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Nº 12 – outubro 2007

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Nº 12 – outubro 2007

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Visite o portal EcoDebate[Cidadania & Meio Ambiente]

www.ecodebate.com.brUma ferramenta de incentivo ao

conhecimento e à reflexão através denotícias, informações, artigos de opinião

e artigos técnicos, sempre discutindocidadania e meio ambiente, de forma

transversal e analítica.

A revista Cidadania & Meio Ambienteé uma publicação da Câmara de CulturaRua São José, 90, 11o andar, grupo1106Centro – 20.010-020 – Rio de Janeiro/RJTelefax (55-21) 2215-5515 • 2215-8689

[email protected]

Editado e impresso no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente não seresponsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos

em matérias e artigos assinados. É proibida areprodução dos artigos publicados nesta edição sem

a devida solicitação por carta ou via e-mail aosrespectivos autores.

Caros Amigos,

A causa socioambiental passa por momentos difíceis, com seguidasderrotas. Usinas no Rio Madeira, transposição do Rio São Francis-co, expansão do programa nuclear, abandono completo dos maiselementares cuidados de biossegurança, criminalização dos movi-mentos sociais, reforma agrária patinando e por aí vai.

Uma observação minimamente crítica indica que tivemos peque-nos avanços pontuais e enormes derrotas estratégicas. Os movi-mentos sociais e populares discutem o que fazer e como identificaras melhores estratégias.

A discussão é pertinente e importante, mas devemos ter o cuidado deobservar a estratégia que está por trás dos planos do governo. Estasestratégias estão interligadas e focadas no modelo de desenvolvimento– modelo econômico neocolonial escorado na exportação de produ-tos primários, com destaque para minério, carne e grãos. É necessárioquestionar a quem serve este modelo e a quem beneficia.

O governo reclama dos ambientalistas, dos índios, dos quilombolas, dosribeirinhos, do Ministério Público, do Poder Judiciário, dos movimentossociais e de todos os que não concordam com a opção pseudodesenvol-vimentista. E reclama com razão, porque estes segmentos da sociedadenão aceitam este modelo de desenvolvimento a qualquer custo.

Engana-se quem imagina que esta estratégia nasceu no governoLula. Ela é antiga e possui suficiente força econômica e políticapara se manter ativa em quaisquer governos. Muitos acreditam queum outro Brasil é possível e necessário, meta da qual não nos “can-

samos”. Podemos estar aborrecidos e frustrados, mas, definitivamen-te, não estamos desmotivados e muito menos “cansados”.

O lado bom da história é que esta tragédia anunciada não é irrever-sível, porque ainda é possível discutir e questionar este equivocadomodelo de desenvolvimento. Podemos e devemos tentar mudar ocurso deste governo eleito e reeleito para ser democrático e popu-lar. É o nosso papel e não podemos abrir mão dele.

Portanto, vamos à luta.

Henrique Cortez

Coordenador do EcoDebate

E D I T O R I A L

Colaboraram nesta edição

Agência BrasilAna EchevenguáHenrique Cortez

Heitor Scalambrini CostaJoão Suassuna

Manoel Eduardo Tavares FerreiraMárcia Pimenta

Nísio Miguel Tôrres de MirandaNorbert Suchanek

Roberto Malvezzi (Gogó)

Diretora

Editor

Subeditor

Projeto Gráfico

Revisão

Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

Adilson dos SantosJP14455/65/09

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Nº 12 – Outubro 2007

Capa: Derek Hazelbrae - Amazônia

Cana-de-açúcar: queimada e impacto socioambientalEmbora a queimada seja praticada desde os tempos da colonização, não há repara-ção monetária que recupere a biodiversidade, os nichos e o equilíbrio da natureza: adestruição pelo fogo é para sempre. Por Manoel Eduardo Tavares Ferreira

Agrocombustíveis X AlimentosA produção de etanol baseia-se na monocultura intensiva e latifundiária, que pouco seaperfeiçoou desde as capitanias hereditárias. E está fundada na mão-de-obra barata,explorada à exaustão e em condições freqüentemente degradantes. Por Henrique Cortez

O verde que queremosA monocultura do eucalipto – símbolo vegetal do capitalismo obcecado por conquistasurgentes, independentemente da sua viabilidade ambiental, social e econômica – nãoatende aos interesses de sustentabilidade. Por Nísio Miguel Tôrres de Miranda

Desenvolvimento: por que e para quem?Os povos autônomos só vão ser pobres quando alguém lhes tirar a terra, matar o rio,mudar a cultura e introduzir o padrão de vida consumista ocidental que leva à depen-dência e restringe o acesso aos recursos básicos. Por Norbert Suchanek

A ideologização da questão ambientalA idéia de que a humanidade pode crescer indefinidamente a partir da “transformaçãoda natureza” vai nos levar ao suicídio global. Se o atual modelo de produção econsumo não for alterado, todos serão vitimados. Por Heitor Scalambrini Costa

Meio ambiente: informação zeroPara o autor, mais do que um risco, o desenvolvimento do Nordeste, a partir do projetode transposição das águas do São Francisco, acarretará um golpe de misericórdia norio cujo regime de vazão-base já se encontra limitado. Por João Suassuna

Esse tal de biodiesel...Com 98% de componente fóssil, o novo bio-fóssil-combustível continuará a emitirpoluentes no meio ambiente. Portanto, até que extensão o biodiesel ajuda no combateao aquecimento global e na preservação da natureza? Por Ana Echevenguá

O Brasil no cenário das mudanças ambientais globaisO Brasil deveria assumir uma atitude pró-ativa no que diz respeito à redução dasemissões de CO

2, já que as queimadas respondem por cerca de 70% das emissões

brasileiras de gases do efeito estufa. Por Márcia Pimenta

Para onde caminha a humanidade?Frente aos desvarios gerados pelo modelo de desenvolvimento capitalista – ao qual seconcedeu o direito de exterminar a vida na Terra –, o autor reflete sobre o funestocenário que espreita a humanidade hoje e amanhã. Por Roberto Malvezzi (Gogó)

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ME

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TE

Por Manoel Eduardo Tavares Ferreira

O uso do fogo na agricultura é condenado

há mais de um século pelos manuais

de conservação do solo e edafologia,

pelas conseqüências negativas por ele

provocadas na produtividade da terra.

No entanto, é milenar a utilização da

queimada para a retirada de florestas

e campos, visando à implantação

de pastagens e lavouras, ou mesmo para

a edificação de vilas e cidades, com

influência direta na formação de semi-

áridos e desertos. Há inúmeros relatos de

verdadeiros desastres provocados pelas

queimadas de vegetação, muitas delas

praticadas pelos exploradores

e colonizadores do velho mundo.

QUEIMADA E

IMPACTO SOCIOAMBIENTAL

CANA-DE-AÇÚCAR

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BREVE HISTÓRICO DAS QUEIMADAS

No Brasil, desde o início da colonização,as queimadas foram utilizadas para a pre-paração de áreas para o plantio da cana-de-açúcar, sendo o fogo ateado para adestruição de campos e florestas. Gilber-to Freire afirma que “o canavialdesvirginou todo esse mato grosso demodo mais cru pela queimada. A cultu-ra da cana valorizou o canavial e tor-nou desprezível a mata”. O processo ésimples. Para plantar a cana derruba-seou queima-se a floresta. Depois, para fa-bricar o açúcar, essa floresta faz falta paramanter acesa a chama dos engenhos, ouconstruir estas infra-estruturas. A canatem na floresta o seu maior amigo e inimi-go. Um exemplo apenas que evidencia adimensão que assumiu este processo comgraves conseqüências, principalmentepara o Nordeste brasileiro, onde a canacomeçou a ser implantada logo após odescobrimento.

O inconseqüente uso do fogo para as prá-ticas agropastoris e para a abertura delocais de habitação humana sempre foi arealidade do Brasil, desde seu descobri-mento, sendo que até hoje se faz sentiros efeitos dessa prática que, aliás, conti-nua vigente.

Com a febre da monocultura da cana, aprática das queimadas passou a ser roti-neira. Depois da queima inicial da vege-tação existente para a implantação doscanaviais, ocorriam as queimas destina-das a despalhar a cana, para facilitar acolheita. No Estado de São Paulo, até adécada de 1970, as usinas eram proprie-tárias de aproximadamente 30% da áreaque utilizavam para o plantio da cana.Com o advento do Proálcool (1975) e de-vido ao extremamente vantajoso subsí-dio estatal – com juros negativos e longoprazo de carência – a cultura canavieiraavançou com voracidade sobre os cam-

pos de outras culturas rurais, e em seme-lhante intensidade, o domínio das terrasdestinadas ao plantio da cana passou paraas usinas, por força de aquisição ou dearrendamento.

Neste quadro, a prática da queimada dacana-de-açúcar foi difundida em larga es-cala, sendo que, desde então, o controleparcial somente tem ocorrido por força dosmovimentos sociais que culminam em le-gislações específicas, ações do Ministé-rio Público e decisões judiciais. Contudo,há no Brasil alguns casos de abandonoespontâneo dessa prática. Pequenos pro-dutores de cana-de-açúcar do municípioparanaense de Ibati criaram uma coopera-tiva para produção de açúcar mascavo or-gânico, não utilizam adubos químicos ouagrotóxicos, e fazem a colheita manual, sema utilização do fogo, com resultados deprodutividade maior do que os das usinasdo Estado de São Paulo.

Vacari

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Seguindo caminho inverso do modelobrasileiro, a partir da década de 1970, Cubainiciou a mecanização das colheitas dacana-de-açúcar, abandonando paulatina-mente o uso do fogo nos canaviais, elimi-nando totalmente essa prática nos diasatuais. Método semelhante adotou as Fi-lipinas, com associação de outras cultu-ras no meio dos canaviais, sendo que apalha é utilizada como adubo orgânico.

Apesar deste antecedente histórico ne-gativo, as queimadas da palha da cana-de-açúcar continuam sendo praticadas noBrasil, no entanto são bastante combati-das por setores organizados da socieda-de, especialmente pelo movimentoambientalista. Na região de Ribeirão Pre-to, a partir de l988 surge uma entidade, aAssociação Cultural e Ecológica Pau Bra-sil, que se torna a mais combativa contraas queimadas. Nesse mesmo ano sãocoletadas mais de 50.000 assinaturas numdocumento contra as queimadas, que éenviado ao governador do estado, quechega a proibir as queimadas e depoisvolta a trás por pressão dos usineiros eproíbe as queimadas num raio de doisquilômetros em torno das cidades. Em1991, junto com várias outras entidades,faz um plebiscito com ampla participaçãoda população, onde 95 por cento votaramcontra as queimadas. Todos os anos sãonumerosas manifestações contra as quei-madas, passeatas, colocação de adesivose audiências públicas com setores da Saú-de e Educação do município. Nesses anosde luta foi estabelecida uma importanteparceria entre a ACE Pau Brasil e o Minis-tério Publico do Estado de São Paulo, comnumerosas ações judiciais promovidascontra as queimadas do setor canavieiro.

AS QUEIMADAS

E A SUSTENTABILIDADE AGRÍCOLA

O uso do fogo na agricultura é altamentepernicioso à terra, pois provoca adesertificação (como ocorreu no Nordestebrasileiro) pelas alterações climáticas. Aconseqüência da destruição da coberturaflorestal nativa e a falta de proteção paraas nascentes e mananciais ocasionam al-teração irreversível no ciclo das chuvas.

As queimadas da palha da cana-de-açúcarprovocam vários impactos ambientais ne-gativos que afetam a sustentabilidade daprópria agricultura. No solo, o fogo alteraas suas composições químicas, físicas e

O fogo altera

as composições

química, física e

biológica do solo,

prejudicando a

ciclagem dos

nutrientes e

provocando sua

volatilização.

biológicas, prejudicando a ciclagem dosnutrientes e causando a sua volatilização.

As queimadas provocam um uso maior deagrotóxicos e herbicidas para o controle depragas e de plantas invasoras, sendo queesta prática agrava ainda mais a questãoambiental, afetando os microorganismos dosolo e contaminando o lençol freático e osmananciais. A contaminação da água podeatingir níveis de difícil ou até mesmo impos-sível recuperação.

As queimadas causam a liberação para aatmosfera (segundo foi comprovado peloINPE de São José dos Campos e UNESPde Jaboticabal) de ozônio, de grandesconcentrações de monóxido de carbono

(CO) e dióxido de carbono (CO2), que afe-

tam a saúde dos seres vivos, reduzindotambém as atividades fotossintéticas dosvegetais e prejudicando a produtividadede diversas culturas. As queimadas libe-ram grandes quantidades de gases quecontribuem para a destruição da camadade ozônio na estratosfera e, assim, possi-bilitam que raios ultravioletas atinjam emmaior quantidade a Terra e causem efei-tos cancerígenos e mutagênicos. Por ou-tro lado, os gases que ficam concentra-dos na atmosfera absorvem a energia tér-mica dos raios infravermelhos refletidospela superfície da Terra, contribuindo como efeito estufa, que gera uma reação emcadeia negativa para o planeta.

Durante a queimada da palha da cana-de-açúcar a temperatura a 1,5cm de profun-didade chega a mais de 100ºC e atinge800ºC a 15cm acima da terra, afetando gra-vemente a atividade biológica do solo,responsável por sua fertilidade. O aumen-to da temperatura do solo provoca a oxi-dação da matéria orgânica. Na Colômbiafoi constatada redução em 55% a 95% doteor da matéria orgânica em solos apósas queimadas.

As queimadas eliminam os predadoresnaturais de algumas pragas, como asvespas, que são inimigas da broca dacana Diatrea saccharalis (principal pra-ga da cana na região de Ribeirão Preto),provocando o descontrole desta pragae exigindo a utilização cada vez maior deagrotóxicos, provocando maior contami-nação ambiental. Na mesma linha, o fogonão mata as sementes das gramíneas in-vasoras e estas, por não estarem cober-tas pela palha, germinam rapidamente.Para combater essas plantas invasoras,os agricultores utilizam herbicidas emgrande escala e em quantidade cada vezmaior, motivo pelo qual a cultura da canaé responsável pelo uso de mais de 50%de todos os herbicidas utilizados na agri-cultura brasileira.

Ao eliminar a cobertura vegetal do solo,a queimada favorece o escorrimento su-perficial da água das chuvas, agravandoo processo erosivo. Esse fenômeno é ex-plicado pela insuficiência de cobertura dosolo superficial, que sofre forte compac-tação pelas chuvas e vai ficando imper-meável, dificultando a infiltração da águae a brota da vegetação. O solo vai empo-

Valter Campanato

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A PRÁTICA DA QUEIMADA É PREJUDICIAL À AGRICULTURA PORQUE

■ deixa o solo desnudo, o que aumenta as perdas por erosão, principalmente em terrenos íngremes;■ volatiliza substâncias necessárias à nutrição das plantas;■ destrói grande parte da matéria orgânica do solo;■ elimina os microorganismos úteis do solo; e■ diminui progressivamente a fertilidade do solo e a produtividade das lavouras.

brecendo pela eliminaçãoda matéria orgânica. A quei-ma altera a umidade dosolo, por causa das mudan-ças na taxa de infiltração deágua, no volume de enxur-rada, na taxa de transpira-ção, na porosidade e na re-pelência do solo à água e,conforme suas caracterís-ticas, o solo pode ficar maisimpermeável, situação estaque torna o terreno exces-sivamente duro e mais su-jeito a erosões.

Depois das queimadas tam-bém se verifica aumento doaquecimento na superfíciedo solo, pela maior absor-ção da radiação solar, fatocausado não só pela perdada cobertura vegetal, mastambém pela cor que fica naterra (do cinza ao preto).

Se o fogo não fosse utilizado como prati-ca agrícola, seria bem maior o aproveita-mento dos fertilizantes químicos e orgâ-nicos (aplicados em quantidades cada vezmaiores). Haveria ainda melhoria das qua-lidades físicas, químicas e biológicas dosolo com sua melhor conservação e, con-seqüentemente, maior produtividade.Também ocorreria melhoria da capacida-de de infiltração da água na terra, aumen-tando a retenção de umidade e reduzindoa erosão pelo efeito da cobertura compalha que serviria de proteção ao solo.Considerando a sustentabilidade da pró-pria atividade agrícola, as queimadas pro-vocam mudanças no ciclo hidrológico ena composição da atmosfera, contribuin-do para uma degradação ambiental queafeta todos os seres vivos.

IMPACTOS NA FLORA

A destruição da vegetação florestal nati-va do Brasil e, em especial, no Estado deSão Paulo tem ocorrido nos diversos ci-clos de implantação de culturas e pasta-gens, sendo o último deles o da monocul-tura canavieira. Como exemplo, temos aregião de Ribeirão Preto que, até a déca-da de 1970, tinha 22% de cobertura flo-restal nativa, sendo que com o estímulodo PROÁLCOOL essa área foi reduzidapara menos de 3% nos dias atuais. Mes-mo com essa cobertura florestal irrisória ”

para manter o equilíbrioecológico da região, ofogo continua invaria-velmente atingindo osúltimos e pequenos re-manescentes de vege-tação nativa.Os canaviais não sãoplantados em áreasdistantes, isoladas deoutras culturas ou ve-getações. Na verdade,eles se estendem atéos limites de florestas,unidades de conserva-ção, áreas de proteçãoambiental, áreas depreservação perma-nente e áreas de plan-tio de outras culturas.

Como as queimadassão efetuadas na esti-agem, não raro as ve-

getações limítrofes são atingidas, diretaou indiretamente, sofrendo danosirreparáveis ou de difícil reparação. Comoexemplo, temos a Estação Ecológica deSão Carlos, Unidade de Conservação lo-calizada no Município de Brotas/SP, comlonga história de destruição motivadapelas queimadas da cana-de-açúcar.

Os canaviais da Usina da Serra estendem-se até os limites dessa Unidade de Con-servação, sendo que há um histórico dedanos diretos e indiretos nela provocadospelas queimadas realizadas nessa mono-cultura. Esses danos não são só causadospor fogo provocado pelas fagulhas, mastambém pela alta temperatura alcançada naqueimada, que destrói a vegetação da bor-da, dando espaço para ervas daninhas sealastrarem pela área protegida.No Município de Brotas/SP, em setembrode 1997, a Usina da Barra S.A. Açúcar eÁlcool efetuou a queimada no canavialsituado nas proximidades da Área de Pro-teção Ambiental de Corumbataí (DecretoEstadual 2.960/83). As fagulhas da quei-ma foram levadas pelo vento à área deproteção ambiental e provocaram um gran-de incêndio na mata nativa, que era reple-ta de nascentes.

Os argumentos utilizados pela usina paratentar livrar-se da responsabilidade peloincêndio naquela área protegida é que ha-viam sido tomadas todas as cautelas ne-

Koruja

Não existe

queima controlada:

depois de ateado,

é impossível ter-se o

fogo sob controle.

Os gases da

queimada,

concentrados na

atmosfera, absorvem

a energia térmica

dos raios

infravermelhos

refletidos pela

superfície da Terra,

contribuindo com o

efeito estufa.

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cessárias à queima do canavial... mas ofogo ficou sem controle, pois o períodoera de seca. E para justificar a impossibili-dade humana de apagar o incêndio depoisde iniciado, expressamente citaram o dita-do popular: “água de morro abaixo e fogode morro acima ninguém segura”.

Esse argumento ridículo, utilizado pela Usi-na da Barra, demonstra a irresponsabilida-de do setor canavieiro e indica o grave ris-co ao qual a flora é exposta a cada queimadita controlada, por ser impossível ter o con-trole do fogo utilizado. Considerando queas queimadas ocorrem na estiagem, é gran-de a probabilidade de uma fagulha atingiras áreas próximas. Mesmo que as usinaspaguem multas e indenizações, não há re-paração monetária que recupere a situaçãooriginal de uma reserva florestal, com suabiodiversidade, seus nichos e seu equilí-brio destruídos para sempre pelo fogo.

IMPACTOS NA FAUNA

As queimadas dos canaviais, em regra,eram feitas a partir dos quatro lados daplantação: o fogo parte das extremidadespara o centro e a temperatura chega a al-cançar 800ºC. Embora condenável, essaprática – conhecida como “queimada emcírculo” – ainda é utilizada em diversospontos do Brasil. No Estado de São Paulo,as queimadas têm sido feitas geralmente apartir de dois lados dos canaviais para re-duzir os riscos de acidentes. De qualquerforma, o fogo tem destruído um númeroainda incalculável de espécimes da faunanativa, desde insetos até mamíferos.

Os biólogos que desde 1989 trabalham noParque Ecológico de São Carlos-SP relata-ram que não raro resgatavam das queimadas– na maioria das vezes sem sucesso – gatos-do-mato, onças-pardas, lobos-guará, vea-dos, tamanduás, tatus, cobras e muitos ou-tros. Embora resgatados das queimadas doscanaviais, tais animais raramente sobrevivi-am. Também foi relatado que é enorme aquantidade de animais mortos pelo fogo, pelaelevada temperatura ou por asfixia causadapela fumaça. Além disso, há um número es-pantosamente maior de outros integrantesda fauna, como insetos, pequenos roedorese pássaros, que são completamente incine-rados sem sequer deixar vestígios.

E por não encontrarem mais as matas na-tivas que foram destruídas para implanta-ção dos canaviais, muitos bichos são obri-gados a se abrigar no próprio canavial,que serve para sobrevivência e procria-ção da espécie. Por este motivo tornou-se comum animais silvestres como pom-bas, nhambus, codornas e perdizes faze-rem seus ninhos e colocarem seus ovos,em pleno canavial, fonte de farta ofertade insetos. Essa povoação atrai predado-res como cobras, ratos e lagartos que, porsua vez, atraem outros predadores de mai-or porte, como o cachorro-do-mato, olobo-guará e a onça-parda. A esta popu-lação juntam-se outros animais, como acapivara e a paca. Impiedosamente a quei-mada alcança esse nicho ecológico quetenta se restabelecer dentro do canavial,matando os animais que dificilmente con-seguem fugir dessa verdadeira armadilhapreparada pelo homem.

Não existe um levantamento estatísticocientífico sobre a quantidade de animaise de todas as espécies que morrem, emmédia, por hectare de canavial queimado.Os dados existentes são escassos e re-presentam uma fração bastante pequenada realidade, pois são referentes apenasaos animais que são resgatados com vidae levados a um atendimento emergencial.Assim, estão fora deste levantamento to-dos os insetos e praticamente todas asaves e pequenos roedores. Também nãoestão computados animais que conse-guem fugir, lesionados, e que acabam pormorrer em outro lugar.

A Polícia Ambiental do Estado de SãoPaulo passou a desenvolver, a partir doano de 2002, um trabalho que consiste em

operações de constatações de danos àfauna pelas queimadas, logo após a suautilização nas lavouras de cana-de-açú-car. A informação é que são encontradosmuitos animais mortos, moribundos ouabalados pelo calor, fumaça e fogo, alémde um número incalculável de pequenosanimais cujo desaparecimento no meio daqueimada não deixa vestígios.

Como se constata, não existe um trabalhocientífico, sobre o número de espécimesatingidos por hectare de cana queimada,mas as informações já existentes revelamum grande impacto sobre a fauna e o con-seqüente desequilíbrio ecológico.

Concluímos que a queimada da palha dacana-de-açúcar, embora muitas vezes fei-ta com autorização do poder público, éuma prática que infringe a lei, pois provo-ca danos na fauna, que é especialmenteprotegida por leis federais e estaduais.

Aline Carvalho

A exploração extensiva da cana-de-açúcar vemavançando sobre as matas nativas. Resultado:

tamanduás, pererecas, gatos-do-mato e todaa fauna silvestre, que antes se abrigava nos

ecossistemas arrasados pelos canaviais,são vitimados pela destruição de seu habitat.

E os bichos que se adaptam ao novo ambienteacabam aniquilados pela prática da queimada.

Não há

reparação monetária

que recupere

biodiversidade,

nichos e equilíbrio

de uma reserva

florestal: a

destruição pelo fogo

é para sempre.

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IMPACTOS SOCIAIS

As queimadas existem apenas para redu-zir os custos do setor sucroalcooleiro,pois, como sabemos, o rendimento docortador de cana ou da colheitadeira é tri-plicado quando a palhada é queimada.

O setor canavieiro sempre ameaça a po-pulação que reclama das queimadas como desemprego dos cortadores de cana,que seriam trocados pelas colheitadeiras.Mas esse argumento é mentiroso, pois sequeimadas fossem proibidas hoje, seriano mínimo triplicado o número de traba-lhadores empregados na colheita.

O setor ainda alega que os trabalhadoresnão querem cortar a cana crua, pois o ren-dimento do corte é baixo, existe o riscodos animais peçonhentos, cortes e ou-tras ameaças. No entanto, os trabalhado-res já cortam a cana sem queimar para oplantio; basta pagar uma remuneração

justa e fornecer equipamento adequado.Os trabalhadores que são pagos por pro-dutividade têm morrido de exaustão: nãoé possível continuar essa forma de ex-ploração absurda! Os trabalhadores as-salariados poderiam cortar a cana cruasem problemas.

As condições ambientais de trabalho docortador na cana queimada são muito pi-ores do que na cana crua, pois a tempe-ratura no canavial queimado (a cor escu-ra eleva a temperatura ambiente) podechegar a mais de 45º C. Além disso, afuligem da cana penetra pela pele e pelarespiração, passando a circular na cor-rente sanguínea do trabalhador. Subs-tâncias cancerígenas presentes na fuli-gem já foram identificadas na urina des-ses trabalhadores. E as partículas inala-das pelos trabalhadores pode estar as-sociada aos casos de mortes por proble-mas cardíacos.

A realidade demonstra que a alegação dosetor com a questão do desemprego é to-talmente falsa. Afinal, nas regiões canavi-eiras existem milhares de desempregados.No entanto, a cada ano, as usinas vão bus-car os cortadores de cana cada vez maislonge: agora eles são trazidos do Piauí edo Maranhão. E após viajarem milharesde quilômetros são alojados em “dormi-tórios” – verdadeiros pardieiros insalu-bres. O setor sucroalcooleiro não utilizaos trabalhadores locais porque estes jáconhecem bem o setor, conhecem seusdireitos e são mais organizados.

Outra questão que demonstra não estaro setor sucroalcooleiro nem um poucopreocupado com o desemprego, com asaúde da população ou com as questõesambientais é o fato de muitas usinas naregião de Ribeirão Preto já terem mais de70% de suas áreas colhidas por máqui-nas. No entanto, para reduzir o custo e

DR DR DR

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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aumentar o rendimento das colheitadei-ras, essa cana continua sendo queimada.

As queimadas reduzem o custo do setorcanavieiro e aumentam seus lucros. Noentanto, a sociedade fica com os prejuí-zos causados pelas queimadas, muito es-pecialmente as doenças respiratórias. Aspartículas finas e ultrafinas inaladas pro-vocam reações alérgicas e inflamatórias.Esses poluentes passam para a correntesanguínea, causando complicações em di-versos sistemas orgânicos. Desta forma,os custos de atendimento das vítimas au-menta consideravelmente, e quem arcacom o ônus dos medicamentos e de pro-cedimentos médicos são os serviços desaúde e a própria população.

A população tem ainda que pagar pelo gas-to maior de água e produtos de limpeza uti-lizados para limpar a sujeira da fuligem daqueimada que cai sobre as cidades. O abas-tecimento de água dos centros urbanos dasregiões canavieiras tem sido afetado noperíodo de safra, pois justamente na estia-gem, onde os recursos hídricos são limita-dos em função das queimadas, o consumode água chega a duplicar.

O poder econômico do setor canavieirocompra o direito de poluir à vontade, dei-xa grande parte da população doente eabrevia a vida dos portadores de insufici-ência respiratória ou cardíaca. Afinal, osetor contribui forte para o financiamen-to de campanhas políticas de deputadosestaduais, federais e até de governado-res, que aprovam leis inconstitucionais,concedendo mais trinta anos de prazo(2031) para o fim das queimadas. ■

Manoel Eduardo Tavares FerreiraEngº Agrônomo, presidente da AssociaçãoCultural e Ecológica Pau Brasil.http://www.paubrasil.org.br

Flavio Cruvinem Brandão

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O etanol já está causando aumen-to crescente no preço do milhonos EUA e no México. A ques-

tão do milho (para etanol) está concen-trada nos EUA, e já existem vários estu-dos indicando o aumento de preço (inte-ressante estudo está disponível, em in-glês, no site http://www.card.iastate.edu).

Não creio que o Brasil corra real risco desubstituição de produção de alimentospor cana-de-açúcar. Os atuais casos –como a erradicação de laranjais do oestepaulista para plantação de cana ou a“transferência” da pecuária do noroestepaulista para o centro-oeste – são pon-tuais e não indicam uma tendência.

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Por Henrique Cortez

A questão de uma potencial crise

na produção de alimentos, em razão

da demanda por agrocombustíveis, não

será resolvida tão cedo e não pretendo

esgotá-la, mas refletir sobre o assunto.

Um primeiro passo para avaliar melhor

o tema será separar o problema no Brasil

do que potencialmente pode acontecer

em outros países.

A substituição da produção de alimentosnão acontecerá nos EUA em razão do rí-gido zoneamento agropecuário, e na Eu-ropa também será pontual, embora já acon-teça em razão dos subsídios do biodiesel.

Com base em dados de 2006, a FAO (Or-ganização das Nações Unidas para Agri-cultura e Alimentação) informa que a pro-dução de alimentos no planeta é suficien-te para que toda a população mundial te-nha uma dieta diária de quase 3.000 calo-rias. O problema não é a falta de comida,mas a falta de recursos financeiros paraacesso a ela. Simplesmente mais de 800milhões de pessoas não têm dinheiro paracomprar comida.

ONDE ESTÁ O PROBLEMA?

Na minha percepção, o problema estaráno “pobre e sujo” Terceiro Mundo. NoMéxico é crescente a substituição doagave azul pelo milho para a produçãode etanol. O milho é de extrema impor-tância na alimentação mexicana e seuspreços são crescentes, como reconhe-ce o próprio governo, em razão do com-prometimento das safras para exporta-ção aos EUA.

De exportadora de produtos agrícolas, aMalásia tornou-se importadora, em ra-zão da produção crescente de óleo depalma (dendê). Processo semelhante co-meça a surgir na América Central.

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Henrique Cortez - coord. do [email protected]

O maior e pior exemplo de como fun-ciona o Terceiro Mundo (com voca-ção para quinto) é a Etiópia dos anos1980. Em meio à imensa crise huma-nitária, com mais de 200 mil mortespor inanição, ela continuava o se-gundo maior exportador de arroz daÁfrica. Irresponsabilidade de esta-do e ganância privada são irmãs sia-mesas no subdesenvolvimento.

E O BRASIL?

Nossa imensa capacidade de produ-ção agrícola não indica que o poten-cial de substituição seja significati-vo. Na minha opinião, o problemaserá de gestão. Como sempre.

Em primeiro lugar, os agrocombustí-veis precisam ser compreendidos egerenciados pelo (des)governo comorealmente são: produtos agrícolas.

Isto significa implantar um correto erigoroso zoneamento agrícola, pre-ço mínimo, estoques reguladores, segurode safra, financiamento racional, logísti-ca de produção, armazenamento e distri-buição, etc. Ou seja, tudo que o governose atrapalha em fazer.

O contrato da Petrobras com o Japão, porexemplo, previsto para 3,5 bilhões de litros aserem exportados a partir de 2011, é contra-tualmente baseado em oferta firme de etanol.Isto pode ser coerente com contratos de com-bustíveis, mas em termos agrícolas é umamaluquice, porque, em caso de quebra desafra, o mercado interno pode ser desabas-tecido para atender ao mercado externo, com-prometido por força de contrato de ofertafirme, ou seja, de volume especificado. É umcontrato de venda de combustível que nãoconsidera que o etanol é um produto agríco-la, com todos os riscos e incertezas destetipo de produção. Coisa de petro-burocrata.

Um bom exemplo é o que ocorre com obiodiesel (pessoalmente prefiro agrodie-sel). Algumas boas intenções, cercadasde programas inconsistentes, incompe-tência gerencial e produção irregular. Atéo farelo precisa de um modelo eficaz degestão. Vejam a “crise” do crescente es-toque de glicerina.

Nossa produção de etanol é em boa par-te competitiva em razão da intensa utili-zação de mão-de-obra barata, explorada

à exaustão e em condições freqüen-temente degradantes. Até agora nãoexiste um real plano nacional de au-mento de produção com significati-va melhoria das condições de traba-lho e renda.

Talvez a produção de cana-de-acúcarnão aumente na Amazônia, mas já éum indutor da expansão da pecuáriae da soja em direção à floresta. Ogoverno sempre argumenta que a ex-pansão da área de cana aconteceránas áreas degradadas, mas isto nãoacontece na realidade, além dos ga-binetes de Brasília.

Por quê? Simplesmente porque a re-cuperação de uma área degradada exi-ge pesados investimentos e um prazorelativamente longo. É por isto que afronteira agropecuária se expande sem“usar” as áreas degradadas. Não vaiser com os agrocombustíveis que istomudará por si mesmo.

A falta de planejamento colocou o gover-no norte-americano “nas mãos” dos pro-dutores de milho, do mesmo modo quenosso governo está e sempre esteve nasmãos dos usineiros, com a agravante deque nossa produção é baseada em mono-cultura intensiva e latifundiária, um mode-lo oligarca de produção, que pouco se aper-feiçoou desde as capitanias hereditárias.

No caso brasileiro, não creio que “falta-rá” comida, mas tenho certeza que “so-brará” desorganização. E por desorgani-zação entenda-se algo muito lucrativopara poucos e a plena socialização doscustos sociais e ambientais.

Enquanto isto, em muitos países, em espe-cial na África e Ásia, o potencial de crise égrande, porque os grandes interesses eco-nômicos internacionais (entenda-se ospaíses economicamente desenvolvidos)não terão o menor escrúpulo em incenti-var a substituição da produção de alimen-tos por agrocombustíveis. Afinal, se já nãose importam com a fome de 800 milhões depessoas, por que se importariam com afome de 1 bilhão e meio? ■

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Nossa produção

de etanol é em boa

parte competitiva

em razão da intensa

utilização de

mão- de-obra

barata, explorada

à exaustão

e em condições

freqüentemente

degradantes.

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Há algum tempo, por questões afetivas e familiares, tenho deixa-do a capital de Minas e me dirigido ao município de Abaeté, nocentro-oeste mineiro, terra belíssima e aprazível, circundadapelo Ribeirão da Marmelada e pelo Velho Chico, além de exten-sa margem do lago de Três Marias. E, a cada ida e vinda, mais e

mais me surpreende a paisagem surrealista que se pode vislumbrar de algunspontos ao longo do caminho: o cerrado, pai das águas, berço de uma dasdiversidades biológicas mais ricas do mundo – ou o que resta dele naquelaregião – espremido e sufocado entre milhares de hectares de eucalipto, numacomposição uniforme, uma onda enorme e ameaçadora e, se me permitem,feia! Feia e fora de contexto!

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O VERDEPor Nísio Miguel Tôrres de Miranda

Descubra por que a monocultura de eucalipto envenena,

degrada, desertifica, polui, desintegra, uniformiza, desvirtua

e mata o cerrado... e a natureza.

QUE QUEREMOS

Valter Campanato

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Nísio Miguel Tôrres de Miranda –Bel. em Direito, especialista em DireitosDifusos e Coletivos, poeta e ambientalista,colaborador e articulista do EcoDebate.Publicado originalmente emwww.EcoDebate.com.br - 06/06/2007Para saber mais:http://www.cutrj.org.br/Cartilha.pdf

De alguma forma, os empreendedores atétentam manter longe da visão dos passan-tes a imensidão de suas culturas deixando,ao longo da estrada, resquícios da vegeta-ção nativa, compondo o que poderíamospoeticamente chamar de uma “mata ciliar”à estrada, mas que não consegue impedirque vejamos o que se esconde por trás dela.Após uma ou outra curva, consegue-se tera exata noção do quanto avançou a mono-cultura deste símbolo vegetal do capitalis-mo obcecado por conquistas urgentes, in-dependentemente da sua viabilidade ambi-ental, social e econômica, hoje, tanto quan-to num prazo mais longo. E o que é pior:muito distante dos interesses de sustenta-bilidade que todos aspiramos, hoje.

EUCALIPTO X RECURSOS HÍDRICOS

Mas pretendo ir além da inexistente belezae da obsessão dos mercados pela triste fi-gura do eucalipto. Tenho me aprofundadona busca de informações sobre ele e, numapanhado geral, percebo que a expansãodas plantações é proporcional ao grandenúmero de reprovações de sua existênciaem solo nacional, contraditórias a pouquís-simos estudiosos, alguns até com certo re-nome, que a aprovam. Na minha opinião,diz-se dele o pior que se pode dizer de umindivíduo em convivência com o ambiente:elimina os recursos hídricos. Poderia exis-tir desqualificação pior para um ser vivo? Omesmo vale para o ser humano. Só que nos-sa diversidade cultural, social e educacio-nal permite termos alguns de nossa espécieempenhados em conservá-los.

Os arbustos retorcidos e aparentementeraquíticos do bioma cerrado (sei que aquialguns dirão: “muito mais feios que osimponentes eucaliptos!”) primam por le-var até a terra, de forma suave e penetran-te, as águas da chuva, o orvalho e a umi-dade do ar, transformando-os em reser-vas subterrâneas e conservando-as soba sua sombra densa. Já a exóticaEucaliptus ficifolia (e suas variações)segue em direção oposta, sugando e faci-litando (algo em torno de 12 vezes maisdo que o normal em alguns lugares) a eva-poração das reservas de água do soloonde é cultivada, secando nascentes,córregos e rios. E as atividades e os pro-dutos industriais dela originados – a in-dústria da celulose, à frente – são dos maispoluidores e contaminadores das águas su-perficiais e subterrâneas, segundo algunsambientalistas e especialistas.

EUCALIPTO X FAUNA NATIVA

E vai além. A eliminação da fauna nativano plantio e replantio destas espéciesdeve ser imensurável, penso eu. Afinal,qual espécime conseguiria conviver coma sombra, a sequidão e inanição provo-cadas pelos imensos eucaliptais? Ou an-tes, durante o período de limpeza da áreapara o plantio e enquanto crescem, sem asombra, sem os fungos, sem as folhas,sem as presas e predadores da cadeia dasobrevivência e os microorganismos ine-rentes aos seus nichos?

Como se pensar em interação ecológicacom uma massa fria e compacta de indiví-duos totalmente estranhos ao ambientenativo? Será possível que os corredoresecológicos tenham obtido algum suces-so? Talvez para a fuga dos animais queporventura restarem após desastrada in-vasão e degradação de seu habitat...

EUCALIPTO: O VERDE QUE DESERTIFICA

A sociedade necessita de mais informa-ções e formação sobre tudo. Mas, princi-palmente, sobre o que os seus represen-tantes nos governos estimulam como prá-ticas para o desenvolvimento. Pode serque estejam equivocados e a populaçãoprecisa saber disso para poder sugerir e

reivindicar outras políticas, outras práti-cas, e obter outros resultados. E nós pre-cisamos que a mídia assuma, cada vezmais firmemente, o seu papel de informar,formar, instruir, denunciar. Fazer reverbe-rar as notícias e informações das organi-zações sociais e dos estudiosos, e nãosó dos empreendedores e dos governos,colocando-os em pé de igualdade. Elesprecisam mostrar o outro lado da moeda,talvez o lado de César, que o capital mani-pula, para que a nação e cada cidadão emsua própria aldeia possam ajudar a tomardecisões que sejam realmente benéficaspara o universo e para todos.

No caso das monoculturas (todas têm ummaior ou menor potencial maléfico), sóboas notícias a seu respeito circulam pelamídia. Entretanto, em sua maioria, os mo-vimentos sociais, as organizações não-governamentais e os estudiosos que pen-sam e pregam a sustentabilidade antesdo lucro exacerbado condenam sua práti-ca, embasando seus veredictos com omais alto padrão de informações científi-cas e pesquisas em todos os campos efontes. Mostrando a realidade dura dascomunidades atingidas, os trabalhos es-cravo e infantil, a degradação e a fome aolado de milhares de hectares de terrasantes fertilíssimas, a desertificação iminen-te, ironicamente advinda de muito verde.

Resta-nos saber qual verde nós quere-mos; qual verde é o melhor para o mundoe para nós. O verde que mata a fome, pre-serva as águas, os bichos, as plantas efaz viver o homem e a mulher, e multiplica-se, viçoso e generoso, sem nenhuma in-tervenção humana, sem a mínima preten-são de vir a possuir algum valor econômi-co ou “de mercado”... Ou o verde queenvenena, degrada, desertifica, polui, de-sintegra, uniformiza a natureza, desvirtu-ando-a, e... Mata, mata, mata e mata?!

Salvemos o cerrado e todos os biomasbrasileiros, enquanto podemos. Em nomeda vida – a que é e a que será! ■

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A cultura do

eucalipto não atende

aos critérios de

sustentabilidade.

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www.cvrd.com.br

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É POSSÍVEL UMA MINERADORABRASILEIRA UTILIZAR SUATECNOLOGIA A SERVIÇO DAPRESERVAÇÃO AMBIENTAL?

SIM, É POSSÍVEL.

A Vale acredita no desenvolvimento sustentável do País, por isso não pára de desenvolvertecnologias para soluções ambientais. A Vale aproveita quase toda a água que utiliza emseus processos produtivos, usa biodiesel como parte do combustível de suas locomotivase tem o maior viveiro nacional de reprodução de mudas de espécies tropicais. Além disso,desenvolve e implanta inúmeros projetos de recuperação e reflorestamento e preserva maisde 1 milhão de hectares de Mata Atlântica, Floresta Amazônica e cerrado. Para a Vale, tãoimportante quanto ser uma grande empresa é ajudar a preservar a biodiversidade do planeta.

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ECONOMIA DE SUBSISTÊNCIA: RIQUEZA... SEM DÓLAR

Era um dia de muito calor. Mas a cabana de palafitas era frescae bem ventilada. Eu não sentia nenhum calor. Estava a 20 milkm fora do meu apartamento alugado, agora junto com umafamília Papua de cinco pessoas, às margens do Rio Ok Tedi, noano de1993. Nas refeições ofereciam-me batata-doce, sagu elegumes. Quase tudo de que precisavam para viver chegava deseus próprios jardins florestais cheios de frutas e legumes, àsmargens do rio. Caça, remédios e lenha chegam do mato pertoda horta e o rio era repleto de peixes. Eu estava cheio de admi-ração e inveja. Eles tinham tudo o que eu não tinha. Eles ti-nham uma casa, uma grande horta e jardim, e um território pró-prio. E eu não tinha nada disso, somente um trabalho depen-dente para ajudar-me mais ou menos a pagar aluguel, telefone,alimentação, computador e energia elétrica. Em comparação

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Por Norbert Suchanek

A definição de pobreza, segundo o padrão econômico

hegemônico vigente, é a grande responsável pelo

contingente de milhões de seres humanos a cada ano

reduzidos à indigência. A miséria só será erradicada

quando o modelo das sociedades de subsistência for

aceito e integrado ao mercado mundial.

� Fotos de povos primitivos (Índia, Papua) vivendo de seus recursos próprios.

“Por iniciativa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Nós, o Presidente Jacques Chirac, da

França, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, o Presidente Ricardo Lagos, do Chile,

e o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, nos reunimos, hoje, 30 de janeiro de 2004, em

Genebra, para intercambiar opiniões a respeito de temas sociais e econômicos globais. Expressa-

mos nossa forte preocupação com as tragédias humanas causadas pela fome e pobreza no mundo.

Recordamos que 1,1 bilhão de pessoas lutam para sobreviver com menos de um dólar por dia.”

Declaração dos Presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Jacques Chirac, Ricardo Lagos e o Secretário-Geral das NaçõesUnidas, Kofi Annan, encontro “Ação contra a fome e a pobreza”.

aos meus generosos anfitriões, eu era uma pessoa pobre.Mas na definição do Banco Mundial e de instituições para odesenvolvimento, esta família que tem tudo de que precisa éuma das famílias mais pobres do mundo, porque esses Papu-as não ganham nenhum dólar por dia. O fato é que eles nãotêm nenhuma necessidade de ganhar dinheiro.

Diferente é o lingüista de uma igreja fundamentalista norte-ame-ricana que vive entre os Papuas num container com ar condici-onado e gerador movido a diesel. E que se alimenta somentecom pão branco importado, geléia de laranja e, para um cidadãodos Estados Unidos, o “indispensável” creme de amendoim,igualmente importado. O trabalho dele era estudar a língua localpara traduzir a Bíblia. A minha família de Papua, com tolerância,ainda sorria sobre o jeito de viver dele.

POR QUE E PARA QUEMDESENVOLVIMENTO:

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Cidadania&MeioAmbiente 1919

“Hoje, prevalece o modelo darevolução verde. Em Punjab, re-gião noroeste da Índia, 150 milagricultores se suicidaram noespaço de 10 anos, porque seucampo não valia mais nada eporque não tinham mais do queviver, após terem abandonadosua cultura de subsistência, queao menos os tornavam auto-su-ficientes e os alimentavam!” -Vandana Shiva, vencedora doprêmio Nobel Alternativo, em1993, e Diretora da Fundação dePesquisa em Ciência, Tecnologiae Recursos Naturais, Índia.

Exatamente como os Papuas ao Les-te de Papua-Nova Guiné vivem des-ta economia de subsistência, tam-bém vivem até hoje milhares de fa-mílias de outros povos, em outroscontinentes. Uma economia de mui-ta liberdade sofisticada. Esta eco-nomia de subsistência é a forma ide-al de uma economia regional, sus-tentável e ecológica - ou seja, ela éexatamente o que o “novo” modelode movimento ecológico internaci-onal para o desenvolvimento sus-tentável almeja. Mercado local con-tra mercado mundial.

O cultivo local, a produção local, omercado local e o consumo local: opequeno agricultor de subsistên-cia no Brasil, os povos indígenasPenan da Ilha Borneo, os Papuasde Nova Guiné fazem tudo isso deforma perfeita. Trocam o exceden-te com seus vizinhos, não precisamde dinheiro para viver.

“Por séculos os princípios desubsistência permitiram a socie-dades em todo o planeta sobre-viverem e até mesmo prospera-rem. Nessas sociedades, os limi-tes da natureza foram respeitados,guiando os limites do consumohumano.” - Vandana Shiva

É claro que estes camponeses e povos autônomos que produ-zem seus próprios alimentos nunca vão ao supermercado paracomprar frutas e legumes. O mercado mundial não tem nenhumachance para ganhar dinheiro com eles. E nenhum empresário temchance de desempregá-los. Estes povos autônomos só vão serpobres quando alguém tirar a terra deles. Quando alguém matar orio deles. Ou quando alguém mudar a cultura e o jeito de vida

deles para o estilo consumista ocidental, movendo-os, neste mo-mento, à dependência.

Foi exatamente isso que aconteceu em nome do desenvolvimen-to, com financiamento do Banco Mundial ou com apoio de insti-tuições estatais e internacionais para o desenvolvimento e váriosgrupos religiosos fundamentalistas nas últimas décadas.

Os habitantes da aldeia indígena Kikretum, dos Kayapó (Pará), não precisam de dólar para garantirsobrevivência e qualidade de vida. Foto: Antonio Cruz/ABr

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QUEM NO MUNDOÉ CONSIDERADO POBRE?

■ Segundo o Banco Mundial, quem ganha menos de umdólar por dia vive na pobreza extrema. Já quem ganhaaté dois dólares por dia vive na pobreza. Calcula-se que,atualmente, 1,2 bilhão de pessoas vivem em situação depobreza extrema.

■ Hoje, 2,7 bilhões de pessoas vivem na pobreza, ouseja, com cerca de US$2 por dia.

■ Segundo o Banco Mundial, a China conseguiuavanços notáveis na luta contra a pobreza extrema. Ocontingente de pobres caiu de 606 milhões, em 1981,para 212 milhões em 2001.

■ A Índia tem cerca de 350 milhões de pessoassobrevivendo com menos de US$ 1 por dia.

■ O Brasil é um país rico, mas com uma grande parcelada população vivendo na pobreza. Segundo o IBGE, são57 milhões de pobres no país.

Paulo Galvão Júnior e Rodrigo de Luna Barbosa, “O FuturoG-13 – Parte 2: os quatro graves problemas mundiais”,2007, Conselho Federal de Economia.

ECONOMIA DE MERCADO CRIA POBREZA

GENERALIZADA

As economias sustentáveis não são pobres no sentido de ausênciade bens. Mas a ideologia do desenvolvimento as definem assimporque não participam da economia de mercado, e não consomemos produtos industrializados. Segundo a cientista Vandana Shiva:

“Os povos são percebidos como pobres se comerem painço(produzido pelas mulheres) e não a junk food (alimentos in-

dustrializados) produzida e comercializada pelo agrobusinessglobal. Os povos são tidos pobres se viverem numa casa feitapor eles mesmos, com materiais naturais ecologicamente adap-tados como o bambu e a lama, e não em casas de concreto. Ospovos sustentáveis são percebidos como pobres quando usamroupas de fibras naturais feitas com suas próprias mãos e nãoroupas com fibras sintéticas.”

Uso como exemplo a Nova Guiné, onde em 1993 investiguei asconseqüências de mineração de ouro e cobre (financiada porinstituições internacionais) numa região em que quase 100% dapopulação viviam da subsistência autônoma. Para alguns destespovos habitantes das áreas baixas do Rio Ok Tedi ficou impossí-vel viver com a subsistência. Devido à mineração de cobre eouro, grande parte do rio foi poluída e sufocada pelos resíduosda atividade: metais pesados e o veneno mais forte do mundo, ocianeto. Os jardins da floresta, às margens do Rio Ok Tedi, foramencobertos e destruídos com lama cinza de metais pesados.

No mundo, a cada ano, milhões de pessoas perdem a terra e aexistência – em função de projetos de desenvolvimento equivoca-dos que só almejam o mercado mundial via fornecimento de maté-rias-primas baratas e trabalhadores baratos transformados, nestemomento, em pobres de verdade, porque passaram a receber umdólar por dia. Esse sistema de criação de pobreza acontece agora,por exemplo, na Índia, onde no estado Orissa povos indígenas sãoexpulsos por causa da mineração de ferro, cobre e bauxita.

VIDA EM SUBSISTÊNCIA X RENDA MONETÁRIA

Nem para as companhias transnacionais e nem para os fundos depensão internacional é possível ganhar diretamente com os povosindígenas autônomos, sendo preciso expulsá-los e transformá-losem pobres. Por isso, os povos que vivem de subsistência, aindaem lugares não globalizados, precisam se deslocar e se transfor-mar em trabalhadores locais ou em pequenos agricultores depen-dentes do mercado mundial, como, por exemplo, produtores desoja ou produtores de dendê e mamona para biodiesel.

Esta é a única chance para aumentar o capital internacional. Porisso o Banco Mundial e as instituições de desenvolvimento es-tabeleceram a quantia de um dólar para a definição de pobre. Porcausa desta definição equivocada estas instituições e governospodem destruir impunemente, em nome do “desenvolvimento”,estas sociedades de subsistência – que foram nomeadas falsa-mente de “sociedades atrasadas” – e integrá-las ao mercadomundial, como se este fosse o único caminho para a humanidade.

Este sistema de desenvolvimento quer mudar a vida em subsis-tência para uma existência que precisa estar associada à rendamonetária, qualquer que seja. Mas a renda sem dólar em seupróprio território tem na realidade muito mais riqueza e valor doque a renda de um trabalhador de 10 ou 20 dólares por dia no Riode Janeiro ou São Paulo.

Por isso, na opinião da ecologista Vandana Shiva, o não ter di-nheiro não está relacionado ao problema da pobreza no “TerceiroMundo”. O que faz a miséria é a restrição de acesso aos recursosbásicos como água e comida. “Uma vida de subsistência que oocidental rico chama de pobreza não é uma vida de qualidade

A economia de subsistência das sociedades africanas refletemilenar integração ao meio ambiente, existência sustentável,estrutura social estável e identidade cultural. Foto: Morgana

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Cidadania&MeioAmbiente 2121

Norbert Suchanek - Jornalista, autor de livros e artigos sobreEcologia, Desenvolvimento e Direitos Humanos e colaborador-articulista do Portal EcoDebate. Artigo escrito com a colaboraçãoda socióloga Márcia Gomes, março de 2007.

menor. Ao contrário, economia com base de subsistência pos-sui uma qualidade de vida de alto nível, quando focamos valo-res como direito à alimentação, água saudável, existências sus-tentáveis, estruturas sociais estáveis e identidade cultural.”

Agricultores de subsistência são chamados há decênios peloseconomistas, técnicos ou outros empregados do sistema em quevivemos de “atrasados”, um obstáculo ao desenvolvimento. Porisso eles “precisam” ser expulsos. Por isso eles são as maioresvítimas dos grandes projetos de desenvolvimento – como osatuais projetos brasileiros do PAC (Programa de Aceleração doCrescimento), em especial o da Transposição do Rio São Fran-cisco. Os maiores beneficiários serão as empreiteiras que irãoexecutar as obras e os grandes fazendeiros, critica o cientistaAziz Ab’Saber. Os grupos que perdem são os agricultores tradi-cionais que plantam nas vazantes do Rio Jaguaribe no Ceará.

“Os vazanteiros que fazem horticultura no leito dos riosque `cortam´ - que perdem fluxo durante o ano - serão osprimeiros a ser totalmente prejudicados. Mas os técnicosinsensíveis dirão com enfado: ‘A cultura de vazante já era’.Sem ao menos dar qualquer prioridade para a realocação dosheróis que abastecem as feiras dos sertões. A eles se deveconceder a prioridade maior em relação aos espaços irrigá-veis que viessem a ser identificados e implantados.” AzizAb’Saber:

Se a ONU e as instituições de desenvolvimento e governos de-sejam combater a pobreza e a miséria de verdade, eles precisamprimeiro esquecer a definição de pobreza associada a um dólarpor dia. Eles precisam acabar com os mecanismos e ideologias

que na realidade criam a pobreza, como, por exemplo, a cobiçairresponsável da indústria na aquisição de materiais básicos ede novos mercados, e que está atualmente consubstanciada naideologia do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

“O Banco Mundial calcula que, se quisermos cumprir comos compromissos assumidos durante a Reunião de Cúpulade Milênio, ou seja, reduzir à metade o número de homens,mulheres e crianças que sofrem de fome antes de 2015,será preciso que a ajuda pública para o desenvolvimentoaumente 50 bilhões de dólares por ano, ou seja, que passedos atualmente 60 para 110 bilhões de dólares por ano.” Ex-presidente da França, JACQUES CHIRAC, Genebra, 30de janeiro de 2004.

“Então os US$50 bilhões de ajuda humanitária do Nortepara o Sul é apenas um décimo dos US$500 bilhões quesão sugados através de parcelas de pagamentos e outrosmecanismos injustos da economia global imposta peloBanco Mundial e pelo FMI. Se queremos seriamente darfim à pobreza, precisamos seriamente pôr fim aos sistemasque criam a pobreza ao roubar as riquezas do bem comume as rendas dos pobres. Antes de fazermos da pobreza umcapítulo da história, precisamos entender a história dapobreza corretamente. A questão não é o quanto as na-ções ricas podem dar; a questão é o quanto menos elasdevem retirar.” Vandana Shiva ■

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“Os povos autônomos só vão ser pobres quando alguém lhes tirar

a terra, matar o rio, mudar a cultura e introduzir o padrão de vida

consumista ocidental que leva à dependência.”

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A sociedade mundial

começa a perceber que

o aquecimento global,

ou seja, a mudança

significativa no clima da

Terra, é um problema

real e sério. As terríveis

previsões sobre secas,

inundações,

tempestades, doenças,

extinção de espécies,

aumento do nível do

mar e desgraças afins

fazem parte dos

resultados dos estudos

recentemente

divulgados.

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IDEOLOGIZAÇÃO

Por Heitor Scalambrini Costa

AMBIENTAL

PONTOdeVISTA

QUESTAOda

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Quando olhamos a história daTerra, podemos ver quemudanças climáticas fazema regra e não a exceção, e,aparentemente, o gás car-

bônico tem um papel fundamental nestasmudanças, seja iniciando, seja ampliando amudança. Se provocarmos com nossasemissões de carbono, via queima de com-bustíveis fósseis e desmatamento, outramáxima termal, como a que aconteceu 55milhões de anos atrás, não vai ser novida-de para a Terra, mas certamente será umanovidade triste para a civilização humana.

A constatação feita pelo IPCC (sigla eminglês para Painel Intergovernamental deMudanças Climáticas), órgão da ONUresponsável por estudos sobre transfor-mações do clima, de que os pobres é quevão pagar a conta do caos climático, podenão ser exatamente surpreendente. Masserve para chamar a atenção para a dimen-são ideológica do problema, que muitasvezes é ignorada ou até mesmo delibera-damente deixada de lado, pois geralmentea ideologia vem depois do interesse.

As mudanças climáticas poderão ter nãosó implicações econômicas, ambientais esociais, mas para a paz e a segurança,também. Isto é especialmente verdade emregiões vulneráveis, que enfrentam diver-sas tensões ao mesmo tempo – conflitospreexistentes, pobreza e acesso desiguala recursos, instituições fracas, inseguran-ça alimentar e incidência de doençascomo HIV/Aids.

AS MUDANÇAS NECESSÁRIAS

Quando se chega a esse ponto, não bastadizer que o capitalismo é o culpado históri-co pelas mazelas ambientais. Não basta de-nunciar que os países culpados pelo aque-cimento global serão os que menos vão so-frer suas conseqüências. É preciso dizer que,se o atual modelo de produção e consumocapitalistas não for profundamente altera-do, todos serão atingidos, ricos e pobres –os últimos em primeiro lugar, claro.

Essa alteração passa pela completa revisãodo conceito de crescimento econômico quea humanidade, em sua fase capitalista, ado-tou como verdade divina. Está provado quea idéia segundo a qual a humanidade podecrescer indefinidamente, a partir da “trans-formação da natureza”, vai nos levar ao sui-cídio global em pouco tempo.

É preciso interromper o quanto antes essacorrida ao abismo. Os bens da naturezasão para sustentar a vida humana e nãopara satisfazer os cofres das companhiasmultinacionais ou nacionais. Que, aliás,nem sempre lembram que o fim último dasatividades é manter a vida sobre a Terra enão destruí-la para o benefício limitado deumas poucas pessoas ou entidades.

A QUESTÃO AMBIENTAL NO MUNDO

A Europa parece mais sensível à ameaça docaos climático nos últimos anos, apesar deos maiores países ainda não cogitarem umaprofunda mudança no sistema econômico.O alto grau de conscientização dos euro-peus em relação às questões ambientaisnutre a esperança de que, de baixo para cima,a pressão social acabe por consolidar a mu-dança de postura dos governantes.

Heitor Scalambrini Costa - Professor daUniversidade Federal de Pernambuco.In www.EcoDebate.com.br - 08/05/2007.

A face ambiental do esgotamento do ca-pitalismo é muito mais vista e discutidana Europa do que, por exemplo, nos Es-tados Unidos. Mesmo lá as coisas, aindaque lentamente, parecem começar a mu-dar. Nos últimos meses, a maior parte dasociedade vem deixando o presidenteBush (e seus aliados entrincheirados nossetores de petróleo, construção civil eindústria bélica) cada vez mais isoladoem relação às questões ambientais.

No início de abril deste ano, a SupremaCorte dos EUA decidiu, contra a vonta-de do governo, que a agência federal deproteção ambiental (EPA, na sigla em in-glês) tem autoridade para regular e tentarreduzir as emissões de dióxido de carbo-no provenientes dos automóveis.

E os maiores países ditos em desenvolvi-mento, o que fazem? A China anunciou hápouco tempo que vai “crescer menos”para, entre outras coisas, reduzir sua con-tribuição ao aquecimento global. O go-verno da Índia, apesar das suas crescen-tes emissões de gases provocadores doefeito estufa, não tem um programa con-creto de combate ao aquecimento global.

A África do Sul e a Indonésia limitaram-sea assinar o Protocolo de Quioto, e aguar-dam a “transferência de tecnologia” parase preparar para as mudanças climáticas.

Nesse cenário, o Brasil cumpre papel fun-damental, pois o rumo que seguirá o paísnos próximos anos deverá ajudar a definir oencaminhamento global do combate às mu-danças climáticas. A posição do governobrasileiro é dúbia. De um lado, o país temuma das mais avançadas legislações ambi-entais do mundo e uma ministra do MeioAmbiente reconhecida internacionalmentee consciente da necessidade de mudançasurgentes para evitar a catástrofe. De outro,setores com forte influência no governo bra-sileiro parecem obedecer a uma mentalida-de desenvolvimentista ainda calcada na vi-são do “mais e maior” e que ignora as di-mensões socioambientais do “crescimentoinfinito”. Temos que nos posicionar contraclichês alardeados e flagrantemente falsosem defesa do país.

CAOS CLIMÁTICO: PROBLEMA GLOBAL

No Brasil e no exterior, existe em boa parte daesquerda (seja nos governos, nos partidosou na sociedade) muita dificuldade de acei-tar o fato de que o paradigma do crescimentoeconômico deve e precisa ser profundamen-te alterado. A esquerda, no Brasil e no mun-do, precisa se adequar à velocidade dos acon-tecimentos, pois o caos climático e suas con-seqüências se transformarão em poucos anosnum fator de contestação global do capita-lismo como jamais houve na história. Paraestar à altura dos acontecimentos, uma boaidéia é começar a deixar de lado um conceitode crescimento econômico que nos foi im-posto pelo próprio capitalismo.

Algumas das decisões que as sociedadesvão precisar tomar dependerão de uma soli-dariedade global, especialmente para a re-dução do fluxo de carbono para a atmosfe-ra. Não adianta um país reduzir o seu fluxode carbono se isto não é acompanhado portodos. Outras decisões, principalmente decomo adaptar as mudanças já em curso, sãode caráter regional, local e até individual.Mas, de qualquer maneira, vamos precisarenfrentar o assunto de mudanças climáti-cas com ações sensatas, ou falhar como ou-tras sociedades falharam no passado. ■

Bens da natureza

são para sustentar

a vida humana,

não para gerar

apenas lucros.

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Para o autor, mais do

que um risco, o

desenvolvimento do

Nordeste, a partir do

projeto de transposição

das águas do São

Francisco, acarretará

um golpe de

misericórdia no rio cujo

regime de vazão-base

já se encontra limitado.

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OC

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Por João Suassuna

VELHO CHICO: VÍTIMA DE EQUÍVOCOS

Há cerca de uma década estamos envolvidos com as questões do Rio SãoFrancisco, notadamente com o projeto de transposição de suas águas.Durante esse período, chegamos à conclusão de que existe uma enormedesinformação quanto ao tratamento das questões ambientais do Nordes-te, principalmente da sua região semi-árida e, o que é pior, estão deliberandoas ações de desenvolvimento na região com base nessa desinformação.

Na nossa ótica, o caso da transposição do Rio São Francisco é emblemá-tico. Várias foram as denúncias que já fizemos sobre as agressões pratica-das ao ambiente natural por onde corre o rio, sem que estas, no entanto,tenham sido levadas a sério pelas autoridades.

Na tentativa de mantermos o leitor informado, passamos a relatar maisalgumas informações, as quais foram recentemente socializadas nos mei-os de comunicação. Referimo-nos à incapacidade volumétrica do rio paraatendimento aos diversos usos a que é submetido, principalmente aque-les referentes à geração de energia e à irrigação que se pretende realizarfora de sua bacia hidrográfica, em áreas do polígono das secas.

MEIO AMBIENTE

INFORMAÇÃO ZEROEsgoto sendo despejado no Rio São Francisco. Foto: Fabio Pozzebom

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Com relação aos problemas exis-tentes na geração de energia,além daqueles que já socializa-

mos no artigo “As indefinições da gera-ção de energia no Nordeste brasileiro”,trazemos à baila outras inquietações doprofessor e hidrólogo José do PatrocínioTomaz Albuquerque, da UniversidadeFederal de Campina Grande.

Ao tecer comentários sobre o projeto detransposição do Rio São Francisco, TomazAlbuquerque demonstra que os diagnósti-cos até então realizados estão eivados deequívocos e impropriedades, principalmen-te aqueles relacionados ao uso indiscrimi-nado das vazões de base provenientes dosprincipais aqüíferos existentes na bacia doRio. Em seus comentários, Patrocínio exem-plifica o uso das vazões do Urucuia –aqüifero responsável por mais da metadeda vazão de base do Velho Chico –, queregistra atualmente, a jusante de Sobradi-nho, cerca de 1.200 m³/s.

VAZÃO EM PROCESSO DE EXAUSTÃO

O que nos tem preocupado é que a vazãomédia regularizada do Rio São Franciscovem diminuindo paulatinamente a cadaano, o que julgamos ser decorrência dosusos exaustivos que estão sendo feitos nosaqüíferos existentes em sua bacia, confor-me foi relatado pelo professor Patrocínio.

Projetada inicialmente para regularizar avazão média do Rio em cerca de 2.060 m³/s, a represa de Sobradinho, no momento,regulariza uma vazão de cerca de 1.850 m³/s em sua foz. Essa diferença para menor éresultado, segundo a nossa ótica, dos usosmúltiplos que já estão sendo praticadosem sua bacia, tanto na irrigação como noabastecimento das populações.

Nossa afirmação é fácil de entender, porquan-to na abrangência do aqüífero Urucuia exis-tem extensas áreas irrigadas em território bai-ano, principalmente para as culturas da sojae do café, áreas essas que fazem parte daexpansão da fronteira agrícola do nosso país.Patrocínio afirma essa diminuição volumétri-ca, alertando sobre as conseqüências que jáestão ocorrendo na diminuição do fluxo ba-sal para o escoamento fluvial que chega emSobradinho, o que provavelmente está re-sultando na redução da vazão daquela re-presa, com reflexos nefastos na geração deenergia e no atendimento de outras deman-das, inclusive do projeto de transposição.

Com relação aos problemas existentes nairrigação que se pretende realizar em áreasdo polígono das secas, recentemente par-ticipamos de um evento na Fundação Gil-berto Freyre, no Recife, no qual foram dis-cutidas, pelo professor da Unicamp, CarlosSuzuki, as perspectivas de cooperaçãoBrasil-Japão, nos assuntos relacionadosao biocombustível e meio ambiente.

NORDESTE: HIDROLOGIA DELICADA

Em conferência proferida basicamentesobre as perspectivas da produção doetanol no país, o professor Suzuki tam-bém teceu comentários acerca do poten-cial existente para o plantio de cana-de-açúcar no Nordeste semi-árido. Relacio-nando cores ao potencial produtivo dareferida cultura (azul para potencialida-des altas, vermelha para potencialidadesbaixas e verde e amarelo para potenciali-dades intermediárias), o conferencistaapresentou um mapa, no qual, para es-panto nosso, havia, na região semi-áridanordestina, extensas áreas de coloraçãoazul, indicando a existência de altas po-tencialidades na região seca nordestinapara a produção daquela cultura.

Ora, quem lida com questões sucro-alcooleiras bem sabe que a cana-de-açú-car é uma cultura muito eficiente em ter-mos produtivos e muito exigente emágua, necessitando, portanto, de umgrande aporte hídrico para o seu desen-volvimento. Não é por outra razão que acultura se desenvolveu, nos últimos 500anos, na zona da mata nordestina, regiãoque apresenta precipitação média de cer-ca de 1.600 mm/ano.

Durante os debates ocorridos no even-to, mencionamos os exemplos de pro-dução de cana-de-açúcar irrigada novale do Rio São Francisco (usina Man-dacaru, no município de Juazeiro, BA),em região semi-árida, onde foram regis-tradas, por aquela indústria, produtivi-dades equivalentes àquelas obtidas naregião açucareira de São Paulo, mas coma ressalva de que não poderíamos co-meter o grave erro de extrapolar os re-sultados obtidos em Juazeiro para osemi-árido como um todo. Seguramen-te, o semi-árido não dispõe dos volu-mes hídricos necessários para assegu-rar o desenvolvimento da cultura decana-de-açúcar em larga escala, confor-me fora informado na conferência.

Sabedores de que o Nordeste semi-áridonão dispõe dos volumes hídricos exigidospara o desenvolvimento desse tipo de cul-tivo, fizemos a suposição de que os mes-mos estavam sendo considerados atravésde aportes oriundos do Rio São Francis-co, via projeto de transposição. Salienta-mos, no entanto, que o projeto é polêmicoe, portanto, nada está definido com rela-ção à implantação do mesmo. Chegamos aconsiderar a possibilidade dessa suposi-ção ser concretizada, o que acarretará ogolpe de misericórdia em um rio, cujo regi-me já se encontra limitado e, portanto, sema mínima possibilidade para outros forne-cimentos volumétricos. Desse modo, casoconcretizado o projeto, a instalação docaos na bacia do rio torna-se iminente.

Ao responder a nossas inquietações, Suzukiconcordou quanto à impossibilidade de oRio São Francisco atender a essas novasdemandas, citando, inclusive, exemplos derios na China que vieram a secar, quandosubmetidos a usos indiscriminados de suaságuas sem o planejamento devido.

Com relação à coloração azul do mapa emextensas áreas do semi-árido (potencial altopara o plantio de cana-de-açúcar), o con-ferencista fez questão de informar que nãohavia tido participação alguma naquele es-tudo e, portanto, não tinha nenhuma res-ponsabilidade, ficando clara a falta de com-promisso das instituições com relação àsquestões do nosso desenvolvimento.

Após a conferência do Carlos Suzuki, ficouevidente que a Unicamp não tinha conheci-mento de causa para com as questões hidro-lógicas nordestinas. Faltou-lhe a informaçãoessencial: o conhecimento de uma realidadeque nos parece só ser conhecida dos nor-destinos. Cremos que para esses assuntos ainstituição se mostrou desinformada, o quenos fez recordar as observações do ilustreparaibano Lynaldo Cavalcanti, ex-presiden-te do CNPq e atual secretário executivo daAssociação Brasileira das Instituições dePesquisa Tecnológica/Abipti, quando afir-mou que o Nordeste não necessita da trans-posição das águas do Rio São Francisco. Oque realmente a região necessita é da trans-posição do conhecimento, a verdadeira ge-ração de nossa maior riqueza. ■

João Suassuna – Engº Agrônomo ePesquisador da Fundação Joaquim Nabuco,colaborador e articulista do EcoDebate

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Recentemente,

a Petrobras

apresentou o resultado

de mais uma

de suas pesquisas:

93% dos brasileiros

já ouviram falar

de biodiesel.

Boa nova!Mas será que esses

brasileiros – ouvidos

na pesquisa – sabem

realmente o que é

esse tal de biodiesel?

Por Ana Echevenguá

O NOVO BIO-FÓSSIL-COMBUSTÍVEL

Para ajudar no esclarecimento, conversei com o engenheiro me-cânico Thomas Fendel – expert no assunto. O que é vendidocomo biodiesel brasileiro, explicou-me Thomas, vem a ser a mis-

tura de muito diesel fóssil (derivado do petróleo) com um pouquinhodo produto final oriundo de uma “sopa” de óleo vegetal (ou outragordura natural), mais etanol (ou metanol) e soda cáustica (ou outrabase ou ácido). O preparo desta “sopa” passa por um oneroso proces-so da transesterificação, que envolve aquecimento, retirada da gliceri-na e adição de aditivos para estabilização da mistura química.

Hoje, as regras brasileiras – muitas elaboradas pela ANP/Nacional doPetróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – determinam que o resultadodesta “sopa” seja misturado ao diesel fóssil na proporção de – apenas– 2% (percentual que se tornará obrigatório a partir de 2008). Ora, issosignifica que o uso desse novo bio-fóssil-combustível, com 98% decomponente fóssil, continuará emitindo componentes nocivos ao meioambiente... quase mesma proporção do óleo diesel.

Alguns fabricantes de máquinas já aceitam o índice de 5%, como é ocaso da Massey Ferguson, cuja frota está apta ao uso de B5 (5% debiodiesel + 95% de diesel fóssil). Não lhes parece, caros leitores, queisso pouco ajuda no combate ao aquecimento global e na defesa domeio ambiente?

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MERCADO DO BIODIESEL

Para Fendel, o ‘biobobo’ (quem o conhe-ce sabe que é assim que ele denominaesse produto) é uma falácia. Ele insisteem afirmar que todo esse processo pode-ria ser evitado, gerando mais lucro para oprodutor do óleo vegetal: qualquer motordiesel aceita “trabalhar” diretamente comóleo diesel + 20% de óleo vegetal qualifi-cado, sem necessidade de adaptações me-cânicas ao motor.

O pai do Proálcool, Bautista Vidal, tam-bém defende a utilização direta de óleovegetal em motores, em detrimento do bi-odiesel, porque já existe tecnologia paratanto. E entende que o Programa Nacio-nal de Biodiesel apresenta graves erros:“Temos que usar o óleo. Por que produ-zir o biodiesel, se isso encarece o pro-cesso e o óleo é melhor?”

No Brasil, o mercado deste novo produto– rotulado enganosamente como milagro-so – ganhou expansão a partir de maio de2006. A Petrobras já conta com 10 produ-tores de biodiesel, e o número deve cres-cer para 23 até o final de 2007.

NEM TODO BIOCOMBUSTÍVEL

É BIODIESEL

Biodiesel é apenas uma espécie de biocom-bustível. E a mídia gera confusão ao tratardo tema: repassa-nos a idéia de que o biodi-esel é o mesmo óleo vegetal extraído dasoleaginosas. Mas não se trata disso, comoexplicou Fendel. Mas o incentivo do uso debiocombustíveis que colaborem para o es-friamento do planeta é altamente salutar parao meio ambiente, para o mercado do agro-negócio e para o bolso do agricultor.

CLARO QUE A FALTA DE PRODUÇÃO DE OLEAGINOSAS

LEVA À FALTA DE MATÉRIA-PRIMA. POR ISSO, É PRECI-SO QUE SUAS VANTAGENS SEJAM DIVULGADAS:

■ o biocombustível é produzido a partirde matéria-prima vegetal renovável – soja,pinhão manso, macaúba, babaçu, dendê,girassol, mamona e outros – ao contráriodos combustíveis fósseis;

■ sua produção provoca o “esfriamentoglobal”;

■ a utilização do biocombustível na pró-pria frota dos veículos dos produtoresrepresenta economia direta no bolso: semgastos na compra de óleo usado nas má-quinas haverá, em decorrência, reduçãodos custos de produção.

Ana Echevenguá, advogada ambientalista,coordenadora do programa televisivoEco&Ação-Ecologia e Responsabilidade(http://www.ecoeacao.com.br) ecolaboradora e articulista doEcoDebate.Publicado originalmente emwww.EcoDebate.com.br - 14/06/2007

Mas temos poucos exemplos destas inicia-tivas. Na verdade, os estudos sobre a pro-dução do biocombustível ainda não saíramtotalmente do papel. E a estrutura necessá-ria para a produção do produto final exigeinvestimentos e conhecimento técnico.

AS REGRAS DO JOGO NO BRASIL

Os produtores que misturam o óleo vege-tal ao diesel ou que usam somente o óleovegetal são tratados como bandidos pelofato de estarem exercendo o direito deproduzir o seu próprio combustível. Sãoassustados com os supostos perigos dedano ao motor dos tratores e das colhei-tadeiras, e da alteração negativa de rendi-mento deste maquinário.

As grandes companhias de distribuição– manipuladas pelas transnacionais do pe-tróleo – estão preocupadas com o merca-do clandestino do biocombustível, óleovegetal que alimenta motores de cami-nhões e de máquinas agrícolas, principal-mente na Região Centro-Oeste do país. Ejá acionaram a ANP que, por sua vez, estáfiscalizando esse “uso clandestino” epunindo os “fora-da-lei”.

Por que isso ocorre? Por dinheiro e nadamais. As grandes distribuidoras estão per-dendo volume de mercado. Estão deixandode vender o ‘bobodiesel’ para o agricultorque descobriu que pode usar o óleo vege-tal que produz no motor do seu trator oucaminhão. Para o professor AdrianoBenayon, doutor em Economia e autor dolivro Globalização versus Desenvolvimen-

to (Escrituras Editora, 236 pp., 1ª edição), aspequenas usinas de biocombustíveis terãodificuldades para prosperar no Brasil en-quanto aqui vigorar a regulamentação im-posta pelo Banco Mundial, que exige espe-cificações técnicas que só as grandes usi-nas podem atender. Tal medida, que fere osinteresses sociais e econômicos do Brasil,foi implantada após o início do Proálcool.

CONCLUSÃO

Diante de tanta novidade e de tantas infor-mações desencontradas, precisamos conhe-cer melhor o assunto biocombustível, ques-tionar, buscar dados científicos seguros...olhos e ouvidos abertos! Não podemos acei-tar pacotes de informações manipuladas pelointeresse econômico petrolífero.

Embora veículos movidos a biocombus-tível pareçam novidade na tecnologia au-tomobilística, sua proposta é antiga. Em1897, Rudolf Diesel utilizou óleo de amen-doim em seu motor ‘diesel’. Henry Fordacreditava no etanol como o combustíveldo futuro. Seu Ford T de 1908 – modeloque imortalizou o uso do automóvel – fun-cionava tanto com o biocombustível eta-nol como com gasolina. ■

Rohan Phillips

Com 98% de componente fóssil, o novo

bio-fóssil-combustível continuará a emitir

componentes nocivos ao meio ambiente.

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Se você fosse enumerar as dez coi-sas mais importantes para o ser hu-mano, será que o meio ambiente es-

taria incluído nessa lista? Foi essa a pro-vocação feita por Carlos Nobre, pesqui-sador do Inpe e presidente do ProgramaInternacional da Geosfera-Biosfera(IGBP), durante o 10º Simpósio Brasileirosobre Mudanças Ambientais Globais, nacidade do Rio de Janeiro.

Desde que o IPCC (Painel Intergoverna-mental sobre Mudança do Clima) divul-gou seu último relatório em fevereiro des-te ano, a questão climática está na agen-da de governantes, pesquisadores e jor-nalistas. A redução da incerteza sobre aresponsabilidade humana no aumentodas temperaturas globais e a constataçãode que a mudança climática já é uma reali-dade vem causando grande impacto naopinião pública, sem, infelizmente, se tra-duzir em atitudes efetivas para mitigar asconseqüências das transformações climá-ticas que estão por vir.

Por Márcia Pimenta

Segundo o físico Luís Pinguelli, da UFRJ,estudos realizados em 2006 dão conta deque o consumo de energia per capta dospaíses desenvolvidos vem aumentando.As metas de redução de emissão de CO

2

propostas pelo protocolo de Kioto tam-bém estão longe de ser alcançadas. A pri-meira avaliação feita pelas Nações Uni-das sobre as emissões após o Protocolode Kyoto entrar em vigor traz resultadosdecepcionantes. Os países ricos somadostiveram uma queda de apenas 3,3% emmédia nas emissões nos últimos 15 anos(que deveria ser 5,2% até 2012).

O Prof. Eduardo Viola, do Instituto de Re-lações Internacionais da Universidade deBrasília, confirma a obsolescência da Con-venção de Mudanças Globais e do Proto-colo de Kioto em relação à classificaçãodos países pertencentes ao Anexo 1(aqueles que obrigatoriamente estabele-ceram metas de redução de emissões degases de efeito estufa), uma vez que nãoestava previsto o supercrescimento da

China e da Índia, países que juntos pos-suem 35% da população mundial. O pro-fessor acredita que há a necessidade degrandes negociações entre os maioresemissores de CO

2 , que hoje são: Estados

Unidos, União Européia, China, Rússia,Japão, Índia, Brasil, Canadá, Austrália,África do Sul, México e Indonésia.

Para ele, o Brasil deveria assumir uma ati-tude pró-ativa no que diz respeito à re-dução das emissões de CO

2. Diferente

dos países desenvolvidos cujas emissõesdizem respeito à queima de combustíveisfósseis, o Brasil se beneficia do potenci-al hidráulico de seus rios, gerando 88%da energia consumida no país.

Lamentavelmente, as queimadas respon-dem por aproximadamente 70% das emis-sões brasileiras de gases do efeito estufa,indicando o mau uso do solo. Comprome-tendo-se com metas de curto prazo parafrear o desmatamento – que hoje corres-ponde a uma média de 20 mil ha/ano e pro-

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Antonio Cruz/ ABr

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pondo-se a reduzir este número para umataxa anual de 7 mil ha/ano –, o Brasil assu-miria uma posição invejável e respeitável,com custos muito mais baixos do que aque-les com que a União Européia terá que ar-car para atingir sua meta de redução de20% das emissões, por exemplo.

Para Britaldo Soares Filho, do Centro deSensoriamento Remoto da UFMG (Uni-versidade Federal de Minas Gerais), “opróximo protocolo do clima que suce-der Kyoto tem que contemplar créditosde carbono devido ao desmatamento evi-tado. Isso renderia, com o custo da tone-lada de carbono colocado de US$5 (masjá se fala em US$20), algo entre 80 a 320bilhões de dólares na comercializaçãodos créditos de carbono. Este é um valorextremo e corresponde à diferença entreo pior para melhor cenário de desmata-mento futuro e admitindo que a área quepode ser evitada é de 1 milhão de km2 ”.

Nos dias atuais, o investimento anual emconservação na Amazônia é de US$0,06bi ,enquanto o gasto com subsídios agrícolasna Europa é da ordem de US$ 180 bi e nosEUA de US$ 120 bi.

A esquizofrenia em busca do desenvolvi-mento vem deixando em último plano asquestões ambientais. Em nome de outrosciclos produtivos como café, cana e ou-tros, só nos restam 7% da Mata Atlântica.

O cerrado, com seus 2 milhões de km2,possui 40 milhões de cabeças de gado queproduzem 7 teragramas (Tg = 1012g) demetano/ano, que corresponde ao consu-mo de combustível de 36 milhões de veí-culos de passeio, segundo a Profa.Aparecida Bustamante da Universidadede Brasília. O metano liberado pelo siste-ma digestivo dos ruminantes possui umpoder de aquecimento global 23 vezesmaior que o CO

2.

A fronteira agropecuária avança Amazô-nia adentro e segundo Ima Vieira, diretorado Museu Paraense Emílio Goeldi, 20%do bioma já foi modificado, sendo 35 mi-lhões de hectares ocupados por pasta-gens, 20 milhões de hectares de florestasecundária, 18 milhões por plantaçõesexóticas e abriga 40% do rebanho bovinonacional. E ainda podemos aguardar maisdesmatamento por conta do plantio decana-de-açúcar para a produção de bio-

combustíveis, cultura que avança perigo-samente em direção ao sul do Mato Gros-so e Pantanal, segundo Eduardo Assad(EMBRAPA).

A elevação das temperaturas globais podecolocar em risco o papel de regulador térmi-co da floresta amazônica. Além disso, tam-bém está em jogo a qualidade de vida e so-brevivência dos 20 milhões de amazônidas.Com a baixa no nível dos rios, as popula-ções estariam altamente vulneráveis.

Para a geógrafa Berta Becker, da UFRJ, aAmazônia deve ser aproveitada em seupotencial de oferecer benefícios climáticose de biodiversidade. Para ela a políticapreservacionista que persevera até hojenão gera riqueza, trabalho nem renda paraa população amazônica e também fracas-sou ao não conseguir barrar a fronteiramóvel da madeira, do gado e da soja. Se-gundo Berta, existem dois tipos de merca-do: o da proteína (gado e soja) e o dosbens naturais (biodiversidade, água e se-qüestro de carbono). São muitas as possi-bilidades e para ela não deveríamos nosconcentrar na soja ou na madeira certifica-da, mas buscar novas formas de produçãousando o patrimônio natural, sem destruí-lo. Devemos deixar de ser meros exporta-dores de matéria-prima bruta, adverte.

Segundo Carlos Nobre, o aumento dastemperaturas não tornará o Brasil um paísinviável de se viver, embora nos próxi-mos 20 anos seja impossível combater asmudanças que já se iniciaram. Amobilização atual visa mudanças futuras,diz. Para Gilberto Câmara, diretor do Insti-tuto Nacional de Pesquisas Espaciais(INPE), “o desafio maior dos cientistas épensar que estamos numa guerra de 100anos e estamos nas primeiras batalhas”.

Estar no foco de atenção de toda a socie-dade planetária tem seu lado positivo e ne-gativo para o meio ambiente. Positivo por-que promove a conscientização da situa-ção ambiental mundial, o que pode gerarmobilização e mudança de atitudes. Nega-tivo porque demonstra a urgência com queo assunto precisa ser tratado, embora pou-co possamos fazer para modificar as con-seqüências nos próximos 20 anos.

A partir de 2012 começa uma nova etapano protocolo de Kioto e metas mais ambi-ciosas deverão ser estabelecidas. Até lá,Bush não será mais o presidente dos EUAe todos os candidatos ao posto são favo-ráveis às metas de redução de CO

2. Ter o

compromisso do maior emissor de CO2 em

reduzir suas emissões é um ótimo sinal.Espera-se que a dimensão das questõesambientais alcançadas com muito sacrifí-cio até aqui não seja eclipsada por maio-res ameaças, como o terrorismo ou o lan-çamento de uma bomba atômica, comonos aterroriza o Irã.

A Terra está em risco por diversos fatores efazendo uma reflexão a Leonardo Boff, urgenão deixarmos que nosso lado Homodemens (o suicida, o genocida e o etnocida)prevaleça sobre a nossa parte Homo sapiens(o homem inteligente e sábio).

Lembremos, ainda, que o aumentoavassalador da concentração de carbonona atmosfera – 280ppm antes da Revolu-ção Industrial e, hoje, 395ppm – compro-va que nosso modelo industrialincentivador do consumo tem tudo a vercom a degradação ambiental quevivenciamos atualmente. ■

Márcia Pimenta é jornalista comespecialização em Gestão Ambiental,colaboradora e articulista do EcoDebate.Publicado originalmente emwww.EcoDebate.com.br - 19/03/2007

As queimadasrespondem por

aproximadamente70% das emissões

brasileiras de gasesdo efeito estufa,indicando o mau

uso do solo.”

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Roberto Malvezzi (Gogó) é Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra – CPTPublicado originalmente em www.EcoDebate.com.br - 09/01/2007.

Se as calotas polares vão derreter;Se o mar vai subir;Se as cidades baixas vão desaparecer;Se um bilhão de pessoas vai migrar;Se vai haver secas, chuvas torrenciais, furacões;Se em quarenta anos o Pantanal não vai existir;Se em cinqüenta anos a Amazônia será uma savana;Se em quarenta anos o Nordeste será inabitável;Se em cinqüenta anos o São Francisco vai correr apenas em época de chuva;Se milhões de espécies irão desaparecer;Se bilhões de pessoas irão morrer;Se o único lugar habitável do planeta será onde hoje estão os continentes gelados;

Que rumo tem nossa velocidade?Nossa competitividade?Nossas tecnologias?Que adianta saber se o aquecimento global é o óbito do mercado?Que adianta essa pressão para um desenvolvimento se ele nos leva ao abismo?Que adianta saber se os sobreviventes cuspirão em nossos túmulos?

Já estaremos mortos e nem o inferno poderá punir essa geração predadora.

Penso em nossos filhos, filhas, netos...Penso nos que vão morrer à mingua, de fome, sede, calor...Com um pouco de misericórdia penso na humanidade...Um pouco mais e penso em todos os seres vivos...

Recuso-me conceder ao capital o poder de exterminar a vida.Seria sua suprema honra, sua suprema glória.

Creio ainda que Deus existe, age na história e sempre tem uma carta na manga...Creio que Ele se revela nos pequeninos e nas pessoas magnânimas,Em quem aprendeu a cultivar os solos,A captar a água de chuva,A preparar e repartir seu próprio pão,A viver uma vida simples,Em quem faz ciência, arte, política e economia a serviço da humanidade,Quem não desperdiça e nem agride as pessoas e a natureza.

Em todas as épocas Ele suscitou pessoas à altura de seu tempo.Não vai nos faltar agora,Quando a humanidade mais Dele precisa.

PONTO-de-VISTA

Carlos Terrana

PARA

A HUMANIDADEpor Roberto Malvezzi (Gogó)

ONDECAMINHA ?

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