no entanto #56

20
56 o n entanto Jornal Experimental do 4º período de Jornalismo - Ufes, Vitória - ES Novembro de 2011 pág. 12 último apito depois do

Upload: no-entanto-jornal-laboratorio

Post on 12-Mar-2016

235 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Jornal laboratório produzido pelos alunos do 4º período de Jornalismo da Ufes. Semestre 2011/2

TRANSCRIPT

Page 1: No Entanto #56

56on entantoJornal Experimental do 4º período

de Jornalismo - Ufes, Vitória - ESNovembro de 2011

pág. 12último apito

depois do

Page 2: No Entanto #56

Imagine preparar e construir sua carreira durante 20 anos e de repente se ver obrigado a recomeçar do zero, em uma área

totalmente diferente. Pois esse é o drama de muitos jogadores profissionais do Brasil e tema da nossa matéria de capa.

Contamos também a história de um sapateiro peculiar, que mesmo sofrendo algumas sanções de sua vizinhança, traz moradores de rua para sua oficina e tenta recolocá-los na sociedade. Igualmente irreverente era o professor Arlindo de Castro Filho, que apesar de algumas controvérsias, deixou muita saudade no curso de Comunicação Social da Ufes, mesmo após 14 anos de sua morte.

Esta edição traz ainda matérias sobre diferentes opções de lazer do estado: cineclubes, teatro, slackline - cada vez mais presente nas praias capixabas – e a polêmica das calouradas.

Dessa vez nossa capa foi ilustrada por Bruno Bissoli, estudante de Artes Visuais, que usou técnica mista - aquarela, caneta hidrográfica, nanquim sobre papel - e deixou nosso jornal mais colorido.

Isabella Mariano

cores

A ideia de escrever uma matéria sobre Arlindo Castro surgiu quando alguns professores do curso de Comunicação Social cogitaram a

possiblidade do ex-professor dar o nome ao prédio “Bob Esponja”. Mas, mesmo depois de descobrirmos que essa possibilidade não era real, resolvemos investir na matéria, devido à contribuição de Arlindo para o curso e o cenário cultural. Escrever sobre ele não foi fácil, devido à sua complexa personalidade. Mas, ir atrás das pessoas que conviveram com ele, incluindo seus próprios familiares, foi muito instigante. É como se o tivessemos conhecido.

Na coxia do jornalismo

Opinião

Em um dia de julho deste ano, Sheima Jastaniah decide dirigir. Nada excepcional para alguém que cresceu no Ocidente. Mas o fato deixa de ser ordinário

quando observamos o contexto: Sheima dirige na Arábia Saudita.

O país vive uma monarquia absoluta: o rei Abdullah é chefe não somente do Estado, como também do governo. Não existem partidos políticos. Não há poder legislativo. O rei governa de acordo com a lei islâmica. E mulheres não podem dirigir, nem ter carteira de motorista.

No dia 27 de setembro, Sheima soube sua sentença: dez chibatadas. Uma punição rigorosa para quem não gosta nem de pensar em pena de morte. Mas é pouco para um país que já puniu com 450 chibatas um professor que disseminou uma imagem positiva do judaísmo.

A sorte de Sheima é que, no dia seguinte (28), o rei saudita anulou sua sentença - três dias depois de garantir às mulheres o direito de votar e de concorrer nas eleições municipais. O rei chegou a dizer que se recusa a “marginalizar as mulheres em todos os aspectos que estão de acordo com a sharia (leis religiosas)”. No entanto, os direitos humanos ainda são ameaçados e as vítimas não são só mulheres, mas também homossexuais e qualquer um que não concorde com a política do país.

no entanto...no entanto...

ReportagemAny ComettiAstrid MalacarneDaniely BorgesEduardo DiasFábio AndradeHenrique MontovanelliInglydy RodriguesIsabella MarianoIzabelly PossattoKarolina LopesLeonardo RibeiroLeone OliveiraMaíra MendonçaRafael FreitasRhayan LemesThaiana GomesViviane Machado

DiagramaçãoEsther RadaelliDaiane DelpupoInglydy RodriguesIsabella MarianoIzabelly PossattoJéssica RomanhaMaíra MendonçaRafael FreitasRhayan LemesThaiana GomesViviane Machado

EdiçãoAny ComettiEduardo DiasHenrique MontovanelliIsabella MarianoKarolina LopesMaíra MendonçaRhayan Lemes

O No entanto é um jornal laboratório produzido pelos alunos do 4º período do curso de Comunicação Social - Jornalismo, da Universidade Federal do Espírito Santo.Av: Fernando Ferrari , 514, Goiabeiras /Vitória-ESCEP: 29075-910

Professora OrientadoraDaniela Caniçali

Tiragem800 exemplares

GráficaGráfica Universitária

expe

dien

te

Ilustração de CapaBruno Bissolli

““

Any Cometti Maíra Mendonça

“ “

Sugestões? [email protected]? facebook.com/noentanto

Projeto GráficoEsther RadaelliIsabella Mariano

Novembro de 2011

No momento em que a pauta foi aprovada por toda a equipe do No Entanto, tive a sensação já corriqueira de ter entrado numa grande

furada. Começou, então, a corrida em busca de uma bicicleta, que só veio a ser solucionada na sexta-feira anterior ao Moving Planet. Eu não tinha uma magrela, mas tinha a certeza de que, sem pedalar, a matéria não seria legal. A bicicleta acabou por quebrar no meio do caminho. E apesar de ganharmos algumas marquinhas do sol – e de termos uma fotógrafa pendurada na janela de um carro – tudo ocorreu melhor do que o esperado.

Page 3: No Entanto #56

3

por Fábio Andrade Leone Oliveira

Praticar slackline pode até parecer fácil, mas para começar a caminhar sobre a corda é

preciso equilíbrio e muita persistência

No início da década de 1980, no estacionamento do Parque Nacional Yosemite, conhecido como a meca

dos escaladores, na Califórnia, um grupo de alpinistas aguardava o momento de escalar as paredes rochosas das montanhas do parque. Foi quando alguns alpinistas iniciaram uma brincadeira que consistia em andar sobre as correntes do estacionamento. Em seguida, as correntes foram substituídas por suas fitas elásticas - utilizadas na escalada - amarradas em árvores.

Naquele momento surgia uma nova modalidade esportiva, o slackline, que em tradução literal significa “corda bamba”. Consiste em caminhar sobre a fita de alpinismo amarrada quase sempre entre duas árvores e a cerca de um metro do chão. O esporte chegou ao Espírito Santo há aproximadamente oito anos.

Há variações da modalidade, como o waterline - sobre a água - ou o highline - a versão mais radical, em que a fita é presa entre dois morros e o praticante caminha a uma altura elevada. No Estado, o slackline é a mais comum e já não é raro ver adeptos caminhando sobre as cordas nas praias da Grande Vitória.

Não só equilíbrioO técnico em informática Tiago Bernardo, 20 anos,

começou na corda bamba em dezembro de 2010, depois de ver um grupo praticando na Praia da Costa, Vila Velha. “Quando pus o primeiro pé, a fita tremeu e achei que não ia conseguir andar”. Hoje ele consegue até dar mortais, mas recomenda, além de prudência, outro cuidado: “pra quem está começando, é bom comprar uma fita mais grossa”.

Tombos são inevitáveis. Tiago aponta para as marcas no corpo enquanto fala dos machucados: “minha perna é toda ralada e o tornozelo está vermelho. Às vezes a gente cai, às vezes toma um tapa da fita nas costas”. Quem também já experimentou as dores do esporte é Kaique Simões, 19 anos, auxiliar administrativo. Depois de uma queda, ele, que pratica slackline há três meses, teve de pôr uma tala no pé. Kaique ressalta que o começo é difícil, mas a recompensa vale a pena. “A sensação é de liberdade,

porque você fica fora do chão e se sente próximo de voar”.Apesar das dificuldades iniciais, o êxito no slackline

está ao alcance de todos, inclusive de quem não tem prática esportiva. É o que diz Lucius Raoni, 23 anos. “Para o cara que nunca praticou esporte nenhum, tranquilo não é. Vai cair, vai doer, mas se persistir consegue. É uma questão de treino. Minha mulher e minha mãe começaram a andar e conseguiram, é assim para todos. Gente velha, gente nova e até as crianças”.

Para começar a praticar é necessário alguma aptidão para o autodidatismo. Por ser sobretudo um hobby, a atividade não conta, por exemplo, com escolinhas para inicantes. A maioria dos grupos que pratica é formada por amigos que simplesmente compraram a corda e foram se aventurar sobre a linha. A fita, aliás, não é o único equipamento necessário para o slackline. Muitas lojas vendem um kit com fita, catraca e proteção de árvore. Os preços variam de R$170 a mais de R$300, conforme o comprimento da corda e a sofisticação dos materiais.

O slackline também traz benefícios para o corpo. “Exercita praticamente todos os músculos”, salienta Kaique. O maior ganho, obviamente, é o de equilíbrio, por isso a mente também é estimulada durante o exercício, como conta Tiago Bernardo: “você ganha mais concentração e noção do seu corpo”.

Fita - Pode ser encontrada nas lojas e na internet em

diversos tamanhos. De 10 até 25 metros de comprimento, pode ter até 10 centímetros de espessura.

Catraca - Assegura que a fita fique presa e não se solte do local em que foi fixada. Funciona como uma trava de segurança e normalmente é colocada sobre o treewear.

Treewear - É a “proteção de árvore”: uma espuma colocada em volta das árvores para dar suporte à fita. Impede que o peso do praticante danifique os troncos.

O kit

Para dominar o

equilíbrio

3

Foto: Henrique Montovanelli

Page 4: No Entanto #56

Respeitável público

por Isabella Mariano Karolina Lopes

O VII Festival Nacional de Teatro Cidade de Vitória, que aconteceu entre os dias 13 e 23 de outubro, possibilitou novas e primeiras

experiências e, também, deu margem à críticas importantes

Com sete edições, o Festival Nacional de Teatro da Cidade de Vitória tem conseguido se tornar uma referência ao público capixaba.

Alguns aproveitam a ocasião para realizar suas primeiras experiências, outros já são de casa e conseguem identificar prós e contras do evento. Desde sua segunda edição, a estrutura do festival foi muito modificada. Em 2006, foram apenas 16 peças apresentadas em nove dias. Na sua atual edição, o Festival trouxe 31 espetáculos, num total de 38 apresentações realizadas em 11 dias.

O ator Dieymes Pechincha, 23, acompanha o festival desde 2008 e costuma assistir ao maior número de peças possível em cada edição, em uma média de doze por ano, pois considera importante para sua formação. Sobre a edição atual, destacou o espetáculo da Companhia do Latão (SP), “Ópera dos Vivos”, feito em quatro atos com uma mistura de teatro, música e cinema, abordando a produção cultural desde a década de 60. A peça foi apresentada nos dias 18 e 19 de outubro, porém, no segundo dia, a falta de um equipamento impossibilitou a realização dos três últimos atos. “Fico muito triste ao perceber que, depois de sete edições, a organização do Festival ainda comete uma falha tão primária, como não garantir a segurança dos materiais de trabalho dos grupos envolvidos no evento”, afirmou Dieymes.

A atriz e jornalista Luana Eva concorda que a organização do festival pode melhorar. Para ela, um dos problemas é o horário da entrega dos convites, que acaba sendo um empecilho para algumas pessoas. Sobre isso Dieymes diz que o horário dificulta o acesso das pessoas que moram e trabalham em outro

município. Luana Eva assistiu a dez peças da sétima edição e destacou os espetáculos “Tio Vânia”, do Grupo Galpão (MG); “Sua Incelença Ricardo III”, do Grupo Clowns de Shakespeare (RN); e “Antes da coisa toda começar”, do Grupo Armazém de Teatro (RJ). A atriz deu prioridade a peças de outros estados e afirmou que a diferença que existe entre os espetáculos daqui e os de fora é normal. “Isso é articulação cultural”, disse Luana.

Já os universitários Karen Pinheiro Manzoli, 18, e Thiago Vieira de Oliveira, 25, têm impressões positivas quanto à organização do festival. Para Karen, festivais como esse são importantes por tornarem o teatro mais acessível, tendo em vista que as sessões são gratuitas. A universitária, que mora em Vitória há menos de um ano, foi pela primeira vez ao Festival e ao Theatro Carlos Gomes, para assistir à peça “Nise da Silveira ‘A Senhora das Imagens’”, da Essencial Cia. De Teatro (RJ). “O Carlos Gomes é lindo. Não é muito grande, mas é cheio de detalhes, como as salas de espera e as sacadas dos camarotes”, comentou.

Thiago assistiu a quatro peças e disse ter gostado mais de “Tio Vânia” e de “A Ordinária”, do Grupo Empório de Teatro (ES). Para ele, muitas das peças produzidas no estado ainda estão sujeitas a editais de incentivo ou a patrocínios, inibindo a produção livre. Mesmo com as dificuldades de estrutura, o Festival se tornou uma forma de aproximar o teatro a pessoas que nunca tiveram contato com esse tipo de arte. Não apenas por que os espetáculos são de entrada franca, mas também por que muitas peças são feitas ao ar livre, fator que aumenta a possibilidade de participação no festival.

A crítica cômica de Há Judas Pra Malhar? (ES); a sutileza de Livres e Iguais (SC); a

graça de O Evangelho Segundo São Matheus (ES) levantaram questionamen-

tos e evidenciaram a importância da arte. Ópera dos Vivos (SP) foi para mim a peça

mais emocionante do festival e talvez a mais bonita que assisti na vida. Triste e linda.

Foi minha primeira vez no Festival de Teatro e fiquei admirada: dez noites tomadas

por sentimentos de amor, graça, revolta, angústia e satisfação.

Também houve dificuldades: conciliar os horários das apresentações com minha

rotina pessoal. Cheguei atrasada ao trabalho, tomei chuva e fiquei sem almoçar. As-

sisti a duas peças numa mesma noite, mas não consegui ingressos para outras. O

clima chuvoso também não ajudou. Mas os pequenos sacrifícios valeram muito a

pena. Sinto que participei de um dos momentos mais sublimes e democráticos das

artes cênicas do Estado.

Ilustração: Lucas Basílio

Karolina Lopes

Page 5: No Entanto #56

Cinema e reflexão

por Leonardo Ribeiro Astrid Malacarne

Cada um no seu assento, a luz se apaga e começa o filme. O cineclube se diferencia de uma sala de cinema comercial pela estrutura, pelos filmes exibidos e pelo que acontece ao término da sessão: um debate sobre o que acabaram de assistir. Com um público fiel e apaixonado, sua proposta principal é a reflexão sobre

filmes. As sessões são livres e sem fins lucrativos, muitos são sustentados pelos próprios integrantes. Alguns, no entanto, conseguem apoio governamental a partir de leis de incentivo.

O Cine Clube Central, que funciona em Vila Velha, é um desses. Desde maio recebe verba da Rede Cultura Jovem, projeto da Secretaria de Cultura do Espírito Santo (Secult). Esse vínculo trouxe melhorias, que vão dos equipamentos utilizados ao fanzine que divulga a programação. “Desenvolvemos um diálogo entre as artes. Nas sessões do Central não há só cinema, mas música, poesia”, explica o jornalista Ariel Lacruz, 28 anos, desde 2007 integrante do Central, que costuma promover eventos que dialoguem com o filme assistido.

Após filmes de terror, por exemplo, sobem ao palco bandas de rock. Em outras, há saraus abertos a todos que desejam mostrar sua arte. A proposta funciona. “O cinema possui público restrito, mas quando a gente mistura linguagens o espaço enche”. E é nisso que o cineclube se destaca. Esses eventos atraem um público maior do que o normal, alcançando cerca de 150 espectadores. “As que mais encheram foram As Malditas, com filmes de terror trash e bandas”.

Os filmes são geralmente escolhidos pelos integrantes. “Normalmente pensamos num tema, depois divagamos sobre obras relacionadas até encontrar um que toda a equipe goste”. Muitos fizeram sucesso, outros nem tanto. “Longas como Fome Animal, Botinada e Sete Gatinhos tiveram um público maior que o esperado. Já o filme Alice no País das Maravilhas foi um fiasco. A gente quis fazer uma brincadeira no Dia das Crianças, mas não deu certo. Ele é reprisado pela TV aberta há anos”.

Eventualmente são convidados especialistas no assunto para debater o filme exibido. “Fizemos um especial sobre drogas, com a presença de um cientista social; e outro sobre a Primavera Árabe, período atual de movimentos de revolta no Oriente, com um professor de História”, conta Ariel.

Caráter educacionalOs cineclubes fazem mais do que promover debates. Grande parte deles oferece oficinas em escolas e bairros da

cidade. O Cine Central organizou recentemente uma oficina sobre Efeitos Especiais em Maquiagem de Cinema, que contou com a colaboração de Rodrigo Aragão, cineasta capixaba de filmes de terror com projeção nacional.

A busca pelo público e formação de platéia ainda é o maior desafio. O Teatro Municipal de Vila Velha, onde funciona o Central, possui capacidade para 250 espectadores, mas cada sessão atrai normalmente cerca de 30 cinéfilos. “Estamos atrás de mais público. Muitos frequentadores, aliás, contribuem ajudando a distribuir os zines e escolhendo filmes das próximas sessões nas enquetes que mantemos nas redes sociais”, relata Ariel.

A estudante Heloisa Cardoso vai a cineclubes há mais de três anos. “Gosto muito, pois são exibidos filmes difíceis de achar. É uma oportunidade de conhecer o cinema alternativo, que foge da estética comercial”. Heloisa diz que conheceu muita gente com gostos parecidos com os seus. “Nos cineclubes prefiro assistir a filmes que contenham alguma crítica social. Isso sempre garante um bom debate”.

Interessados em ver e discutir filmes que fogem do roteiro comercial se reúnem em mais de 30 cineclubes espalhados pelo Espírito Santo

5

Ilustração: Thiago Arruda

Page 6: No Entanto #56

6

Minha filha, por que você não vai para um salão de beleza e pede asilo político”, essa foi a tirada sarcástica de Arlindo de Castro

Filho, após uma aluna reclamar de suas aulas. Jornalista, cineasta, músico e poeta, Arlindo era considerado descolado, irreverente e contestador. Nascido em São Luís (MA), ele lecionou no curso de Comunicação Social da Ufes de 1982 a 1997, quando faleceu. “Não convivi muitos anos com Arlindo, mas adorava sua companhia. Além de intelectual brilhante, sua irreverência era marcante. Ele era extremamente competente e ao mesmo tempo brincalhão”, relata a professora de Comunicação Social Dalva Ramaldes, 55 anos.

Arlindo graduou-se em Jornalismo na Ufes e concluiu seu mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fez doutorado em Cinema na Universidade de Nova Iorque (EUA), onde também cursou pós-doutorado em Cinema. Na década de 1970, antes de iniciar a carreira de professor, trabalhou como publicitário e jornalista nos jornais A Tribuna e A Gazeta, e também na Rede Globo, no Rio de janeiro.

O professor foi um dos grandes nomes do movimento contracultural das décadas de 1960 e 1970, fazendo parcerias com Ronaldo Barbosa - artista plástico e atual diretor do Museu da Vale -, e Hans Donner - responsável pela identidade visual da Rede Globo. Em 1992, Arlindo produziu o vídeo “TV Reciclada”. Em 1996, dirigiu e produziu o primeiro videoclipe da banda capixaba Manimal, para a música “Rockcongo”. Nesse mesmo ano surgiu a Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine), da qual Arlindo foi um dos pioneiros.

O atual chefe de departamento do curso de Comunicação Social, Ismael Thompson, 57 anos, conheceu Arlindo em 1976, antes de ambos ingressarem como professores na Ufes. “Ele tocava violão na Orquestra Sinfônica da Fundação Cultural do Espírito Santo e eu era um dos tenores”. Em 1986, quando já lecionavam na universidade, Arlindo se tornou chefe de departamento e Ismael, seu vice. “Éramos amigos, sempre me dei muito bem com ele. Quando ele voltou do pós-doutorado nos EUA, eu era coordenador do

irônico e provocadorProfessor de Comunicação Social da Ufes durante as décadas de 80 e 90, especialista em cinema e

músico, Arlindo de Castro Filho destacou-se por sua competência e ousadia

“Hay en la vida del hombre . Sucessos e circustancias. Que escapam do racional . Mas no circo do globo da morte e preciso ter sorte . Senao voce

e todo mundo vai se dar mal .” (Música El grande circo Argentino, co-autoria de

Arlindo Castro).

por Maíra Mendonça Thaiana Gomes

6

Fotos: Arquivo Pessoal

Page 7: No Entanto #56

7

curso e propus a criação da disciplina de Introdução ao Cinema”.

Cleber Carminati, 49 anos, também professor do curso, não foi colega, mas sim aluno de Arlindo. Teve com ele aulas de Estética dos Meios de Comunicação de Massa e de Publicidade e Legislação. Hoje Cleber ministra a disciplina de Cinema, introduzida por Arlindo no curso. “Os alunos às vezes tinham problemas com Arlindo, principalmente pela manhã, quando ele estava mal-humorado. Ele nos chamava de um bando de alienados, cabeças de camarão, dizia que não sabíamos de nada. Vivíamos um período de abertura política nos anos 1980 e éramos jovens muito questionadores, enquanto Arlindo vinha de um período de ditadura”.

Mas a maior lembrança que Cleber guarda de Arlindo não é essa. “Ele nos apresentou um videoarte de Allen Ginsberg, poeta da geração Beatnik, formada pela juventude anti-conformista nos anos 1960. No vídeo, Allen tocava sininhos e cantava mantras. Ao mesmo tempo em que achamos estranho, gostamos muito. Era diferente, vivo, com cores muito saturadas, manipuladas. Aquilo me trouxe uma nova experiência estética, foi meu primeiro contato com a arte do vídeo”.

Como lembra a professora Daniela Zanetti, 37 anos, “Arlindo era nosso professor mais despojado. Ele vinha pra aula de bicicleta, usando bermuda, camiseta e tênis. Era muito calado, mas nosso único contato com o cinema clássico. Naquela época, sem internet, não tínhamos acesso a filmes como hoje”. Erly Vieira Júnior, 34 anos, não conviveu muito com Arlindo, mas foi monitor do laboratório de vídeo entre 1996 e 1997, quando Arlindo era coordenador. “Ele não era tolerante, era muito irônico. Não tinha paciência com quem falava bobagens, mas foi generoso comigo”, conta sorrindo.

Sucessos e circunstânciasCom sua flauta transversa, Arlindo foi integrante

de bandas como Mistura Fina e Os Mamíferos - que misturavam gêneros como Bossa Nova, Jazz e Rock’n Roll - ao lado de músicos como Afonso Abreu, Mário Ruy, Marcos Ribiro de Morais e Marco Antônio Grijó. “Fui amigo do Arlindo desde os anos 1950, quando ele veio pra Vitória. Ele era fora do comum, teve uma trajetória meteórica”, conta o músico Marco Antônio Grijó, 65 anos. Eles faziam parte de uma juventude oprimida, que se manifestava através da música. “Tocamos até os anos 1980, antes de Arlindo ir para os Estados Unidos”.

O professor de Música da Ufes, Marcos Ribeiro de Morais, 59 anos, foi amigo de longa data de Arlindo. “Éramos roqueiros, amigos e interlocutores. Arlindo não ligava para estereótipos, mas tampouco fazia disso um gênero”. Marcos conta que ele e sua mulher chegaram a dividir um apartamento com Arlindo e Gerusa Comtti - esposa de Arlindo na época - em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. “Um dia apareceu lá um cara bem alto, vestindo calça jeans rota e afinada na canela, recém-chegado da Áustria. Muita gente chegava ao nosso apartamento procurando Arlindo. Dessa vez era um designer que procurava se estabelecer no Brasil. Em uma mesa torta

ele colocou seu portfólio. Tinha trabalhos fantásticos. Arlindo o apresentou à Globo. Era o Hans Donner”. Ao perguntarmos se foi realmente Arlindo quem colocou Hans Donner na emissora, Marcos responde que sim: “tudo aconteceu na minha frente”.

Escapando do racionalArlindo Castro, como todos nós, apresentava

qualidades e defeitos. “Tinha crises de mau-humor”, lembra Tânia Mara Ferreira, 58 anos, professora aposentada da Ufes e uma das amigas mais presentes nos seus últimos dias de vida. “Seria redundante repetir as qualidades de Arlindo, mas de fato ele era apaixonado por tudo que fazia, muito culto, competente, criativo e bom músico”.

Em 2 de agosto de 1997 Arlindo morreu, aos 49 anos. Tânia acompanhou de perto seus últimos meses de vida. “Ele morreu por um problema cardíaco congênito. Vários homens de sua família, inclusive o pai, morreram cedo de infarto fulminante. Ele ficou muito tempo internado em um quarto com quatro leitos no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), pois não tinha plano de saúde”.

Durante sua internação, Tânia e Ismael foram uns dos últimos a visitá-lo. “Tânia levou uma colcha fina que serviu de cortina para ele no hospital. Depois que ele morreu, ela me deu aquela colcha, que eu guardo até hoje como recordação”, lembra Ismael. Atualmente, o Canal Universitário da Ufes leva o nome de Arlindo.

Arlindo Castro teve quatro filhos: Juliana, 38 anos; Aline, 37 anos; Adriano, 33 anos e Emanuel Junqueira, fruto de um relacionamento anterior ao seu casamento com Gerusa Comtti. Para Juliana, entre as melhores recordações que guarda de seu pai estão os lanches que a família costumava fazer à meia-noite, quando se reuniam para conversar e contar histórias. “Meu pai sempre nos incentivou a estudar, ler e ir ao cinema. Ele tinha muitos livros, os quais foram doados para bibliotecas após seu falecimento”, conta Juliana.

7

Page 8: No Entanto #56

Os últimos períodos da graduação são marcados pela correria do trabalho

de conclusão de curso, o famoso TCC. Nesse momento, poucos graduandos pensam em elaborar um projeto para sair do papel. Alex Andrade, 33, Katler Dettmann, 25, e Ramon Zagoto, 23, recém-formados em Comunicação Social-Jornalismo pela Ufes, fizeram como TCC um programa de TV e mostraram como é a vida de quem vive na periferia. O trabalho rendeu frutos.

A ideia partiu de Katler. Ao cursar a disciplina de Teorias e Práticas em Telejornalismo, ela elaborou um programa piloto para a TV Ufes – Canal Universitário. “Preferi fazer um projeto pensando em algo que não fosse fechado para TV Ufes. Escolhi o tema juventude e cultura na periferia”. Katler desenhou o projeto, que ficou “engavetado”. Um semestre depois, pensando no TCC, convidou Alex e Ramon para fazer o programa.

“Nós já tínhamos experiência profissional com o tema juventude e periferia. Eu e Ramon estagiamos no Centro Regional da Juventude (CRJ) e Alex no Conexão Saberes, projeto

de extensão da Ufes”, recorda Katler. Alex e Ramon também já tinham contato com audiovisual.

Foco escolhido, equipe composta, chegou o momento de planejar. “O desafio era conseguir atingir o público-alvo: a juventude da periferia. A linguagem e o conteúdo foram adaptados para esses espectadores. Pensamos um projeto em que o jovem pudesse falar e colocar sua identidade na TV. Produção da periferia para a periferia”, explica Ramon. De acordo com Katler, outra preocupação foi com o visual estético do programa. Para isso, contaram com a orientação do professor do departamento de Comunicação, Cléber Carminati.

Após quase quatro meses de pesquisa, o grupo optou por um programa de meia hora, dividido em três quadros, cujo objetivo seria mostrar o “Lado Morro” – nome dado ao projeto. O primeiro quadro abordaria profissionais da periferia que vivem de cultura; o segundo mostraria a rotina de um jovem da periferia e o terceiro trataria da realização de oficinas de audiovisual para jovens, através das quais seria feita uma produção ficcional.

O professor Carminati destaca que apesar dos quadros do programa terem autonomia, o resultado transmite uma dimensão de unidade. Segundo ele, os produtores “foram além do que o departamento podia disponibilizar, através do apoio de outros e das articulações com os contatos que já tinham”. Carminati também destaca o fato do apresentador do programa ser um jovem participante do coletivo Olho da Rua. “Eles usaram uma opção estética contemporânea. Foi um trabalho enorme, porque a edição requer horas de trabalho. Vemos um apuro de imagem e o uso, às vezes, de duas câmeras, sendo uma em contraponto à câmera principal”, conta orgulhoso.

O Lado MorroNo primeiro quadro do “Lado

Morro”, Alex, Katler e Ramon registraram pessoas que sobrevivem de música. O trio foi a bailes funks em Vitória, Vila Velha e Guarapari. Para o professor Carminati, “muitos DJ’s começaram em bailes de periferia ou em casa, sem muita informação profissional. A ideia era mostrar isso”. Ele salienta a questão

lá do morro para o mundo

Projeto de conclusão de curso de alunos de Comunicação Social aborda arte e

cultura na periferia. O programa de TV “Lado Morro” está conquistando o mundo

por Inglydy Rodrigues

Rhayan Lemes

Page 9: No Entanto #56

Fotos: Katler Dettmann

do quadro ser uma reportagem que foge ao padrão do que é produzido nos telejornais. “São várias opiniões, várias perguntas. A tônica do programa foi escapar da falta de tempo que a televisão comercial impõe”.

No segundo bloco, fizeram uma espécie de reality show: a rotina de um jovem através das câmeras. Carminati diz que “a ideia surgiu para dar destaque a esse jovem que tem talento e pode ocupar um papel relevante dentro da comunidade”. Os alunos conheceram um MC envolvido com teatro. “Filmamos um morador do Morro do Jaburu, o MC Abelhão, que também é ator e articulador cultural na região”, conta Ramon. Algo que chamou a atenção da equipe foi quando desembarcaram no mirante Jaburu com câmeras e equipamentos nos braços e ouviram uma criança perguntar a sua mãe se eram armas. “Ela sabia o que era uma arma, mas não uma câmera de vídeo”, lembra Ramon.

O terceiro e último bloco contou com a parceria do Centro de Comunicação e Cultura Popular Olho da Rua - coletivo que trabalha com comunicação alternativa - e desejava trazer um pouco de ficção ao programa. O Olho da Rua selecionou jovens para participar da Oficina de Audiovisual, a partir da qual foi produzido o curta “A janela”.

As gravações começaram em dezembro de 2010. Cada um desempenhava uma função. Katler cuidava da produção jornalística,

Alex era o responsável pela estética e produção de imagens e Ramon se dedicava às filmagens e edição. Em junho de 2011, o trabalho foi apresentado. O que antes era expectativa, se transformou em realização, com a nota 10 dada pelos professores da banca. “Nós fizemos muitas críticas às produções existentes e nos questionávamos para não produzir algo estereotipado. Acho que conseguimos fugir disso”, pontua Katler.

Audiência e sucesso Concluído o TCC, os produtores

do “Lado Morro” decidiram expandir o projeto. Inscreveram o programa no Rede Cultura Jovem – projeto da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo (Secult) e do Instituto Sincades que subsidia projetos culturais aprovados em concurso – na categoria de WebTV. Para concorrer, os produtores reinventaram o “Na Cola”, um dos quadros do “Lado Morro”, que foi adaptado para um programa de três partes, em que cada uma conta uma história em 12 minutos.

O “Na Cola” foi aprovado. A equipe teve seis meses para produzir três programas com o custo de R$ 5 mil que receberam do Rede Cultura Jovem. O programa ganhou uma nova identidade visual e novos membros na equipe de produção. Dez integrantes, entre eles estudantes e recém-formados se dividem nas tarefas de ilustração, produção jornalística, designer, filmagem e edição.

Os dois primeiros episódios já podem ser conferidos na internet, no canal criado pelo grupo. O terceiro está em fase de edição. Quando todos estiverem concluídos, a equipe pretende gravá-los em DVDs para distribuí-los. Ramon e Katler apresentaram o programa na II Rodada de Negócios Audiovisual, espaço na VII Mostra Produção Independente da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragens do Espírito Santo (ABD Capixaba).

O “Lado Morro” também foi selecionado para o Festival Internacional de Televisão 2011 (FITV), que aconteceu no Rio de Janeiro no dia 18 de novembro. O festival tem o objetivo de apresentar produtos audiovisuais brasileiros e internacionais. Na opinião do professor Carminati, a indicação ao festival foi merecida. “Acho que carecemos de propostas como essa para a televisão brasileira. Vemos muitos vídeos sobre o assunto, inclusive no cinema. Pensar que a televisão pode ser ocupada por esse tipo de produção é alentador. É possível ter vida inteligente na televisão, só é preciso rever o manequim”.

CONFIRAPara assistir o programa piloto

“Lado Morro” e os primeiros episódios do “Na Cola”, acesse www.vimeo.com/nacola.

Page 10: No Entanto #56

entre o lucro e a integraçãopor Eduardo Dias Henrique Montovanelli

Inicialmente com o intuito de integrar alunos do curso, as calouradas estão ganhando cada

vez mais o patamar de grandes eventos

Teoricamente, as calouradas tem como objetivo principal ser um evento de boas-vindas aos novos alunos e fazer com que fiquem à vontade,

conhecendo um pouco do que lhes esperam. Mas, há casos em que, além dessa intenção, elas apresentam outro foco: o lucro financeiro. Essa visão mercadológica tem criado divergências em alguns cursos.

As calouradas de Arquitetura e Urbanismo e de Desenho Industrial são exemplos daquelas “feitas para calouro”. São festas organizadas apenas com o dinheiro arrecadado no trote, sem a pretensão de gerar lucros, voltadas a um público com cerca de 300 pessoas, a maioria alunos e ex-alunos. A primeira é tradicionalmente feita no prédio Cemuni III, onde as aulas do curso são ministradas. “Queremos uma festa que nos faça sentir em casa”, afirma Luiz Paulo Comércio, um dos organizadores. Já a de Desenho Industrial, organizada pela turma do 2º período, é realizada no Sindicato dos Trabalhadores da Ufes (Sintufes). Gustavo Binda, do 8º período, destaca que, apesar de alguns terem cogitado mudança no formato do evento, é quase consenso entre

os alunos que o modelo utilizado é o ideal.A famosa calourada da Engenharia, que chegou à

39ª edição, é diferente dessas. Sendo unificada - com os seis cursos de engenharia da universidade - o lucro é destinado ao diretório de todas as engenharias da Ufes, o Diretório Acadêmico Dido Fontes (Dadf), o mais rico e estruturado da universidade. Para participar do evento, que é considerado a maior festa de bebida alcóolica liberada do Estado, os calouros possuem duas opções: pagar uma taxa que varia entre R$ 50 e R$ 80 ou comprar o ingresso. Entretanto, os que pagam essa taxa possuem direito a descontos que os veteranos passam a ter a partir do segundo período. Sobre o porte do evento, o aluno de Engenharia Elétrica e membro do Dadf, João Pedro Palassi afirma: “a 37ª, com 5 mil presentes no Álvares, tomou proporção de megaevento. Por isso, a penúltima não foi tão divulgada e foi para 2 mil pessoas no Anchietinha. Não queremos perder o foco daquela coisa de calourada”.

A Comunicação Social está se aproximando dessa forma e passa por um momento conturbado

CalouradasÚltima edição do Churrascom, que aconteceu no dia 29 de outubroFoto: Henrique Montovanelli

Page 11: No Entanto #56

11

no que se refere aos moldes e objetivos. Segundo João Knop, calouro em 2004, a calourada, conhecida como Churrascom, teve um início parecido com as organizadas pelo curso de Desenho Industrial. Era feita nas dependências da universidade, sendo um evento pequeno voltado aos alunos. Por isso, suas primeiras edições contaram com um público de 60 pessoas.

Durante vários períodos, o Churrascom foi organizado pelo Centro Acadêmico (CA), mas em 2006, o evento passou a ser responsabilidade do 2º período, molde adotado até hoje. Em 2008, foi realizado fora da Ufes pela primeira vez. Transferido para o Clube dos Cabos e Soldados de Jardim Camburi, o Churrascom começou a tomar grandes proporções. Alguns acreditam que com isso ele passou a não ter mais o caráter de integração, mas sim de uma festa comum. “O CA poderia dialogar ou orientar sobre como o Churrascom deve ser feito, talvez até criar algumas regras para não deixar a coisa fugir do controle das turmas que organizam”, afirma Honório Filho, do 6º período de Jornalismo.

Já Knop acredita que a integração nunca foi marca registrada do evento. Para ele, ela ocorre de fato durante as participações nos projetos de extensão, nas bolsas de estudo e nas optativas. Além disso, afirma que a organização serve como um aprendizado para os alunos que pretendem seguir o ramo de eventos. “A partir do momento em que o curso não proporciona meios para que os alunos possam estudar matérias que tenham como foco a gestão e a produção de eventos, o Churrascom se transforma em uma ótima oportunidade”.

Outro entusiasta do novo formado é o estudante do 5º período de Jornalismo, Matheus Cordeiro, um dos organizadores da edição de 2010/1. Para ele, a comercialização do evento tem a ver com infraestrutura da universidade. “O evento cresceu e a Ufes não tem

um espaço adequado para festas de maior porte. Somos obrigados a realizar a calourada em outras dependências e pagar o aluguel, isso implica em um aumento nos custos e, consequentemente, ocorre inevitável cobrança nos ingressos”, afirmou.

Visando alcançar a um público de aproximadamente 2.200 pessoas, a última edição do Churrascom foi realizada no dia 29 de setembro, no Clube Anchietinha, em Jucutuquara. Segundo Lívia Miranda, uma das organizadoras, foram investidos cerca de R$ 30 mil. Tendo como base esse custo, alguns calouros pagaram R$ 140 referente ao trote e o preço do ingresso comum passou para R$ 25. Há três edições, o calouro contribuía com R$90 para poder participar da festa e o ingresso era vendido a R$ 20. Entretanto, cerca de 1.200 pessoas estiveram presentes. A organização não quis comentar o saldo financeiro do evento.

Outro fato que fomenta a discussão dentro do curso está relacionado ao destino final do lucro. Geralmente, ele é revertido para a realização da formatura, mas atualmente algumas turmas têm optado por dividir a quantia entre os organizadores. Quanto a isso, Frederico de Souza, do 8º período de Jornalismo, afirma que, em edições anteriores, o curso era convidado a discutir a aplicação do dinheiro e os custos da festa. Para Knop a questão é simples: “a turma que organiza deve fazer com o dinheiro o que quiser”.

O despreparo e a grande pressão por serem obrigados a realizar um evento de grandes proporções culminaram em desavenças entre os organizadores dessa última edição. Não se sabe até quando apenas uma turma de alunos, quase sempre sem experiência, dará conta de organizar essa calourada que a cada edição toma proporções maiores. Com todas essas questões, uma coisa é certa para a maioria: o modo de produção do evento deve ser repensado.

Muitas calouradas da Grande Vitória tradicionalmente possuem o porte de grandes eventos. Nelas, a intenção mercadológica é

evidente e assumida. Algumas contam ainda com agências especializadas em eventos.Esse é o caso da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). A última calourada ocorreu no Ilha Shows, no dia 28 de

outubro, com show do Jota Quest. Nesta edição, veteranos e calouros não tiveram direito a desconto nos ingressos e nas bebidas. Desta vez, o lucro para os alunos foi com a venda dos ingressos. Cada turma recebeu uma quantidade de ingressos e ficou com R$ 5 de cada entrada vendida, que será destinado à formatura. Já a faculdade, em todas as edições, não recebe parte do lucro e nem para ter seu nome usado, mas a marca é propagada e reforçada.

“A Hi Eventos promove todas as grandes festas da FDV, por isso os alunos não precisam enfrentar sozinhos todos os problemas, que são inúmeros, para que se possa realizar eventos, como a Calourada e a Festa Junina”, afirma Layla Monteiro, presidente do Centro Acadêmico Milton Murad (CAMM), encontrando lados positivos nessa relação. Para a escolha de algumas questões, como atrações musicais, por exemplo, até certo ponto, o CAMM pode intervir.

Já a Emescam, para realizar suas calouradas unificadas e as “ressacas da calourada”, conta apenas com seus diretórios de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina e Serviço Social. Com isso, o lucro é dividido igualitariamente entre as instituições que realizaram e as que apoiaram na organização. Em todas, os alunos não possuem descontos nos ingressos.

Fora da Ufes

11

Page 12: No Entanto #56

Rigoberto Soares e Leonardo Savergnini podem se dizer realizados por viver uma vida que muitos desejavam. Desde cedo,

acostumaram-se ao ambiente das concentrações de times grandes, ao reconhecimento nas cidades em que jogavam, à atenção de amigos e mulheres e tudo o mais que a fama de jogador de futebol puder oferecer.

Hoje, ambos com 32 anos, decidiram parar de jogar. Não que eles já não consigam competir entre os outros jogadores do estado, pois ainda disputam o dinheiro vindo dos campeonatos no interior. O motivo para terem parado vem da necessidade de construir algo mais duradouro, encontrar uma atividade que possa lhes sustentar ao longo da vida. “No Estado é comum os jogadores fazerem contratos de três meses, apenas até o final do campeonato, mas e depois? É preciso construir alguma coisa, não dá para continuar jogando só para dizer que é jogador”, explica Leonardo. Porém, eles já não são tão jovens para chamar atenção das empresas e nem têm experiência em outra área que não seja o futebol. Logo, encontram dificuldades para se reestabelecer financeiramente.

A indisciplinaCom talento inquestionável, Rigoberto começou a

jogar aos 9 anos e já foi levado por um olheiro para o Vasco da Gama, no Rio de Janeiro. Aos 11, teve seu passe comprado por ninguém menos que Juan Figger, famoso empresário uruguaio que agenciou atletas

como Maradona, Sócrates, Casagrande e atualmente cuida das carreiras de Robinho, Diego Lugano, Júlio Batista e Hulk. Com 16 anos, Rigoberto esteve na seleção brasileira sub-17 e poderia ter começado ali a deixar sua marca para a história do futebol brasileiro. Porém, devido a problemas disciplinares, rodou por clubes como São Paulo, Atlético Paranaense e Paulista de Jundiaí, sem conseguir se estabelecer em nenhum deles.

Juan Figger, que até então o tratava como filho, perdeu a confiança no jovem, não voltando a procurá-lo. “Comecei a sair muito para as baladas e com isso meu futebol foi caindo. Daí para frente, só piorou”. De volta ao Espírito Santo, viveu um ano de ostracismo até ser chamado para jogar futebol no Rio Branco, convidado pelo ex-atleta e vice-prefeito de Cariacica, Juninho Luzia. Em sua temporada de reestreia, Rigoberto foi a revelação do campeonato, repetindo a dose no ano seguinte.

Em 2002 foi chamado por Oliveira Júnior, um dos mais lendários presidentes do Ituano (clube de Itu, no interior de São Paulo), a participar do Campeonato Paulista. Naquele ano o Ituano foi campeão do interior, disputando a final do torneio contra o São Paulo e eliminando na fase anterior o Corinthians, vice-campeão brasileiro daquele ano. Apesar da boa fase do time, mais uma vez Rigoberto foi afastado por problemas disciplinares e voltou ao Estado, de onde não saiu mais.

Leonardo, seu amigo de infância, despontou para o futebol aos 9 anos e chegou no Vasco aos 15, passando pelas categorias de base do Fluminense, Rio Branco e XV de Piracicaba. Devido a uma lesão no braço, ocorrida durante um jogo com amigos, foi mandado embora do

por Leone Oliveira Rafael Freitas

Sonho de muitas crianças brasileiras, o futebol sempre figurou como uma das profissões mais desejadas no imaginário

popular, porém nem tudo é glamour na vida de um jogador

Profissão com prazo

de validade

Ilust

raçã

o: Je

ss M

elo

Page 13: No Entanto #56

clube. Um ano mais tarde foi contratado pela Desportiva Ferroviária. Ganhou espaço após disputar pelo clube a famosa Taça São Paulo de Futebol Júnior, conhecida como o “Vestibular do Futebol”.

No ano seguinte, assinou contrato com o rival: voltou para o Rio Branco, onde subiu para o profissional. Junto com Rigoberto, os dois formavam o meio-campo do time e diversas vezes levaram ao delírio o torcedor capa preta, como são reconhecidos os rio-branquenses, no estádio Kléber Andrade. Mas também juntos aproveitavam a noite capixaba - o que lhes rendeu atrasos em treinos, uma imagem negativa e algumas inimizades no futebol.

Mesmo sendo dois dos principais jogadores do time, Rigoberto e Leonardo acabaram afastados do Rio Branco. Rigoberto ainda jogou pelo Vilavelhense, Serra, Jaguaré e Grêmio Esportivo Laranjeiras (GEL). Leonardo foi para o Rio de Janeiro para jogar no Friburguense, onde chamou atenção de um empresário português, que o levou para a Europa.

Nova chanceNo velho continente, Leonardo ficou mais

responsável e decidiu que ali iria fazer seu pé de meia. Como chegou depois de encerrar o prazo para inscrições de jogadores na janela européia, ele foi inscrito em um time da terceira divisão espanhola - o modesto Union Olimpica - enquanto aguardava o período de reabertura do mercado.

Em pouco tempo se destacou na equipe, formada

sobretudo por estrangeiros que também buscavam algo mais na Europa. Mesmo ganhando bem e chamando a atenção de outros clubes, Leonardo sentia a falta da família e dos amigos. O agravamento do estado de saúde de sua mãe, que luta contra o câncer, fez com que ele decidisse voltar ao Brasil. Contra a vontade do empresário, deixou tudo para trás na Espanha, inclusive um contrato vigente, e voltou para o Estado em 2008. Durante algum tempo esperou o contato de outros clubes do país, mas não houve nenhum que achasse válido, decidindo parar com apenas 28 anos.

Essa decisão Rigoberto adiou até o fim do Capixabão deste ano. O jogador encerrou a carreira no GEL após o time fracassar na tentativa de subir para a primeira divisão capixaba. Pensando no seu filho Kauan, de 9 anos, Rigoberto decidiu estruturar a família e encontrar outra profissão. No início da Copa Espírito Santo chegou a ser convidado para jogar na Desportiva Ferroviária, mas rejeitou prontamente a proposta.

Atualmente Leonardo exerce a função de motorista e Rigoberto está desempregado. A dupla, entretanto, ainda não largou por completo o futebol. De tempos em tempos são chamados para jogar os cada vez mais prósperos campeonatos do interior. O dinheiro que recebem a cada jogo ajuda não só a matar a saudade de suas carreiras, como também na complementação da renda. Além disso, todos os sábados entram em campo vestindo a camisa da já tradicional Associação Atlética do Parque Infantil, time de peladeiros que desafia outras equipes em todo o estado.

Não apenas os jogadores capixabas enfrentam problemas após o fim da carreira. Müller, ex-jogador do São Paulo, Corinthians, Palmeiras e da

seleção brasileira em três Copas do Mundo, chegou ao ponto de não ter onde morar, sendo acolhido por um amigo. “Quando você é jovem, gasta muito di-nheiro desnecessariamente”, lamenta.

Outro caso é o de Walter Casagrande, ex-centroavante do Corinthians, que entrou no caminho das drogas e esteve entre a vida e a morte. O ex-jogador foi hospitalizado em 2009 e internado em uma clínica de reabilitação. Hoje exerce a função de comentarista esportivo.

Mas nem todos conseguiram se reerguer. Garrincha, o “gênio das pernas tortas”, era alcoólatra e chegou a tentar suicídio. Envolveu-se em acidentes au-tomobilísticos e foi internado diversas vezes, conforme relata Ruy Castro, autor de sua biografia. Garrincha morreu em 1983, por alcoolismo.

Hoje, Jóbson e Adriano são exemplos de jogadores com problemas disci-plinares causados por vícios. De origem humilde, ambos tiveram a vida trans-formada pelo futebol. Em 2009, Jóbson foi um dos destaques do Botafogo no campeonato brasileiro daquele ano, ajudando a salvar o time do rebaixamento à série B. Mas na reta final da competição seu exame de antidoping apontou o uso de cocaína. No julgamento, o atleta admitiu o uso de crack, sendo suspenso por dois anos. Recorreu e a pena caiu para seis meses.

Adriano saiu da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, para o Flamengo. Logo se destacou e despertou a atenção da poderosa Internazionale de Milão, onde ganhou o apelido de “Imperador”. Mas o falecimento de seu pai, em meados de 2006, foi um divisor de águas na carreira do atleta. O jogador começou a ter problemas relacionados ao alcoolismo e seu rendimento decrescente na equipe milanesa culminou na decepcionante campanha da seleção brasileira na Copa do Mundo daquele ano. Passou pelo São Paulo, Flamengo e Roma (ITA) antes de acertar sua transferência para o Corinthians, onde tenta mais um recomeço.

Léo

Rigoberto

Coqui

Fotos: Leone Oliveira

Page 14: No Entanto #56

Associação de apoio

Se você gosta de futebol, deve saber que Piazza e Pelé contribuíram muito para o futebol brasileiro na con-quista do tri em 1970. O que você talvez não saiba é que os dois foram os responsáveis por garantir o sistema

de assistência social a que os atletas têm direito hoje.Em 1974, o então capitão da seleção brasileira Wilson Piazza presidiu uma comissão para reivindicar os direitos

dos atletas. Mas só no final de 1975 o Governo instituiu o Fundo de Assistência ao Atleta Profissional, criando or-ganizações públicas sem fins lucrativos, denominadas Associação de Garantia ao Atleta Profissional (Agap), a serem distribuídas nos principais Estados do Brasil. Com a implantação do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Des-porto (Fundesp), em 1993, as Agaps tiveram seus recursos ampliados, com 1% do valor de todas as transferências e contratos, além de todo o dinheiro arrecadado com punições.

Pelé só entra nesta história em 1998. Na época em que ocupava o cargo de ministro extraordinário dos esportes sugeriu a criação da Federação das Associações de Atletas Profissionais (Faap), passando para os atletas o poder de administrar todo esse fundo e distribuí-lo para as Agaps. Eleito em 1995, Wilson Piazza é o presidente da Faap.

No Espírito Santo quem pre-side a Agap é João Hilton, mais conhecido como Coqui, que jogou durante a década de 1990 no Cruzeiro, Democrata-MG e São Mateus. Parou de jogar aos 29 anos e, graças à contribuição da Agap, se formou em Educa-ção Física e conseguiu se esta-belecer após o fim da carreira de jogador.

A instituição oferece aos jogadores bolsas de estudo que variam de 50 à 100% para cur-sos superiores, técnicos, profis-sionalizantes ou preparatórios. Também disponibilizam ao ao atleta e sua família plano de saúde, assistência odontológi-ca, assistência funerária e, mais recentemente, um auxílio para finalizar o pagamento dos 15 anos de tributos à previdên-cia social, necessários para se aposentar. Flávio de Oliveira, 27 anos, atacante da Desportiva Ferroviária, é associado e vem fazendo o tratamento de uma lesão na Agap. “Se eu fosse pagar a fisioterapia, gastaria cerca de R$50 por sessão”.

Sindicato

Há um fio de esperança para os atletas capixa-

bas. Após um ano de discussões sobre como irá atuar, o Sindi-cato dos Atletas Profissionais do Espírito Santo já está pronto para começar a funcionar. “Com o sindicato, teremos amparo le-gal para cobrar mais da Federa-ção Capixaba, podendo parar o campeonato ou entrar em greve”, declara Coqui, nomeado secretário geral do sindicato e quem está cuidando da parte burocrática. Diferente da Agap, que arrecada fundos sobre os contratos entre clubes, o sindicato terá seus recursos descontados nos salários dos atletas.

A formação de um sindicato vem de uma demanda da fase ruim do futebol capixaba. Desde meados dos anos 2000, quando os clubes não conseguiam chegar às fases finais das divisões nacionais, a receita tornou-se escassa e o atraso nos salários dos funcionários mais frequente. Outra característica condenada pelo sindicato é a duração dos contratos que, em geral, são de apenas quatro meses.“Não queremos quebrar os clubes, mas temos que cobrar mais responsabilidade, mais compromisso”, afirma Coqui.

Ilustração: Jess Melo

Page 15: No Entanto #56

A falta de preparo e de concordância entre instrutores e examinadores é visível, mas o nervosismo ainda é a principal causa de reprovações

por Daniely Borges Izabelly Possatto

Inaptos na direção?

Nos primeiros seis meses de 2011 um total de 8947 pessoas fizeram a prova do Detran em Vitória. Desses, cerca de 3440 foram

reprovados. Um número expressivo de pessoas que buscam a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) - o que pode ser conferido no tráfego diário da Grande Vitória. Mas será que todos saem das autoescolas preparados para conduzir um veículo?

Para Giovana Gobbi, 32 anos, subgerente de condutores do Detran/ES há oito anos, a resposta é não. A maior parte das autoescolas preocupa-se com o exame e os instrutores se concentram em oferecer dicas para facilitar a aprovação do futuro condutor. As 20 horas/aula que o código exige nem sempre são suficientes. Mas os alunos cumprem esse total e logo solicitam ao Centro de Formação de Condutores (CFC) o agendamento da prova, já que para cada aula extra é cobrado cerca de R$45.

Para a estudante Rebeca Santos, 20 anos, nem sempre mais aulas são a solução. Ela praticou para o exame de direção com lições extras, até sentir-se segura e comprovar seu preparo com o instrutor. Apesar disso, Rebeca ainda não tem carteira. Foram quatro reprovações e, segundo a estudante, por motivos que variam do nervosismo à injustiça dos examinadores.

O Detran informa que manuais com orientações para examinadores e instrutores já estão sendo planejados. Cursos de aperfeiçoamento também serão aplicados, a fim de que o ensino não ocorra de uma forma e a avaliação prática de outra, o que tem sido motivo de muitas reclamações.

Carlos Giuberti, 20 anos, alegou nervosismo em suas tentativas. Ele tentou oito vezes a prova de trânsito e, apesar de preparado, não conseguia “controlar os nervos” na hora da avaliação. De acordo com Giuberti,

a autoescola o preparou para o trânsito cotidiano e os instrutores e examinadores apresentaram-se capacitados. “A primeira coisa que fazem é te acalmar antes do início do percurso”.

A postura de Carlos Giuberti contrasta com a de Rebeca, que descreveu o despreparo de um examinador e a falta de informação de um instrutor. Ela relata que, em sua segunda tentativa, “o fiscal já começou a prova gritando comigo, não me deixou à vontade dentro do carro”. Visivelmente irritado, o fiscal a fez subir por duas vezes a ladeira – o que não é comum – e colocou a mão no volante enquanto ela dirigia. “O fiscal de trás viu isso e não falou nada, não quis desmoralizar o outro”.

Giovana Gobbi explica que dois fiscais servem justamente para maior controle na prova, para conferirem se o aluno realmente cometeu infrações e chegarem juntos a um consenso. Na última tentativa de Rebeca, ela seguiu os conselhos de seu instrutor e parou em todas as faixas de pedestre. “Eu parei na faixa e o fiscal tirou pontos por eu parar sem necessidade no meio da rua”.

A dissonância entre examinadores tem atrapalhado muitos alunos, o que também é o caso de Jéssica Gonçalves Carvalho, 18 anos, que fez a prova três vezes. “Na primeira tentativa eu errei, estava muito nervosa e não consegui terminar a prova. Mas na segunda me senti prejudicada por um dos examinadores. Os dois discutiram ao final do meu teste: um queria me aprovar, o outro não. Infelizmente, prevaleceu o resultado negativo”.

Para Iara Sonia de Carvalho, 50 anos, proprietária da autoescola Santa Rita, o critério de avaliação dos

examinadores varia. “Alguns não cortam ponto do aluno se este não parar em sinal amarelo,

outros cortam. Isso gera ainda mais nervosismo”. Osvaldo Maturano,

presidente do Sindicato das autoescolas do Espírito

Santo, explica que durante as aulas o aluno aprende a se portar na condução de um veículo, mas para tirar a CNH, seu aprendizado tem tanto peso quanto

seu lado emocional.

Ilustrações: Sanzio Rodrigues

Page 16: No Entanto #56

16

Osol já esquentava a areia da praia quando o pequeno aglomerado de ciclistas come-çou a chegar na Praia de Camburi, em frente

ao hotel Aruan. Em menor número, chegavam também caminhantes e praticantes de Stand Up Paddle – mo-dalidade de surf com remo. A causa era ambiental. O interesse, coletivo. E aquele sábado ensolarado poderia atrair mais gente do que o esperado. Ledo engano.

O Moving Planet teve como objetivo a mudança de hábitos, sobretudo os que geram emissões de carbono. Não é à toa que seu principal lema era “Um dia para ir além dos combustíveis fósseis”. O movimento é or-ganizado pela 350.org, uma campanha internacional que tem como missão “inspirar o mundo para que este se erga à altura do desafio da crise climática – criando um novo sentido de urgência e de possibilidade para o nosso planeta”. O evento aconteceu em 175 países e mobilizou cerca de 2 mil ações em todo o mundo.

No Brasil, as principais reivindicações foram de pla-nos de mobilidade urbana sustentável, com menos uso de combustíveis fósseis, o uso de energias limpas e no-vas destinações do lixo. No Rio de Janeiro, a principal reivindicação foi pela realização das primeiras Olimpía-das Carbono Zero, em 2016. Em Vitória, o Moving Pla-net foi encabeçado pela Cooperativa de Trabalho em Tecnologia, Educação e Gestão (Coopttec) e reuniu cer-ca de 200 pessoas.

O Moving Planet foi uma manifestação em prol do meio ambiente que ocorreu, no dia 24 de setembro, em cidades de todo o mundo. Mas em Vitória, o apoio da população não foi expressivo

para mover

O MUNDO

IncentivosO projeto “Quem ama também cuida”, desenvolvi-

do pelo professor de Educação Física Julio Cesar Roxo, dialoga com as propostas do Moving Planet. Julio levou para a caminhada os alunos da Escola Municipal de En-

sino Fundamental Tancredo Neves de Almeida, de São Pedro II. “É importante que aprendam sobre mobilidade urbana e preservação ambiental”.

Com uma ação também pedagógica, estava presen-te um grupo de escoteiros. Silvia Helena Lessa Dias, as-sessora do “Ramo Lobinho” – que inclui crianças de 7 a 10 anos – contou que essa participação é positiva, uma vez que trabalha o desenvolvimento dos jovens escotei-ros de forma lúdica. “A população costuma simpatizar com as causas ambientais, mas não se dá conta de que iniciativas simples, como jogar o lixo no lugar certo, fa-zem uma grande diferença”.

Outro grupo que participou do Moving Planet foi o Trilha Capixaba. O trilheiro Fernando Bungenstab levou seus dois filhos ao passeio. Ele reclama da falta de estí-mulo à população pela preservação e mobilidade urba-na. “Um novo prédio da empresa em que trabalho está sendo construído com toda a infraestrutura necessária para irmos de bicicleta ao trabalho. Entretanto, não houve e nem haverá incentivo para o fazermos, já que a cidade não tem condições adequadas para o ciclismo”.

“A maioria da população não conta com ciclovias en-tre sua casa e seu trabalho”, reclama o artista plástico Filipe Borba. Ele tem a bicicleta como seu principal meio de transporte e chama a atenção a placa que colocou nela com a frase: compartilhe a rua. “Queria incentivar o respeito por um trânsito mais humano. Há leis em prol dos ciclistas que os motoristas desconhecem”.

Os participantes do Moving Planet que percorreram a volta ciclística na capital não utilizaram ciclovias, mas sim o asfalto. A orla de Camburi tem uma ótima ciclovia que, apesar de bem sinalizada, já apresenta sinais de deterioração. A recém-construída ciclovia da avenida Fernando Ferrari, na altura da Ufes, possui boas condi-

por Any Cometti Viviane Machado

Page 17: No Entanto #56

17

Além da caminhada“Eventos que não têm causa ecológica reúnem muito

mais pessoas”, lamenta Wellington Pompermayer, pre-sidente da Coopttec. Segundo Wagner Barbosa, dire-tor administrativo da Coopttec, é necessário fortalecer iniciativas e atingir, sobretudo, as crianças, que podem influenciar as pessoas em seu convívio. “A comunidade precisa levar projetos ao governo, precisamos de subsí-dios a energias renováveis”.

“Acredito mais na sensibilização do que na conscien-tização”, expressa a educadora ambiental e professora universitária Flaviane Conholato. O apelo, segundo ela, é a melhor forma de estímulo à aplicação das já muito boas leis ambientais existentes. “Precisamos dizer que a situação vai, sim, piorar se não mudarmos nosso com-portamento”. A solução, para ela, é simples: reciclar traz resultados, mas reduzir o consumo é fundamental.

O professor do departamento de Oceanografia da Ufes, Luis Fernando Loureiro Fernandes, também acre-

ções de tráfego, mas nenhuma ligação com outras. Nas avenidas Maruípe e Serafim Derenzi, a bicicleta é um meio de transporte muito utilizado pelos moradores, mas ciclovias ainda são raras. A suposta via destinada às “magrelas” na avenida Beira-Mar, nas proximidades da baía de Vitória, não é sinalizada. Na mesma avenida, o espaço entre o Horto Mercado e o clube Álvares Cabral mal tem calçada: algumas são usadas como estaciona-mento, outras formam um verdadeiro cenário de rally com pedras soltas, buracos e rachaduras.

dita que as campanhas devem ser mais agressivas. Segundo a estudante e pesquisadora sócio-econômi-ca-ambiental Kenya Ferreira Lopes, a campanha pro-vocativa, com mudança de hábitos, dá resultados. Um exemplo são as campanhas da sacola plástica, que pre-tendia cobrar do consumidor algo que, até então, era grátis. Antes da medida ser revogada, já havia alterado o hábito de algumas pessoas. Outro exemplo são as la-tinhas de alumínio, que são vendidas para cooperativas de reciclagem. A professora Flaviane e o professor Luiz Fernando concordam que gerar custos e aplicar multas funciona. “As multas atreladas a uma boa educação de base e campanhas de conscientização dariam resulta-dos”, opina a professora.

João Lucas Côrtes, estudante e pesquisador sócio--econômico-ambiental, explica que a partir dos anos 1990 o individualismo estimulou a não-adesão a causas maiores. Ele acredita em uma mobilização maior e mais efetiva a partir do momento em que um acontecimento grave incomodar a sociedade. “Até aí, estaremos bem na nossa zona de conforto. Enquanto isso não aconte-ce, poucos se mobilizam em prol de alguma mudança”.

A pesquisadora Kenya explica que a população põe a responsabilidade de serviços como a coleta seletiva no governo. “Mas o poder público reflete o que somos e fará o que a sociedade se mostrar interessada. Preci-samos ter a cultura de cobrá-lo e de nos movermos em prol de nossas metas. Se a sociedade se mostra respon-sável, o poder público também o será”. Para ela, a gran-de mídia poderia desempenhar o papel fundamental de provocar “a reflexão, o questionamento, a ponderação”. João Lucas concorda: “se os meios de comunicação não participam, não mostram e nem se envolvem, a popula-ção não toma conhecimento”.

O MOVING PLANET EM VITÓRIA

Fotos: Flávio Santos e Thaiana Gomes 17

Page 18: No Entanto #56

Consertam-se

sapatos e pessoasPolêmico sapateiro de Cariacica enfrenta preconceito

de moradores por cuidar de marginalizados

Noite de sábado, o comércio está com as portas prestes a serem fechadas e Pereira, sentado em uma mesa de sua sapataria à frente de vários pares de sapato a serem entregues. Ele trabalha ali há 39 anos. Quem chega ao seu bagunçado escritório mal imagina que aos 66 anos ele é esperança para jovens da

região. Em sua modesta mesinha de madeira - recheada de lembretes autoadesivos, canetas sem tampa e agendas estufadas - as mães de 32 ex-dependentes químicos já choraram, incrédulas quanto ao futuro de seus filhos. Nesta mesma mesa, alguns já o chamaram de “doido”, tentando convencê-lo a não empregar dependentes químicos e não mais alimentar mendigos. Mas Pereira nunca desistiu de nenhum deles. De sapato em sapato, ele reeduca e dá uma oportunidade para quem quer mudar de vida.

Nascido em 1945 no município de Domingos Martins, o pequeno Antônio Pereira se mudou para Nova Venécia aos 4 anos. Desde pequeno, já observava muito e falava pouco. Tímido, temia começar a falar e virar motivo de chacota por ser gago. Seu pai era bastante conhecido na cidade, muito pelo fato de ser sacristão da Paróquia. Talvez inspirado por isso, Pereira decidiu que se tornaria padre aos 14 anos, mesmo contrariado pela família.

Aplicado nos estudos, Pereira chamou a atenção do bispo José Dalvi, que administrava a arquidiocese capixaba na região norte do Estado. Foi ele quem o levou para o Rio de Janeiro, para fazer um tratamento intensivo para curar sua gagueira, que segundo ele melhorou 90% depois disso. Dalvi pretendia o enviar para fazer o noviciado

na Itália, mas Pereira preferiu continuar na região. Em 1970 largou o seminário e tornou-se diretor de um dos colégios da igreja em Água Doce do Norte, ainda pertencente ao município de Barra de São Francisco. Lá Pereira conheceu a primeira de suas quatro esposas, com quem teve suas duas únicas filhas: Jaqueline, hoje com 40 anos, e Jaquelusa, com 30. Também foi lá que passou no vestibular para o curso de Letras na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Colatina.

Após dois anos em Água Doce, a violência começava a se instalar na pacata vila. Pereira sentiu que ali não era mais um bom ambiente para criar suas filhas. Decidiu largar seu cargo e a faculdade para tentar a

vida na Grande Vitória, em Cariacica. Como o salário de professor era baixo e seu futuro acadêmico ainda

Foto: Inglydy Rodrigues

por Rafael Freitas

Page 19: No Entanto #56

19

Cultura

era incerto, já que não havia conseguido se transferir para uma faculdade local, preferiu usar o dinheiro que guardara abrindo sua sapataria – ofício que aprendera no seminário.

Aos poucos, o sapateiro foi prosperando, contratando novos empregados, expandindo sua oficina e ganhando a simpatia dos moradores da região de Vila Capixaba, em Cariacica, que na época ainda não tinha energia elétrica. Depois, mudou para a próspera Campo Grande, que começava a criar um grande ponto de comércio às margens da BR-262. Leopoldina Freire o conheceu nessa época, em 1979, aos 13 anos, e se encantou com a sabedoria que ele transmitia enquanto trabalhava. A amizade se manteve até hoje, sendo ela uma das admiradoras das ações de Pereira na vizinhança. “Era uma pessoa muito agradável de conversar. Ainda que com bastante conhecimento, era bastante humilde. Logo ele se tornou conhecido em Campo Grande”, lembra Leopoldina, hoje aos 45 anos.

Foi em 1986 que Pereira empregou o primeiro de 32 outros moradores de rua em sua oficina: Antônio da Costa, conhecido como Moreno, seu funcionário até hoje. Ex-dependente químico, Moreno foi encontrado com fome na rua, quando ainda tinha 16 anos. “Por quatro anos relutei em sair da rua. Ia e voltava constantemente. Um dia percebi tudo que Pereira fez por mim e que dali em diante não voltaria a consumir álcool ou drogas”, conta Moreno, hoje casado e com filhos, morando no Morro do Romão, em Vitória.

A partir dessa experiência, o sapateiro passou a fazer parte da vida dos moradores de rua da região. Seja oferecendo emprego, tratamento, distribuindo comida ou defendendo as assistências que eles têm direito. O caso mais conhecido aconteceu há pouco tempo, em 2009. “Um dos moradores de rua morreu de tuberculose. Eu o conhecia bem, pois durante a distribuição das refeições que fazíamos ele era um dos mais comunicativos. Decidimos fazer o velório dele em plena Pracinha de Campo Grande, em um dia de semana, como protesto do descaso público”, relata. O acontecido ganhou bastante destaque na imprensa e gerou ainda mais repúdio aos mendigos por parte dos comerciantes da região.

Já inúmeras vezes Pereira recebeu ligações anônimas ou foi xingado por dar atenção aos indesejáveis moradores. “Muita gente se incomoda em ter que desviar deles na calçada ou com o mau cheiro que fica nas praças, ninguém gosta da presença deles. Por aqui chegam desconhecidos de outros lugares, que dormem com os moradores de rua. Esses forasteiros às vezes se enturmam e ficam. Mas outras vezes acabam roubando para se drogar, aí a população culpa todos os outros que nada tem a ver com a história”.

Preocupado, Pereira tenta intermediar as negociações entre os moradores e a polícia. “Já tentamos enviar essas pessoas para abrigos, mas eles sempre voltam,

alegando que lá ficam mais submetidos a drogas e violência. É um problema difícil de resolver”, diz.

Atualmente, o novo desafio de Pereira é dar uma nova vida a Sérgio Dias, ex-dependente do álcool. Mais conhecido como Serginho, o rapaz de 35 anos ganhou a simpatia dos moradores do bairro pelo seu talento com a música. Durante cerca de 10 anos, ele tocou flauta nas missas da Paróquia do Bom Pastor, principal igreja católica de Cariacica. Após as missas noturnas, gostava de passear pelos bares tocando ou cantando para os amigos, recebendo muitas vezes bebidas em troca. Negro, Serginho por algumas vezes foi vítima da violência enquanto esteve alcoolizado, tendo perdido todos os dentes e ficado um bom tempo de cama, no hospital. Durante o mês de outubro, Pereira o enviou para uma clínica de reabilitação em Cachoeiro de Itapemirim. “Conversei com a família dele e preferimos um lugar distante, para ele se focar bem na sua recuperação”, conta. Em seu retorno, Serginho passou a trabalhar na oficina, vigiando a entrada e saída de pessoas, sentado perto da porta. Visivelmente traumatizado ele já não é a mesma pessoa extrovertida de antes, sendo visto sempre quieto e com o pensamento distante, mas Pereira confia na sua reabilitação. “Daqui um ano, ele já vai estar bem e terá vencido esse problema com álcool. Confio no que faço e tenho prazer por isso, sempre tenho bons resultados. Por isso que continuo fazendo isso até hoje”, revela o sapateiro.

19

Page 20: No Entanto #56

É preciso construir alguma coisa, não dá para continuar jogando só para dizer que é jogador

“ “