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PARTE 1 HERBERT S. KLEIN E FRANCISCO VIDAL LUNA POPULAÇÃO E SOCIEDADE MUDANÇAS SOCIAIS NO BRASIL, 1960–2000 Em 1960, o Brasil era ainda uma sociedade predominantemente rural, com altas taxas de mortalidade e de natalidade e perfil demográfico pré-mo- derno, tradicional. A população era jovem e, em sua maioria, analfabe- ta. O índice de mortalidade infantil durante o primeiro ano de vida era extremamente elevado e muitas crianças morriam antes de atingir o quinto ano, na maior parte das vezes devido a doenças provocadas pela contaminação da água, que há muito se havia reduzido como agente de mortalidade nas nações industriais mais desenvolvidas daquele período. Apesar de já existirem alguns — poucos — centros urbanos modernos e de grande porte, a maioria da população vivia na zona rural, em mora- dias precárias, sem água potável nem saneamento básico. A maioria dos brasileiros não tinha acesso a instalações médicas modernas. O Brasil era um país dividido não apenas entre uma minoria urbana moderna e uma maioria rural tradicional, mas também apresentava diferenças profundas por região, classe social e raça. A segunda área mais populosa do país era o Nordeste. Castigado pela pobreza, o Nordeste era tão diferente das regiões Centro-Sul e Sul que muitas vezes os economistas denominavam a nação de Belíndia — com o Nordeste apresentando condições de vida similares às da Índia, enquanto o Sul e Sudeste se equiparavam à Bélgica. Além disso, a elite respondia por uma parcela tão elevada da renda nacional que o Brasil era conside- rado, nessa época, um dos países mais desiguais do mundo. Os cidadãos mais ricos e com maior acesso à educação eram mais saudáveis e tinham maior expectativa de vida. Em termos gerais, a população branca era mais

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  • PARTE 1

    HERBERT S. KLEIN E FRANCISCO VIDAL LUNA

    POPULAÇÃO E SOCIEDADE

    MUDANÇAS SOCIAIS NO BRASIL, 1960–2000

    Em 1960, o Brasil era ainda uma sociedade predominantemente rural, com altas taxas de mortalidade e de natalidade e perfil demográfico pré-mo-derno, tradicional. A população era jovem e, em sua maioria, analfabe-ta. O índice de mortalidade infantil durante o primeiro ano de vida era extremamente elevado e muitas crianças morriam antes de atingir o quinto ano, na maior parte das vezes devido a doenças provocadas pela contaminação da água, que há muito se havia reduzido como agente de mortalidade nas nações industriais mais desenvolvidas daquele período. Apesar de já existirem alguns — poucos — centros urbanos modernos e de grande porte, a maioria da população vivia na zona rural, em mora-dias precárias, sem água potável nem saneamento básico. A maioria dos brasileiros não tinha acesso a instalações médicas modernas. O Brasil era um país dividido não apenas entre uma minoria urbana moderna e uma maioria rural tradicional, mas também apresentava diferenças profundas por região, classe social e raça.

    A segunda área mais populosa do país era o Nordeste. Castigado pela pobreza, o Nordeste era tão diferente das regiões Centro-Sul e Sul que muitas vezes os economistas denominavam a nação de Belíndia — com o Nordeste apresentando condições de vida similares às da Índia, enquanto o Sul e Sudeste se equiparavam à Bélgica. Além disso, a elite respondia por uma parcela tão elevada da renda nacional que o Brasil era conside-rado, nessa época, um dos países mais desiguais do mundo. Os cidadãos mais ricos e com maior acesso à educação eram mais saudáveis e tinham maior expectativa de vida. Em termos gerais, a população branca era mais

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    bem-sucedida economicamente que a mulata e esta, por sua vez, tinha padrão superior ao das populações negra e índia.

    No censo de 1960, por exemplo, apenas 45% dos 70 milhões de brasileiros moravam nas cidades; somente 43% das pessoas acima de 5 anos eram alfabe-tizadas, e a esperança de vida das pessoas nascidas naquele ano não passava de 55,9 anos. A taxa de natalidade era muito elevada, com 42 nascimentos por mil habitantes e índice de 6,2 filhos por mulher na faixa 14–49 anos. Apesar de a taxa de mortalidade, de quinze mortes por mil habitantes, ser inferior à de natalidade, era ainda considerada muito alta pelos padrões dos países industriais mais avançados. A mortalidade infantil era de 109 crianças com menos de um ano para cada mil nascimentos e, no período de 1960 a 1965, 54% de todos as mortes foram registradas entre a população abaixo de 15 anos. Em decorrência do elevado índice de natalidade e a queda no índice de mortalidade, o crescimento populacional vegetativo ainda era bastante alto e a população, muito jovem. No período imediatamente anterior a 1960, esse índice era de aproximadamente 3% ao ano — uma das taxas de crescimento vegetativo mais elevadas do mundo — e manteve o mesmo ritmo na década seguinte. Com isso, a população brasileira era uma das mais jovens do mundo e, no censo de 1960, a idade média não passava de 18,7 anos.

    Apesar de o índice de natalidade ter mudado muito pouco nas décadas anteriores a 1960, a mortalidade já estava em queda desde o fim do século xix. As campanhas de vacinação nas cidades e o aprimoramento do sanea-mento e do tratamento de águas levaram a lento mas constante declínio nos índices praticados a partir do começo do século xx. Efetivamente, isso ocorreu em toda a América Latina, tendo sido registrado um declínio especialmente acentuado entre 1930 e 1950. No Brasil, durante a década de 1940 a taxa bruta de mortalidade era de aproximadamente vinte por mil habitantes; caiu para quatorze mortes por mil habitantes na década seguinte e para seis por mil habitantes em 1980. Ainda que a mortalidade infantil tenha continuado extraordinariamente elevada, começou a decli-nar, indo de mais de duzentas mortes por mil nascimentos, na década de 1940, para um pouco acima de cem por mil nascimentos na década de 1960. Na década de 1990 ficou abaixo de cinquenta mortes e, no quinquênio 1995–2000 caiu para 34 — uma queda significativa, mas ainda acima dos padrões registrados no mundo industrializado, que apresentavam índice de mortalidade de dez mortes para cada mil nascimentos.

    De fato, a taxa de mortalidade infantil brasileira manteve-se mais elevada do que a média da região como um todo até o início do século xxi (gráfico 1). Mas, por fim, houve uma mudança básica no período de ocorrências dessas

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    p o p u l a ç ã o e s o c i e d a d e

    Edson SatoPrimeiros trigêmeos ianomâmis, acompanhados da mãe

    aldeia maturacá, são gabriel da cachoeira, am, julho de 2010

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    mortes, que inicialmente atingiam crianças mais velhas e passaram a ocorrer nos primeiros seis dias após o nascimento. Em 2001, mais da metade das mortes de crianças se deu nos primeiros seis dias após o nascimento, em comparação com 35% de mortes ocorridas após 28 dias — uma completa reversão no padrão existente desde 1990. É muito sugestivo que a diarreia e outras doenças infantis tenham sido substituídas por distúrbios congênitos e genéticos, que é o padrão característico das sociedades industriais mais desenvolvidas.

    A mortalidade entre os adultos acompanhou de forma mais lenta as alterações ocorridas na mortalidade infantil nesse período, mas, em termos gerais, a mudança foi impressionante. A esperança de vida, para homens e mulheres, aumentou em média dois anos a cada cinco anos no fim das décadas de 1960 e 1970, mas começou a ficar mais lenta nos anos 1980 e 1990, à medida que a mortalidade infantil recuava. No geral, entre 1960–1965 e 1995–2000 a esperança de vida média aumentou impressionantes 11,7 anos entre os homens e 15,5 anos para as mulheres, com os homens alcançando 66 anos e as mulheres, 73 (gráfico 2).

    1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000

    Brasil América Latina

    120

    40

    60

    20

    80

    100

    GRÁFICO 1: ESTIMATIVA DA MORTALIDADE INFANTIL NO BRASIL E NA AMÉRICA L ATINA,

    1960 A 2000

    Fonte: celade (Divisão de População da cepal). Observatório demográfico: mortalidade, no 4, quadro 6, out. 2007. Disponível em: www.eclac.cl/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/5/33265/P33265.xml&xsl=/celade/tpl/p9f.xsl&base=/celade/tpl/top-bottom.xslt. Acesso em: 23 nov. 2010.

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    Embora o declínio na taxa de mortalidade infantil explique, em gran-de parte, o aumento de esperança de vida obtido nesses quarenta anos, a partir de 1960 começou a ocorrer um lento mas crescente declínio na taxa de mortalidade entre os adultos, devido à adoção de novas tecnologias na medicina e ao aprimoramento dos serviços de saúde. Por exemplo, na população acima de 60 anos, no período de 1960–1965 a 1995–2000, a esperança de vida média aumentou 3,97 anos entre as mulheres e 2,04 anos entre os homens, dando, em média, mais 21,2 anos de vida para as mulheres e 18,4 para os homens no fim do século xx.

    Grande parte dessa melhora na esperança de vida para todas as faixas etárias deveu-se à redução da mortalidade por doenças infecciosas. Enquanto em meados do século xx as doenças infecciosas eram a principal causa mor-tis, no fim do século foram substituídas pelas doenças degenerativas, que consistem em um tipo de alteração no funcionamento sadio de uma célula, órgão ou tecido. Com o aumento de doenças cardíacas e do câncer como causa mortis, e a redução de doenças infecciosas, o Brasil, finalmente, chegou aos

    1965

    55

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    Homens Mulheres

    GRÁFICO 2: ESPERANÇA DE VIDA POR SEXO, 1960 A 2000

    Fonte: celade (Divisão de População da cepal). Observatório demográfico: mortalidade, no 4, quadro 6, out. 2007. Disponível em: www.eclac.cl/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/5/33265/P33265.xml&xsl=/celade/tpl/p9f.xsl&base=/celade/tpl/top-bottom.xslt. Acesso em: 23 nov. 2010.

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    padrões que já eram comuns nos países desenvolvidos desde o início desse século. Isso também se refletiu nas alterações ocorridas na participação de cada faixa etária no total de mortes. Em meados do século xx, a faixa etária até 15 anos respondia por 56% da taxa de mortalidade, passando a ter uma participação de apenas 16% na primeira década do século xxi.

    Apesar de a taxa de mortalidade estar declinando desde o fim do século xix, e de esse declínio ter sido ainda mais acentuado a partir da metade do século xx, a taxa de natalidade não acompanhou essa tendência. Aliás, ela chegou a crescer ligeiramente até meados da década de 1960, devido ao declínio das taxas de morbidade e de mortalidade. À semelhança do ocorrido em muitos países da América Latina, as taxas de esterilidade feminina caíram e um maior número de mulheres atingiu a idade adulta, com essa melhora nas condições de saúde, levando, inicialmente, a um aumento na taxa de natalidade. O resultado da combinação de taxas de natalidade mais elevadas com declínio da mortalidade ocasionou um rápi-do crescimento populacional no Brasil, no século xx. Na década de 1940, o crescimento vegetativo havia atingido 2,4% ao ano, aumentou para 3% na década de 1950 e ainda era bastante alto, 2,9%, nos anos 1960. Como consequência desse alto crescimento vegetativo a população brasileira, que em 1950 totalizava 52 milhões de habitantes, passou para 105 milhões em 1975, apenas 25 anos mais tarde.

    Outra consequência desse rápido crescimento populacional foi o país ter uma população extraordinariamente jovem. Nos censos de 1960 e de 1970 a idade média era de 18 anos. Se o elevado crescimento vegetativo das décadas de 1950 e 1960 (3,2%) houvesse continuado, a população teria quase dobrado novamente, atingindo 142 milhões de habitantes em 1981, número que só foi alcançado em 1988. Por sua vez, o total de habitantes registrado no censo de 1980 não duplicou em 2010. Na última década do século xx, o crescimento populacional foi o mais baixo registrado nesse século, caindo para 1,4% por ano, o que significa que o total da população era de apenas 169,8 milhões. A população não continuou a duplicar a cada vinte ou 25 anos porque, finalmente, a taxa de natalidade passou a acompanhar a tendência da taxa de mortalidade, declinando a partir da metade da década de 1960. Dessa forma, o Brasil, após um rápido cresci-mento populacional na metade do século xx, começou a crescer cada vez mais lentamente até entrar na fase clássica de “transição demográfica”, passando de país com altos índices de mortalidade e de natalidade para uma sociedade com características modernas, de baixos índices de morta-lidade e de natalidade.

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    Rogério ReisCrianças dormindo em creche comunitária da Rocinha

    rio de janeiro, rj, s .d.

    tyba

    Se os índices de mortalidade apresentaram longa e lenta tendência de queda durante a maior parte do século xx, o mesmo não aconteceu com a natalidade. Na metade do século, o Brasil ainda exibia taxas de natalidade muito altas. Mesmo que alguns grupos da elite urbana adotassem o controle de natalidade, apresentando índice de fertilidade abaixo da média nacio-nal, eles pouco influenciavam a tendência do país. Em 1960, o número de filhos das mulheres na faixa 14–49 atingiu o pico de 6,3. Mas, no início do quinquênio 1965–1970, essa tendência foi subitamente revertida, primeiro em ritmo lento e, em seguida, cada vez mais rapidamente, atingindo 5,8 filhos para as mulheres dessa faixa etária em 1970. Esse número caiu ainda mais: para 4,4 em 1980, e para 2,3 em 2000.

    O declínio na fertilidade não foi causado por nenhuma mudança em relação à idade do início da vida sexual ou do casamento, ao número de mu-lheres casadas ou de mulheres sem filhos. A idade do primeiro casamento

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    entre as mulheres não sofreu alteração até bem depois dessa transição no índice de natalidade, nem o número de casamentos caiu, ou aumentou o de mulheres sem filhos. Tampouco houve alteração no número de crianças nascidas fora do matrimônio. Muitos desses fatores, incluindo o número de divórcios, sofreriam alterações nas décadas seguintes, mas todas essas mudanças ocorreriam bem depois da queda na taxa de natalidade. A única alteração efetivamente ocorrida nesse período foi a adoção em massa de contraceptivos e de procedimentos de esterilização, que impactaram a segunda metade da década de 1960 no Brasil e em toda a América Latina.

    As mulheres mais velhas adotaram mais entusiasticamente as novas medidas contraceptivas, mas nenhum grupo de mulheres deixou de ser afetado, e todas as faixas etárias apresentaram declínio de fertilidade, saindo do pico, em 1965, para o nível mais baixo, em 2000. Mas a maior queda na fertilidade ocorreu entre as mulheres mais velhas, com um

    O controle da natalidade teria um grande impacto na evolução demográfica do país

    matéria publicada na revista claudia, outubro de 1962

    acervo iconographia

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    número elevado delas encerrando sua vida reprodutiva muito mais cedo do que anteriormente. Efetivamente, a relação entre idade e declínio na taxa de fecundidade específica por idade foi praticamente invertida, com queda mais acentuada nas mulheres mais velhas e mais lenta entre as faixas etárias mais jovens. A fecundidade específica por idade caiu 95% de 1960 a 2000 — houve queda de 89% na faixa 40–44 anos, 80% e 71% nas faixas imediatamente anteriores (35–39 e 30–34, respectivamente), de 61% na faixa etária 25–29 e de apenas 13% no grupo de 15–19 (ver gráfico 3).

    Essa mudança do padrão de fecundidade entre os grupos mais velhos foi tão drástica que o total de nascimentos aumentou consideravelmente na faixa até 29 anos. Em 2000, esse grupo respondia por 72% do total de nascimentos, acima dos 53% registrados em 1960 — com mães com menos de 25 anos passando de 28% de todos os nascimentos, em 1960, para 46% em 2000 (ver gráfico 4).

    15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49

    0,15

    0,20

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    0,5

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    60-65 95-0090-9585-9080-8575-8070-7565-70

    GRÁFICO 3: TA X AS DE FECUNDIDADE ESPECÍFICAS POR IDADE, BRASIL, 1960 A 2000

    Fonte: celade (Divisão de População da cepal). Boletín demográfico: América Latina, fecundidad 1950-2050, no 68, quadro 20. Disponível em: www.eclac.org/publicaciones/xml/3/7463/LCG2136_pai-ses.pdf. Acesso em: 22 nov. 2010.

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    Ao contrário da transição demográfica na Europa, que começou quando as taxas de natalidade eram muito inferiores aos números apresentados pela América Latina na metade do século xx, a queda no Brasil e na maioria dos países latino-americanos partiu de índices muito elevados. Na verdade, esses índices eram os mais altos do mundo na metade do século. No caso do Brasil, sociedade muito estratificada e parcialmente desarticulada, a queda não foi uniforme em todas as regiões e classes sociais. Assim, quando o país começou a registrar declínio da natalidade, a queda em cada região partiu de níveis diferenciados, mas todas apresentavam a mesma tendên-cia. Devido a esses índices iniciais diferenciados, a princípio não houve alteração nas variações entre cada região. Mas, gradativamente, mais e mais regiões começaram a convergir. De 1991 a 2000, a diferença entre o menor e o maior índice de fertilidade caiu de quase dois filhos para apenas

    Total Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-

    -Oeste

    Distrito

    Federal

    15

    20

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    30

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    1960-1965 1970-1975 1980-1985 1990-1995 1995-2000

    GRÁFICO 4: MUDANÇA NA PARTICIPAÇÃO REL ATIVA DE MULHERES DE DIVERSOS GRU-

    POS ETÁRIOS NO TOTAL DE FECUNDIDADE, 1960 A 2000

    Fonte: celade (Divisão de População da cepal). Boletín demográfico: América Latina, fecundidad 1950-2050, no 68, quadro 20. Disponível em: www.eclac.org/publicaciones/xml/3/7463/LCG2136_pai-ses.pdf. Acesso em: 22 nov. 2010.

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    um. Nesse último ano, três regiões apresentavam o mesmo índice de baixa reposição, e apenas duas tinham índice superior a 2,1 filhos (ver gráfico 5).

    Em geral, a fertilidade caiu ainda de forma mais acentuada em todas as regiões. Esse processo começou nas regiões brasileiras em melhor situação econômica e nas áreas urbanas e, em seguida, avançou gradativamente, e em ritmo acelerado, para as áreas rurais, partindo das populações com maior poder aquisitivo para as mais pobres.

    Se essa queda foi provocada pela adoção de práticas contraceptivas, sua disseminação certamente se deveu à melhor integração do país. Parte dessa integração deveu-se à expansão do mercado e também à migração

    1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

    2,5

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    4,5

    2,0

    Norte Centro-OesteSulSudesteNordeste

    GRÁFICO 5: TA X A DE FECUNDIDADE TOTAL POR REGIÃO, 1991 A 2001

    Fonte: Ministério da Saúde. Datasus — Banco de dados do Sistema Único de Saúde. A.5. Taxas de fecundidade total… segundo região e uf, Brasil, 1991 a 2001. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2003/a05.htm. Acesso em: 25 nov. 2010.

    1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

    norte 4,0 3,8 3,7 3,6 3,5 3,4 3,3 3,2 3,1 3,1 3,0

    nordeste 3,4 3,2 3,1 3,0 2,9 2,8 2,7 2,7 2,6 2,5 2,4

    sudeste 2,3 2,3 2,2 2,2 2,2 2,2 2,1 2,1 2,1 2,1 2,0

    sul 2,5 2,4 2,4 2,3 2,3 2,3 2,2 2,2 2,2 2,1 1,9

    centro-oeste 2,6 2,5 2,4 2,4 2,3 2,3 2,2 2,2 2,2 2,1 2,0

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    das populações rurais mais carentes para as cidades, bem como das regiões mais pobres do país para as mais abastadas. Uma das consequências mais óbvias dessa abrupta mudança no índice de natalidade foi o aumento da idade média e as alterações na distribuição etária da população no período de 1960 a 2000. Em 1980, a idade média tinha aumentado quase dois anos, passando para 20,3 anos; mais 2,5 anos foram acrescentados até 1990 e, no fim do século xx, a idade média da população era de 25 anos, sete anos acima da registrada em 1960. No outro extremo da estrutura etária, a população idosa aumentava lentamente. A população acima de 60 anos passou de 4,7%, em 1960, para 8,6% da população total em 2000. Essas profundas alterações estruturais podem ser vistas na mudança de formato das pirâmides etárias brasileiras. Em 1960, o país apresentava uma pirâmide pré-moderna clássica, com uma base ampla, afunilando à medida que as faixas etárias se tornavam mais elevadas e terminando num topo pequeno. Mas a queda na fertilidade levou à redução gradativa da base da pirâmide, formada pela população mais jovem, e ao aumento da participação da população de meia-idade e mais idosa. E, à medida que o século xx se aproximava de seu término, a base da pirâmide se reduzia ainda mais, e a participação das faixas etárias superiores

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    Homens Mulheres

    GRÁFICO 6: PIRÂMIDE ETÁRIA BRASILEIRA | CENSO DE 1960

    Fonte: celade (Divisão de População da cepal). America Latina: estimaciones y proyecciones de población a largo plazo 1950-2100. Disponível em: www.eclac.org/celade/proyecciones/basedatos_BD.htm. Acesso em: 20 nov. 2010.

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    aumentava. Hoje, a estrutura etária brasileira apresenta o já famoso formato em “barril”, característico dos países industriais mais desenvolvidos e das sociedades pós-transição (ver gráficos 6 e 7).

    A queda na mortalidade ocorrida nesse período também foi influen-ciada pela migração para as cidades. Na metade do século xx, a morta-lidade era mais elevada nas zonas rurais e nas regiões mais pobres do que nas zonas urbanas e nos estados mais ricos. Dessa forma, a maior disponibilidade de empregos nas cidades e nas regiões mais ricas, e as oportunidades para estudar e a melhora dos serviços sociais foram fatores que contribuíram para impulsionar a migração em massa ocorrida no Brasil no fim do século xx. Por outro lado, a crescente mecanização do campo e o declínio da agricultura de subsistência em todo o país também colaboraram para esse êxodo rural.

    Apesar de a migração urbana ser um fenômeno recorrente na história brasileira, esse processo passou a ser mais rápido na segunda metade do século xx. Até 1960, a maioria da população ainda morava no campo. Mas, em 1970, mais da metade da população foi recenseada como urbana, e esse índice cresceu de forma constante, até atingir 80% da população nacional

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    Homens Mulheres

    GRÁFICO 7: PIRÂMIDE ETÁRIA BRASILEIRA | CENSO DE 2000

    Fonte: celade (Divisão de População da cepal). America Latina: estimaciones y proyecciones de población a largo plazo 1950-2100. Disponível em: www.eclac.org/celade/proyecciones/basedatos_BD.htm. Acesso em: 20 nov. 2010.

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    no censo de 2000. Estima-se que, nos vinte anos transcorridos de 1960 a 1980, aproximadamente 27 milhões de brasileiros tenham migrado para a cidade. Até a década de 1990, os estados do centro-sul apresentavam o maior índice de migração rural-urbana, uma vez que a agricultura se modernizava mais rapidamente nessa região, e os centros urbanos cresciam em ritmo mais acelerado do que nas demais regiões. O período de vinte anos entre 1950 e 1970 registrou o maior crescimento das capitais dos estados, com aumento anual frequentemente superior a 5% ao ano. Na década de 1950, Belo Horizonte, por exemplo, apresentava 6,8% de crescimento anual e na década seguinte seu aumento populacional ainda foi de 6%. Nessas duas décadas, São Paulo cresceu 5%, ou mais, e até Curitiba cresceu 7% ao ano na primeira década e 6% nos anos 1960. Apenas o Rio de Janeiro cresceu em ritmo mais lento, de 3% ao ano, ou pouco mais, nessas duas décadas. Brasília, claro, teve o crescimento mais espetacular, com 14% ao ano na

    João PrudenteVista de cima, a rua 25 de Março, no centro da cidade de São Paulo

    são paulo, novembro de 2008

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    década de 1960. Como resultado, todas essas cidades, à exceção do Rio de Janeiro, mais do que duplicaram sua população nesses vinte anos. No final do século, vinte capitais tinham mais de um milhão de habitantes, consi-derando suas respectivas regiões metropolitanas. Entretanto, nessa época, todas já cresciam a ritmo muito mais lento, uma vez que a migração do campo para a cidade sofreu considerável redução em todos os estados e o padrão, à exceção de Manaus, era de 2% de crescimento anual, ou até menos.

    No ano 2000, aproximadamente 84 milhões de brasileiros — 49% do total da população — viviam em cidades com contingente populacional ao redor de 50 mil habitantes. Não obstante o crescimento no núcleo central das cidades se ter tornado bem mais lento após a década de 1980, chegando por vezes a estagnar, suas áreas metropolitanas apresentavam um novo

    Jesus CarlosSão Paulo, uma cidade em constante expansão — panorâmica de unidade da

    Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), rede que tem capacidade para estocar até um milhão de toneladas de produtos agrícolas

    são paulo, sp, 1990

    imagem global

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    m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i a

    crescimento, e esse fenômeno ocorreu, no fim do século, na maioria dos países da América Latina. Assim, no ano 2000, o Brasil registrava dez áreas metropolitanas com população total acima dos 2 milhões de habitantes, das quais as mais importantes eram São Paulo, com 18 milhões de pessoas, Rio de Janeiro, com aproximadamente 11 milhões, Belo Horizonte, 5 mi-lhões de habitantes, e Porto Alegre, 3,5 milhões. Em todos os casos, o cres-cimento ocorria na periferia e não no núcleo central, que então respondia apenas pela metade do total da população. O crescimento das cidades deu-se por intermédio da migração rural-urbana de pessoas em idade produtiva, com as mulheres tendo presença significativamente superior nesse fluxo migratório, devido ao aumento de oportunidades de trabalho em residên-cias e em fábricas. Em 2000, a relação por gênero nas áreas urbanas era de 94 homens para cem mulheres, enquanto a zona rural apresentava 112 homens para cem mulheres. Isso também pode ser visto nas estruturas etárias dessas populações — a população rural apresenta pirâmide mais tradicional, com uma base maior de jovens, e as áreas urbanas têm menor proporção de crianças e maior de adultos em idade produtiva.

    Mas o crescimento urbano não foi uniforme em todo o país. A região Nordeste, por exemplo, apresentava apenas 50% da população em áreas urbanas em 1980, enquanto os estados mais desenvolvidos da região Su-deste já haviam alcançado esse patamar vinte anos antes. No ano 2000, os estados nordestinos eram, ainda, 69% urbanos, comparados com os 91% de urbanização do Sudeste.

    A população rural não apenas migrou em massa para as cidades, para melhorar suas condições de vida, tornando o Brasil, no fim do século xx, um país predominantemente urbano, mas essa migração envolveu tam-bém intensa movimentação inter-regional. Em 1930, as migrações inter-nacionais, que haviam trazido para o Brasil aproximadamente 4,4 milhões de trabalhadores europeus e asiáticos, tornaram-se consideravelmente mais lentas. Grande parte dessa migração ocorreu entre as décadas de 1880 e 1920, e inicialmente dirigiu-se para os cafezais de São Paulo e do Paraná, deslocando-se em seguida para as cidades em expansão na região, principalmente São Paulo. Mas o contínuo crescimento econômico dos estados do centro e do sul, bem como o fim de uma significativa imigra-ção estrangeira, tornou o centro-sul bastante atraente para a população nordestina carente.

    Já no fim da década de 1920, a migração do Nordeste começou de forma constante e não diminuiu durante os sessenta anos seguintes. No período de 1920 a 1940, São Paulo recebeu mais imigrantes internos

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    Fotógrafo não identificadoRetirantes da seca — a população rural migrou em massa para as cidades

    ceará, s .d.

    opção brasil imagens

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    m o d e r n i z a ç ã o , d i t a d u r a e d e m o c r a c i a

    do que nascidos no exterior. Esse ritmo se intensificou a cada década. En-quanto um quarto do crescimento de São Paulo se devia, nos anos 1940, a imigrantes vindos de outros estados, nas duas décadas seguintes eles passaram a representar 30% do crescimento populacional, e, no período de 1970 a 1980, atingiram o pico de 42%. Esse foi o período mais elevado em São Paulo. Apesar de a migração interna não ter parado, após 1980 o fluxo migratório interestadual direcionou-se mais para as novas áreas de agricultura do oeste e norte do país, que no final do século estavam come-çando a ser exploradas. Dessa forma, os imigrantes passaram a responder por apenas 10% do crescimento da população do estado. O impacto dessa migração pode ser visto no gradativo declínio da região Nordeste e de sua participação na população nacional. No primeiro censo realizado no país, em 1872, essa região era a mais populosa do Império, respondendo por 47% do total, à frente dos estados do Sudeste. Em 1920, estes absorviam 47% da população e o Nordeste havia recuado para 37% de participação. Essa queda continuaria de forma constante, chegando a 28% da população total no censo de 2000. Na década de 1960, 1,8 milhão de pessoas abando-naram o Nordeste e, na década seguinte, mais 2,4 milhões migraram. O fluxo migratório do Nordeste continuou após 1980, mas o padrão passou a ser o de uma migração dispersa, com os imigrantes dirigindo-se então para o oeste e o norte do país. Isso explica por que a região Centro-Oeste aumentou sua participação de 3%, em 1950, para 7% em 2000, e o Norte passou de 4% a 8% no mesmo período

    Nesses anos houve não apenas uma mudança importantíssima na taxa de natalidade e nas práticas contraceptivas, mas também uma profunda alteração no papel da mulher na sociedade e na estrutura da família bra-sileira. Um indício importante dessa mudança foi o aumento gradativo da participação da mulher no mercado de trabalho. A participação feminina veio aumentando constantemente nos últimos vinte anos, passando de apenas 18,5% em 1970 para 44,1% em 2000.

    A crescente participação das mulheres no mercado de trabalho provo-cou uma profunda alteração na estrutura dos lares e das famílias. A legali-zação do divórcio, em 1977, e a Constituição de 1988, ao igualar homens e mulheres em direitos e obrigações, influenciaram claramente o crescimen-to de domicílios sob a responsabilidade de mulheres, nas classes média e alta, e também aumentaram a proporção de cidadãos que se declararam não casados. Entre as classes mais pobres sempre foi comum a existência de domicílios liderados por mulheres, mas a nova legislação contribuiu muito para estender essa situação a todas as classes sociais e para incentivar o

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    divórcio. De 1984 a 2001, o número de divórcios cresceu aproximadamente 9% por ano. Também houve o aumento do número de pessoas separadas judicialmente — a Constituição de 1988 tornou obrigatório um período de separação de um a dois anos antes de o divórcio ser decretado. Mas o índice de divórcios em relação a separações judiciais continuou a subir, e os divórcios responderam por 70% das dissoluções de matrimônio ocorridas no ano de 2002. Embora a incidência de divórcios tenha aumentado em todas as faixas etárias, a idade média dos divorciados manteve-se estável, na faixa de 35–39 anos. Também não houve nenhuma alteração drástica no número de crianças afetadas pelo divórcio, porque metade dos casais que requereram o divórcio tinha apenas um filho ou nenhum.

    Por fim, após o extraordinário aumento, tudo indica que o número de divórcios e de separações se estabilizou na última década. Em 2001, o número de separações judiciais entre adultos acima de 20 anos era de 0,9 a cada mil pessoas, índice que se manteve constante desde 1994. Por sua vez, o número de divórcios nessa mesma faixa etária cresceu lentamente na década de 1990 e atingiu 1,2 a cada mil pessoas em 1999. Como era de se esperar, as regiões Sul e Sudeste apresentaram os índices mais elevados, com separações e divórcios de 1,3 por mil (Sudeste) e 1,2 por mil (Sul) em 2001.

    A crescente importância do divórcio e da separação levou a mudanças de gênero no responsável pelo domicílio. Em 1991, apenas 18% dos domi-cílios com mais de um residente estavam sob a responsabilidade de uma mulher, número idêntico ao obtido em pesquisa de 1984. Entretanto, a última década do século xx registrou uma mudança dramática. Em 2000, 25% dos domicílios eram chefiados por uma mulher, e esse índice iria elevar-se no século seguinte. Como sempre, essa tendência começou nas maiores regiões metropolitanas: em metrópoles do porte de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o percentual de domicílios com responsáveis mulheres era superior a 30%. Na verdade, havia uma diferença acentuada entre as áreas urbanas e rurais. No censo de 2000, nas áreas urbanas, 27% dos domicílios com mais de um morador eram chefiados por mulheres, enquanto nas zonas rurais esse percentual era de apenas 13%.

    Evidentemente, tal como outras sociedades desenvolvidas, passando por crescente secularização, a estrutura familiar brasileira está sofrendo profundas alterações, com maior número de divorciados e de domicílios chefiados por mulheres. Também tem havido queda constante no número de pessoas legalmente casadas, e tudo isso quase uma geração após o de-clínio de fecundidade. Em 1990, por exemplo, havia 7,5 matrimônios para cada mil habitantes com mais de 15 anos, enquanto em 2002 esse número

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    Mario CurcioA caminhoneira Rosineide Moura e o caminhão de coleta

    de minério de ferro que dirigecarajás, pa, 2004

    agência estado

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    era de apenas 5,7 matrimônios. Da mesma forma, tal como vem ocorrendo em todas as sociedades desenvolvidas, a idade do primeiro casamento vem aumentando. Em 1991, as mulheres se casavam com 23,7 anos, e em 2002 essa idade tinha aumentado três anos, passando para 26,7 anos. A idade para os homens também aumentou mais de três anos, passando a 30,3 anos em 2002, contra os 27 anos de 1991.

    Como consequência dessas mudanças nos casamentos, na taxa de natalidade e na crescente urbanização também houve profunda redução no tamanho médio dos domicílios e no número médio de crianças em cada um. Em 1991, a média por domicílio era de 4,2 indivíduos, e nove anos mais tarde esse número caiu para 3,7 indivíduos e até para 3,4 nos estados mais desenvolvidos do Sul. Além disso, as famílias muito numero-sas estão desaparecendo rapidamente. Os domicílios com cinco ou mais indivíduos, que em 1960 representavam 53,3% do total de domicílios, pas-saram a apenas 23,4% em 2000. Dada a relação inversa entre o número de filhos por domicílio (1,5 na média nacional) e a renda familiar, com os domicílios de menor renda apresentando o maior número de filhos (2,8) e os de maior renda o menor número de filhos (0,8), à primeira vista poderia parecer que a tendência para menores grupos familiares estivesse associada ao maior poder aquisitivo da população. Como demonstrado em muitos estudos, os padrões em termos de dimensão da unidade familiar e taxa de fecundidade se disseminaram dos setores urbanos de maior renda para os rurais mais carentes, durante o processo de transição demográfica. Dessa forma, podemos assumir que as tendências em evidência desde os anos 1970 continuarão no mesmo ritmo por muitos anos.

    Como concluiu uma pesquisa realizada pelo governo em 2002: “Nas duas últimas décadas, a mudança mais significativa na organização da família brasileira foi o crescimento de domicílios sob a responsabilidade das mulheres e a redução do núcleo familiar.” Mas ocorreram outras mu-danças, que vêm se tornando cada vez mais importantes no contexto do domicílio e da organização da família brasileira. Não só houve aumento no número de domicílios de casais sem filhos, à medida que mais e mais mulheres optam por não engravidar, como também vem aumentando a quantidade de domicílios ocupados por um único indivíduo. Esses domi-cílios “unipessoais”, como assim os denomina o censo brasileiro, em 1992 correspondiam a apenas 7,3 do total de lares para, em 2001, atingirem o percentual de 9,2%, com as áreas metropolitanas registrando índices mais elevados do que a média nacional. Sua faixa etária tendia a ser su-perior à do padrão para a população em geral, com 60% acima de 45 anos.

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    Em conjunto com o aumento desse tipo de domicílio e de casais sem filhos, houve queda constante de domicílios de casais com filhos, o que, no ano 2001, resultou numa estrutura familiar brasileira mais complexa e menos tradicional do que a existente quarenta anos atrás (ver gráfico 8). Muitas dessas transformações se devem, sem dúvida, à queda abrupta no índice de natalidade, mas também são o reflexo da mudança de comportamento em relação ao papel da mulher na sociedade.

    Mas há outros aspectos da vida no país em que as mudanças foram muito mais lentas. Poucas eram as áreas em que o Brasil estava tão atrás dos outros países do hemisfério, ou mesmo de países do Terceiro Mundo em situação equivalente, quanto na educação. E essa situação pouco mudou no último quarto de século. O Brasil foi uma nação relativamente retrógrada no que tange ao sistema público de educação durante a maior parte de sua história imperial e republicana. Embora já na década de 1820 a educação primária gratuita tenha sido proclamada como meta, poucos esforços foram envidados pelo governo para que essa vital tarefa fosse executada, tanto que em 1871 havia somente 134 mil alunos em todo o Império, dos quais 7% frequentavam a escola secundária, e só 28% eram meninas. Isso, em uma população de mais de 10,1 milhões, o que significava menos de treze crianças na escola para cada mil habitantes.

    Casal com filhos: 53,3%

    Casal sem filhos: 13,8%

    Mulher sem cônjugecom filhos: 17,8%

    Unipessoal: 9,2%

    GRÁFICO 8: DISTRIBUIÇÃO POR TIPO DE DOMICÍLIO EM 2001

    Fonte: pnad — Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2001.

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    Em 1950 esse número finalmente chegou a 110 alunos primários e secundários por mil habitantes. Nesse ano, entretanto, o número total de crianças na escola era somente de 6 milhões, das quais 5,2 milhões fre-quentavam o primeiro grau e apenas 390 mil cursavam o segundo grau e 84 mil estavam no nível superior — isso considerando uma população de 18,7 milhões de crianças em idade escolar. Era evidente que, apesar de o número de matrículas no primeiro grau estar aumentando rapidamente e já perto de dois terços das crianças em idade escolar, até meados do século ainda havia o tradicional bloqueio no acesso ao segundo grau e superior, exclusividade de uma minoria privilegiada. Dos mil alunos que ingressa-vam no primário, somente 35 conseguiam chegar ao segundo grau e não mais que dez ao nível superior — 1% dos que haviam iniciado os estudos no primário. Da mesma forma, devido ao fato de a educação fundamental ser muito precária, o índice de reprovação era extremamente alto, e todas as séries iniciais eram repletas de alunos mais velhos.

    Somente nos últimos 25 anos alguns desses problemas começaram a ser gradativamente solucionados. Primeiramente, observou-se que a elevada heterogeneidade na idade dos alunos da primeira série passou a diminuir. Enquanto em 1982 três quartos dos alunos que ingressaram nas primeiras séries do primeiro grau estavam fora da idade recomenda-da — um reflexo das matrículas de alunos atrasados que aconteciam por todo o país e do alto índice de reprovações —, até 1996 essa quantidade caiu para 45% dos alunos iniciantes. Em segundo lugar, mais alunos passaram a completar os quatro anos do primário. Se em 1976 os alu-nos do ginásio — quinta à oitava série (até 14 anos) — correspondiam a somente 29% do total de matriculados no primeiro grau, até 1998 essa correspondência subiu para 40%, e, em 2003, alcançou os 45%. No mesmo período também houve uma queda contínua da evasão escolar — para 1% da primeira série — e um aumento da aprovação de uma série para outra para dois terços, em média. Por último, a taxa líquida de frequência escolar, que é a relação entre a quantidade de crianças na escola e o total de crianças da mesma faixa etária, também atingiu um nível bastante alto em âmbito nacional depois de anos de desigualdades regionais no acesso à educação, sendo o Nordeste — com uma taxa de 94,4% — a pior região, quando comparada à região Sul, que registrou a melhor taxa — 98,1%. Podemos perceber quão recentes e revolucionárias são todas essas mudanças, assim como seu potencial alcance, se considerarmos que no censo de 2000 somente 15% da população de 60 anos ou mais (aproximadamente 14 milhões de pessoas) havia concluído os oito anos

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    do primeiro grau, fato conquistado por 54% do grupo com idade entre 20 e 24 anos (aproximadamente 15 milhões de pessoas).

    Apesar de persistentes iniciativas por parte do governo federal, ainda há acentuadas discrepâncias no acesso à educação, em termos de domicílio, classe social e raça. Embora as diferenças regionais nas taxas de frequência sejam atualmente pequenas, em se tratando da qualidade das escolas, suas instalações e professores, observa-se que ainda perduram diferenças fun-damentais entre as regiões do país. Um reflexo direto desse fato é o baixo número proporcional de estudantes do Nordeste e do Norte que chegam às séries mais adiantadas, quando comparado ao das outras regiões. Essas disparidades, por sua vez, são consequência de oportunidades desiguais no acesso à educação, relacionadas à classe social, cor e etnia. No censo de 2000, somente 37% dos indivíduos na faixa de 20 a 24 anos no Sudeste não haviam completado o ensino fundamental, enquanto essa proporção no Nordeste era de 61% e, considerando a mesma faixa etária nessas duas regiões, os brancos se saíram melhor do que os negros e os pardos. Nos estados do Sul, por exemplo, 35% dos brancos nessa mesma faixa etária não haviam concluído os oito anos do ensino fundamental, em contraposição a mais da metade dos “não brancos” que não o fizeram. No Nordeste, a mesma avaliação apresentou 51% de brancos comparados a 68% e 65% de negros e mulatos, respectivamente. Em todos os casos, os asiáticos foram os que se saíram melhor e os índios ficaram no mesmo nível ou acima dos negros e mulatos.

    Ainda que desde o início do século xx tenha havido um crescimento contínuo do número de alunos do primeiro grau, somente nas décadas de 1960 e 1970 seria observado um aumento substancial no número de matrículas para os níveis secundário e superior. Em 1960, o número de ma-triculados no segundo grau representava apenas 3,1% do total da população escolar — percentual não muito diferente do registrado na década de 1940. No entanto, em 1974 esse número atingiu 8% — mais do dobro — do total de alunos dos primeiro e segundo graus; em 1980 eram 3 milhões, repre-sentando 11% desse total, e até 2003 — agora triplicados em quantidade, com 9 milhões de alunos — já significavam 21% do total dos dois níveis.

    Embora esse importante crescimento do número de alunos indique que o Brasil está caminhando rumo aos padrões de Primeiro Mundo para a educação secundária, problemas básicos ainda persistem. Em 1998, apenas 55% dos jovens entre 15 e 17 anos frequentavam a escola — um enorme avanço em relação aos anos anteriores, mas ainda muito pouco para os pa-drões de países industriais desenvolvidos. Ademais, as distorções idade-série

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    continuavam significativas, tanto que em 1996 aproximadamente 54% dos alunos do ensino secundário tinham mais de 17 anos. Porém, os índices de evasão e de reprovação caíram, enquanto o número de formandos subiu — de 26% em 1985 para 43% em 1995.

    Infelizmente, alguns aspectos dessa recente ampliação das escolas secundárias tiveram impacto negativo na qualidade. A chamada massifi-cação, ou desenvolvimento abrupto, do ensino secundário provocou uma acentuada queda na qualidade do que era oficialmente considerada uma educação de elite: as escolas públicas de segundo grau. Da mesma forma, o foco do governo federal na expansão das universidades, da década de 1960 em diante, também desvirtuou suas prioridades e interesses.

    A partir da Constituição de 1988 ocorreram alterações na competência dos entes federados e no financiamento da educação. A Constituição decla-rou a educação pública fundamental e secundária como um direito univer-sal de todos e redefiniu as competências dos três níveis de governo. Coube à União a função de garantir a equalização das oportunidades educacionais e de padrão de qualidade do ensino, assim como estabelecer as diretrizes e as bases da educação; os estados tinham competência concorrente nessas matérias. Aos municípios coube ação prioritária no ensino fundamental e na educação infantil. A Constituição exigiu também um gasto mínimo da receita de impostos na área da educação: 18% para o governo federal e 25% para os estados e municípios. Outra grande inovação foi a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério — o Fundef —, que recolhia 15% dos 25% arrecadados pelos governos estaduais e municipais e os redistribuía em cada estado, de acordo com a quantidade de alunos das escolas estaduais e municipais. Havia também um plano federal de compensação para os estados que gastavam abaixo do esperado por estudante ou por professor. No contexto de descentralização, em que as prefeituras eram forçadas a assumir responsabilidades, vieram transferências de verba do governo fe-deral, que apoiava uma campanha direcionada à melhoria da formação dos professores, ao emprego obrigatório — pelas prefeituras — do orçamento para educação em salários, currículos escolares e provisões, e ao foco na melhoria da qualidade da educação, em vez de meros investimentos em instalações físicas. A educação básica passou a receber avaliações em âmbito nacional, e o propósito da política federal para o ensino básico era o de assegurar que as regiões mais carentes alcançassem padrões de qualidade educacionais definidos nacionalmente, caminhando assim para a redução das discrepâncias regionais.

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    O incremento da educação de nível superior já era uma das grandes metas do governo federal — pelo menos a partir da Era Vargas e principal-mente depois da década de 1960 —, que arcava com a principal parte do investimento. Na década de 1930, novas iniciativas foram empreendidas pelo governo federal para criar um sistema educacional mais moderno. Entretanto, a primeira universidade moderna foi criada, de fato, por um governo estadual quando, nos anos 1930, o governo de São Paulo fundou a Universidade de São Paulo. Em 1951, o governo federal se comprome-teu a apoiar ativamente a pesquisa científica e criou o cnpq (Conselho Nacional de Pesquisas, atualmente denominado Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e, logo depois, a Capes (Coor-denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), para incentivar a formação científica por meio de bolsas de estudos oferecidas a alunos

    Fotógrafo não identificadoProfessores e alunos de escola rural em João Pessoa

    paraíba, 2 de julho de 2001

    acervo ibge

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    interessados no autoaperfeiçoamento, tanto em instituições brasileiras quanto em estrangeiras.

    Mas foi somente no início da década de 1960 que o governo federal fi-nalmente efetivou a criação das universidades federais em todos os estados. Nessa mesma década houve uma grande reforma universitária — baseada no modelo norte-americano moderno —, que teve início com a criação da Universidade de Brasília, em 1962, e com a Universidade Federal de Mi-nas Gerais. Em pouco tempo, o governo federal efetuou uma importante ampliação nas áreas de ciência e tecnologia, tanto nos antigos institutos tecnológicos como nas universidades. Em 1962, o governo do estado de São Paulo fundou uma universidade científica em Campinas e inaugurou a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). De fato, até a década de 1990, a maior parte da verba federal para a educação foi direcionada para o ensino superior em detrimento do ensino fundamental e secundário. No entanto, esses investimentos colocaram o Brasil entre os poucos centros científicos de ponta dos países em desenvolvimento, além de aumentarem drasticamente a quantidade dos alunos que ingressavam no ensino superior. Em 1960, apenas 1,1% do total de estudantes — ou 93 mil de um total de 8,8 milhões — frequentavam centros de educação su-perior. Em 1981, esse número era de 1,4 milhão, o que correspondia a 5% dos 28 milhões matriculados, e em 2002 era de 3,2 milhões, considerando todas as formas de ensino superior — ou cerca de 7% do total de alunos.

    Uma última área de ensino foi a formação técnica com patrocínio da indústria, algo praticamente exclusivo do Brasil, desenvolvida nos últimos cinquenta anos. Diante da incapacidade dos governos municipal, estadual e federal em oferecer formação técnica de qualidade — deficiência que até hoje persiste — e influenciados pelo sistema alemão de treinamento de aprendizes, na década de 1940 industriais brasileiros implantaram um dos maiores programas de formação técnica do mundo para fornecer a mão de obra qualificada de que o grande número de indústrias em expansão neces-sitava. Em 1942, os industriais convenceram o governo federal a criar um imposto sobre a folha de pagamento para financiar um sistema de ensino administrado pelas associações do setor industrial privado de cada estado. O Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) passaram a oferecer cursos de curta e longa duração em áreas técnicas e comerciais a milhares de estudantes.

    Essas iniciativas, tomadas no final do século xx, para prover o país de edu-cação fundamental e avançada, influenciaram os níveis de escolaridade da população. O censo de 1872 constatou que 84% da população — percentual

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    bastante próximo ao de 1890 — não sabia ler nem escrever. Mesmo em 1960, 40% da população com 15 anos ou mais era analfabeta e, em 1980, os quase 19 milhões de analfabetos representavam um quarto da popu-lação nacional. Nessa época, o Brasil se via em indesejável posição: atrás do Equador e pouco à frente da Bolívia, os últimos colocados da América Latina em níveis de analfabetismo, e essa posição relativa pouco melhorou até 2002. Entretanto, a quantidade crescente de matrículas em escolas, por toda parte, nos últimos 25 anos, finalmente provocou a queda do analfabe-tismo em números absolutos e relativos. Enquanto em 1991 foi registrado o pico de 29,5 milhões, o censo de 2000 apontou uma redução: o número de analfabetos caiu para 22,9 milhões (considerando a população com mais de 5 anos de idade), sendo que, proporcionalmente à população total, o declínio foi de 23% para 15%. A preponderância do número de mulheres entre os analfabetos, padrão vigente até então, também desapareceu: ha-via mais mulheres do que homens matriculados na escola. No ano 2000, a relação entre homens e mulheres analfabetos era de 97 homens para 100 mulheres, idêntica à proporção entre os sexos no total da população, registrada pelo censo; além disso, a relação de analfabetos por gênero en-tre as pessoas com menos de 40 anos refletia a frequência escolar relativa, ou seja, a proporção de homens analfabetos era muito maior do que a de mulheres. Como era de se esperar, com mais crianças na escola, a idade média da população analfabeta aumentou: em 1991 a idade média, entre as pessoas acima de 5 anos, estava na faixa de 25 a 29 anos e, em 2000, migrou para o grupo de 35 a 39 anos.

    Contudo, ainda existem acentuadas desigualdades nos índices de anal-fabetismo, relacionadas à raça e à região. Em 2000, a proporção de analfa-betos brancos era de apenas 10% da população branca acima de 5 anos de idade, enquanto para os asiáticos era de apenas 6%; já para negros e pardos era de 21% e 19%, respectivamente. No que diz respeito às discrepâncias regionais, mesmo no censo de 2000, mais da metade dos analfabetos com mais de 10 anos — aproximadamente 53% — concentravam-se no Nordeste, apesar de aquela região compreender apenas 28% da população do país (ver gráfico 9). O índice de analfabetismo nessa região era de 25%, e na região Norte, 15%, caindo para 10% ou menos em todas as outras regiões. Embora houvesse nítidos sinais indicativos de transformação, as discrepâncias do analfabetismo por raça, etnia e região ainda persistiam no país, e são um evidente reflexo das diferenças de classe social.

    Apesar da universalização da educação, persiste a questão da qualida-de. Em 1978, a Unesco definiu o conceito de “alfabetismo funcional” para

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    caracterizar uma pessoa capaz de utilizar a leitura, a escrita e as habilidades matemáticas para fazer frente a seu contexto social. No Brasil, esse indi-cador passou a ser calculado a partir de 2001, quando 12% da população brasileira de 15 a 64 anos foi considerada analfabeta funcional e outros 27% estavam no nível rudimentar. Apenas 26% foram enquadradas no nível ple-no, ou seja, plenamente alfabetizados. Embora ocorresse alguma melhoria nos níveis mais baixos do indicador, não houve alteração no percentual da população plenamente alfabetizada. Ou seja, apenas um quarto da popu-lação brasileira de 15 a 64 anos tinha plena habilidade para ler e escrever.

    O Brasil conseguiu importantes avanços na educação, mas ainda se encontra em meio a um lento e penoso processo para prover os serviços sociais básicos garantidos em qualquer sociedade industrial moderna do século xxi. Benefícios como seguro-desemprego, aposentadoria, indenização trabalhista e plano de saúde só começaram a ser garantidos nacionalmente

    Total Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-

    -Oeste

    Distrito

    Federal

    15

    20

    25

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    1992 2002

    GRÁFICO 9: PERCENTUAIS DE ANALFABETISMO ENTRE ADULTOS (15 ANOS OU MAIS) POR

    REGIÃO, 1992 E 2002 (EM PERCENTAGEM REAL)

    Fonte: ibge. Dados disponíveis em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2003/b01.def.

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    Jesus CarlosAposentados reunidos na praça

    angra dos reis, rj, 1990

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    nos últimos 25 anos. Tal como ocorrido na maioria dos países do hemisfério ocidental, os primeiros planos de aposentadoria formais começaram com pequenos grupos de trabalhadores, em setores bem definidos, nas décadas de 1920 e 1930. A primeira ampliação desse sistema ocorreu em 1923, quando a chamada Lei Elói Chaves garantiu aos trabalhadores ferroviários o direito à aposentadoria — e a seus dependentes, em caso de morte do empregado — e à assistência médica. Em 1926, esse direito foi estendido aos estivadores e, nas décadas seguintes, com a contínua criação das capS — Caixa de Aposentadoria e Pensões —, cada vez mais classes específicas de trabalhadores foram contempladas. No início do governo Vargas, muitas dessas “Caixas” específicas foram incorporadas a sistemas setoriais maio-res — nomeados iapS, ou Institutos de Aposentadoria e Pensões —, que até 1939 compreendiam praticamente 1,8 milhão de trabalhadores segurados. Esses institutos setoriais, que se tornaram centros de treinamento para um

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    novo grupo de tecnocratas profissionais, ofereciam cobertura limitada e desigual, e muitos enfrentavam dificuldades na administração dos próprios recursos. Por volta de 1950, calculava-se que 3 milhões de pessoas — apenas 21% da população economicamente ativa — era atendida pelos iapS e capS, o que representava somente cerca de 7% da população total. Essa cobertura teve um tímido aumento na década seguinte e, em 1960, avaliava-se que 4,2 milhões de pessoas eram beneficiadas, ou seja, apenas 23% da população economicamente ativa.

    Esse sistema limitado de assistência ao trabalhador mudaria radical-mente na década de 1960 com a implantação do primeiro plano nacional de previdência social. Em 1964, foi finalmente aprovada a Lei Orgânica da Previdência Social, sob o governo Goulart, como uma tentativa de consoli-dar o ineficiente sistema dos iapS. Também foi esse o governo que tomou a primeira atitude séria relacionada à seguridade dos trabalhadores rurais, com a criação, em 1961, do Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural). A princípio, porém, pouco se conseguiu nessa área tão importante. Reformas expressivas continuaram depois do golpe militar de abril de 1964. Na verdade, o primeiro ministro do Trabalho do regime militar e seu chefe de gabinete eram especialistas de renome em seguro social. Em 1966, os iapS e as capS individualizadas foram finalmente substituídos pelo inps (Instituto Nacional de Previdência Social), que posicionou todo o sistema em uma base financeira mais sólida e ampliou rapidamente a abrangência de cobertura, atingindo uma proporção cada vez maior da população na-cional. Em 1968, dois anos após sua criação, o inps, que foi desenvolvido para atender tanto os trabalhadores empregados formalmente como os au-tônomos, já cobria 7,8 milhões de pessoas. Em 1970, o inps foi ainda mais adiante na metódica ampliação do número de trabalhadores beneficiados e, em 1971, estendeu a cobertura aos trabalhadores rurais — tornando o Funrural, pela primeira vez, uma instituição eficaz —, e, em 1972, os trabalhadores domésticos foram também beneficiados.

    O número de inscrições de novos trabalhadores no inps crescia ra-pidamente e em 1980 já havia 24 milhões de participantes, o triplo da quantidade inscrita durante todo o seu primeiro ano de funcionamento. Em 1966, o novo governo também criou o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (fgts), financiado pela arrecadação de 8% da folha de pagamento, depositada pelos empregadores; tinha o propósito de ser usado como uma espécie de seguro-desemprego para todo trabalhador demitido — com as relações trabalhistas sendo agora muito menos rígidas —, como fundo de reserva para aposentadoria ou como fonte de recursos para aquisição da casa

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    própria. A maior parte dessa arrecadação ia para o bnh, o Banco Nacional da Habitação, para fomentar um grande aumento do número de construção de moradias. O sistema foi capaz de financiar 4,4 milhões de habitações, mas apenas um quarto das operações beneficiou a população de baixa renda.

    Aliados aos vários tipos de planos de previdência, o inps e o Funrural também começaram a oferecer assistência médica através do Inamps (Ins-tituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), e, em 1974, surgiu o Ministério da Previdência e Assistência Social, que englobou todos esses diversos planos de previdência, aposentadoria e saúde até o fim do regi-me militar. Em 1988, com a volta da democracia ao país, a assistência social tornou-se uma área de intensa discussão, o que teve influência decisiva na redação de grande parte da Constituição de 1988. A Constituição declarava o direito universal não só à saúde, mas também a um sistema integrado de seguridade e assistência social. Dessa forma, todos os trabalhadores, dos

    Jesus CarlosConjunto habitacional popular do bnh na periferia da cidade de Natal

    rio grande do norte, 1990

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    setores público e privado, eram contemplados pelo mesmo sistema, cujo financiamento provinha de uma base tributária mais sólida, e o valor das aposentadorias foi atrelado à inflação. Por fim, a aposentadoria passou a ser um direito universal de todos os homens e mulheres do meio rural, traba-lhadores registrados ou não, independentemente de terem feito pagamento prévio de qualquer tipo de plano de aposentadoria.

    No início da década de 1990, essas reformas finalmente entraram em vigor, na forma da Lei Orgânica da Seguridade Social. Os programas de assistência e de seguridade foram reorganizados no novo Instituto Nacio-nal do Seguro Social (inss) — que substituiu o inps, o Funrural e outros setores de assistência social —, e houve também a migração de todas as atividades relacionadas à saúde para o Ministério da Saúde.

    Em 2004, calculava-se que aproximadamente 42 milhões de trabalha-dores brasileiros com idade entre 16 e 59 anos contribuíam para o inss e planos de aposentadoria municipais ou estaduais — 29,7 milhões através do Regime Geral da Previdência Social (rgps), 7,7 milhões de trabalhadores rurais com cobertura pelo rgps e 4,8 milhões por meio de planos de aposen-tadorias municipais e estaduais —, e mais ou menos 22 milhões de pessoas eram beneficiárias, apesar de quase 27 milhões de trabalhadores efetivos estarem ainda sem cobertura. O novo compromisso com o direito universal à aposentadoria para os trabalhadores rurais teve um efeito extremamente importante na redução da indigência e pobreza da população. Embora es-sas aposentadorias rurais a princípio fossem bastante pequenas — 85% da população rural recebia menos de um salário mínimo em 1985 —, foram melhorando progressivamente e, na Constituição de 1988, o piso da aposen-tadoria para trabalhadores rurais foi elevado para o salário mínimo. Avalia-se que essas aposentadorias diminuíram não só a pobreza da população, mas também as diferenças sociais no meio rural. Aliás, o Brasil está entre os países em desenvolvimento mais avançados em iniciativas para reduzir a pobreza da população rural. Dessa forma, pela primeira vez no país, ser idoso e morar no campo não significava correlação automática com a miséria.

    Entretanto, ainda perduram outros problemas no sistema de seguridade social do país. Como todos os países latino-americanos, o Brasil enfrentou o desafio de um crescente mercado de trabalho informal e seu impacto negativo na seguridade social no período anterior a 2000. A abertura da economia nos anos 1990 causou uma diminuição relativa do número de trabalhadores formais — com carteira de trabalho assinada — que contribuíam para o sistema. Entre 1985 e 2002, o número de trabalhado-res formais nas indústrias teve um aumento insignificante — foi de 6,5

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    milhões para 6,7 milhões, o que representou menos de 0,2% de crescimento anual. De modo geral, o número de trabalhadores registrados subiu de 20,4 milhões para 28,7 milhões, mas esse aumento mal acompanhou o crescimento da população economicamente ativa, que foi de 55 milhões para 86 milhões no mesmo período. Em 1985, havia um trabalhador formal para cada 2,7 trabalhadores no país e, em 2002, essa relação era de um para três. No censo de 2000, avaliou-se que os trabalhadores registrados compu-nham somente 34% da população economicamente ativa. Nos países em desenvolvimento, de maneira similar, a viabilidade da estrutura de todos esses sistemas de seguridade e aposentadoria depende do desenvolvimento continuado da economia e é extremamente sensível a mudanças de status da força de trabalho.

    Nos últimos 25 anos do século xx, o governo brasileiro também criou programas específicos para complementar os salários dos trabalhadores

    Jesus CarlosO mercado informal: camelô no centro da cidade de João Pessoa

    paraíba, 29 de dezembro de 2010

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    formais. Em 1977, foi implantado o programa “vale-refeição”, em que todo empregador devia pagar uma refeição completa aos empregados, por turno de trabalho, valor que seria deduzido dos impostos. No início do século xxi, cerca de 100 mil empresas e 8,5 milhões de trabalhadores foram atendidos por essa disposição, a metade dos quais fazia a refeição no próprio local de trabalho e os outros recebiam tíquetes para utilizar em restaurantes nas proximidades. Em 1985, foi acrescentado o pagamento diário de transporte, custeado da mesma maneira, atingindo o mesmo número de empresas e trabalhadores. Esses programas, somados às outras contribuições sociais, ampliaram o valor real do salário dos trabalhadores, principalmente os de baixa renda, mas, ao mesmo tempo, praticamente dobraram o custo

    Marcello Casal Jr.A Agência do Trabalhador distribui carteiras no 1o de Maio,

    Dia do Trabalho, incentivando a geração de empregos formaisbrasília, df, 2007

    agência brasil

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    efetivo da mão de obra. Outro ponto importante é que, apesar de essas remunerações suplementares serem de fundamental importância para a economia como um todo, beneficiam apenas os trabalhadores inseridos no mercado formal de trabalho.

    Diferentemente da previdência, que passou de um sistema descentraliza-do para um mais centralizado pelo governo federal, no decorrer dos séculos xix e xx a história da saúde pública no Brasil caminhou no sentido contrário. Desde o princípio, a saúde pública foi uma preocupação fundamental do governo, primeiro nos portos e na capital imperial, depois nos territórios e, finalmente, nos estados e municípios. O fato de os líderes pioneiros no movimento de saneamento terem sido proeminentes cientistas, intimamente relacionados com a elite política, contribuiu para que as questões de saúde pública se tornassem interesse prioritário do governo federal, como foi o caso

    Fabio Rodrigues PozzebomO então presidente Lula na comemoração dos sete anos do programa Bolsa Família

    brasília, 7 de dezembro de 2010

    agência brasil

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    da famosa campanha da vacinação do início do século xx. Ainda nas décadas de 1910 e 1920 o governo apoiou a intervenção da Fundação Rockfeller em campanhas pela saúde e contra epidemias nos estados do Nordeste e exigiu uma lista nacional de doenças, além de inúmeras outras medidas de saúde pública. Por fim, com a criação dos primeiros grupos de pensão e aposenta-doria, nos anos 1920, foi desenvolvido também um movimento sistemático para a criação de postos de saúde regionais, vinculados aos novos iapS e às Caixas de Aposentadoria. Em 1953, todas essas iniciativas governamentais finalmente conduziram à criação do Ministério da Saúde. No decorrer das décadas de 1950 e 1960, uma parte cada vez maior do orçamento do país passou a ser direcionada para a saúde, embora a cobertura fosse bastante tímida, considerando as necessidades da sociedade em âmbito nacional.

    Porém, a partir dos anos 1940, travou-se um incessante debate entre federalistas e antifederalistas, e entre os que defendiam a medicina pre-ventiva e os que se concentravam na erradicação de doenças contagiosas. Debate esse que, em muitos aspectos, não se resolveria até o final do século xx. Outro fato também em discussão era se as atividades médicas deveriam ser retiradas dos fundos de aposentadoria e inseridas em um sistema nacional, controlado pelo governo federal. Veementes protestos sindicais impediram que isso ocorresse, até o golpe militar de 1964.

    Entre as muitas reformas estruturais efetuadas pelo governo militar, a mais importante para a saúde pública foi a criação do inps (Instituto Nacional de Previdência Social), em 1967. O inps assumiu o controle de todos os planos médicos oficiais existentes e passou a oferecer assistência médica a todos os trabalhadores registrados, autônomos e profissionais inscritos em planos de aposentadorias. No início da década de 1970, foi criado o Inamps, vinculado ao inps, para dirigir o sistema de saúde e a Ceme (Central de Medicamentos) para centralizar a compra, produção e distribuição de medicamentos a todas as instituições. Depois de estabele-cido, esse sistema dominou a assistência nacional à saúde até a década de 1980, e o Inamps criou superintendências regionais em todo o país para administrar seus programas. Embora as Forças Armadas e o funcionalis-mo público tivessem seus próprios hospitais e clínicas e muitos estados e prefeituras oferecessem esse serviço, o Inamps era o principal provedor. No final da década de 1970, calculava-se que 75% da população brasileira era atendida pelos postos de saúde e hospitais do Inamps, que controlava perto de 340 mil leitos hospitalares no país.

    O período entre o final da década de 1970 e o início dos anos 1980 presenciou a consolidação do sistema de assistência nacional à saúde e um

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    crescente empenho para sua universalização. Entre as ações que levaram a essa mudança conta-se a expansão do Funrural, na década de 1970, que passou a prover atendimento médico para todos os trabalhadores rurais, e a incorporação gradual de todos os funcionários do governo, além de hospitais e postos regionais, à rede nacional. Esses esforços para a univer-salização da assistência à população foram seguidos, na década de 1980, de nova ênfase na delegação aos estados e municípios de alguns poderes do sistema federal. Em 1983, o Inamps começou a elaborar acordos formais com diversas secretarias de saúde estaduais e municipais para oferecer apoio financeiro federal à prestação de assistência regional à população, e, paralelamente, as superintendências regionais do Inamps foram integradas a essas secretarias. Todas essas mudanças foram incorporadas à Constituição de 1988, que garantiu a todos os cidadãos o direito à assistência gratuita à saúde. A descentralização do sistema de assistência à saúde — assunto predominante na época — também foi instituída na Constituição, com o acréscimo da ideia de que os conselhos regionais de saúde deveriam ser incorporados, compartilhando do planejamento e da administração do sistema. O novo sus (Sistema Único de Saúde) veio a absorver todas essas mudanças e todos os institutos e organizações anteriores. O propósito de todas essas reformas era tanto eliminar excesso de burocracia em todos os níveis, como oferecer financiamento federal para sistemas regionais.

    Porém, a crise econômica e política do início da década de 1990 re-duziu drasticamente o financiamento do sistema nacional de assistência à saúde e, consequentemente, o fornecimento desse serviço. Coube ao governo de Fernando Henrique Cardoso iniciar uma cuidadosa reestrutu-ração financeira desse dispendioso sistema, através de tributação específica. A municipalização do sus foi bastante bem-sucedida e, em 2000, a ele estavam incorporados mais de 5,3 mil dos quase 5,7 mil municípios do país — abrangendo 93% da população nacional. Dessa maneira, em 2000, o sistema foi rapidamente municipalizado, com participação ativa dos estados nas prefeituras que não haviam adotado a gestão plena da saúde. Os recursos para esse sistema vinham dos três segmentos do governo, mas com participação sempre crescente dos estados e municípios. Uma grande proporção dessas prefeituras também tinha associações populares regionais, que ofereciam apoio e aconselhamento ao sistema municipal.

    Todas essas iniciativas e investimentos provocaram grandes mudanças na saúde do país. Em 2001, apenas 5% das parturientes não haviam feito pré-natal e somente 4% não deram à luz em hospitais. Algumas práticas inovadoras também foram implementadas. Na década de 1990, o governo

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    Marcello Casal Jr.Comemoração à lei que obrigou o Sistema Único de Saúde

    a realizar exames de mamografiabrasília, df, 29 de abril de 2009

    agência brasil

    proveu tratamento gratuito e continuado para todos os portadores de hiv/Aids — um programa bastante avançado para os padrões mundiais. Em 1996, foram gratuitamente distribuídos medicamentos antivirais para pessoas com Aids e, em 2001, mais de 100 mil pacientes receberam tais medicamentos.

    Embora ainda haja sérios problemas na assistência à saúde no país, uma grande parcela da população parece ter algum tipo de atendimento, con-siderando o sus e os planos privados. No passado, a falta de atendimento estimulou o mercado privado de planos de saúde. Mesmo com criação do sus, a persistência da baixa qualidade e a oferta insuficiente dos serviços oferecidos pelo setor público permitiu a expansão desse segmento, que atende principalmente a classe média e parte dos trabalhadores do mercado formal de trabalho. Em 2008, esse mercado privado atingia 45 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população. O mercado oferece planos de

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    todos os tipos, abrangência e qualidade, e, apesar da regulamentação e controle governamental, representa um dos segmentos de maior conflito entre as empresas e os consumidores. A evolução da área de saúde, com novas tecnologias e custos crescentes e a visão empresarial das empresas do setor, explica a natureza desse conflito. Uma Pnad sobre saúde, realizada em 2003, revelou que cerca de 140 milhões de brasileiros — 79% da popu-lação — tinham acesso regular a atendimento médico, sendo os postos de saúde municipais o instrumento mais importante, utilizado por mais da metade da população que havia necessitado de assistência. Médicos parti-culares haviam feito 18% das consultas. Comprovou-se, também, que 63% da população havia consultado um médico nos doze meses anteriores — mais do que os 55% de 1998; essa proporção era de 78%, considerando as crianças com menos de 5 anos, e de 80% para as pessoas acima de 65 anos, no mesmo período. E ainda mais impressionante: 66% das mulheres com mais de 40 anos fizeram o exame de mama e, considerando o grupo acima dos 24 anos, 79% haviam feito o exame preventivo “papanicolau”, e 84% de toda a população foi ao dentista pelo menos uma vez.

    Como essa pesquisa indicou, o Brasil de 1960 ainda apresentava muitas características de uma sociedade pré-moderna tradicional. Suas taxas de fertilidade e os padrões de família e casamento pouco se diferenciavam do que acontecia no século xix, ou mesmo no xviii. Era ainda uma sociedade predominantemente rural, com diferenças regionais drásticas e um índice de analfabetismo altíssimo. Porém, entre os anos 1960 e 2000, isso mudou. O Brasil não só mudou radicalmente para uma sociedade urbana e relati-vamente instruída, mas viveu uma revolução demográfica em termos de fertilidade, o que causou impacto profundo em todos os aspectos sociais. A queda dos níveis de fertilidade desacelerou o crescimento populacional e a mulher assumiu um novo papel no controle da própria fertilidade. Tudo isso, aliado a mudanças de postura em relação ao papel da mulher, gerou uma enorme alteração na estrutura familiar e continua em plena evolução no século xxi. Essa época foi também o momento em que o Estado brasileiro, por fim, se comprometeu plenamente com a adoção de um modelo moderno de assistência ao trabalhador e, pela primeira vez, foi capaz de prover assistência à saúde e aposentadoria a grande parte da população. Todas essas fundamentais mudanças levaram a um contínuo aumento na expectativa de vida, à melhoria da saúde e à queda gradativa nas diferenças regionais em educação, saúde e assistência ao trabalhador. Apesar disso, persistem graves problemas sociais e uma imensa desigual-dade econômica. Assim, o Brasil continua com indicadores sociais baixos,

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    Gerson GerloffAvó, mãe e filhas: três gerações

    santa maria, rs, abril de 2010

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    mesmo se comparado a vários países da América Latina, e uma distribuição de renda das mais perversas do mundo. O país avançou, mas muito precisa ser feito para melhorar as condições de vida e as oportunidades de sua imensa população.

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