as normas possuem aspectos descritivos e

prescritivos sobre o comportamento, entretanto, é possível que a questão que avaliava

os parâmetros normativos das crianças por utilizar um termo abrangente como “gostar”

para inferir as normas que as crianças reconhecem, não tenha ressaltado os aspectos

prescritivos da norma antirracismo. Desse modo, seria importante que estudos

posteriores utilizassem instrumentos em que o aspecto prescritivo da norma ficasse mais

saliente para as crianças, a exemplo do procedimento adotado por Fitzroy e Rutland

(2010) no qual é descrito para o participante um contexto racial ambíguo e, em seguida,

ele é solicitado a avaliar como membros de seu grupo reagiriam diante de uma assertiva

preconceituosa. Procedimentos desse tipo são importantes, pois não só evidenciam o

nível de desenvolvimento da Teoria da Mente, mas também revelam até que ponto a

criança percebe o racismo como uma conduta condenada em seu meio social.

Outro aspecto importante a ser analisado em pesquisas posteriores é a motivação

das crianças para aderir a uma norma social antirracismo. Há evidências de que quanto

maior a identificação com um grupo de referência, maior será a motivação para aderir às

normas sociais deste grupo (Abrams et al., 2003; Nesdale, 2004; Rimal & Real, 2003).

De tal forma, a criança será mais propensa a regular suas ações e atitudes

preconceituosas caso o grupo de referência com quem se identifica tenha como norma

rejeitar a discriminação e o preconceito contra grupos minoritários. Nesse sentido, as

pesquisas poderiam analisar a identificação da criança com grupos de referência

importantes em sua socialização, a exemplo dos pares, professores, pais e familiares ou

com grupos sociais específicos, tais como o gênero, a raça, religião, nacionalidade, entre

outros, a fim de verificar o impacto da identidade sobre a motivação para aderir à norma

social.

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149

Para concluir, destacamos que esta pesquisa colabora para o desenvolvimento

das teorias sócio-normativas sobre as formas contemporâneas da expressão do racismo.

Os resultados corroboram trabalhos anteriores os quais demonstraram que as crianças

regulam a expressão de atitudes intergrupais diante da saliência da norma antirracismo e

que a inibição de formas explícitas de preconceito e discriminação racial, verificada nos

adultos, começa a emergir na média infância. Acreditamos que as pesquisas que

consideram o papel das normas sociais e as características do desenvolvimento sócio-

cognitivo das crianças podem contribuir não só para a compreensão do racismo na

infância, mas para o planejamento de intervenções futuras.

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162

ANEXOS

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163

ENTREVISTA

A Universidade Federal de Sergipe está desenvolvendo um estudo sobre relações

de amizade nas escolas entre crianças de 6 a 12 anos

Para tal, necessitamos que as crianças colaborassem respondendo algumas

questões. Esta entrevista tem o objetivo de verificar suas percepções sobre as normas

sociais predominantes na sociedade.

Não há respostas certas nem erradas e as entrevistas durarão menos de 20

minutos. As respostas são anônimas e confidenciais, destinando-se apenas a fins de

pesquisa científica.

Obrigado!

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Nome:__________________________________________________Gênero (M) (F)

Idade:____________ Etnia: B ( ) N ( ) Série:______________________

Escola:______________________________________________________________

A primeira parte do estudo começa com histórias sobre outras crianças a fim de

verificarmos como as crianças se posicionam, como se observa abaixo.

Rapport

Você gosta de histórias de crianças?

Você gosta mais de ouvir ou de contar as histórias?

Qual é o tipo de história que você gosta?

Instrução

Eu estou querendo escrever uma história sobre o que as crianças pensam sobre

as pessoas. Para isto, eu resolvi conversar com algumas crianças para ter idéias de

como escrever a história. Eu gostaria que você me ajudasse respondendo algumas

perguntas que eu vou lhe fazer. Você responde do jeito que você achar certo, para mim

o que é importante é o que você pensa. Podemos começar?

Marque um X na coluna que corresponde à opinião da criança.

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1- Gostaria que você organizasse essas 6 fotografias dentro dessas 2 caixas. Nessa primeira caixa você

colocar as fotografias das crianças que são brancas, nessa segunda caixa a fotografia das crianças que são

negras. (A entrevistadora põe o código da foto nos espaços abaixo)

Caixas:

Branco Negro

2- Gostaria que você pensasse sobre os adultos e sobre seus amigos. Vou perguntar se eles gostam de

algumas pessoas. Responda colocando esses cartões que tem carinhas que representam os sentimentos

dentro dessas caixas que tem os nomes das pessoas. Vamos começar pelos adultos. Você acha que os

adultos gostam... das pessoas que são brancas

Grupos adultos amigos Você mesmo

Branco(a)s Gostam

Não gostam

Não sei

( )

( )

( )

Gostam

Não gostam

Não sei

( )

( )

( )

Gostam

Não gostam

Não sei

( )

( )

( )

Negro (a)s Gostam

Não gostam

Não sei

( )

( )

( )

Gostam

Nao gostam

Nao sei

( )

( )

( )

Gostam

Não gostam

Não sei

( )

( )

( )

Brasileiro(a)s Gostam

Não gostam

Não sei

( )

( )

( )

Gostam

Nao gostam

Nao dizer

( )

( )

( )

Gostam

Não gostam

Não sei

( )

( )

( )

Pessoas

de outro país

Gostam

Não gostam

Não sei

( )

( )

( )

Gostam

Não gostam

Não sei

( )

( )

( )

Gostam

Não gostam

Não sei

( )

( )

( )

3- Você sabe que cada pessoa tem um jeito de ser (por ex: alguns são alegres ou tristes).

Vou te entregar uns cartões que tem escritos palavras que são o jeito de ser das pessoas

e gostaria que você olhasse para as fotografias desses (as) meninos (as) e dissesse as

palavras que correspondem ao jeito de ser de cada um. Qual desses(as) meninos(as) é....

Palavras Brancos Negros BN 0

1- Bom (boa) ( ) ( ) ( ) ( )

2- Bonito (a) ( ) ( ) ( ) ( )

3- Burro (a) ( ) ( ) ( ) ( )

4- Doente ( ) ( ) ( ) ( )

5- Feio (a) ( ) ( ) ( ) ( )

6- Inteligente ( ) ( ) ( ) ( )

7- Limpo (a) ( ) ( ) ( ) ( )

8- Ruim ( ) ( ) ( ) ( )

9- Saudável ( ) ( ) ( ) ( )

10- Sujo (a) ( ) ( ) ( ) ( )

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4- )

a- Essas crianças não têm pais. Vamos imaginar, então, que seus pais vão levar uma

delas para viver toda a vida com você e eles, na mesma casa, como irmãos, ele e

você vão dormir no mesmo quarto. Qual desses meninos você prefere que seus pais

levem para sua casa para dormir no mesmo quarto que você?

( ) Branco ( ) Negro

b- Vamos imaginar que umas dessas crianças é seu melhor amigo. Qual dessas

crianças você escolhe para ser seu melhor “Amigo”?

( ) Branco ( ) Negro

c- Vamos imaginar que você têm um pirulito a mais e quer dividi-lo, e essas crianças

são suas colegas, com qual dessas crianças você dividiria seu pirulitos?

( ) Branco ( ) Negro

d- Vamos imaginar que essas crianças são suas colegas na sala de aula, e a professora

passa uma atividade para nota. A atividade pode ser feita junto com um colega, você

pode escolher quem fará a atividade para a nota com você. Com qual desses você

prefere fazer a atividade que a professora passou?

( ) Branco ( ) Negro

5- Vou falar sobre dois meninos que querem comprar um brinquedo. Você pode ajudá-

los distribuindo dinheiro. Para contribuir você têm só que colocar essas 13 moedas de 1

real no mealheiro. Veja! Outras crianças já contribuíram (balançar as caixinhas para

fazer barulho do dinheiro mexendo). Você dá o quanto quiser do jeito que quiser. O

dinheiro que você der, vai ser transformado em dinheiro de verdade e depois dado a

eles. (A entrevistadora faz uma entrevista com esta instrução, na próxima entrevista diz: “tenho que sair

por um instante, fique e continue fazendo esta tarefa a vontade, pois volto já”. De modo que

metade das entrevistas será realizada com a entrevistadora presente e a outra metade estando a

entrevistara ausente).

Entrevistadora: ( ) Presente ( ) Ausente

(Total=____________) (Total=____________)

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6- Agora divida essas 10 moedas igualmente entre essas crianças.

(Total=____________) (Total=____________)

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168

Universidade Federal de Sergipe

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia Social

Mestrado em Psicologia Social

Projeto de Pesquisa: Normas sociais e valores no processo de socialização de crianças.

Objetivo: Analisar a presença dos valores e normas sociais entre crianças com idades dos 6 aos 12 anos.

TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO

Pelo presente documento, declaro ter conhecimento dos objetivos e métodos deste estudo que me

foram apresentados pelo pesquisador abaixo nomeado, conduzido pelo Núcleo de Pós Graduação em

Psicologia Social da Universidade Federal de Sergipe.

Estou informado (a) de que, se houver qualquer dúvida a respeito dos procedimentos adotados

durante a condução da pesquisa, terei a total liberdade para questionar ou mesmo recusar que crianças

deste estabelecimento de ensino participem da investigação.

Meu consentimento, fundamentado na garantia de que as informações apresentadas serão

respeitadas, assenta-se nas seguintes restrições:

1- Os alunos (as) não serão obrigados a realizar nenhuma atividade para a qual não se sintam

dispostos (as);

2- Os alunos (as) não participarão de qualquer atividade que possa vir a lhes trazer prejuízo;

3- O nome da escola, bem como o nome dos alunos (as) não serão divulgados;

4- Todas as informações individuais terão o caráter estritamente confidencial;

5- Os pesquisadores estarão obrigados a me fornecer, quando solicitados, as informações coletadas;

6- Posso, a qualquer momento, solicitar aos pesquisadores que os dados pertinentes a esta escola

sejam excluídos da pesquisa.

Ao assinar este termo, passo a concordar com a utilização das informações para os fins a que se

destina, salvaguardando as diretrizes universalmente aceitas da ética na pesquisa científica, desde que

sejam respeitadas as restrições acima elencadas.

O pesquisador responsável por este projeto é o mestrando Khalil da Costa Silva, que pode ser

contatado pelo e-mail [email protected]. Esta pesquisa é de orientação da Profª.Drª.Dalila Xavier

de França.

Aracaju....... de ............................... de 201...

Nome:_____________________________________________________________

Assinatura:__________________________________________________________