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Nº 109 • Setembro de 2011 Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ • 21040-361 www.ensp.fiocruz.br/radis Academias da saúde pública Risco e cotidiano Conceito analisado na Radis 106 tem impacto no dia a dia de indivíduos e grupos Decreto do SUS: acertos e ressalvas Texto organiza regiões de saúde e cria contratos de metas NESTA EDIÇÃO NESTA EDIÇÃO Programa do SUS leva prática de atividade física a praças e parques, ocupando espaço dominado pela iniciativa privada A profissional de Educação Física Liana Lisboa orienta exercícios no Parque Sítio da Trindade, no Recife, pelo programa Academia da Cidade

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Nº 109 • Setembro de 2011

Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ • 21040-361

www.ensp.f iocruz.br/radis

Academias da saúde pública

Risco e cotidianoConceito analisado na Radis 106 tem

impacto no dia a dia de indivíduos e grupos

Decreto do SUS:

acertos e ressalvasTexto organiza

regiões de saúde ecria contratos de metas

Nesta ediçãoNesta edição

Programa do SUS leva prática de atividade física a praças e parques, ocupando espaço dominado pela iniciativa privada

A profissional de Educação Física Liana Lisboa orienta exercícios no Parque Sítio da Trindade, no Recife, pelo programa Academia da Cidade

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Katia Machado

Se, por um lado, teve fim a novela em torno do Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), cuja implementação vinha sofrendo

sucessivos adiamentos, por outro, o ter-mo de compromisso finalmente firmado entre o governo e as empresas de tele-comunicações, as teles, em 30 de junho, para pôr o programa em prática, passa longe dos próprios objetivos traçados para ele. Oferta do serviço em regime essencialmente privado, falta de metas explícitas de garantia de qualidade, bai-xa velocidade de transmissão de dados, exclusão das áreas rurais e possibilidade de suspensão do acordo pelas teles — ou seja, a não garantia de continuidade do serviço — são alguns dos problemas apontados por especialistas, movimentos sociais e órgãos de defesa do consumidor.

Nota divulgada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), em 15/7, registra que “os anseios de democrati-zação do acesso à internet, apontando para a universalização dos serviços, dentro de uma concepção de desenvol-vimento baseado na geração de renda e na inclusão social”, foram postos de lado, “em prol da sede de lucro fácil dos monopólios privados”.

sem siNtoNia

De acordo com o Decreto nº 7.175, de 12 de maio de 2010, que criou o PNBL, o programa tem entre seus obje-tivos massificar o acesso a serviços de conexão; acelerar o desenvolvimento; reduzir desigualdades; promover a ge-ração de emprego e renda; facilitar aos cidadãos o uso dos serviços do Estado; promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informa-ção; e aumentar a autonomia tecnológi-ca e a competitividade brasileiras. Esse cenário, no entanto, não se sintoniza com o termo de compromisso do PNBL.

O texto estabelece que as teles devem ofertar, até o final de 2014, co-nexões de internet de 1 Mbps (megabit por segundo, medida de transmissão de dados), com assinatura mensal de R$ 35, em todas as cidades brasileiras. A partir daí, a meta é elevar a velocidade a 5 Mbps, até o final de 2016, ao maior

número possível de municípios — não foram estabelecidos quantos, nem os custos. Em entrevista coletiva no dia 30/6, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, citou pesquisa que revelou que mais da metade dos usuários de internet do país (27% da população) utiliza menos de 1 Mbps. “Estamos oferecendo patamar superior e com valores baixos”, disse, com base em dados da Firjan, segundo os quais o preço real para a velocidade de 1 Mbps seria de R$ 70,85.

‘ProPagaNda eNgaNosa’

“Quem ouvisse apenas a entrevista coletiva dada pelo ministro poderia concluir que se chegou a um acordo razoável. Mas, as letras miúdas do ter-mo revelaram que o anúncio poderia ser caracterizado como propaganda enganosa”, apontou o site da campanha Banda larga é um direito seu!, iniciativa que reúne mais de uma centena de or-ganizações, de âmbito local e nacional.

De acordo com a análise, a velocida-de de 1 Mbps, além de baixa, é somente nominal, e é dada às teles a possibilidade de oferecer apenas um-dezesseis avos do total fixado. A campanha Banda larga é um direito seu! vê limitações também na franquia para transmissão de dados. A Telefônica, por exemplo, empresa que domina o mercado paulista de internet, tem franquia de 300 megabytes por mês para download na rede fixa e 150 megabytes, na rede móvel. Depois que o usuário atinge esse limite, a opera-dora pode reduzir temporariamente a velocidade do serviço, fazendo com que se levem horas para baixar um vídeo ou uma música. O site da campanha critica, ainda, o limite de velocidade de upload, isto é, de publicação de conteúdos — de até 128 kbps, apenas duas vezes a de uma conexão discada, o que dificulta que o usuário publique fotos, vídeos etc.

Também na entrevista coletiva, Paulo Bernardo afirmou que o pacote de R$ 35 não estaria condicionado a venda casada — considerada abusiva no Código de Defesa do Consumidor. O termo de compromisso, no entanto, permite essa prática na banda larga fixa, com teto de R$ 65 para o combo. “A Telefônica deixou claro que sua oferta na banda larga fixa terá, sim, venda casada com o serviço de voz”, informa o Instituto Brasileiro

de Defesa do Consumidor (Idec). Para o Idec, o termo de compromisso firmado é frágil. “A universalização da banda larga deveria se dar por meio de um Plano Geral de Metas de Universalização, fixado por decreto do Poder Executivo”.

“Diante do acordo fechado entre governo e empresas de telecomunica-ções, dificilmente as metas do PNBL serão alcançadas”, avalia Rodrigo Murtinho, do Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). Para ele, o pro-grama acabou sendo descaracterizado.

reflexos Na saúde

A Comissão Nacional sobre De-terminantes Sociais da Saúde (CNDSS) reconhece a comunicação e a infor-mação como elementos fundamentais para prevenir o avanço dos agravos à saúde e destaca o papel das Tecno-logias da Informação e Comunicação (TICs) como estratégias eficazes para o acesso à informação em saúde, como lembrou Rodrigo. Assim, defende, é fundamental que as instituições de saúde se posicionem nesse debate. “O PNBL não impõe uma nova cultura às empresas, que se interessam apenas pela prestação de serviço nas regiões com maior concentração econômica”.

Em sintonia com a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), de dezembro de 2009, que ressaltou a importância de maior protagonismo do Estado na Comunicação como decisivo para a universalização da internet, as instituições que apoiam a campanha da banda larga explicam que o governo poderia determinar que esse serviço fosse tratado como serviço público — como o fornecimento de água e luz — com continuidade de oferta garantida. Para Rodrigo, somente uma banda larga em regime público torna possível “diminuir o fosso informacional que contribui para manter as desigualda-des sociais no país”.

Programa Nacional de Banda Larga a favor das ‘teles’Protagonismo do Estado defendido na Confecom

dá lugar ao interesse das empresas

Leia a íntegra da nota da Coorde-nação dos Movimentos Sociais e assista ao vídeo da entrevista com o ministro Paulo Bernardo no site do RADIS (www.ensp.fiocruz.br/radis)

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editorial

Comunicação e Saúde• Programa Nacional de Banda Larga a favor das ‘teles’ 2

Editorial• O mal-estar 3

Cartum 3

Cartas 4

Súmula 5

Radis adverte 6

Toques da Redação 7

Debate• Risco: o impacto no cotidiano 9

Atividade física para todos• Academia da saúde pública 12 • Corpo são, mente sã, nas praças e parques do Recife 14

• Um profissional da Saúde 17

Regulamentação da Lei orgânica da saúde • Novo passo na construção do SUS 18

Rede de escolas e centros formadores em saúde pública • Foco na gestão escolar e na acreditação pedagógica 20

Serviço 22

Pós-Tudo• Carta de Brasília 23

Nº 109 • Setembro de 2011

Capa Dayane Martins (D.M)Ilustrações Sérgio Eduardo de Oliveira (S.E.O.) e Dayane Martins

Cartum

O mal-estarNa Saúde ainda há quem sonhe e

lute por acolhimento mais humano, como se vê nas academias de ginástica do SUS em diversas cidades, nas regula-mentações para melhorar o sistema, nas redes que repensam a formação profis-sional, nas reivindicações por Reforma Sanitária feitas a cada novo governo. Forças maiores, porém, conduzem a realidade. Nem sempre para o bem-estar. Nas últimas edições, enfocamos o processo civilizacional marcado por hegemonia do capital, crescimento econômico em detrimento de desen-volvimento social e ambiental, paralisia e medo que realimentam o consumo.

Há um envolvimento profundo de estruturas econômicas, sociais e midiá-ticas na criação de modelos idealizados e inalcançáveis de realização e felici-dade. Em contraposição, estratégias de resistência e afirmação da vida. Que, pelo menos aqui, o sujeito ocupe lugar central, para alegrar-se com a ativida-de física diária, ou para que nos veja ao seu lado, mesmo sem compreendermos por inteiro seu desconforto diante da vida, no Brasil ou no mundo.

Para alguns analistas, as mobiliza-ções recentes na Europa representam re-ação consciente contra a exclusão étnica e econômica, como um despertar de novo tipo do fantasma contra o capitalismo, a que se referia Marx no século 19. O so-ciólogo polonês Zygmunt Bauman (autor de O mal-estar da pós-modernidade e extensa obra) não enxerga nos distúrbios e pilhagem de roupas e artigos eletrônicos de Londres, no entanto, consciência de classe ou questionamento da ordem. Para ele, em entrevista ao jornal O Globo, não

houve revolta de miseráveis ou minorias étnicas ou religiosas reprimidas, mas um motim de consumidores excluídos e humilhados diante de um desfile de riquezas às quais não têm acesso. Não viu no movimento uma tentativa de mudar a realidade ou se rebelar contra o consu-mismo, mas uma tentativa de se juntar ao processo. “As classes mais baixas querem é imitar a elite”, lamentou. “A busca da felicidade não deve ser atrelada a indicadores de riqueza, pois isso apenas resulta numa erosão do espírito comuni-tário em prol de competição e egoísmo”.

Desprovida de sentido ideológico, político e coletivo, idealizada nos mol-des do mercado, a felicidade se evapora como ar rarefeito diante dos que estão no fim da fila, dos que chegam ao mun-do dos estudos, do trabalho, dos afetos adultos, do consumo e outros sonhos.

Há momentos em que só a arte en-contra o tênue tom capaz de acalentar, animar por mais um dia, ou dar sentido à vida do ser em sofrimento que está ao nosso lado ou dentro de nós, deslo-cado, geralmente em silêncio. Haverá um dia em que você não haverá de ser feliz/Sem tirar o ar, sem se mexer, sem desejar como antes sempre quis...dizia, no rádio do carro, a caminho do trabalho, a música Felicidade (de Mar-celo Janeci e Chico César, álbum Feito para Acabar, 2010), para concluir mais adiante: Melhor viver, meu bem, pois há um lugar em que o sol brilha pra você/Chorar, sorrir também e dançar/Dançar na chuva quando a chuva vem.

Rogério Lannes RochaCoordenador do Programa RADIS

Acho melhor você pegar uma cadeira pra sentar.

É só entrar na internet e baixar os arquivos pro nosso trabalho.

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cartas

Parabéns e muito obrigada. • Elisa de Carvalho, Piranguinho, MG

Cara Elisa, agradecemos por disse-minar o conteúdo da Radis com tanto entusiasmo. Como indicamos aí em-baixo, nesta página, nossas matérias podem ser livremente reproduzidas. Vale, no entanto, ressaltar a neces-sidade de serem dados sempre os devidos créditos. Abraços!

Risco

Desejo parabenizá-los pela matéria Risco (Radis 106).

Sou professor do Departamento de Ciências da Educação da Universida-

de Federal de São João Del-Rei (UFSJ) e frequentei, em 2008, o Curso de Extensão em Tanatologia oferecido pela Faculdade de Medicina da USP. Estimulado por essa experiência, tenho disponibilizado para alunos de graduação em Pedagogia e Psicologia a disciplina eletiva Educação para a morte. O retorno tem sido formi-dável, com turmas sempre lotadas. Considero que uma sociedade que não sancione o risco como experiên-cia válida perde de vista a dimensão transcendente da existência. Os excessos de ênfase na prevenção parecem inverter aquele postulado jurídico segundo o qual todos são ino-centes até que se prove o contrário: numa sociedade medicalizada como a nossa, todos estamos presumidamen-te doentes até que possamos exibir os resultados dos próximos exames. Isso gera, como bem assinalaram os professores Luis Castiel e Paulo Vaz na revista, um nível de ansie-dade sem precedentes nas pessoas. • Paulo Roberto A. Varejão, Tira-dentes, MG

síntese do sUs

Sou enfermeira e fiquei emo-cionada com as pontuações que

Júlio Müller Neto (Radis 106) fez sobre o SUS. A sociedade precisa co-brar dos políticos a aprovação da Emenda 29; nós, profissionais do SUS, temos que informar os pontos positivos do sistema de Saúde; os sindicatos de todas as áreas deve-riam se unir em prol do nosso SUS; as escolas e universidades deveriam formar pessoas críticas e que sou-bessem o que é SUS; a equipe do PSF deveria estar fortalecendo o SUS, fazendo palestras na comunidade. Somos todos responsáveis pela mí-dia do boca a boca. Realmente Júlio Müller está de parabéns por fazer uma síntese maravilhosa sobre esse sistema que garante o direito à saúde do povo brasileiro. • Clauderci Dantas, Aracaju, SE

A Radis solicita que a correspondência dos leitores para publicação (carta, e-mail ou fax) contenha nome, endereço e telefone. Por questão de espaço, o texto pode ser resumido.

NoRMAS PARA CoRRESPoNDÊNCiA

‘Radis’ compaRtilhada

Sou Elisa de Carvalho, especialis-ta em Saúde, aposentada pela

prefeitura municipal de São Paulo. Tenho recebido sempre a Radis e agradeço a equipe pela excelência dos textos e reportagens. Agradeço também pelo envio da revista à nossa Biblioteca Circulante Maria Benedita Silveira, em Piranguinho (MG). Distribuo os números exceden-tes às equipes de Saúde da Família e aos multiprofissionais da região, bem como aos frequentadores da bi-blioteca, além de deixar sempre um exemplar arquivado para pesquisa. No número 99, havia um texto de Bruno Dominguez (Por dentro dos sistemas universais) que julgamos muito oportuno. Eu enviei a matéria para o jornal A Tribuna, de Pouso Alegre (MG), do qual sou assinante. Eles publicaram o texto, mas é uma pena que não citaram o nome da re-vista. Depois disso, surgiu no mesmo jornal uma coluna Saúde para todos, a exemplo da matéria da Radis cuja chamada era Saúde sem fronteiras.

expediente

® é uma publicação impressa e online da Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo Programa RADIS (Reunião, Análise e Difusão de Informação sobre Saúde), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp).

Periodicidade mensalTiragem 72.500 exemplaresAssinatura grátis

(sujeita à ampliação do cadastro)

Presidente da Fiocruz Paulo gadelhaDiretor da Ensp Antônio ivo de Carvalho

PRogRAMA RADiSCoordenação Rogério Lannes RochaSubcoordenação Justa Helena FrancoEdição Eliane Bardanachvili (Milênio)Reportagem Katia Machado

(subedição/Milênio), Adriano De Lavor e Bruno Dominguez (Milênio)

Arte Dayane Martins (subedição/Milênio), Natalia Calzavara e Sérgio Eduardo de oliveira (estágio supervisionado)

Documentação Jorge Ricardo Pereira, Laïs Tavares e Sandra Benigno

Secretaria e Administração Fábio Lucas, onésimo gouvêa e Thiago da Silva Rego (estágio supervisionado)

Informática osvaldo José FilhoEndereço

Av. Brasil, 4.036, sala 515 — Manguinhos Rio de Janeiro / RJ • CEP 21040-361

Fale conosco (para assinatura, sugestõese críticas)Tel. (21) 3882-9118 • Fax (21) 3882-9119

E-mail [email protected]

Site www.ensp.fiocruz.br/radis (confira também a resenha semanal Radis na Rede e o Exclusivo para web, que complementam a edição impressa)

impressão Ediouro Gráfica e Editora SA

Ouvidoria Fiocruz • Telefax (21) 3885-1762Site www.fiocruz.br/ouvidoriauSo DA iNFoRMAção • O conteúdo da revista Radis pode ser livremente reproduzido, desde que acompanhado dos créditos. Solicitamos aos veículos que reproduzirem ou citarem nossas publicações que enviem exemplar, referências ou URL.

Ministérioda Saúde

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expectativa de vida maioR paRa

os soRopositivos

Pesquisa publicada no periódico americano

Anals of Internal Medi-cine, em 19 de julho, aponta que, com o uso de antirretrovirais, a expectativa de vida de pessoas com o vírus HIV — que, antes dos anos 2000, era de 10 anos — pode ser a mesma de pessoas saudáveis. A conclusão, anunciada pelo jornal Correio Braziliense (19/7), se deu após diversos estudos confirmarem que algu-mas formas de tratamento são capazes de diminuir em 96% as chances de se transmitir o vírus e reforça ainda mais a necessidade de se ampliar o acesso aos remédios para tratamento do HIV/aids a populações carentes em todo o mundo.

Esse foi o primeiro estudo em grande escala a medir o impacto dos antirretrovirais na expectativa de vida dos pacientes soropositivos. Os pes-quisadores avaliaram cerca de 22.315 voluntários, com mais de 14 anos, em Uganda, na África, e conferiram que os homens que utilizavam os remédios para controle da aids tiveram expecta-tiva de vida de 57 anos e as mulheres, de 67, quando na região a expectativa é de 62 anos. O médico canadense e principal autor do estudo, Edward Mills, da Universidade da Columbia Britânica, explicou que a diferença drástica de idade entre homens e mulheres deve-se ao fato de que, tradicionalmente, os homens aderem mais tarde ao tra-tamento e por, em geral, receberem menos cuidados ao longo da vida.

Na avaliação de Pedro Chequer, representante no Brasil do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), essa é a segunda revo-lução de tratamento da epidemia da doença. “A primeira revolução ocorreu em 1996, quando surgiram as primeiras drogas que ampliaram a expectativa de vida dos pacientes”, disse ao Correio. Segundo o especialista, agora, soman-do o tratamento com a proteção do preservativo é possível, pela primeira vez, acabar com as novas contamina-ções. Para isso, no entanto, ressaltou, há um longo caminho a ser seguido. “Nas regiões da África, onde o estudo mostrou que a expectativa de vida pode ser prolongada, ou mesmo em outros lugares do planeta, o que incluiu, de

Súmula

certa forma, o Brasil, se ter consciência de que se está infectado ainda demora muito”, observou. Chequer admitiu que o Brasil ainda precisa empreender uma verdadeira cruzada, permanente, “para que todas as pessoas contamina-das saibam disso e possam começar a se tratar e a usufruir desses tratamentos”.

eRRo médico e infecção: altos índices

Relatório divulgado (21/7) pela Orga-nização Mundial da Saúde (OMS), re-

vela que milhões de pessoas morrem todo ano vítimas de erros médicos e infecções contraídas durante tratamentos. Segundo a OMS, ir para o hospital é mais arriscado do que voar de avião. Em matéria do O Globo (22/7), o recém empossado su-pervisor de segurança dos pacientes da OMS, Liam Donaldson, informou que as chances de morrer devido a erros médi-cos enquanto a pessoa está sob cuidados de uma instituição hospitalar são de uma em 300. Já as chances de uma fatalidade ocorrer em acidentes aéreos são de uma a cada 10 milhões de passageiros. “Isso mostra que os cuidados com a saúde ainda precisam melhorar muito no mundo inteiro”, observou.

Donaldson aconselhou os pacientes a fazer sempre muitas perguntas e par-ticipar de qualquer decisão sobre sua saúde quando internados em hospitais. Para minimizar os problemas de infec-ções, de acordo com o executivo da OMS, é dever do hospital cumprir os padrões mínimos de higiene e as listas de proce-dimentos obrigatórios determinados pela organização. Segundo o especialista, 50% das centenas de milhões de infecções hospitalares registradas todos os anos poderiam ser prevenidas com medidas simples: se os profissionais de saúde, por exemplo, apenas lavassem as mãos com água e sabão e usassem álcool antes de qualquer procedimento. Donaldson informou ainda que, se nada mudar, de cada cem pessoas hospitalizadas, sete nos países desenvolvidos e dez nas nações em desenvolvimento contrairão pelo me-nos uma infecção associada ao hospital.

QUímica paRa cabelos e leUcemia em bebês

O uso de tinturas ou alisadores de cabelos, durante os três primeiros

meses de gravidez, aumenta em quase

duas vezes o risco de o bebê desenvol-ver leucemia nos primeiros dois anos de vida. A conclusão é do primeiro estudo epidemiológico brasileiro sobre o tema, realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) em parceria com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), por mais de dez anos. De acordo com o autor do estudo, o biólo-go Arnaldo Couto, a leucemia linfoide aguda (LLA), a mais frequente entre as crianças — cerca de 75% dos casos —, foi 80% maior em casos de mães que usaram produtos de tintura e alisamento durante os primeiros meses de gestação, relatou o jornal Extra (20/7). Segundo a pesquisa, realizado durante o mestrado de Arnal-do pela Ensp, das 231 mulheres cujos filhos tiveram leucemia, 35 (15,2%) usaram produtos químicos no cabelo no primeiro trimestre da gravidez, e, das 419 mães avaliadas, 41 (9,8%) uti-lizaram tintura nesse mesmo período, informou O Estado de S. Paulo (20/7). A leucemia atinge cerca de 5% das crianças até dois anos de idade.

violência em londRes, expRessão da sociedade pós-modeRna

Uma onda de violência tomou conta de Londres, Inglaterra, nos primei-

ros dias de agosto, desencadeada pela morte (4/8) de Mark Duggan, um mo-rador do bairro londrino de Tottenham, abordado em um táxi por policiais que investigavam crimes por armas de fogo na vizinhança. Moradores e familiares realizaram (6/8) protesto pacífico em frente a uma delegacia local para pedir explicações sobre a morte, informou O Globo (9/1). A manifestação, no entanto, desdobrou-se em confrontos com a polí-cia, ataques e saques, que se espalharam por outros bairros da cidade, deixando veículos incendiados, supermercados saqueados e prédios depredados. Jovens destruíram vitrines e roubaram móveis, televisores, roupas e outros objetos, levando-os em malas e carrinhos de supermercados (Época, 6/8).

De acordo com a Comissão Inde-pendente da Polícia (IPCC), Duggan, 29 anos, pai de quatro filhos, foi morto em uma troca de tiros. Houve rumores, no entanto, de que a vítima havia sido baleada na cabeça, como uma execução.

Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (O Globo, 12/8), os distúr-bios de Londres estão relacionadas ao consumismo, que norteia a sociedade pós-moderna. Em entrevista ao jornal,

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Bauman analisa que e as imagens de caos na capital britânica representaram não uma preocupação maior com mudanças na ordem social, sendo, sim, uma revol-ta motivada pelo desejo de consumir. “Londres viu os distúrbios do consumidor excluído e insatisfeito”.

teste Rápido paRa hepatite

Os cinco Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) do Rio de

Janeiro e outros 27 postos de saúde da cidade contam, desde agosto, com kits de exames que detectam a hepatite B e C em 30 minutos. Os exames conven-cionais levavam, em média, de 30 a 90 dias para ficarem prontos. O diagnóstico rápido é considerado importante porque acaba com a possibilidade de o paciente esquecer-se de buscar o resultado e facilita o início do tratamento. A coor-denadora do Programa de Hepatite da Secretaria Municipal de Saúde, Guida Vasconcelos, informou que há cerca de 100 vezes mais casos de hepatite B e C do que infecções de vírus do HIV na cida-de. Mas, diagnosticar a doença é muito difícil, pois a hepatite é silenciosa. “Às vezes, pode-se ficar 20 ou 30 anos com ela sem sintomas e, só percebê-la, quando está perto de evoluir para uma cirurgia ou hemorragia digestiva”, explicou ao jornal O Dia (20/7). “Essa é a importância de fazer testes rápidos”, alertou Guida. Segundo a coordenadora, ainda não foram desenvolvidos testes rápidos para os outros tipos de hepatite, mas o fato de diagnosticar a hepatite B pode ajudar na prevenção do tipo D da doença, também conhecida como Delta, que chega ao Rio aos poucos. A hepatite D é causada por um vírus defeituoso que necessita do vírus da hepatite B para existir. Quando infectada pelos dois tipos de vírus (B e D), a pessoa tem

mais probabilidade de desenvolver cirrose e risco de desenvolver a forma aguda da doença, necessitando de transplante de fígado.

Robôs no lUgaR de homens

A empresa taiwanesa Foxconn, maior fabricante mundial de celulares,

planeja substituir a força de trabalho humana por robôs, informou o portal G1 (1/8), a partir de reportagem do jornal China Business News e do site Xinhuanet. A previsão é incluir 1 mi-lhão de robôs nas linhas de montagem em três anos, substituindo os trabalha-dores. Segundo o titular da Foxconn, Terry Gou, em declaração ao jornal chinês, o uso de robôs visa “reduzir custos com encargos trabalhistas e melhorar a eficiência nas linhas de pro-dução”. A Foxconn destaca a tendência crescente de automação na indústria chinesa, como forma de fazer frente a questões trabalhistas como gran-des greves e suicídios de operários, “que surgem para criar problemas em empresas de setores que vão de automóveis à tecnologia”. Suicídios de funcionários fizeram com que clientes de empresas como HP, Apple e Sony abrissem investigação para avaliar as práticas trabalhistas da Foxconn, da qual terceirizam os equipamentos. Em maio, uma explosão na fábrica de Chengdu matou três pessoas e feriu

outras 16. Os robôs serão usados em serviços de rotina como pintura, solda e montagem de aparelhos. A empresa já tem 10 mil robôs em operação e pretende aumentar este número para 300 mil, em 2012, atingindo a marca de 1 milhão, nos próximos três anos.

RecolheR não é acolheR

O município do Rio de Janeiro pôs em prática um protocolo de abordagem

de crianças e adolescentes usuários de crack que está gerando protestos de entidades de direitos humanos e levou a um ato público organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil (25/7), na cida-de. Criado a partir de decreto municipal, o modelo prevê que os usuários sejam recolhidos compulsoriamente e levados a centros de tratamento de dependentes químicos. Teve início em maio, com o recolhimento de três crianças, de 10, 11 e 12 anos, em operação da Secretaria Municipal de Assistência Social na comu-nidade do Jacarezinho, Zona Norte. Elas foram levadas a um dos quatro Centros de Atendimento à Dependência Química (Ceadqs) da Prefeitura, o Casa Viva, em Laranjeiras, Zona Sul da cidade, infor-mou o site da revista Veja (2/6).

Segundo a secretaria, todas ha-viam passado por médicos e psicólo-gos, que diagnosticaram necessidade de atendimento emergencial e inter-nação. Paralelamente à internação, assistentes sociais do município esta-riam tentando encontrar as famílias das crianças recolhidas, que não podem deixar a clínica até terem alta, mas podem receber visita.

De acordo com o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, o novo pro-tocolo de atendimento fere a Cons-tituição, pois a tutela de menores de idade cabe à família, não ao Estado. O secretário de Assistência Social, Ro-drigo Bethlem, afirmou que o decreto foi elaborado com base em conversas com o Ministério Público e as varas de infância. “Chegamos à conclusão de que essa é a melhor maneira de garantirmos a integridade física desses jovens. Se deixarmos, serão adultos com mentes e corpos comprometidos, principalmente os neurônios”, justi-ficou, desafiando: “Eu gostaria que alguns desses estudiosos do assunto fossem às seis da manhã para uma cracolândia e vissem o estado deplorá-vel em que estão nossas crianças”. De maio a julho, haviam sido recolhidos 82 crianças e adolescentes.

Representantes de entidades de direitos humanos e dos conselhos regionais de Enfermagem, Assistência

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RADIS 109 • SET/2011

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Social e Psicologia criticam a medida, classificada como “inconstitucional e de faxina da cidade”, informou O Globo (27/7). Para a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Margarida Pressburger, o abrigo compulsório, além de incons-titucional, não garante tratamento adequado. Ela relatou que, durante visita ao Casa Viva, verificou que o espaço não conta com sala de aula ou área de lazer para os abrigados e que os jovens passam boa parte do tempo medicados, com remédios de tarja preta, sem acompanhamento adequado. “Temos recebido relatos

sobre agressões sofridas por esses jovens dentro dos abrigos”.

Representantes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República estiveram na OAB/RJ (22/7) participando de fórum comandado por Margarida, informou o site da OAB (25/7). De acordo com o presidente do Conselho Regional de Serviço Social, Charles Toniolo de Sousa, a abordagem dos usuários é feita por policiais e de forma violenta, e a repressão continua a ser aplicada nas instituições. “Encon-tramos nesses abrigos profissionais que não estão preparados para lidar com a situação, e os princípios básicos de

saúde e assistência social não estavam sendo cumpridos”, disse.

A secretária nacional de Pro-moção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmem Oliveira, in-formou que o Governo está traçando “um formato de espaço diferenciado para essas crianças”, com uma pro-posta terapêutica. Ela levará os dados apresentados no fórum à ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário. Em 25/7, a OAB organizou ato público, no qual foi lançado o manifesto Reco-lher não é acolher, contra a internação compulsória. Leia o manifesto no site do RADIS (www.ensp.fiocruz.br/radis).

SUS IGUAL PARA TODOS I — Se não faltam manobras da mídia e de governantes para desqualificar e enfraquecer o SUS, cresce também a vigilância por parte da sociedade sobre a preservação do nosso tão pre-cioso sistema de Saúde. Está no alvo desse olhar vigilante a lamentável iniciativa do governo de São Paulo de entregar 25% dos leitos de hospitais públicos estaduais gerenciados por organizações sociais (OS) aos planos de saúde. Com o decreto 57.108/11, de 6 de julho de 2011, que regula-menta a lei 1.131/2010, o governador Geraldo Alckmin permite aos clientes de plano de saúde ir direto à rede SUS sem passar antes por um posto, criando assim, dupla porta de entrada no sistema, desorganizando-o e au-mentando a fila de espera daqueles que só contam com o SUS. Seriam quase 2 milhões de atendimentos desviados para os clientes de planos de saúde privados.

O Ministério Público de São Paulo protocolou (9/8) ação civil pública que impede o governo estadual de qualquer ação com base na lei e no decreto. “A lei agride frontalmente inúmeras normas constitucionais. E se for implementada vai gerar uma situação aflitiva na saúde pública do Estado”, explicou Arthur Pinto Filho, um dos promotores que assinam a ação do MP, de acordo com o site da Rede Brasil Atual. Segundo o promotor, o

deral de Medicina e União Nacional dos Estudantes, define cinco diretrizes de continuidade do processo da efetiva-ção do SUS. “Saúde 5 estrelas para po-bres ou ricos”, como indica o subtítulo da capa do documento. “Dispomos de todos os meios, políticos, financeiros, técnicos, científicos, para avançar na Reforma Sanitária brasileira”, afirmou Luís Facchini, presidente da Abrasco, durante a solenidade de entrega da publicação. “A riqueza do documento é a construção do consenso”, disse o ministro. “O documento é forte porque reúne o consenso possível de várias instituições e entidades, que têm suas divergências. Isso ultrapassa um olhar corporativo. Será muito importante que esse momento tenha continuidade”, ressaltou Padilha. Leia a íntegra de O SUS igual para todos, no site do RADIS (www.ensp.fiocruz/radis).

‘RADIS’ COMO SÍMBOLO DE INDEPENDÊNCIA — O jornalista Roberto Smeraldi, especialista em desenvolvimento sustentável, diretor da organização Amigos da Terra e um dos palestrantes do Seminário Preparatório da Confe-rência Mundial Sobre Determinantes Sociais da Saúde, usou o exemplo da Radis para ressaltar as relações democráticas vigentes entre gover-no e sociedade na área da Saúde. Smeraldi apontou “a assertividade, a proatividade com que o setor da Saúde consegue falar independente-mente do governo”, referindo-se às matérias da edição 108 da revista, em especial a que analisa critica-mente o modelo de desenvolvimen-to do país e iniciativas como a da construção da usina de Belo Monte. “Uma solidez, uma independência para falar de Belo Monte. Isso é um capital muito grande”, apontou.

modelo que Alckmin deseja para o São Paulo não tem paralelo em nenhum outro estado da federação, além de ser combatido pelo Conselho Nacional de Saúde. Também se manifestaram contrários à medida os movimentos so-ciais, sindicatos, Conselho de Secretá-rios Municipais de Saúde de São Paulo, e até o Conselho Estadual de Saúde, cujo presidente é o próprio secretário de Estado da Saúde, relatou Arthur. “Ninguém é favorável às medidas, apenas os planos de saúde”, afirmou.

“O decreto saiu do jeitinho que o diabo gosta”, escreveu o sanitarista Gilson Carvalho (21/7) em sua coluna, no site Saúde com Dilma. “Para lei ilegal, só um decreto ilegal”, apon-tou (ver íntegra do texto no site do RADIS), lembrando o agravante de o texto emanar de um governador médico, que tem obrigação de ler linhas e entrelinhas dos projetos de lei e da minuta dos decretos. “Tirar dos que menos têm, para os que mais têm. Esses têm tanto, que sobram leitos privados no Brasil”, completou. Também o ex-ministro José Gomes Temporão fez seu protesto público, durante o Seminário Preparatório da Conferência Mundial Sobre Determi-nantes Sociais da Saúde (5/8). “O setor da Saúde pode ser um produtor de iniquidades”, criticou.

SUS IGUAL PARA TODOS II — Represen-tantes do Movimento da Reforma Sanitá-ria entregaram (5/8) ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o documento SUS igual para todos — Agenda Estratégica para a Saúde no Brasil. A publicação, que representa a voz de entidades da sociedade civil, como Abrasco, Cebes, Rede Unida, Conasems, Conselho Fe-

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biental do Rio Guandu (RJ). Para avaliar o índice de qualidade da água, a ANA usa parâmetros que levam em conta, princi-palmente, a contaminação dos rios pelo esgoto. De acordo com o jornal, apesar de o governo confirmar estar investindo em políticas públicas de saneamento, mais da metade das cidades do país — 2.926 municípios — não têm tratamento de esgoto. Segundo relatório da agência, em 2009, R$ 21,4 bilhões foram investi-dos em ações de saneamento e gestão da água, incluindo R$ 13,2 bilhões em obras de tratamento de esgoto.

maioR tRibUtação paRa o cigaRRo

O governo brasileiro vai definir um pre-

ço mínimo para o maço de cigarro, de acordo com a Medida Provisória 540, publicada em 2/8,

que prevê aumento na carga tributária sobre o produto, informou o Portal da Saúde, do Ministério da Saúde (5/8). “Com a MP, vamos atacar os dois lados do problema: além de aumentar o preço do cigarro, vamos diminuir a pirataria, com a possibilidade de multar, fechar e proibir a venda nos estabelecimentos que não cumprirem o preço mínimo”, disse o ministro Alexandre Padilha, em entre-vista coletiva na abertura do Seminário Preparatório da Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, na Fiocruz (5/8). Ele convocou todos a se mobilizar para garantir a aprovação da medida no Congresso e sua regula-mentação. É necessário que as medidas provisórias sejam convertidas em lei pelo Congresso, para não perder a eficácia.

O Portal da Saúde explica que, de acordo com a Coordenação Geral de Fiscalização da Receita, o peso total dos impostos para os fabricantes de cigarros chega a 60%. A MP 540 apresenta novo modelo de tributação, para vigorar a partir de dezembro, estabelecendo dois regimes, um geral e um especial. No regime geral, fica fixada uma alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 45%. Quem optar por continuar nele necessariamente passará a ter uma carga tributária total de 81% (45% de IPI, 11% de PIS/Cofins e 25% de ICMS). Já no segundo caso, o cálculo será feito sobre uma proporção do valor do cigarro. As empresas terão até o último dia útil de novembro para informar ao Fisco em qual deles querem ficar. Entre os brasileiros, a participação do tabagismo na mortali-dade por doenças respiratórias crônicas está acima da média mundial: oito em cada dez homens que morrem por esses males são tabagistas, aponta o Portal da

caRtão sUs em 2012

A partir de 2012, os usuários do SUS deverão apresentar nas unidades de

saúde o Cartão Nacional de Saúde (CNS). O documento constará do histórico de atendimento do paciente no SUS e dará acesso aos dados do usuário em qual-quer unidade de saúde, possibilitando que ele seja acompanhado em qualquer uma delas. No caso de a pessoa não se lembrar do número ou não ter em mãos o cartão na hora do atendimento, caberá à unidade de saúde consultar o cadastro nacional para identificar o paciente. Se o paciente não for cadastrado no siste-ma, o hospital ou unidade de saúde fará o registro. O cadastro traz também os contatos do paciente, como telefone e endereço, para que a Ouvidoria do SUS possa, por exemplo, fazer levantamento sobre a satisfação do usuário. As novas regras do cartão fazem parte da portaria ministerial PRT-763, de julho de 2011.

De acordo com o Ministério da Saúde, que em abril já havia publicado portaria regulamentando o Sistema Car-tão Nacional de Saúde, a implementação do CNS faz parte de uma estratégia para oferecer atendimento integral ao cida-dão e acompanhar a qualidade do serviço prestado. Segundo o secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Odorico Monteiro de Andrade, a medida vai proporcionar mudanças positivas no relacionamento do SUS com os cidadãos (Agência Brasil, 22/7).

QUalidade da ágUa e saneamento

Informe 2011 da Conjuntura dos Recur-sos Hídricos do Brasil, divulgado pela

Agência Nacional de Águas (ANA), em 19 de julho, revelou que o Brasil tem 12% da oferta de água do planeta, mas somente 4% de seus recursos hídricos têm ótima qualidade. Segundo o jornal O Globo (20/7), entre 2008 e 2009, a água considerada de qualidade péssima no país se manteve em 2%; a ruim aumentou de 6% para 7%; a regular passou de 12% para 16%; e a boa subiu de 70% para 71%. De acordo com o relatório, a água de pior qualidade está concentrada nas regiões metropolitanas de São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador, como também nas cidades de médio porte, como Campinas (SP) e Juiz de Fora (MG).

Entre os rios que apresentam água de péssima ou má qualidade, se desta-cam o Tietê, na capital paulista, Iguaçu, na unidade de conservação Parque Nacio-nal do Iguaçu, em Foz do Iguaçu (PR), e Guandu-Mirim, na Área de Proteção Am-

Saúde. Entre as mulheres, são seis óbitos a cada dez. A média mundial é de cinco em cada dez óbitos entre os homens e dois em cada dez, entre as mulheres.

mais inclUsão nas UniveRsidades públicas é necessáRia

Levantamento da Associação Nacio-nal dos Dirigentes das Instituições

Federais de Ensino Superior (Andifes), realizado em 2010, mostrou que o índice de estudantes das classes C, D e E (con-forme classificação do estudo, que seguiu os critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) nas universi-dades federais manteve-se estagnada nos últimos 15 anos, informou O Globo (3/8). A parcela de alunos originários de escola pública e a de pretos e pardos, no entanto, aumentou. Participaram da pesquisa 19.691 universitários, 3% do total. Em 1996, fora realizada uma pri-meira pesquisa, indicando que 44,3% dos alunos enquadravam-se nas classes C, D e E. Em 2010, o percentual foi de 43,7%, e a renda familiar média, de R$ 1.459.

Em 2010, 50,39% dos estudantes das federais tinham feito o ensino médio única ou majoritariamente em estabe-lecimentos públicos, ante 45,04% em 1996. Já a proporção de pretos e pardos subiu de 34,2%, em 2003, para 40,8%. Os dois grupos estariam subrepresentados nas universidades federais, ressaltou o estudo, uma vez que os pretos e pardos equivalem a 50,7% da população brasi-leira, e 88% dos alunos do ensino médio frequentam estabelecimentos públicos.

Para o presidente da Andifes, João Luiz Martins, reitor da Universidade de Ouro Preto, houve avanços na demo-cratização do acesso ao ensino superior, mas são necessários mais investimentos do Ministério da Educação em assistência estudantil. “As universidades precisam ser mais agressivas nas políticas de in-clusão, porque o atendimento é muito baixo em relação à realidade nacional”, analisou. O relatório mostra ainda que a classe A, embora corresponda a 4,5% do total na população brasileira nas univer-sidades federais, contabiliza 15,25% das matrículas. Somadas, as classes A e B representam 32,9% dos habitantes, mas ocupam 56,32% das vagas. O estudo, no entanto, derruba o mito de que as fede-rais atendem os mais ricos: 67,16% dos estudantes vêm de famílias com renda mensal entre R$ 415 a R$ 2.656.

SÚMULA é produzida a partir do acompa-nhamento crítico do que é divulgado na mídia impressa e eletrônica.

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Risco: o impacto no cotidiano

Conceito analisado na ‘Radis’ 106 permeia experiência diária de indivíduos e grupos e demanda tomada de

posição do profissional de saúde

Claudia Lopes *

O sociólogo alemão Ulrich Beck (1944) cunhou a expressão sociedade de risco (1992) para pensar a transformação de

uma sociedade em que os conflitos se dão em torno da produção e distribuição de bens para uma nova forma, em que eles ocorreriam em torno da produção e distribuição de males, ou seja, de riscos. Para Beck, a produção social da riqueza na modernidade está atrelada à produção social dos riscos gerados no bojo da indus-trialização e dos avanços tecnológicos e que, no contexto da globalização, ultra-passam as fronteiras locais e nacionais, bem como as temporais, ao apontar para consequências sobre as gerações futuras.

À parte as discussões, concor-dâncias e críticas sobre o conceito de sociedade de risco conforme proposto por Beck, existe uma compreensão de que vivemos atualmente em um contex-to estruturado, conformado pelo risco. Formatando esse contexto e, ao mesmo tempo, sendo formatada por ele, grande parte da ciência que se faz hoje, inclusive no campo da Saúde e, sobretudo, na Epidemiologia, está focada na tentativa

de prever e prevenir riscos. E, em nome da prevenção, a ciência assumiu papel normatizador da conduta e da vida das pessoas, como observou o pesquisador Luis Castiel em entrevista à Radis (106).

No mesmo sentido, a mídia, ao difundir e, em certa medida, recriar as informações científicas sobre risco, colabora para a introjeção, por parte dos indivíduos, dessas normas e de com-portamentos considerados corretos para garantir uma vida saudável e cada vez mais longeva — o que teria se tornado, presumivelmente, o objetivo por si mes-mo desejável da própria vida.

A LINGUAGEM DO RISCO

Assim, para além do conceito, noções de risco estão presentes numa di-versidade de discursos do nosso cotidia-no. E se, como diz o professor Naomar de Almeida Filho — um dos principais estudiosos do tema risco no campo da Saúde —, “discursos produzem efeitos”, um desafio, hoje, é compreender os efeitos dos discursos sobre o risco na vida das pessoas, como se dá essa vi-vência, que subjetividades emergem ou podem emergir a partir desse contexto.

A professora Mary Jane Spink, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universi-

dade Católica de São Paulo (PUC-SP), tem estudado a linguagem do risco no cotidiano, principalmente na mídia. Ela chegou à conclusão de que essa linguagem engloba três tradições, que denominou como risco-perigo, risco-probabilidade e risco-aventura.

“O risco-perigo é aquele de difícil cálculo, em que os casos são quase sem-pre imprevisíveis, independem da von-tade do agente. O risco-probabilidade é o trabalhado pelos epidemiologistas, pelos analistas de riscos financeiros, entre outros, e visado por cientistas sociais como Ulrich Beck e Anthony Gi-ddens (1938). Trata-se do risco passível de ser previsto por meio do cálculo”, explica a pesquisadora.

Risco-aventura, por sua vez, é uma terminologia que Mary Jane desenvolveu a partir dos estudos do antropólogo Roger Caillois (1913-1978) sobre jogos. São os jogos de vertigem (isto é, que possibili-tam a fusão entre a ação e a consciência, gerando a sensação que os adeptos dessas atividades denominam de adrenalina). No primeiro caso estão as profissões de risco, como bombeiros e gerentes de investimento de alto risco, que se movem num território de imponderabilidade e têm seus aparatos de proteção, vivendo o risco no seu cotidiano profissional. Já as formas culturais se constituem prin-

DEBATE

* Colaboradora

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as pesquisas de José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres (Radis 106) e de Sandra Caponi, entre outros, ele se propôs a entender por que as pessoas adotam comportamentos considerados de risco. A seu ver, o principal problema da socie-dade de risco é a criação — pela ciência, pela saúde, pela mídia — de modelos ideais, referências consideradas boas, desejáveis, que o sujeito tenta atingir, mas não consegue. “Idealiza-se também o futuro — um futuro sem velhice, sem fraqueza, sem morte. E assim não se deixa a vida acontecer”, diz.

Os mecanismos de poder atrelados à noção de risco são introjetados pelos indivíduos, de modo que a própria pessoa se subjuga a certas ideias e valores que não condizem com sua realidade. E com frequência o profissional de saúde tem um papel nessa situação, como aponta o

pesquisador, no sentido de que “às vezes, age como instrumental do poder sem se dar conta disso”. Daí a importância de refletir sobre o que se faz e o que se diz.

“É importante pensar sobre que efeito o profissional da saúde obtém quando fala alguma coisa. Precisamos entender melhor o que as pessoas fazem daquilo que dizemos a elas. Muitas vezes são feitas prescrições sem que se procure saber como é a vida daquela pessoa, se ela poderá segui-las ou não”. Trata-se, sobretudo, de ter atenção para com o outro, o que permitiria perceber a tentativa de afirmação da vida que pode existir sob a adoção, por esse outro, de um comportamento de risco.

“O comportamento de risco pode estar tentando afirmar uma saúde”, observa Thiago Drumond. “O garoto que foge de casa e vai para a rua, por exem-plo, muitas vezes faz isso em busca de

cipalmente dos esportes de aventura, como os rallies e o night biking. Por fim, as formas corrompidas são aquelas que obliteram a razão, como o uso de drogas.

Segundo Mary Jane Spink, cada uma dessas tradições da linguagem do risco engendra os próprios efeitos, tendo, como outro lado da moeda, a segurança. O risco-perigo gera medo, ansiedade e precauções — bem como uma indústria de segurança, com carros blindados, câmeras etc. O risco-probabilidade, na medida em que as informações sobre previsões de risco são veiculadas pela mídia, leva à normatização do cotidiano e também gera ansiedade ao projetar um futuro de doença. “A pessoa vive com essa preocupação e já não sabe muito bem o que fazer em nome de sua saúde: co-mer ovo ou não? Tomar ou não café?”, exemplifica. Criam-se então produtos para dar a sensação de segurança ou de poder contra esses riscos, como mostra o desenvolvimento da milio-nária indústria farmacêutica.

Já o risco-aventura evidencia um aspecto mais positivo da vivência do risco, principalmente no que diz res-peito aos esportes de aventura. Nesse caso, são vendidos tanto aparatos que busquem garantir a segurança de quem pratica esses esportes quanto produtos que têm por finalidade exacerbar a “sensação de adrenalina”.

RESISTÊNCIA E AfIRMAçãO DA vIDA

Mary Jane considera que, em meio a essas diferentes formas da linguagem do risco, os modos de construção das subjetividades e as res-postas possíveis, inclusive em termos de resistência individual ou coletiva às tentativas de controle social que fazem uso do risco, também são di-versos; não existe homogeneidade. “Como são muitas vivências distintas, é possível, em situações específicas, imaginar resistência coletiva. Cada diferente segmento tem seus modos de vivenciar e de enfrentar os riscos”, analisa a pesquisadora.

Para o professor Thiago Drumond Moraes, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), resistência é uma palavra-chave nesse debate. Tomando como referência

uma vida melhor, porque a casa dele é muito ruim. Esse comportamento indica que ele ainda pode estar procurando um caminho para viver. O mesmo pode se dar com alguém que se envolve com drogas. O que precisamos resgatar é justamente isso, o que a pessoa com comportamento de risco está tentando afirmar em termos de movimento de vida”.

Para Drumond, tentamos imprimir, o tempo todo, nossa marca no mundo, torná-lo algo nosso. Mas os profissionais de Saúde tendem a negar o fato de que não seguir a norma pode ser uma tentativa, por parte do sujeito, de as-sumir a própria vida. “Resistência não é teimosia. É querer outras normas, mais condizentes com a realidade e os anseios de cada um”, esclarece.

ORGANIzAçãO DO TRABALhO

Muitas vezes, é a própria or-ganização do trabalho que obriga o trabalhador a se colocar em situações de risco e também a encontrar um modo de lidar com ele. Esse é o caso dos motoboys, que foram tema da tese de doutorado de Thiago Drumond. Ele percebeu que os motoboys criam normas próprias para poder dar conta de seu trabalho e dos riscos nele en-volvidos. Fenômeno similar ocorre com os moradores de rua, que têm códigos de conduta muito específicos entre si. Essas “normas fora da norma” podem ser individuais ou coletivas, de grupos sociais, que tentam produzir outros signos e valores, alternativos ao que é imposto. “Somos todos humanos, o médico também não segue sempre o padrão”, lembra Drumond — “por isso é preciso procurar entender, ouvir o outro, estar ao lado dele”.

TOMADA DE POSIçãO

Gil Sevalho, doutor em Ciências da Saúde e pesquisador integrado ao Departamento de Endemias da Ensp/Fiocruz, aborda a questão do risco do ponto de vista do conceito de vulne-rabilidade. Para ele, a Epidemiologia deve se colocar ao lado das pessoas, o que significa opor-se a uma visão de risco epidemiológico ligado a estilo de vida, que traz uma conotação de escolha, de opção por parte do indiví-duo, sem levar em conta as condições

Um desafio, hoje, é compreender os efeitos dos discUrsos sobre o risco na vida das pessoas, como se dá essa vivência

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socioeconômicas e os modos de vida possíveis nessas condições. “A verten-te conservadora da promoção da saúde seria uma espécie de coletivização da autoajuda. Ela acoberta a desigual-dade social e amputa a historicidade do processo saúde-doença. Castiel já disse que, quando você pensa na ciên-cia como dispositivo de normatização, ela também apresenta uma dimensão de despolitização”, afirma Sevalho.

CIvILIzAçãO DA MORTE

Colocar-se ao lado das pessoas im-plica, para o pesquisador, a necessidade de pôr em pauta os movimentos sociais quando se trata de modos de enfrenta-mento dos riscos. “É preciso radicalizar a perspectiva da vulnerabilidade social, incluindo o enfrentamento coletivo das questões de saúde”, defende. Uma das referências para essa tomada de posi-ção está no trabalho do epidemiologista equatoriano Jaime Breilh, precursor, na América Latina, dos estudos de Epide-miologia Crítica. Mais do que exposição ao risco, essa vertente de pesquisas trata da imposição do risco, ou seja, a imposição a grande parte da população de modos de vida insalubres.

Segundo Breilh, existe um grande paradoxo para os profissionais da saúde atualmente: “Trabalhamos e estuda-mos em universidades de ciência da vida e da saúde, mas vivemos em uma civilização da morte. A sociedade, que

está estabelecida ao redor do interesse de grandes capitais, tem que necessa-riamente colocar de lado a construção do ser humano para poder fazer a construção dos negócios e dos grandes monopólios. E a construção dos gran-des monopólios só é viável se a saúde humana é convertida em mercadorias que alimentam o sistema”, afirmou, em palestra em março deste ano na Universidade Federal do Paraná.

Para Gil Sevalho, as técnicas de investigação epidemiológica estão lon-ge de retratar a vida real das pessoas. “Devemos trabalhar com modelos teóri-cos que incluam aspectos qualitativos e que se aproximem da realidade delas”, diz. Ele considera que, assim como o trabalho de Breilh, existem modelos teórico-epistemológicos que também podem servir de base para reflexões mais comprometidas politicamente.

Uma das contribuições mais im-portantes nesse sentido vem do soci-ólogo português Boaventura de Sousa Santos. “Ele defende que as ciências sociais são muito reacionárias e não conseguem dizer nada de novo, pois são produzidas no contexto de uma Epistemologia do Norte (em referên-cia aos chamados países desenvolvi-dos). Essa é a epistemologia do rigor, trabalha monoculturas. Boaventura propõe trabalhar com ecologias, a partir de uma Epistemologia do Sul, que acolhe os saberes alternativos”, esclarece o pesquisador.

Outra estratégia proposta por Se-valho é o aprofundamento do conceito de vulnerabilidade de modo a incluir as narrativas, no sentido dado a elas por Paul Ricoeur. Para Ricoeur, a perda da capacidade narrativa é o estágio final da perda da autonomia. Não existe autonomia sem narrativa, e vice-versa. “Poder falar é poder agir”, ressalta.

‘EPIDEMIOLOGIA BONDOSA’

À pretensa objetividade da epidemiologia baseada no risco, Gil Sevalho opõe também a abordagem da vulnerabilidade nos trabalhos de Lydia Feito Grande, filósofa espa-nhola. Ele lembra que Lydia cita o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) para dizer que “a vida é preciosamente precária” e que é essa precariedade que imprime à vida sua preciosidade. Assim, é preciso reco-nhecer a própria vulnerabilidade para poder se colocar no ponto de vista do outro e buscar compreendê-lo.

“Diz-se de Milton Santos que sua Geografia é bondosa, que se coloca ao lado das pessoas. Eu gostaria de colocar um coração na Epidemiologia. Vamos fazer uma Epi-demiologia bondosa nesse sentido. Mesmo sabendo que sempre haverá algum distanciamento das pessoas, a ideia é nos aproximarmos delas, colocarmo-nos ao seu lado”, propõe Sevalho. Está feito o convite.

Sevalho: trabalhamos em universidades de ciência da vida e vivemos em civilzação da morte

Mary Jane: linguagem do risco assume diferentes formas e leva a diversas respostas

Drumond: resistência não é teimosia, é querer outras normas, mais condizentes com cada um

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atividade física para todos

Bruno Dominguez

No parque Sítio da Trin-dade, ginástica ao som de música ajuda a ema-grecer. No Caps álcool e

drogas Eulâmpio Cordeiro, o corpo fala pelo dependente químico em sessões de grupo. No Centro Médico Ermírio de Moraes, alongamento e caminhada auxiliam na recupera-ção de pacientes com hipertensão e diabetes. No Caps infantil Zaldo Rocha, jogos esportivos melhoram a interação de crianças com deficiên-

cia. Realidades diversas, um só programa em uma só cidade: Academia da Cidade, criado pela Secretaria de Saúde do Recife, em 2002. O objetivo inicial era incentivar a prática

de atividades físicas e de lazer, mas quase dez anos depois o programa ganha contornos próprios em cada

Academia da saúde públicaPrograma do SUS vai atacar sedentarismo, obesidade e doenças

crônicas, ocupando espaço dominado pela iniciativa privada

uma das áreas onde funciona [ver matéria na pág. 14].

A experiência foi uma das que ser-viram de modelo para que o Ministério da Saúde lançasse programa nacional semelhante, o Academia da Saúde. Em abril, o ministério anunciou que finan-ciaria a criação de espaços adequados para a prática de atividades físicas e de lazer em municípios de todo o Bra-sil, definindo como meta a instalação de quatro mil polos até 2014.

RECONhECIMENTO

“O Academia da Saúde não é uma invenção, é o reconhecimento de projetos exitosos de lugares como Vitória, Belo Horizonte, Recife, Araca-ju, Curitiba e Maringá”, diz o diretor de Atenção Básica do Ministério da Saúde, Heider Pinto. “Observamos o impacto dessas experiências, que con-seguiram reduzir níveis de pressão, diminuir o uso de medicamentos e

melhorar a qualidade de vida, porque se vinculam a redes sociais”.

O programa nacional marca a ocupação pela saúde pública de um universo quase inteiramente domi-nado pelo comércio. Os principais benefícios da atividade física ficam encobertos diante do apelo ao cui-dado estético com o corpo, num cír-culo em que se estimulam exercícios exagerados em academias privadas, consumo de suplementos vitamínicos e dietas restritivas.

“Se tiver de escolher entre pa-gar para fazer exercício ou não fazer exercício, uma parcela considerável da população não vai fazer”, analisa Heider. O Academia da Saúde é tam-bém oportunidade de fortalecer o papel dos profissionais de Educação Física como parte da equipe do Sis-tema Único de Saúde, cuja entrada é recente [ver matéria na pág. 17].

Dados de 2009 do Vigitel, pes-quisa por telefone realizada anual-

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mente pelo Ministério da Saúde, indi-cam que 16,4% dos adultos brasileiros são sedentários — não fazem ativi-dade física no tempo livre, durante deslocamentos ou em tarefas como limpeza da casa e trabalho pesado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a prática de 30 minutos de atividade física em cinco ou mais dias por semana.

O sedentarismo tem consequên-cias: 48,1% dos adultos do país estão acima do peso e 15% são conside-rados obesos, segundo o Vigitel de 2010 — há cinco anos, o percentual era de 42,7% para excesso de peso e de 11,4% para obesidade. Números diretamente ligados a hábitos seden-tários e padrão alimentar inadequa-do, como baixo consumo de frutas, legumes e verduras.

Os brasileiros estão comendo menos feijão, fonte de ferro e fibras: o consumo em pelo menos cinco dias por semana foi de 66,7% em

2010 ante 71,9% em 2006. Frutas e hortaliças aparecem no cardápio de apenas 18,2% dos entrevistados na quantidade recomendada pela OMS — cinco porções diárias ou 400 gramas. Mais: 34,2% dizem que se alimentam de carnes vermelhas gordurosas ou de frango com pele; 28,1% bebem refrige-rantes cinco vezes ou mais na semana.

PROMOçãO, PREvENçãO E CULTURA LOCAL

“O programa Academia da Saúde é uma estratégia voltada à promoção da saúde e à prevenção de doenças crônicas e, ao mesmo tempo, à divulgação da cultura local e de hábitos saudáveis”, resume Heider Pinto. Por meio do programa, o Ministério da Saúde oferece finan-ciamento para a criação de polos com infraestrutura, equipamento e pessoal qualificado para a orienta-ção de atividades física e de lazer.

Esses polos são espaços de cerca de 300 metros quadrados, abertos à realização de atividades individuais, em equipamentos para alongamento, abdominal e flexão, e coletivas, em aulas de ginástica, capoeira, dan-ça, jogos esportivos, yoga e tai chi chuan, entre outras. Também está prevista área de convivência, com mesas de jogos (dominó, baralho, dama, xadrez).“Os polos vêm en-frentar um conjunto de problemas de saúde, mas criam um espaço público de convívio que não é só da saúde”, explica Heider. “Além das atividades físicas, devem oferecer atividades culturais e incentivar a interação entre as pessoas, trazendo mais vida para comunidade”.

CADASTRAMENTO

Apesar de congregarem outros setores, como Cultura e Educação, os polos precisam funcionar sob a orientação de profissionais da saúde. As ações devem contar com a parti-cipação de profissionais da Atenção Primária que atuem na Estratégia Saúde da Família, especialmente nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf). “Esse vínculo permite que o profissional da unidade de saúde re-comende que um usuário com dores musculares, hipertensão ou diabetes procure a academia e vice-versa”, diz Heider. “De um lado e de outro não dá para separar promoção, pre-venção e recuperação de saúde. O programa integra essas três faces”.

Os municípios tiveram até 31 de julho para cadastrar seus projetos,

informando a modalidade de polo a ser criada, o local escolhido e as co-munidades a serem beneficiadas. Há três modalidades de polos: a básica, com área de vivência e espaço externo com área multiuso; a intermediária, que inclui depósito de materiais e equipamentos para alongamento; e a ampliada, com estrutura de apoio (sala de vivência, sala de acolhimento e banheiros) e com jardins.

Após avaliação das propostas, o ministério autoriza o repasse dos re-cursos, que variam de R$ 80 mil a R$ 180 mil, dependendo da modalidade do polo. “Percebemos uma vontade muito grande das prefeituras de ade-rir ao programa”, afirma o secretário de Atenção Básica. “Temos capacida-de de financiar mil projetos por ano, chegando a quatro mil até 2014”.

Há também uma linha de finan-ciamento para custear as ações a serem desenvolvidas, medida que pode evitar a construção de polos e seu posterior abandono. Pelo país, existem dezenas de experiências de instalação de equipamentos de ginástica em parques e praças, que por falta de ocupação profissional e manutenção acabam virando sucata ou são apropriadas indevidamente por pequenos grupos.

“Muitos municípios só colocam equipamentos de ginástica em luga-res públicos, mas isso não é Acade-mia da Saúde”, comenta Heider. “A Academia da Saúde pressupõe gestão social, relação com serviço de Saúde e profissionais atuantes”.

Para receber a verba de custeio, os municípios precisam garantir o funcionamento supervisionado desses polos por 40 horas semanais. “Que-remos acesso com atividades, não só o acesso”, diz Heider.

Heider: Academia da Saúde resulta de projetos exitosos de cidades brasileiras

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Experiências como a Academia da Cidade, no Recife, servem de modelo para programa do Ministério da Saúde em todo o país

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Música alta e agitada embala a aula de ginástica: a cena, comum em espaços fechados e pagos, no Recife, ganha um

novo perfil em praças e parques públicos desde a criação da Academia da Cidade, programa de promoção da saúde da Se-cretaria Municipal de Saúde, com ênfase em atividade física, lazer, alimentação saudável e também convivência e acolhi-mento. Em um deles, o Sítio da Trindade, uma turma com cerca de 20 mulheres com mais de 40 anos resiste a exercícios pesados em sequência. Alongamento, agachamento, flexão. Entre as alunas, estão Cristina Maria de Lima e Vera Lúcia Ribeiro, colegas com objetivos bem dife-rentes — e que se completam.

Cristina caminha por uma hora na pista do parque e depois sua em duas aulas de ginástica seguidas, diariamente, desde que recebeu a recomendação médica de per-der peso — sete meses atrás, ela ultrapassava os 100 quilos e tinha

níveis altos de colesterol, triglicerídeos e açúcar no sangue. O tratamento, que também contou com mudanças na ali-

mentação, fez com que emagrecesse 40 quilos. “Venho todos os dias, porque aqui encontro a motivação de que preciso”.

Vera Lúcia também segue as orien-tações da professora, mas preocupa-se menos com o peso. “Fiquei viúva há nove anos e entrei em depressão, até que uma vizinha me convidou a fazer as aulas”, re-lembra. “Os professores e as colegas são uma maravilha, fui até rainha do milho na festa junina”, diz, referindo-se a um personagem da quadrilha tradicional.

Com atividades em pontos diversos da cidade, o programa extrapola os cui-dados com o corpo, propondo atividades para manter a mente saudável — even-tos, passeios, bloco de carnaval. A filha de Vera Lúcia, Talita, acompanha a mãe ocasionalmente e comprova os efeitos positivos: “Ela chegou a frequentar uma academia privada, mas não vi o mesmo resultado nos aspectos físico e mental”.

LAçOS

Histórias como essas se sucedem nos 21 polos da Academia da Cidade — ou-tros 20 estão em construção e a meta da prefeitura é somar 50 até o fim de 2012.

“As pessoas criam laços, o que aumenta a adesão às atividades”, diz o gerente do programa, Ebrivaldo Cavalcanti.

Estudo liderado pelo pesquisador Eduardo Simões, do Centers for Disease Control and Prevention, órgão ligado ao governo americano, e publicado pelo American Journal of Public Health, con-cluiu que a Academia da Cidade é “uma iniciativa modelo, com impacto efetivo no incentivo às atividades físicas e de lazer em área urbana”. Constatou-se que um usuário da academia é onze vezes mais propenso a realizar atividades físi-cas no nível recomendado (moderado a alto) no horário de lazer do que uma pes-soa que nunca participou do programa.

Outro estudo, esse liderado por Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (RS), e publicado nos Cadernos de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), avaliou que a Academia da Cidade propicia a realização de atividade física no lazer a quem habitualmente não tem essa oportunidade e tem interesse — como as mulheres, que segundo a pesquisa, são 89,2% dos usuários.

A baixa participação dos homens nas aulas é notável: em turmas de 20

Corpo são, mente sã, nas praças e parques do Recife

Atividade física para quem tem hipertensão e diabetes, no Centro Médico Ermírio de Moraes: redução no uso de medicamentos

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Georgia, na hidroginástica: “trato as pessoas melhor, vivo melhor”

Edson ‘rendeu-se’ às atividades: “antes só tinha mulher”

pessoas, dificilmente eles somam mais de dois representantes. “Temos o mes-mo problema nas unidades de saúde: os homens frequentam pouco”, observa o diretor de Atenção Básica do Ministério da Saúde, Heider Pinto. “É preciso que os municípios que aderem ao programa tentem criar pontes e trazer esse público, oferecendo atividades que os atraiam”.

Recife tem experiências pontu-ais nesse sentido. Quando começou a trabalhar no polo da Ilha do Joaneiro, a profissional de Educação Física Elisa Guerra notou que apenas mulheres frequentavam as aulas, enquanto os ho-mens se limitavam a correr na pista que circunda a praça. “Disseram que sentiam vergonha de se juntar ao grupo”, relata. Elisa, então, decidiu criar uma turma especialmente para eles, com exercícios mais fortes, em circuito, inspirada no treinamento militar. Nos primeiros dois dias, só apareceram dois alunos; hoje, cada turno tem em média 12 homens.

“Não participava da aula porque só tinha mulher”, confirma Edson Santos, um dos que só corriam em volta da praça. O colega de turma Otávio Henrique da Silva também foi chamado a participar. “Emagreci cinco quilos em um ano, te-nho mais resistência, mais força, alongo melhor”, enumera. “Agora, quando os homens passam e veem a aula já se interessam”, festeja Elisa.

PARTICIPAçãO SOCIAL

O polo da Ilha do Joaneiro, tal qual a maioria, tem espaço demarcado para aulas, aparelhos para ginástica e pista de corrida. Um bloco de apoio com três salas guarda os materiais da academia (step, colchonete, alteres) e recebe os usuários para avaliação física trimestralmente. Os novos terão banheiro e área coberta, demandas dos usuários — no período de chuva, cai a frequência.

Usualmente, os polos são constru-ídos em espaços abandonados, que pas-sam por longo processo de requalificação. Lugares antes escuros e depredados,

ocupados por usuários de drogas, passam a servir à saúde. Para que um polo seja construído, é preciso que a comunidade faça essa solicitação. “O que pereniza e legitima o programa é a participação social”, avalia Ebrivaldo Cavalcanti. “A comunidade valoriza esses espaços e tem com eles forte sentimento de per-tencimento”. Um exemplo, registrado no Coque, bairro onde funciona um polo: “Um jovem que pichou os muros da academia foi instado pela comunidade a pintá-los”, conta o coordenador de área da Academia da Cidade Marcílio Silva.

CONCURSO PúBLICO

Os professores vestem uniforme: calça e boné vermelhos e camisa branca. Todos cumprem metade da carga horária de 30 horas semanais em polo fixo e metade em intervenções na comunidade. Hoje, a Academia da Cidade tem 93 pro-fissionais de Educação Física, todos con-cursados, e 28 estagiários. “Inicialmente, o vínculo era precário e o caminho foi fazer uma seleção simplificada e depois o concurso”, conta Ebrivaldo.

O salário base é de R$ 1.300, ao qual são adicionadas gratificações. “Di-

ficilmente alguém formado em Educação Física ganha essa valor no Recife, a não ser que trabalhe como coordenador numa academia de ponta”, diz Gledson Oliveira, professor do polo do Sítio da Trindade. “E ainda temos a estabilidade do concurso público”.

As atividades supervisionadas se realizam das 5h30 às 8h30 e das 17h às 20h. Entre 8h30 e 17h, os profissionais da academia trabalham em Centros de Atenção Psicossocial (Caps) ou com gru-pos articulados por unidades de saúde em comunidades. Foi a solução encontrada para atender mais pessoas, já que os polos não cobrem toda a cidade. “Para atingir a população do Recife, precisarí-amos de 300 polos”, calcula Ebrivaldo.

DESDOBRAMENTOS NOS CAPS

Fora dos polos, a Academia da Ci-dade ganha outra cara. No Caps infantil Zaldo Rocha, que atende crianças com transtornos mentais de 0 a 15 anos in-completos, a atividade física auxilia no tratamento das dificuldades motoras, de linguagem e de interação. “Quando pro-

Para os homens, que sentiam vergonha de participar das aulas, atividades mais fortes e atraentes, em circuito

Para Vera Lúcia Ribeiro, as aulas no Sítio da Trindade foram um antídoto contra a depressão

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Ebrivaldo: articulação do programa com outros serviços

Leonardo, do Caps álcool e drogas: novo campo de trabalho

ponho uma partida de futebol, muitos só querem chutar; o meu papel é organizar, mostrar as regras, fazer com que se con-centrem, passem a bola, entendam que o jogo tem começo, meio e fim”, conta a professora Juliane Suellen Galvão.

Crianças com quadro mais grave, que não conseguem interagir bem com o grupo, têm aulas na piscina, juntamente com suas mães. “Quando as levamos para a água, se localizam no espaço e respondem melhor aos estímulos”, diz. A situação de cada criança é relatada pela professora em reuniões clínicas regulares com toda a equipe. “Nos Caps, os objetivos não são a perda de peso e a melhora do condicionamento físico, tudo isso fica em segundo plano”, ressalta a coordenadora de área Raquel Pajeú.

fERRAMENTA DE SOCIALIzAçãO

Trabalhando com dependentes químicos no Caps álcool e drogas Eu-lâmpio Cordeiro, o professor Leonardo Wanderley Delgado reforça que, nesses espaços, a Educação Física é ferramenta de socialização. “A atividade física per-mite que se expressem com o corpo”.

Leonardo diz que o trabalho não é fácil e admite que, inicialmente, ficou assustado com a responsabilidade. Du-rante a graduação, lembra, apenas uma disciplina — Educação Física adaptada

— tentou dar conta das especificidades de atuação com grande variedade de grupos: hipertensos, cardiopatas, pessoas com deficiência, dependentes químicos. Marcílio, que já passou pela mesma experiência, compara: “É como trocar o pneu com o carro em movimento, você se depara com uma realidade da qual ouviu falar, mas que não conhece”.

O primeiro passo, conta Leonardo, foi tentar estabelecer uma relação de confiança com os usuários e com a pró-pria equipe do Caps. “No começo, alguns questionavam que contribuição alguém formado em Educação Física poderia dar no tratamento de dependentes químicos. Hoje, já nos veem como profissionais de Saúde”, diz. “É uma experiência pioneira de aplicação da Educação Física. Abre um novo campo para nós”.

O planejamento das atividades é feito com participação dos usuários. “Eu cheguei muito acomodado, não tinha ânimo para nada, e por incentivo do professor voltei a jogar futebol aqui e lá fora”, diz Homero, usuário do Caps, referindo-se ao estímulo para procurar ocupações fora da unidade.

“É desafiador e apaixonante tra-balhar em Caps, acho que sou mais importante aqui, eles valorizam mais o meu trabalho”, analisa Leonardo, que identifica progressos físicos e emocionais nos alunos. Mas o professor ressalva que

precisa lidar constantemente com a frustração, já que são comuns os casos de recaída: “Nesse contexto, nunca vamos ter 100% de sucesso, e, quando o usuário perde, a equipe perde”.

DEMANDA DA COMUNIDADE

A Academia da Cidade tem vínculo com unidades básicas de saúde. Um exemplo: o programa encampou o grupo Razão de Viver, formado por idosos com hipertensão e diabetes tratados na Uni-dade de Saúde da Família Bianor Teodó-sio, no bairro Dois Unidos. O grupo surgiu por iniciativa dos agentes comunitários. “Íamos de casa em casa convidando as pessoas para caminhadas no campo de futebol”, relembra o agente comunitário Graciliano Gama, o Guga. No início, a turma tinha 20 pessoas; hoje, são em média 150 — estão cadastrados 217.

Fortes temporais destruíram re-centemente o campo de futebol onde o grupo se reunia, às margens do rio Bebe-ribe, na divisa do Recife com Olinda, mas os encontros continuam acontecendo, numa rua de paralelepípedos perto dali. “Estava cheia de dor quando vim, por-que sofro de osteoporose, mas melhorei desde que entrei no grupo”, diz Elina de Souza Batista, de 82 anos.

Diferentemente do que acontece nos polos da Academia da Cidade, nessa

Juliane, no Caps infantil: regras dos jogos e concentração

Gledson: bom salário para o profissional de Educação Física

Grupo Razão de Viver, vínculo do programa com unidades básicas: melhora da saúde e criação de laços entre idosos

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comunidade a aula só começa depois que a pressão da turma é aferida. “Quem está com pressão acima de 14 por 8 não faz os exercícios e eu converso para saber se está tomando o medicamento e seguindo a dieta”, explica o agente Guga.

GRANDES POSSIBILIDADES

Eliude Santos, de 56 anos, chegou ao Razão de Viver indicada pelo médico da unidade de saúde: “Minha pressão era 14, 15, agora não passa de 13”. Ela está satisfeita não apenas com o controle da hipertensão, mas com os passeios mensais do grupo. “Já fomos à oficina do escultor Francisco Brennand, ao Espaço da Ciência, ao Teatro Santa Isabel”, enu-mera. “Se não estivesse no grupo, nunca teria conhecido esses lugares”.

No Centro Médico Ermírio de Mo-

rais, a Academia da Cidade cuida de pacientes com hipertensão e diabetes grave. “Somos o braço de reabilitação do programa”, resume a professora Viviane Leite. Os usuários chegam encaminhados por endocrinologista ou cardiologista da unidade, são avaliados pela academia e passam a integrar a turma de fisioterapia ou a de atividade física. Pressão e glicose são aferidas antes, durante e depois dos exercícios. Os resultados falam por si: redução de 55,15% no uso de medica-mentos para hipertensão, de 61,4%, para diabetes, e de 100%, para dislipidemia (presença de níveis anormais de lipídios ou lipoproteínas no sangue).

Na Unidade de Cuidados Integrais à Saúde Professor Guilherme Abath, há grande procura pela hidroginástica, es-pecialmente por quem sofre com artrite e osteoporose: “A lista de espera tem

quatro folhas”, diz a professora Bárbara Amaral. Georgia Amari, que tem bico de papagaio, já fez parte de uma turma (com duração de três meses) e conseguiu retornar à piscina. “Passo a tratar as pessoas melhor, a viver melhor, a ver o mundo melhor”, relata.

“A Academia da Cidade não é a sal-vação do mundo, mas é um espaço com grandes possibilidades”, avalia Ebrivaldo. Para ele, o programa acerta ao se afastar da recuperação, centrada na figura do médico, e se aproximar da promoção da saúde, por meio do incentivo à atividade física, à alimentação saudável e à criação de laços em espaços públicos. Heider Pinto aponta programas desse tipo como forma de o setor fugir de seu caráter normativo: “Mostra que podemos pensar outros jeitos de se enfrentar os proble-mas de saúde, construir alternativas”.

Se no imaginário popular o profissio-nal de Educação Física é vinculado

à área da Educação, na prática esse é um profissional da Saúde cada vez mais necessário e requisitado. O erro de se restringir a atuação da categoria à escola deve-se em grande medida ao fato de somente em 1997 a Educação Física ter entrado no rol das profissões da Saúde, a partir da Resolução 218 do Conselho Nacional de Saúde. “É muito pouco tempo para se mudar a cultura de que todos somos professo-res”, avalia o presidente do Conselho Federal de Educação Física (Confef), Jorge Steinhilber.

O curso de Educação Física adqui-riu status de nível superior no final da década de 1930, objetivando formar profissionais para trabalhar na Educa-ção. O mote era: a escola é o ponto central da formação cidadã, logo deve incentivar e orientar a prática da ati-vidade física. Esse cenário perdurou até a década de 1960, quando se percebeu que os avanços tecnológicos da modernidade levaram a uma vida mais sedentária, o que resultou em uma série de consequências negativas.

A demanda por mais atividade física deu início à transformação da profissão. A graduação dividiu-se em licenciatura, que forma professores de Educação Física, e bacharelado, para formação de profissionais para a Saú-de, que podem atuar em academias, clínicas e espaços públicos.

Em 1998, a profissão foi regula-mentada pela Lei 9.696, após longa luta da categoria, que teve à frente Steinhilber. O texto estabelece que compete ao profissional de Educação Física coordenar, planejar, avaliar e executar trabalhos, realizar treina-mentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisci-plinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos nas áreas de atividades físicas e do desporto. E cria o conselho federal e os conselhos re-gionais de Educação Física, nos quais os profissionais devem estar registrados para exercer a função.

“Até então, qualquer ex-atleta ou praticante de atividade física sem formação podia dar aulas em academias, por exemplo, o que podia gerar problemas físicos e psi-cológicos”, lembra Jorge. Hoje, o conselho soma 265 mil profissionais registrados pelo Brasil.

ATUAçãO NO SUS

A entrada da categoria no Sistema Único de Saúde aconteceu em 2008, quando a portaria nº 154 permitiu que esses profissionais atuassem em conjunto com as equipes de Saúde da Família nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf). “O profissional de Educação Física é de fato um agente de promoção da saúde, prevenção da doença e de reabilitação”, diz Jorge. “Em cima dessa compreensão, tanto

o ministério quanto as secretarias de Saúde têm contratado e destacado a atuação desses profissionais no SUS”.

Cidades com projetos semelhan-tes ao Academia da Saúde determinam que os profissionais de Educação Física devem ser os responsáveis pelas ações nesses espaços, mas o programa do Ministério da Saúde não faz menção direta à categoria. “O contexto leva a entender que os profissionais devem ser formados em Educação Física, mas isso não está claramente colocado”, observa o presidente do Confef.

De acordo com o texto do ministério, para recebimento dos incentivos, a secretaria de Saúde deve incluir em cada polo pelo menos um profissional de Saúde de nível superior com carga horária de 40 horas semanais ou dois profissionais de saúde de nível superior com carga horária mínima de 20 horas, para se responsabilizar pelas atividades.

O Confef enviou ofício ao Ministé-rio da Saúde solicitando que constem das portarias que regulam o programa Academia da Saúde a obrigação de as atividades estarem a cargo de profis-sionais de Educação Física, e busca apoio de parlamentares no Congresso, nesse sentido. “Acreditamos que a proposta do governo seja a de ter um profissional de Educação Física acompanhando, orientando e avaliando as atividades, o que é essencial para a qualidade do programa”, afirma Jorge.

Um profissional da Saúde

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REGULAMENTAÇÃO DA LEI ORGÂNICA DA SAÚDE

Katia Machado

Elaborado para regulamentar a Lei Orgânica da Saúde nº 8080, de 19 de setembro de 1990, o Decreto 7.508, de 28 de junho de 2011, foi

assinado pela presidenta Dilma Rousseff com a expectativa de preencher lacunas importantes no SUS. Com foco na regio-nalização do sistema, no planejamento da saúde e na pactuação entre os entes federativos por meio da criação de con-tratos que preveem metas e pagamento de incentivos mediante bons resultados, e tratando, ainda, de questões relacio-nadas à consolidação do SUS, como a porta de entrada nos hospitais e as redes de atenção à saúde, o texto, ao mesmo tempo em que é considerado um marco no processo de construção do sistema, também gera dúvidas e ressalvas. Em especial no que se refere ao pagamento de incentivos e ao baixo protagonismo dado ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) — canal importante do exercício do controle social — na pactuação das metas.

“O decreto aproxima a organização do SUS da Lei 8080 e, do ponto de vista da estruturação jurídica, cria novo desenho e novas bases”, considera o secretário Nacional de Gestão Estratégica do Mi-nistério da Saúde, Odorico de Andrade Monteiro. No que diz respeito ao papel que cada ente federativo tem no SUS, o decreto estabelece o Contrato Organiza-tivo da Ação Pública da Saúde (Coap). O instrumento de contratualização firmado entre União, estados e municípios, segun-do o texto, tem a finalidade de organizar e integrar as ações e serviços de saúde na rede regionalizada e hierarquizada, com definição de responsabilidades, indicadores e metas de saúde, critérios de avaliação de desempenho, recursos

financeiros disponibilizados e forma de controle e fiscalização da execução.

O contrato trata de aspectos ope-racionais, financeiros e administrativos, pactuados pelas Comissões Intergestores Regionais (CIRs), criadas no âmbito das regiões de Saúde, em substituição aos Colegiados de Gestão Regionais (CGRs), fruto do Pacto pela Saúde, de 2006, pelas Comissões Intergestores Tripartite (CIT), no âmbito da União, e Bipartites (CIB), no âmbito dos estados.

Para o ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Júnior, hoje integrante da Mesa Diretora pelo segmento dos trabalhadores, o capí-tulo do decreto que trata da articulação interfederativa é motivo de preocupa-ção. “Tudo o que é relevante, em geral, passa a ser, segundo o decreto, delibe-rado pelas comissões interfederativas. Nesse caso o CNS é mero coadjuvante, perde sua força”, aponta.

O Coap prevê ainda pagamento de incentivos aos municípios e estados que melhorarem indicadores de saúde em decorrência do cumprimento das metas pactuadas, ou a perda de recur-sos para município próximo, se ficar abaixo do acordado. Em último caso, quem não atender aos indicadores pac-tuados em contrato poderá ter a verba bloqueada. “Caberá ao Ministério da Saúde o monitoramento dos contratos de gestão”, explica Odorico.

Embora seja importante, por definir com maior clareza a responsabilidade de cada ente federativo, o Coap poderá ser usado “para o bem ou para o mal”, como observa Batista Júnior. “Criou-se um instrumento que, dependendo de como for usado, poderá aprofundar a privati-zação do SUS”, alerta. Ele recorda que o Programa Farmácia Popular do Brasil, aprovado em 2006, pelo CNS, como algo

de cunho público, foi sendo descaracte-rizado ao longo do tempo. “Hoje, temos 600 farmácias públicas contra 16 mil estabelecimentos privados, conveniados ao sistema de Saúde. Nessas farmácias, o governo paga o valor integral do medi-camento e elas oferecem ao usuário um desconto de 30%”, critica.

No processo de pactuação, Batista Júnior recomenda estimular municípios e estados que priorizam a rede própria de atenção à saúde, e não a conveniada. Para ele, o contrato de gestão dá conta apenas dos sintomas e não da doença de que padece o SUS. “Os sintomas, propa-gados pela grande mídia e reclamados pelos usuários e gestores do SUS são a falta de médicos, de leitos hospitalares e recursos financeiros insuficientes. A doença, resultado do descumprimento da legislação, é a prioridade que se tem dado ao segmento privado, em detrimen-to do público”, explica ele, para quem as Organizações Sociais de Saúde (OSs) são exemplos desta realidade.

CONfUSãO TEóRICA

Em reuniões do Conselho de Saúde, Batista Júnior defendeu que a ideia da contratualização avance para além dos entes federativos, permitindo-se criar, por exemplo, contratos entre secreta-rias de Saúde e hospitais ou unidades de Saúde. “Isso, infelizmente, não está no decreto, apesar de a proposta ter sido aprovada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha”.

A defesa pelo que é eminentemente público também orienta a crítica da pro-fessora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lígia Bahia, doutora em Saúde Pública. Ela considera que “paira certa confusão teórica” sobre o Coap. “O contrato é um ato da esfera do

Acertos e ressalvas no decreto que regulamenta a Lei 8080, organiza regiões de saúde e cria contratos de metas

construção SUSNa

Novo passo

do

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direito privado, diz respeito às relações horizontais de garantia de propriedade e seus sucedâneos, valores e prazos de compra e venda, aluguéis, valor de apó-lices e títulos e fixação de tarifas. Já na esfera pública, prevalecem as relações verticalizadas entre governantes e gover-nados e o direito público voltado à justiça distributiva”, observa. Dessa maneira, acrescenta a professora, “a introdução do novo instrumento, anunciada como a salvação da lavoura, não garantirá acesso e qualidade sem uma oferta adequada de serviços de saúde”. Para definir metas de melhoria de condições de vida e saúde, diz Lígia, é necessário compromisso público. “E compromisso público não se consegue só por decreto ou pagamento de incentivo monetário e sim com a valo-rização do público na dimensão política, institucional e operacional”, opina.

MAPA DA SAúDE

Para a definição das metas a serem contratadas, está em elaboração o Mapa da Saúde, “descrição geográfica da distri-buição de recursos humanos e de ações e serviços de saúde ofertados pelo SUS e pela iniciativa privada, considerando-se a capacidade instalada, os investimen-tos e o desempenho aferido a partir dos indicadores de saúde do sistema”, como define o decreto. “É a fotografia atual da região e que permitirá cons-truir contratos com definição de metas claras de acesso”, explica Odorico. O mapa orientará o planejamento de Saúde, o que segundo Batista Júnior é ponto positivo da iniciativa, e será ascendente, do nível local ao federal, e integrado entre os entes federativos, com a participação dos conselhos de saúde, responsáveis por avaliar as ne-cessidades das políticas de saúde e a disponibilidade de recursos financeiros.

O decreto retoma a proposta de regionalização — prevista na Lei 8080, mas até agora muito frágil na prática — por meio da instituição das Regiões de Saúde (ver sobre o livro Regionalização e relações federativas na política de saúde do Brasil, na pág. 22). São agrupamentos de municípios limítrofes, definidos a par-tir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compar-tilhados, para integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde, como explica o texto.

Esse mecanismo traz para a contem-poraneidade a prática da regionalização, do comando único e responsabilidade compartilhada, avalia Lígia. Ela considera a Região de Saúde — que pode ser interes-tadual, por ato conjunto dos respectivos estados em articulação com os municípios, ou mesmo situada em áreas de fronteira com outros países, respeitando as normas que regem as relações internacionais — a principal marca da regulamentação da Lei 8080, por permitir avançar na reor-ganização de redes de saúde adequadas e suficientes, tendo como referência as realidades da federação brasileira.

A Região de Saúde está associada ao conceito de que as portas de entrada do sistema são Atenção Primária, Atenção da Urgência e Emergência, Saúde Mental e serviços especializados específicos, como Saúde do Trabalhador, dentro de uma rede de saúde regionalizada e hie-rarquizada. “O percurso que o cidadão normalmente faz de um município para outro, muitas vezes distantes, será feito dentro de uma rede interfederativa de saúde, que envolve União, estados e municípios”, explica Odorico.

Uma região deverá ter, no mínimo, ações e serviços de atenção primária, urgência e emergência, atenção psicosso-cial, atenção ambulatorial especializada

e hospitalar e vigilância em saúde. Já es-tão identificadas pelo Ministério da Saúde 419 regiões, que deverão ter condições para realizar de consultas de rotina a tratamentos complexos. Caso não haja capacidade física instalada em determi-nada região para a execução de ação ou serviço, os gestores de saúde deverão firmar parceria com outras localidades, a fim de atender a demanda.

AçõES, SERvIçOS E MEDICAMENTOS

O decreto trata também da Re-lação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (Renases) e a da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). A primeira tem como objetivo reunir as ações e serviços que o SUS oferece ao usuário para integralidade da assistên-cia à saúde, de acordo com as regiões. Caberá ao Ministério da Saúde dispô-las aos usuários, observadas as diretrizes pactuadas pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT). É nas Comissões Inter-gestoras que União, estados, Distrito Federal e municípios pactuarão res-ponsabilidades em relação às ações e serviços da Renases. “A relação ficará sempre disponível na página eletrônica do Ministério da Saúde e das secretarias de Saúde”, informa Odorico.

A Rename, por sua vez, compre-ende seleção e padronização de todos os medicamentos disponibilizados pelo SUS. Será acompanhada do Formulário Terapêutico Nacional que subsidiará a prescrição, dispensação e uso dos fármacos. Caberá também ao Minis-tério da Saúde dispor a relação de medicamentos da Rename aos usuários do SUS, bem como os protocolos clíni-cos e diretrizes terapêuticas. As duas relações serão atualizadas a cada dois anos pelo ministério.

Ligia: compromisso público não se consegue só por decreto ou incentivo monetário

Odorico: Mapa da Saúde possibilitará contratos com metas claras de acesso

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Batista Júnior: Conselho Nacional de Saúdevira mero coadjuvante, perde a força

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REDE DE ESCOLAS E CENTROS FORMADORES EM SAÚDE PÚBLICA

Katia Machado

As instituições de ensino voltadas à formação em Saúde têm papel estratégico na consolidação do SUS. Organizadas em rede, elas

podem atuar de forma articulada, na troca de experiências e produção acadêmica. Consolidada há cerca de dez anos, a Rede de Escolas e Centros Formadores em Saú-de Pública/Coletiva, realizou seu oitavo encontro, entre 24 e 27 de maio, na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), para discutir como levar à frente a articulação de dois processos importantes, rumo ao fortalecimento das 40 instituições que dela fazem parte: a gestão institucional e a acreditação pe-dagógica, esta relacionada ao processo de regulação da qualidade dos cursos.

“Os temas da gestão e da acredita-ção têm como finalidade ampliar a visibili-dade das escolas e centros formadores no sistema de formação em Saúde Pública do Brasil, dando-lhes condições para melhor atuação”, explicou a coordenadora da rede, Tânia Celeste Matos Nunes, pes-quisadora da Ensp, uma das instituições integrantes da rede, destacando a “capa-cidade de renovação que o espaço escolar agrega ao sistema de Saúde. “Todos as secretarias do Ministério da Saúde presen-tes ao encontro ressaltaram a importância das instituições de ensino para as políticas de saúde, seu caráter estratégico e essa capacidade de renovação”, constatou, referindo-se às secretarias de Atenção à Saúde (SAS), Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde (SEGTS), Vigilância em Saúde (SVS) e Gestão Estratégica e Participativa (Segep), que apresentaram, no evento, suas expectativas em relação às possibilidades de colaboração das institui-ções de formação com as políticas públicas.

“A formação para o SUS não é obra de uma instituição só, mas de um coleti-vo, interagindo e trocando. A identidade de cada um passa a ser marcada pela identidade do outro”, definiu o diretor da Ensp, Antonio Ivo, na abertura do

encontro, referindo-se ao conjunto de escolas que compõem a rede.

O próprio processo de constituição da Rede de Escolas e Centros Formadores em Saúde Pública/Coletiva, que saltou de 18 escolas, em 2007, para as 40 registradas em 2011, dá uma dimensão do trabalho já realizado e por realizar. “A rede é muito diversa, composta por escolas de saúde pública estaduais, municipais e federais, universidades e centros formadores das secretarias estaduais e municipais e insti-tuições de ciência e tecnologia”, explicou Tânia Celeste, na mesa de debates Quem somos e de onde viemos: o processo de organização da rede.

PERCURSO

Tânia ressalta como o crescimento da rede se deu permeado pela expansão e politização da formação de sanitaristas, nas décadas de 1970, 80 e 90. Ela destaca a importância da criação da SGTES, em 2003, para o fortalecimento do campo do trabalho e da educação na Saúde, e o apoio da secretaria à realização da Pes-quisa Nacional de Escolas de Saúde Pública (2007 e 2008), sobre o perfil das institui-ções que oferecem cursos para os sistemas municipais e estaduais (Radis 84).

Ao recuperar o percurso de ins-titucionalização da rede, pautada na literatura do médico sanitarista argentino Mario Rovere, especialista em redes de saúde, Tânia Celeste resgatou suas bases conceituais de atuação. “A noção de rede pressupõe diferentes percepções sobre um fenômeno, permite a democratização do saber, articula heterogeneidades orga-nizadas, com democracia, participação e compromisso com o SUS”, definiu.

Essas noções são compartilhadas pe-los integrantes da rede, como o ex-diretor da Escola de Saúde Pública do Ceará e atu-al secretário adjunto de Saúde do estado, Haroldo Pontes. Ele chama atenção para o papel que as instituições formadoras passaram a ter com a construção do SUS. “Não podemos perder de vista que a formação para o SUS é nossa responsabili-dade”. Pontes lembrou do sexto encontro, realizado em 2009, quando criou-se o Grupo de Condução da Rede, formado por dez dirigentes representativos das regiões e instituições formadoras do país, respon-sável pelo monitoramento das propostas que saem dos encontros e por conduzir a pauta acordada pelo coletivo.

O evento foi considerado um marco na constituição da rede. “O grupo de condução é formado por pessoas, não por

foco na gestão escolar e na acreditação pedagógica

Tânia: diferentes percepções, articulação deheterogeneidades e democratização do saber

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Antonio Ivo: formação para o SUS é obrade um coletivo, interagindo e trocando

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problemas apontados pela Pesquisa Nacio-nal de Escolas de Saúde Pública — entre eles, falta de mecanismos modernos de gestão, infraestrutura precária, baixa in-terlocução com as instâncias do SUS e com parceiros, falta de visibilidade das escolas e de suas ações e inadequada capacitação dos docentes em práticas pedagógicas, como citou Tânia. “Os problemas não são exclusivos da rede. São recorrentes em outras instâncias de formação”, observou.

OfICINAS

Sob o formato de oficinas, que in-corporam de forma articulada elementos da gestão e da comunicação, o projeto destina-se a 30 dirigentes e 30 profissio-nais ligados à área de comunicação das escolas, e terá duração de sete meses — três períodos presenciais, de uma semana cada, e dois períodos de conexão, com os participantes de volta a seus locais de tra-balho. Iniciadas em agosto, essas oficinas terminam em março de 2012.

“O projeto de acreditação peda-gógica retoma uma discussão realizada

instituições, e sem cadeiras cativas. Há uma preocupação de formação sistemá-tica desse grupo para que se fortaleça a rede para um só sentido”, explica.

GESTãO E COMUNICAçãO

Do sétimo encontro, em 2010, Pontes destacou recomendações como a de se construir uma agenda de trabalho, fomentar um quadro mínimo de profissio-nais, contribuir para a formação de uma escola de Saúde Pública em cada estado, promover o diálogo entre escolas técnicas do SUS e pleitear representação da Rede nas instâncias de controle social. “rede é lugar de dar as mãos”, resumiu, lembran-do que não há escola de Saúde Pública na Região Norte, que a Rede de Escolas Técnicas do SUS — localizada na SGTES — é muito frágil e que é preciso aprofundar o conceito de rede e interconexão entre elas para o fortalecimento do sistema.

Está em andamento o Projeto de Desenvolvimento Institucional das Esco-las, com foco nas áreas de Comunicação e Gestão Escolar, formulado a partir dos

pela Ensp, por ocasião de um projeto de cooperação com escolas de Saúde Pública, quando se realizou com os estados um trabalho de reflexão e de construção de parâmetros próprios para a avaliação de cursos”, informou o professor da Ensp Iná-cio Jardim Motta, um dos dez integrantes do Grupo de Condução da Rede. “Esse debate resultou em um modelo, que será revisitado, com vistas ao seu aperfeiçoa-mento e atualização”, acrescentou Tânia.

Motta destacou a ausência de um sistema de credenciamento, monitora-mento e avaliação para a formação lato sensu, a forte demanda por programas de qualificação a partir dos processos de implantação do SUS e as mudanças nas práticas de saúde que conduzem a novas articulações do conhecimento — de inter e transdisciplinaridade.

Segundo o professor, um projeto de acreditação deve pautar-se pela formu-lação coletiva de padrões de qualidade, manutenção das relações em rede, capa-cidade de revelar nós críticos da formação e de criar estratégias coletivas de supe-ração e socialização de boas práticas.

“A cultura institucional da educa-ção superior brasileira promove

exclusão socialmente determinada, fomenta segregação meritocrática e facilita evasão e fracasso”. Esse qua-dro, traçado pelo professor Naomar de Almeida Filho, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/Ufba), membro do Conselho Superior da Capes, tem origens históri-cas, apontadas por ele na conferência de abertura do 8º Encontro da Rede de Escolas e Centros Formadores em Saúde Pública/Coletiva. E seus “efeitos perversos” manifestam-se “de modo extremo no sistema de formação tecnoló-gica e profissional em saúde”, completou.

Naomar traçou uma linha do tempo na qual apresentou as reformas pelas quais passaram as instituições de ensino superior no mundo, desde o século 11, quando foi reconhecida a primeira delas, a Universidade de Bolonha, então submetida ao poder re-ligioso. Essa submissão se prolongaria pelos séculos seguintes, até a Reforma Protestante e a crise da instituição universitária, que abriu espaço para as ideias do médico francês Pierre-Jean-Georges Cabanis (1757-1808).

A Reforma Cabanis propôs um fortalecimento da universidade con-ferindo-lhe cunho vocacional, isto é, voltando a instituição à formação téc-nica e profissional, fazendo a apologia

da disciplinaridade e fragmentando a formação. Esse caminho, analisou Nao-mar, teria feito da universidade apenas uma reunião de instituições atomiza-das, as faculdades, e conferido uma autonomia aos cursos de Medicina, em relação às instituições às quais per-tenciam. Esse modelo pauta o Brasil, ainda hoje. “O diploma universitário é uma habilitação profissional, não um título”, observou Naomar.

Ele citou, ainda, o alemão Wilhem Von Humboldt (1767-1835), que passa-ria a conferir à universidade o perfil de geradora de conhecimento — “até en-tão, a universidade só gerava doutrina”, apontou —, e destacou o educador ame-ricano Abraham Flexner (1866-1959) que levou à frente a proposta de Hum-boldt, promoveu a integração da escola médica na universidade e definiu que os estudantes de medicina deveriam ter o primeiro ciclo de formação nas ciências humanas. “A introdução do regime de ciclos educacionais no Brasil na década de 60 está inspirada nos pensamentos de Humboldt (1810) e Flexner (1910)”, lembrou o professor, para quem o não avanço desse modelo está relacionado ao contexto das reformas instituídas pelo regime militar. “Basicamente o modelo brasileiro de formação, dese-nhado a partir de 1968, caracterizou-se pela gestão mista, com incorporações distorcidas dos sistemas alemão, fran-cês e americano”, destacou.

Naomar fez um contraponto entre o que apontam as Diretrizes Curricula-res Nacionais do Ministério da Educação para a formação médica e o perfil dos egressos do ensino superior em Saúde no Brasil, dando uma medida do tra-balho que ainda precisa ser realizado pelas instituições. As diretrizes falam de articulação da educação superior com o sistema de saúde, ênfase em promoção da saúde e princípios e diretrizes do SUS e em atuar com qua-lidade e resolutividade no SUS. Citando estudo de 2009 da pesquisadora Chirlei Ferreira, da Universidade Federal de Minas Gerais, Naomar apontou que os egressos dos cursos apresentam pouco conhecimento e nenhum compromisso com o SUS, pouco envolvimento com aspectos da gestão da saúde, pouca compreensão do trabalho em equipe multiprofissional, fraca formação hu-manística, despreparo para cuidar das patologias prevalentes no país, baixo compromisso com aspectos políticos e sociais da saúde e fraco conhecimento das condições de vida das comunidades.

Para o professor, no entanto, as escolas e centros formadores podem formular novos modelos de formação para o país, “criando a oportunidade de problematização da cultura vigente e ampliando os espaços para recriação de modelos de reflexão e prática, arejados e articulados aos princípios do SUS e à realidade de cada instituição”.

Um modelo misto e distorcido de formação

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EvENTO

12º congResso paUlista de saúde pública

Sob o tema Saúde e direitos: escolhas para fazer o SUS, a Associação Pau-

lista de Saúde Pública (APSP) promove seu 12º Congresso Paulista de Saúde Pública. O evento pauta-se em três ei-xos: Defesa do SUS e Seguridade Social no Brasil como direito de cidadania; Gestão técnica e política do SUS; e Inovações na produção do cuidado, das práticas e do conhecimento. O encontro, destinado aos gestores, pesquisadores, profissionais e usuários dos serviços de saúde, bem como alunos de graduação e pós-graduação da área, está dividido em conferências, painéis, discussões temáticas e mesas de debates.Data 22 a 26 de outubroLocal Centro de Formação dos Profis-sionais da Educação, São Bernardo do Campo, SPMais informaçõesTel. Fax (11) 3032.6209 E-mail [email protected] www.congressoapsp.com.br

10º encontRo nacional de economia da saúde

Promovido pela Associação Brasileira de Economia da Saúde, o evento

tem como tema geral Desenvolvimento, Economia e Saúde e pauta-se em cinco eixos temáticos: Financiamento dos sistemas de saúde; Regulação do setor

Serviço

endeReços

Editora Contra CapaTel. (21) 9764-0533E-mail [email protected] www.contracapa.com.br

Editora UfJfTel. (32) 3229-7646E-mail [email protected] virtual www.lojaeditora.com.br/loja

saúde; Inovação e avaliação tecnoló-gica; Economia da saúde na gestão da saúde; e Economia política da saúde. Data 26 a 28 de outubroLocal Porto Alegre, RSMais informaçõesTel. (51) 3308-3507 / 3308-4050E-mail [email protected] www.abresbrasil.org.br

PUBLICAçõES

Regionalização da saúde

Regionalização e re-lações federativas na política de saúde do Brasil (Editora Contra Capa), or-ganizado pelas pes-quisadoras Luciana Dias de Lima, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), e Ana Luiza d’Ávila Viana, da Faculdade de Medicina da USP, é fruto de ampla pesquisa sobre os condicionantes da regionalização da saúde nos estados brasileiros entre 2007 e 2010. Ao reunir os resultados da pesquisa, o livro busca responder se é possível a identificação de está-gios diferenciados da regionalização da saúde; se existem características comuns entre estados que apresentam estágios avançados de regionalização; que razões explicam as dificulda-des encontradas; qual o papel das instâncias federativas do SUS para a regionalização da saúde; e de que modo a regionalização altera o funcionamento dessas instâncias. As análises sugerem dilemas e desafios para as políticas de saúde em sua interface com a região, o federalis-mo e o modelo de desenvolvimento socioeconômico do Brasil. O livro está à venda na Livraria da Abrasco.

escola e cidadania

Falatório: participa-ção e democracia na escola (Editora Con-tra Capa), coordena-do pela professora Lúcia Rabello de Castro, do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-

Graduação em Psicologia da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro, trata da participação de crianças e jovens na escola, sem a preocupação de delimitar fronteiras disciplinares, a partir de pes-quisa coletiva desenvolvida entre 2006 e 2009. A obra toma como base pesquisa com cerca de 2.600 crianças e jovens, entre oito e 21 anos, 180 adultos edu-cadores e 96 escolas do município do Rio de Janeiro, ressaltando o amplo aprendizado social e político que deriva da participação desses grupos na vida da escola. O livro tematiza a crise da autoridade e o exercício problemático da liberdade individual em um mundo em que se confrontam, cada vez mais, diferenças entre o valor da educação formal e informal.

saúde bUcal

O cuidado com a saúde bucal do ado-lescente — orienta-ções para os profis-sionais de Saúde, de Natália Raposo Braga e Isabel Cris-tina Gonçalves Lei-te (Editora UFJF), oferece uma síntese do tema saúde bucal na adolescên-cia. O livro ressalta a importância da inclusão dos adolescentes na atenção à saúde bucal do Programa Saúde da Família (PSF), visando à promoção da saúde e à prevenção das doenças bucais. A publicação resulta das observações colhidas da prática, em serviço, e destina-se, especialmente, aos profissionais de saúde envolvidos com o PSF. Pode, ainda, servir de referência para os profissionais de ensino que lidam com os jovens.

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Pós-tudo

Carta de BrasíliaO

s secretários municipais de Saúde, reunidos no 27º Con-gresso Nacional de Secreta-rias Municipais de Saúde e 8º

Congresso Brasileiro de Cultura de Paz e Não Violência, no período de 08 a 12 de Julho de 2011, na cidade de Brasília, Distrito Federal, reiteram o compromisso com a saúde de todos os brasileiros e com a consolidação e defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). Propõem, então, a construção de uma agenda política para dialogar com a sociedade, que explicite a defesa da saúde pública, universal, integral e equânime, com as seguintes deliberações que nortearão a atuação do Conasems, Cosems e das Secretarias Municipais de Saúde do Brasil:

1 – Ampliar a democratização da comu-nicação e informação no SUS, participan-do do processo de valorização social e política do sistema com sua inclusão na agenda de desenvolvimento econômico e social do Brasil;

2 – Lutar pela aprovação imediata da regu-lamentação da Emenda Constitucional 29, mobilizando a população e os parlamenta-res para a votação no Congresso Nacional;

3 – Pactuar mecanismos para cumprimento das regras de partilha de recursos explici-tadas na lei 8080, art.35;

4 – Defender uma reforma tributária que busque a justiça fiscal, com tributos progressivos;

5 – Lutar pelo aumento dos recursos financeiros referentes aos pisos, tetos e incentivos pactuados em âmbito nacio-nal em todos os programas, bem como pelo co-financiamento por parte dos Estados no custeio de ações e serviços municipais de saúde;

6 – Fortalecer o processo de consolidação do SUS, institucionalizado pelo decreto 7508, que instrumentaliza o Pacto pela Saúde na consolidação das relações fede-rativas, financiamento tripartite e solidário na execução das políticas de saúde.

7 – Avançar na consolidação de um modelo de atenção organizado a partir da atenção básica que supere a fragmentação das ações e serviços, apontando na construção da Rede de Atenção a Saúde, articulada do ponto de vista regional e com as linhas de cuidado prioritárias;

8 – Pactuar estratégias para o forta-lecimento da atenção básica no curto, médio e longo prazo, capazes de superar

o subfinanciamento, a dificuldade de fixação de médicos e a fragmentação das ações e serviços de saúde e que contribuam para o reconhecimento e a valorização da Unidade Básica de Saúde como porta de entrada preferencial e espaço de produção de saúde e qualidade de vida. Entre as estratégias prioritárias, apontamos:

a. Aumentar o co-financiamento federal e estadual, visto que os municípios estão no limite de suas possibilidades.

b. Destinar recursos federais e estaduais para construção, reforma e ampliação das unidades básicas de saúde e também para aquisição de mobiliários e equipamentos.

c. Considerar para as equipes de atenção básica, as diversas composições de carga horária para médicos possíveis na situação atual do mercado de trabalho;

d. Definir estratégias para aumentar o número de profissionais e as vagas de Residência de Saúde da Família e Comuni-dade e incorporar processos de educação permanente que qualifiquem as equipes para acolhimento, interdisciplinariedade, o vínculo e a responsabilização das equipes pelo cuidado dos usuários, desenvolvendo ações de promoção da saúde, prevenção, e recuperação da saúde, com apoio matricial da vigilância à saúde, da saúde mental, entre outros.

e. Viabilizar Sistema de Informação com implantação do Cartão Nacional de Saúde

9 – Viabilizar estratégias de fortalecimen-to dos Cosems para atuação nos espaços da comissão Intergestores bipartite e para or-ganização da atuação no espaço regional;

10 – Mobilizar para maior protagonismo do gestor municipal nas Comissões Interges-tores Regionais (CIRs) e pactuar diretrizes e estratégias que viabilizem o apoio dos Cosems aos gestores municipais como ação fundamental ao fortalecimento da governança regional;

11 – Viabilizar formação de profissionais em gestão de projetos de investimentos, visando contribuir para processos de organização de incorporação de tecno-logias para a expansão e readequação da rede SUS;

12 – Reiterar a Carta Compromisso entre Gestores e Usuários em Defesa do SUS para a garantia do direito à Saúde com acesso digno, reafirmando o compromis-so com a realização de medidas efetivas que explicitem a defesa da saúde públi-

ca, universal, integral e equânime, e as deliberações que nortearão essa atuação conjunta contidas na carta;

13 – Lutar pela garantia de financiamento tripartite para a implementação de uma política de contratação de profissionais de saúde com vínculos de trabalho que garantam os direitos trabalhistas, com a instituição de planos de cargos, carreiras e salários (PCCS) que valorizem o trabalho e o trabalhador de saúde, respeitando a autonomia da gestão municipal;

14 – Ampliar e fortalecer o Pró-Saúde e as residências médicas e multiprofis-sionais como estratégias de mudança na formação dos profissionais de saúde, especialmente em relação à formação médica, que atenda às necessidades de saúde da população e, sobretudo, que contribua com provimento e fixação desses profissionais;

15 – Lutar para que os profissionais de saúde formados nas universidades públicas e egressos do Fies desenvolvam serviço civil na rede do SUS em conjunto com outras estratégias que contribuam com a fixação do profissional de saúde nas áreas de necessidade;

16 – Implementar a política nacional de promoção da saúde e equidade, fortale-cendo as ações intersetoriais, que atuem nos determinantes sociais da saúde, promovendo a melhoria da qualidade;

17 – Reafirmar a direção única sobre prestadores em cada esfera de governo como um princípio inegociável no SUS e pré-condição para a governança regional;

18 – Priorizar estratégias de enfrenta-mento do problema do alcoolismo, da drogadição como crack, oxi e outras drogas com a necessária ênfase na ação intersetorial;

19 – Enfrentar a epidemia da violência como problema de saúde pública na agenda das secretarias municipais de Saúde, por meio de estratégias interse-toriais delineadas conforme os princípios da cultura da paz;

20 – Pactuar uma política de finan-ciamento equitativo que assegure o desenvolvimento de ações e serviços de saúde com base nas especificidades regionais, contribuindo com a redução das iniquidades no país.

E viva o SUS!Brasília, 12 de julho de 2011.

D.M.

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