neodesenvolvimentismo e proteÇÃo social latino...
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NEODESENVOLVIMENTISMO E PROTEÇÃO SOCIAL LATINO AMERICANA:
NOTAS REFLEXIVAS
Heloísa Teles 1
Carlos Nelson dos Reis 2
Mari Aparecida Bortoli3
Resumo: A América Latina tem vivenciado mudanças significativas no que concerne aos
arranjos políticos, econômicos e sociais orquestrados na região. Para refletir a respeito do
atual contexto latino americano é míster observar as tendências que pautam o debate sobre o
desenvolvimento da região. Nessa perspectiva, detecta-se, o neodesenvolvimentismo
enquanto possibilidade de mediação entre o desenvolvimento econômico e social,
impulsionado pela crise estrutural do capital na década de 1970 e a necessidade de formulação
de estratégias para retomada dos padrões mínimos civilizatórios e garantia para a reprodução
do capital. Diante disso a proteção social ganha destaque enquanto mecanismo propulsor do
ideário que preconiza a conciliação entre desenvolvimento econômico e social.
.Palavras-chave: América Latina, neodesenvolvimentismo, proteção social.
1 INTRODUÇÃO
A atual conjuntura latino-americana se apresenta permeada por discussões que
remetem a reflexões vinculadas a processualidade histórica e correlação de forças
constituintes das particularidades políticas, econômicas e sociais que forjam o cenário da
região. A inserção da América Latina, seja como continente ou bloco econômico, no contexto
global dos diferentes países apresenta algumas especificidades que demandam uma análise
mais aprofundada, no intento de captar o movimento e tendências responsáveis por sua
conformação e desdobramentos no tempo presente.
Particularmente, tomando os aspectos econômicos, políticos e sociais latino-
americanos, torna-se possível apreender, ao longo da história, alterações significativas quanto
à conjectura de proposições e projetos que se propõe inquirir sobre as possibilidades para o
1Assistente Social. Doutoranda integrante do NEPES do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
PUCRS. Docente do Curso de Serviço Social da Universidade de Caxias do Sul. E-mail: [email protected]
2Economista e professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS. Integrante do
Núcleo de Pesquisa em Economia Social NEPES. E-mail: [email protected]
3Assistente Social. Bolsista PNPD/CAPES junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS.
Líder do GP Movimentos Sociais, Direitos e Políticas Sociais MOVIDOS/PUCRS. E-mail: [email protected]
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desenvolvimento social e o crescimento econômico, buscando, com isso, a diminuição dos
déficits e desigualdades, intrínsecos ao processo de desenvolvimento dessa região.
Nesse contexto, observa-se que o neodesenvolvimentismo tem se apresentado
enquanto estratégia para impulsionar o desenvolvimento social e o crescimento econômico da
região latino-americana, consubstanciado em prerrogativas que sustentam a mediação entre a
satisfação das necessidades e demandas da classe trabalhadora e a expansão e acumulação de
capital.
Em observância a literatura que tem realizado o debate sobre o tema, apreende-se uma
heterogeneidade teórica, incluindo o questionamento sobre a validade da discussão sobre a
existência do neodesenvolvimentismo e sua materialização no cenário latino-americano. Com
isso, os próximos itens objetivarão realizar uma aproximação preliminar com essas diferentes
concepções no intuito de destacar os principais significados e compreensões conferidos ao
neodesenvolvimentismo, no intento de apreender a proteção social inserida nesse contexto.
2 NEODESENVOLVIMENTISMO: DIVERGÊNCIAS CONCEITUAIS
O debate sobre a terminologia “neodesenvolvimentismo”, bem como seus objetivos,
implica na elaboração de diferentes interpretações pelos estudiosos que tem se debruçado
sobre o tema. Essa afirmativa fica evidenciada quando se observa na literatura um dissenso
teórico, abarcando concepções que divergem conceitualmente, pois enquanto alguns
estudiosos afirmam que se refere a uma complementariedade do neoliberalismo (CASTELO,
2012; GONÇALVES, 2012; SAMPAIO JR, 2012) outros entendem como alternativa ao
neoliberalismo (BRESSER-PEREIRA, 2004; CARVALHO, 1999; SICSÚ; PAULA E
MICHEL, 2005).
Partindo da etimologia do termo, verifica-se que o “neo” trata-se de uma atualização
de um conceito anterior, nesse caso o desenvolvimentismo. Contudo, investigando as origens
do termo é possível apreender que além de uma atualização, a conjectura do
neodesenvolvimentismo refere-se a uma adequação da antiga estratégia apropriada aos novos
tempos e a realidade atual.
Em observância a revisão de literatura4, percebe-se que o neodesenvolvimentismo
possui diferentes origens teórico-analíticas, destacando-se entre elas as ideias de Keynes e de
seus seguidores – Paul Davidson; Joseph Stiglitz (SICSÚ; PAULA; MICHEL, 2007), e as
4 A revisão aqui referida constitui-se na elaboração do Estado da Arte sobre o tema que teve enquanto fontes
básicas de referência o Banco de Teses da Capes; o Domínio Público e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações.
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produções cepalinas neoestruturalistas. Na literatura econômica brasileira, um dos principais
teóricos que debatem esse tema é o economista Bresser-Pereira (2006, 2007, 2009).
Apesar da existência de diferentes interpretações, apreende-se que a mais difundida é a
definição de um “terceiro discurso” – uma estratégia que revisita e adapta ao contexto atual o
antigo desenvolvimentismo latino americano, apresentando-se como alternativa ao
neoliberalismo.
Na concepção de seus formuladores, esse conceito configura-se como uma alternativa
aos modelos econômicos vigente e uma adequação ao desenvolvimentismo passado. Assim,
defende a premissa de que “as políticas macroeconômicas neoliberais são incompatíveis com
a soberania do Estado para implementar uma política econômica atendendo ao objetivo
nacional de retomada do desenvolvimento com estabilidade macroeconômica e com um
menor custo fiscal” (MORAIS; SAAD-FILHO, 2011, p. 520).
Essa perspectiva vem ganhando destaque nos discursos que pretendem a constituição
de uma nova estratégia para o desenvolvimento, pois “parte do pressuposto de que o
crescimento constitui a chave para o enfrentamento das desigualdades sociais” (SAMPAIO
JR, 2012, p. 679). Observa-se a ampliação de teóricos debatendo esse tema, sendo inclusive,
instigados pelos principais organismos internacionais como a ONU, CEPAL e BM.
Bresser-Pereira conceitua o neodesenvolvimentismo como “um conjunto de propostas
de reformas institucionais e de políticas econômicas, por meio das quais as nações de
desenvolvimento médio buscam, no início do século XXI, alcançar os países desenvolvidos”
(BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 12).
Para tanto, sustenta-se a partir de quatro principais teses, sendo elas:
(i) não haverá mercado forte sem um Estado forte; (ii) não haverá
crescimento sustentado a taxas elevadas sem o fortalecimento dessas duas
instituições (Estado e mercado) e sem a implementação de políticas
macroeconômicas adequadas; (iii) mercado e Estado fortes somente serão
construídos por uma estratégia nacional de desenvolvimento; e (iv) não é
possível atingir o objetivo da redução da desigualdade social sem
crescimento a taxas elevadas e continuadas (SICSÚ; PAULA; MICHEL,
2007, p. 509).
Partindo dessas teses, destaca-se a importância conferida ao Estado na efetividade do
desenvolvimento, indicando a necessidade da reformulação de suas funções enquanto
estratégia para o fortalecimento nos âmbitos político, regulatório, financeiro e administrativo.
A centralidade do Estado na condução das políticas que viabilizariam o desenvolvimento é
basilar da perspectiva defendida.
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Em contrapartida, há uma segunda interpretação do termo que o define enquanto uma
“versão do liberalismo enraizado [...], da mesma forma que o Consenso de Washington, o
Pós-Consenso de Washington e as formulações da Nova Cepal” (GONÇALVES, 2012, p.
639). Essa perspectiva advoga que o neodesenvolvimentismo toma para si a pretensão de
“recuperar as promessas civilizatórias não alcançadas pelo processo histórico de
modernização capitalista no Brasil [e América Latina] e que atualmente, segundo os teóricos
que trabalham nessa linha, voltam a figurar como horizonte histórico nacional”
(MARANHÃO, 2014, p. 303).
Ainda nessa linha de pensamento, pontuando uma leitura de corte mais político do que
econômico e focando na realidade brasileira, tem-se que o neodesenvolvimentismo trata-se de
uma nova tendência do pensamento econômico, mas que está “diretamente relacionada às
intrigas e conspirações palacianas entre as duas facções que disputam o controle da política
econômica brasileira: a monetarista [...] e a autoproclamada ‘desenvolvimentista’ [...]”
(SAMPAIO JR, 2012, pg. 678).
Os autores que sustentam essa defesa, afirmam que o neodesenvolvimentismo propõe,
em última análise, uma reversão neocolonial, pois desconsidera o progresso histórico,
aludindo a possibilidade de se realizar uma inversão “do significado do processo histórico em
curso que determina uma relação inescapável entre desenvolvimento capitalista e barbárie’
(SAMPAIO JR, 2012, p. 683).
Essa compreensão encontra-se alicerçada na crítica a corrente que entende o
neodesenvolvimentismo como possível caminho para a superação dos malogros produzidos
pelo capitalismo, numa lógica etapista da história. Sendo assim, a América Latina se
encontraria numa fase de imaturidade econômica, a qual deveria ser superada para, depois,
firmar as bases sólidas no sentido de superação do capitalismo.
a hipótese da imaturidade econômica é desmentida pela conjuntura atual, que
criou um grande dilema quanto a quem se beneficiará do crescimento em
curso. Os novo-desenvolvimentistas tentam canalizar essa melhoria em favor
dos industriais e os neoliberais tratam de preservar os privilégios dos bancos.
(KATZ, 2010, p. 62).
Soma-se a essa perspectiva a interpretação do lugar que as políticas sociais assumem
nesse contexto, pois diferente do que a primeira perspectiva defende, nesse recorte analítico as
“políticas [sociais e indutoras de desenvolvimento] possuem muito mais o caráter de
estratégias para minorar o impacto da crise, que provocar verdadeiramente uma mudança no
‘modelo de desenvolvimento social’” (BOSCHETTI, 2012, p. 37).
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Tendo como referência os posicionamentos anteriormente referidos, fica evidente a
crítica proferida pelos autores filiados a proposição do neodesenvolvimentismo e, com isso,
faz-se necessário explorar melhor esse debate, conforme pretende o próximo item,
explicitando as incidências produzidas junto a proteção social latino-americana.
3 A PROTEÇÃO SOCIAL LATINO-AMERICANA: APROXIMAÇÕES
Para empreender uma análise sobre o “novo” desenvolvimentismo relacionando com a
proteção social latino-americana, faz-se necessário reiterar a divergência conceitual
apreendida na literatura que debate o tema, considerando as contradições e confluências que
se encontram pautadas.
A linha analítica que objurga a proposição do neodesenvolvimentismo pauta-se pela
crítica a própria terminologia “desenvolvimento”, pois retomando as origens conceituais do
termo, fundamentadas pela Teoria Cepalina, assinala o substrato ideológico contido na
mesma, uma vez que “assevera que o desenvolvimento econômico representa um continuum
no qual o subdesenvolvimento constitui uma etapa anterior ao desenvolvimento pleno”
(MARINI, 2010, p. 105).
Um segundo aspecto importante para essa análise reside na proposição de que o
desenvolvimento econômico implica, necessariamente, na modernização das condições
econômicas, sociais, institucionais e ideológicas dos países. Essa ideia reitera a compreensão
sobre a existência de um período de transição o qual os países periféricos teriam que vivenciar
até conseguir atingir as mesmas condições dos países capitalistas centrais, incluindo os
padrões de proteção social. “O processo de modernização, além de trazer consigo a
possibilidade de tensões e crises, iria se manifestar durante certo tempo mediante uma
situação de dualidade estrutural que oporia um setor moderno ao setor tradicional da
sociedade em questão” (MARINI, 2010, p. 105).
Além disso, encontra-se inscrito na teoria do desenvolvimento, a sistematização de um
plano metodológico, capaz de traçar etapas ou níveis de desenvolvimento, oscilando entre o
subdesenvolvimento e desenvolvimento e pautado por critérios quantitativos. Na análise de
Marini (2010) apreende-se que o resultado dessa metodologia é puramente pleonasmo, uma
vez que a interpretação se localiza centrada na análise da economia a partir de determinados
indicadores, que irão conferir a avaliação sobre o seu subdesenvolvimento, “girando em
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círculos, a análise aspira apenas a estabelecer correlações verificáveis que não esclarecem de
nenhuma maneira, por si só, as questões ligadas a causa e efeito” (MARINI, 2010, p. 106).
Considerando as tendências contidas na perspectiva neodesenvolvimentista, importa
refletir sobre a constituição da proteção social latino-americana, uma vez que se forja em um
cenário contraditório, permeado por conflitos no âmbito da defesa da universalização dos
direitos sociais e, de outro lado, a expansão do capitalismo e, consequente, elevação dos
níveis de desigualdade e empobrecimento. Esse quadro suscita a reflexão sobre as incidências
produzidas pelas diferentes forças e atores sociais que atuam no âmbito da sociedade, com
ênfase para o Estado e a instabilidade – estrutural – do capitalismo que condiciona o
direcionamento dos gastos públicos sociais e, consequentemente, da própria proteção social.
A lógica da sociedade do capital é antagônica à proteção social por
considerá-la expressão de dependência, e atribui às suas ações o contorno de
manifestação de tutela e assistencialismo, em contraponto a liberdade e
autonomia que, pelos valores da sociedade do capital, devem ser exercidas
pelo “indivíduo” estimulando sua competição e desafio empreendedor. Nesse
ambiente, a proteção social é estigmatizada no conjunto da ação estatal e, por
consequência, esse estigma se espraia àqueles que usam de suas atenções e,
até mesmo, a quem nela trabalha. (SPOSATI, 2013, p. 656).
Na história dos países latino americanos observa-se que a organização da proteção
social ocorreu, quase em sua totalidade, de forma focalizada e fragmentada, através da
composição de sistemas frágeis e baseados em modelos internacionais que, por vezes, não
davam conta de suprir as necessidades singulares de suas realidades, produzindo como
resultado a constituição de políticas sociais pulverizadas e com pouca eficácia social. Soma-se
a isso a histórica centralização das políticas de proteção social na esfera da produção e
reprodução da força de trabalho, via construção de estratégias reguladoras, capazes de
satisfazer os interesses da acumulação e garantir condições mínimas para a reprodução do
próprio trabalhador, como observado nos itens anteriores.
Essa tendência reitera a tradicional participação massiva do setor privado na
operacionalização da proteção social latino-americana, ficando evidenciada nas ações
particulares e formas específicas da materialização dos direitos sociais.
O lócus intermediário entre público e privado é de difícil caracterização
quanto a responsabilidade para com a atenção a ser prestada e, por
consequência, nele é difícil efetivar a obrigatoriedade da provisão de direitos.
Esse assentamento da proteção social em terreno movediço torna frágil a
efetivação do princípio da universalidade de atenção (SPOSATI, 2013, p.
658).
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Diante disso, considerando que a conformação dos sistemas de proteção social se forja
como “fruto da disputa e da capacidade de mobilização coletivas dos indivíduos nas formas
ampliadas ou reduzidas de relação com o Estado” (COUTO, 2010, p. 02), evidencia-se a
influência que a concepção de proteção social exerce no debate sobre as possibilidades de
implementação de modelos de desenvolvimento econômico na América Latina.
Faz-se imprescindível reconhecer a relação intrínseca estabelecida entre a concepção
de proteção social, materializada pelas políticas sociais, e a luta de classes, demarcando-a
como “fenômeno político corrente, em construção e disputa permanentes [e como] dimensão
constitutiva do Estado capitalista [...]” (PAIVA, CARRARO, ROCHA, 2011, p. 192).
Vinculado a esse prisma, cabe recobrar que na América Latina,
a expansão das garantias e direitos sociais somente, e em última instancia,
são reconhecidas pela intensa e demorada luta política dos trabalhadores, ou
seja, a concreta e mais abrangente intervenção estatal por meio de políticas
sociais se deu apenas quando se evidenciaram inevitáveis e imprescindíveis
(PAIVA, CARRARO, ROCHA, 2011, p. 201).
Diante disso, é possível evidenciar a tensão que permeia a discussão dessa temática e a
complexidade de elementos que conformam as diferentes elaborações teóricas. Soma-se a isso
o possível uso político feito a partir dessas concepções de desenvolvimento que, supostamente
podem indicar uma divergência de projetos societários envolvidos nesse debate. Na
continuidade dessas reflexões, o próximo item tem como objetivo apresentar algumas
reflexões sobre as políticas sociais inseridas no contexto neodesenvolvimentista.
4 POLÍTICAS SOCIAIS NEODESENVOLVIMENTISTAS: PROTEÇÃO SOCIAL OU
REPRODUÇÃO DO CAPITAL?
Considerando as particularidades presentes no processo de constituição da proteção
social latino-americana, torna-se necessário indagar sobre as possibilidades de formulação de
políticas sociais calcadas nos pressupostos neodesenvolvimentistas.
Refletir sobre crescimento econômico vinculado ao desenvolvimento social inserido
em um contexto capitalista não se constitui como tarefa simples, pois em meio a esse tema,
existem diferentes interesses e compreensões envolvidas, uma vez que pensar em
desenvolvimento é também pensar sobre qual direcionamento pretende-se dar para a
sociedade, incluindo nisso concepções de homem e de mundo, cidadania, políticas, culturais,
dentre outras.
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Retomando a intencionalidade atribuída por aqueles que defendem a perspectiva
neodesenvolvimentista, cabe indagar sobre as possibilidades de efetivação de políticas
indutoras do crescimento econômico, mediadas pelo Estado, em paralelo ao desenvolvimento
social em um cenário onde, historicamente, a proteção social assumiu o papel contraditório de
constituir condições mínimas para a reprodução da força de trabalho e, ao mesmo tempo,
garantir a reprodução da acumulação do capital.
Agrava ainda mais esse quadro, se considerada a frágil conformação da cidadania na
América Latina, tendo sido pautada, de forma geral, por valores vinculados ao
patrimonialismo, assistencialismo, clientelismo, responsáveis pelas dificuldades de efetivação
da concepção de direito social.
Em atenção as proposições do neodesenvolvimentismo, infere-se que, apesar de
pretender apresentar-se como nova estratégia para o desenvolvimento, via crescimento, não
apresenta estratégias factíveis para o enfrentamento das contradições constitutivas da América
Latina. Pelo contrário, os teóricos neodesenvolvimentistas retomando a análise sobre o atraso
latino-americano, acabam recuperando a “razão dualista”5, “com o objetivo de sustentar que
os problemas sociais, políticos e econômicos do Brasil estariam relacionados a uma estrutura
‘arcaica’ e ‘atrasada’ que ainda persiste, em contraste com um Brasil ‘moderno’ e
desenvolvido que precisa de incentivos para crescer” (MARANHÃO, 2014, p. 334).
Além disso, apesar de defender o fortalecimento do Estado (BRESSER-PEREIRA,
2006), as sistematizações não apresentam ponderações em relação a mundialização e
financeirização do capital e a incidência sobre a soberania estatal, principalmente nos países
periféricos e dependentes. Isso decorre na dificuldade de pensar a proteção social a partir das
necessidades mais particulares da região e países, uma vez que no contexto de globalização,
os organismos internacionais ganham ainda mais força no que se refere a formulação de
programas e políticas sociais para enfrentamento às expressões da questão social,
compensatórias, focalizadas e de alívio a miséria.
Outra questão crucial para análise refere-se a premissa de fortalecimento do Estado e
mercado, concomitantemente, enquanto estratégia para garantia do crescimento, uma vez que
a acumulação do capital é antagônica a proteção social. Dito em outras palavras, no modo de
5 Francisco de Oliveira em seu livro Crítica à razão dualista (1972) desenvolve uma reflexão no sentido de
criticar o binômio desenvolvimento/subdesenvolvimento e aponta-lo como base da ideologia desenvolvimentista.
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produção capitalista não é possível conciliar os interesses do capital com os da classe
trabalhadora, dado o fundamento que pauta essa relação: exploração e extração de mais valia.
Essa assertiva reitera a base estruturante do capitalismo: a desigualdade e a produção
da barbárie como resultado final de seu processo. Nesse contexto, depreende-se que o
neodesenvolvimentismo, enquanto estratégia de crescimento e desenvolvimento, aparece mais
como estratagema do capital para manutenção de sua hegemonia do que possibilidade para o
avanço civilizatório, expressando “um esforço coletivo das classes dominantes e do Estado
para renovarem as promessas de desenvolvimento econômico e social, reatualizando o
discurso desenvolvimentista, com o claro objetivo de recauchutar consensos políticos em
nome da continuidade da ordem capitalista na periferia do mundo” (MARANHÃO, 2014, p.
326).
Contudo, importa destacar que diante das reivindicações e tensionamentos produzidos
pela classe trabalhadora, via movimentos sociais distintos, a conjuntura atual radicaliza a
questão social em sua contraditória expressão: exploração e resistência. Esse cenário convoca
à reflexão crítica sobre as proposições e conjecturas que intencionam o desenvolvimento, pois
em tempos de crise estrutural do capital, é necessário que se esteja atento a disputa em torno
dos projetos societários que postulam galgar a hegemonia, evitando a incorporação de
discursos que advogam a ampliação de proteção social, mas que, na verdade, apenas reiteram
o padrão de exploração e desigualdade, inerentes ao capitalismo.
5 CONCLUSÃO
Partindo das ideias expostas ao longo do artigo, pode-se inferir que pensar o contexto
latino-americano é desafiador, dada a complexidade da estrutura social, cultural, política e
econômica dos países que conformam a região.
Nesse sentido, refletir sobre as possibilidades para o desenvolvimento social e
econômico da América Latina demanda posicionar a região no cenário global, inserida no
modo de produção capitalista e conformada por características peculiares, vinculadas a
processualidade histórica, política, econômica e social, uma vez que incidem diretamente na
formulação de proposições que intencionam o desenvolvimento dos países.
A crise estrutural do capital, manifesta a partir dos anos 1970, desencadearam na
região a adoção de diretrizes que objetivavam a retomada do crescimento econômico, mas que
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acabaram potencializando ainda mais o “impulso destruidor do capital” (MARANHÃO,
2014) e, consequentemente, agudizando as expressões da questão social.
Com isso, os primeiros anos do século XXI pautaram a radicalização da luta de
classes, evidenciando o esgotamento das políticas neoliberais e demandando a formulação de
novas estratégias que pudessem dirimir os conflitos sociais e retomar a acumulação do capital
em padrões civilizatórios mínimos.
Enquanto perspectivas de desenvolvimento, o neodesenvolvimentismo apresenta-se
como uma terceira via, tanto ao referencial neoliberal, vigente até então, quanto a perspectiva
socialista na região. Os formuladores o justificam enquanto “uma ruptura com o
neoliberalismo por meio de políticas de inserção soberana no mercado mundial, de inclusão
social e de crescimento econômico orientado pelo planejamento estatal” (CASTELO, 2012, p.
626). Essa linha argumenta ainda que o neodesenvolvimentismo seria capaz de promover a
inclusão da população historicamente excluída do acesso aos bens e políticas públicas,
resolvendo o problema secular da desigualdade social e econômica.
Contudo, a perspectiva que analisa de forma crítica o neodesenvolvimentismo, replica
que ele “reduz as lutas de classes ao controle das políticas externa, econômica e social para
operar uma transição lenta e gradual do neoliberalismo para uma quarta fase de
desenvolvimentismo” (CASTELO, 2012, p. 630). Além disso, critica a associação
compulsória entre o desenvolvimento e o crescimento, uma vez que “partem do suposto de
que o crescimento constitui a chave para o enfrentamento das desigualdades sociais”
(SAMPAIO JR, 2012, p. 679).
Em observância as diferentes perspectivas, é possível depreender que o
neodesenvolvimentismo, pregoando a conciliação entre capitalismo e desenvolvimento social,
nega a articulação histórica e inerente ao capitalismo latino americano, mantida entre a
dependência externa e a segregação social. Além disso, obscurece as contradições inerentes
ao modo de produção que se pauta pela produção coletiva da riqueza e apropriação individual,
inviabilizando a possibilidade de incidência sobre os padrões de desigualdade.
Em atenção à proteção social latino-americana, materializada por políticas sociais
focalizadas e compensatórias, infere-se que o neodesenvolvimentismo potencializa a
contradição inerente as políticas sociais, ou seja, ao mesmo tempo em que atende aos
interesses do capital, atende também às necessidades da classe trabalhadora.
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Todavia, são inegáveis os avanços relativos a redução da miséria e pobreza a partir da
adoção de políticas sociais neodesenvolvimentistas, conforme dados produzidos por
diferentes pesquisas6. É necessário reconhecer o impacto na vida material da população, uma
vez que o acesso a alimentação básica e demais direitos sociais têm sido ampliados. A título
de exemplo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicado (IPEA) apresenta dados da Pesquisa
Nacional de Amostra de Domicílios – PNAD 2011, que demostram que entre 2001 e 2011, a
pobreza e a extrema pobreza no Brasil mantiveram uma trajetória decrescente contínua, com
queda de 55%, independente da linha de pobreza e da medida utilizada.
No entanto, importa problematizar sobre esse cenário ascendente no campo da
proteção social, pois, contraditoriamente, se mantem a convivência com um profundo
processo de concentração e centralização da propriedade fundiária e de capitais nacionais e
internacionais, contribuído para a recomposição e aprofundamento da concentração da
propriedade e do poder de classe.
Com base na preliminariedade desta reflexão, aproxima-se, à guisa de conclusão, a
importância de aprofundar estudos sobre essa temática uma vez que se apresenta como
relevante devido a sua densidade e divergências, constituindo-se possibilidade para a
compreensão das discussões, intenções e tensionamentos envoltos ao tema, principalmente no
que concerne à reflexão sobre o desenho de proteção social assumido, ao longo da história,
pelos países latino americanos e as possibilidades inscritas para a consolidação da cidadania e
políticas sociais garantidoras de direitos sociais.
Por fim, salienta-se que essas hipóteses demandam a continuidade da investigação
sobre a origem e significados desses conceitos, uma vez que esse artigo se refere a uma
aproximação preliminar com o tema.
REFERÊNCIAS
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2011.
BOSCHETTI, Ivanete Salete. América Latina, política social e pobreza: “novo” modelo de
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6 Dentre elas destaca-se os estudos realizados pela ONU-PNUD; UNESCO; CEPAL; IPEA.
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