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  • 7/26/2019 Neonazistas Isto

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    Os nazistas brasileiros

    Um duplo homicdio revela a existncia de novosseguidores de Hitler no Pas, com plano poltico,armas e conexes no ExteriorSuzane G. Frutuoso, de Curitiba, e Joo Loes

    HOMENAGEM Uma festa em comemorao aos 120 anos de Hitler. Acima, Barollo preso

    Neuland uma "nova terra", onde no falta emprego aos cidados e o salrio mnimo de 840 euros (R$ 2,4 mil). Nesta Repblica Federativa, o hino nacional o ltimomovimento da Nona Sinfonia de Beethoven e a capital foi batizada de Magno - paraafirmar sua grandiosidade. H trs prdios interligados, com 200 mil metros quadradose 160 andares cada um. Neuland poderia ser o pas fictcio de uma narrativa fantasiosa.Mas a mente de quem criou esta nao-babel, com 20 idiomas oficiais, a mesma queest sendo acusada de planejar a morte de um rival, motivada por uma ideologia que jfoi usada para justificar o assassinato de milhes de pessoas no sculo passado e semostra viva no Brasil de 2009: o nazismo.

    O paulista Ricardo Barollo, 34 anos, coordenador de projetos especiais da empreiteiraCamargo Corra, foi apontado como mandante do crime que tirou a vida do estudantede arquitetura mineiro Bernardo Dayrell, 24, e sua namorada, a estudante RenataWaechter, 21, na madrugada de 21 de abril em Campina Grande do Sul, no Paran,devido a uma disputa de poder. O crime descortinou uma rede organizada de nazistas noPas, com ramificaes em vrios Estados e conexes com outros pases.

    Barollo e Dayrell eram lderes dos dois maiores movimentos nacionais. Defendiam quea raa branca estava em extino e, por isso, a miscigenao deveria ter fim. A Neuland

    seria o pas de extrema direita pautado na mesma ideologia que o ditador Adolf Hitler

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    implantou na Alemanha a partir de 1934. Primeiro, o grupo tomaria So Paulo e osEstados do sul do Pas. Depois, conquistaria o territrio de 22 pases da Europa.

    Essa histria veio tona em 1 de maio, quando Barollo foi preso no bairro de Moema,em So Paulo, no apartamento de alto luxo em que morava com os pais - outros cinco

    acusados de participar do crime tambm foram detidos no Paran. A partir da, a polciacomeou a ter acesso ao universo neonazista do qual faz parte o grupo. A rede comramificaes no Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Pas formada, em sua maioria, por

    jovens de classe mdia ou alta, com boa formao intelectual. A exigncia to grandeque, para ser admitido na faco, o candidato precisa passar por uma rigorosa prova.

    A avaliao realizada pelo computador, em um documento enviado por e-mail comuma senha de acesso e 30 perguntas dissertativas como "Os fins justificam os meios?","Quem era Adolf Hitler?" e "Quais e como eram os principais governos da Europa nadcada de 40?". Quem responde de acordo com o que os fatos histricos comprovam

    reprovado. Passa aquele cujas respostas so inspiradas no revisionismo, teoria que, entreoutras coisas, nega o Holocausto. Os aprovados so "batizados" num lugar confirmado

    poucas horas antes do evento - apenas a cidade onde acontece a reunio divulgadacom antecedncia. Segurando tochas de fogo, prometem honrar a imagem do Fhrer e onacional socialismo.

    DIVULGAO Capa de uma revista online mensal criada por Dayrell que prega o nazismo

    Tamanha devoo contida em aes discretas, como uma sociedade secreta. Omovimento no tem sede, pgina na internet, nem nada que o identifique perante asociedade. Os integrantes preferem se comunicar por e-mail ou mensagens instantneas.Telefonemas, s em casos excepcionais. Encontros, quando inevitveis, acontecemsempre em lugares diferentes, para no levantar suspeitas. No h amadorismo. Osgrupos so divididos em clulas.

    A da propaganda serve para divulgar a ideologia por meio de revistas e cartazes. Na

    poltica, o foco a formao de futuros partidos e a conquista de novos membros. J a

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    paramilitar o setor armado, que dizem ser para defesa (no h indcios de queparticipem de algum tipo de treinamento). Mulheres no podem participar.

    Mas permitido que elas frequentem as festas, onde a bebida controlada e as drogasso proibidas. Negros tambm podem ingressar no movimento, mas precisam ser

    "puros", sem mistura de raas. E jamais chegariam a lderes.

    O detalhado plano da Neuland foi apresentado por Barollo aos seus seguidores emsetembro de 2008. Primeiro, o grupo elegeria vereadores e o prefeito no BalnerioPiarras, em Santa Catarina. Em alguns anos, fortalecido, tomaria os Estados do Sul eSo Paulo, num movimento separatista que criaria o novo pas.

    As fronteiras, porm, seriam fechadas a imigrantes. Barollo confirmou essasinformaes polcia no dia da priso, quando vestia uma camisa da seleo de futebolalem. O que no contou que o objetivo do grupo era bem mais ousado. Neuland, uma

    "terra prometida" fundamentada em "unio, justia e liberdade", ocuparia pases quefazem parte da Unio Europeia, como Alemanha, Dinamarca, Espanha, Itlia, Polnia,Sucia, entre outros.

    Est tudo documentado como um plano de governo em pastas s quais ISTO teveacesso. Barollo seria o presidente, com um salrio de 10.560 euros (R$ 30 mil).Superior aos R$ 8.348,95 que ele recebia na Camargo Corra. Seu aniversrio, 18 de

    julho, constaria como feriado nacional. Bandeiras, ministrios, empresas, cargos e leistambm j estavam definidos.

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    TESTEMUNHA Ex-membro do grupo de Barollo confirma luta pela pureza da raa branca

    Alm de Dayrell, a polcia j sabe que mais dois possveis lderes estavam marcadospara morrer por divergirem de Barollo: um na cidade gacha de Caxias do Sul e outrona capital paulista. O grupo detido tambm teria apoio de lideranas no Chile e na

    Inglaterra. Da Argentina, onde h uma rede neonazista com trs mil membros, vieram asarmas do crime. No Brasil, at onde se sabe, a maioria luta pela ideologia e defende aestratgia, no o uso de armas, para que com o tempo o neonazismo ganhe fora. Aviolncia seria o ltimo recurso, diferentemente dos skinheads, que tm como principalestmulo a agresso s minorias, como nordestinos e homossexuais.

    A reportagem de ISTO entrevistou trs jovens dos grupos neonazistas - dois detidos,acusados pelo assassinato de Dayrell, e um dissidente que ser testemunha de acusao.Todos na faixa dos 20 anos. Eles se mostraram arrependidos de entrar na faco, masconfirmaram suas crenas. "A extrema direita faz as coisas ficarem mais firmes",

    acredita Gustavo Wendler, 21 anos, um dos presos. Tambm ressaltaram que tinhamamigos negros, judeus e estrangeiros. At conheciam homossexuais. "S no permitoque eles invadam meu espao", disse Rodrigo Mota, 19 anos, outro detido.

    Alm de Wendler e Mota, foram presos Jairo Fischer, 21 anos, Rosana Almeida, 22, eJoo Guilherme Correa, 18. Segundo o delegado Francisco Caricati, do Centro deOperaes Policias Especiais (Cope), em Curitiba, eles apontaram Barollo como omandante. O advogado dele, Adriano Bretas, disse ISTO que seu cliente noconcederia entrevista, que nega todas as acusaes e s falar em juzo.

    Na noite do crime, o grupo de Dayrell organizou uma festa numa chcara em CampinaGrande para comemorar os 120 anos do nascimento de Hitler. Os acusados atraramDayrell e Renata, que saram de Minas para participar do evento, para uma emboscadana BR-116. Todos eram amigos, apesar de fazerem parte de faces rivais. "Eles vo a

    jri popular e podem pegar at 72 anos de priso por duplo homicdio qualificado,motivo torpe e apologia ao nazismo", afirma Caricati. Na casa dos envolvidos e de

    pessoas que participaram da festa, foi encontrado material referente ideologia deHitler, como bandeiras, cartazes, revistas, livros e broches.

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    As divergncias entre Barollo e Dayrell comearam em 2007, trs anos aps a formaodo grupo. O mineiro teria criado camisetas, bons e bandeiras com smbolos nazistas

    para vender. Barollo passou a acus-lo de capitalista, afirmando que o ideal do grupoera de uma raa pura e de igualdade social. Dayrell chamou o lder de controlador,rgido, excntrico, e tambm forjou uma votao autointitulando-se o novo comandantedo grupo em Minas Gerais e no Paran. Tempos depois, Dayrell convidou pessoas queno conseguiram entrar no grupo de Barollo, por causa da dificuldade da prova deadmisso, a seguir com ele. A faco de Barollo contabiliza 50 membros. A de Dayrell,300 pessoas.

    Os grupos revelados pelo crime no Paran no so os nicos do Brasil onde seencontram seguidores de Adolf Hitler. ISTO apurou que h pelo menos mais trsfaces neonazistas organizadas no Pas. Uma no Rio Grande do Sul, com 70 pessoas,outra tambm gacha, que existe apenas para importar armas, com 20 membros, e umaterceira em So Paulo, com cerca de 40. No h dados consolidados de quantos so os

    neonazistas no Brasil. Mas uma pesquisa da antroploga Adriana Dias, da UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp), d pistas. Para sua dissertao de mestrado elaestudou sites que pregavam o neonazismo em portugus, espanhol e ingls.

    Chegou a um total de 13 mil pginas em 2007. "Hoje, so 20 mil, quase o dobro", dizAdriana. A pesquisa revelou que ocorreram cerca de 150 mil acessos a esses endereosa partir do Brasil. Com a chegada da internet, buscar parceiros que se identificam com aideologia nazista ficou mais fcil. Entre 2006 e 2008 a Safernet, que combate os crimescibernticos, viu aumentar vertiginosamente o nmero de denncias de contedo dedio na web.

    "A maior parte estava na rede de relacionamentos Orkut, mas tambm havia fruns,sites e blogs", conta Thiago Tavares, presidente da Safernet. Ele conta que diminuramas denncias depois de uma grande operao para coibir essas pginas em 2008, mas aatividade online continua. "Os neonazistas so organizados e tm conhecimento tcnico

    para criar mecanismos que escondem a origem das conexes", conta.

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    Prova disso a revista online O Martelo, criada por Bernardo Dayrell para divulgar oneonazismo. Na edio de fevereiro de 2009, dez pginas da publicao so dedicadas aum guia de segurana na internet. O texto fala, basicamente, da importncia da rede

    para o movimento Nacional Socialista e explica, passo a passo, como navegar de formaannima (e assim acessar contedo proibido sem ser identificado).

    A internet tambm facilitou a criao de dissidncias dos grupos mais conhecidos, como

    o Front88 e o Valhalla88, por exemplo. Esses dissidentes se anunciam com nomespomposos e em sites elaborados, mas tm, em mdia, cinco ou seis membros. "Na rede,vemos grupos surgir e desaparecer rapidamente", conta Alexandre de Almeida,historiador e mestre em antropologia pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo(PUC), autor do estudo Skinheads: os mitos ordenados do Poder Branco paulista.

    Especialistas so unnimes: a represso o principal caminho para que

    movimentos neonazistas no se disseminem ainda mais- e ganhem poder como asfaces terroristas alcanaram em outros pases, tornando-se um risco para a seguranado Estado. H, porm, uma alternativa que depende exclusivamente da sociedade, que

    a educao para a tolerncia e a diversidade. "No se v isso nas escolas e poucos paisabordam o assunto", diz a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, professora daUniversidade de So Paulo, especialista em racismo e antissemitismo.

    desde cedo que se ensina respeito pelo outro, afirma o delegado chefe do Cope,Miguel Stadler, que destaca o desconhecimento dos pais dos envolvidos no caso doParan - nenhum deles sabia que os filhos tinham simpatia por Hitler. "A discussosobre preconceito urgente", afirma o delegado Caricati. "Quem imaginaria que,dcadas depois, uma ideologia baseada em barbrie seria responsvel por um crimedesses?" Ainda mais no Brasil, onde a miscigenao uma marca indelvel do Pas.

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