neutrinos - mesonpi.cat.cbpf.brmesonpi.cat.cbpf.br/desafios/pdf/folderneutrinos.pdf · número em...

2
PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva MINISTRO DE ESTADO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA Sergio Machado Rezende SUBSECRETÁRIO DE COORDENAÇÃO DAS UNIDADES DE PESQUISA Avílio Antônio Franco DIRETOR DO CBPF Ricardo Magnus Osório Galvão REDAÇÃO E EDIÇÃO CIENTÍFICA Marcelo Moraes Guzzo (Instituto de Física Gleb Wataghin/Universidade Estadual de Campinas) APOIO FINANCEIRO Vitae EDIÇÃO DE TEXTO Cássio Leite Vieira PROJETO GRÁFICO Ampersand Comunicação Gráfica (www.amperdesign.com.br) CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS FÍSICAS Rua Dr. Xavier Sigaud, 150 22290-180 - Rio de Janeiro - RJ Tel: (0xx21) 2141-7100 Fax: (0xx21) 2141-7400 Internet: http://www.cbpf.br Agradecimentos: Ernesto Kemp (Instituto de Física Gleb Wataghin/ Universidade Estadual de Campinas) Para receber gratuitamente pelo correio um exemplar deste folder, envie pedido com seu nome e endereço para [email protected]. Este e outros folders da série Desafios da Física, bem como a revista CBPF – Na Vanguarda da Pesquisa, estão disponíveis em formato PDF em http://www.cbpf.br/Publicacoes.html Vitae não compartilha necessariamente dos conceitos e opiniões expressos neste trabalho, que são da exclusiva responsabilidade dos autores. CLOSE, F. The cosmic onion (American Institute of Physics, Nova York, 1983) FUNCHAL, R. Z. ‘Neutrino do tau é observado pela primeira vez’ in Ciência Hoje (vol. 28, n. 164, pp. 52-53, setembro de 2000) FUNCHAL, R. Z. ‘Neutrinos: de Poltergeister a sondas do universo’ in Revista USP n. 62 (junho-agosto de 2004) GUZZO, M. e NATALE, A. A. ‘Neutrinos: as partículas fantasmas’ in Universo sem mistério – uma visão descomplicada da física contemporânea: do Big Bnag às partículas (Vieira & Lente Casa Editorial, Rio de Janeiro, 2003) Sugestões para leitura GUZZO, M. e NATALE, A. A. ‘Neutrinos: partículas onipresentes e misteriosas’ in Ciência Hoje (vol. 25, n. 147, março de 1999). GUZZO, M. e REGGIANI, N. ‘Compreendendo o cosmo’ in Ciência Hoje (vol. 32, n. 189, pp. 8-10, dezembro de 2002) GUZZO, M. ‘Neutrinos do cosmo’ in Com Ciência (especial Raios Cósmicos, n. 43, maio de 2003). Disponível em http://www.comciencia.br/reportagens/framereport.htm NATALE, A. A. ‘Observatório detecta oscilação de neutrinos solares’ in Ciência Hoje (vol. 29, n. 174, pp. 10-11, agosto de 2001) SUTTON, C. Spaceship neutrino (Cambridge University Press, Cambridge, 1992) WEINBERG, S. Os três primeiros minutos (Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1980) Sumário D os 12 diferentes tipos de constituintes elementares da matéria, o neutrino é, sem dúvida, o mais intrigante e enigmático. Como não tem carga elétrica e é também indiferente à força que une os núcleos atômicos, praticamente não interage com a matéria, atravessando tudo que passa por sua frente e viajando pelo espaço sem ser incomodado. O neutrino foi proposto em 1930 para conservar o balanço de energia (que estava faltando) numa reação. Mas, por muito tempo, pensou-se que seria impossível comprovar sua exis- tência, tão fugidio que é. Entretanto, como é produzido em grande quantidade em reações nucleares (como as que ocorrem nas estrelas), o truque usado para detectá-lo foi fazer uma experiência próxima a um potente reator nuclear, pois neutrinos são produzidos em grande número em processos de fissão de núcleos atômicos e, vez por outra, um acaba interagindo com a matéria do detector. Mais tarde, descobriu-se que existem três diferentes tipos de neutrinos, o último deles tendo sido descoberto em 2000. Inicialmente previstos como partículas sem massa, os neutrinos nos surpreenderam mais uma vez, quando ficou evidente que não só tinham massa, mas também se transformavam uns nos outros, mudando de ‘aparência’ como um camaleão. Mas a estranheza dessa partícula não acaba por aí. Desconfia-se agora que os neutrinos possam ter algo a ver com o sumiço da antimatéria do universo. Com tantas questões em aberto sobre os neutrinos, parece que o estudo dessa partícula será um dos temas mais importantes da física neste início de século. Neste folder, pretendemos mostrar ao leitor por que essas partículas não param de nos surpreender. João dos Anjos COORDENADOR DO PROJETO DESAFIOS DA FÍSICA POR TODA PARTE Chuva invisível A mais ‘anti-social’ COMO TUDO COMEÇOU Filão perdido Pilar sagrado Senhoras e senhores radioativos... Muito ‘gordo’ Pequeno nêutron Três tipos A PRINCIPAL FONTE 60 bilhões por segundo Efeito Urca Chances mínimas Disparidade confirmada Explosão cósmica Neutrinos as misteriosas partículas-fantasma Neutrinos as misteriosas partículas-fantasma O PROBLEMA DOS NEUTRINOS SOLARES Teoria versus experimento Mudança de sabor No meio dos reatores Qual o mecanismo? REDES DE CAPTURA Luz tênue Gigantesco colar de pérolas Cubo de gelo Angra dos Reis Minos DESAFIOS Parcela da matéria escura Mesma partícula? Aonde foi a antimatéria? Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas 2006

Upload: hanhi

Post on 30-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Neutrinos - mesonpi.cat.cbpf.brmesonpi.cat.cbpf.br/desafios/pdf/FolderNeutrinos.pdf · número em processos de fissão de núcleos atômicos e, vez por outra, um acaba interagindo

PRESIDENTE DA REPÚBLICALuiz Inácio Lula da Silva

MINISTRO DE ESTADO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIASergio Machado Rezende

SUBSECRETÁRIO DE COORDENAÇÃO DAS UNIDADES DE PESQUISAAvílio Antônio Franco

DIRETOR DO CBPFRicardo Magnus Osório Galvão

REDAÇÃO E EDIÇÃO CIENTÍFICAMarcelo Moraes Guzzo(Instituto de Física Gleb Wataghin/Universidade Estadual de Campinas)

APOIO FINANCEIROVitae

EDIÇÃO DE TEXTOCássio Leite Vieira

PROJETO GRÁFICOAmpersand Comunicação Gráfica(www.amperdesign.com.br)

CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS FÍSICASRua Dr. Xavier Sigaud, 15022290-180 - Rio de Janeiro - RJTel: (0xx21) 2141-7100Fax: (0xx21) 2141-7400Internet: http://www.cbpf.br

Agradecimentos: Ernesto Kemp (Instituto de Física Gleb Wataghin/Universidade Estadual de Campinas)

Para receber gratuitamente pelo correio um exemplar deste folder, envie pedidocom seu nome e endereço para [email protected]. Este e outros folders da sérieDesafios da Física, bem como a revista CBPF – Na Vanguarda da Pesquisa, estãodisponíveis em formato PDF em http://www.cbpf.br/Publicacoes.html

Vitae não compartilha necessariamente dos conceitos e opiniões expressosneste trabalho, que são da exclusiva responsabilidade dos autores.

CLOSE, F. The cosmic onion(American Institute of Physics, Nova York, 1983)FUNCHAL, R. Z. ‘Neutrino do tau é observadopela primeira vez’ in Ciência Hoje(vol. 28, n. 164, pp. 52-53, setembro de 2000)FUNCHAL, R. Z. ‘Neutrinos: de Poltergeistera sondas do universo’ in Revista USP n. 62(junho-agosto de 2004)GUZZO, M. e NATALE, A. A. ‘Neutrinos:as partículas fantasmas’ in Universo sem mistério– uma visão descomplicada da físicacontemporânea: do Big Bnag às partículas(Vieira & Lente Casa Editorial,Rio de Janeiro, 2003)

Sug

estõ

es p

ara

leit

ura GUZZO, M. e NATALE, A. A. ‘Neutrinos: partículas onipresentes

e misteriosas’ in Ciência Hoje (vol. 25, n. 147, março de 1999).GUZZO, M. e REGGIANI, N. ‘Compreendendo o cosmo’in Ciência Hoje (vol. 32, n. 189, pp. 8-10, dezembro de 2002)GUZZO, M. ‘Neutrinos do cosmo’ in Com Ciência(especial Raios Cósmicos, n. 43, maio de 2003). Disponível emhttp://www.comciencia.br/reportagens/framereport.htmNATALE, A. A. ‘Observatório detecta oscilaçãode neutrinos solares’ in Ciência Hoje(vol. 29, n. 174, pp. 10-11, agosto de 2001)SUTTON, C. Spaceship neutrino(Cambridge University Press, Cambridge, 1992)WEINBERG, S. Os três primeiros minutos(Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1980)

Sum

árioD

os 12 diferentes tipos de constituintes elementares da matéria, o neutrino é,

sem dúvida, o mais intrigante e enigmático. Como não tem carga elétrica e

é também indiferente à força que une os núcleos atômicos, praticamente

não interage com a matéria, atravessando tudo que passa por sua frente e viajando pelo

espaço sem ser incomodado.

O neutrino foi proposto em 1930 para conservar o balanço de energia (que estava faltando)

numa reação. Mas, por muito tempo, pensou-se que seria impossível comprovar sua exis-

tência, tão fugidio que é. Entretanto, como é produzido em grande quantidade em reações

nucleares (como as que ocorrem nas estrelas), o truque usado para detectá-lo foi fazer uma

experiência próxima a um potente reator nuclear, pois neutrinos são produzidos em grande

número em processos de fissão de núcleos atômicos e, vez por outra, um acaba interagindo

com a matéria do detector.

Mais tarde, descobriu-se que existem três diferentes tipos de neutrinos, o último deles tendo

sido descoberto em 2000. Inicialmente previstos como partículas sem massa, os neutrinos

nos surpreenderam mais uma vez, quando ficou evidente que não só tinham massa, mas

também se transformavam uns nos outros, mudando de ‘aparência’ como um camaleão.

Mas a estranheza dessa partícula não acaba por aí. Desconfia-se agora que os neutrinos

possam ter algo a ver com o sumiço da antimatéria do universo.

Com tantas questões em aberto sobre os neutrinos, parece que o estudo dessa partícula será

um dos temas mais importantes da física neste início de século. Neste folder, pretendemos

mostrar ao leitor por que essas partículas não param de nos surpreender.

João dos AnjosCOORDENADOR DO PROJETO DESAFIOS DA FÍSICA

POR TODA PARTEChuva invisível

A mais ‘anti-social’

COMO TUDOCOMEÇOUFilão perdido

Pilar sagrado

Senhoras e senhoresradioativos...

Muito ‘gordo’

Pequeno nêutron

Três tipos

A PRINCIPAL FONTE60 bilhões por segundo

Efeito Urca

Chances mínimas

Disparidade confirmada

Explosão cósmica

Neu

trin

osas

mis

teri

osas

par

tícu

las-

fant

asm

a

Neutrinosas misteriosas

partículas-fantasma

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

O PROBLEMADOS NEUTRINOSSOLARESTeoria versus experimento

Mudança de sabor

No meio dos reatores

Qual o mecanismo?

REDES DE CAPTURALuz tênue

Gigantesco colarde pérolas

Cubo de gelo

Angra dos Reis

Minos

DESAFIOSParcela da matéria escura

Mesma partícula?

Aonde foi a antimatéria?

Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas

2006

Page 2: Neutrinos - mesonpi.cat.cbpf.brmesonpi.cat.cbpf.br/desafios/pdf/FolderNeutrinos.pdf · número em processos de fissão de núcleos atômicos e, vez por outra, um acaba interagindo

POR TODA PARTECHUVA INVISÍVEL • Até o final da leitura destefolder, cada um de nós terá emitido cerca de 10milhões de neutrinos, devido a 20 mg de umelemento radioativo, o potássio 40 (40K

19-), pre-

sente em nossos organismos. Além disso, numúnico segundo, estamos sendo atravessadospor 50 bilhões dessas partículas provenientesda radioatividade natural da Terra e por outros10 bilhões a 100 bilhões gerados em reatoresnucleares pelo mundo. Completam essa chuvainvisível mais cerca de 300 trilhões deneutrinos vindos do Sol.

A MAIS ‘ANTI-SOCIAL’ • Felizmente, para nos-sa saúde, os neutrinos interagem muito poucocom a matéria. Por exemplo, um neutrino comenergia moderada pode atravessar nosso cor-po, passar incólume por todo o planeta e, demodo mais impressionante ainda, viajar atra-vés de uma parede de chumbo com 9,5 trilhõesde quilômetros de espessura sem se ‘chocar’(ou interagir) com nada. Caso houvesse um ‘clu-be’ das partículas subatômicas, certamente oneutrino seria classificado como a mais ‘anti-social’ delas. E, por isso, ‘capturá-los’ para es-tudo é tarefa árdua para os cientistas.

desempenhar o papel atribuído por Pauli à miste-riosa partícula X.

PEQUENO NÊUTRON • Em 1933, o físico italianoEnrico Fermi (1901-1954) incorporou o neutrino (porsinal, nome dado por ele, para designar, em ita-liano, o ‘pequeno nêutron’) a uma teoria elegante,desenvolvida por ele, para explicar a desintegra-ção beta, que passou a ser o seguinte: um nêutrondecai (se transforma) em próton dentro do núcleo,emitindo um elétron e um neutrino (na verdade,um antineutrino), sendo que este carrega a miste-riosa energia que faltava. Assim, um novo núcleo éformado. Nele, há um próton a mais e, portanto,o número atômico (Z) fica aumentado de uma uni-dade. Exemplos de desintegração beta: potássiodecaindo em cálcio (40K

19 � 40Ca

20 + e– + �); cobre,

em zinco (64Cu29

� 64Zn30

+ e– +��); trítio em hélio(3H

1 � 3He

2 + e– + �).

TRÊS TIPOS • Sabe-se atualmente que existemtrês tipos de neutrinos, associados a outros integran-tes da família dos léptons, que inclui, além doelétron, outros dois parentes deste, porém maispesados: o múon (�) e o tau (��. Em 1956, foi de-tectado o primeiro tipo, o chamado neutrino doelétron (n

��, pelos norte-americanos Clyde Cowan

(1919-1974) e Frederick Reines (1918-1998). Em1962, os físicos norte-americanos Melvin Schwartz,Leon Lederman e Jack Steinberger descobriram oneutrino do múon (n

�). Finalmente, em 2000, uma

colaboração internacional, a Donut (sigla, em in-glês, para Observação Direta do Neutrino do Tau),cujos experimentos foram realizados no acelera-dor de partículas Fermilab (Estados Unidos), apre-sentou ao mundo evidências do último deles: oneutrino do tau (n

�).

COMO TUDO COMEÇOUFILÃO PERDIDO • Desde 1914, os físicos que estu-davam as propriedades atômicas se deparavam comum problema relacionado à desintegração beta, umtipo de radioatividade emitida por certos núcleosatômicos. Notava-se algo deestranho nesse fenôme-no, no qual um elétron éemitido pelo núcleo. Po-rém, as contas do balançoenergético não fechavam,ou seja, quando se soma-va a energia da partículaexpelida com a do núcleorecém-criado, obtinha-semenos energia que aque-la contida no núcleo inicialFaltava um filão (diminuto,é verdade) de energia.

PILAR SAGRADO • Ao lon-go da década de 1920, essefenômeno resistiu a todas as tentativas de explica-ção. Primeiramente, achou-se que um raio gama(partícula de luz energética) estava sendo emitidojuntamente com o elétron. Mas experimentos feitosem 1927 e 1930 desbancaram essa hipótese. Frente

a esse problema, grandes físicos da época reagiramde modo muito diferente. Niels Bohr (1885-1962), numato de desespero, se mostrou pronto a abandonar alei da conservação da energia, um pilar sagrado dafísica. Quando soube da proposta de seu colegadinamarquês, o inglês Paul Dirac (1902-1984) res-

pondeu: “Somente por cima do meu cadá-ver [a lei da conservação da energia seráabandonada]”.

SENHORAS E SENHORES RADIOATIVOS...• Em 4 de dezembro de 1930, o físico aus-tríaco Wolfgang Pauli (1900-1958) escre-veu, de Zurique (Suíça), uma carta parasua colega e compatriota Lisa Meitner (1878-1968). Aquela uma página, que deveriaser lida para os participantes de uma con-ferência em Tübingen (Alemanha), co-meçava assim: “Caros Senhoras e Senho-res Radioativos...”. Nos parágrafos se-guintes, escreveu Pauli, “uma nova par-tícula pode estar sendo emitida junta-mente com o elétron, carregando a ener-

gia que falta”. Batizada provisoriamente por Paulipartícula X, ela seria neutra (sem carga elétrica),possivelmente sem massa e responsável pelo filãode energia faltante na desintegração beta.

MUITO ‘GORDO’ • Dois anos depois, o físico inglêsJames Chadwick (1891-1974) – por sinal, um dosprimeiros a desconfiar de que havia algo de estra-nho com a desintegração beta – descobriu o nêu-tron (também sem carga e companheiro do prótonno núcleo atômico). Inicialmente, achou-se que setratava da nova partícula, mas logo se percebeuque sua massa era ‘enorme’, praticamente igual àdo próton. Enfim, o nêutron era muito ‘gordo’ para

que de água fosse atingido porum neutrino, ele produziriauma luz tênue, que seria cap-tada por fotomultiplicadoras(sensores de luz que lembramlâmpadas caseiras no formato,mas com dimensões maiores).Koshiba pôde comprovar os re-sultados de Davis: havia umadisparidade entre o número pre-visto e o capturado de neutrinossolares. O Kamiokande, que erasensível à direção de chegadadessas partículas, mostrou, pe-la primeira vez, que os neutrinosvinham realmente do Sol.

EXPLOSÃO CÓSMICA • O Kamiokande (sigla, eminglês, para Experimento Kamioka de Decaimentode Núcleons) inesperadamente conseguiu um feitoespetacular. Em 23 de fevereiro de 1987, capturouos neutrinos emitidos por uma supernova,tipo de estrela com pelo menos oito vezes amassa do Sol que explode no final da vida.Estima-se que a supernova 1987A, queexplodiu numa galáxia vizinha, a GrandeNuvem de Magalhães, a cerca de 170 milanos-luz da Terra (cada anos-luz equivalea 9,5 trilhões de km), tenha emitido umnúmero astronômico de neutrinos (1058, ouseja, 1 seguido de 58 zeros), sendo quedez mil trilhões (1016) deles passarampelo tanque de água do experimento. Total deneutrinos capturados: 12, o que dá uma idéia dequão fugidia é essa partícula, merecidamente de-nominada fantasma.

A PRINCIPAL FONTE60 BILHÕES POR SEGUNDO • A maior parte dosneutrinos que nos atinge provém do Sol. A reaçãonuclear que produz esses neutrinos é a mesma queproduz luz e calor nas estrelas, baseada principal-mente na fusão de núcleos de hidrogênio para ge-rar os de hélio. Para cada dois neutrinos produzi-dos no Sol, uma diminuta parcela de energia (cercade 25 milhões de elétrons-volt, sendo o elétron-voltuma unidade de energia muito pequena) é libera-da. Lembrando que a distância da Terra ao Sol é daordem de 150 milhões de quilômetros, pode-se es-timar o fluxo de neutrinos solares que chega à Ter-ra: cada centímetro quadrado da atmosfera ter-restre é atravessado, por segundo, por cerca de60 bilhões de neutrinos solares.

EFEITO URCA • Por interagir muito pouco com amatéria, os neutrinos escapam rapidamente do in-terior das estrelas, drenando parte da energia pro-duzida nas reações nucleares. Uma das formas deperda de energia pelas estrelas através da produ-ção de neutrinos foi proposta na década de 1940numa colaboração entre o físico brasileiro MárioSchenberg (1914-1990) e o russo George Gamow(1904-1968). Eles propuseram que núcleos do inte-rior de estrelas supermassivas absorveriam elétronse, com isso, gerariam neutrinos. Em seguida, essesnúcleos ‘cuspiriam’ de volta a partícula absorvida,juntamente com um antineutrino. Esse processo aca-bou ganhando o nome efeito Urca, porque os neu-trinos sumiam com a energia estelar, assim como odinheiro sumia, na época, das mãos dos apostadores

REDES DE CAPTURALUZ TÊNUE • Juntamente com as partículas de luz(fótons), os neutrinos são os fragmentos de maté-ria mais abundantes do universo: há cerca de 100deles por centímetro cúbico do espaço intereste-lar (para os fótons, esse número é de aproxima-damente 400). Parte desses neutrinos pode serdetectada. E a física por trás desses experimentosé basicamente essa: um neutrino interage comuma partícula, gerando outras, que pro-duzem uma luz muito tênue. Esta, quan-do captada por sensores (fotomulti-plicadoras, cintiladores etc.), revela quetipo de reação ocorreu.

GIGANTESCO COLAR DE PÉROLAS •Alguns neutrinos com altas energiasque chegam à Terra estão sendo obser-vados em detectores como o Amanda(sigla, em inglês, para Rede de Detectores

neo de um quilômetro cúbico. Para os próximos anos,mais outros experimentos do gênero devem entrarem funcionamento: o Nestor e o Antares. Porém, des-sa vez, os sensores estarão submersos nas águasda costa da Grécia e da França, respectivamente.

ANGRA DOS REIS • Se os neutrinos oscilam, neces-sariamente eles apresentam propriedades que ain-da precisam ser investigadas. Em particular, não seconhecem ainda detalhes sobre como os neutrinosdo elétron se transformam em neutrinos do tau. Essa

de Múons e Neutrinos da Antártida). Como o nomeindica, esse experimento opera no pólo Sul e detectaneutrinos que provêm do hemisfério Norte celeste,depois de terem atravessado a Terra. Ele é formadopor 19 cabos com comprimento entre 1,5 km e 2 km,cada um contendo 700 fotomultiplicadoras, como seformassem um gigantesco colar de pérolas. Cadasensor está acondicionado num invólucro plástico

transparente, para agüentar a pressão dasprofundidades geladas.

CUBO DE GELO • O sucessor doAmanda será o IceCube (Cubode Gelo), cujas dimensões im-pressionam. Previsto para en-trar em operação em 2010,será formado por 80 cabos

com cerca de 60 sensorescada. Total: 4,8 mil fotomulti-

plicadoras enterradas no gelo,ocupando um volume subterrâ-

dúvida poderá ser esclarecida por um experimentoproposto para ser executado em Angra dos Reis (RJ),utilizando os neutrinos eletrônicos (na verdade,antineutrinos) produzidos nos reatores das usinasnucleares de Angra I e Angra II. O projeto Angra �(lê-se ‘Angra Ni’) vai medir o fluxo de neutrinos nasproximidades dos reatores e compará-lo com o fluxoa cerca de 1,5 km de distância dali, num grandedetector construído embaixo da serra do Mar. Umadiferença entre o fluxo medido e o fluxo calculadocom base na teoria permitirá determinar em queproporção os neutrinos do elétron mudam de sabor.Esse experimento colocaria o Brasil na aventura dadescoberta das propriedades dessa partícula fas-cinante. Assim como o Angra �, vários outros expe-rimentos semelhantes estão sendo projetados econstruídos ao redor do mundo.

MINOS • O Brasil também tem participação noMinos (sigla, em inglês, para Busca pela Oscila-ção de Neutrinos com o Injetor Principal), cujo obje-

no famoso cassino da Urca,na cidade do Rio de Janeiro.

CHANCES MÍNIMAS • Ob-servações pioneiras de neu-trinos solares receberam oprêmio Nobel de Física 2002,dado ao norte-americanoRaymond Davis Jr. e ao ja-ponês Masatoshi Koshiba.O primeiro deles idealizoue construiu o experimentoHomestake, que funcio-nou, entre 1970 e 2000,numa mina no estado deDakota do Sul (EstadosUnidos). Davis usou um tanque gigantesco, conten-do 615 toneladas de moléculas cuja composição con-tinha cloro (C

2Cl

4). Ao todo, no tanque, havia 1030

(o número 1 seguido de 30 zeros!) átomos de cloro.Com o choque de um neutrino energético, um dessesátomos de cloro se transforma em argônio radioati-vo, que, com muito esforço e sutileza técnica, pode-ria ser detectado. As chances de ocorrer essas rea-ções eram mínimas, mas não nulas. Foi nisso queDavis apostou. Ao longo dos 30 anos que o expe-rimento funcionou, Davis capturou cerca de 2 milátomos de argônio. Pelas suas contas, deveriam ser,pelo menos, sete mil. O que estaria acontecendo?

DISPARIDADE CONFIRMADA • No Japão, um expe-rimento semelhante foi construído por Koshiba e suaequipe. Batizado Kamiokande, o novo detector (destavez, um enorme tanque com água pura) foi coloca-do também em uma mina, passando a funcionar apartir de julho de 1983. Caso um elétron desse tan-

tivo é também estudar as oscilações dos neutri-nos do múon. A diferença, nesse caso, é que afonte dessas partículas é o acelerador (mais especi-ficamente, o injetor principal) do Fermilab. O Minostrabalha com o feixe mais intenso de neutrinoscriado pelo homem. Os detectores são formadospor cerca de 6 mil toneladas de ferro e sensores(cintiladores). O primeiro deles fica a 290 metrosda saída do feixe. O segun-do está localizado numa ve-lha mina de ferro em Sou-dan, no norte do estado deMinnesota, a 730 km dali.O K2K, no Japão, usou re-curso semelhante. Em 4,5anos de funcionamento,detectou 107 neutrinos, 44a menos do que o espera-do caso não houvesse aoscilação de sabor.

DESAFIOSPARCELA DA MATÉRIA ESCURA • Descobrir queos neutrinos têm massa representa a resoluçãode apenas uma das propriedades das partícu-las-fantasma. Porém, há outras questões semresposta. Não se sabe ainda o valor exato damassa dos neutrinos, e isso já é objeto de novaspesquisas. O fato de os neutrinos terem massatem também implicações profundas para a com-posição e o destino do universo. Acredita-seque essas partículas devam compor uma peque-na parcela da chamada matéria escura, que sópode ser detectada por sua ação gravitacional erepresenta cerca de 25% da composição atualdo universo.

MESMA PARTÍCULA? • Além disso, não se sabeaté hoje se os neutrinos e suas antipartículas,os antineutrinos, são ou não a mesma partícula.Por exemplo, um nêutron pode ser diferenciado

de um antinêutron. Já um fóton, tam-bém sem carga elétrica, é sua própriaantipartícula, ou seja, não é possí-vel nem faz sentido distingui-los. Em1937, pouco antes de desaparecermisteriosamente, o físico italianoEttore Majorana (1906-1938) propôsque neutrinos e antineutrinos seriama mesma partícula. Experimentos tec-nicamente complicados tentam hojetestar essa hipótese. Se ela for verda-

deira, os físicos terão que tornar ainda mais com-plexa a teoria que vêm empregando nas últi-mas três décadas para estudar o mundo subatô-mico. E aí uma nova era estaria começando paraa física das partículas elementares.

AONDE FOI A ANTIMATÉRIA? • Pesquisas comos neutrinos solares e com aqueles produzidospela colisão de raios cósmicos contra núcleosatmosféricos revelaram detalhes importantes so-bre a oscilação dessas partículas. Agora, o es-tudo dos neutrinos produzidos em acelerado-res, bem como daqueles gerados em reatoresnucleares, poderá completar esse conhecimen-to. Além disso, experimentos como o Angra �e o Minos poderão indiretamente ajudar a res-

ponder um dosmaiores mistériosda ciência: se ma-téria e antimatériaforam criadas namesma proporçãono início do univer-so, então por queesta última é tão rarahoje em dia?

O PROBLEMA DOS NEUTRINOS SOLARESTEORIA VERSUS EXPERI-MENTO • Cálculos indica-vam quantos neutrinos de-veriam chegar à Terra vindosdo Sol. Mas, por cerca de30 anos, resultados de ex-perimentos indicavam queapenas cerca da metadedeles era capturada, em

franco desacordo com a teoria. A res-posta para esse intrigante mistério só veio há pou-cos anos, principalmente com o resultado de umexperimento: o SNO (sigla, em inglês, para Obser-vatório de Neutrino de Sudbury), no Canadá.

MUDANÇA DE SABOR • Experimentos anterio-res haviam capturado predominantemente neutri-nos do elétron. Porém, em 2002, o SNO comprovouuma hipótese que havia sido apresentada no finalda década de 1960 pelo físico italiano Bruno Pon-tecorvo (1913-1993), então trabalhando na UniãoSoviética: os neutrinos podem mudar de tipo, ouseja, um neutrino do elétron, por exemplo, em seucaminho do Sol à Terra, pode se transformar em umdos outros dois tipos, fenômeno que os físicos de-nominam mudança (ou conversão) de sabor.

NO MEIO DOS REATORES • O SNO mostrou querealmente os neutrinos solares mudavam de sabor,mas restava descobrir que misterioso mecanismopossibilitava essa conversão. A resposta veio comos resultados do experimento KamLAND (sigla, eminglês, para Detector Kamioka de Antineutrinos àbase de Cintilador Líquido). O experimento estálocalizado estrategicamente no centro da ilha deHonshu, a principal do Japão, recebendo um fluxode neutrinos produzidos nas reações que ocorremem cerca de 20 reatores nucleares a aproximada-mente 180 km de distância.

QUAL O MECANISMO? • Várias hipóteses concor-riam para explicar a mudança de sabor. A mais fortedelas era uma implicação direta desse fenômeno: osneutrinos, tidos até então como partículas sem mas-sa, deveriam ser maciços. Porém, havia ainda a pos-sibilidade de a conversão de sabor estar ocorrendoi) pela interação de propriedades do neutrino comcampos magnéticos intensos; ii) por alguma interaçãodo neutrino ainda desconhecida; iii) pelo efeito decampos gravitacionais também intensos. O KamLANDdescartou todas estas três, deixando apenas a pos-sibilidade de as oscilações de um tipo em outro ocor-rerem porque os neutrinos são maciços. A

MA

ND

A

SU

PER

KA

MIO

KA

ND

E

SNO

FER

MIL

ABJO

ÃO

DO

S A

NJO

S