nº convencional: 6ª secÇÃo processo: 2612/07.2tvlsb.l1.s1 ... · inadequada interpretação e...

25
23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 1/25 Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 2612/07.2TVLSB.L1.S1 Nº Convencional: 6ª SECÇÃO Relator: FONSECA RAMOS Descritores: DIREITO DE PERSONALIDADE TUTELA POST MORTEM BOM NOME HONRA DEPOIMENTO JUDICIAL Data do Acordão: 15-05-2013 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / PERSONALIDADE JUDICIÁRIA / DIREITOS DA PERSONALIDADE - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕS / RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / PROCESSO DE DECLARAÇÃO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA TESTEMUNHAL / RECURSOS. Doutrina: - Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Vol. I, 4ª ed., p.466. - Guilherme Machado de Dray, Direitos de Personalidade – Anotações ao Código Civil e ao Código do Trabalho, Almedina, 2006. - Kant – “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” – [tradução de Paulo Quintela, 1986, p. 77]. - Maria Paula Andrade, Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome, 1996, p. 97. - Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, p.38 e segs.; Direito de Personalidade, Almedina, 2006, pp. 76, 77. - Pires de Lima, Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, 1º Volume, 4ª ed., 1987, p. 105 (anotação 1 ao artigo 71.°). - Rabindranah Capelo de Sousa, O Direito Geral da Personalidade, 1995, pp. 188-198, 303-304. Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 68.º, N.º1, 70.º, N.ºS1 E 2, 71.º, N.º1, 483.º, N.º1, 484.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 456.º, N.º3, 618.º, N.º1, AL. A), 754.º, N.º2. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 185.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 1.º, 26.º, N.º1, 33.º. Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: -DE 4.3.2009, IN WWW.DGSI.PT , PROC. 51/06.1TAMIR.C2. Sumário : I. O art. 70º, nº1, do Código Civil tutela a personalidade como direito absoluto de exclusão, na perspectiva do direito à saúde, à integridade física, ao bem-estar, à liberdade, ao bom nome e à honra, que são os aspectos que individualizam o ser humano, moral e fisicamente e o tornam titular de direitos invioláveis. II – O art. 484º do Código Civil, ao proteger o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, tutela um dos elementos essenciais da dignidade humana – a honra.

Upload: ngokien

Post on 23-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 1/25

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 2612/07.2TVLSB.L1.S1Nº Convencional: 6ª SECÇÃORelator: FONSECA RAMOSDescritores: DIREITO DE PERSONALIDADE

TUTELA POST MORTEMBOM NOMEHONRADEPOIMENTO JUDICIAL

Data do Acordão: 15-05-2013Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1

Meio Processual: REVISTADecisão: NEGADA A REVISTAÁrea Temática:

DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES /PERSONALIDADE JUDICIÁRIA / DIREITOS DA PERSONALIDADE - DIREITO DASOBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕS / RESPONSABILIDADE CIVIL.DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / MULTAS E INDEMNIZAÇÃO /PROCESSO DE DECLARAÇÃO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / INSTRUÇÃO DOPROCESSO / PROVA TESTEMUNHAL / RECURSOS.

Doutrina:- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada,Vol. I, 4ª ed., p.466.- Guilherme Machado de Dray, Direitos de Personalidade – Anotações ao Código Civil e aoCódigo do Trabalho, Almedina, 2006.- Kant – “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” – [tradução de Paulo Quintela,1986, p. 77]. - Maria Paula Andrade, Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome, 1996, p. 97.- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, p.38 e segs.; Direito dePersonalidade, Almedina, 2006, pp. 76, 77.- Pires de Lima, Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, 1º Volume, 4ª ed., 1987, p. 105(anotação 1 ao artigo 71.°).- Rabindranah Capelo de Sousa, O Direito Geral da Personalidade, 1995, pp. 188-198,303-304.

Legislação Nacional:CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 68.º, N.º1, 70.º, N.ºS1 E 2, 71.º, N.º1, 483.º, N.º1, 484.º.CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 456.º, N.º3, 618.º, N.º1, AL. A),754.º, N.º2.CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 185.º.CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 1.º, 26.º, N.º1,33.º.

Jurisprudência Nacional:ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:-DE 4.3.2009, IN WWW.DGSI.PT , PROC. 51/06.1TAMIR.C2.

Sumário :

I. O art. 70º, nº1, do Código Civil tutela a personalidade comodireito absoluto de exclusão, na perspectiva do direito à saúde, àintegridade física, ao bem-estar, à liberdade, ao bom nome e àhonra, que são os aspectos que individualizam o ser humano, morale fisicamente e o tornam titular de direitos invioláveis.

II – O art. 484º do Código Civil, ao proteger o bom-nome dequalquer pessoa, singular ou colectiva, tutela um dos elementosessenciais da dignidade humana – a honra.

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 2/25

III – “Os direitos de personalidade gozam igualmente deprotecção depois da morte do respectivo titular” – art.71º, nº1,do citado Código – o art. 185º do Código Penal tutela a memóriade pessoa falecida.

IV) – Não obstante a redacção daquele preceito do Código Civil,não se pode admitir que a lei ficciona a existência de personalidadepara além da morte, conferindo uma indemnização, em dinheiro,por ofensa de direito de personalidade à pessoa falecida uma vezque, com a morte, cessa a personalidade – art. 68º, nº1, do CódigoCivil.

V) – Da conjugação dos arts. 71º, nº1 e 70º, nº2, do Código Civildecorre que pode ser pedida ao lesante, indemnização por danosnão patrimoniais por ofensa a pessoa falecida, radicando alegitimidade no cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente,ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.

VI) Tendo a Autora, ancorado o pedido de indemnização porofensa ao bom nome e à honra da sua falecida mãe, no facto da Réter violado aquele direito de personalidade, fazendo imputaçõesfalsas e desonrosas, sobre ela cabia o ónus da prova da falsidadedos factos e das afirmações que, por si só, não devam serconsideradas objectivamente lesivas da honra e do bom nome davisada.

VII) Sendo as declarações alegadamente violadoras do direito depersonalidade de pessoa falecida sido proferias em processo judicialde prestação de contas, na sequência de processo de inventário,num contexto de fortes divergências familiares sobre aadministração de bens hereditários pela pessoa entretanto falecida enão tendo o juiz do processo, onde foram proferidas as afirmações,considerado falso o depoimento prestado ao abrigo de um direito,não se pode considerar que a ré depoente estava impedida de fazeralusões a comportamentos não considerados falsos da pessoafalecida.

VIII) – Tendo a Ré exercido um direito ao prestar declarações emjuízo, sob juramento, estando por isso obrigada a responder comverdade e não tendo cometido perjúrio, não pode serresponsabilizada por violação do direito de personalidade emapreço.

Decisão Texto Integral: Proc.2612/07.2TVLSB.L1.S1.

R-411[1]

Revista.

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 3/25

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, intentou em 31.5.2007, nas Varas Cíveis da Comarcade Lisboa, com distribuição à 10ª Vara, acção declarativa decondenação com processo comum na forma ordinária, contra:

BB

Pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €25.000,00.

Para esse efeito, alegou sumariamente, ter sido a Ré, sua prima,ouvida como testemunha em audiência (27.05.2004) num processojudicial em que era uma das suas proponentes e a mãe da Ré, CCsujeito passivo, na qual proferiu afirmações falsas contra acredibilidade, prestígio e confiança devidos à sua mãe, falecida em25.04.1998, e tia materna da Ré, DD, pondo ainda em causa o seupróprio bom nome e reputação, o que lhe causou danos nãopatrimoniais que se devem avaliar no predito montante.

A Ré contestou, em síntese, por impugnação, com o intento dejustificar tais afirmações e o contexto em que as fez, sem querelatasse factos falsos, terminando a pedir a condenação da Autoracomo litigante de má fé, em multa e indemnização.

A Autora respondeu, mantendo a sua tese, pronunciando-se aindasobre os documentos juntos pela Ré e opondo-se à sua condenaçãocomo litigante de má fé.

Com audiência preliminar, foi proferido despacho saneador eelaborados os factos assentes e a base instrutória, que não sofreramreclamações (fls. 205 a 222).

Realizada audiência de julgamento, responderam-se aos artigos dabase instrutória, que igualmente não sofreram reclamação (fls. 385a 387).

***

Proferida sentença (fls. 389 a 410) julgou-se a acçãoimprocedente e, em consequência, absolveu-se a Ré do pedido,condenando-se a Autora como litigante de má fé na multa de2 UCs e em indemnização a fixar, sendo que para este efeito seordenou a notificação das partes para, querendo, sepronunciarem, no prazo de 10 dias.

Em sequência disso Autora e Ré pronunciaram-se, respectivamente

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 4/25

a fls. 425 a 427 e 414/5, a segunda requerendo a fixação domontante de € 2.500,00.

Conforme despacho de fls. 431/2, a Autora, como litigante demá fé, foi condenada a pagar à Ré a quantia de € 1.000,00.

***

Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal da Relaçãode Lisboa, que, por Acórdão de 15.11.2012 – fls. 513 a 540 –julgando improcedente o recurso, manteve na íntegra asentença e o despacho de fls. 431/2, no qual a Apelante foicondenada a pagar à Apelada a quantia de € 1.000,00 deindemnização por litigância de má fé.

***

Inconformada, recorreu a Autora AA, que alegando formulou asseguintes conclusões:

I - A Ré declarou no seu depoimento como testemunha que (cfr.Alínea C) dos Factos Assentes) – “E depois, quando a minha tiamorreu, essa conta que estava lá em A..., na Caixa Geral deDepósitos, não era muita, eu sei que passado... (corte nagravação) de ela morrer a minha prima levantou o dinheiro, querdizer, sem dar cavaco à minha mãe…quer dizer, sem lhe dizernada, quer dizer, ao menos uma questão de consideração, querdizer, nada, e ficou com o dinheiro, ora não é assim, se a contaera para as despesas da casa…para a Quinta e ela levantou odinheiro, que eu sei que não era muito, e ainda por cima ficoucom ele, quer dizer, eu acho que isto não se faz.”.) donde afirmaque a Autora teria procedido ao levantamento do saldo da conta daCGD de A... depois de a Mãe daquela ter falecido, tendo feito suaa quantia em causa.

II - Ficou provado nos autos que a Autora, aqui Recorrente, nãofez qualquer movimento na conta após o óbito de sua mãe, donderesulta à saciedade que é falsa a declaração referida em 1.

III - Entendeu o douto Acórdão recorrido que, não obstante asdeclarações terem sido reputadas como objectivamente ofensivasdo crédito e do bom nome da falecida mãe da Recorrente e desta,o facto de a Recorrida estar a cumprir “um dever processual,radicado por sua vez no dever geral de justiça material”, eracircunstância que afastava a antijuridicidade ou a ilicitude daconduta.

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 5/25

Não se pode acolher tal entendimento, sob pena de se vir aentender, no futuro, podem ser proferidas quaisquer declarações,por mais injuriosas ou falsas que sejam, desde que sejamproferidas no decurso do cumprimento de um dever legal.

IV - Na verdade, era pressuposto de facto da procedência da acçãoque fossem falsas as declarações proferidas pela Recorrida: essafalsidade é patente dos autos.

Era pressuposto de direito da mesma procedência que ficassemdemonstrados os danos e o nexo causal entre as declarações e osdanos. Tal prova foi feita, pelo que a responsabilidade da Recorridaexiste e consequentemente impunha-se a procedência da acção.

V - Não se pode aceitar que a absolvição da Ré, aqui Recorrida,assente num contexto de alegada falta de prestação de contas porparte da anterior cabeça de casal, quando esta acção não é sequer omeio próprio para tal discussão, estando pendente acção especialde prestação de contas na qual se discute precisamente a mesmaquestão e na qual a decisão sobre a matéria de facto entretantoproferida é de resto oposta a esta.

VI - Não impendia sobre a Recorrente o ónus de demonstrar afalsidade das declarações, e não pode aceitar-se tal solução jurídicapor ofender as regras em matéria de ónus da prova em caso deresponsabilidade civil. Todavia, tal prova consta dos autos, sendofalsas pelo menos parte das declarações da Ré.

Não existe assim causa justificadora para afastar a ilicitude daconduta da Recorrida.

VII - As declarações foram proferidas durante a prestação dedepoimento testemunha, não o foram no meio da rua, num bar ounuma reunião social: o momento era solene e a Recorrente nãoestava sequer presente. Consequentemente, não podem serentendidas como meramente “provocadoras, acintosas oumalévolas”, são muito mais do que isso, e são-no objectivamenteconsideradas, não apenas subjectivamente.

VIII - Consequentemente, o douto Acórdão recorrido violou, porinadequada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 342°, n°1 e 487°, ambos do Código Civil.

IX - Estão provados os prejuízos sofridos pela Recorrente, estandoportanto preenchidos todos os pressupostos da responsabilidadecivil e existe a obrigação de indemnizar por parte da Ré.

X - Estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil,cabia ao aliás douto Acórdão recorrido concluir pela procedência daacção, condenando a Ré no pedido.

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 6/25

Não o tendo feito, o aliás douto Acórdão recorrido, errou porinadequada interpretação e aplicação do direito aos factos, violandoo disposto nos arts. 70.°, 71º, 342°, 487°, 483.° e 484.º, todos doCódigo Civil.

XI - Ainda que se entenda, como o faz o douto Acórdão recorrido,que as declarações proferidas o mais que podiam era ser apodadasera de provocadoras, acintosas ou maliciosas, daqui resultainexoravelmente que as mesmas foram feitas, e que a Autora sesentiu ofendida e sofreu danos em consequência das mesmas.

XII - O não vencimento de causa depende exclusivamente daprova produzida e da formação da convicção do julgador, sendocerto que em todas as acções há forçosamente uma parte vencida euma parte vencedora, sem que, da lei em vigor, se possa retirar quea parte vencida litigou de má fé.

XIII - Resulta dos autos que em momento nenhum a Autora, aquiRecorrente, mentiu ou alterou a verdade dos factos: - veio propor aacção por a prima, Ré e aqui Recorrida, ter dito que ela Autorateria levantado dinheiro da conta da herança e que o teria feito seu,depois da morte de sua Mãe.

Ora, analisando-se criteriosamente a prova, designadamente a datados factos, verificar-se-ia que os 3.000 contos a que o Acórdão serefere foram movimentados antes da morte da Mãe da Recorrente,e consequentemente estão fora dos factos essenciais queconstituem a causa de pedir.

A Autora não alterou dolosamente a verdade dos factos quandoafirmou que não tinha feito aquilo de que a prima a acusava, isto é,movimentado a conta depois do óbito da cabeça-de-casal.

XIV - Não pode também concluir-se, como o fez o aliás doutoAcórdão recorrido, que a Autora teve como fim conseguir umobjectivo ilegal: não é ilegal pretender-se a condenação de alguémque com a sua conduta causa danos a outrem, como não é ilegal,ilícito ou censurável peticionar o ressarcimento de danos sofridosem consequência de factos ilícitos.

XV - Face à confissão feita pela Ré de que emitiu as declaraçõesem causa é evidente que a Autora não deduziu pretensão cuja faltade fundamento ignore nem invocou factos que não sãoverdadeiros, carecendo portanto de fundamento a condenação daAutora como litigante de má-fé, e não podendo ser arbitradaqualquer quantia a favor da Ré.

XVI - 1- Para a condenação como litigante de má fé, exige-seque o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 7/25

uma conduta dolosa ou gravemente negligente, o que requergrande cautela para evitar condenações injustas, designadamentequando (assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidadeconstitui um conhecido dado psico sociológico» comojudiciosamente se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunalde 11.12. 2003. II - Tal é exigência legal que defluiimediatamente, como corolário, do axioma antropológico dadignidade da pessoa humana proclamado pelo art2 12 da nossaLei Fundamental, pois ninguém porá em causa o caráctergravoso e estigmatizante de uma condenação injusta comolitigante de má-fé. III- É esta dignidade, proclamada legal,constitucional e supra nacionalmente, impeditiva de que asimples impugnação per positionem da versão de uma das partesseja considerada como integrando a “mala fides” sempre que aversão oposta à alegada seja provada, antes se exigindo que elaseja imputável subjectivamente ao litigante a título de dolo ou denegligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteraçãoconsciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou umaculpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espéciede negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira(a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direitoalemão)” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-05-2009.

XVII - O Acórdão recorrido está em oposição com outrosAcórdãos proferidos no domínio da mesma legislação e sobre amesma questão de direito — litigância de má fé — pelo que aquestão pode e deve ser apreciada por esse Supremo Tribunal deJustiça, juntando-se cópia de dois desses Acórdãos.

XVIII - O douto Acórdão recorrido violou, por inadequadainterpretação e aplicação, o disposto nos violando o disposto nosarts. 70.°, 71.°, 342°, 487°, 483.° e 484,°, todos do Código Civil, eos arts. 266° e 266°-A, ambos do Código de Processo Civil.

Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso,revogando-se o aliás douto Acórdão recorrido, proferindo-se emsua substituição douto Acórdão que julgue a acção totalmenteprocedente, por provada, e que absolva a Autora, aqui Recorrenteda condenação como litigante de má fé.

A recorrida contra-alegou, batendo-se pela confirmação do julgado.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que aRelação considerou provados os seguintes factos:

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 8/25

1) - Correu seus termos no 3º Juízo, 1ª Secção, dos Juízos Cíveisde Lisboa, sob o nº144-B/2000, apenso de prestação de contasproposto pela Apelante, EE e FF contra CC, mãe da Apelada, noqual aqueles pediam a condenação desta na apresentação de contasda sua administração dos bens da herança aberta por óbito de GG,conforme teor de documentos de fls. 164 a 167, que aqui se dá porreproduzido.

2) - No âmbito do referido processo, no dia 27.05.2004, realizou-se a audiência de discussão de julgamento, na qual não estiverampresentes nem a Apelante, nem a sua mandatária, tendo a Apeladasido ouvida como testemunha da sua mãe, conforme documento defls. 12 a 17, que aqui se dá por reproduzido.

3) - A Apelada prestou o depoimento transcrito a fls. 177 a 187,

que aqui se dá por reproduzido[2].

4) - No âmbito do referido processo foi proferido despacho deresposta aos quesitos, conforme teor de fls. 19 e 20 que aqui se dápor reproduzido.

5) - O depoimento da Apelada foi prestado num local público, salade audiências, num processo público e ficou registadofonograficamente.

6) - As afirmações foram proferidas perante um magistradojudicial.

7) - A Apelante é filha de DD.

8) - Esta faleceu no dia ……..1998, conforme documento de fls.146/7, que aqui se dá por reproduzido.

9) - Por óbito de GG, ocorrido em ……..19…, foram habilitadoscomo únicos herdeiros, suas filhas DD e CC, conforme documentode fls. 71 a 74, que aqui se dá por reproduzido.

10) - A mãe da Apelante desempenhou até à sua morte o cargo decabeça de casal na herança aberta por óbito do seu pai, GG.

11) - A mãe da Apelada outorgou procuração a favor da mãe daApelante para efeitos da sua representação junto do IFADAP.

12) - No desempenho do cargo de cabeça de casal e no uso dospoderes de representação conferidos pela mãe da Apelada, a mãeda Apelante desenvolveu e apresentou junto do IFADAP,Delegação de Vila Real, quatro projectos para viabilização edesenvolvimento dos prédios rústicos que integram a herançaaberta por morte do dito GG e que se situam no concelho de A....

13) - Desses projectos dois destinavam-se à substituição dos

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 9/25

pomares envelhecidos por novas árvores de fruto e outros dois aoreplantio de áreas ardidas de mata: um na Mata da ..., junto àaldeia e o outro na propriedade conhecida como ....

14) - Os projectos em causa eram subsidiados pelo IFADAP, afundo perdido, numa percentagem que variava entre os 70 e os90%.

15) - Os projectos de plantio de árvores de fruto eram pagos peloproprietário e reembolsados pelo IFADAP e os projectos deflorestação eram pagos contra a apresentação de facturas, enviadasao proprietário pela entidade que procedesse aos trabalhos e poraquele enviados ao IFADAP.

16) - Durante o período em que exerceu as funções de cabeça-de-casal, a mãe da Apelante depositou todas as quantias relacionadascom a herança numa conta bancária da qual era única titular naagência da Caixa Geral de Depósitos de A..., com o número ....

17) - Corre seus termos na 1ª Vara Cível de Lisboa, 3ª Secção, sobo nº 1078/97, acção especial de prestação de contas intentada, em18.12.1997, pela citada CC contra a aludida DD, na qual aquelapede a esta a apresentação de contas da administração, naspropriedades sitas em A... e ..., conforme documentos de fls. 75 a82, que aqui se dão por reproduzidos.

18) - A mãe da Apelante e da Apelada viviam em casas contíguas,na ..., em Lisboa.

19) - No dia 08.07.2004, a Apelante apresentou contra a Apelada,queixa, nos termos constantes do documento de fls. 123 a 131, queaqui se dá por reproduzido.

20) - No âmbito do referido processo foi proferido despacho dearquivamento cuja cópia se encontra junta a fls. 134 e 135 e queaqui se dá por reproduzida.

21) - Até 16.03.1998, a Apelante não teve autorização paramovimentar a citada conta bancária.

22) - A Apelada, não querendo ofender a memória da mãe daApelante, nem abalar a consideração social de que goza a Apelante,previu tal resultado como uma consequência necessária do seudepoimento.

23) - Em consequência das afirmações proferidas pela Apelada, aApelante sentiu-se enxovalhada, humilhada, ofendida e indignada.

24) - Ferida por afirmações feitas perante terceiros que não aconhecem, designadamente o Sr. Juiz que presidiu à diligência.

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 10/25

25) - Tendo a Apelante sentido afectada a consideração social deque goza.

26) - O que lhe causou e causa desconforto, angústia e infelicidade.

27) - A partir do ano de 1993, a mãe da Apelante deixou de prestarcontas à mãe da Apelada, nomeadamente, não apresentando asinformações relativas às despesas e receitas concernentes com aactividade agrícola desenvolvida nos prédios rústicos que integramaquela herança.

28) - Na aludida conta eram depositadas nomeadamente asquantias subsidiadas pelo IFADAP no âmbito de projectos deplantio de árvores e de florestação.

29) - A mãe da Apelada não tinha acesso a tal conta bancária.

30) - Em data não concretamente apurada, a Apelante esteveinternada num hospital de Londres, devido ao agravamento dosproblemas de saúde de que padecia.

31) - Funcionários de uma florista deslocavam-se por vezes à casada mãe da Apelante a solicitar o pagamento de quantias relativas àcompra de flores em ocasiões de festas e jantares que a mesmahavia dado.

32) - Até à data do falecimento da mãe da Apelante, a florista nãoconseguiu obter o pagamento de todas as quantias devidas,permanecendo uma dívida.

33) - Em data não concretamente apurada, a mãe da Apelada foialertada, via telefone, por uma funcionária da agência da CGD deA..., de que estavam a ser levantadas quantias da mesma contabancária por pessoas que não a mãe da Apelante.

34) - À data do falecimento da mãe da Apelante, essa contabancária tinha um saldo de 780.090$10.

35) - A Apelante levantou a quantia de 3.000.000$00 dessa contaem 18.03.1998 e emitiu um cheque, sacado sobre a referida conta,com o nº ..., no montante de 561.000$00, com data de 23.04.1998e à ordem de HH, para pagamento do IVA que incidiu sobre ovalor dos serviços de limpeza, regularização e surriba que esteprestou na Quinta ..., cheque pago em 29.04.1998.

36) - A Apelada proferiu as afirmações referidas no nº3 destesfactos, apenas na presença do Mtº Juiz, do funcionário judicial, damãe da Apelada e do então advogado desta, Dr. II.

Fundamentação:

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 11/25

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que,em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões deconhecimento oficioso – importa saber se a Ré/recorrida fez emprocesso judicial declarações ofensivas da honra e bom nome daAutora e de sua mãe já falecida, e se deve manter-se a condenaçãoda Autora/recorrente como litigante de má fé em multa eindemnização.

Vejamos.

O litígio resulta do facto da Autora ter considerado que, noprocesso que correu termos no 3° Juízo, 1ª Secção, dos JuízosCíveis de Lisboa, sob o n°144-B/2000, apenso de prestação decontas proposto pela ora recorrente/Autora, EE e FF contra CC,mãe da ora Ré/apelada, no qual aqueles pediam a condenaçãodesta na apresentação de contas da sua administração dos bens daherança aberta por óbito de GG, a ré proferiu falsas declaraçõesque ofenderam o bom nome, a honra e consideração devidas àfalecida mãe da Autora, tia da Ré, e à Autora.

A Autora baseou-se nas gravações desse depoimento prestado noprocesso de prestação de contas, intentado pela Autora e outrosherdeiros de GG, contra a mãe da Ré.

A ora Ré, depondo como testemunha indicada nesse processo pelaRé sua mãe, fez, além de outras, as seguintes declarações que aAutora transcreveu da gravação a que se procedeu aquando do seudepoimento no processo especial de prestação de contas:

“ (…) iam bater a casa da minha mãe e lembro-me uma vez queeu estava lá, uma florista, duns… muitos jantares que a minha tiadava e deixou por pagar contas à florista e até recepções dejantares de comida que era encomendada, e eles foram pedir àminha mãe (…)”;“(…) eu lembro-me que depois houve um segundo empréstimoque a minha tia pediu ao IFADAP, isso aí sei, e eu, isso fiqueimuito incomodada e muito chateada e disse à mãe que não deviater assinado porque não se fez… a minha tia não fezrigorosamente…pediu m empréstimo ao IFADAP para isto e paraaquilo…que era para fazerem turismo de habitação, acho queumas melhorias, e ela só gastou aquilo em…proveito delaprópria, eu sei que na altura estava muito doente, foi as viagens,os tratamentos lá fora, quer dizer, mas não é ao IFADAP que setem que pedir este empréstimo para essas coisas”.“ (…) quando a minha tia morreu, essa conta que estava ali emA..., na Caixa Geral de Depósitos, não era muita, eu sei quepassado… (corte na gravação) de ela morrer a minha prima

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 12/25

levantou o dinheiro, quer dizer, sem dar cavaco à minha mãe…quer dizer. Sem lhe dizer nada, quer dizer, ao menos uma questãode consideração, quer dizer, nada, e ficou com o dinheiro, oranão é assim, se a conta era para as despesas da casa…para aQuinta e ela levantou o dinheiro, que eu sei que não era muito, eainda por cima ficou com ele, quer dizer, eu acho que isto não sefaz”.

A mãe da Autora faleceu, no dia 25.4.1998, e as declaraçõestranscritas foram proferidas no dia 27.5.2004, em processo judicial,em depoimento prestado pela Ré como testemunha. Como osfactos evidenciam existe um prolongado litígio familiar entre ospleiteantes e suas famílias como, desde logo, revela o factoprovado em 17).

Por causa das referidas declarações a Autora sentiu-seenxovalhada, humilhada, ofendida e indignada.

Na sentença apelada escreveu-se – pág. 406 – “Tais afirmaçõessão, em princípio, ofensivas do crédito e do bom-nome da falecidamãe da Autora e da Autora.

A mera violação do direito ao bom nome de alguém, na medida emque este direito se impõe a todas as pessoas, contém já em si aantijuridicidade do comportamento do agente, necessariamenteilícito.

Não será assim se tal violação estiver coberta por alguma causajustificativa do facto, capaz de afastar a sua aparente ilicitude…Nocaso dos autos, embora a Ré pudesse recusar-se legitimamente adepor ao abrigo do disposto no art. 618°, n° 1, al. a) do Código deProcesso Civil ao ser chamada e ao querer depor, prestou o seudepoimento no cumprimento de um dever legal, realizando uminteresse legítimo e que radica no dever geral de realização dejustiça material, ao qual acrescia o cumprimento da obrigação legalde o fazer com verdade, sob pena de incorrer na prática do crimede falso testemunho.

Assim, as afirmações proferidas, em princípio, não podem fazerincorrer a Ré em responsabilidade, a não ser que tenha prestadoum depoimento falso, já que nesse caso fica afastada a causa deexclusão da ilicitude, pois, faltando à verdade, não é cumprido odever legal, e com o intuito de ofender as visadas”.

Depois, a sentença questionou e ponderou se odepoimento era falso e fora feito com consciência de falsidade,afirmando que, se assim se considerasse, a Ré incorrera emresponsabilidade civil por violação de direito de personalidade damãe da Autora e também desta.

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 13/25

Desde já se adianta que a sentença considerou que a Rénão prestou depoimento falso e que as afirmações proferidas oforam no cumprimento de um dever, tendo inclusivamente aAutora sido condenada como litigante de má fé.

Mas vejamos, antes e resumidamente, o quadro normativoconvocável.

O art. 26º, nº1, da Constituição da República consigna:

“A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, aodesenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, àcidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, àreserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecçãolegal contra quaisquer formas de discriminação”.

E o art. 33º – Direito à identidade, ao bom-nome e à intimidade.

“1. A todos é reconhecido o direito à identidade pessoal, aobom-nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privadae familiar.

2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilizaçãoabusiva, ou contrária à dignidade humana, de informaçõesrelativas às pessoas e famílias”.

A Constituição da República acolhe a tutela da personalidade quepode ser encontrada no princípio fundamental da Dignidade dapessoa humana (art. 1º).

Dignidade é tudo aquilo que não tem preço, segundo a conhecidaformulação de Kant – “Fundamentação da Metafísica dosCostumes” – [tradução de Paulo Quintela, 1986, p. 77].

Nessa obra procura-se distinguir aquilo que tem um preço, sejapecuniário seja estimativo, daquilo que é dotado de dignidade – doque é inestimável, do que é indisponível, do que não pode serobjecto de troca.

Afirma-se lapidarmente:

“No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade.Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez delaqualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa estáacima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, entãotem ela tem dignidade.”.

Gomes Canotilho e Vital Moreira, em comentário ao art. 33º,escrevem, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”,

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 14/25

Vol. I, 4ª ed., pág.466:

“O direito ao bom nome e reputação (nº1) consiste essencialmenteno direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ouconsideração social mediante imputação feita por outrem, bemcomo no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competentereparação – cfr. Código Penal, arts. 164° e 165°”.

Na lei ordinária a personalidade moral, o bom-nome econsideração social das pessoas, são valores tutelados (artigos 70º e484º do Código Civil).

Assim o art. 70º Código Civil estatui:

“1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ouameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.

2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar,a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providênciasadequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar aconsumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa jácometida.”

Este normativo tutela a personalidade, como direito absoluto deexclusão, na perspectiva do direito à saúde, à integridade física, aobem-estar, à liberdade, ao bom nome, e à honra, que são osaspectos que individualizam o ser humano, moral e fisicamente, e otornam titular de direitos invioláveis.

O art. 484º do citado Código estatui – “Quem afirmar oudifundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nomede qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danoscausados.”

Este normativo, ao proteger o bom-nome de qualquer pessoa,singular ou colectiva, tutela um dos elementos essenciais dadignidade humana – a honra.

“A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidadehumana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todosos seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquerhomem em qualquer circunstância...Em sentido amplo, incluitambém o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreçosocial pelas qualidades determinantes da unicidade de cadaindivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissionalou político" – Rabindranah Capelo de Sousa, “O Direito Geral daPersonalidade”, 1995, págs. 303-304.

Maria Paula Andrade, in “Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome”,1996, pág. 97, afirma ser a honra um – “…Bem da personalidade

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 15/25

e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo anão ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e queconstitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidadehumana, valor a que a Constituição atribui a relevância defundamento do Estado Português; enquanto bem da personalidadee nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional,atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividadeeconómica, com repercussões no campo social, profissional efamiliar e mesmo religioso”.

Pedro Pais de Vasconcelos – “Teoria Geral do Direito Civil” –2005, pág.38 e segs.:

“ […] O direito à vida, ou à honra, ou à integridade física, ou àprivacidade, ou à imagem, por exemplo, não constituem direitossubjectivos autónomos, mas antes poderes jurídicos que integramo direito de personalidade do seu titular, poderes estes que sãoexercidos quando a dignidade do seu titular for posta em causaatravés de ameaças ou ofensas àqueles específicos bens depersonalidade.

A tipificação dos chamados direitos especiais depersonalidade é um reflexo da tipificação de específicos bens depersonalidade que integram a dignidade humana e das lesões quehistoricamente se foram tornando típicas.

A dignidade humana pode ser ameaçada ou ofendida emdiversos bens que a integram — vida, integridade física, honra,privacidade, imagem, nome, etc. — para a defesa de cada um dosquais o direito de personalidade contém específicos meios ou bens,que beneficiam de específicos poderes jurídicos” – (destaque esublinhados nossos).

O mesmo tratadista, in “Direito de Personalidade” – Almedina2006 – pág. 76 – ensina:

“O direito à honra é uma das mais importantes concretizações datutela e do direito da personalidade.

A honra é um preciosíssimo bem da personalidade.

A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, ereconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita econvive com as outras pessoas…A perda ou lesão da honra – adesonra – resulta, ao nível pessoal, subjectivo, na perda do respeitoe consideração que a pessoa tem por si própria, e ao nível social,objectivo, pela perda do respeito e consideração que a comunidadetem pela pessoa.

A lesão da honra pode não ser total – só em casos excepcionais o

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 16/25

será – e limitar-se a um seu detrimento. A honra, neste caso, élesada, mas não perdida…Todas as pessoas têm direito à honrapelo simples facto de existirem, isto é, de serem pessoas. É umdireito inerente à qualidade e à dignidade humana. Mas as pessoaspodem perder a honra ou sofrer o seu detrimento em virtude devicissitudes que tenham como consequência a perda ou diminuiçãodo respeito e consideração que a pessoa tenha por si própria ou deque goze na sociedade.

As causas de perda ou do detrimento da honra – de desonra – são,em termos muito gerais, acções da autoria da própria pessoa ouque lhe sejam imputadas, e que sejam consideradas reprováveis naordem ética vigente, quer ao nível da própria pessoa, quer ao nívelda sociedade.” (destaque nosso)

O art. 71º do Código Civil protege a honra de pessoas jáfalecidas, estatuindo:

“1. Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecçãodepois da morte do respectivo titular.

2. Tem legitimidade, neste caso, para requerer as providênciasprevistas no n° 2 do artigo anterior o cônjuge sobrevivo ouqualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeirodo falecido.

3. Se a ilicitude da ofensa resultar da falta de consentimento sóas pessoas que o deveriam prestar têm legitimidade, conjunta ouseparadamente, para requerer as providências a que o númeroanterior se refere”.

Cessando a personalidade com a morte, nos termos doart. 68º do Código Civil, poder-se-á aventar que o normativoatribui um direito de personalidade a alguém que não pode sertitular desse direito.

In “O Direito Geral de Personalidade”, RabindranathCapelo de Sousa, págs. 188 a 198 (excertos com supressão dasnotas de rodapé), ensina:

“Com a morte de uma pessoa física cessa, pelo menosneste mundo, a sua actividade característica e extingue-se, nostermos do nºl do art. 68.° do Código Civil, a sua personalidadejurídica, ou seja, a sua aptidão para ser sujeito de relaçõesjurídicas.

Porém, isso não impede, desde logo, que haja bens dapersonalidade física e moral do defunto que continuam a influir

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 17/25

no curso social e que, por isso mesmo, perduram no mundo dasrelações jurídicas e como tais particularmente o caso do seucadáver, das partes destacadas do seu corpo (34°), da sua vontadeobjectivada (…), da sua identidade (…) e imagem (…), da suahonra, do bom nome e da sua vida privada (…), das suas obras edas demais objectivações criadas pelo defunto e nas quais eletenha, de um modo muito pessoal, imprimido a sua marca.

E, mais até do que uma mera tutela de bens jurídicos, a nossa leiestabelece uma permanência genérica dos direitos de personalidadedo defunto após a sua morte, ao preceituar no art. 71.°, nºl, doCódigo Civil que “Os direitos de personalidade gozam igualmentede protecção depois da morte do respectivo titular. […]. O CódigoCivil, por considerar que esses direitos post mortem continuam acorresponder a interesses próprios afirmados ou potenciados emvida do defunto e como tais juridicamente relevantes, como que oshipostasia, separadamente e apesar da extinção jurídica do seutitular, declarando a continuação desses mesmos direitos, nãodependentes de uma vida actual, embora recoloque noutros termosa questão da sua titularidade, como veremos infra…Deste modo, epara além de certos direitos especiais de personalidade de pessoasfalecidas expressamente regulados, o nosso legislador quis protegerindividualmente as pessoas já falecidas contra qualquer ofensailícita ou ameaça de ofensa à respectiva personalidade física oumoral que existia em vida e que permaneça após a morte, assim sepodendo também falar de uma tutela geral da personalidade dodefunto.”

Não obstante a redacção do preceito, não se pode admitirque a lei ficciona a existência de personalidade para além da morte,conferindo a titularidade de um direito que foi violado após acessação da personalidade – por exemplo uma indemnização emdinheiro – da titularidade da pessoa falecida.

A questão tem sido objecto de controvérsia radicando emtorno de saber quem é o titular do direito em caso de violação dahonra e bom-nome do defunto.

Guilherme Machado de Dray, in “Direitos dePersonalidade – Anotações ao Código Civil e ao Código doTrabalho” – Almedina 2006 – afirma:

“A personalidade cessa com a morte, nos termos do artigo 68º.Com a cessação da personalidade jurídica extinguem-se, por suavez, as correlativas situações jurídicas (activas e passivas)relacionadas com os bens de personalidade, nomeadamente osdireitos de personalidade.

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 18/25

Pode suceder, todavia, que alguns bens de personalidade, taiscomo o direito à honra e ao bom-nome, ou à confidencialidade decartas missivas, sejam objecto de ofensa por parte de terceiros jáapós a morte do visado.

A desonra tanto pode atingir a pessoa viva, como o de cujus; nomesmo sentido, a divulgação não autorizada de cartas confidenciaistanto pode ser praticada durante a vida, como após a morte dovisado.

A memória do falecido deve ser respeitada, não obstante a morte ea correlativa extinção dos direitos de personalidade de que aquelefoi titular.

O preceito visa, precisamente, garantir uma tutela post mortem, istoé, promover a defesa da memória do falecido, através da atribuiçãode determinados direitos de defesa àqueles que lhe sucedem naordem jurídica.

A fórmula adoptada pelo legislador no nº1 do preceito — osdireitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois damorte do respectivo titular — permite que se pondere acerca doeventual prolongamento dos direitos de personalidade para além damorte [cfr. Pires de Lima, Antunes Varela, “Código CivilAnotado”, 1º Volume, 4ª ed., 1987, p. 105 (anotação 1 ao artigo71.°)].

Julga-se, todavia, que não é esse o sentido a retirar do preceito,pela simples razão de que a extinção da personalidade, resultanteda morte (artigo 68.°) não permite que dela se continuem a extrairdireitos ou obrigações.

Trata-se de uma evidência jurídica. A personalidade jurídica dofalecido não se mantém, não obstante a fórmula algo dúbia daredacção do art. 68º.

O que está em causa, verdadeiramente, é a protecção dosfamiliares do falecido, afectados por actos que ofendam amemória do defunto.” (destaque nosso)

Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 7ªedição, 2012, pág. 77 – sobre o tema, opina:

“A personalidade jurídica cessa com a morte. O regime do artigo71º do Código Civil não deve ser invocado como indício deprolongamento da personalidade e da sua tutela para além damorte. Trata-se de um equívoco originado por uma defeituosaredacção da lei. Como ficou já atrás demonstrado, o preceito doartigo 71º do Código Civil não tutela direitos de personalidade dodefunto, mas antes e apenas os direitos dos seus familiares e

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 19/25

herdeiros ao respeito pelo defunto. As pessoas vivas têm direito – etambém o dever – ao respeito pelos seus mortos. Trata-se, nãoobstante a redacção da lei, de direitos de personalidade inscritos naesfera jurídica de pessoas vivas”.

Da conjugação dos arts. 71º, nº1 e 70º, nº2, do Código Civil podeser pedida ao lesante, indemnização por danos não patrimoniais porofensa a pessoa já falecida, radicando a legitimidade no cônjugesobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinhoou herdeiro do falecido. Todavia, se bem interpretamos o pedido, aAutora reclama o pagamento de uma quantia sem discriminar qualo montante que peticiona para si, e o que seria devido para reparara honra de sua falecida mãe.

De notar que o art. 185º do Código Penal tutela a memória depessoa falecida – “Quem, por qualquer forma, ofender gravementea memória de pessoa falecida é punido com pena de prisão até 6

meses ou com pena de multa até 240 dias.”[3]

Volvendo à questão nodal do recurso, tendo em conta osfactos provados e a sua valoração, importa saber se a Ré violou dodireito ao bom-nome e a honra da falecida mãe da Autora e desta.

Importa enfatizar que as declarações foram proferidas numprocesso judicial de prestação de contas em que era Ré a mãe daaqui Ré, que depôs como testemunha numa sala de audiências nocumprimento de um dever.

Esse depoimento surge num contexto de um litígio familiar – aAutora é prima da Ré – que se vem arrastando pelos Tribunais eque tem a ver com a administração de património hereditário, emque as litigantes são co-interessadas com outros familiares.

Tendo a Autora ancorado o pedido no facto da Ré terviolado o direitos de personalidade fazendo imputações falsas edesonrosas, sobre ela cabia o ónus da prova da falsidade dos factosque considerou ter a Ré afirmado em contrário da verdade por siconhecida, já que não estão em causa, no contexto do litígio,afirmações que por si só devam ser consideradas objectivamentelesivas da honra dos visados.

Provou-se:

A Autora é filha de DD, falecida em ……..19…. A mãe da Autoradesempenhou até à sua morte o cargo de cabeça de casal herançaaberta por óbito do seu pai, GG.

A mãe da Ré outorgou procuração a favor da mãe da Autora para

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 20/25

efeitos da sua representação junto do IFADAP.

No desempenho do cargo de cabeça de casal e no uso dos poderesde representação conferidos pela mãe da Ré, a mãe da Autoradesenvolveu e apresentou junto do IFADAP, Delegação de VilaReal, quatro projectos para viabilização e desenvolvimento dosprédios rústicos que integram a herança aberta por morte de GG,que se situam no concelho de A....

Durante o período em que exerceu as funções decabeça-de-casal, a mãe da Autora depositou todas as quantiasrelacionadas com a herança numa conta bancária da qual era únicatitular na agência da Caixa Geral de Depósitos de A..., com onúmero ....

Corre seus termos na 1ª Vara Cível de Lisboa, 3ªSecção, sob o n°1078/97, acção especial de prestação de contasintentada, em 18.12.1997, por CC contra a DD, na qual aquelapede a esta a apresentação de contas da administração, naspropriedades sitas em A... e ....

Até 16.03.1998, a Autora não teve autorização para movimentar acitada conta bancária.

A partir do ano de 1993, a mãe da Autora deixou de prestar contasà mãe da Ré, nomeadamente, não apresentando as informaçõesrelativas às despesas e receitas concernentes com a actividadeagrícola desenvolvida nos prédios rústicos que integram aquelaherança.

Na aludida conta eram depositadas nomeadamente as quantiassubsidiadas pelo IFADAP no âmbito de projectos de plantio deárvores e de florestação.

A mãe da Ré não tinha acesso a tal conta bancária.

Em data não concretamente apurada, a Autora esteve internadanum hospital de Londres, devido ao agravamento dos problemas desaúde de que padecia.

Funcionários de uma florista deslocavam-se por vezes à casa damãe da Autora a solicitar o pagamento de quantias relativas àcompra de flores em ocasiões de festas e jantares que a mesmahavia dado. Até à data do falecimento da mãe da Autora, a floristanão conseguiu obter o pagamento de todas as quantias devidas,permanecendo uma dívida. A mãe da Autora e da Ré viviamem casas contíguas, na ..., em Lisboa.

Em data não concretamente apurada, a mãe da Ré foi alertada, viatelefone, por uma funcionária da agência da CGD de A..., de que

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 21/25

estavam a ser levantadas quantias da mesma conta bancária porpessoas que não a mãe da Autora.

À data do falecimento da mãe da Autora, essa conta bancária tinhaum saldo de 780.090$10.

A Autora levantou a quantia de 3.000.000$00 dessa conta em18.03.1998 e emitiu um cheque, sacado sobre a referida conta,com o nº ..., no montante de 561.000$00, com data de 23.04.1998e à ordem de HH, para pagamento do IVA que incidiu sobre ovalor dos serviços de limpeza, regularização e surriba que esteprestou na Quinta ..., cheque pago em 29.04.1998.

A Ré proferiu as afirmações citadas em nota de rodapé apenas napresença do M.mo Juiz, do funcionário judicial, da mãe da Apeladae do então advogado desta, Dr. II.”

Com base nestes factos a sentença apelada considerou que não sepodia concluir pela falsidade do depoimento da Ré “porque emcumprimento de um dever, não são ilícitas, o que basta paraafastar a reclamada indemnização” e julgou a acçãoimprocedente, condenando a Autora como litigante de má fé,considerando que –“… ao contrário do alegado pela Autora,apurou-se que esta, a partir de 17.03.1998, tinha autorizaçãopara movimentar a conta bancária em causa e que, dessa conta,levantou a quantia de 3.000.000$00 em 18.03.1998. para além deter emitido um cheque, sacado sobre a mesma conta, com o n° ...,no montante de 561 000$00, com data de 23.04.1998 e à ordemde HH, para pagamento do IVA que incidiu sobre o valor dosserviços de limpeza, regularização e surriba que este prestou naQuinta ..., cheque pago em 29.04.1998.Considerando estes factose porque a Autor tinha necessariamente de os conhecer, é, pois,forçoso concluir que ela, neste particular, com dolo, alterou averdade dos factos e fez objectivo ilegal, subsumindo-se a suaconduta na previsão do n° 2, als. b) e d) do art. 456° do Códigode Processo Civil.”

No depoimento que a Ré prestou em Tribunal estava ela sobjuramento, estando obrigada a responder com verdade.

Esse dever legal poderia contender – até porque estava em causa aprestação de contas exigida à sua mãe, ré nesse processo movidopela Autora sua tia – com declarações que a Autora poderiaconsiderar ofensivas da sua honra e bom nome e de sua mãe,sendo que nestes casos a sensibilidade é particularmente evidente.Tal enquadramento poderia levar a que a Ré, enquanto depoente secoibisse de relatar factos relevantes para a defesa da verdade. Aqui,cremos, o conflito senão de interesses, pelo menos de direitos.

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 22/25

O interesse da Autora em ver provada a sua versão dos factos e a“defender” a actuação da sua mãe enquanto cabeça de casal e odireito a ver prestadas contas e, por outro lado, o direito à honra eao bom nome que poderiam ser postas em causa até em caso derevelações verdadeiras.

Neste circunstancialismo seria então de considerar que a Ré sópoderia ser condenada ante prova incontroversa da falsidade dasdeclarações que prestou como testemunha e pelo seu potencial delesão dos direitos de personalidade da Autora e de sua falecidamãe.

Algumas das afirmações são, salvo do devido respeito, inócuas,como as relativas à falta de cobrança pela florista. Já não assim ofacto provado da omissão de prestação de contas pela mãe daAutora; a falta de acesso pela mãe da Ré à conta bancária apenasem nome da mãe da Autora, enquanto cabeça de casal, atenta aconfiança depositada por esta ao conceder-lhe poderes para arepresentar junto do IFADAP.

Neste contexto, não se evidencia que a Ré tivesse agido comintenção de ofender os direitos que a Autora considera violados,por não ter agido com culpa – art. 483º, nº1, do Código Civil – ouque tivesse feito imputações objectivamente lesivas de direitosabsolutos de personalidade.

A Relação, no seu Acórdão, considerou – fls. 536 – que a Ré sópoderia ser condenada “se o depoimento versasse matéria falsa edisso houvesse vontade e consciência, obviamente para ofender afalecida mãe da Apelante e esta, a falecida na sua memória,quanto à honra, consideração e bom nome e todos os demaisatributos pessoais que consoante o caso lhes possam estarassociados”.

Concordamos com este entendimento, sobretudo, tendo em contaque a Ré prestou declarações num processo judicial perante umJuiz e não se provou que tivesse prestado depoimento falso.

Quanto à condenação da Autora como litigante de má fé.

Pretende a Autora recorrer da condenação como litigante de má fé,que a Relação confirmou.

Juntou dois Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, [umdeles relatado pelo ora relator], e, sem qualquer alegação relevante,afirma que o Acórdão recorrido está em contradição com os desteTribunal.

A condenação por litigância de má fé só admite recurso em grau –art. 456º, nº3, do Código de Processo Civil.

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 23/25

Esse grau foi cumprido com a confirmação da condenação noTribunal da Relação.

Não tendo a recorrente alegado, relevantemente, qualquercontradição de Acórdãos, limitando-se a juntar dois Acórdãos desteSupremo Tribunal de Justiça, que considera estarem em oposiçãocom o Acórdão recorrido, não tem este Tribunal que se debruçarsobre a alegada contradição de julgados.

Ademais, não está sequer verificado o requisito previsto no art.754º, nº2, do Código de Processo Civil, pelo que não há queapreciar a condenação sentenciada e confirmada pela Relação.

Decisão.

Nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Maio de 2013

Fonseca Ramos (Relator)

Salazar Casanova

Fernandes do Vale

____________________________[1] Relator – Fonseca Ramos.Ex.mos Adjuntos:Conselheiro Salazar Casanova.Conselheiro Fernandes do Vale.[2] No Acórdão recorrido, a fls. 535, e ante a não concretaindicação factual das imputações atribuídas à Ré e consideradaspela Autora ofensivas da sua honra e de sua mãe, escreveu-se –“Sem querermos ser fastidiosos lembraremos que a Apelante deurelevância para a causa de pedir da lide as seguintes passagens dodepoimento da Apelada na audiência do citado processo deprestação de contas n° 144-B/2000;“(…) iam bater a casa da minha mãe e lembro-me uma vez que euestava lá, uma florista, duns… muitos jantares que a minha tiadava e deixou por pagar contas à florista e até recepções dejantares de comida que era encomendada, e eles foram pedir àminha mãe (…)”;“(…) eu lembro-me que depois houve um segundo empréstimo quea minha tia pediu ao IFADAP, isso aí sei, e eu, isso fiquei muitoincomodada e muito chateada e disse à mãe que não devia terassinado porque não se fez… a minha tia não fez rigorosamente…pediu m empréstimo ao IFADAP para isto e para aquilo…que era

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 24/25

para fazerem turismo de habitação, acho que umas melhorias, e elasó gastou aquilo em…proveito dela própria, eu sei que na alturaestava muito doente, foi as viagens, os tratamentos lá fora, querdizer, mas não é ao IFADAP que se tem que pedir este empréstimopara essas coisas”.“ (…) quando a minha tia morreu, essa conta que estava ali emA..., na Caixa Geral de Depósitos, não era muita, eu sei quepassado… (corte na gravação) de ela morrer a minha primalevantou o dinheiro, quer dizer, sem dar cavaco à minha mãe…quer dizer. Sem lhe dizer nada, quer dizer, ao menos uma questãode consideração, quer dizer, nada, e ficou com o dinheiro, ora nãoé assim, se a conta era para as despesas da casa…para a Quinta eela levantou o dinheiro, que eu sei que não era muito, e ainda porcima ficou com ele, quer dizer, eu acho que isto não se faz”.[3] Como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra, de4.3.2009, in www.dgsi.pt – Proc. 51/06.1TAMIR.C2, – “ […] Oque está em causa no tipo de crime de ofensa à memória de pessoafalecida é o respeito comunitário devido aos mortos – cfr.Figueiredo Dias, Acta n.º 26 da Comissão Revisora do C.P., citadopor Oliveira Mendes, O Direito à Honra e Sua Tutela Penal, p. 100O crime de ofensa à memória de pessoa falecida constitui um novosubstrato valorativo independente da honra do defunto ou daquelesque lhe sobrevivem, apesar de ligada àquela e nela ainda radicada.Está para além da honra e consideração devidas a toda e qualquerpessoa, criando “uma nova realidade axiologicamente relevanteque se liga ao defunto mas que vale por si, muito emboranecessariamente conexionda com a personalidade daquele que,ora, já só pode ser memória” – cfr. Faria Costa, “ComentárioConimbricense ao Código Penal”, Tomo I, Coimbra Editora, 1999,em anotação ao art. 185º.O bem jurídico honra é um direito que encarna na pessoa e só esta– enquanto pessoa viva – pode ser detentora desse particular valorde raiz imaterial. Já a memória da pessoa falecida é aquele património moral ligado àexistência da pessoa que permanece depois da sua morte. Naspalavras daquele Insigne Professor (cfr. ob. cit. p. 658) memória“é aquele pedaço de nós espiritualmente vinculante ligado ánossa existência e que é capaz de ser, depois da morte, aindapertinente na definição do presente”. Ou “A memória quealguém construiu através de obras ou feitos, um patrimónioespiritual que os presentes consideram susceptível de osinfluenciar”.Daqui resulta que a memória de pessoa falecida, tutelada pelo tipode crime, radica na memória que permanece através da sua obra oudos seus feitos, indissociavelmente ligados ao seu titular; e, emboraformada no passado, tem que se repercutir com relevo no presente.

23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a635de8208450fc80257b6c004b3f5e?OpenDocument 25/25

Por outro lado a tutela penal surge limitada logo ao nível do tipoobjectivo de ilícito às ofensas “graves”. Perante idêntica expressão o legislador espanhol acabou por excluí-la do texto legal, face ao reconhecimento, pela jurisprudência, daimpossibilidade de encontrar na lei princípios de distinção úteis,vendo-se obrigada a recorrer ao “bom critério do legislador” – cfr.Oliveira Mendes, cit., p. 104.Ofensa Grave é aquela que atinge o património espiritual passadoda pessoa falecida na sua parte nuclear ou essencial da suamemória. Naquele pedaço que, em caso de ser atingido, estilhaçariaa própria ideia de memória que tem a potencialidade de serepercutir no presente – cfr. Faria Costa, ob. cit., p. 660.