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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL JUARY CHAGAS NEM CLASSE TRABALHADORA, NEM SOCIALISMO: Uma reflexão marxista sobre o reformismo e a transformação do PT em instrumento de administração capitalista NATAL/RN 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

JUARY CHAGAS

NEM CLASSE TRABALHADORA, NEM SOCIALISMO:

Uma reflexão marxista sobre o reformismo e a transformação do PT em

instrumento de administração capitalista

NATAL/RN

2014

JUARY CHAGAS

NEM CLASSE TRABALHADORA, NEM SOCIALISMO:

Uma reflexão marxista sobre o reformismo e a transformação do PT em

instrumento de administração capitalista

Dissertação apresentada como parte dos requisitos exigidos para fins de obtenção do Título de Mestre em Serviço Social, no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação da Professora Doutora Silvana Mara de Morais dos Santos.

NATAL/RN

2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação da Publicação na Fonte UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

CHAGAS, Juary.

Nem classe trabalhadora, nem socialismo: uma reflexão marxista sobre o reformismo e a transformação do PT em instrumento de administração capitalista / Juary Chagas. – Natal, RN, 2014.

252 f. : il. Orientador(a): Profª. Drª. Silvana Mara de Morais dos Santos. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal

do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.

1. Partido dos Trabalhadores - Dissertação. 2. Marxismo -

Dissertação. 3. Reformismo - Dissertação. 4. Transformismo - Dissertação. 5. Revolução social - Dissertação. I. Santos, Silvana Mara de Morais dos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 323.272:141.82

NATAL/RN

2014

TERMO DE APROVAÇÃO

JUARY CHAGAS

NEM CLASSE TRABALHADORA, NEM SOCIALISMO:

Uma reflexão marxista sobre o reformismo e a transformação do PT em

instrumento de administração capitalista

Dissertação apresentada como parte dos requisitos exigidos para fins de obtenção do Título de Mestre em Serviço Social no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e aprovada com indicação para publicação pela seguinte banca examinadora:

______________________________________

Profª. Drª. Silvana Mara de Morais dos Santos

Orientadora – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, UFRN

______________________________________

Profª. Drª. Telma Gurgel da Silva

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, UFRN (Colaboradora)

______________________________________

Prof. Dr. Valério Arcary

Departamento de Turismo, IFSP (Membro externo)

______________________________________

Profª. Drª. Andréa Lima da Silva

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, UFRN (Membro suplente)

Natal/RN, 14 de março de 2014.

Para Fátima e Juarez, meus pais.

Pela sempre presença nas minhas muitas ausências.

Para Fátima Rocha e Rita Souza.

Pela amizade que nunca pede nada em troca.

Um pouco menos de convicção ateísta e acreditaria que são anjos.

AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Silvana Mara, pelo estímulo, pela compreensão

com meus afazeres e, principalmente, por ter aceitado a orientação de um trabalho

com tema pouco comum no programa de pós-graduação, mas de importância para o

Serviço Social;

Ao Valério Arcary, Professor Doutor e camarada na militância, que mesmo

com sua agenda de compromissos desumana aceitou ser membro da banca

examinadora, além de contribuir decisivamente com suas observações e indicações

bibliográficas;

Aos pesquisadores e professores Cyro Garcia e Felipe Demier, amigos,

estudiosos da história do Partido dos Trabalhadores (PT) e também camaradas na

militância, cujas dicas, materiais, conversas e trocas de idéias foram muito

importantes para o trabalho;

Às professoras e amigas Antoinette Madureira (DESSO/UFRN) e Karina

Meira (DENFER/UFRN), pelo apoio e por terem ajudado na revisão final do texto;

Aos militantes internacionalistas Aldo Sauda e Sara Ajlyakin, da LIT-QI,

que ajudaram na tradução do resumo.

À Luana Soares, Maíra Lopes e Thais Moreira, amigas e camaradas, pelo

apoio, incentivo e pela companhia nas longas madrugadas de produção do texto,

longe ou perto.

Por fim, ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), meu

partido, que atuou como uma tendência do PT sob o nome de Convergência

Socialista e construiu parte da história do objeto central deste trabalho, além de

principal responsável pela minha formação marxista e pela minha convicção

inabalável na revolução socialista mundial.

Imagine que o automóvel em que você está viajando

é detido por bandidos armados.

Você lhes dá o dinheiro, a carteira de identidade, o revólver e o automóvel; mas, em troca disso, escapa da agradável companhia dos bandidos.

Trata-se, evidentemente, de um compromisso.

Do ut des ("dou" meu dinheiro, minhas armas e meu automóvel,

"para que me dês" a possibilidade de seguir em paz).

Dificilmente, porém, se encontraria um homem sensato capaz de declarar que esse compromisso

é "inadmissível do ponto de vista dos princípios", ou de denunciar quem o assumiu como cúmplice dos bandidos [...].

Mas assumir com os bandidos da própria burguesia e,

às vezes, da burguesia "aliada", compromissos dirigidos contra o proletariado revolucionário de seu próprio país,

é agir como cúmplices dos bandidos.

Vladimir Ilitch Ulianov, Lenin

RESUMO

Tomando como referência um exame histórico, teórico e político da trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT) desde a sua proposta de construção em fins da década de 1970 até a chegada do partido ao governo central no Brasil, este trabalho – fundamentado em uma perspectiva marxista e considerando a relevância da temática diante do projeto profissional do Serviço Social – analisa o desenvolvimento do reformismo e a transfiguração do PT em instrumento político a serviço da administração do modo de produção capitalista. A partir de uma pesquisa bibliográfica e documental, buscou: analisar as bases históricas, sociais e econômicas que deram origem ao PT e que imprimiram no partido as suas características originárias de organização classista e independente dos trabalhadores, que defendia uma plataforma com referências programáticas anticapitalistas e de oposição ao regime; examinar as contradições internas e o processo de disputa entre as perspectivas socialistas e reformistas que existiram dentro do PT, cujo resultado culminou com a negação do marxismo revolucionário como teoria e a consolidação de uma estratégia com objetivos voltados à conquista eleitoral, classificada como “democrático-popular”; e discorrer acerca do processo de adaptação do PT à ordem burguesa – considerando tanto a sua evolução teórico-política reformista, quanto da modificação da sua natureza em função de uma dinâmica objetiva de institucionalização, burocratização e cooptação material –, cuja apreciação culmina em observar um fenômeno tendencialmente irreversível de transformismo, que converte o partido em ferramenta de gestão da ordem do capital. As análises que subsidiam e consideram a concretização dessa metamorfose terminam por produzir sugestões como indicativo de considerações finais acerca dos reflexos político-organizativos do processo de experiência com o PT já transformado em instrumento de administração do capitalismo, apontando a necessidade de discutir o papel da esquerda diante do projeto petista de poder materializado nos governos de conciliação de classe, de sua estrutura partidária burocrática e politicamente corrompida e dos desafios impostos pela necessidade de construção de alternativas socialistas no Brasil.

Palavras-chave: Partido dos Trabalhadores. Marxismo. Reformismo. Transformismo. Revolução social.

ABSTRACT

The current work examines, from a historical, theoretical and political perspective, the trajectory of the Workers Party (PT) since its foundation was proposed, during the 1970s, until its ascendancy to the central government of Brazil – based on a marxist perspective and dealing with the centrality of such a subject in Social Work – it analyses the development of reformism and the transfiguration of PT into a political instrument at the service of the capitalist mode of production. Based on bibliographical and archival research it sought: to analyze the historical, social and economic roots that gave rise to PT and created a working class organization dynamic within the party, originally classist and independent, that defended a platform based on anti-capitalist references and in opposition to the regime; to examine the internal contradictions and the process of disputes between socialist and reformist perspectives that existed within PT, of which its result lead to the denial of revolutionary marxism as a theory and consolidated a strategy with objectives directed to electoral victories, described as 'popular-democratic"; to bring up the process of adaptation of PT to bourgeois order – considering both its theoretical-political reformist evolution, as well as the modification of its nature due to the objective dynamic of institutionalization, bureaucratization and material cooptation – an irreversible tendency of transformism, which turned into a tool for the management of capitalist order. The analysis that subsidizes and considers the consolidation of this metamorphosis have as their end product suggestions which indicate as final considerations the political-organizational reflexes of the process of the PT experience, already transformed into an instrument of capitalist administration, pointing to the necessity of debating the role of the left faced with the PT project of power materialized in governments of class conciliation, of its bureaucratic and politically corrupt party structure and the challenges imposed by this necessity of constructing socialist alternatives in Brazil.

Keywords: Workers Party. Marxism. Reformism. Transformism. Social revolution.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10

2 SURGE UM PARTIDO DOS TRABALHADORES: UMA ANÁLISE

ECONÔMICA E POLÍTICA .......................................................................... 21

2.1 Os fundamentos objetivos do surgimento do PT .......................................... 22

2.2 PT sem patrões: do classismo “anticapitalista” às primeiras inflexões ......... 31

3 PT EM DISPUTA: DO “SOCIALISMO” À ESTRATÉGIA

DEMOCRÁTICO-POPULAR ELEITORAL ................................................... 51

3.1 As bases teóricas do “socialismo” no PT: entre o marxismo e o ecletismo,

entre o espontâneo e o consciente .............................................................. 53

3.2 Programa democrático-popular: a forma “radical” de uma “Revolução

Democrática“ eleitoral ................................................................................... 79

4 O PT ADAPTADO À ORDEM: REFORMISMO E CONCILIAÇÃO DE

CLASSE PARA ADMNISTRAR O CAPITAL ............................................... 124

4.1 Estado, democracia e revolução no PT: a hegemonia reformista como

teoria e prática .............................................................................................. 128

4.2 O transformismo petista: governar para mudar ou mudar para governar? .. 163

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: REFLEXOS E DESDOBRAMENTOS DA

EXPERIÊNCIA COM O PETISMO NA PERSPECTIVA DA REVOLUÇÃO

BRASILEIRA ................................................................................................ 223

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 244

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1: Composição dos participantes dos Congressos da CUT (1983-

2000) .................................................................................................................... 204

Quadro 1: Resultados do PT nas eleições estaduais e nacionais (1982-2002) . 177

Quadro 2: Resultados do PT nas eleições municipais (1982-2000) .................. 178

Quadro 3: Financiamento das principais candidaturas da campanha eleitoral

para a Presidência da República em 2002, segundo o setor econômico ........... 211

1 INTRODUÇÃO

Analisar a trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT), suas inflexões

históricas, os fundamentos teórico-políticos e a direção social que consolidou essa

organização, nos dias atuais, como uma poderosa ferramenta de implementação de

uma estratégia política de administração do capitalismo, é um desafio com

importância decisiva na construção do projeto político de transformação social.

Contribuir com isto é o que pretende este trabalho, na perspectiva de

aprofundar uma análise controversa, apaixonante e atual, mas ao mesmo tempo

rigorosamente necessária; principalmente num momento em que o governo que está

à frente do Estado brasileiro sintetiza sua origem social e política vinculada a um

partido que no passado se apresentou como alternativa de organização dos

trabalhadores contra a exploração capitalista, com uma ação prática que,

contraditoriamente, caminha em sentido distinto da sua origem tanto em relação ao

programa, quanto no tocante às pretensas aspirações fundacionais do partido.

O que foi e qual o caráter do PT no curso do seu surgimento? No que ele

se transformou e por quê? Como se desenvolveu e se concretizou a luta política que

produziu a transformação do partido no que ele é hoje? A partir de que momento da

história o programa de reformas levantado pelo PT deixa de ser progressivo? Quais

as implicações político-organizativas, para a luta pela revolução socialista, da

efetivação projeto “reformista” assumido pelo partido desde que chegou o governo

central?

Estas são questões candentes que só podem ser respondidas mediante

observação e análise rigorosas da dinâmica do capitalismo, da experiência histórica

produzida pelo movimento da classe trabalhadora organizada e das reflexões

críticas do marxismo que, posto à prova cotidianamente pela prática social,

conseguiu acumular noções e concepções relevantes, a partir do desenvolvimento

da luta do proletariado ao longo da história, contra a exploração capitalista. É

necessário, portanto, resgatar que a acumulação capitalista impulsionada pela

anarquia da concorrência e pela apropriação privada da riqueza oriunda do trabalho

coletivo historicamente enredou esta sociedade em contradições indissolúveis e

crises cíclicas inescapáveis, inerentes à sua própria natureza. E que essa dinâmica

se impõe até os dias de hoje.

11

Esta realidade está cada vez mais explícita, sobretudo numa atualidade

em que a economia mundial está em solavancos, reproduzindo a miséria, numa

dinâmica de ataque às condições de vida dos trabalhadores e conduzindo Estados

nacionais localizados no centro do sistema à bancarrota, mesmo após anos de

discursos ideológicos dos (neo)liberais que afirmaram o modo de produção

capitalista como capaz de responder às necessidades da humanidade. A profunda

análise de Marx sobre o capitalismo no tocante ao exame de seus fundamentos e

dinâmica histórica, longe de ser uma “profecia”, se elevou a um patamar científico

cuja contestação torna-se mais difícil a cada manifestação do sistema no conjunto

da vida social; entretanto, no que tange a transição socialista ainda repousam

insistentes controvérsias, até hoje não totalmente resolvidas.

O marxismo nos legou uma teoria-método e uma estratégia para nortear

os caminhos e descaminhos; as ofensivas e os recuos; as vitórias e as derrotas da

luta pela superação do capitalismo. Sua estratégia é a revolução social e sua teoria-

método é o materialismo histórico, a unidade dialética que determina a necessidade

de apreender a totalidade materializada num conjunto de determinações da

realidade em movimento como chave para construir idealmente as ações orientadas

à transformação, de natureza crítica e revolucionária diante da realidade exploratória

do capitalismo e rejeitando a via de transformação apoiada em dogmas ou fórmulas

universais. Significa que o esforço teórico e prático para construir táticas

(mediações) que de fato conduzam a uma estratégia de transformação radical deve

fundamentar-se, portanto, na análise concreta da situação concreta.

Embora a complexa cadeia de mediações que conduzem à estratégia

socialista não se apóie em doutrinarismos, isto não significa que não existam

determinações que demarquem a natureza da revolução social enquanto categoria,

desde a sua forma mais primitiva até a mais desenvolvida historicamente. Isto não

implica dizer a revolução social seja um ato a-histórico, que não leva em

considerações as particularidades e as determinações postas em movimento ao

longo do tempo; mas, que é fundamental se ater aos limites relativos e absolutos

que se colocam diante do problema e a partir dos quais se afirma ao longo da

história a questão da necessidade da disputa do poder pelos explorados visando a

re-apropriação da sua produção e, portanto, da sua característica criadora

socialmente livre.

12

Isto significa, antes de qualquer coisa, rejeitar as tentativas supostamente

atuais de explicar a estratégia revolucionária considerando como ponto de partida

uma realidade (econômica, política e ideológica) já plenamente desenvolvida, e,

resgatar a dialética do que é momentaneamente histórico e do que transcende a

imediaticidade da história nas análises, tomando os entraves à transformação social

em seu processo total, que acumula tanto as dimensões atuais quanto as formas

historicamente herdadas que se articulam trans-historicamente. Mas, se por um lado

este método de apreensão da realidade e a teoria econômica e social marxiana

recebem contundentes demonstrações da sua validade científica, por outro o

socialismo científico só passou no teste da história se tomado como necessidade e

como possibilidade real a partir de demonstrações muito iniciais que posteriormente

vieram a retroceder em função de várias determinações – a exemplo da Revolução

Russa de 1917.

Daí as inúmeras controvérsias que marcam o tema. Existiriam imposições

históricas indiscutíveis num processo de revolução social? Se ser marxista é analisar

idealmente a situação concreta, é possível conceber a superação do capitalismo

sem um momento de insurreição, de ruptura, em uma conjuntura de “ampla”

socialização da política? A estratégia permanente de ocupação do espaço

institucional da democracia representativa, inclusive mediante alianças

programáticas comuns com a classe dominante, pode conduzir a um processo de

acumulação de forças na direção do socialismo? Estas são todas questões

candentes que catalisam lutas violentas e provocam cisões no interior do marxismo

e também da esquerda. A história de inúmeras organizações originalmente operárias

em nível mundial – desde as organizações marxistas alemã e russa do fim do século

XIX e início do século XX, passando pelos partidos comunistas pós-Segunda

Guerra, até chegar à esquerda eurocomunista e nos atuais partidos amplos

“anticapitalistas” – é, em grande medida, a história desses embates e com o PT não

foi diferente.

“Nem classe trabalhadora, nem socialismo: uma reflexão marxista sobre o

reformismo e a transformação do PT em instrumento de administração capitalista”

procura, portanto, ir a um dos centros nevrálgicos da questão, resgatando as

hipóteses e as explicações que justificam o porquê da estratégia adotada pelo PT

não ter conseguido ser conseqüente com a proposta originária de “transformação

social” defendida pelo partido.

13

É um trabalho vinculado à linha de pesquisa Estado, Sociedade e Direitos

do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte que – tomando como base uma análise da trajetória do Partido dos

Trabalhadores nos seus momentos mais agudos compreendidos entre o início da

década de 1980 até a chegada do Governo Lula à Presidência da República – trata

da impossibilidade de superar o modo de produção capitalista através de uma

estratégia que se limita a uma promessa de realizar reformas, numa perspectiva de

conquista progressiva de direitos políticos, sociais e econômicos mediante ocupação

do espaço político institucional da democracia representativa (em detrimento da

organização dos explorados na luta de classes) como saída para a transformação da

estrutura social vigente.

Localizado no âmbito da investigação crítico-marxista que envolve o

Serviço Social, este trabalho visa adentrar na produção de conhecimento teórico no

contexto da disputa de projetos societários, mediante o exame das pressões sociais,

da relação de forças, da perspectiva teórico-política e da ação prática adotadas por

um partido com influência de massas que levou à frente – desde praticamente a sua

fundação, até sua chegada ao governo central – a estratégia reformista como pedra

de toque da transição ao socialismo.

A expressão contemporânea dessa estratégia petista é a síntese da

imbricação de processos de natureza objetiva (sobre os quais se possuía pouca

influência, como as pressões e relações de força determinadas pela conjuntura) com

mutações no terreno social (composição e fronteiras de classe do partido e de sua

direção, seu financiamento, etc.,) e político-ideológico (teoria, programa,

campanhas, etc.), que imprimiram no PT um caráter irrecuperável do ponto de vista

da representação dos interesses da classe trabalhadora e, portanto, da perspectiva

de converter-se em uma ferramenta capaz de impulsionar a transformação social.

Estes são aspectos de análise fundamentais para qualquer estudo que

objetive aproximar-se criticamente dos fundamentos e do desenvolvimento da

perspectiva teórico-política que foi amplamente difundida pela maior organização

originalmente de esquerda da história do Brasil: o reformismo. E, por isto, trata-se de

um debate com importância particular para o Serviço Social, na medida em que seu

projeto profissional tem procurado firmar compromissos de caráter ético-político com

a construção de uma direção social crítica, que indique e tensione para a defesa de

um projeto emancipatório de sociedade, portanto, anticapitalista.

14

O projeto profissional do Serviço Social brasileiro é resultado de um

processo de construção que vem sendo realizado desde a segunda metade da

década de 1970; que avançou e amadureceu politica e teoricamente nos anos 1980;

se consolidou na década de 1990; e que, nos dias de hoje, segue sendo sustentado

por uma importante vanguarda; ao mesmo tempo em que é ameaçado e

pressionado pela decadência capitalista e pelas tensões provenientes da disputa

contra uma direção social conservadora e suas variantes travestidas de

progressistas, no interior da profissão.

Em que pese o contínuo processo de disputa de hegemonia – aqui

entendida como capacidade de coesão e direção do conjunto dos sujeitos

profissionais para reivindicar um norte teórico-metodológico e empreender ações

práticas –, há uma primeira premissa, fundamental em qualquer projeto que se

pretende socialmente sério, que opera um corte de distinção entre este atual projeto

profissional dos assistentes sociais e a relevante maioria (para não dizer quase a

totalidade) dos projetos que norteiam as práticas dos demais ofícios e profissões: a

postura de tornar explícito o projeto profissional como um projeto de caráter ético-

político.

Ético1 porque – a despeito das confusões que esta terminologia possa

produzir em razão das inúmeras interpretações de senso comum – se referencia na

defesa de um projeto profissional com diretrizes orientadas em valores que

propugnam um enfrentamento com o conservadorismo; e político porque ao mesmo

tempo indica a necessidade de tomar partido pela luta por conquistas democráticas,

combinando com a defesa de um projeto societário de transformação da ordem

social capitalista.

Segundo Engels, “as lutas históricas, quer se processem no domínio

político, religioso, filosófico ou qualquer outro campo ideológico, são na realidade

apenas a expressão mais ou menos clara de lutas entre classes sociais” (MARX;

ENGELS, s. d.a, p. 202) e na sociedade capitalista, as relações econômicas,

políticas e ideológicas desenvolvem-se em meio a uma clivagem central entre duas

classes de interesses antagônicos: burguesia e classe trabalhadora.

1 Aqui se menciona a Ética não como um conjunto de valores universalmente postos (o que, do ponto de vista marxista, conduziria necessariamente uma crítica a este conceito). Esta abordagem, resultado de um acúmulo de elaborações no Serviço Social, indica a rejeição de uma análise moralista da realidade, denunciando a prática coletiva cujos resultados servem para o fortalecimento da alienação moral e de projetos conservadores, consonante com o ideário emancipatório que serve de referência à profissão.

15

Burguesia (que detém os meios sociais de produção e se apropria do

excedente produzido pelo trabalho coletivo) e classe trabalhadora (que apenas

dispõe da sua capacidade de trabalho em troca de um salário) estão enredadas em

um conflito perene, indissolúvel, enquanto persistir a contradição entre produção

coletiva e apropriação privada; e isto quer dizer que também os projetos

profissionais – mesmo aqueles que advogam “neutralidade” – vinculam-se, de um

modo ou de outro a uma direção social ligada a um interesse de classe, uma vez

que se expressam em tendências e horizontes estratégicos que correspondem a

perspectivas de transformação da ordem social (emancipação), ou, de sua

manutenção e conservação.

O mérito do projeto ético-político do Serviço Social é, seguramente, o de

abandonar o traço característico conservador que difunde a negação do caráter

político dos projetos profissionais, expondo sua proposta de vinculação de classe e

defendendo-a – em consonância com a exigência que sua direção teórico-

metodológica e política impõe –, a partir de uma atuação que estabeleça as

necessárias mediações frente a uma realidade objetiva que limita e bloqueia as

intervenções transformadoras; mas sem deixar de construir, apontar, propor e

reposicionar táticas de enfrentamento que favoreçam o interesse da classe

trabalhadora na medida em que “vincula-se a um projeto societário que propõe a

construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe,

etnia e gênero”. (NETTO, 1999, p. 105)

Certamente o grau de maturidade intelectual da vanguarda dos

assistentes sociais – e isto pode ser comprovado pela vasta produção a respeito do

tema – não abre espaço para dúvidas sobre a ausência da relação de identidade

entre o seu projeto ético-político e o que pode ser efetivado profissionalmente no

âmbito de uma sociedade alienante e com natureza exploratória como é o

capitalismo.

Tampouco é correto imputar ao projeto ético-político a intenção de

transformar os assistentes sociais nos “sujeitos da revolução”, como se estes, ao

não conseguirem concretizar o objetivo de investir resolutamente para “superar o

capitalismo” (em razão de múltiplas determinações sobre as quais esses sujeitos

não dispõem de controle absoluto); estivessem ratificando uma “inviabilidade” do

projeto que politicamente defendem.

16

Esta, além de uma visão estreita, abre flancos tanto para um idealismo –

que supõe a transformação da realidade como um produto mecânico do que se

pretende no plano subjetivo, sem considerar a necessidade da organização, da ação

política e das determinações que a materialidade objetiva imputa à realidade –,

quanto para um fatalismo – que decreta a realidade como imutável e destinada a

manter-se indefinidamente, em razão da “impossibilidade” de concretização de uma

estratégia transformadora.

O que se pretende é ratificar a importância de projetos profissionais como

o do Serviço Social brasileiro, nos marcos da sua consolidação como instrumento

que apresente elementos de enfrentamento das dificuldades da profissão frente à

necessidade de construção de compromissos intelectuais, morais e políticos que só

são compatíveis com uma sociedade que tenha superado o capitalismo. Mas não

apenas. É de fundamental importância empreender uma análise crítica sobre que

caminhos os trabalhadores – e também o conjunto dos profissionais do Serviço

Social como parte da classe – devem seguir para evitar erros históricos que muito

mais reforçam o poderio capitalista do que avançam na luta pela sua superação

definitiva.

Trata-se, portanto, de debater qual deve ser o norte teórico dos sujeitos

orientados por um projeto ético-político de natureza libertadora, frente à necessidade

de incorporar às suas práticas humanas – enquanto indivíduos e categoria – uma

direção social voltada para a defesa dos interesses reais da classe trabalhadora,

que de fato apresente uma estratégia conseqüente de superação do capitalismo. E

isto só pode ser possível conhecendo até onde pode ir, na atual fase do capitalismo,

a estratégia gradualista e reformista, como etapa supostamente condutora à

transformação social e amplamente reivindicada por setores significativos da

“esquerda”.

Este é um tema que interessa à profissão na medida em que o projeto

hegemônico do Serviço Social trabalha com a perspectiva “de construção de uma

nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero”

(CFESS, 2011, p. 24, grifo nosso), e, por isto, torna-se fundamental discernir sobre a

viabilidade das estratégias que ao longo do tempo são apresentadas e postas à

prova da história e da prática social. Segundo MONTAÑO (2006, p. 143-144, grifos

nossos):

17

Atualmente, é possível identificar a disputa de, pelo menos, três grandes projetos de sociedade: a) o projeto neoliberal (de inspiração monetarista, sob o comando do capital financeiro, que procura, no atual contexto de crise, desmontar os direitos trabalhistas, políticos e sociais historicamente conquistados pelos trabalhadores, acentuando a exploração de quem vive do trabalho e sugando os pequenos e médios capitais); b) o projeto reformista (tanto em sua vertente liberal-keynesiana como social-democrata, representando o expansionismo do capitalismo produtivo/comercial conjuntamente com algum grau de desenvolvimento dos direitos civis, políticos, sociais e trabalhistas) e c) o projeto revolucionário (fundamentalmente de inspiração marxista que busca, gradual ou abruptamente, a substituição da ordem capitalista [...]).

Caberia questionar: esta concepção gradualista pode figurar em um

projeto revolucionário se conceber uma paulatina “substituição da ordem capitalista”

como uma transformação social fundada em progressivas conquistas econômicas e

políticas para os trabalhadores, até que em determinado momento a correlação de

forças entre exploradores e explorados se modifique a ponto de ser possível uma

“viragem social”, sem o momento da ruptura?

Indo mais adiante: em que medida o capitalismo na sua fase atual pode

conceder vantagens materiais gradual e progressivamente? A democracia – por

mais radicalizada e ampla que esta possa ser – sob a lógica da sociedade capitalista

permite incursões que ataquem os pilares do sistema sem uma estratégia de

destruição do Estado burguês?

Em primeiro lugar, é preciso destacar que o processo de consciência que

decorre do padrão social geral (de exploração, opressão, corrida pelo lucro, etc.) no

capitalismo é de tamanha coisificação dos sujeitos e de suas relações, que a

realidade material tende, em última instância, a instrumentalizar o pensamento social

e renovar valores reacionários, cujo conteúdo rejeita qualquer projeto revolucionário

de emancipação; uma vez que também é, dialeticamente, produto e determinante

das próprias relações que o engendram. Falar de revolução – e mais ainda defendê-

la de forma séria –, portanto, não é fácil.

Além disso, a conjuntura sócio-política do capitalismo atual e sua face de

neoliberalismo aprofundam essa tendência. O período que sucedeu a queda dos

Estados controlados pelas burocracias stalinistas até os dias de hoje (de profunda

crise estrutural do capital) caracterizou-se também por uma ofensiva

propagandística brutal, ideológica, que decretou a “vitória final” do capitalismo e o

“sepultamento” de qualquer possibilidade revolucionária.

18

Esta realidade fez com que a cultura teórico-profissional do Serviço Social

e o pensamento acadêmico como um todo, por não se encontrarem hermeticamente

isolados da realidade, não ficassem imunes a esse processo. Pressionada pelo

vendaval difundido pelos arautos da burguesia, a ciência social nesse período foi

ainda mais acometida por um rebaixamento das concepções de crítica radical,

limitando-se a uma mera disputa "gradualista" dentro do regime burguês, abrindo

mão das perspectivas teórico-metodológicas de ruptura com o modo de produção

capitalista.

A relevância deste trabalho se expressa precisamente ao debruçar-se

sobre tais questões, reivindicando o exame das perspectivas teóricas de

transformação social (sob uma ótica marxista) como forma de reposicionar um

debate que interessa a um projeto profissional cujo norte teórico se vincula à

superação do capitalismo, tomando como objeto de investigação a trajetória teórico-

política de um partido que surgiu como um importante instrumento de luta da classe

trabalhadora brasileira e que, hoje, representa um dos exemplos mais destacados

de rejeição e enfrentamento com a estratégia anticapitalista, além de uma completa

adaptação à ordem vigente.

Do ponto de vista do caminho teórico-metodológico, este trabalho

contempla uma pesquisa de natureza qualitativa e explicativa, considerando o objeto

de estudo – as inflexões históricas, os fundamentos teórico-políticos e a direção

social que, durante a trajetória do PT, resultaram na transformação desse partido

num instrumento político de administração da ordem capitalista – como algo

constituído social e historicamente, e determinado pela totalidade de relações da

realidade social. Procura, portanto, incorporar as contradições da realidade e

desenvolvê-las para tentar reproduzir idealmente a dinâmica que moveu e move as

particularidades do PT como objeto de estudo, identificando os aspectos imediatos e

históricos que determinaram e contribuíram para a ocorrência dos fenômenos de

gênese e metamorfose que atravessaram o PT, adotando o método de abordagem

de tipo materialista-dialético fundamentado pela teoria social de Marx, e examinando

o processo de desenvolvimento da infra-estrutura e da superestrutura da sociedade

brasileira em geral, e do PT em particular, no período compreendido entre o final da

década de 1970 (quando surge a proposta do partido), até a sua chegada ao

governo central pelas eleições em 2002.

19

Para isto, utiliza-se como procedimento técnico-metodológico a pesquisa

bibliográfica referente ao tema central e seus correlatos, além da análise, coleta e

produção de dados obtidos através de pesquisa, observação e investigação de

publicações (livros, revistas, textos histórico-políticos, entrevistas publicadas,

transcrição de debates, etc.) e fontes de análise documental, com destaque para os

documentos políticos produzidos pelo próprio PT, como textos pré-fundacionais e de

fundação do partido, anais de eventos, resoluções de congressos e encontros,

propostas e programas de governo, dentre outros.

A partir dessa pesquisa bibliográfica e documental foram extraídos os

elementos necessários para a análise das bases históricas, sociais e econômicas

que deram origem ao PT e que lhe imprimiu características de organização classista

e independente dos trabalhadores (capítulo 2); o exame das contradições internas e

do processo de disputa entre as perspectivas socialistas e reformistas que existiram

dentro do PT, cujo resultado culminou com a negação do marxismo revolucionário

como teoria e a consolidação de uma estratégia com objetivos voltados à conquista

eleitoral, classificada como “democrático-popular” (capítulo 3); e, finalmente, a

demonstração do processo de adaptação do PT à ordem burguesa – considerando

tanto a sua evolução teórico-política reformista, quanto da modificação da sua

natureza em função de uma dinâmica objetiva de institucionalização, burocratização

e cooptação material –, cuja apreciação culmina em um fenômeno tendencialmente

irreversível de transformismo, que converte o partido em ferramenta de gestão da

ordem do capital (capítulo 4), além de sugestões conclusivas (considerações finais)

acerca dos reflexos político-organizativos do processo de experiência com o PT já

transformado em instrumento de administração do capitalismo, apontando a

necessidade de discutir o papel da esquerda diante do projeto petista de poder

materializado nos governos de conciliação de classe, de sua estrutura partidária

burocrática e politicamente corrompida e dos desafios impostos pela necessidade de

construção de alternativas socialistas no Brasil.

O estudo de todas essas questões com ênfase na problemática do PT

surge, evidentemente, a partir de um interesse. Além da relevância de analisar um

importante objeto da realidade política e social brasileira, não resta dúvidas que não

pode haver proposta séria de investigação dos limites, impasses, vicissitudes que

atravessam a construção de uma estratégia socialista para o Brasil, sem uma

compreensão acerca do que foi e do papel que atualmente cumpre o PT.

20

Ademais, como ex-militante dessa organização e tendo aprofundado uma

experiência acerca do caráter do PT precisamente num momento que se

evidenciava o seu processo de transformação em instrumento da ordem capitalista,

o interesse pela temática passa a agregar, para além da relevância das análises, um

componente de auto-esclarecimento: conhecer o que foi e o que hoje é o PT revela

o que de acertado pôde ser identificado da experiência prática concreta com o

partido e que tipo de conclusões políticas podem ser extraídas, visando influenciar

novas tomadas de decisão (individuais e coletivas) vinculadas à estratégia do

socialismo e em contraposição ao “reformismo” petista, de modo a por em debate –

fundamentado em teóricos clássicos e contemporâneos do pensamento marxista –

não apenas o modo como essa concepção na prática se expressa, de maneira

recorrente e (re)atualizada; mas, sobretudo, objetivando investigar o

desenvolvimento desse pensamento na realidade concreta do interior do PT e, como

conseqüência, a sua ineficácia do ponto de vista de uma estratégia de superação da

ordem capitalista.

É considerando que sob essa estratégia petista cada vez mais as

demandas da classe trabalhadora vão se subordinando integralmente ao regime

instituído na ordem burguesa – ainda que com seu véu de democracia –,

naturalizando a propriedade privada, o mercado e o controle do capital; que a

contraposição a este horizonte conservador se torna tão significativa para a

produção intelectual que ao longo do tempo tem vinculado os fundamentos do

Serviço Social a uma visão crítica.

Tão importante quanto defender o projeto profissional e manter-se em tal

perspectiva, é buscar um caminho teórico-metodológico e sócio-político que, à luz do

acúmulo e da experiência adquiridos ao longo do processo histórico, evite revisitar o

capitalismo – dando-lhe um rosto humano que ele não possui –, e procurando

indicar, sem deixar de considerar todas as contradições dadas, uma via realmente

capaz de alavancar o projeto de emancipação da classe trabalhadora.

É nesse sentido que este trabalho pretende contribuir, ao examinar os

dilemas e controvérsias de uma organização política que no passado foi uma

importante alavanca na luta contra o capitalismo e hoje, contraditoriamente, é um

dos maiores obstáculos para a construção das condições necessárias à sua

superação.

2 SURGE UM PARTIDO DOS TRABALHADORES: UMA ANÁLISE ECONÔMICA

E POLÍTICA

Não é arbitrária a tese de que o PT teria sido um fenômeno original. A

força com que eclode o movimento que deu origem ao PT na década de 1980 é algo

que impressiona. Em pouco menos de uma década, saiu de uma organização

pequena, restrita a círculos dos envolvidos no movimento social para um partido de

centenas de milhares de ativistas.

De fato, a trajetória histórica do PT, sobretudo nos primeiros anos

posteriores ao lançamento da idéia de sua fundação, foi algo estupendo. O vigor e a

rapidez com que o partido evoluiu a uma influência de massas é algo surpreendente,

principalmente considerando uma circunstância histórica (fins da década de 1970)

em que as alternativas postas com maior probabilidade de ocupar o espaço político

aberto com o declínio da ditadura em nada correspondiam a qualquer coisa que

parecesse com a proposta do PT. Isso fez com que a classe dominante passasse a

temer o PT, que se tornou uma ameaça ao processo de transição democrática

controlada desenvolvido pelo regime. À frente do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

– com sua política de conciliação de classes – e da burguesia democrático-liberal, o

PT era “radical” demais e, ao mesmo tempo, transformou-se rapidamente no pólo de

atração dos setores mais destacados do ativismo social e do movimento de massas,

com peso social nas greves, na luta pela abertura política e, posteriormente, nas

eleições. Foi, sem dúvidas, um fenômeno político surpreendente.

Mas, a explicação deste fenômeno não pode se limitar a uma história de

idéias. Um fenômeno sócio-político expressa, de modo mais ou menos abstrato, um

resultado produzido pelas condições reais, suas implicações na dinâmica histórica

da luta de classes e seu reflexo na política. O PT é produto, dentre outras coisas,

não somente de uma necessidade histórica que se impunha na realidade brasileira,

de organizar os trabalhadores para lutar contra o regime político ditatorial e avançar

numa perspectiva de um projeto de classe. Seu surgimento, portanto, não é um

mérito exclusivo de um setor consciente. Nem a vanguarda mais abnegada poderia,

somente pela força da vontade, construir um partido que, embora não tenha sido um

fenômeno político original, se transformou no principal pólo de organização dos

setores que estiveram à frente do movimento de massas na história do Brasil.

22

2.1 Os fundamentos objetivos do surgimento do PT

As transformações econômico-sociais e as bases políticas que marcaram

o final da década de 1960 e toda a década de 1970 foram elementos determinantes

para a materialização das condições objetivas que impulsionaram o surgimento do

PT.

No plano internacional, a greve geral em maio de 1968 na França se

combinava com as mobilizações em defesa de liberdades políticas contra a tirania

imposta pelo regime soviético (a exemplo da chamada Primavera de Praga, na

Tchecoslováquia), revelando a disposição de luta mundial para enfrentar tanto a

ofensiva do capital e suas inovações financeiras e técnico-produtivas, quanto a

burocracia stalinista que controlava os estados operários na Rússia e no Leste

Europeu. A ordem mundial estabelecida após a Segunda Guerra Mundial pelos

acordos entre o imperialismo norte-americano e a burocracia soviética começava a

desmoronar.

Nos anos de 1970 o acirramento da luta de classes se desenlaçou na

Revolução dos Cravos em Portugal (1974), que depôs o regime ditatorial, sacudiu a

Europa e, combinada com a derrota histórica dos Estados Unidos no Vietnã,

aprofundou o sentimento antiimperialista em todo o mundo.

Na Espanha, uma grave crise econômica e social vivida logo após o fim

da ditadura do general Francisco Franco foi o pano de fundo de um poderoso

ascenso, cujas greves entre janeiro de 1976 e junho de 1977 levaram mais de 7

milhões de trabalhadores (cerca de 88% dos assalariados da época) a realizar

paralisações bastante radicalizadas, que só foram contidas com um acordo de

conciliação entre representantes dos trabalhadores (Partido Socialista Operário

Espanhol, Partido Comunista Espanhol e as organizações sindicais como a União

Geral dos Trabalhadores e Comissões Obreras) e o governo pós-ditadura: o Pacto

de La Moncloa.

A Revolução Nicaragüense de 1979 selou este cenário internacional que

expressava a disposição das massas em se mobilizar por suas reivindicações e pelo

fim de ditaduras; e o impacto no Brasil, que naquele momento também se

encontrava sob os ditames de uma ditadura militar que se instalara desde o golpe de

1964, foi decisivo.

23

Essa forma de governo ditatorial do Estado brasileiro imposta após o

golpe de 1964, conseguiu imobilizar quase que integralmente o movimento operário,

que nos anos anteriores ao golpe protagonizou uma fase de intensas mobilizações

sociais.

As greves passaram a ser proibidas (permitidas tão somente com

anuência do governo, através do Ministério do Trabalho) e consideradas como

ameaça à “segurança nacional” – expressão ideológica que apresentava a

autoridade militar que governava o país como um árbitro neutro e impessoal, em prol

de “interesses nacionais”. WELMOWICKI (2004, p.41-42), em sua publicação que

resultou de dissertação sobre o movimento operário da década de 1980, faz uma

narrativa de como o movimento foi sufocado pelo regime à época:

Dois mil e setecentos e oitenta e seis sindicatos tiveram suas diretorias cassadas. Nas diretorias sindicais, foram colocados interventores que seriam dóceis ao regime e formaram a geração de lideranças “pelegas”, dependentes diretamente do apoio ao regime militar. Os sindicatos deveriam se limitar a ser organismos para garantir a colaboração com o Estado e os empresários. Quem tentasse descumprir essa norma podia ser deposto de uma entidade e até ser preso ou processado. As atividades cotidianas do sindicato deviam se ater ao assistencialismo. Uma vez por ano, no mês em que caísse a data-base de sua categoria, ele deveria assinar em nome de seus associados os acordos coletivos que legitimassem a decisão prévia das autoridades sobre o salário. Deviam se omitir de qualquer atividade política e vigiar seus associados para que não utilizassem os fóruns sindicais para isso. O Ministério do Trabalho fiscalizava permanentemente as atividades sindicais tanto política como financeiramente para que não houvesse “desvios” dessas funções. O sindicato era apenas a sua diretoria, não havia participação dos trabalhadores; qualquer atividade de contestação à sua direção era impedida e às vezes perseguida tanto em seu interior, quanto na empresa. Não havia espaço para oposição no interior dos sindicatos no modelo vigente durante a ditadura. Mesmo nas épocas de eleição, quando formalmente chapas alternativas eram permitidas, as fraudes, perseguições, e até a violência eram usadas para intimidar os ativistas que quisessem mudar a direção sindical.

Desde 1937, Getúlio Vargas2 havia inviabilizado o sindicalismo

independente e o regime militar, por seu turno, não se preocupou em promover

grandes mudanças na estrutura sindical oficial. No entanto, o governo ditatorial

aproveitou a vitória obtida com o golpe para, com essas medidas restritivas,

aprofundar o controle sobre as organizações dos trabalhadores.

2 Getúlio Dornelles Vargas, Presidente da República nos períodos de 1930 a 1945 e 1951 a 1954, regulamentou e oficializou a estrutura sindical no Brasil com o objetivo de atrelar os sindicatos – até então independentes – ao Estado, que passou a ser o responsável pelo reconhecimento e legalização das entidades.

24

Essa imposição por meio do Estado dos métodos repressivos que

visavam acabar com a “subversão” identificada nos anos anteriores ao golpe dentro

do movimento operário, não se relacionava somente com um desejo dos setores

reacionários de eliminar as liberdades democráticas, mas também com uma

necessidade real de dar garantias ao curso dos planos econômicos desenvolvidos

pela ditadura. O objetivo era estabelecer uma ordem social e política que

possibilitasse uma acumulação de lucros baseada na super-exploração dos

trabalhadores, com a garantia de não haver possibilidade de reação da classe

operária.

Essas medidas geraram um terreno muito fértil, sobretudo para o capital

multinacional, com o governo no regime ditatorial dando ainda mais garantias a um

processo de forte acumulação dessas empresas.

O achatamento do nível dos salários dos trabalhadores e a intensificação

do ritmo da produção (sustentada numa situação política em que a classe

trabalhadora se encontrava amordaçada e não tinha, até então, condições para

reagir) combinada com uma política de atração dos investimentos externos, através

de vantagens e isenções fiscais concedidas pelo Estado, produziram grandes

transformações na realidade brasileira, em base a um vigoroso crescimento da

economia nacional.

Esse novo modelo, conhecido como “milagre econômico”, gerou um

crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no período compreendido entre a

segunda metade da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970 que

atingiu taxas superiores a 10% ao ano.

Essa ascensão econômica impulsionou também o desenvolvimento de

um parque industrial nacional (com centro na siderurgia, petroquímica,

automobilística, etc.), garantiu a construção de grandes obras (sobretudo as

voltadas para o setor energético) e abriu espaço para medidas de inspiração

keynesiana, a partir do aumento do investimento nas empresas estatais e de

políticas de desenvolvimento do mercado interno:

... Esse novo modelo se apoiava na expansão industrial e de serviços, voltada ao consumo de bens duráveis, como automóveis, eletrodomésticos, etc., e a penetração das multinacionais em associação com o Estado e as empresas nacionais. Esse modelo aumentou o parque industrial em forma nunca antes vista. A média de crescimento industrial entre 68 e 71 foi de 12% ao ano. [...]

25

Havia um tripé da acumulação entre a burguesia estrangeira, a nacional e o Estado. O Estado garantiu a infra-estrutura de serviços necessária à acumulação privada na indústria e no setor financeiro. A integração (transportes e telecomunicações) entre os diferentes estados e o fornecimento de energia e insumos a baixo preço, bancada pelo Estado, facilitou essa acumulação; altas taxas de lucros eram garantidas por subsídios à indústria e por um grande arrocho salarial e condições de trabalho opressivas (extensão da jornada, ritmos de trabalho infernais etc.). O capital externo e seus associados internos multiplicaram as indústrias de bens de consumo durável, que produziam essencialmente para o mercado interno, para um público de classes alta e média (ou seu estrato mais alto). Apesar da concentração de renda, era um mercado nada desprezível; devido às dimensões do país, e a mão-de-obra barata, permitia extrair grandes lucros. A burguesia nacional era o sócio menor e ganhava a sua parte do bolo como fornecedora das multinacionais, assim como das grandes estatais, além de preservar para si o setor financeiro, a indústria da construção civil (pesada e residencial), a de material de construção e outros. ... (Idem, ibidem, p.43-44)

Apesar do crescimento que atravessou esse período, os anos do “milagre

econômico” foram marcados igualmente por um aprofundamento da concentração

de renda e da pobreza. A omissão do regime em prover políticas sociais era quase

completa e a imposição dos baixos salários, sustentados por um regime político que

não permitia a construção de movimentos reivindicatórios que sequer pautassem o

básico (melhora do poder aquisitivo), estabeleceu – como já visto – um impulso a um

mercado interno restrito às camadas mais abastadas e uma base fundamental de

acumulação apoiada no decréscimo dos salários em geral.

Esta dinâmica de acumulação foi responsável por intensificar umas das

concentrações de renda mais profundas do mundo. Basta dizer que em 1960 os

10% mais ricos da população brasileira tinham uma participação no PIB que

correspondia a 39,66%. Em 1984, 24 anos depois, esse percentual subiu para

46,8% (COSTA, 1997, p. 26). Essa exploração violenta se combinou com um

fortalecimento estrutural da classe trabalhadora, que cresceu e se concentrou em

grandes multinacionais e nas estatais, como resultado da modernização, da

ampliação do parque industrial e de sua concentração em algumas áreas, sobretudo

no sudeste do país:

Os cálculos aproximados revelam o crescimento de 3 milhões na década de 60 para 10 milhões de trabalhadores industriais no fim da década de 70; nos bancos, serviços financeiros em geral, agora gigantes, uma classe trabalhadora de serviços também concentrada, como as do Banco do Brasil, Banespa e CEF, assim como Bradesco e Itaú e outros [...]. O setor de transportes, em particular por via rodoviária, os metropolitanos e ferrovias criaram outro importante contingente de trabalhadores urbanos. (WELMOWICKI, 2004, p. 44)

26

Essas condições produziram uma classe trabalhadora muito numerosa,

culturalmente mais desenvolvida (em função da necessidade de qualificação técnica

para operacionalizar as demandas requeridas pela modernização tecnológica e pelo

crescimento da indústria) e, ao mesmo tempo, duramente reprimida diante da falta

de liberdade e do medo instaurado pelo regime. Essa classe trabalhadora, com mais

formação e submetida a condições de vida degradantes, sem o direito de sequer se

organizar para reivindicar melhorias nas questões imediatas mais básicas, passou a

acumular contradições e uma potencialidade no que diz respeito à deflagração de

lutas. O elemento móbile que desencadeou esse processo foi exatamente a

precipitação dessas tensões sociais, que explodiram com as primeiras greves no

final da década de 1970.

No entanto, a explosão dessas contradições só foi possível após um

profundo processo de experiência política dessa nova classe trabalhadora que

surgia no Brasil. A esquerda brasileira, logo após a vitória do golpe militar, entrou

numa crise profunda. Com larga hegemonia e influência sobre os trabalhadores do

Brasil naquele período, o PCB viu o seu prestígio se dissipar após os graves erros

políticos e estratégicos que facilitaram a conquista, relativamente fácil, dos militares

e seus aliados.

A estratégia de colaboração de classe no período anterior ao golpe

desarmou completamente a classe trabalhadora. Alimentando uma expectativa de

que as alianças em torno do “interesse nacional” com setores democrático-radicais

da burguesia levariam a reformas no interesse dos trabalhadores, o PCB se adaptou

integralmente não só ao governo de turno, mas ao regime republicano, como não

pudesse haver ali nenhum tipo de retrocesso nas liberdades democráticas.

Completamente desarmado politicamente, o PCB não foi capaz – na verdade,

sequer se arvorou a isso – de organizar uma resistência de massas perante o golpe,

deixando o caminho livre para os golpistas.

Essa política desastrosa do PCB imprimiu uma forte cisão no partido e um

debate profundo sobre a política de conciliação de classes. Com a desmoralização

dos defensores do aliancismo de classe, o PCB se dividiu em várias

correntes/organizações que passaram, majoritariamente, a defender uma estratégia

de guerrilha urbana que foi fragorosamente sufocada e derrotada pelo regime militar

brasileiro:

27

A decepção com a vitória relativamente fácil dos golpistas levou a uma profunda revisão e discussão entre a esquerda e a intelectualidade brasileira. As elaborações críticas sobre as estratégias e as alianças de classe no período pré-64, as expectativas no getulismo na aliança “nacional-popular”, foram feitas nesses anos de revisão, entre 64 e 77. O mesmo se deu no interior das organizações de esquerda, em particular no PCB, o que teve a maior responsabilidade na orientação de adaptação ao governo Jango e o mais atingido. Uma série de cisões se seguiram, a maioria optando pelo caminho da guerrilha foquista, que igualmente acabou isolada e derrotada. Em geral, as correntes que optaram pela orientação da luta armada, embora utilizassem métodos radicais, não definiam a estratégia política de forma a romper com as orientações da esquerda tradicional que havia participado da visão policlassista, elaborada pelo PCB. Partiam de uma visão de transformação revolucionária não socialista do país, passando por uma aliança com setores da burguesia nacional em um futuro governo popular revolucionário, ainda que para chegar a esse objetivo colocassem a necessidade de criar um grupo armado. (Idem, ibidem, p. 42)

Com a eliminação política dessas organizações foquistas, além do intenso

debate aberto na esquerda sobre a conciliação de classes, o fracasso da estratégia

de guerrilha e a adaptação ao regime e ao Estado burguês, abriu-se um vazio

político.

Além do processo de modernização e industrialização que marcou o

“milagre econômico” ter produzido uma nova classe trabalhadora, sem a experiência

organizativa do período pré-1964, o que restou dos trabalhadores que viveram a

fase de lutas mais acirradas anterior ao golpe militar já não tinha referências

políticas e sindicais na antiga direção e em sua estratégia derrotada de conciliação

de classes. A desmoralização dessa política de colaboração, e o sumiço dos antigos

dirigentes que apostaram na luta foquista (praticamente todos foram mortos ou

exilados), por sua vez, eliminaram qualquer legado ou trabalho político mais

estruturado dessas velhas direções.

Toda essa ausência de organização política dos trabalhadores se

combinou com o crescimento da classe operária e com a forte opressão imposta

pelas condições de trabalho num regime em que a ditadura, por um lado, aniquilou

as antigas direções sindicais e, por outro, realizou intervenções nos sindicatos para

lá colocar lideranças totalmente cooptadas e atreladas aos interesses do governo

militar. Esse papel delegado aos sindicatos pelo regime, as imposições da ditadura e

as condições inaceitáveis de trabalho foram acumulando uma insatisfação

inicialmente silenciosa, mas que posteriormente se transformou um barril de pólvora

prestes a explodir.

28

Enquanto o “milagre econômico” conseguiu manter uma estabilidade

econômica e um poder aquisitivo mínimo para os assalariados, o regime militar

parecia inabalável. A taxa de crescimento das grandes empresas em função dos

benefícios estatais e pelo elevado grau de exploração sobre os trabalhadores atraiu

investimentos estrangeiros e aqueceu a economia, produzindo uma sensação de

melhora das condições de vida em um setor importante da classe trabalhadora.

No entanto, a partir da crise internacional do petróleo, em meados da

década de 1970, uma forte recessão se instalou na economia mundial,

principalmente nos países centrais do capitalismo, obrigando as multinacionais a

retrair seus investimentos, o que afetou o fluxo de capitais no Brasil. Com a queda

nos investimentos, a produção é afetada e a balança comercial do país entra em

desequilíbrio, provocando uma alta inflacionária que leva a economia à recessão.

A elite brasileira, totalmente dependente da burguesia internacional, viu

seus lucros caírem vertiginosamente em função do déficit causado pela elevação do

custo geral das importações. O “milagre econômico” vivia seus últimos momentos,

generalizando a insatisfação do povo:

... O milagre econômico havia criado uma base social minoritária na população, que a ele associava sua melhoria de vida, a ascensão social: setores de classe média e mesmo algumas camadas assalariadas do setor de serviços e da indústria puderam financiar suas casas, adquirir seus carros etc. O regime bonapartista havia se aproveitado entre 69 e 73 de uma conjuntura internacional ainda favorável, com o ingresso de capitais e inversões das multinacionais a baixos juros. Já em meados da década de 70, com as crises do petróleo, a situação internacional muda. A dívida externa começa a disparar, os juros sobem, os investimentos diminuem. Os ventos começaram a mudar, a inflação começou a subir novamente, a onda do “milagre”, do “Brasil Grande” tão forte durante o governo Médice, já não era mais engolida facilmente. O esgotamento do modelo colocou em xeque a estrutura montada em cima de seu anterior “sucesso”. A crise do “milagre” empurrava para a oposição setores da classe média. Começava a haver fricções do regime com o próprio empresariado. No operariado, a princípio passivo [...], vinha aumentando um descontentamento surdo ... (Idem, ibidem, p. 48-49)

Percebendo a crescente insatisfação, em 1974 o governo de Ernesto

Geisel (1974-1979) inicia uma política de flexibilização do regime, de relaxamento

das restrições democráticas, na perspectiva de manter o controle político da

situação do país (mais polarizada) e, com isso, prevenir qualquer possibilidade de

ascenso popular contra a ditadura.

29

Contudo, a piora nas condições de vida, o acúmulo de anos sob um ritmo

de trabalho exigido pelo novo padrão de intensificação da exploração se combinou

com o arrocho salarial imposto aos trabalhadores na década anterior e produziu uma

retomada das mobilizações sociais, que teve seu apogeu a partir da onda grevista

que se iniciou com a greve da Scania em 1978, na região do ABCD paulista. Não

adiantava destampar a panela de pressão somente quando ela estava prestes a

explodir:

A paralisação da Scania [...] gerou uma reação em cadeia, que fez pipocarem greves por todo o ABCD. A onda depois se alastrou para São Paulo e Osasco, outro grande município da Grande São Paulo. Por fim, mobilizou metalúrgicos em todo o estado de São Paulo, tendo atingido, no conjunto, 150 mil trabalhadores. (SINGER, 2001, p. 16-17)

No ano seguinte, em 1979, a onda de greves continuava. E,

diferentemente de 1978, as greves não tinham mais um caráter de “greves por

empresa”, passando a ser construídas por ramo de atividade. “O salto no número de

grevistas e de dias parados já refletiu essa maior organização e o exemplo vitorioso

das greves de 78. Mais de 1.400.000 trabalhadores pararam e dessa vez primaram

as greves por categoria” (WELMOWICKI, 2004, p. 53).

Isto radicalizou um ascenso operário que se deu inicialmente de forma

espontânea, aprofundando o grau de organização de uma classe trabalhadora

jovem, inexperiente na luta de classes, mas que apesar da “imaturidade”, trazia

consigo uma ausência de referência nas antigas direções que fez com que surgisse

uma nova vanguarda poderosa, sem os “vícios” da conciliação de classes. Ao

contrário, todo o acúmulo da insatisfação social, potencializada pela motivação

comum das reivindicações salariais, condições de trabalho e pela existência de um

regime totalitário, gerou um fenômeno poderoso de identificação política do conjunto

dos trabalhadores.

A nova e poderosa vanguarda surgida das lutas (constituída nas novas

direções sindicais, oposições e no ativismo mais destacado do “chão de fábrica”)

aparece, portanto, com uma cara e conteúdo distintos do sindicalismo do passado.

Era o Novo sindicalismo, produto genuíno de um rico processo de reorganização

que se apresentou como um movimento claramente posicionado contra os patrões e

o “velho sindicalismo” de conciliação de classes e atrelado ao Estado.

30

Assim como LENIN (2004, p. 283) descreveu a experiência dos russos na

Revolução de 1905, “cada mês desse período equivaleu a um ano de

desenvolvimento ‘pacífico’ e ‘constitucional’”. Num período de tempo muito curto, o

patamar de organização da classe trabalhadora brasileira dá um salto de qualidade:

sai de um estado de fragmentação, desorganização e desconfiança nas antigas

direções e em suas próprias forças, para dar impulso a um movimento de grande

vitalidade.

No curso desse amadurecimento, apoiado principalmente no classismo,

não demorou para os trabalhadores perceberem que a conquista das suas

reivindicações imediatas necessitava também de iniciativas que se enfrentassem

com a realidade política brasileira. Para que as greves fossem vitoriosas, era

necessário ganhar o conjunto dos setores explorados da população e se enfrentar

com as restrições do regime. Numa situação em que as greves ainda eram

encaradas como “subversão”, estava evidente que todo movimento que tomasse

grandes proporções e estabelecesse no horizonte alguma possibilidade de vitória,

teria que se transformar em luta política contra o poder instituído.

A partir daí, a vanguarda do novo sindicalismo foi percebendo que o

instrumento dos sindicatos não conseguia dar conta dessa luta política, pois era

necessário organizar toda a classe trabalhadora, independente das suas aspirações

corporativas, ao redor de interesses políticos que extrapolavam as demandas de

cada categoria em específico. Era preciso, portanto, um partido que reunisse os

trabalhadores para lutar por suas demandas imediatas e também por

transformações sociais que pudessem atender seus interesses. Isto se combinava

com o momento em que se introduzia – em função da reabertura política gradual

iniciada pelo Governo Geisel – um debate público sobre a formação de novos

partidos3. A discussão sobre um “partido de trabalhadores” foi inevitável.

O aparecimento de grupos políticos das mais variadas matizes

ideológicas e até mesmo intervenções em manifestações públicas ocorridas durante

as greves metalúrgicas em 1978, já sinalizavam a existência de um sentimento de

que criar um partido de trabalhadores era necessário.

3 Pouco mais de um ano após o golpe militar (20 de novembro de 1965), o então presidente Marechal Castelo Branco instituiu o bipartidarismo, com o Ato Complementar nº. 4. A partir daí só foram permitidas as legalizações de dois partidos: a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

31

Era o reflexo de que uma ampla diversidade de sujeitos foram

conduzidos, em função do rico processo de experiência com as lutas econômicas e

com o ascenso operário, a combinar suas ações – inicialmente espontâneas e

corporativas – com lutas que assumissem caráter político, como saída para

transformações no regime e no modo como se articulavam as instituições do Estado.

Estavam amadurecidas as condições objetivas para a criação do PT

como um instrumento de luta. O nome do partido também não seria uma mera

casualidade. Mesmo quando primeiros indícios da proposta de construção do novo

partido apareceram, era praticamente unânime que este deveria ser um “partido de

trabalhadores” ou um “partido operário”. O surgimento do PT correspondia não

apenas às necessidades objetivas de uma ampla camada dos trabalhadores

brasileiros, mas também a um acúmulo forjado durante uma profunda experiência

com a estratégia de conciliação das antigas direções e com um verdadeiro ódio de

classe nutrido após anos de muita exploração e opressão.

Longe de ser um acidente histórico, mas igualmente sem resultar de uma

idéia política original, o PT surgia – com todas as suas particularidades e

ambivalências – com uma proposta muito clara: um partido sem patrões.

2.2 PT sem patrões: do classismo “anticapitalista” às primeiras inflexões

Oriundo desse ascenso do movimento operário e sindical do fim da

década de 1970 e intimamente conectado com uma desestabilização da ditadura

militar brasileira – que por sua vez derivava de uma grande crise do capitalismo –, o

PT surge no cenário político como uma organização nos moldes de um partido

exclusivo da classe trabalhadora, articulando no seu interior uma gama de grupos e

correntes políticas das mais variadas matizes ideológicas.

“O PT é resultado [centralmente] de reunião de três correntes: 1) a

sindicalista, formada pelos sindicatos, principalmente do ABC paulista; 2) pelas

comunidades de base, controladas pela Igreja [...]; 3) pequenos grupos

esquerdistas” (CARONE, 1984, p. 22, comentário nosso) e a sua proposta era ser

um partido que pudesse, além de organizar os trabalhadores, se apresentar como

uma experiência organizativa distinta das antigas direções colaboracionistas e

também dos partidos vinculados à tradição stalinista do “socialismo real”.

32

Essa proposta se apoiava em três elementos políticos relativamente

amadurecidos na vanguarda: o reconhecimento do classismo como uma

necessidade para enfrentar as agruras do capitalismo brasileiro, a oposição à ordem

política vigente (ditadura militar) e a pressão para se construir uma ferramenta que

organizasse a classe trabalhadora brasileira ao redor dessa aspiração classista, mas

abarcando o conjunto de todas as correntes do movimento. Foi este acúmulo que

permitiu que tendências cujas concepções políticas rivalizavam abertamente – com

destaque para os trotskistas e os sindicalistas – convergissem na construção do PT.

As correntes trotskistas, em que pese sua pequena influência, tiveram um

papel importante na criação do PT. A formação do PT é uma idéia “comum a várias

fontes, mas é a Convergência Socialista4 que lhe dá o arranco inicial“ (Idem, ibidem).

Em 24 de janeiro de 1979, o militante da Convergência Socialista e ativista

metalúrgico da base sindical de Santo André, José Maria de Almeida, “foi um dos

defensores da idéia da formação de um PT no [IX] congresso dos metalúrgicos de

Lins” (ARCARY, 2011, p. 65, comentário nosso), propondo publicamente um

manifesto convocando todos os trabalhadores brasileiros a construir seu próprio

partido, o Partido dos Trabalhadores.

O manifesto – conhecido como a Tese de Santo André-Lins – é aprovado

e o princípio da independência política da classe trabalhadora se mostra claramente

como um fundamento central desde a formalização política da criação do partido:

Enquanto vivermos sob o capitalismo, este sistema terá como fim último o lucro, e para atingi-lo utiliza todos os meios [...]. Enquanto estiver sob qualquer tipo de governo de patrões, a luta por melhores salários, por condições dignas de vida e de trabalho, justas a quem constrói todas as riquezas que existe neste País, estará colocada na ordem do dia a luta política e a necessidade da conquista do poder político. A história nos mostra que o melhor instrumento com o qual o trabalhador pode travar esta luta é o seu partido político. Por isso, os trabalhadores têm que organizar os seus partidos que, englobando todo o proletariado, lutem por efetiva libertação da exploração. [...]

4 Convergência Socialista (CS) foi uma organização trotskista brasileira que existiu no Brasil entre 1978 e 1992. Sua origem remete a um movimento impulsionado por uma organização clandestina chamada Liga Operária, que em 1978 passou a se chamar Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) e forçou os limites da ditadura, propondo a criação do Movimento Convergência Socialista (MCS). Este movimento tinha o objetivo de participar da vida política de forma aberta e legal no Brasil, com vistas à criação de um partido de trabalhadores com influência de massas. Em 1979, o PST se dissolve no MCS e passa a se chamar definitivamente Convergência Socialista. Com a fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980, a CS passa a ser ao mesmo tempo uma organização ilegal e uma tendência do PT, permanecendo assim até 1992, quando foi expulsa do partido por realizar uma campanha política aberta pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello e por novas eleições presidenciais. Após a saída do PT, a CS inicia um movimento pela criação de um partido socialista, que posteriormente (1994) deu origem ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).

33

[...] As aberturas democráticas que estão se delineando não representam, nem de longe, o fim da exploração a que os trabalhadores estão submetidos [...]. Combinam-se, portanto, a necessidade da construção de independência política dos trabalhadores com a necessidade de um instrumento de luta pela conquista do poder político. [...] (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 47, grifos nossos)

O acordo ao redor de um manifesto proposto por essa pequena

organização trotskista brasileira, que apresentava profundas divergências teóricas,

programáticas e estratégicas com o grupo que posteriormente viria a ser

hegemônico e dirigente no PT, revelava a riqueza daquele momento político. Mas

não apenas.

Já no processo de surgimento do PT, uma tendência (minoritária no

movimento de massas) apresenta uma proposta programática com pressupostos

claramente vinculados ao marxismo e esta é aprovada. Conforme SINGER (2001, p.

20), “o papel dos trotskistas foi o de servir de veículo para que chegasse até o ABCD

a descoberta teórica de Marx de que o movimento operário teria um papel político

central na evolução do capitalismo” e, por conseguinte, foram justamente essas

organizações as responsáveis por introduzir os primeiros vínculos do PT com o

marxismo – mesmo que o PT não possa ser considerado, nem de longe, um partido

marxista e ainda que esta relação tenha sido marcada por profundas crises e

polêmicas no interior da organização. Não é por acaso que o texto do manifesto pela

fundação ressalte elementos genuinamente marxistas, como a idéia de que o PT

seja

... Não um partido eleitoreiro, que simplesmente eleja representantes na Assembléia, Câmara e Senado, mas que, além disso e principalmente, seja um partido que funcione do primeiro ao último dia do ano todos os anos, que organize e mobilize todos os trabalhadores na luta por suas reivindicações e pela construção de uma sociedade justa, sem explorados e exploradores. (Idem, ibidem, p. 48)

Por outro, o acordo sobre essa resolução – sem negar o processo que

sintetizou ao mesmo tempo consenso e enfrentamento/diferenciação entre todos os

grupos, facções, tendências e movimentos que passavam naquele momento a

construir a disputa de hegemonia dentro do PT – revelava como se consolidou o

classismo como a referência central e fundante do partido.

34

Não foram apenas os trotskistas e os grupos mais à esquerda que

passaram a reivindicar a construção de um partido dos trabalhadores, sem patrões.

Durante os anos de 1978 e 1979, os “novos sindicalistas” – embora não tenham sido

os primeiros a tornar pública essa idéia, também já amadureciam a proposta de criar

o PT. E tinham suas razões:

Lula relata que em setembro [de 1978] fez uma viagem a Brasília, com vista a obter apoio parlamentar para uma legislação menos repressiva às greves. No Congresso, fica impressionado pelo fato de que, dentre os mais de cem deputados procurados por ele e pelos colegas que o acompanharam, apenas dois têm origem operária. “Lá, depois de conversar com todos os deputados, voltei para casa pensando o seguinte: ‘Eu era um babaca, um bobão!’. Eu e todos os outros. Como é que nós queríamos que os aliados dos nossos patrões fossem fazer as leis que interessassem à classe trabalhadora? De 482 deputados só tinha dois operários, que eram o Aurélio, do PC do B, e o Benedito Marcílio, que era do MDB. Não tinha mais nenhum companheiro ligado ao sindicato; ligado à classe trabalhadora.” Ao voltar a São Paulo, Lula começou a discutir com Jacó Bittar e Olívio Dutra a idéia de fundar um partido para que os trabalhadores tivessem aliados em Brasília. Em dezembro, convoca uma reunião com 12 presidentes de sindicatos e apresenta a proposta de modo formal. Apenas três dos presentes aderem à idéia [...]. Pouco depois, o grupo recebe a adesão de outros três sindicalistas [...]. Este será o pequeno grupo que levará adiante a proposta do PT. (SINGER, 2001, p. 21, comentário nosso)

Enquanto os trotskistas se inspiravam nas teses marxistas para construir

um partido dos trabalhadores e, dentro dele, disputar o conjunto da organização

para a estratégia revolucionária; os sindicalistas queriam um partido para ocupar os

espaços no parlamento e utilizar sua influência para garantir condições mais

favoráveis à classe trabalhadora (reformas). Mesmo com estratégias diferentes, as

“duas iniciativas, a do trotskismo e a do novo sindicalismo, convergem para uma

única saída: o Partido dos Trabalhadores” (Idem, ibidem, p. 22).

Era evidente que estava estabelecida, já na proposta de criação do PT, a

disputa central que marcaria o partido durante boa parte da sua trajetória: a

estratégia revolucionária contra o reformismo. Entretanto, apesar dos conflitos,

estavam dadas as bases de um acordo político que unificava o conjunto dos agentes

constitutivos do partido: a afirmação do critério de classe e da independência política

para lutar. E este foi o elemento determinante para que a criação do PT fosse bem

sucedida.

35

Tanto os pequenos grupos mais à esquerda quanto os principais

expoentes do Novo sindicalismo (claramente reformistas) tinham acordo com esse

critério e isto demarcou uma fronteira fundamental entre os defensores do projeto de

construção consubstanciado no PT e os demais setores de oposição à ditadura,

revelando a experiência de uma considerável parcela da classe trabalhadora e a

ruptura com a concepção policlassista de partido, que na época se expressava no

“trabalhismo” de Brizola e no projeto de conciliação de classes defendido pelo PCB.

Essa experiência voltada para a organização da classe trabalhadora e de

construção autônoma de seu projeto político conseguiu, animada pelo ascenso,

influenciar durante um período inclusive os setores não referenciados no marxismo

revolucionário para posições conseqüentes de independência de classe. Já havia,

em 1978, uma movimentação de setores do MDB5 para formar uma nova

organização de oposição ao regime, contudo, diante da iminência do fim do

bipartidarismo que já era sinalizado pela abertura política no fim do governo Geisel e

diante do surgimento do PT, não houve qualquer possibilidade de acordo.

Mas o exemplo mais categórico dessa guinada à esquerda foi a inflexão

ocorrida nas lutas sindicais, que se transformaram em luta de natureza política

contra o regime e o capitalismo; e cujos dirigentes, antes integrados à burocracia

sindical atrelada ao regime, foram forçados a assumir um papel que a maioria não

imaginava (e até mesmo nem queria) ocupar. A reflexão do maior protagonista

dessa inflexão à época, Luís Inácio Lula da Silva, demonstra como o novo

sindicalismo se desenvolveu, do sindicato até o partido, determinado por esta

conjuntura:

... eu era um dirigente apolítico até 77. Foi só com as greves que percebemos a necessidade de participação política. Vimos que os dois campos estavam muito ligados. Que não adianta ganhar 10% se quem está no poder tem meios para baixar uma política salarial para tirar todas as conquistas da classe trabalhadora. [...] a década de 70, embora apenas com três anos de prática de sindicalismo, foi muito positiva por três coisas básicas:

5 Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foi um partido articulado durante a ditadura cívico-militar brasileira, com o objetivo de abrigar em seu interior os opositores ao regime militar, em contraposição à Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Sua composição social era policlassista e sua atuação durante a ditadura foi marcada pela tentativa de enfraquecer o regime através da disputa “eleitoral”, ainda que o Congresso Nacional fosse completamente controlado pela cúpula militar que detinha o poder político. Em função do anseio popular pela volta das liberdades e o ascenso do movimento operário, o MDB intensificou a pressão política sobre o regime e o Governo Figueiredo (1979) foi obrigado a decretar a anistia e uma reforma política que estabeleceu o fim do bipartidarismo. Meses depois, o MDB se transformaria no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

36

1. os trabalhadores se redescobriram como único setor da sociedade capaz de propor uma transformação na sociedade. 2. Com este redescobrimento, quebramos de uma vez por todas com a lei antigreve e com uma lei de arrocho salarial. 3. Com tudo isso, descobrimos coisa ainda maior. Que não bastava passar por cima da legislação de exceção e fazer greve. Que não bastava quebrar a lei de arrocho, que só isso não iria solucionar o problema dos trabalhadores. Descobrimos então a necessidade da organização política do trabalhador para que servisse de amparo e de alternativa de organização. Daí a proposta do Partido dos Trabalhadores, PT. (DA SILVA, 1979, grifos nossos)

Apesar de uma ausência de clareza no discurso de Lula sobre que tipo de

transformação os trabalhadores aspiram historicamente, o solo sócio-histórico que

sintetizou o recrudescimento dos ataques dos capitalistas aos trabalhadores, as

exigências democráticas contra a ditadura e o ascenso do movimento operário

levaram a vanguarda do “novo sindicalismo” (e, junto com ela uma fração

significativa das massas trabalhadoras) a assumir posições claramente vinculadas a

um instrumento político de orientação anticapitalista: a) a compreensão da classe

trabalhadora como sujeito social da transformação; b) uma luta transgressora dos

limites permitidos pelo Estado e sua ordem legal, como necessária à transformação

social; e c) a necessidade de um partido como organização coletiva da classe que

apontasse a direção das tarefas de transformação.

Isto fez com que as mesmas lideranças reformistas oriundas da

burocracia sindical, que não tinham nenhum acordo com um norte marxista para o

PT, defendessem uma concepção de partido totalmente distinta da expressa pelos

setores do MDB e bem mais à esquerda que suas próprias aspirações originais.

Assim, foi possível unificar os círculos próximos a Lula (como porta-voz dos

sindicalistas e figura mais reconhecida do movimento pró-PT) e grupos radicais6

como, por exemplo, a Convergência Socialista, em prol da construção do novo

partido classista e com independência de classe.

A afirmação desse classismo como princípio do PT se expressa de forma

bastante categórica desde a Carta de Princípios, elaborada em 01 de maio de 1979,

quando da nomeação da Comissão Nacional Provisória do partido:

6 Aqui, toma-se a terminologia “radical” em seu sentido etimológico, referindo-se a um grupo radical como uma organização que se propõe a investigar e intervir na resolução dos problemas da classe trabalhadora a partir da “raiz” da questão, ou seja, a partir de ações que se vinculam a uma estratégia de superação da sociedade capitalista.

37

A idéia da formação de um partido só dos trabalhadores é tão antiga quanto a própria classe trabalhadora. Numa sociedade como a nossa, baseada na exploração e na desigualdade entre as classes, os explorados e oprimidos têm permanente necessidade de se manterem organizados à parte, para que lhes seja possível oferecer resistência séria à desenfreada sede de opressão e de privilégios das classes dominantes. [...] O MDB, pela sua origem, pela sua ineficácia histórica, pelo caráter de sua direção, por seu programa pró-capitalista, mas sobretudo pela sua composição social essencialmente contraditória, onde se congregam industriais e operários, fazendeiros e peões, comerciantes e comerciários, enfim, classes sociais cujos interesses são incompatíveis e onde, logicamente, prevalecem em toda a linha os interesses dos patrões, jamais poderá ser reformado. A proposta que levantam algumas lideranças populares de “tomar de assalto” o MDB é muito mais que insensata: é fruto de uma velha e trágica ilusão quanto ao caráter democrático de setores de nossas classes dominantes. [...] O PT proclama também que sua luta pela efetiva autonomia e independência sindical, reivindicação básica dos trabalhadores, é parte integrante da luta pela independência política destes mesmos trabalhadores. [...] [...] Repudiando toda forma de manipulação política das massas exploradas, [...] o PT recusa-se a aceitar em seu interior representantes das classes exploradoras. Vale dizer, o Partido dos Trabalhadores é um partido sem patrões! (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1979a, grifos nossos)

A essência dessa bandeira da independência de classe levantada pelo

conjunto dos setores que reivindicavam a construção do PT produziu um fenômeno

interessante, que marcaria a trajetória do partido durante muitos anos: a pecha de

“xiita”. Parte da esquerda moderada, setores “democráticos” da pequena burguesia

e a classe média passaram a ver no PT uma organização “radical” demais, em

função não apenas dos métodos utilizados nas lutas em que os protagonistas do PT

estavam envolvidos, mas sobretudo pelo programa levantado, que sugeria um ódio

de classe à burguesia que até então não tinha sido uma característica marcante da

esquerda brasileira. Mas, como a aparência não revela a essência, é preciso

identificar a “raiz do ‘radicalismo’” do PT, ou seja, se era parte de um programa e de

uma estratégia consciente ou se isto esteve mais vinculado a uma especificidade

particular daquela conjuntura.

38

Não são incomuns as dúvidas sobre se este era em sua origem e de fato,

um partido para a transformação socialista. O fato do PT assumir-se como uma

organização exclusiva dos trabalhadores com o objetivo de “acabar com a relação

de exploração do homem pelo homem” (Idem, ibidem) poderia lhe conferir uma

natureza revolucionária? Ou o PT já surge como um objeto atravessado por

profundas contradições e enfrentamentos – potencializado à esquerda pela

radicalização de sua base social e, por outro lado, tensionado à direita pela “via

espontânea” que brota das aspirações imediatas das massas e da ideologia

fortemente difundida pelos dirigentes do sindicalismo reformista?

As respostas para tais perguntas são importantes porque a transfiguração

do PT atual numa metamorfose totalmente distinta de suas diretrizes originárias

pode ser “explicada” por várias “teorias”, que vão desde um niilismo anarquista que

advoga a tese de que corromper-se seria a via natural para todos que disputam o

poder; até a concepção de que se o PT foi de fato uma organização “revolucionária”,

sua degeneração só demonstraria também o fracasso histórico do socialismo

científico e a necessidade de um “rearme teórico” em direção a uma transformação

que não seria socialista, mas que também não se sabe ao certo que caráter deve

possuir.

Responder essas perguntas, portanto, significa pavimentar o caminho

para a explicação das transformações ocorridas no PT, mas também para aprender

as lições estratégicas que as inflexões políticas e teóricas dessa organização nos

deixam. Principalmente porque sempre existiu uma relação política entre as teses

reivindicadas pelo PT e uma defesa – ainda que abstrata – de alguma espécie de

“socialismo”.

Na Carta de Princípios de 1979, que continha vigorosas referências

classistas, há uma menção esparsa sobre o socialismo: “O PT afirma seu

compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não

há socialismo sem democracia e nem democracia sem socialismo” (Idem, ibidem).

Aqui, embora haja uma fórmula muito genérica do que seria a sociedade socialista, a

afirmação de uma democracia exercida diretamente pelas massas revela a busca do

partido por uma democracia que de algum modo se contrapõe à democracia

representativa burguesa. Ou seja, havia elementos visíveis de uma política anti-

regime.

39

Menos de seis meses depois da elaboração dessa Carta de Princípios, no

dia 13 de outubro de 1979 a Comissão Nacional Provisória recém-eleita redige uma

Declaração Política que versa sobre a origem, o movimento pró-PT e outras

questões, reafirmando vários princípios importantes, como o classismo e a tomada

do controle econômico e político pelos trabalhadores: “O PT luta para que todo

poder econômico e político venha a ser exercido diretamente pelos trabalhadores,

única maneira de pôr fim à exploração e à opressão” (PARTIDO DOS

TRABALHADORES, 1998, p. 56).

Esta Declaração Política reafirma a Carta de Princípios e sintetiza,

conforme anteriormente citado, a mesma intenção de construir o partido para

“apoderar-se do poder político e implantar o governo dos trabalhadores, baseado

nos órgãos de representação criados pelas próprias massas trabalhadoras com

vistas a uma primordial democracia direta” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1979).

No entanto, como o documento desta vez foi elaborado e apresentado

pela Coordenação do Movimento Pró-PT, de influência hegemônica dos dirigentes

sindicalistas – ao contrário da Carta de Princípios, que foi redigida por militantes da

Convergência Socialista, para só depois ser aprovada por “consenso” –, a

intervenção de Lula e dos círculos próximos a ele foi decisiva em uma questão

aparentemente “pouco relevante”, mas que expressa desde seu início o embate

teórico-político que marcaria toda a trajetória do PT: a expressão “socialismo” foi

retirada da proposta inicial do texto.

Esta Declaração Política também foi aprovada junto com uma Plataforma

Política que ratificou a primeira Comissão Nacional Provisória e convocou, para

quatro meses à frente, o encontro de fundação do PT. Nesse encontro histórico,

realizado no Colégio Sion, na cidade de São Paulo, foi finalmente aprovado o

Manifesto de Lançamento (fundação) do partido. Nele, constavam todos os acordos

mais importantes sobre os quais se consensuava a fundação do PT como fruto “da

decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não

pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria

de privilegiados” (Idem, 1980a, grifo nosso) e “da vontade de independência

política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os

políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem

econômica, social e política” (Idem, ibidem, grifo nosso).

40

Estava mantida, portanto, a marca de um partido exclusivo de

trabalhadores, para lutar contra o capitalismo. Mas, os tensionamentos a respeito do

norte estratégico do PT persistiam.

No Manifesto, além da ausência de menção ao socialismo, a referência à

expressão “classe trabalhadora”, tão fartamente encontrada na Carta de Princípios,

simplesmente some do texto. No seu lugar, surge uma primeira inflexão que aponta

para uma uniformização do conjunto de sujeitos como “cidadãos”, numa tendência

de apagar as marcas de classe: “O PT lutará por todas as liberdades civis, pelas

franquias que garantem, efetivamente, os direitos dos cidadãos e pela

democratização da sociedade em todos os níveis” (Idem, ibidem).

Ora, mas como um partido que surge levantando a bandeira do

classismo, expondo a necessidade de independência dos trabalhadores, de ser ele

próprio um “partido sem patrões”, ao mesmo tempo – no momento de sua fundação

– já se expressa de uma forma dúbia a respeito justamente do elemento de classe?

A chave para esta questão reside justamente na disputa entre duas tendências

postas dentro do PT desde o seu nascedouro: marxismo revolucionário versus

reformismo.

O dirigente sindical e fundador do PT, José Maria de Almeida, em

entrevista concedida ao historiador Felipe DEMIER (2003, p. 28), relata de forma

categórica esse processo de enfretamento já no momento de fundação do partido:

... com um olhar bastante rigoroso, serei obrigado a dizer que, já no congresso de fundação do PT, o partido começou a mudar. Quando reunimos um grupo de sindicalistas, de militantes de esquerda, no final da década de 1970, e discutimos a idéia de fundar o PT, nós escrevemos uma carta de princípios que estabelecia um programa para o partido, que foi divulgado ou deveria ter sido divulgado no 1º de Maio de 1980. Esse programa foi modificado no momento mesmo da fundação do partido porque não houve acordo entre os setores da Igreja Católica, os dirigentes sindicais e a intelectualidade que, naquele momento, afluíram à idéia do PT.

Essa tensão ficou marcada de forma profunda já na fundação do PT e

assim continuou durante o processo de consolidação do partido. Pouco mais de um

ano depois, em agosto de 1981, o PT faria o seu I Encontro Nacional, que elegeu a

primeira direção orgânica e concretizou o partido como um instrumento que inclusive

foi capaz de vencer as barreiras da restritiva legislação partidária e suas exigências

legais. Nesse encontro, os temas controversos voltaram à tona.

41

Este encontro foi fundamental não apenas para impulsionar a nova

alternativa que surgia com o PT, mas, sobretudo, para ir demarcando o grupo dos

sindicalistas e dos círculos próximos a Lula como o setor efetivamente influente

(dirigente) no partido. A legitimidade adquirida por Lula como liderança das maiores

greves operárias realizadas no período e a grande visibilidade sobre sua figura

construiu uma importância simbólica que foi utilizada como um pólo de atração

dentro do PT, em torno de um eixo político que aglutinava o conjunto do partido

naquele momento histórico e, ao mesmo tempo, estabelecia demarcações com as

tendências do marxismo revolucionário. Tudo isto sabiamente utilizado com

elaborações que, de um modo ou de outro, também se apoiavam em categorias

marxistas, como o conceito de classe, exploração, socialismo, dentre outras.

Foi desse modo que o “grupo do Lula” (cristalizado mais adiante em uma

corrente política bem definida, a Articulação7) iniciou uma trajetória de construção de

uma hegemonia no PT que posteriormente, como se verá, foi utilizada para não

dispersar o conjunto do partido quando este iniciou seu movimento de cada vez mais

adesão ao reformismo e a perspectiva de administração do capital. No discurso de

Lula como primeiro presidente do PT, no I Encontro Nacional do partido, havia a

preocupação de que era necessário afirmar o socialismo (como forma de responder

ao sentimento geral de que o capitalismo não serve para os trabalhadores), mas, ao

mesmo tempo, o fazer em termos “genéricos”, evitando demarcações claras que

pudessem comprometer o partido com uma tendência teórico-política claramente

marxista – o que poderia trazer problemas em caso de futuras disputas políticas,

programáticas e teóricas. Se por um lado afirmava que

... Não queremos apenas melhorar as condições do trabalhador explorado pelo capitalista. Queremos mudar a relação entre capital e trabalho. Queremos que os trabalhadores sejam donos dos meios de produção e dos frutos de seu trabalho. E isso só se consegue com a política. O Partido é a ferramenta que nos permitirá atuar e transformar o poder neste país. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 107, grifos nossos)

7 Articulação é uma corrente interna do PT que se constituiu oficialmente em 1983, a partir da elaboração do Manifesto dos 113, mas que já tinha atuação política desde a fundação do partido, ao redor dos setores que atuavam nos sindicatos, nas Comunidades Eclesiais de Base e num setor da intelectualidade de esquerda. Apesar da existência de uma boa variedade de correntes no PT, com exceção de períodos muito curtos, a Articulação praticamente ocupou uma posição hegemônica dentro do partido, durante toda a sua história. Suas principais referências no período de fundação e consolidação do partido foram Frei Betto, Francisco Weffort, Jacó Bittar e Luís Inácio Lula da Silva.

42

Por outro, dizia:

Nós, do PT, sabemos que o mundo caminha para o socialismo. Os trabalhadores que tomaram a iniciativa histórica de propor a criação do PT já sabiam disto muito antes de terem sequer a idéia da necessidade do Partido. E, por isso, sabemos também que é falso dizer que os trabalhadores, em sua espontaneidade, não são capazes de passar ao plano da luta dos partidos, devendo limitar-se às simples reivindicações econômicas. [...] Mas o problema não é apenas este. Não basta alguém dizer que quer o socialismo. A grande pergunta é: qual socialismo? [...] Estamos, por acaso, obrigados a seguir este ou aquele modelo, adotado neste ou naquele país? Nós, do Partido dos Trabalhadores, queremos manter as melhores relações de amizade com todos os partidos que, no mundo, lutam pela democracia e pelo socialismo. Este tem sido o critério que orienta e continuará orientando os nossos contatos internacionais. Um critério de independência política, plenamente compreendido em todos os países por onde andamos, que devemos aqui declarar em respeito à verdade e como homenagem a todos os partidos amigos. [...] [...] Sabemos, também, que não nos convém adotar como perspectiva um socialismo burocrático [...]. O socialismo que nós queremos se definirá por todo o povo, como exigência concreta das lutas populares, como resposta política e econômica global a todas as aspirações concretas que o PT seja capaz de enfrentar. Seria muito fácil [...] nos decidirmos por uma definição ou por outra. Seria muito fácil e muito errado. O socialismo que nós queremos não nascerá de um decreto, nem nosso, nem de ninguém. O socialismo que nós queremos irá se definindo nas lutas do dia-a-dia, do mesmo modo como estamos construindo o PT. (Idem, ibidem, p. 114, grifos nossos)

Este discurso de Lula, que se transformou num dos textos-base

constituintes do PT, já indicava, de forma magnificamente sutil, sobre que terreno se

daria a luta entre marxismo revolucionário e reformismo: um solo fluido, cheio de

ambivalências e também referências (por parte de ambos os campos) nas

categorias marxistas.

Ao mesmo tempo em que o texto reforça a necessidade do instrumento

“partido”, ele também afirma que os trabalhadores podem, espontaneamente,

construir a transição socialista sem a necessidade de uma direção política (oriunda

do amadurecimento de camadas mais avançadas que se desenvolvem das próprias

massas) que traduza a força social posta em movimento em tarefas centralizadas

contra o capitalismo.

43

Ao passo que afirma a importância da solidariedade internacional e do PT

manter relações com organizações que lutam pelo socialismo ao redor do mundo,

reivindica uma completa independência do partido frente à luta da classe

trabalhadora para além das fronteiras nacionais, como se fosse possível (ainda que

isto esteja apontado somente de forma implícita) a superação do capitalismo em um

único país.

Do mesmo modo que afirma a centralidade do método da ação direta

(“lutas do dia-a-dia”, em detrimento da ação institucional), adota uma concepção

genérica de “socialismo” que sequer faz referência à questão da tomada do poder,

como se o socialismo, definindo-se nessas “lutas do dia-a-dia”, brotasse

“naturalmente” ou de forma pacífica, sem crises ou rupturas revolucionárias

violentas. E tudo isto atravessado por uma definição que, já de início, abre a

possibilidade do PT abraçar concepções amplas, ecléticas, desprendendo o partido

de qualquer teoria “oficial”, inclusive a marxista: “Estamos, por acaso, obrigados a

rezar pela cartilha do primeiro teórico socialista que nos bate à porta?” (Idem,

ibidem).

Como se percebe, no momento de fundação do PT já se expressavam

polêmicas decisivas para qualquer partido que se supõe instrumento de superação

do capitalismo. No entanto, as diferenças postas entre a espontaneidade das

massas como suficiente para elevar a consciência da classe trabalhadora à

consciência revolucionária e o centralismo democrático8 de inspiração leninista; o

problema do internacionalismo proletário; e a possibilidade ou não de transição

socialista “pacífica e democrática” em contraposição à idéia de “tomada do poder”,

perdiam peso diante da demarcação até ali consensual de que a saída é o

socialismo: “Os trabalhadores são os maiores explorados da sociedade atual. Por

isso sentimos na própria carne e queremos [...] uma sociedade sem exploradores.

Que sociedade é esta senão uma sociedade socialista?” (Idem, ibidem, grifo

nosso).

8 O centralismo democrático é uma formulação político-organizativa elaborada por Vladimir Ilitch Ulianov (Lenin). Em contraposição aos mencheviques, Lenin defendeu dentro do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR) uma organização de disciplina rígida, na qual a ampla discussão em organismos partidários centralizasse a ação do conjunto dos militantes. Lenin partia do pressuposto que essa forma organizativa era necessária na luta socialista, pois considerava que só a ação unitária da classe trabalhadora, golpeando como “um só homem” e orientada por um programa revolucionário que não surge espontaneamente, poderia ser capaz de derrotar o domínio econômico, político e ideológico da burguesia nos momentos de elevado acirramento da luta de classes.

44

A identificação dessas contradições é importante para apreender a

natureza do PT, desde a sua gênese. Ora, como pode um partido evitar ir a fundo na

problemática da tomada do poder, da forma de organização da classe trabalhadora

para este momento e, ao mesmo tempo, levantar a bandeira da organização

independente dos trabalhadores para construir o socialismo? Qual a razão que

justifica uma organização que assumiu um papel num momento tão importante para

os trabalhadores brasileiros, com um projeto tão ousado, simplesmente não buscar

as respostas científicas para pavimentar sua estratégia?

Quando o discurso elaborado (e tornado hegemônico) pela corrente

majoritária afirma que o socialismo “irá se definindo no dia-a-dia”, temos de um lado

uma demarcação pela necessidade do socialismo e, ao mesmo tempo, uma

imprecisão a respeito de qual estratégia o partido iria assumir. É claro que aqui não

se trata da exigência de elaboração de um programa a-histórico, como um programa

não fosse processual e nem fosse resultado de uma observação da tendência

histórica posta em determinada realidade. O fato é que estas elaborações obtusas,

imprecisas, indefinidas sobre a estratégia (sobretudo no tocante à forma

organizativa, concepção de democracia e se a transição socialista é pela via das

reformas ou através de uma revolução), demonstram claramente uma tentativa de

ao mesmo tempo aglutinar os mais variados grupos e tendências que tinham acordo

sobre o caráter progressivo do PT naquele momento e, ao mesmo tempo, evitar uma

delimitação maior que pudesse, mais adiante, comprometer o conjunto do partido

com uma estratégia revolucionária e marxista com a qual justamente o grupo que se

construía como dirigente não tinha concordância.

Mas, se a tendência que se forjava como hegemônica no PT não tinha

acordo com uma estratégia revolucionária marxista, qual a razão para que naquele

momento, afirmassem a necessidade do socialismo? É possível que uma tendência

reformista sofra, em determinadas particularidades históricas, de um “surto” que a

conduza à esquerda?

A explicação para isto é encontrada na análise histórica. Como foi visto, a

idéia do PT surge em um momento de ascenso da classe trabalhadora, quando os

operários se erguem para lutar contra a exploração dos patrões e o regime ditatorial

do governo. Naquele momento, a combinação de capitalismo em crise e massas

trabalhadoras em luta conduzia a um rápido amadurecimento político da classe.

45

Nesse contexto, o classismo e a luta anticapitalista ganham força social.

Os dirigentes sindicais responsáveis por liderar os grandes levantes operários no fim

da década de 1970 e início da década de 1980 enredaram-se, portanto, numa

contradição. A maioria não havia sido forjada e educada teoricamente no marxismo

– pelo contrário, mantiveram-se sempre nos limites estreitos da luta por salário e no

horizonte reformista –, mas por outro lado se construíram no calor de grandes lutas

sociais e que, em função da conjuntura, assimilaram elementos fortemente

anticapitalistas.

Esta é a razão pela qual, por exemplo, o “Lula de 1978” afirma que “deve

haver o direito de produzir e lucrar, assim como deve haver o direito do trabalhador

de exigir sua participação em parte desses lucros” (NÚCLEO AMPLIADO DE

PROFESSORES DO PT, 1981, p. 46), enquanto o “Lula de 1981” – depois de muito

relutar em manter a expressão “socialismo” no Manifesto de fundação do PT – diz

que “o socialismo que nós queremos terá que ser a emancipação dos trabalhadores.

E a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores” (PARTIDO

DOS TRABALHADORES, 1998, p. 114), numa alusão quase literal a Karl Marx e

Engels, quando afirmaram que “a emancipação dos trabalhadores deve ser obra da

própria classe trabalhadora” (MARX; ENGELS, 2003, p.19).

Mas isto não poderia expressar um “amadurecimento” das lideranças

sindicais, em direção a concepções de caráter mais radical? Não seria esta uma

demonstração do caráter “socialista” do PT, a ponto do processo de gênese do

partido conseguir ganhar a consciência desses setores para um projeto

revolucionário?

Isto poderia ser facilmente objetado, no entanto, a dinâmica dos setores

postulantes à direção do PT – de constantes ziguezagues que primavam por uma

recusa em definir-se claramente sobre as questões mais candentes do socialismo –

evidencia que o caminho percorrido por eles é totalmente distinto: não foi o PT em si

que os empurrou à esquerda, mas, como já visto, foi a conjuntura e as

determinações sócio-históricas postas que os obrigou a assumir o PT, num

determinado período, como um projeto anticapitalista e, ao mesmo tempo, que não

pretendia formular qualquer tipo de consenso acerca de qual seria a sua estratégia

de organização dos trabalhadores para uma luta estratégica pela transformação

social.

46

A maior indicação desta interpretação é que a partir do momento em que

a conjuntura se modifica e se apresenta como mais difícil para as lutas da classe

trabalhadora (refluxo), a disputa do marxismo com as perspectivas teóricas que se

acomodam ao capitalismo vai assumindo contornos mais contundentes, decisivos e

cada vez mais inconciliáveis, inclusive no tocante ao que antes seria “consenso”

entre todos, na fundação do PT: a) uma leitura geral da política pautada por critérios

de classe; b) a afirmação de um projeto independente dos trabalhadores; e c) a

organização da classe trabalhadora e sua mobilização permanente como centro da

ação política do partido. Valério Arcary, historiador e um dos fundadores do PT,

reafirma esta tese em entrevista a DEMIER (2003, p. 96, grifos nossos):

O incrível é que Lula, que cavalgou o grande ascenso em 1978 que culminou em 1984 com o Diretas Já, é o mesmo que depois comanda dentro do PT o giro à direita desse partido. Pelas condições do ascenso, o PT no seu berço foi muito mais à esquerda do que o plano original dos seus chefes. Por quê? Porque as massas pressionavam, as massas estavam à esquerda, e o PT só podia se construir se ocupasse esse espaço, senão a ala “autêntica” do PMDB tomava esse espaço. Em 1978/79 abriu-se uma etapa de reorganização do movimento operário e popular. Os velhos oportunistas do PCB, por inércia burocrática, ficaram onde estavam. Contudo, havia uma necessidade de representação da classe trabalhadora para além do que era o formato fechado do bipartidarismo (Arena/PMDB), que por oportunismo político – os oportunistas sabem que, às vezes, precisam girar à esquerda para não perder suas bases sociais – os chefes do PT souberam aproveitar.

Arcary corrobora, portanto, com a interpretação de que os grupos que

naquele momento se cristalizavam como direção dentro do PT não tinham interesse

em esclarecer o projeto histórico do partido, justamente pelo fato de que sua

“indecisão” programática revelava, ao mesmo tempo, a pressão que sofriam da sua

base social e ausência de um projeto estratégico claro de transformação em seu

horizonte. Como para esses setores o importante era não perder influência sobre

uma camada significativa da classe trabalhadora brasileira, giraram à esquerda, mas

evitando fazer qualquer promessa de que ali se manteriam.

Tem-se, portanto, os elementos mais determinantes do PT na sua origem

e, conseqüentemente, o que forjaram o seu caráter progressivo naquele momento,

no marco de uma disputa entre o marxismo revolucionário e o reformismo

estabelecida desde o seu nascedouro e que atravessou a trajetória histórica do

partido até a vitória definitiva da tendência que, mais adiante, determinaria a sua

natureza atual.

47

A gênese do PT se estabelece em meio a uma conjuntura de ascenso e

fortes lutas que enfrentavam, ao mesmo tempo, o elevado grau de exploração

imposto por uma nova reorganização da divisão do trabalho no capitalismo e um

regime ditatorial encabeçado pelas forças armadas militares e por frações da

burguesia. Ainda que não estivesse colocada na ordem do dia uma tomada de poder

dos trabalhadores, todas essas lutas - impulsionadas por greves operárias que

inicialmente se debruçavam apenas por condições materiais – rapidamente se

transformam em um movimento de contestação com caráter político, questionando a

ordem, enfrentando o regime, o Estado burguês e, portanto, assumindo caráter

anticapitalista.

O PT, que nasce no bojo desse processo, expressou o instrumento

organizativo que surgiu com o objetivo de dar sentido e organicidade a todos esses

enfrentamentos e ao programa ali levantado, estabelecendo como critério a

independência política da única classe social que poderia, por ser a que sofre com a

exploração, assumir o papel de sujeito social dessa luta anticapitalista. O PT surge,

portanto, como um partido que além de possuir traços anticapitalistas (não

completamente delineados em função de sua imprecisão programática), era operário

(classista), seja pela base social, seja pela composição de classe da vanguarda que

se tornaria sua direção política. Além disso, o fato do PT não ter surgido como um

partido revolucionário, mas como uma organização “radicalmente reformista” – seja

pela sua recusa em se debruçar sobre o problema da tomada do poder, da “ditadura

do proletariado”, seja pela sua disposição organizativa fluida, distinta das

organizações revolucionárias “clássicas” – não significa que seu papel era

regressivo.

A esquerda brasileira, desmantelada pela política catastrófica de

conciliação de classes do PCB e pelo extermínio das organizações que apostaram

na luta de guerrilha como estratégia permanente, estava reduzida a grupos muito

marginais, sem grande influência de massas e que – em função da ditadura -

atuavam na clandestinidade. O ascenso operário trouxe novamente a possibilidade

de reorganizar a esquerda não somente a partir dos sindicatos, mas num movimento

político que aglutinou diversos setores e passou a ter influência de massas, com

bandeiras extremamente progressivas: classismo, mobilização permanente, dentre

outras.

48

Esse movimento, que serviu de um pólo de atração para a classe

trabalhadora, até pouco tempo dispersa e sem perspectivas organizativas de

enfrentamento com o regime e o capitalismo, fez do PT – mesmo com toda a sua

hibridez e contradições – um instrumento que naquele momento era progressivo.

Progressivo porque estabeleceu, depois de muito tempo, uma nova possibilidade

dos trabalhadores brasileiros se organizarem enquanto classe para enfrentar seus

inimigos e lutar por suas aspirações imediatas e históricas.

Mas, por outro lado, o fato do PT surgir como um instrumento progressivo

não lhe conferiu um caráter estratégico, do ponto de vista de uma ferramenta

organizativa revolucionária, com norte teórico marxista e com uma plataforma

programática que pudesse responder aos desafios postos nos momentos decisivos

e às interpretações sem as quais não se prescinde a derrubada do capitalismo:

noção de democracia, natureza do Estado, concepção de tomada do poder,

transição, socialismo, dentre outros. Como já visto, o caráter progressivo do PT

naquele momento não apagou – embora tenha ajudado a postergar uma discussão

estratégica efetiva – o processo de disputa que cindiu o partido entre revolucionários

e reformistas.

Em síntese, se era “anticapitalista”, mas ao mesmo tempo não era

socialista; se era progressivo, mas também não era revolucionário, o que era então

o PT “das origens”? O PT surge como um partido com programa classista, de base

social operária, com caráter progressivo e de orientação política que oscila entre

posturas de esquerda conseqüentes e vacilações de natureza regressiva, a

depender da correlação estabelecida entre as forças revolucionárias e reformistas

no seu “interior” (disputas internas) e também em seu “exterior” (tendência histórica).

É evidente que afirmar simplesmente, do ponto de vista do marxismo, que

o PT já surge como um partido em disputa com os reformistas é muito pouco. Se o

PT nasce marcado por essa disputa, certamente poderia se pressupor que sua

orientação teórico-política majoritária atual poderia ser diferente, ou seja, as

tendências reformistas poderiam não ser vitoriosas e, conseqüentemente, não terem

conduzido o PT a uma estratégia de administração do capitalismo – tese que aqui se

pretende demonstrar. Seria possível, por exemplo, que o PT (ou uma fração do PT

com peso na luta de classes) tivesse abraçado uma estratégia revolucionária se

houvesse uma combinação entre intensificação do ascenso e derrota política dos

reformistas no interior do partido.

49

Contudo, enveredar por este caminho seria perder-se em prognósticos. O

fato é que o que ocorreu foi precisamente o inverso: a partir do V Encontro Nacional

– coincidindo com o momento de reabertura política no país e a reorientação da

Articulação que visava dar uma centralidade às ações do partido para as disputas

eleitorais –, a transformação do PT começa a se desenvolver, até que com o

arrefecimento das lutas, com a forte ofensiva política e ideológica do neoliberalismo

e com a expulsão das correntes revolucionárias do partido no início da década de

1990, as vitórias da ala reformista se impõem de modo cada vez mais contundente,

pondo fim de uma vez por todas, precisamente nesse período (entre 1987 e 1992), à

disputa que deflagrou a vitória definitiva do reformismo sobre os revolucionários

dentro do PT.

Quais foram os determinantes para essa transformação no PT, como

conseqüência dessa vitória da ala reformista? É possível conduzir a concepção

reformista para uma luta estratégica (e não apenas tática) contra o capitalismo? O

reformismo, mesmo o mais avançado do ponto de vista das concessões materiais e

políticas dentro do capitalismo, é, em sentido histórico, progressivo como foi o PT

“em disputa” por um determinado período? Ou é um limite, um entrave ao

desenvolvimento de uma estratégia de revolução social?

O problema central a ser investigado para desvendar essas questões

consiste em analisar se o instrumento da reforma social pode – levado ao limite e

apenas por si mesmo – estabelecer uma dinâmica de superação da ordem vigente.

O debate sobre este problema atravessou o PT em toda sua trajetória e inclusive

hoje, mesmo tendo se transformado numa organização que dedica absoluto zelo à

administração da ordem capitalista, ainda persiste nos reduzidos círculos petistas de

esquerda que teimam em disputar o partido para outro projeto.

Mas não se pode de nenhum modo, antes de entrar nos dilemas centrais

que marcaram a metamorfose do PT numa máquina pragmática de concepção

reformista – atravessada pela imposição sócio-histórica que cada vez mais limita a

concessão de reformas progressivas sem que haja enfrentamentos de classe muito

poderosos, principalmente nos países de capitalismo periférico –, abdicar do debate

sobre as distinções inconciliáveis entre o projeto de transformação radical do

marxismo e o reformismo, ainda que este teime em se imiscuir na idéia de que sua

estratégia é conseqüente com a transição socialista.

50

Este é o caminho que pode esclarecer não apenas como e porque o PT

se tornou o que é hoje, mas, sobretudo, de que forma a concepção reformista se

renova e se re-atualiza, fortalecendo – deliberadamente ou não – a manutenção da

ordem capitalista em todas as suas dimensões.

3 PT EM DISPUTA: DO “SOCIALISMO” À ESTRATÉGIA DEMOCRÁTICO-

POPULAR ELEITORAL

A materialização da teoria marxiana na ação prática é o socialismo

científico. Foi através dela que Marx e Engels revelaram a necessidade e

possibilidade de superar o capitalismo por outra ordem sócio-econômica.

Foi esta concepção que apresentou, sugerindo evitar manuais ou receitas

prontas – o que nem sempre foi seguido pelo marxismo, em algumas de suas

vertentes e interpretações –, uma estratégia política que visa organizar as classes

exploradas para disputar o poder e realizar as transformações estruturais

necessárias à construção de uma sociedade superior, o socialismo. Não por acaso a

maioria dos partidos que assumiram a idéia de superação da sociedade capitalista

reivindicou – ou, pelo menos, dialogou – com a estratégia de transição socialista

e/ou com o comunismo.

Contudo, caracterizar um partido exclusivamente pelas idéias gerais que

ele apresenta de si mesmo não é um critério adequado para a real apreensão do

seu significado. Se considerarmos o que a teoria marxiana sugere com seu método

de reprodução ideal do movimento da realidade que a revelação do verdadeiro

caráter de um objeto só pode surgir de análises reais, significa dizer, portanto, que

não é porque um partido afirma “lutar pela superação do capitalismo” que ele

realmente irá fazê-lo na prática. Tampouco será por essa afirmação que pode se

inferir que ele, de fato, possui uma estratégia socialista. O exemplo da velha social-

democracia9 alemã é profundamente educativo. O fato de possuir em seus quadros

a geração diretamente educada pelos pais do pensamento marxiano não foi

suficiente para que os social-democratas se mantivessem fiéis à estratégia

revolucionária do socialismo.

9 A social-democracia de inspiração marxista surge na transição entre os séculos XIX e XX, tendo como principais representantes os alemães Eduard Bernstein e Karl Kautsky. Embora com diferenças de análise sobre a natureza do Estado, em determinado momento esses teóricos se colocaram igualmente contrários à idéia de insurreição revolucionária, encabeçando dentro da social-democracia uma defesa de superação da ordem em base a uma lenta ocupação dos espaços no regime democrático-burguês e a partir de reformas progressivas capazes de conferir conquistas materiais e melhores condições de vida aos trabalhadores. Consolidada esta adaptação às teses reformistas, o marxismo revolucionário passou a rejeitar o uso do termo social-democracia (antes entendido como sua dimensão político-organizativa), em razão da transformação desses importantes ícones social-democratas – que seguiram com referência e autoridade teórica nesse meio – em ideólogos do reformismo. Posteriormente, já na segunda metade do século XX, a expressão social-democracia assume outra significação, despojada do marxismo e da idéia de superação do modo de produção capitalista.

52

Os teóricos mais influentes do marxismo após a morte de Marx e Engels

promoveram inflexões tão agudas a ponto de romper com a idéia de revolução – que

é inseparável da teoria marxiana do socialismo científico –, advogando uma

transição pacífica em direção ao socialismo, por meio de reformas e ocupação do

espaço institucional do regime democrático-burguês.

Este exemplo demonstra, antes de qualquer coisa, que os objetos da

realidade estão sujeitos a mudanças, em função das mais diversas variáveis. Além

disso, comprova que nem tudo o que parece (e o que se diz), de fato o é. A social-

democracia alemã, para continuar com este exemplo, concluiu sua existência na

história afirmando, até os seus últimos dias, que seguiam erguendo a bandeira do

marxismo, que lutavam pelo socialismo. Ainda que já tivessem abraçado, de forma

integral, o ideário reformista.

Uma análise do caráter do PT nas suas origens exige essa mesma

preocupação. Parece evidente que o PT atual é algo completamente distinto do

partido construído no ascenso dos anos 1980, entretanto, precisar qual era de fato o

seu projeto estratégico, nas circunstâncias de disputa dos rumos do partido, requer

mais rigor analítico. São vários os aspectos que determinam a natureza de um

partido: sua composição social, seu programa, o caráter de classe da sua direção,

como ele responde às pressões sociais, sua estrutura organizativa, forma de

financiamento, dentre outros. Além de tudo isto, há um elemento que complexifica a

análise, que é a apropriação destes e dos demais elementos determinantes em

dinâmica histórica, captando o movimento da luta de classes e observando suas

tendências.

O PT é uma prova de que não se pode ser simplista nessa questão. Por

exemplo, enquanto sua composição social modificou pouco, seu programa mudou

muito e o caráter de classe da direção, completamente – considerando inclusive o

aspecto dramático de que a atual direção do PT é praticamente a mesma que dirigiu

o partido no ascenso dos anos 1980. Não é o objetivo deste estudo analisar todas

essas dimensões, mas apenas sinalizar alguns aspectos que merecem ser

examinados diante das reflexões acerca de em que elementos e por quais razões o

programa e a estratégia do partido surgem dialogando com a perspectiva de

transformação social e, ao longo do tempo, vão perdendo essa identificação, até

incorporar como projeto – no início da década de 1990 – a gestão do capitalismo,

mediante a vitória das concepções reformistas dentro da organização.

53

Para isto, é necessário compreender porque o PT das origens falava em

“socialismo”, as razões pelas quais se apoiava em categorias marxistas (na medida

em que apresentava como seu um projeto de sociedade conceitualmente construído

com forte influência da tradição marxista), mas, ao mesmo tempo rejeitando para si

essa direção teórica e sem concretizar uma estratégia.

Pressupõe, por conseguinte, uma análise a respeito de como se

estabeleceu a instável dinâmica de identificação entre PT e o socialismo. Análise

esta que, além de evidenciar as aproximações e afastamentos do PT com o

marxismo, ajuda a revelar elementos determinantes da hegemonia reformista no PT

e sua conseqüente incorporação da estratégia institucional-eleitoral como primeiro

passo rumo ao projeto de administração do capitalismo, em detrimento da luta pela

sua superação.

3.1 As bases teóricas do “socialismo” no PT: entre o marxismo e o ecletismo,

entre o espontâneo e o consciente

Tendo surgido em uma rica conjuntura que combinou ascenso da classe

operária contra a exploração, luta contra um regime político ditatorial e todo um

esforço desprendido para construir um instrumento que pudesse romper com o

quadro de até então fragmentação por parte dos trabalhadores; foi praticamente

inevitável que o PT se apoiasse em elaborações e categorias marxistas para nortear

suas idéias originárias.

A necessidade de construir uma organização exclusiva dos trabalhadores

brasileiros conduziu marxistas, reformistas, religiosos humanistas e toda uma gama

de correntes das mais variadas matizes a uma mesma proposta, que unificava toda

essa vanguarda e, ao mesmo tempo mantinha as disputas em torno de qual projeto

estratégico de sociedade seria desenvolvido no PT.

Com a explosão do ascenso operário, o fim do “milagre econômico”, a

insatisfação generalizada que se estendeu a setores da classe média, a falta de

referência nas velhas direções colaboracionistas e o repúdio às restrições

democráticas pelo regime produziram um efeito que fez a situação política e a

consciência de uma camada importante das massas evoluírem à esquerda.

54

Além disso, o repúdio aos níveis absurdos de exploração, acumulados

durante anos desde o advento do golpe militar, fez com que uma grande parcela da

classe operária se apropriasse de uma compreensão fortemente classista, de

oposição aos patrões e ao regime. As condições existentes criavam, portanto, um

solo fértil para as idéias anticapitalistas. E tanto os pequenos grupos marxistas (pelo

seu projeto), quanto os sindicalistas (que souberam se projetar no ascenso para não

perder sua base social), terminaram por levantar essa bandeira.

Estas foram as razões, portanto, para que as idéias de socialismo,

embora imprecisas e ambíguas, estivessem presentes na fundação do PT. E ainda

que não houvesse uma definição do partido como uma organização marxista, seus

debates internos estiveram sempre permeados por formulações nesse campo.

Mas, para que se possa entender quais as aproximações e contradições

do PT das origens com o socialismo e as categorias marxianas, faz-se necessário

relacionar a proposta petista de “superação” do capitalismo com as idéias

fundamentais acerca do que seria, para a teoria de Marx, a sociedade socialista.

É de fundamental importância destacar, antes de qualquer coisa, a

distinção entre o que o marxismo definiu como a teoria do socialismo científico e a

sociedade comunista, que é, segundo MARX (2001, p. 138, grifos do autor), “a

eliminação positiva da propriedade privada como auto-alienação humana”, que

“constitui portanto a eliminação positiva de toda a alienação, o regresso do homem a

partir da religião, da família, do Estado, etc., à sua existência humana, ou seja,

social“ (Idem, ibidem, p. 139, grifos do autor). Ao afirmar que

A estrutura do processo vital da sociedade, isto é, do processo da produção material, só pode desprender-se do seu véu nebuloso e místico, no dia em que for obra de homens livremente associados [ausência de propriedade privada], submetida a seu controle consciente e planejado [economia planificada]. (Idem, 1975, p. 88, grifos e comentários nossos)

Marx revela que é este modo de produção de livres produtores associados o

verdadeiro objetivo emancipatório final de uma ordem sócio-econômica plenamente

humana. Trata-se de uma fase do desenvolvimento histórico marcada pela

planificação da atividade laboral em face a uma socialização completa dos meios de

produção, desenvolvendo um processo de extinção das classes sociais que por sua

vez conduz a um definhamento do Estado (e o conjunto de suas instituições),

definido por ENGELS (2002, p. 203) como

55

... um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar.

Abolida a forma do Estado, todos os aparatos repressivos, sistemas

punitivos legais e organizações de classe (como os partidos e os sindicatos) também

desaparecem, uma vez que eliminadas as classes sociais, as superestruturas

políticas que resultam da clivagem de classe perdem seu valor e perecem, em face

de não mais existir um interesse antagônico de classe para enfrentar e/ou subjugar.

Todo o controle social passa a ser feito por uma auto-gestão coletiva. A sociedade,

então, se desdobra na sua forma mais plenamente desenvolvida: com as forças

produtivas “disponíveis em quantidade suficiente” (MARX; ENGELS, 2002, p. 33)

para garantir o atendimento de todas as necessidades humanas determinadas social

e historicamente; e, com a divisão do trabalho e as funções sociais reguladas de

modo coletivo, baseadas nos valores e nos costumes igualitaristas.

No entanto, para a teoria marxiana, a edificação do comunismo não é um

salto no escuro. “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como

querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que

se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado” (Idem, s. d.a, p.

203), e, por isso, Marx não concebe a possibilidade de saltar do capitalismo, uma

sociedade sob circunstâncias objetivas de dominação de uma classe sobre as

demais, diretamente para uma sociedade sem classes, sem que houvesse um

período transitório de dominação sobre a classe desalojada do poder. Marx também

compreendia a impossibilidade histórica de um assalto ao poder político em todas as

nações do mundo ao mesmo tempo, em função da desigualdade dos processos que

produzem as condições reais para o surgimento e o desenlace das revoluções.

Sendo a luta de classes o motor da história, Marx igualmente tinha a

clareza de que nenhuma classe proprietária poderia, por altruísmo, abrir mão de seu

domínio. A contradição aberta entre a dinâmica de desenvolvimento das forças

produtivas e a estrutura social numa formação sócio-econômica produz as

condições objetivas da superação do sistema produtivo em decadência, mas, por

outro lado, Marx sempre destacou que durante essa época revolucionária a luta

entre as classes não cessaria até que a classe produtora (os trabalhadores) tomasse

para si o poder político e o controle sobre os meios de produção.

56

Essa luta, materializada na revolução socialista, obrigaria a classe

ascendente ao poder construir uma ferramenta transitória de dominação para

impedir a contra-ofensiva da burguesia. A esse período de transformação na

estrutura da sociedade “corresponde também um período político de transição, cujo

Estado não pode ser outro senão a ditadura revolucionária do proletariado”

(Idem, s. d.b, p. 221, grifo do autor), rigorosamente necessário para alcançar a nova

sociedade, uma vez que será preciso que exista um poder organizado capaz de,

inicialmente, edificar uma máquina de opressão – como qualquer aparelho estatal –

que impeça as agressões das outras nações capitalistas onde a revolução ainda não

se deu e, por outro lado, impulsione a experiência de poder dos trabalhadores para

todo o mundo, até que toda a exploração seja superada e, a partir da dissolução das

classes, seja possível disseminar e concretizar os valores comunistas.

A teoria do socialismo científico de Marx é, portanto, o arcabouço

conceitual da estratégia de tomada de poder dos trabalhadores (a ação sem a qual

se torna impossível abrir caminho para a sociedade sem classes), que se inicia na

arena nacional e necessita avançar para todo o mundo – considerando que o

capitalismo é uma formação sócio-econômica mundial e, portanto, só pode ser

superada por outra que tenha esse mesmo caráter. É possível, portanto, formular de

modo analítico as noções definidoras centrais da estratégia socialista, sem que isto

signifique simplificação ou desprezo às contradições, limites e possibilidades que se

revelam na dinâmica histórica e que complexificam as ações transformadoras:

1) Destruição política do Estado burguês e seu regime, compreendendo o

conjunto das instituições que o sustentam (o parlamento, as forças armadas, o

judiciário, etc.) e construindo em seu lugar um Estado controlado pelos

trabalhadores a partir de seus organismos democráticos (conselhos). Esse novo

Estado serviria para reprimir a burguesia desalojada do poder e seus agentes

contra-revolucionários, com o povo em armas, organizado em exércitos populares

cuja representação de comando estaria subordinada ao controle operário coletivo.

Seu objetivo é, de maneira geral, ser a expressão política do controle dos

trabalhadores, garantindo liberdade para todos os proletários intervirem nos

conselhos, mesmo aqueles politicamente conservadores, dando aos trabalhadores

poderes políticos e de representação direta (com revogabilidade a qualquer

momento) nas tarefas de legislação, execução e julgamento.

57

Além disso, o novo Estado deveria, como pressuposto da mais ampla

democracia operária, permitir a todos os partidos operários e frações de

trabalhadores dentro de partidos burgueses o direito de influírem nos conselhos;

prover liberdade de manifestação artística, cultural e científica e garantir a

independência dos sindicatos frente ao Estado. Por fim, a materialização desse

poder operário num Estado, descrito por Marx a partir da experiência crítica com a

Comuna de Paris, no capítulo III, da obra A Guerra Civil na França (Idem, s. d.b).

deveria ser o bastião da defesa da mobilização permanente dos trabalhadores, da

promoção de relações internacionais que auxiliassem no avanço da revolução na

arena mundial, e da administração técnica, executiva e política do controle da

economia planificada.

2) Controle estatal (operário) dos grandes meios de produção, distribuição

e serviços públicos necessários, a partir da expropriação da grande indústria e

comércio, do latifúndio e dos bancos. Em função da co-existência do Estado

operário com relações de tipo capitalista na arena internacional e internamente,

sobretudo com as unidades econômicas estatais e a pequena produção, ainda não

se poderia falar, nesse estágio da transição socialista (até que o socialismo se

estabelecesse em todo o mundo ou pelo menos nos países economicamente

centrais) em supressão do trabalho assalariado e, portanto, da exploração10.

Contudo, o papel do Estado seria o de planificar, conforme as condições dadas, a

economia, estabelecendo uma escala móvel de salários e de jornada de trabalho

capaz de garantir a sobrevivência coletiva e o pleno emprego; e perseguir, através

da propriedade coletiva (estatal) dos principais meios de produção e do monopólio

sobre o sistema financeiro e as operações de comércio exterior, a distribuição do

valor produzido pelo trabalho de acordo com a quantidade de trabalho despendida

por cada trabalhador, descontando-lhes somente o valor que correspondesse à

manutenção de um fundo estatal responsável pelo provimento dos serviços públicos

universais (saúde, transporte, educação, etc.), pela sobrevivência dos que não

podem trabalhar (crianças, idosos, doentes, etc.) e pela reposição dos meios

(matérias-primas, maquinário, etc.) depreciados durante o processo de produção.

10 As sugestões de Marx acerca do controle da produção e distribuição, bem como da divisão do trabalho no período da transição socialista estão desenvolvidas na obra Crítica ao Programa de Gotha (MARX, ENGELS, s. d.b)

58

3) Estabelecimento de relações políticas internacionais com organizações

socialistas (internacionalismo proletário), visando conectar os interesses da luta na

arena nacional com a estratégia da revolução socialista em outros países, como

parte do processo de construção do socialismo no terreno mundial que “transformará

a sociedade existente gradualmente” (Idem, 2003, p. 33), sob pena da revolução

vitoriosa em apenas um ou alguns poucos países retrocederem diante do

isolamento.

Como teoria e método, o marxismo se desenvolve a partir da análise da

própria realidade e, portanto, existem vários outros elementos e interpretações a

serem desenvolvidas a respeito do socialismo. Entretanto, essas são as noções de

caráter geral (cujo desenvolvimento, ritmo, medida, detalhamento e sintonia fina só

podem ser objeto de aprofundamento mediante a análise de condições concretas,

não há um modelo) que não se dissociam da estratégia socialista de transição.

Todas essas questões fundamentam a discussão sobre a relação entre

PT e estratégia socialista. Relação esta que foi permeada por uma série de

descaminhos, principalmente porque nos primeiros anos seguintes à sua criação, o

PT viveu um breve período em que o diálogo com a idéia do socialismo se mostrou

circunstancialmente mais presente, enquanto que, por outro lado, nesse mesmo

período, já havia uma tentativa do grupo dos sindicalistas em conceber o partido

como uma ferramenta para a estratégia reformista e eleitoral.

E isto teve uma razão. Como já visto anteriormente, nunca houve

vacilação em relação ao posicionamento do PT sobre seu papel diante das eleições

burguesas. O próprio Lula, que depois lideraria o grupo de sindicalistas que passou

a dirigir o partido, só começou a se envolver com a idéia de criar o PT após enxergar

que este seria um instrumento para aumentar a influência dos trabalhadores no

parlamento. No entanto, essa política não emplacou no primeiro pleito em que o PT

se dispôs a disputar, no ano de 1982:

Devido ao empenho em participar e vencer as eleições, logo no primeiro pleito, ocorrido em 1982, o PT conseguiu apresentar-se em 23 das 25 unidades da Federação, ao passo que dos outros dois novos partidos, o PDT restringiu-se a 13 e o PTB a dez unidades. Mas, abertas as urnas, os resultados do PT foram ruins. No plano federal, nenhum senador e apenas oito das 479 vagas de deputado federal eram do PT. [...]

59

... o pessimismo tomou conta dos petistas. Nenhum dos 22 governadores eleitos era do partido, enquanto o PDT elegeu Leonel Brizola para o governo do Rio de Janeiro, além de um senador. Na Câmara dos Deputados, o PT ficou 1,7% das cadeiras, ao passo que o PDT obteve 4,8% e o PTB 2,7%. A safra de 12 deputados petistas também foi pequena diante dos 947 lugares a serem preenchidos. Só duas prefeituras foram conquistadas: Diadema, no ABCD, e Santa Quitéria, no Maranhão (mas nesta o prefeito deixaria o PT pouco depois de eleito; e 117 candidatos a vereador do partido conseguiram mandato nas 3.941 cidades em que houve eleição naquele ano. Para uma legenda que reunia as maiores lideranças sindicais, boa parte dos grupos católicos organizados e significativa parcela da esquerda brasileira, a experiência foi considerada desastrosa. [...] (SINGER, 2001, p. 49, 50-51)

O balanço negativo da disputa eleitoral refletiu dentro partido. Os grupos

que entendiam que a disputa eleitoral era apenas um ponto de apoio secundário (e

não a principal tarefa do PT) saem desse processo com seu discurso de

centralidade na luta e na organização dos trabalhadores mais fortalecido. Ao mesmo

tempo, “a onda de paralisações, iniciada em 1978, ainda não baixara, e o número

absoluto de grevistas continuaria a crescer” (Idem, ibidem, p. 52). Os próprios

sindicalistas também se dividiam na tarefa de responder à pressão de suas bases

que continuavam em ebulição nas greves e, ao mesmo tempo, envolvidos com a

proposta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que foi fundada em 1983.

A situação política no país, em função da continuidade dos processos

grevistas, da consolidação e do vigoroso desenvolvimento de uma proposta ousada

de nova organização sindical (a CUT), além da crescente desmoralização do regime

militar – que ali já preparava a transição democrática, pressionado pelo ascenso –,

claramente se polarizava. Isto, por um lado, tensionou o grupo dirigente dos

sindicalistas para assumir posições mais à esquerda e, por outro, fez com que as

teses dos setores revolucionários do PT encontrassem eco. A resposta do PT para

isso foi incorporar mais elementos de diálogo com o socialismo, ainda que a batalha

para que não houvesse comprometimento com as teses marxistas seguisse adiante.

Não é por acaso que o II Encontro Nacional de 1982 tenha se voltado

para a discussão eleitoral – ainda que refletindo uma campanha colada aos

movimentos sociais e fazendo referência ao socialismo –, tendo aprovado apenas

uma carta eleitoral e a plataforma a ser apresentada pelos candidatos do partido; e,

no encontro posterior (1984), o centro do debate tenha girado para a organização e

enraizamento do PT, a partir da intervenção nas lutas cotidianas.

60

A própria menção ao socialismo no principal documento do III Encontro

Nacional (Teses para a atuação do PT), embora tenha se desvencilhado do debate

sobre a estratégia de tomada do poder, apresenta elementos importantes que

demonstram essa inflexão à esquerda, dialogando com o internacionalismo

proletário e a centralidade da organização dos trabalhadores, em detrimento dos

processos eleitorais:

Como partido político que aspira ao socialismo, o PT deve defender uma política internacional em favor dos interesses dos povos que lutam por sua libertação. Devemos recusar todas as formas de submissão do País à dominação imperialista, como as que impõem restrições nas relações internacionais. Uma política externa independente implica, hoje, a ampliação das relações comerciais e diplomáticas com os países socialistas e do Terceiro Mundo. A luta do povo brasileiro é inseparável das lutas dos outros povos latino-americanos, pela semelhança das condições econômicas, históricas e culturais. Daí nossa prioridade para o fortalecimento de laços com os movimentos de libertação latino-americanos, que têm, hoje, como pontos principais a Nicarágua, El Salvador e Cuba. [...] Na atual conjuntura, o PT luta pelo fim do Regime Militar no Brasil. Por isso quer eleições livres e diretas e luta pela chegada dos trabalhadores aos governos municipais, estaduais e nacional. No entanto, a conquista desses governos – que é necessária – não significa, por si só, a tomada do poder pelos trabalhadores. [...] [...] O PT confia na possibilidade de construir o poder a partir das bases da sociedade, dos movimentos populares, dos sindicatos e de outras formas de organização dos explorados – como, por exemplo, a criação de conselhos populares – e desenvolver esse poder com uma política de crescimento, de acumulação de forças e de construção de uma alternativa popular. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1984, grifos nossos)

Apesar do pequeno resultado eleitoral de 1982, o perfil “radical” do dos

candidatos partido incomodava os setores mais conservadores e suas aspirações

institucionais. As campanhas eleitorais petistas – inclusive pela árdua batalha que

significou a conquista do registro legal – foram o “espelho” do ascenso

protagonizado pelos trabalhadores, sendo “feitas integralmente pela militância

partidária com entusiasmo e energia, com bandeiras vermelhas desfraldadas e com

adesão espontânea dos movimentos sociais. Falar em militância paga no PT era

uma heresia” (GARCIA, 2011, p. 95) e as tensões entre revolucionários e reformistas

acerca da viabilidade eleitoral do partido passaram a se revelar de modo mais

intenso.

61

“A campanha eleitoral do PT será uma campanha de luta, [...] não basta

pensar em eleger [...]. Devemos fazer da campanha um mutirão político no qual o

povo adquira maior consciência [...] e acredite em sua capacidade de transformar

este país” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2008) e “a tática eleitoral do Partido

tem como eixo básico a questão de abrir aos trabalhadores, nesse pleito, a

possibilidade de correr em raia própria, assegurando sua independência através de

recursos próprios e plataformas próprias” (Idem, ibidem), dizia o texto aprovado pelo

II Encontro Nacional. Isto refletia como o grupo dos sindicalistas foi pressionado a

assumir essa posição no curso do processo eleitoral, a ponto de Lula e Bittar (dois

dos principais dirigentes da ala sindicalista) afirmarem em um panfleto que chamava

o voto no PT que

nosso objetivo não é apenas o de conquistar votos, mas é principalmente o de servirmos à organização política dos trabalhadores. Para o PT as eleições são uma ferramenta para fazer avançar e crescer a mobilização e a organização do povo. São mais um passo na longa caminhada para a nossa libertação. (Idem, ibidem)

Diante do balanço derrotista das eleições de 1982, os setores mais

conservadores do partido passaram a se chocar com o perfil de campanha eleitoral

adotado, suas claras referências classistas e o seu diálogo com o socialismo, em

função da pecha de “radical” comumente explorada pelos adversários, que repelia a

classe média e um amplo setor explorado pouco politizado. Lemas como “vote no 3

que o resto é burguês” e “trabalhador vota em trabalhador” começaram a sofrer os

primeiros questionamentos. E o resultado do acirramento dessas polêmicas produziu

a iniciativa dos chamados sindicalistas de criar a Articulação dos 11311, uma

tendência organizada que aglutinou o grupo dos sindicalistas mais influentes no PT

e os setores moderados do partido (principalmente os ligados à Igreja) para se

enfrentar com a ala esquerda e os grupos revolucionários – sempre se

apresentando, para aglutinar em torno de si os “petistas independentes” como

“aqueles que vestem a camisa do partido” e não os que possuem suas organizações

para atuar “impor ao PT suas teses”.

Mas, o enfrentamento encarniçado entre os socialistas e a Articulação

acabou sendo empurrado para adiante pela riqueza do momento político e a

necessidade de dar respostas a um importante processo: as Diretas Já. 11 Ver nota nº. 7.

62

A força do movimento grevista, a conquista de vários sindicatos

importantes pelas oposições e a criação da CUT (que já nasceu com uma proposta

de preparação de uma greve geral) colocou o regime nas cordas. No “ano de 1983,

o número de greves saltou para 393, com um total de grevistas de 874.626, quase o

dobro do ano anterior. Em 84, subiria mais ainda, para 618 greves e 1.323.000

grevistas” (WELMOWICKI, 2004, p. 68). A crise da ditadura se aprofundava com

movimento operário em cena e, com a maioria da população repudiando o regime,

começam a surgir manifestações explosivas reivindicando liberdades democráticas.

Essas mobilizações dão origem à campanha das Diretas Já, o que ajuda

o partido a exercer um papel destacado nas mobilizações. As Diretas Já se

transformaram, portanto, numa oportunidade de aliar a luta institucional (por eleições

diretas) com a ação direta, a mobilização. Isto, mais uma vez, empurra o partido de

conjunto e inclusive os setores mais conservadores a assumir posturas classistas,

independentes, sintonizadas com o movimento de massas e inclusive referenciadas

na idéia de socialismo. Diante do ascendo popular, o regime foi obrigado a preparar

um recuo, sob pena das mobilizações se transformarem em um movimento que

pautasse transformações ainda mais profundas:

... A força das grandes mobilizações de rua abriu uma crise terminal no regime que levou à sua debacle e mudou as instituições de poder, dando lugar a um novo regime democrático: quando se tornou clara a inevitabilidade da queda do regime bonapartista, as classes dominantes passaram a negociar o novo pacto de poder. [...] A resultante distorcida e inesperada da grande mobilização de massas que foi a Campanha pelas Diretas-Já, foi uma mudança de regime, mas que não passou pelo mecanismo de uma eleição presidencial direta. A forma como se deu permitiu que a transição entre ditadura e democracia burguesa fosse negociada pelas elites. Para tratar de proteger os interesses dos diversos setores das classes dominantes e afastar a participação popular, Tancredo Neves e Ulysses Guimarães costuraram o acordo político em torno da Aliança Democrática, que reuniu o PMDB, a Frente liberal e setores do PDS [...]. (Idem, ibidem, p. 70)

Com a ampla maioria da burguesia brasileira concordando com a

transição democrática negociada por cima, o PT assume uma posição de clara

independência, negando-se a aceitar o pacto de transição e defendendo o boicote

na votação materializada na chapa de Tancredo Neves e José Sarney (PMDB,

Frente Liberal e dissidentes do PDS) contra Paulo Maluf (PDS).

63

A postura classista e “socialista” do PT, na esteira da radicalidade das

mobilizações e apesar das divergências internas, se mantinha; e no Encontro

Nacional Extraordinário (Diadema, 1985) convocado para discutir a política do PT

diante do pacto social proposto pelo regime, visando sua flexibilização, isto fica

muito claro:

Num momento em que a Aliança Democrática tenta consolidar sua hegemonia de classes através da adesão dos trabalhadores a um pacto social e através da participação do PT na transição conservadora, é fundamental que o Partido preserve sua independência política. Primeiro, porque o PT nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e partidos comprometidos com a atual ordem econômica, social e política. Segundo, porque a recusa à dominação burguesa se expressa também pela organização dos movimentos sociais e suas lutas e por sua autonomia em relação ao Estado. Depois, porque nossa atuação no Parlamento e nas instituições tem como objetivo utilizar essas tribunas e espaços a serviço da luta pela ampliação da margem de liberdade política e pela conquista de reivindicações econômico-sociais, sempre postas em função do acúmulo de forças dos trabalhadores, tendo em vista conquistar o poder e o socialismo. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1985, grifos nossos)

A intervenção do PT nas ruas e nos comícios das Diretas Já, combinada

com o ascenso grevista (que se ampliou de 1985 a 198712) projetou o partido em

setores de massas. Essa projeção fez crescer o reconhecimento do PT como

alternativa, refletindo na votação das eleições para prefeito de 1985. Mas, o

crescimento orgânico e em influência do PT também atraiu uma quantidade

considerável de pessoas sem grande acúmulo político, interessadas centralmente

em se eleger, pois viam no partido uma organização “limpa”, sem os desgastes das

legendas tradicionais.

Ao mesmo tempo, a Articulação passa a estimular a apresentação de

candidaturas com perfis “menos radicais”, para ocupar o espaço aberto pela grande

projeção que foi conquistada pelo partido no último período. “Com a aura da

liderança nos comícios de 1984 e o uso de uma linguagem descontraída, diferente

da utilizada em 1982, na busca de ampliar o eleitorado, a escolha de prefeitos das

capitais em 1985 marca o início do crescimento eleitoral do PT [...]” (SINGER, 2001,

p. 53).

12 Segundo WELMOWICKI (2004, p. 73), “se, entre 78 e 84, o número de greves por ano era de 259 em média, a partir de 85 saltou para 1.898” e “a incorporação de novos setores atingiu tanto o setor privado quanto o público”.

64

Naquele ano, o PT elegeria prefeitos em duas cidades (Fortaleza e

Diadema) e teria ainda votações muito significativas em várias outras. Este

fenômeno representava não apenas o crescimento da votação do PT, mas era a

expressão de que o setor hegemônico do partido (Articulação), conscientemente e

mesmo sendo praticamente forçado a manter as posições classistas e

anticapitalistas no movimento, tentavam uma “mudança de perfil” no partido.

A partir de 1985 se tornou visível que o partido, ao mesmo tempo em que

era “classista e socialista” no movimento, tolerava em seu interior diferentes tipos de

perfis eleitorais: as candidaturas claramente identificadas com as lutas e até com a

idéia de revolução; e as candidaturas moderadas, com discurso e programa mais

flexíveis, identificados com a plataforma geral do PT, mas direcionadas

exclusivamente a aumentar a influência eleitoral. Esta foi a maneira encontrada pela

direção do PT para acomodar a todos – da esquerda à direita – no partido,

prevenindo-o de possíveis cisões.

Nas eleições de 1986 o PT reedita esta mesma tática e obtém amplo

sucesso: “elegeu 16 deputados federais [com Lula sendo o mais votado] e 40

estaduais” (GARCIA, 2011, p. 95, comentário nosso), além de ter obtido quantidade

significativa de votos em locais onde até então não existia organicamente. O PT nas

eleições se expandia e, agora, sem os mesmos vínculos militantes. A capilaridade

do partido crescia e, com ela, o apelo eleitoral, como pretendia a Articulação.

Essa tática não ficou isenta de críticas, sobretudo pelos setores

identificados com o marxismo. Mas, a corrente majoritária do PT, durante esse

período, implementou com êxito uma espécie de “jogo duplo”: ao mesmo tempo em

que operava uma leve inflexão na intervenção eleitoral do PT (sem fazer grandes

polêmicas com as expressões dos grupos mais à esquerda), nos movimentos sociais

e no debate interno do partido seguiam conservando o acordo geral com vigorosas

posições classistas e mantendo o diálogo com a idéia do socialismo. De conjunto, o

partido seguia com a proposta “das origens” – evidentemente, não sem tensões.

Esse acordo geral acerca das práticas cotidianas no movimento e na

referência do PT com as lutas mantinha o partido unificado como organizador

político dos trabalhadores no Brasil. O partido, apesar das distintas concepções,

estimulava e impulsionava as mobilizações, levantando a bandeira da independência

de classe e da luta contra a ditadura.

65

Isso gerava uma situação contraditória no PT. Pressupunha, ainda que

circunstancialmente, um acordo entre reformistas e revolucionários acerca da

necessidade de “transformar a sociedade” – que, de conteúdo, para uns significava

apenas derrotar a ditadura e restabelecer um regime democrático-burguês e, para

outros, travar as lutas democráticas como mecanismo de acumulação de forças

visando uma revolução socialista.

Sem sofrer pressões burocrático-financeiras decisivas dos aparatos

institucionais (apesar das crescentes vitórias eleitorais) e conservando o acordo

político de “transformar a sociedade”, o PT estava muito mais susceptível ao quadro

de radicalização das lutas no país e às disputas políticas e programáticas no seu

interior. É inegável que as pressões das propostas revolucionárias no interior do PT

nunca foram determinantes na definição do conteúdo político do partido. Entretanto,

empurrado pela conjuntura, a luta política dentro do PT impedia um domínio

absoluto da Articulação, que era sempre obrigada a dialogar, ceder e incorporar

formulações que se por um lado não demarcavam claramente um perfil socialista e

revolucionário, por outro, dialogava com a idéia de uma “sociedade sem explorados”,

mantendo uma apresentação combativa e classista do partido.

Esta é a razão pela qual nos quatro primeiros encontros nacionais (1981,

1982, 1984 e 1986) do partido, em todas as resoluções políticas o socialismo era

reafirmado, e, ainda que não reivindicasse de forma clara a tomada do poder político

e a destruição do Estado burguês como mecanismo de transição, incorporava

elementos que questionavam a democracia representativa do capitalismo:

Sabemos que caminhamos para o socialismo, para o tipo de socialismo que nos convém. Sabemos que não nos convém, nem está em nosso horizonte, adotar a idéia do socialismo para buscar medidas paliativas aos males sociais causados pelo capitalismo ou para gerenciar a crise em que este sistema econômico se encontra. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1981)

Desde sua fundação, o PT afirmou o compromisso com a construção de uma sociedade sem explorados. Isto é, o seu compromisso com a construção de um Brasil socialista. E isto porque, tendo nascido da luta dos trabalhadores, o PT, desde o início, percebeu que os meios de produção deveriam ser de propriedade social, servindo não aos interesses individuais de um ou outro proprietário. Queremos uma sociedade em que os homens sejam valorizados e onde nenhum homem possa ter o direito de explorar o trabalho de outro. Uma sociedade em que cada um e todos possam ter iguais oportunidades para realizar suas potencialidades e aspirações. (Idem, 1982)

66

A democracia que interessa aos trabalhadores não se esgota nas instituições, mas se articula com formas diretas e massivas de participação popular. Essa participação deve conduzir a uma sociedade sem explorados nem exploradores, e sem a divisão entre governados e governantes. A nossa luta é pela construção do socialismo. (Idem, 1984)

... a superação definitiva da exploração e da opressão sobre o povo brasileiro não se dará com simples reformas superficiais e paliativas, mas sim com a ruptura radical contra a ordem burguesa e a construção de uma sociedade sem classes, igualitária, que, por meio da socialização dos principais meios de produção, vise a abundância material para atender às necessidades materiais, sociais e culturais de todos e de cada um de seus membros, ou seja, a construção do socialismo (Idem, 1986).

Analisando sobre a ótica da estratégia socialista do marxismo (a tomada

do poder político com derrubada do Estado burguês para construir um Estado

operário, o controle operário sobre os principais meios sociais de produção e a

perspectiva revolucionária internacionalista) percebe-se a imprecisão do PT acerca

do tema. Não é por acaso que a idéia de insurreição revolucionária permaneceu

ausente do programa, da prática e da propaganda hegemônica petista, ao longo de

sua história.

Em que pese a reivindicação de parte dos grupos minoritários do partido

(sobretudo os de tradição leninista e trotskista), a idéia de revolução não só não era

uma unanimidade, como consistia num elemento de diferenciação aberta entre

setores que inclusive mantinham-se unificados – ainda que tática e

circunstancialmente – na compreensão de que o PT era um instrumento necessário

para a classe trabalhadora brasileira.

Era evidente que, desde a fundação do PT, havia profundas

discordâncias acerca da estratégia de construção das condições para a revolução,

para a tomada do poder político. A idéia de “governo dos trabalhadores”, mesmo no

período de fundação do PT, era algo que além de impreciso em relação a como

chegar à direção do Estado, não mencionava a perspectiva de destruição/superação

do Estado burguês – como se para construir um Estado dos trabalhadores bastasse

chegar ao governo através do voto, e não demolir os pilares de sustentação de uma

superestrutura política montada para conservar o conjunto das relações sociais

capitalistas. O próprio Manifesto de fundação do partido já dava conta dessa

polêmica:

67

É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem as condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados e nem exploradores. (Idem, 1980a, grifo nosso)

Essa controvérsia reaviva no PT das origens – que perseguia nas suas

teses uma “sociedade igualitária”, “sem explorados nem exploradores” – a velha

polêmica a respeito das formas de superação do capitalismo: reforma ou revolução.

Seria possível, através de reformas dos mecanismos do próprio regime vigente

(ocupação dos postos de comando através das eleições burguesas, ampliação da

democracia, conquista de direitos e condições econômicas para a classe

trabalhadora, entre outros), superar a atual forma social e construir uma estrutura

econômico-social superior? Ou esta é, de ofício, uma declaração subliminar de

aceitação da ordem capitalista como horizonte final?

A trajetória do PT é fundamental para perceber até que ponto reformas

são importantes, tanto materialmente (para assegurar melhores condições objetivas

aos trabalhadores) como pedagogicamente (demonstrando que é com as lutas que

se conquista o que antes não se tinha); mas, principalmente, para identificar em que

circunstâncias teóricas e políticas um projeto de reformas se transfigura em

perspectiva de um “conserto” (e não destruição) do capitalismo – o que não é

possível de ocorrer em função da própria lógica de exploração que lhe é constitutiva.

A Articulação, defensora dessa estratégia de reformas no capitalismo, foi, portanto,

empurrada pela pressão social do ascenso e pelas suas próprias aspirações de

transformar o PT num aparato eleitoral de peso a incorporar, por um lado,

formulações esparsas em “defesa do socialismo”; mas, por outro, demarcações

claras de rejeição da estratégia revolucionária marxista.

Em função disto, apesar das posições “socialistas” do PT principalmente

nos quatro primeiros encontros nacionais (1981, 1982, 1984 e 1986), as formulações

petistas estiveram sempre acompanhadas de afirmações que apresentavam um

“socialismo” impreciso, sem referenciais explícitos acerca da necessidade de

insurreição revolucionária para tomar o poder, do sistema produtivo socialista e do

caráter internacional da revolução:

68

Há muita gente que pergunta: qual é a ideologia do PT? O que pensa o PT sobre a sociedade futura? Aqueles que colocam tais perguntas avançam, ao mesmo tempo, as suas próprias interpretações, que visam, em alguns casos, criticar o Partido. Não seria o PT apenas um partido trabalhista a mais? Não seria o PT apenas um partido social-democrata, interessado em buscar paliativos para as desigualdades do capitalismo? Sabemos de onde vêm essas dúvidas e essas interpretações. E sabemos disto até porque são compartilhadas por alguns militantes do próprio Partido, que construíram, para si, a teoria estranha de que o PT é uma frente ou um partido apenas tático. (Idem, 1981, grifos nossos)

As relações de amizade que o Brasil deve ter com os povos que lutam pela democracia e pelo socialismo não significam, entretanto, que possamos importar de qualquer um desses países uma fórmula pronta de socialismo. Nosso socialismo será definido por todo o povo. Não nascerá de decretos, nem nossos, nem de ninguém. Irá se definindo nas lutas do dia-a-dia e será sinônimo de emancipação dos trabalhadores e de todos os oprimidos. Nossa vez, nossa voz: quem decide somos nós! (Idem, 1982, grifo nosso)

Para transformar a sociedade, não basta tomar o poder do Estado. Para nós, o poder não apenas se toma, mas também se constrói. (Idem, 1984, grifo nosso)

A análise feita [...] também mostra que os elementos do desenvolvimento capitalista brasileiro, mesmo estando muito longe de serem completos, indicam que no processo de construção socialista não se podem seguir mecanicamente os preceitos de substituição imediata, por meios administrativos ou executivos, da propriedade privada dos meios de produção e circulação pela propriedade social; nem substituir prontamente a economia mercantil por formas sociais de distribuição, circulação e consumo; nem implantar uma completa organização planificada da economia. As leis econômicas em ação numa determinada sociedade não podem ser extintas ou modificadas por decretos, mesmo quando esses decretos tenham um considerável respaldo político de massas, como demonstrou a experiência de construção dos países socialistas. [...] Assim, levando em conta as experiências e as condições do desenvolvimento capitalista brasileiro, provavelmente será necessário e possível, nos primeiros momentos de uma sociedade socialista no Brasil, utilizar diversas e múltiplas formas de propriedade social dos meios de produção – através da estatização e da coletivização por formas cooperativas ou outras – de acordo com o tamanho da empresa, a sua natureza e o setor de produção em que se encaixa e o papel estratégico que desempenha no processo global de produção. [...] [...] Formas de controle popular e operário, que precisam ser incentivadas desde logo, como os conselhos populares e as comissões de fábrica, por exemplo, bem como as variadas formas de poder de base, são fundamentais para o projeto futuro – na medida em que evoluam como meios, efetivos e eficazes, para determinação da correlação de forças pró-democracia na sociedade. Nesse sentido, vale lembrar que o poder, para o socialismo, não apenas se toma, mas se constrói na luta concreta do dia-a-dia, desde já. (Idem, 1986, grifos nossos)

69

Como se percebe, durante todo esse período existe uma flutuação das

posições do PT acerca do socialismo, que transita entre as formulações marxistas

por um lado e, por outro, absorve formulações ecléticas que ampliam as

perspectivas teóricas ao ponto de (a depender da flexibilidade da política adotada)

admitir a defesa um “socialismo” que rompe totalmente com a estratégia marxista e a

noção geral da sociedade de transição ao comunismo.

No tocante ao controle estatal (operário) dos grandes meios de produção,

distribuição e serviços públicos – a partir da expropriação da grande indústria e

comércio, do latifúndio e dos bancos – como medida necessária em direção à

planificação da economia nacional, fica claro que o PT mantém em aberto todas

essas questões.

Apesar de afirmar que numerosas empresas capitalistas “deverão ser

transformadas em propriedade social” (Idem, ibidem), o que estava plenamente de

acordo com programa que previa a estatização de diversos ramos da economia,

como o sistema financeiro, de transportes, indústria farmacêutica, dentre outros

(Idem, ibidem); as posições do partido sugerem que para chegar ao socialismo isso

não seria rigorosamente necessário. As “diversas e múltiplas formas de propriedade

social” que possivelmente precisarão ser adotadas nos “primeiros momentos da

sociedade socialista no Brasil”, demonstram que as teses petistas creditam a

possibilidade do “socialismo” em um só país e, ao mesmo tempo, que esse

“socialismo” poderia admitir a existência de propriedade privada de grandes meios

de produção, articulado com a produção estatal.

Para além de uma questão meramente conceitual, esse tipo de posição

política sugere que seria possível um “socialismo” sem expropriação. Se por um lado

não fecha a possibilidade (em um futuro indefinido) da expropriação, por outro

resguarda o partido para o caso de chegar ao poder (inclusive por meio de eleições),

não realizar a socialização dos meios de produção, e ainda assim apresentar esta

“nova sociedade” como “socialista”.

Em relação à necessidade de transformar uma revolução socialista na

arena nacional em um elo da cadeia de um processo mundial – considerando que

sem isto não pode existir o socialismo enquanto forma social transitória superior ao

modo de produção capitalista, cujo alcance é internacional –, também não há

qualquer comprometimento do PT nesse sentido.

70

Apesar de, nesse período da década de 1980, reivindicar manter relações

com organizações inseridas na Nicarágua, El Salvador, Cuba e com o Movimento

Solidariedade da Polônia, o PT sempre relutou em estabelecer vínculos orgânicos

internacionais que pudessem “centralizar”, “moldar”, ou influenciar a estratégia do

partido.

O PT não deixou de reconhecer a importância da solidariedade

internacional às lutas dos trabalhadores, no entanto, ao afirmar que “vamos

continuar, com inteira independência [frente às organizações socialistas

internacionais], resolvendo os nossos problemas à nossa maneira” (PARTIDO DOS

TRABALHADORES, 1998, p. 114, comentário nosso) – considerando a possibilidade

de um “socialismo brasileiro” ou, na pior das hipóteses, um “socialismo petista”,

como de fato seria apresentado anos adiante –, as formulações petistas apresentam

um partido auto-suficiente, que encontrará sem a necessidade de uma organização

revolucionária internacional que planeje e execute coletivamente as ações

convergentes à proposta de revolução internacional, o caminho para a construção

do “socialismo”.

Embora o tema da revolução mundial e da necessidade de uma

organização internacional seja rico e o controverso, o que é importante destacar é

que a posição do PT, em última instância, permite a interpretação de que seria

possível implantar o socialismo no Brasil apenas. Uma tese que não é nova

(remonta as teorias defendidas pelo stalinismo), mas que é poderosamente

conflitante com o conjunto das elaborações de Marx, Engels e outros pensadores

marxistas, como Trotsky.

Mas, o ponto nevrálgico do “socialismo” apresentado pelo PT tanto nas

discussões internas, como na materialização do seu programa, é a questão do

poder. Ao mesmo tempo em que as posições presentes nos quatro primeiros

congressos e a ação prática do partido nesse período deram centralidade à

construção das lutas como instrumento de transformação, a insistência em afirmar

que “o poder não apenas se toma” expunha um problema: se por um lado, de fato, o

poder não apenas se toma, pois antes da tomada de poder faz-se necessário ganhar

a consciência das massas para tal tarefa; por outro, essa afirmação também poderia

sugerir uma conquista de poder sem que houvesse o momento do assalto

revolucionário.

71

Esta, sem dúvidas, era uma formulação na qual cabiam as duas

perspectivas (reformista e revolucionária) e a presença dessa demarcação – assim

como a do “socialismo democrático”, que por um lado nega as experiências da

tirania stalinista sobre a classe trabalhadora, mas, por outro, abre espaço para a

concepção de que seria possível um socialismo sem violência revolucionária – foi a

forma encontrada para que essas duas visões antagônicas coexistissem numa

mesma organização na qual, naquele momento, a unidade era um elemento

importante para ambas as alas: enquanto os reformistas (e também os grupos

centristas) precisavam consolidar o partido para que ele se transformasse em uma

alternativa institucional, os setores mais radicais necessitavam seguir intervindo no

PT para, na disputa, conquistar referência política das idéias revolucionárias numa

ampla vanguarda e num setor de massas.

Por fim, havia ainda um último elemento da concepção “socialista” do PT

que não estava diretamente associado à noção do socialismo científico, mas que

igualmente rivalizava de forma aberta com a estratégia das organizações marxistas

clássicas: o problema da consciência socialista na classe trabalhadora.

A ala majoritária do PT, com influência determinante de Lula, alimentava

desde a fundação do partido a idéia de que não era necessário (pior, era

condenável) definir uma direção teórico-ideológica para o conjunto da organização,

pois isto deveria ser “definido pelo próprio povo”.

A defesa de um “socialismo [...] pensado e construído a partir da

vontade e das ações das classes trabalhadoras, nas condições de necessidade e

de possibilidade que essas mesmas classes irão modificando com sua ação

concreta” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1986, grifos nossos) revela, por um

lado, um diálogo com a máxima marxista de que a emancipação dos trabalhadores

será obra, na ação, do conjunto dos trabalhadores, e não das iniciativas isoladas dos

pequenos grupos; mas, por outro, destaca que a classe trabalhadora pode, por si,

alcançar a consciência revolucionária (o seu reconhecimento enquanto classe

explorada e a clareza em relação às tarefas de tomada do poder) sem que haja a

necessidade da “introjeção” da ideologia socialista por meio da agitação,

propaganda e organização materializadas em um programa defendido por um grupo

oriundo da própria classe, mas ao mesmo tempo destacado, em função do seu nível

de preparação e acúmulo conquistados através do estudo da teoria e da experiência

prática na intervenção e direção das lutas.

72

Esta não é uma polêmica nova, nem tampouco exclusiva do PT. Já em

1902, Lenin polemizou duramente com os chamados “economistas” do Partido

Operário Social Democrata Russo que, do mesmo modo que a ala majoritária do PT,

acreditavam que os trabalhadores, espontaneamente, seriam capazes de adquirir

uma consciência socialista:

... Houve greves na Rússia, nas décadas de 1860 e 1870 (e até mesmo na primeira metade do século 19), que foram acompanhadas da destruição de máquinas etc. Se comparadas a esses “motins”, as greves da década de 1980 poderiam até ser chamadas de “conscientes”, tal foi o progresso do movimento operário naquele período. Isso nos mostra que, no fundo, o “elemento espontâneo” não é mais do que a forma embrionária do consciente. [...] Os operários deixavam a crença tradicional na perpetuidade do regime que os oprimia; começavam... não diria a compreender, mas sentir a necessidade de uma resistência mais coletiva e rompiam deliberadamente com a submissão servil às autoridades. No entanto, tratava-se mais de uma manifestação de desespero do que uma luta. [...] Quer dizer: não tinham consciência social-democrata [socialista]. Nesse sentido, as greves dos anos de 1890, apesar do imenso progresso que representavam em relação aos “motins”, continuavam a ser um movimento essencialmente espontâneo. Já afirmamos que os operários nem sequer podiam ter consciência social-democrata. Esta só podia ser introduzida de fora. A história de todos os países comprova que a classe operária, valendo-se exclusivamente de suas próprias forças, só é capaz de elaborar uma consciência trade-unionista, ou seja, uma convicção de que é preciso reunir-se em sindicatos, lutar contra os patrões, cobrar do governo a promulgação de umas e outras leis necessárias aos operários etc. Já a doutrina do socialismo nasceu de teorias filosóficas, históricas e econômicas formuladas por representantes instruídos [...], por intelectuais. (LENIN, 2010, p. 88-89, grifos e comentários nossos)

De fato, ao analisar o ascenso do movimento operário que explodiu no fim

da década de 1970 percebe-se que as grandes reivindicações dos trabalhadores se

orientavam pela luta contra super-exploração à qual estavam submetidos e contra o

regime militar como elemento político de manutenção (via restrição das liberdades

democráticas) das condições que bloqueavam a possibilidade de enfrentamento

com os patrões. A proposta de criação de um partido de trabalhadores nasceu da

iniciativa de grupos marxistas (a Convergência Socialista teve a primazia de

publicamente chamar a criação do PT) e também das direções sindicais de maior

referência à época (tendo Lula à frente), ou seja, o exemplo concreto da realidade

brasileira dava razão a Lenin: foi uma vanguarda (um pólo consciente) que dirigiu a

classe trabalhadora que posteriormente criaria referência no PT, a partir da

existência de condições reais para tal (a espontaneidade do ascenso).

73

Parece evidente que uma massa de trabalhadores não pode,

espontaneamente e por si só, adquirir uma consciência política de tal nível, a ponto

de compreender a necessidade da derrubada do capitalismo como condição para o

atendimento das suas aspirações. Isto porque a rotina fetichizada dos trabalhadores

no capitalismo não possibilita a compreensão acerca do conjunto das relações

estabelecidas em toda a sociedade. A relação da troca assalariada oculta a

apropriação da atividade e do resultado do trabalho, de modo que o trabalhador

apenas sente a exploração e quando vai à luta espontaneamente (em função de um

acúmulo de contradições próprias do capitalismo), apenas busca enxergar alguma

maneira de por fim à situação à qual está submetido; sem, no entanto, romper com o

horizonte do trabalho assalariado e da propriedade privada, fundamentalmente

porque não conhece o macro-funcionamento social do capitalismo, não foi instruído

para isto e nem realizou (enquanto classe) um conjunto de experiências que

estabeleça a luta para derrubar o sistema como uma inevitabilidade para acabar

com a exploração que sofre. Não é por acaso que Marx e Engels diziam que

Os comunistas, portanto, são, de um lado, de forma prática, o setor mais avançado e resoluto dos partidos operários de cada país, o setor que empurra para frente todos os outros. De outro lado, de forma teórica, eles têm sobre a grande massa do proletariado a vantagem de entender claramente o percurso, as condições e os resultados gerais últimos do movimento proletário. (MARX; ENGELS, 2003, p. 75-76, grifos nossos)

Estas são as razões pelas quais os socialistas não devem negligenciar a

necessidade do elemento consciente, da construção da direção revolucionária: “o

desenvolvimento espontâneo do movimento operário marcha precisamente para a

subordinação à ideologia burguesa, [...] implica exatamente na escravidão ideológica

[do trabalho assalariado]” (LENIN, 2010, p.101).

Se os trabalhadores brasileiros precisaram de uma direção para

materializar a construção do PT e, a partir daí levantar (com todas as polêmicas e

ambigüidades) idéias “socialistas”, qual seria a razão para que a ala reformista

insistisse tanto num socialismo que fosse “resultado de um consenso de um povo”

(CARONE, 1984, p. 245)? Havia mesmo de fato essa confiança de que era “falso

dizer que os trabalhadores brasileiros, deixados à sua própria sorte, se desviarão do

rumo de uma sociedade justa, livre e igualitária” (PARTIDO DOS

TRABALHADORES, 1998, p. 114)?

74

É verdade que a corrente majoritária do PT sempre vinculou a proposta

de uma demarcação ideológica clara do partido e da necessidade de uma direção

que disputasse a consciência das massas trabalhadoras como uma tentativa de

plantar “a desconfiança em relação à capacidade política dos trabalhadores

brasileiros em definirem o seu próprio caminho” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO,

1981). Quem defendia isto, segundo o grupo dos sindicalistas, era “quem oferece o

prato feito, que os trabalhadores deveriam comer” (Idem, ibidem), como se

estivessem tolhendo a auto-organização dos trabalhadores.

No entanto, não foi isto que a prática da corrente majoritária do PT

revelou. A própria criação da Articulação dos 113, no momento em que era

necessária organização dos sindicalistas e reformistas como um grupo dirigente

para polarizar com as tendências mais à esquerda, demonstrou que Lula e seus

parceiros não acreditaram na “capacidade política dos trabalhadores” em,

espontaneamente, rejeitar as teses “xiitas” das correntes radicais. A Articulação

surge e se desenvolve para cumprir exatamente o papel que os sindicalistas do

partido quiseram lhe atribuir: o de direção política, para disputar e vencer os rumos

do PT, em direção a uma estratégia reformista eleitoral. Se o movimento espontâneo

das massas, como afirma LENIN (2010, 102-103), “conduz precisamente à

supremacia da ideologia burguesa”, “pela simples razão de que a ideologia burguesa

é muito mais antiga [...], porque é mais completa a sua elaboração e porque possui

meios de difusão incomparavelmente mais numerosos” (Idem, ibidem, 103), os

trabalhadores brasileiros contaram ainda com a ajuda extra de uma direção

reformista que claramente disputava a sua perspectiva política.

À luz dessa análise da realidade, parece inequívoco que a ode à

espontaneidade defendida pela ala majoritária do PT tinha centralmente dois

objetivos: a) evitar definições explícitas acerca do perfil teórico-ideológico do partido,

como algo necessário à manutenção da coesão do partido num período em que este

se consolidava; b) sob a bandeira da “democracia” e de "um socialismo não

'livresco', nem de 'gabinete', nem de 'cúpula', nem 'importado', nem 'retórico', nem

'imposto'" (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1986), criar obstáculos para a

construção de uma consciência coletiva que, invariavelmente, conduziria ao

reconhecimento de uma direção política referenciada num projeto claro, por parte da

classe trabalhadora.

75

Dizer que os trabalhadores “construiriam livremente” as iniciativas que

levariam à transformação social não era, portanto, simplesmente um “voto de

confiança” na “capacidade da classe trabalhadora” em se auto-organizar e, por si

mesma, encontrar o caminho mais adequado para a estratégia socialista, sem

qualquer “receita pronta” vinda de fora. Ao permitir que a marcha da luta dos

trabalhadores seguisse à própria sorte com a difusão desse pensamento, a corrente

majoritária do PT apenas facilitou que o ascenso que marcou a década de 1980

tenha se mantido dentro do quadro de um programa democrático-reformista, e mais,

impediu que fosse construída uma cultura política de controle da classe sobre suas

direções.

O que se mostrava na aparência, portanto, era o contrário da realidade

que se desenvolvia em essência: a tal “confiança” nos trabalhadores ao invés de

conferir-lhes protagonismo nas ações de transformação, apenas produziu uma

subordinação cega nas direções que lhes prometiam “defender aquilo que era

consenso do povo”, ao invés de educá-los politicamente em um projeto

revolucionário de fato.

Esta subordinação, mais adiante, cobraria seu preço. Sem ser instruída a

controlar seus dirigentes e sem uma direção que apontasse claramente qual

estratégia deveria seguir, a classe trabalhadora brasileira terminaria sendo arrastada

para trás por um futuro refluxo das lutas, enquanto sua direção reformista já

consolidada acompanharia sem questionar toda essa marcha regressiva da

consciência, finalizando a obra de prostração. ARCARY (2011, p. 63-64) assinala no

mesmo sentido:

O socialismo, uma referência vaga para milhões, não era senão uma aspiração de maior justiça. Foram às ruas expressando a imponência de sua força, imensas maiorias de pobres, deserdados e remediados em um país enorme, urbanizado em pouquíssimas décadas, muito jovem e quase sem instrução. [...] A CUT, o PT e Lula se legitimaram nesse processo, mas a classe trabalhadora não estava nem social, nem politicamente à frente da maioria popular explorada. Não dirigia, foi acaudilhada. [...] [...] quando já possuíam influência majoritária na classe trabalhadora, o lugar de Lula e do PT foi regressivo: chegaram atrasados às ruas, e coube a eles o papel de bombeiros [...]

76

Como se pode perceber, o “socialismo” que foi formulado pelo PT nos

primeiros anos após o seu surgimento e que foi defendido ao longo da década de

1980 estabelece relações muito tensas com o marxismo. Se por um lado as

formulações do PT a todo momento dialogam com uma diversidade de categorias

marxistas, por outro não há qualquer identificação clara com as definições gerais

acerca do socialismo científico e nem tampouco com a tradição de construir direções

revolucionárias.

O exame dessas relações ambíguas, tensas e contraditórias – resultado

da disputa entre as diferentes estratégias no seu interior, mas, ao mesmo tempo, em

função do acordo geral de que o “socialismo”, abstratamente, era o caminho a

seguir, num momento em que o movimento operário estava em ascenso – gera,

invariavelmente, uma disjuntiva. Se os grupos radicais expunham com clareza suas

posições apoiadas na estratégia revolucionária e a corrente hegemônica

(Articulação) tinha desacordo com isso, mas, durante esses primeiros anos após a

criação do PT, “defendiam o socialismo” (mesmo que com interpretações e métodos

distintos), não é correto dizer que eram todos socialistas? A mudança que

posteriormente ocorreria no PT pode ser explicada, portanto, por uma mudança na

estratégia política da Articulação, que tinha “deixado de ser revolucionária”?

Isto não parece razoável. Desde a sua criação o PT fala em “defesa do

socialismo”, no entanto, só quase 10 anos depois (no VII Encontro Nacional, em

1990) define o que seria o socialismo na concepção do partido (o “socialismo

petista”), mas segundo uma noção que conservava as mesmas indefinições aqui

examinadas e, ao mesmo tempo, um avanço em sugestões reformistas, como se

verá adiante. Isto significa que sempre houve, até então, uma defesa clara de um

“socialismo” impreciso; no entanto, nunca houve uma defesa de um socialismo claro

teoricamente.

Também é verdade que a Articulação mudou de posição ao longo desse

embate, mas é preciso localizar no tempo o momento em que isto aconteceu e

identificar a natureza dessa mudança. O grupo de sindicalistas que em pouco tempo

passou a dirigir o PT não possuía tradição revolucionária e nem levantava a

bandeira do socialismo. Oriundo do Novo Sindicalismo, esse grupo assumiu

posições, no curso da formação do PT, que antes nunca haviam reivindicado. Se

Lula e seus parceiros alguma vez mudaram de posição, foi quando guinaram à

esquerda, durante a fundação e consolidação do partido.

77

A natureza da “mudança” de posição da Articulação, ao sair “em defesa

do socialismo”, foi, portanto, de um caráter meramente histórico e circunstancial. A

Articulação mudou porque esta era uma exigência daquele momento (para não

perder o controle do movimento, que se radicalizava) e, ainda assim, mesmo se

quando se localizou à esquerda, fez de tudo para evitar qualquer alinhamento de

fato com uma proposta socialista revolucionária que comprometesse o PT com uma

estratégia com a qual não tinham acordo.

Lula, numa entrevista concedida Mário Morel em 1983, já evidenciava

qual tipo de sociedade defendia, quando perguntado se ele, ao reivindicar uma

sociedade mais justa, poderia ser considerado um socialista:

É necessário que se discuta que tipo de socialismo. Se é um socialismo onde teremos de implantar um regime e depois segurar na base da baioneta, na base da tortura, ou se teremos a capacidade de propor um sistema onde isso não seja necessário. Onde as pessoas tenham mais ou menos os mesmos direitos, sem que a gente cerceie a capacidade individual de uma pessoa galgar um de degrau a mais do que a outra. (CARONE, 1984, p. 245, grifos nossos)

Como conceber a construção de uma nova sociedade que pretende

eliminar toda a exploração sem que haja expropriação dos meios de produção que

no capitalismo estão sob a posse da burguesia? É possível acreditar que tal tarefa

seja possível ser realizada sem que haja uma contra-ofensiva brutal da classe

dominante, no momento da tomada do poder político pela classe trabalhadora?

Diante desta contra-ofensiva, os trabalhadores não deverão se organizar e utilizar de

todos os métodos (inclusive a violência revolucionária) para não serem dizimados e

concluir a tarefa de tomar o poder? Que socialismo é esse em que será permitida a

ascensão social – e, portanto, distintas formas de apropriação material – de uns

sobre os outros?

É evidente que a Articulação não aceitava um PT socialista, antes de

tudo, porque a rejeição aos métodos de tomada do poder para destruir o regime

democrático-burguês e seus pilares, como já visto, sempre foi sua marca – cujo

traço também foi impresso no PT. A negação da “ditadura do proletariado” não era

apenas um problema de questionamento ao totalitarismo presente nos estados

operários burocratizados pelo stalinismo, mas, uma objeção ao método da tomada

do poder político.

78

Somado a isso, essa recusa expressa da maioria do PT (inclusive de

parte dos grupos marxistas) em se referenciar nas experiências do “socialismo real”

(estados operários burocratizados que restauraram o capitalismo) se mostrou

oportuna no desenvolvimento da concepção reformista e eleitoral de partido

defendida, por parte dos sindicalistas: negar o “socialismo real” foi a senha não para

somente rejeitar a burocratização, tirania, a manutenção dos privilégios e o

isolamento de um Estado operário, mas também para negar a estratégia

revolucionária de conjunto através da qual o poder foi conquistado.

Foi se apoiando em todos esses elementos que a ala hegemônica do PT,

desde o seu surgimento e até o início da década de 1990, não se preocupou em se

posicionar de forma mais clara sobre essas estratégias colocadas em disputa, e isto

ocorreu porque havia a intenção consciente de não cindir o PT num momento em

que era necessária a sua coesão. A construção de uma organização com influência

de massas visando viabilidade eleitoral – a estratégia dessa ala sindicalista – exigia,

naquelas circunstâncias em que era necessário afirmar e fortalecer o partido, a

convivência de posições distintas em nome da consolidação desse projeto. Separar

e esmagar os revolucionários com quem rivalizavam só fazia sentido depois de

construir uma sólida hegemonia e depois que o partido, mediante seu controle,

obtivesse audiência de massas – exatamente como viria a ocorrer no futuro.

Seria legítimo questionar se haveria a chance de traçar outro rumo, se era

possível, se “faltou alguma” coisa que pudesse, na realidade, fazer com que os

setores burocráticos e reformistas (ou pelo menos a fração mais decisiva deles)

fossem ganhos para as idéias marxistas revolucionárias e, desse modo, evitar que o

PT se transformasse no que posteriormente se transformou.

Certamente, sempre pode haver a possibilidade de ser diferente. Desde

que existam condições reais para isto. Estas condições não se desenvolveram na

realidade, como será visto mais adiante. A conjuntura, que até as Diretas Já evoluía

à esquerda, deu alguns passos atrás anos depois. O movimento de massas, de

conjunto, não deu um salto político e organizativo que pudesse romper com o

horizonte reformista; ao contrário, retrocedeu, seja por uma diminuição da

intensidade das lutas de massas, como pela difusão do “fim do socialismo” após a

queda dos estados operários do leste europeu no final dos anos 1980. Os grupos

revolucionários não se fortaleceram dentro do PT a ponto de pressionar ou cindir a

Articulação; e a ala reformista ganha peso, emplacando seu projeto eleitoral no PT.

79

Sob tais condições, tornou-se inevitável que a ala reformista conquistasse

a hegemonia e a direção do Partido dos Trabalhadores. Dialogando com o marxismo

e elaborando formulações ecléticas; pregando o espontâneo, mas agindo de forma

muito consciente; as posições majoritárias do PT flutuaram de um “socialismo” vago

para defesas cada vez mais enérgicas da concepção reformista, que se desenvolveu

de modo mais contundente a partir da definição definitiva das aspirações eleitorais

como prioridade do partido, do início de sua adaptação ao Estado e ao regime, e da

materialização política de toda essa inflexão naquilo que os petistas definiram como

programa democrático-popular.

3.2 Programa democrático-popular: a forma “radical” de uma “Revolução

Democrática” eleitoral

Até a chegada de José Sarney13 ao governo central no ano de 1985, em

função da morte de Tancredo Neves, de quem era o vice-presidente na chapa da

Aliança Democrática, o PT era claramente um partido de oposição ao regime. Seu

objetivo era lutar pelo “fim do regime atual e pela conquista da democracia, que

garanta aos trabalhadores, em todos os níveis, a direção das decisões políticas e

econômicas do País” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1984).

Com a vitória da Aliança Democrática a partir do pacto estabelecido pelo

regime militar em declínio, a concepção reformista dentro do PT ganha um peso a

mais. Com a progressiva eliminação da censura e as liberdades políticas

estabelecidas, a ala majoritária do partido passa a eleger como alvo não mais o

regime e o governo, como na ditadura. Mesmo tendo sido contra o pacto social que

conduziu o regime à reabertura, era necessária uma relocalização na política, pois ir

contra o regime democrático ali estabelecido foi, de certo modo, reforçar as posições

revolucionárias que caracterizavam a democracia representativa como limitada e a

serviço da classe dominante, sendo necessário, portanto, um acúmulo de forças que

apontasse como estratégia a tomada do poder pela via insurrecional. Ali, o PT

deixava de ser – em função da direção política da Articulação – um opositor ao

regime político e passava a ser um partido de oposição apenas ao governo.

13 José Sarney de Araújo Costa, nascido José de Ribamar Ferreira de Araújo Costanota, é um político brasileiro que exerceu o mandato de Presidente da República no período de 1985 a 1990.

80

Mas, apesar da hegemonia da Articulação e da autoridade adquirida pelo

papel de destaque nas lutas operárias, tendo Lula à frente; não foi bruscamente que

essa corrente conduziu o PT a uma adaptação à ordem do regime democrático-

eleitoral. Apesar da operação consciente de Lula e dos seus círculos mais próximos

para que o PT, a partir da excelente votação de 1986, adotasse uma política mais

ampla e mais palatável, visando ocupar o espaço eleitoral; ainda assim amplos

setores do movimento operário continuaram lutando.

Não se via mais as grandes manifestações multitudinárias que lotavam as

ruas do país de operários, juventude e uma ampla camada da população explorada

como se identificou durante a campanha das Diretas Já, no entanto, a classe

trabalhadora organizada nos sindicatos continuava mobilizada. Depois de muitos

anos amordaçados pelas restrições do regime militar, os trabalhadores, ao

perceberem a vitória política do seu movimento e ao se depararem com uma

situação de menor repressão, se lançaram em inúmeras greves, que de imediato

desencadeou um processo de enfrentamento com o governo fruto do pacto social:

... os trabalhadores vinham de uma vitória, ao afastar da direção da sociedade o regime bonapartista. [...] Assim, os trabalhadores sentiam que tinham melhores condições para cobrar sua “parte no bolo” que já havia crescido. Salários baixos, liberdade maior para reivindicar, e a sensação de força e moral dada pelas greves e lutas de que haviam participado entre 78 e 84 eram a base para essa nova atitude dos operários, que influía nos sindicatos. [...] Frente a essa realidade de força dos trabalhadores, o novo governo, o primeiro do regime democrático, oferecia, além de um discurso apoiado nas mudanças efetivas no campo da censura e liberdades políticas adquiridas, uma política econômica que não modificava a questão fundamental para os trabalhadores: a superexploração. As bases econômico-sociais do capitalismo dependente brasileiro eram mantidas intocadas. (WELMOWICKI, 2004, p. 74)

Como em toda reação democrática, as forças políticas dominantes que

controlavam o regime – ao se verem pressionadas pelo movimento de massas –

optaram por operar a sua própria abertura, de modo controlado, para evitar

incursões mais profundas na economia e na política. Isto, além de construir um

pacto social que entregava o poder nas mãos de setores que não colocariam os

planos da burguesia em risco, era a garantia de que as bases de uma política

econômica a serviço da manutenção da superexploração seriam conservadas.

81

A consciência de que a abertura política era uma conquista importante

não desfez a percepção de que as condições de vida da classe trabalhadora não

eram boas. O enfrentamento com a burguesia continuava e, apesar da abertura

democrática, os trabalhadores em luta percebiam que a transição pactuada pelo alto

havia colocado no poder justamente as forças que se identificavam no cotidiano

como aliadas dos patrões. Combinado a isso, o discurso e a intervenção do PT e da

CUT no movimento sindical organizado conservava um perfil classista, radicalizando

as greves e, cada vez mais, tornando-as políticas, com caráter de contestação ao

governo pró-patronal. Foi assim que em dezembro de 1986 se construiu a primeira

greve geral que de fato produziu um impacto no país.

Em meio a esse processo, o governo Sarney optou por tentar conter o

movimento e retomar a popularidade (principalmente em função da proximidade das

eleições), lançando um plano econômico (Plano Cruzado, em 1987) que, dentre

outras medidas, congelava o preço das mercadorias e introduzia o mecanismo do

gatilho salarial, para tentar estancar a inflação que assolava o país. Pouco tempo

depois, após um momento de euforia, a escalada inflacionária volta à carga e a

economia passa a caminhar para uma recessão.

Diante desse cenário, o desgaste de Sarney aumentava e os planos que

foram anunciados para tentar “salvar” a economia (Cruzado II e Bresser) apontavam

uma política de congelamento dos salários para estancar a inflação, gerando ainda

mais repúdio da população trabalhadora e preparando as bases para o ascenso

sindical e político que viria nos anos posteriores.

Foi sob estas condições que o PT realizou o V Encontro Nacional, em

dezembro de 1987, que pode ser considerado como um marco no que diz respeito

aos debates internos do partido. Duas pressões sociais, com resultantes

contraditórias, determinaram o rumo das discussões desse encontro: o ascenso de

massas, tendo à dianteira o movimento sindical com protagonismo da CUT, e

desgaste do governo Sarney. Enquanto o ascenso pressionava o PT para dar

destaque às lutas e aos objetivos estratégicos, o franco enfraquecimento do governo

Sarney animava as possibilidades do PT, que crescia em autoridade perante as

massas, se consolidar como uma alternativa eleitoral viável.

O próprio texto aprovado nesse encontro faz menção a essa pressão

exercida pelos que integravam o PT, para que se definisse claramente os objetivos

estratégicos do partido, naquele momento de elevada efervescência das lutas:

82

A conquista do socialismo e a construção de uma sociedade socialista no Brasil são os principais objetivos estratégicos do PT. Isso parece ser consenso, tanto em vista das resoluções aprovadas nas convenções nacionais, quanto da crescente pressão da militância para que definamos o tipo de socialismo que queremos e estabeleçamos as relações correspondentes entre nossa luta do dia-a-dia e a luta mais geral pelo socialismo. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1987a, grifos nossos)

Mas, a estratégia da corrente majoritária do PT – que manejava uma

política de capitalizar a avenida eleitoral aberta pelo desgaste do governo Sarney –

não permitiu que essas definições se concretizassem, reproduzindo neste V

Encontro Nacional (no qual a Articulação teve aproximadamente 60% dos votos) as

mesmas ambigüidades que marcaram os encontros anteriores. A tática era,

portanto, continuar fazendo a ponte com o PT das origens, “socialista”, e, ao mesmo

tempo, manter aberto o flanco que permitisse inflexões reformistas:

... para definir uma estratégia de luta pelo socialismo, não basta definir a via principal de luta, nem as táticas para a conquista do poder. É preciso, em especial, ter clareza sobre o inimigo ou inimigos principais contra quem nossa luta se dirige, as alianças de classes (estratégicas) para derrotar tais inimigos e o programa de transformações a ser implantado (que serve de base à mobilização popular e às alianças). [...] Existe um certo consenso, entre os militantes e filiados do PT, de que a burguesia é a inimiga principal das mudanças sociais e dos trabalhadores. É uma certeza intuitiva, que resulta da experiência concreta de enfrentamento com a burguesia. [...] [...] Por outro lado, ao tomar a classe burguesa como inimiga principal, estratégica, muitos militantes são levados a se oporem a que se aproveitem as contradições momentâneas entre os diversos setores da burguesia. Colocam-se contra qualquer aliança política, tática ou pontual, com alguns desses setores. Mas o que importa aqui é que tais posturas são reflexos também de um conhecimento insuficiente ou mesmo de um desconhecimento das contradições internas que movem as classes em sua luta, e que muitas vezes podem colocar em oposição diferentes setores da própria burguesia. Esse conhecimento insuficiente é uma das razões principais que explicam por que o PT, como um todo, ainda não avançou suficientemente nas definições estratégicas. [...] Para que o processo de definições estratégicas do PT conte com a participação democrática dos militantes e filiados, é imprescindível que o Partido organize o estudo e o debate sobre as classes e as contradições de classes da sociedade brasileira; o papel da pequena burguesia urbana e rural; a definição dos pontos programáticos que garantam a atração dos setores sociais que têm contradições com a burguesia; a via principal de transformação social e as táticas a serem empregadas para realizá-la; e a relação entre a estratégia do Partido e as diversas táticas para implementá-la. Esses são problemas colocados pelo atual avanço da luta de classes no Brasil, que devem ser tratados adequadamente. ... (Idem, ibidem, grifos nossos)

83

Uma vez que “não basta definir a via principal de luta”, mas

principalmente ter a “clareza sobre as forças do inimigo” e as “alianças de classes

necessárias”, e que seria preciso um “estudo sobre as classes e as contradições de

classe” para determinar qual a estratégia de transformação social, fica evidente que

se mantém no PT a indefinição sobre questão da tomada do poder, visivelmente

polêmica entre os revolucionários e os reformistas. Mas, o conteúdo da resolução

política aprovada no V Encontro, para além das imprecisões que a todo momento

parecem sugerir uma via “pacífica” ou mesmo parlamentar ao socialismo, veio para

sinalizar que a inflexão do partido à direita poderia ser ainda mais profunda.

Percebendo a força do classismo no partido, a Articulação começa a

estabelecer demarcações com a questão da independência de classe ao sugerir que

nem toda aliança política “tática ou pontual” com a burguesia é nociva. É verdade

que em determinadas circunstâncias algumas unidades de ação muito pontuais

realizadas pelo próprio PT foram possíveis e se demonstraram como corretas14, no

entanto, ao não esclarecer conscientemente que tipo de unidade possuiria um

caráter “tático ou pontual”, a resolução aprovada estava sujeita a interpretações

amplas, que inclusive poderiam ir de encontro à independência de classe do partido.

Na verdade, apesar do entusiasmo com que parte da militância petista viu

esse V Encontro Nacional (em função de um aparente “fortalecimento ideológico”

das resoluções), tanto as sugestões subjacentes de “via parlamentar ao socialismo”,

como o início da flexibilização da política de alianças, eram um ensaio para

possíveis inflexões futuras – que se tornaram mais possíveis diante de uma

definição contraditória que pela primeira vez foi aprovada dentro do PT, mas que daí

em diante provocaria grandes polêmicas: o programa democrático-popular.

14 A atuação do PT nas Diretas Já foi um exemplo de unidade de ação pontual com setores da burguesia que, longe de comprometer o partido com projetos da classe dominante, ajudou a desenvolver um processo de luta de massas importante e, ao mesmo tempo, demarcar com diferenciação e enfrentamento a posição petista em relação aos setores burgueses que aspiravam pela conquista do mesmo ponto em comum (a reabertura do regime). Ao mesmo tempo em que defendeu a campanha das Diretas Já ao lado de Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, o MDB e até dissidências do PSD (posteriormente PFL e hoje DEM), o PT se negou a pactuar a transição negociada materializada nas eleições indiretas que deram a vitória à Aliança Democrática, chamando o boicote ao processo. Conseguiu, portanto, estabelecer uma unidade em torno de um ponto comum que era importante (a redemocratização), mas, ao mesmo tempo, um duro enfrentamento e denúncia do pacto social e do caráter de classe dos setores que o impulsionaram. Esta foi, entretanto, uma tática unitária totalmente distinta da aliança eleitoral adotada em 1989 que apresentou a coligação Lula para Presidente e José Paulo Bisol (um representante da burguesia) como Vice. Nesse caso, a aliança tinha um caráter mais permanente e programático, não apenas ao redor de uma determinada reivindicação, a ponto de ocorrer uma defesa da trajetória, das figuras e do projeto comum construído com a burguesia – o que deveria ser, necessariamente, atacados em qualquer projeto de cunho socialista.

84

Embora aparentemente sem importância, a incorporação dessa noção de

programa democrático-popular na verdade estabelecia mais uma diferenciação com

as correntes revolucionárias do partido.

Se retomarmos a classificação do PT aqui já apresentada de modo

esquemático nas três vertentes: a sindicalista (que se converteu na Articulação), os

cristãos (que em sua maioria assumiam posições moderadas, com parte desse setor

indo posteriormente integrar a Articulação) e as correntes de esquerda; se verifica

que apesar das nuances de cada uma delas15, inclusive considerando suas

particularidades e os deslocamentos de alguns desses grupos para passar a integrar

outros, todas elas se posicionavam, a grosso modo, em um dos dois campos: o da

reforma ou o da revolução.

Dentre os grupos que se destacaram com posições alinhadas ao campo

da revolução, estão os trotskistas16, que, reconhecidamente, cumpriam o papel de

opositor mais contundente da ala hegemônica – sobretudo após a dissolução e

integração de quase todos os grupos originários das organizações comunistas

clandestinas ao bloco dirigido pela Articulação17. E uma das diferenciações mais

evidentes com a Articulação residia na questão da natureza do programa do PT,

cujo caráter para os trotskistas deveria ser de transição ao socialismo.

15 Não consiste em objetivo deste trabalho mapear o conjunto das correntes internas do PT, nem acompanhar a evolução das suas posições políticas, e sim a de algumas mais importantes e em momentos decisivos, as que deram a dinâmica e o rumo do partido, as que em determinada situação mais polarizaram, etc. Nesse sentido, o papel da Articulação (como corrente majoritária) e dos grupos trotskistas (que dentro do subconjunto das tendências minoritárias dos grupos da esquerda do PT conseguiram desenvolver uma maior polarização com a Articulação) merece ser destacado. 16 Aqui é importante destacar que dentro do subconjunto das correntes trotskistas também não existia homogeneidade e nem sempre todos os grupos ali presentes se mantiveram no campo da revolução. Dentre as mais importantes organizações inspiradas no trotskismo que integraram o PT estão a ORM-DS (Organização Marxista Revolucionária-Democracia Socialista), formada em 1979 e representante do grupo trotskista Secretariado Unificado Internacional (SU), que tinha à frente Ernest Mandel; o grupo O Trabalho (ex-OSI, Organização Socialista Internacionalista), formado em 1976 e vinculado à Quarta Internacional - Comitê Internacional de Reconstrução; a Convergência Socialista, formada em 1978 por ex-militantes do PST - Partido Socialista dos Trabalhadores, que tinha como referência o partido trotskista argentino dirigido por Nahuel Moreno; a Causa Operária, uma cisão da OSI (depois O Trabalho) em 1979, vinculada ao Partido Obrero da Argentina; e outros agrupamentos de menor peso. Ao longo da trajetória do PT, algumas dessas correntes oscilaram em diversos momentos entre posições no campo da revolução e da reforma, com destaque para a Democracia Socialista que, dentre outras coisas, rompeu SU em função de divergências sobre sua participação no interior de governos de conciliação de classe. 17 Dentre os agrupamentos oriundos de organizações comunistas clandestinas que atuaram no PT estiveram o PRC (Partido Revolucionário Comunista), um grupo surgido de uma cisão com o PCdoB em 1984 que, após revisar profundamente sua orientação ideológica e teórica na década de 1990, se transformou na tendência Nova Esquerda e, depois, Democracia Radical, com posições muito semelhantes às da corrente majoritária petista (até que em 2001 a maioria desse grupo resolve se dissolver na Articulação); a Força Socialista, que surgiu do Movimento Revolucionário Comunista (formado em 1985 por ex-militantes da “Ala Vermelha” do PCdoB, do MEP - Movimento de Emancipação de Proletariado e OCDP - Organização Comunista Democrático-Proletária) e posteriormente (2004) dá origem à APS - Ação Popular Socialista; e outros grupos menores, em sua maioria cisões do PRC.

85

Mais do que apenas um conjunto de palavras de ordem que se

materializa em tarefas concretas, o programa de transição é um método que

concretiza “um sistema de reivindicações transitórias, que parta das condições

atuais e da consciência atual de amplas camadas da classe operária e conduza,

invariavelmente, a uma só e mesma conclusão: a conquista do poder pelo

proletariado” (TROTSKY, 2008, p. 16).

Entendendo que não é possível superar o capitalismo por meio de

reformas, mas somente através da conquista do poder pela classe trabalhadora para

expropriar a burguesia, o método do programa de transição rejeita a idéia de separar

o programa mínimo (reformas) do máximo (tomada do poder), evitando tanto limitar-

se às reivindicações que não ultrapassam o limite do quadro capitalista quanto à

repetição da necessidade da revolução como um mantra. Seu objetivo é levantar

todo um sistema de reivindicações transitórias que ajude a mobilizar os

trabalhadores de modo que, postos em luta por estas reivindicações, percebam que

tais conquistas só serão possíveis se se enfrentarem com a burguesia e seu domínio

político (Estado) e econômico (propriedade privada) na sociedade:

... o cumprimento da tarefa estratégica é inconcebível sem a mais ponderada atenção a tudo, mesmo às questões táticas pequenas e parciais. [...] [...] À medida que as velhas reivindicações parciais, “mínimas” das massas chocam-se com as tendências destrutivas e degradantes do capitalismo decadente – e isto ocorre a cada passo – a IV Internacional levanta um sistema de reivindicações transitórias, cuja essência reside no fato de que, cada vez mais aberta e resolutamente, elas estarão dirigidas contra as próprias bases do sistema burguês. ... (Idem, ibidem, p. 17-18, grifo nosso)

O grande objetivo do programa de transição é o de combinar o trabalho

político cotidiano com as tarefas estratégicas da revolução socialista. Sintetiza a

ação política concreta ao redor do que move os trabalhadores (inclusive as

consignas parciais progressivas que se apresentam no movimento espontâneo das

massas) e a elevação da consciência por meio da agitação, propaganda e da

experiência concreta adquirida no curso das lutas que se chocam com a ordem

capitalista. Mas, o programa democrático-popular aprovado pelas resoluções do V

Encontro Nacional não trabalha com esse método – apesar das consignas

programáticas aprovadas nesse mesmo encontro não se diferenciarem

substancialmente das que até então haviam sido defendidas nos anos anteriores.

86

O grande questionamento de boa parte dos grupos identificados com a

necessidade de um programa socialista no PT (destaque para os trotskistas) residia

justamente na imprecisão do conteúdo programático denominado democrático-

popular, que era suficientemente amplo para caber desde um programa de

transição, socialista; até uma proposta de “programa mínimo” e de colaboração de

classes.

Esta crítica se mostra como correta se considerar que na defesa do

programa democrático popular se expressa um elemento aparentemente de caráter

secundário, mas que revela uma inflexão muito importante: embora nunca se tenha

utilizado a terminologia “de transição” ou “socialista” para se referir ao programa do

PT e mesmo com todas as polêmicas e imprecisões em relação à estratégia de

superação do capitalismo (se se daria pela via insurrecional ou por meio da

ocupação dos espaços institucionais), por outro lado havia um consenso geral sobre

a luta “por um governo dos trabalhadores” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO,

1980b), “um novo poder, baseado na classe operária e na mobilização de todos os

que vivem de seu próprio trabalho, para construirmos uma sociedade sem

explorados e sem exploradores” (Idem, 1982), com uma visível demarcação de

projeto de poder para a classe trabalhadora brasileira.

O V Encontro Nacional do PT, pela primeira vez, aprova uma resolução

que modifica esse entendimento:

... As propostas que proclamam a necessidade e a possibilidade imediata de um governo dos trabalhadores evitam a discussão sobre qual a tática, qual a política para alcançar esse objetivo. Na prática, separam a luta reivindicatória da luta política, por não compreenderem a necessidade da acumulação de forças. A retórica aparentemente esquerdista recobre a ausência de perspectivas políticas e uma concepção limitada, atrasada, das lutas reivindicatórias. [...] Na situação política caracterizada pela existência de um governo que execute um programa democrático, popular e antiimperialista, caberá ao PT e aos seus aliados criarem as condições para as transformações socialistas. (Idem, 1987a, grifos nossos)

Aqui se tem o verdadeiro significado da proposta de programa

democrático-popular. As diferenças com o programa transicional socialista na

exposição são sutilíssimas ou às vezes praticamente imperceptíveis, mas profundas

no conteúdo.

87

O programa de transição entende que “seu objetivo político [estratégico, a

longo prazo] é a conquista do poder pelo proletariado, com o propósito de expropriar

a burguesia” (TROTSKY, 2008, p.17, comentário nosso) e, por essa razão, as

tarefas colocadas para o momento atual não devem se materializar em elogios

abstratos ao socialismo ou à convocação para a tomada do poder imediatamente,

mas, devem conduzir a uma única e só conclusão de caráter pedagógico: as

principais reivindicações dos trabalhadores só poderão ser plenamente atendidas

quando estes estiverem no poder. O programa democrático-popular, por sua vez,

não estabelece essa ponte entre a conquista das reivindicações e a questão do

poder. Ao contrário, a negação da consigna do poder para os trabalhadores em

detrimento da defesa de “um governo que execute um programa, democrático,

popular e antiimperialista” traz subliminarmente consigo a crença de que esse

governo não necessariamente precisaria ser dirigido e controlado pela classe

trabalhadora, para que tais reivindicações fossem atendidas. Em outras palavras,

para executar um programa avançado de reformas que se choque com a ordem

capitalista (e que, portanto, teria um caráter “socialista”), a luta para acumular forças

tendo como objetivo a conquista do poder poderia ficar para um futuro indefinido.

Ora, se para o atendimento dessas reivindicações bastaria “um governo

que executasse esse programa”, sem caráter de classe definido, por que não

acreditar que essa execução possa ser feita por um governo “eleito

democraticamente” que tenha maioria do PT? Se basta um governo que “conceda

tais reivindicações”, sem delimitar que tipo de governo poderia de fato concretizar

esses compromissos, para que mobilizar os trabalhadores para, por exemplo, depor

governos (afinal, a força das mobilizações, em tese, poderia “empurrá-los para a

esquerda”, dentro das regras da institucionalidade)? Se não é preciso um governo

de trabalhadores para executar um programa “democrático e antiimperialista”, qual a

razão para não buscar pactos com a burguesia “democrática e não imperialista”?

Deve se destacar que até aquele momento, a Articulação ainda não havia

defendido publicamente que estas eram as suas estratégias, assim como é

importante assinalar que seus posicionamentos foram elaborados num front de

disputas e desafios cotidianos, e, por isto, é compreensível que a defesa dos ideais

teórico-políticos reformistas e eleitorais tenha se mostrado mais visível apenas

posteriormente. Desse modo, as consignas programáticas progressivas, que de fato

se chocavam com as bases do capitalismo, continuavam sendo mantidas:

88

... · Diretas-Já para presidente da República, acompanhadas de eleições gerais em todos os níveis; · Revogação da Lei de Segurança Nacional, da Lei de Greve e da Lei de Imprensa; · Fim de qualquer forma de censura; [...] · Eliminação, na Constituição, do conceito de segurança nacional; caracterização do papel constitucional das Forças Armadas como exclusivamente de defesa contra eventual agressão de inimigo externo; desativação do SNI e do aparelho repressivo; desmilitarização das polícias militares e extinção dos tribunais especiais para o julgamento de crimes cometidos ao País; fim da atribuição da repressão política à Polícia Federal; fim de competência dos tribunais militares para julgamentos civis; [...] · Pelo rompimento com o FMI; pela realização de auditoria interna e contra o pagamento da dívida externa; · Controle das remessas de lucros ao Exterior; [...] · Reforma tributária como instrumento para aumentar a arrecadação de impostos e distribuir a renda, gravando o capital, a grande propriedade territorial, as heranças e as doações; [...] · Direito ao ensino público e gratuito em todos os níveis para todos, com a proibição de o Estado destinar verbas para escolas privadas; · Criação de um sistema único de saúde estatal, público, gratuito, de boa qualidade, com participação, em nível de decisão, da população, por meio de suas entidades representativas; estatização da indústria farmacêutica; · Estatização dos serviços de transportes coletivos; · Estatização da indústria do cimento, para viabilizar um vasto programa de construção de habitações populares; · Estatização do sistema financeiro, garantindo crédito ao pequeno e médio produtor agrícola e industrial; · Reforma agrária sob controle dos trabalhadores, com fixação de módulo máximo da propriedade rural regional e definição de planos agrícolas com a participação dos trabalhadores; [...] · Reajuste mensal automático de salários e remunerações, pensões e proventos dos aposentados de acordo com os cálculos do DIEESE; · Aposentadoria aos 30 anos de serviço para homens e aos 25 anos para mulheres, sem limite mínimo de idade e sem prejuízo para as aposentadorias especiais conquistadas por algumas categorias de trabalhadores; · Jornada semanal máxima de 40 horas, sem redução de salários;

89

· Estabilidade no emprego; ... (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1987a, grifos nossos)

Entretanto, a indefinição foi plantada. Levantar o conjunto dessas

reivindicações, que em sua quase totalidade conservaram o caráter das consignas

apresentadas pelo PT das origens unificava praticamente todo o partido, até mesmo

a Articulação, pressionada pelo ascenso dos anos de 1987 e 1988. Mas, um

programa não é somente um texto com palavras de ordem. Para além da agitação

de consignas, o programa materializa um método de construção do movimento e

embora as reivindicações mais vitais continuassem sendo defendidas pelo PT, a

oposição entre “governo dos trabalhadores” e “governo que execute um programa

democrático-popular” não era à toa. Além das indefinições até então presentes no

PT sobre “qual socialismo” o partido reivindicaria, o programa democrático-popular

acrescentava um novo componente que na prática era antagônico à idéia de “poder

para os trabalhadores”: o conjunto das reivindicações, mesmo as levantadas fora do

momento eleitoral, não necessariamente precisariam se orientar pelo enfrentamento

direto entre a classe trabalhadora e a burguesia, mas, poderiam se limitar a uma

exigência ao governo de turno, colocando para um horizonte infinito a necessidade

dos trabalhadores construírem o seu governo.

Isto, na prática, abria um espaço para que o programa do PT se

transformasse num plano de lutas apenas por políticas públicas, ainda que tais

reivindicações conservem toda a vitalidade e até mesmo sejam consideradas

“radicais”, como as que foram levantadas pelo PT no V Encontro Nacional. Além

disso, os flancos abertos pelo programa democrático-popular permitiam

flexibilizações mais profundas, como a defesa da ocupação dos espaços

institucionais como via de transição ao socialismo (a tese de que para mudar o

Estado, bastaria tomar os postos de governo) e a ampliação do arco de alianças do

partido (com a burguesia), sob a bandeira da necessidade de “acumulação de

forças”. Tais movimentações ainda não estavam concretizadas (isso se verificaria

somente alguns anos depois), no entanto, mesmo sem uma inflexão profunda,

estavam ali embutidas, no programa democrático popular, diferenças de método na

elaboração programática e também de estratégia, de modo que a aprovação dessa

formulação significava uma sutil preparação do terreno para inflexões mais

profundas.

90

Mas, também houve definições mais explícitas, menos sutis. O V

Encontro Nacional, além da proposta de programa democrático-popular, aprovou –

numa conjuntura de ascenso do movimento operário e com dois anos de

antecedência das possíveis eleições presidenciais, já que sequer havia se

concretizado a Constituinte que garantiria as eleições diretas – que a ocupação dos

espaços institucionais seria a prioridade do PT:

... Trata-se, portanto, de uma conjuntura de acumulação de forças na qual a política do Partido terá de dar conta de três atividades centrais: a) a consolidação das diretas em 1988, com eleições gerais e presidencialismo, e a ocupação de espaços institucionais nas eleições, para as quais devemos lançar o maior número possível de candidatos. A candidatura do companheiro Lula à Presidência da República, ao mesmo tempo que encarna a posição de independência de classe defendida pelo Partido, dará aos trabalhadores maior consciência e organicidade política nesta fase de acúmulo de forças. A candidatura Lula, que cresce nas pesquisas de opinião antes mesmo de as diretas estarem asseguradas, estará apoiada num programa que será mais que um simples rol de exigências e medidas isoladas: deverá sintetizar um novo discurso político e servir de instrumento de politização, de disputa ampla com outros setores e de atuação junto ao povo. [...] b) a organização do PT, como força política socialista, independente e de massas; c) a construção da CUT, por meio de um movimento sindical classista, de massas e combativo, e a organização do movimento popular independente. (Idem, ibidem, grifos nossos)

Na hierarquia das tarefas e no grau de dedicação que existe no texto para

justificar a política de lançar a candidatura Lula como prioritária, fica claro que a

atividade institucional seria a prioridade do partido, como pretendia a Articulação.

Além disso, pela primeira vez o PT se debruçou com mais profundidade e

detalhamento sobre o problema das alianças e nesse V Encontro Nacional esta

também foi uma questão que sofreu uma sutil flexibilização:

... O PT tem enfrentado muitas dificuldades para discutir a questão das alianças, em parte pela experiência negativa da esquerda brasileira, em parte pelo sentimento de independência de classe, mas é preciso reconhecer que o sectarismo e a intolerância também têm impedido que essa discussão avance no Partido. Toda vez que se levanta a necessidade de discussão, ou se propõe concretamente uma aliança, impede-se a discussão com acusações de “reformista” ou “aliado da burguesia”, sempre brandindo o fantasma da transformação do PT num partido reformista. [...]

91

A frente única classista – que engloba todos os trabalhadores assalariados – não é suficiente para derrotar a dominação burguesa neste país. Para isso, é necessária uma aliança de todos os setores que, por suas contradições com a burguesia, estejam dispostos a marchar com os trabalhadores na luta pelo poder. Para o PT, não há aliança estratégica com setores da burguesia. [...] [...] A partir da definição geral das alianças estratégicas, que visam reunir e organizar em torno da classe trabalhadora os setores médios, teremos uma linha para estabelecer, aqui e agora, táticas em torno das lutas contra a Nova República na Constituinte e nas lutas sociais. Prevalecerá sempre a priorização das alianças dentro das classes trabalhadoras; mas não devemos – resguardada a independência do PT – deixar de realizar alianças táticas com forças políticas em torno de objetivos imediatos ou a médio prazo. [...] [...] devemos avançar na construção de uma frente democrática e popular, o que significa sensibilidade e iniciativa do PT junto a setores de partidos não vinculados diretamente à classe trabalhadora mas que, se estiverem em conflito com a política hegemônica da burguesia, podem reforçar a luta democrática dos trabalhadores. [...] [...] Tomando esse conjunto de posições e de critérios, [...] decidimos: • excluir composições eleitorais com partidos que dão sustentação à Nova República e ao conservadorismo direitista (PDS, PL, PTB, PFL, PMDB). No caso deste último, eventuais dissidências em oposição à linha oficial devem ser avaliadas caso a caso. [...] Quanto ao PDT, é um partido de oposição à Nova República, favorável ao presidencialismo e às eleições diretas para presidente em 1988. No entanto, é um partido dominado pelo populismo, no qual convivem facções burguesas, setores socialistas e trabalhistas. Nesse sentido, qualquer aliança eleitoral com esse partido deve ser analisada pontualmente; • avaliar a situação do PCB, PCdoB e PSB com o sentido de o PT tomar iniciativas políticas que possibilitem ou a evolução desses partidos para posições defendidas pelo PT ou a atração de setores desses partidos para apoio ou relação com o PT; • a partir dos critérios definidos e da perspectiva de acúmulo de forças, o PT deve incluir em sua política de alianças o PH e o PV. (Idem, ibidem, grifos nossos)

É interessante destacar que era visível a luta político-ideológica dentro do

PT e a Articulação (que aprovou esse texto como tese-guia do V Encontro) conhecia

os elementos que conduziam o PT para posições de independência de classe: a

experiência com a política de colaboração das antigas direções e o “sentimento de

independência de classe” – que na prática era resultado da insatisfação com os

patrões acumulado durante todo o regime de exceção – disseminaram o classismo e

imprimiram essa marca no PT, que nasceu como um partido de oposição ao regime.

92

Em função disso, a operação de flexibilização do arco de alianças pelas

mãos da corrente majoritária, principalmente naquela circunstância em que seguia o

ascenso do sindicalismo classista e independente (referenciado na CUT), precisava

ser feita com muita cautela. Por esse motivo, as menções esparsas de que a

burguesia “é uma classe que não tem nada a oferecer ao nosso povo” (Idem,

ibidem) se combinavam, ao mesmo tempo, com a defesa de alianças com “todos os

setores dispostos a marchar com os trabalhadores” e “em contradição com a política

hegemônica burguesa”.

Como se pode perceber, o texto dá centralidade a elementos que derivam

de análises políticas circunstanciais, em detrimento de critérios objetivos para

determinar a qual classe os setores pertencem. Assim, ainda que não estivesse

defendendo abertamente alianças com setores burgueses, a resolução permitia que

tais questões fossem apreciadas caso a caso no futuro, pois “estar ou não em

conflito com a política hegemônica burguesa” era um critério tão amplo quanto o que

dizia que o PT não poderia fazer alianças “estratégicas” com a burguesia. Ora, qual

o critério para definir que uma aliança seria “tática” se o próprio texto falava em

possibilidade de alianças “a médio prazo”? Aqui, mais uma vez, os critérios que

poderiam balizar a política de alianças eram tão abertos que neles poderia caber

qualquer coisa. A menção à possibilidade de frentes eleitorais com dissidências do

PMDB, com o PSB e o PDT também já apontava que no PT já se considerava, de

algum modo, a possibilidade de alianças com setores da classe dominante18.

Apesar da resistência interna e da habilidade da Articulação em aprovar

resoluções mais abertas que possibilitassem inflexões futuras sem provocar cisões,

era visível que as divergências começavam a se acirrar. A tentativa de classificar

como “sectarismo e intolerância” as acusações de transformação do PT num partido

reformista não era outra coisa senão uma contra-ofensiva com endereço certo: os

grupos identificados com um projeto revolucionário. E a preocupação com os rumos

da luta interna também se materializou em medidas sobre a liberdade de tendência.

18 O PMDB, oriundo do MDB, já era na década de 1980 um partido reconhecidamente integrado por amplos setores da burguesia. O PSB teve uma origem de esquerda, vinculada aos reformistas da II Internacional, e foi extinto pelo regime militar. Após a redemocratização (1985), o partido é re-fundado, mas com características totalmente distintas, sendo integrado por frações burguesas de relativo peso, como Arthur Virgílio (hoje prefeito de Manaus pelo PSDB) e José Paulo Bisol (que posteriormente viria a ser o candidato a vice-presidente de Lula na coligação Frente Brasil Popular). Já o PDT, com referência no trabalhismo e na defesa de um “Estado de Bem-Estar Social” no capitalismo, é criado em 1979 e, desde sua fundação, sempre permitiu a presença de ícones da burguesia. Dentre os inúmeros quadros da burguesia afiliados ao PDT na década de 1980, podemos citar Marcello Alencar (RJ), Jackson Lago (MA), Jaime Lerner (PR) e Wilma de Faria (RN).

93

A existência de “diferentes correntes ou tendências organizadas, que

possuem sua própria política e sua própria disciplina, grande parte das vezes em

contraposição à política adotada” (Idem, 1986) começava a incomodar a ala

hegemônica do partido, pois não existia uma definição acerca do funcionamento das

tendências e isso permitia que grupos de militantes se organizassem para combater

abertamente a política da corrente majoritária. Desde sua fundação essa luta interna

no PT se expressou de maneira muito franca, mas, a partir das primeiras vitórias

eleitorais petistas e da tentativa da Articulação de procurar fazer inflexões sutis no

perfil político-ideológico do partido, os enfrentamentos foram tomando contornos

mais contundentes.

Esta já era uma preocupação real, quando em 1986 alguns filiados do

partido foram “acusados de estarem envolvidos na tentativa de assalto a um banco

em Salvador” (Idem, ibidem). Na ocasião, a Executiva Nacional do PT orientou a

expulsão desses filiados (visivelmente inspirados na estratégia foquista de guerrilha

urbana), que foi ratificada no IV Encontro Nacional, e, sob este pretexto, a

Articulação aprovou no mesmo encontro uma resolução que determinou “ao próximo

Diretório Nacional que proceda à sua regulamentação [das tendências]” (Idem,

ibidem, comentário nosso), inaugurando o início de uma batalha aberta contra as

tendências organizadas no interior do PT.

No V Encontro Nacional fica muito clara a postura da Articulação de

enfrentar as tendências mais à esquerda e, utilizando sua maioria construída nos

anos anteriores, buscar centralizá-las.

Não houve, por parte da corrente majoritária, nenhum constrangimento

em mudar radicalmente a defesa dos anos anteriores de “culto à espontaneidade

dos trabalhadores”, de que a classe por si mesma teria “todas as condições para ir

definindo os rumos da estratégia do partido por sua própria experiência”; para

assumir uma exigência de centralização que pudesse tornar o PT uma organização

dirigente:

Ao lado da precariedade de nossa organização na base do Partido, outro ponto de estrangulamento é a falta de uma real centralização do Partido, de unidade de ação por parte dos seus militantes. Para ser um partido dirigente, capaz de intervir de forma organizativa e coerente nos movimentos sociais, e de dar um rumo à luta das massas trabalhadoras pelo socialismo, o PT precisa de centralização. (Idem, 1987a, grifos nossos)

94

O V Encontro Nacional, portanto, além de ter aprovado um conjunto de

sutis flexibilizações estratégicas, demarcou pela primeira vez que a liberdade das

tendências internas, dali em diante, seria mais restrita. O encontro aprovou, pela

maioria da Articulação, uma resolução contendo definições gerais sobre o direito de

tendência, a serem ratificadas (ou modificadas) posteriormente pelo Diretório

Nacional.

Isto significou que, em função das duríssimas polêmicas acerca do tema e

da resistência de alguns agrupamentos que reivindicavam ou o centralismo

democrático leninista, ou o direito irrestrito de tendência permanente, as definições

finais acerca do tema seriam postergadas. Mas, ainda assim, a Articulação havia

deixado explícito que seu objetivo era que, depois de anos com um funcionamento

mais fluido, todos agora deveriam “vestir a camisa do PT” e abandonar tudo o que

construíram, justamente quando suas concepções reformistas começavam a se

impor diante de uma condição de ala majoritária praticamente consolidada:

Ao afirmar seu caráter estratégico, o PT afirma-se, pois, como partido e não como frente de partidos ou organizações. Contrapõe-se , portanto, à prática da dupla militância e da dupla fidelidade. Da mesma maneira, a filiação ao PT se dá em caráter individual, assumindo o filiado o compromisso de acatar apenas e unicamente as decisões partidárias, tomadas nas instâncias orgânicas do PT. [...] Sendo democrático, o PT admite em seu interior a disputa ampla entre diferentes opiniões. Acredita que somente a mais ampla liberdade de pensamento e o incentivo ao debate político poderá torná-lo genuína fonte de conhecimento e fortalecê-lo como instrumento de ação dos trabalhadores. Entretanto, da mesma forma que defende e garante a pluralidade de pensamento sobre as mais variadas questões, exige a mais forte unidade de ação, pois é na base desse elemento que reside a eficácia do partido como instrumento de intervenção na luta de classes, no rumo do socialismo. O PT, portanto, defende a democracia interna como princípio partidário, ao mesmo tempo que reitera a necessidade de acatamento obrigatório das deliberações das instâncias partidárias como expressão desse mesmo princípio. [...] É rigorosamente incompatível com o caráter do PT a existência, velada ou ostensiva, de partidos em seu interior, concorrentes do próprio PT. Quer dizer, o PT não admite em seu interior organizações com políticas particulares em relação à política geral do PT; com direção própria; com representação pública própria; com disciplina própria, implicando inevitavelmente em dupla fidelidade; com estrutura paralela e fechada; com finanças próprias, de forma orgânica e permanente; com jornais públicos e de periodicidade regular. (Idem, 1987b, grifos nossos)

95

Na verdade, toda essa operação só se justificava pelas crescentes

polêmicas internas no interior do PT. As imprecisões em relação ao socialismo, que

vinham desde a fundação do partido, avançavam agora para flexibilizações

estratégicas “subliminares” sobre questões (centralidade da ação direta de massas

em detrimento da disputa institucional, a independência de classe, etc.) que antes se

tinha acordo em geral. A Articulação apostava firmemente, portanto, que era preciso

disciplinar as demais correntes que atuavam no interior do PT, para concretizar o

seu objetivo de estabelecer dentro do partido o seu programa democrático-popular;

que na prática era um programa de reformas “radicais” defendida em uma

plataforma de disputa institucional (eleitoral), mas que, por outro lado, era

suficientemente amplo para teoricamente ser ajustado a qualquer estratégia e,

desse modo, buscar a unidade com outros setores mais à esquerda.

A implementação dessa plataforma democrático-popular se deu de forma

praticamente imediata após o V Encontro, já nas eleições municipais de 1988. Com

Sarney desgastado, um crescimento orgânico do PT como alternativa vinculada às

lutas num momento de ascenso e com um perfil menos “vermelho” apresentado pela

maior parte dos candidatos ligados à Articulação, o êxito eleitoral foi inevitável:

O desgaste do governo Sarney, cuja política econômica levou a uma explosão inflacionária associada à recessão econômica em 1988, favorecerá os partidos de esquerda na eleição municipal daquele ano. O discurso leve do PT e, ao mesmo tempo, a sua identificação com os movimentos reivindicativos trarão uma expansão para as cidades médias, além de confirmarem a presença nas capitais. O partido vence em São Paulo, a maior cidade do país, onde Luiza Erundina obtém 30% dos votos, e Porto Alegre, onde um dos três sindicalistas históricos do PT, Olívio Dutra, torna-se prefeito. Vence também em Vitória, com o médico Vitor Buaiz. Fica em segundo lugar no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e [...] em Goiânia. [...] Fora as capitais, o PT ganha em 33 dos 4.287 municípios onde houve disputa, alguns deles importantes centro industriais, como São Bernardo do Campo, Santo André e Campinas (SP) e João Monlevade e Ipatinga (MG). ... (SINGER, 2001, p. 56)

As vitórias nas eleições municipais de 1988 foram contundentes e

projetaram ainda mais o PT, no entanto, junto com a euforia, a conquista dessas

prefeituras (principalmente das grandes cidades, como São Paulo) introduziu no

partido uma dinâmica de institucionalização, de adaptação ao Estado e ao regime,

que pavimentou o caminho para um processo de burocratização e de

aprofundamento das suas mudanças estratégicas.

96

Naquele momento, o PT começava a mudar, de fato. À frente das

prefeituras, que são na prática instituições para administrar uma das “frentes” da

máquina de gestão capitalista, o partido começava a ser posto à prova. A imprecisão

em relação a uma estratégia de ruptura apoiada no movimento de massas ou de

construção do partido nas massas para fazer reformas dentro do regime – objeto de

duros embates políticos internos – cobrava seu preço. Comandando suas primeiras

gestões municipais e refém da política da Articulação, o PT se viu, pela primeira vez,

diante de situações em que estava se enfrentando na prática com a sua própria

origem, os movimentos sociais. O governo de Luiza Erundina19 deu o exemplo:

A primeira grande crise [do PT] veio com o governo Erundina, à frente da Prefeitura de São Paulo. A questão central colocada era a relação com o regime democrático: aceitar ou não os limites legais da constitucionalidade. Erundina e outros prefeitos petistas, como o de Diadema, no ABC da região metropolitana paulista, se viram diante do dilema de ocupações de terrenos públicos e privados pelos movimentos de moradia e de greves de funcionários públicos. Apelaram à repressão, uns mais, outros menos, e houve episódios de até presos e feridos. Não houve rupturas no partido, mas as placas tectônicas do PT se moveram. O PT pagou a dívida externa do município, escrupulosamente, e não hesitou em convocar a PM (Polícia Militar) contra a luta operária e popular. (ARCARY, 2011, p. 65)

O que ocorreu em São Paulo com uma prefeitura petista, de fato, não era

qualquer acontecimento. O PT, inclusive como parte de um acordo geral com a

própria Articulação, sempre defendeu que a “conquista de governos municipais e o

exercício de mandatos de vereador devem ser vistos como partes integrantes dessa

luta coletiva e como frentes da luta de classes” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO,

1987a). Colocar a polícia para reprimir uma greve e acionar o judiciário contra o

ajuste salarial arrancado pelos trabalhadores rodoviários era muito grave, rompia

com tudo que o PT havia formulado enquanto projeto.

E não foi apenas em São Paulo que ocorreram casos semelhantes.

Enquanto a greve dos rodoviários produziu choques abertos do governo Erundina

com amplos setores do partido, inclusive a própria Articulação; em Diadema (1989),

o prefeito petista20 utilizou de perseguição política, violência policial e acionamento

do judiciário contra a ocupação urbana do Buraco do Gazuza, fato denunciado

publicamente pela Convergência Socialista.

19 Luiza Erundina de Sousa, assistente social e política brasileira, foi eleita a primeira prefeita e representando um partido de esquerda (PT) em São Paulo, no ano de 1988. Seu mandato foi de 1989 até 1993. 20 José Augusto da Silva Ramos foi o prefeito do PT em Diadema à época, cujo mandato durou de 1989 a 1992.

97

Ficava evidente, portanto, que a chegada do PT a governos havia

produzido uma pressão muito forte, a ponto de se demarcar visivelmente a

existência de “dois partidos”: o PT dos mandatos e o do movimento.

Contudo, apesar de iniciado o aprofundamento da adaptação do PT (o

que gerou crises e enfrentamentos internos) a conjuntura no Brasil tratou de soldar

momentaneamente as fissuras abertas. Estava prevista para o segundo semestre de

1988 a votação da nova Constituição, que avançava no reconhecimento de direitos,

liberdades democráticas e que determinou a convocação de eleições gerais para

1989. O PT tinha 16 deputados na Assembléia Constituinte e apresentou um projeto

de Constituição (cuja redação foi concluída em 1987, antes das eleições municipais)

que continha elementos progressivos, como o monopólio estatal de vários ramos da

produção, incluindo o sistema financeiro, além de medidas políticas como a limitação

dos gastos de campanha e dispositivos de controle popular sobre o poder público.

Tendo sido rechaçada pelo parlamento hegemonicamente conservador, a

proposta do PT sofreu questionamentos em inúmeros pontos e, após definida a

redação final, mesmo tendo costurado alguns acordos, o PT votou contra a Carta

Magna apresentada pela Assembléia. Apesar de todas as diferenças e lutas internas

no PT, essa posição unificou o conjunto das correntes e expressou uma demarcação

de identidade programática e independência frente o regime e seus representantes,

inclusive os articuladores da abertura democrática negociada.

Entretanto, foi a proposta de campanha Lula Presidente que deu uma

dinâmica de unidade impressionante no partido. Havia mais de duas décadas que no

Brasil não havia eleições diretas para presidente e essa conquista animava a

militância, principalmente porque além do crescimento do partido, o governo Sarney

seguia em crise, com o movimento colocando-o contra as cordas21. A atmosfera que

existia no partido (principalmente entre os reformistas), era de que a vitória eleitoral

era possível. E assim o PT se jogou de corpo inteiro na campanha.

21 O movimento sindical colecionava uma série de vitórias sobre o governo, principalmente após a greve com ocupação da Companhia Siderúrgica Nacional, em novembro de 1987. Sarney reagiu duramente, enviando tropas do Exército para sufocar o movimento, o que resultou na morte de três operários. O impacto negativo da repressão se voltou contra Sarney e a participação ativa do PT nesses processos de luta projetou o partido nas eleições de 1988. Na esteira de todo o desgaste do governo, o movimento sindical (tendo a CUT na dianteira) convoca uma greve geral para março de 1989, desestabilizando ainda mais o governo Sarney. Segundo WELMOWICKI (2004, p. 79), a greve “pôs o governo Sarney na defensiva a tal ponto que teve de aceitar uma lei salarial que era o oposto da que seu ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, havia estabelecido”. Ainda em 1989 houve outras greves com ocupação, como a da Mannesman. Também conforme WELMOWICKI (Idem, ibidem), “foi essa conjuntura de ofensiva dos trabalhadores e o imobilismo do governo que acabou por levar a candidatura Lula ao 2º turno das eleições presidenciais de 89”.

98

Para preparar a intervenção do partido nas eleições e conforme já havia

sido sinalizado em 1987, o PT chama o VI Encontro Nacional em junho de 1989. O

clima produzido pelo entusiasmo da ampla maioria dos petistas diante da

possibilidade de eleger o primeiro operário Presidente da República com um

programa em defesa dos trabalhadores animava e criava um espírito de unidade que

contagiava o partido, a ponto de quase a totalidade dos debates do encontro ter

como centro as eleições presidenciais.

Nessas circunstâncias, o ambiente era profundamente favorável para

discutir não apenas as melhores táticas para as eleições, mas para que a

Articulação aprofundasse o seu objetivo de imprimir no PT uma estratégia de

transformação pela via das eleições. As disputas, os enfrentamentos e as

escaramuças resultantes da luta política interna, naquele momento em que era

necessária a unidade na campanha, passaram a ser utilizadas pela Articulação

como uma tentativa de “enfraquecer o PT”.

Com um ambiente propício, a Articulação aprofundou ainda mais o caráter

reformista da estratégia do PT. O socialismo continuava presente nas suas

formulações, no entanto, dessa vez, nas resoluções aprovadas ficava explícito que a

estratégia do PT não era a de organizar os trabalhadores para tomar o poder:

... o governo democrático e popular e o início de transição ao socialismo são elos do mesmo processo. A passagem de um ao outro, no entanto, não é automática e nem resultado da “retirada de cena” das minorias privilegiadas que, com base na força e negação da democracia, subjugaram historicamente os trabalhadores e o povo deste país. A implementação da globalidade de um programa democrático-popular só pode ocorrer com a revolução socialista. Do nosso ponto de vista, nossa intenção, nossa vontade política, nossos propósitos programáticos vão no sentido de conquistar o poder através da vontade, da mobilização e da luta da maioria, e não da tomada de poder por meio de um golpe de mão, de um putsch da vanguarda. Queremos o poder e a construção do socialismo através da vitória sobre a burguesia e seus aparelhos ideológicos de dominação. Com este objetivo estamos preparando o Partido, estamos construindo uma hegemonia política, social e ideológica, estamos acumulando forças para respaldar nosso projeto. (Idem, 1989a, grifos nossos)

A afirmação de que o governo democrático-popular e o início da transição

ao socialismo são “elos do mesmo processo” ratifica as análises de que, cada vez

mais, o PT de conjunto ia assumindo a estratégia da Articulação e se transformando

numa organização reformista:

99

... O Programa de Governo Democrático-Popular e o próprio Governo Democrático-Popular, que constituem instrumentos capazes de viabilizar a alternativa dos trabalhadores à crise política atual, na ordem do governo, podem, entretanto, vir a abrir condições para a disputa de uma alternativa de poder. (Idem, 1989b, grifos nossos)

Ficam cada vez mais visíveis, portanto, as evidências acerca de que, para

o PT, a via de disputa do poder é a disputa eleitoral; sobretudo porque as próprias

resoluções do VI Encontro Nacional destacam que “a consolidação de uma frente

eleitoral [...] se articula com a estratégia na medida em que pode se constituir

como embrião da Frente Democrático-Popular” (Idem, ibidem, grifos nossos).

Essa noção é ainda mais reforçada quando se identifica que a intenção, a

vontade política e os propósitos programáticos do partido se colocam contra o

mecanismo da tomada do poder. Ao eleger a construção da hegemonia “política,

social e ideológica” como “o caminho para a construção do socialismo”, sem em

nenhum momento mencionar a questão da necessidade de quebrar a dominação

coercitiva do Estado, as resoluções do VI Encontro Nacional praticamente finalizam

a questão. Dali em diante, as indefinições estratégicas iriam ser dirimidas: o

programa do PT seria o programa democrático-popular, um programa “radical” (pela

vitalidade e pelo caráter de enfrentamento com as bases do capitalismo brasileiro),

mas, que se concretiza através da conquista dos espaços institucionais, por meio

das eleições.

Após a aprovação integral das resoluções da Articulação, o PT lança a

candidatura de Lula no próprio VI Encontro Nacional e inicia a marcha para mover

todo o partido para uma forte campanha. Era preciso fazer tudo o que estava ao

alcance para eleger Lula, que crescia nas avaliações de voto. No curso desse

processo, a Articulação levou a termo essa proposta e fez de tudo para alavancar a

candidatura petista: montou um staff com seus mais destacados quadros para

pensar uma campanha de massas, trabalhou a inserção do PT como alternativa de

oposição numa conjuntura em que as massas giraram para ficar contra Sarney e,

além de tudo, escolheu José Paulo Bisol (um representante das classes dominantes

gaúchas, que havia recentemente saído do PSDB para o PSB) como candidato a

vice-presidente na coligação eleitoral Frente Brasil Popular (PT - PCdoB - PSB),

como forma de tentar dialogar com os setores menos politizados (que consideravam

o PT “radical” demais) e até mesmo com algumas frações do empresariado.

100

A aliança com o PSB e Bisol causaria ruídos no PT. Apesar de no VI

Encontro Nacional, que antecedeu a campanha, não ter sido aprovado nenhuma

resolução que tratasse da questão das alianças e mesmo diante da aprovação de

um programa e uma estratégia bem à esquerda nas instâncias inferiores do partido,

a Articulação se apoiou nas imprecisões aprovadas no encontro anterior para buscar

aliados que “por suas contradições com a burguesia, estejam dispostos a marchar

com os trabalhadores” (Idem, 1987a).

É claro que a ala hegemônica do partido nunca disse que contradições

eram essas e nem ao redor de que programa os partidos burgueses como o PSB

estariam dispostos a “marchar com os trabalhadores”. Na formulação cabia tudo, a

depender de como se matizava as caracterizações, e como a Articulação percebia a

necessidade de incorporar setores da burguesia para abrandar a desconfiança

frente a um PT que na opinião pública era “radical demais”, não pensou duas vezes.

Frente a isso, alguns grupos se rebelaram.

A Convergência Socialista havia defendido já no V Encontro Nacional

(1987) inclusive (junto com a corrente O Trabalho), que o candidato a vice-

presidência de Lula deveria ser o camponês Júlio Barbosa, reconhecido defensor da

reforma agrária. Na ocasião, a Articulação rejeitou essa proposta e aprovou que o

nome do candidato a vice ficaria em aberto, como forma de tentar atrair outros

setores para a frente eleitoral. O anúncio de Bisol como vice de Lula propiciou

novamente, assim como nos embates de setores da militância do partido com a

postura das prefeituras petistas diante das mobilizações, um enfrentamento público.

A Causa Operária (e suas dissidências que recentemente haviam fundado outros

grupos também com atuação interna no PT) e a Convergência Socialista foram as

correntes que mais fizeram essa denúncia, esta última chegando ao ponto de

realizar panfletagens nas portas de fábrica, denunciando a aliança22.

Mas o acerto de contas sobre a aliança só seria feito após as eleições.

Principalmente a partir do mês de setembro de 1989, a campanha adquiria um

volume gigantesco e uma influência impressionante na classe trabalhadora. O

significado do PT como um partido das greves e das mobilizações (produto de quase

uma década de lutas) provocou um impacto retumbante nos trabalhadores mais

conscientes e nos setores organizados, sobretudo a base do sindicalismo brasileiro.

22 Para uma rápida descrição das principais tendências que atuavam no PT, ver nota nº. 16.

101

Toda a tônica da campanha de Lula é dada pelas lutas em curso, pela

conjuntura de ofensiva dos trabalhadores. Lula era visto como o legítimo

representante de anos de luta contra os governos e o regime de exceção, tanto em

função de toda sua trajetória, mas também pelas consignas do programa de governo

“Brasil Urgente, Lula Presidente”, que defendia a “realização da reforma agrária”

(Idem, 1989c), “suspensão dos acordos com o FMI e do pagamento da dívida

externa” (Idem, ibidem), etc.

A contradição disto era que enquanto a candidatura Lula aglutinava um

amplo setor da classe em luta (ao mesmo tempo em que era rechaçado pela maior

parte das frações burguesas); por outro era visto com profunda desconfiança pelos

trabalhadores mais despolitizados e parte da classe média, insuflados pela

propaganda reacionária de amplos setores da direita. E, para vencer as eleições, era

preciso ganhar essa parte do eleitorado que migrava seu voto para um

representante das elites até então desconhecido nacionalmente (Fernando Collor de

Melo) e, ao mesmo tempo, repudiava Lula pelo “medo do comunismo” – cuja

referência era os estados operários burocratizados que caiam por força de

mobilizações de massas exatamente naquele momento, no Leste Europeu23.

Levando a termo o seu objetivo de eleger Lula, a Articulação operou dois

movimentos: incentivou na base do partido, “por baixo”, a construção da campanha

de Lula colado às lutas; mas, ao mesmo tempo, também atacou “por cima”, tendo

como centro de suas preocupações tornar a candidatura de Lula aceitável para os

eleitores, inclusive os das classes dominantes. Exatamente por essa razão, Lula

abandonou no meio da campanha a palavra de ordem “Trabalhador vota em

trabalhador!”, adotando chamados ao voto que apelassem para o sentimento de

mudança, mas sem grandes demarcações de classe. A tática parecia dar certo. Lula

foi ao segundo turno com 16,08% dos votos, superando por pouco Leonel Brizola

(que ficou com 15,45%).

23 Em 8 de novembro de 1989, dias antes da votação para o primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, começa a ser derrubado o Muro de Berlim, que separava a Alemanha em dois blocos: um referenciado no capitalismo e outros no regime totalitário soviético. Uma parte importante da esquerda e o senso comum em geral tinham como referência esses regimes stalinistas que governavam a então União Soviética e o Leste Europeu. Com a queda do Muro de Berlim em função de intensas mobilizações sociais que clamavam principalmente por liberdades democráticas, iniciou-se um processo mundial de desmantelamento do poderio stalinista, que veio a culminar no ano seguinte (1990) com a dissolução da União Soviética e com a “libertação” nacional de vários estados governados pelos soviéticos. As revoltas e manifestações que provocaram a queda desses estados geraram uma comoção mundial, que foi amplamente utilizada pela burguesia e seus meios de comunicação para proclamar o “fracasso definitivo” do socialismo (como se os regimes stalinistas fossem o resultado inevitável da transição socialista). Isto desencadeou um forte sentimento anticomunista em todo o mundo, que foi amplamente utilizado contra Lula nas eleições de 1989.

102

No segundo turno, as pressões aumentam. Internamente, a adaptação do

PT à institucionalidade (que vinha desde a conquista das prefeituras), começa a

pesar e a Articulação impõe um afastamento da tônica da campanha vinculada às

lutas que marcou o primeiro turno. O jingle “Brilha uma estrela”24, de conteúdo

exclusivamente emotivo e sem demarcações classistas, foi gravado por vários

artistas da Rede Globo que declararam apoio a Lula. Era uma tentativa visível de

abrandamento do discurso para ganhar setores mais conservadores do eleitorado e

da classe média, que foram bombardeados pela mídia reacionária que avançou em

ataques não apenas políticos, mas morais contra Lula25.

Externamente, o arco de alianças realizado ao redor da candidatura de

Lula também pressionava para que, além de um discurso mais aceitável, o PT

aprofundasse ainda mais os pactos com setores burgueses. A Articulação, que tinha

maioria na Coordenação de Campanha, faz um debate sobre a política de alianças

para o segundo turno e decide aprofundar ainda mais os acordos com a burguesia.

No curso do segundo turno, a Articulação incide sobre frações burguesas,

realiza reuniões intermináveis com os partidos da ordem e ao final de tudo consegue

concertar um acordo com PDT, PMDB e PSDB, que declaram apoio a Lula contra

Collor. Os comícios finais realizados dias antes da votação mostravam a pluralidade

da composição de classe que expressava a candidatura de Lula no segundo turno:

nos palanques estiveram desde Luís Carlos Prestes, até figuras como Leonel

Brizola, Miguel Arraes e Mário Covas. Ali, a amplitude do programa democrático-

popular, que pressupunha a defesa não de um governo com caráter de classe, mas

de qualquer governo que pudesse “realizar um programa que se chocasse com as

bases capitalistas” pela primeira vez mostrava qual era sua estratégia na prática.

Parte da burguesia reconhecia ali que o PT, apesar de tudo, poderia não ser

necessariamente um inimigo, como confirma Arcary em entrevista a Demier:

24 Também conhecida como Lula lá ou Sem medo de ser feliz, foi uma canção escrita por Hilton Acioli para o segundo turno da campanha presidencial do PT em 1989. A canção foi apresentada pela primeira vez em um programa eleitoral gratuito da Frente Brasil Popular (ver http://www.youtube.com/watch?v=n9XbVfTWdmY, acessado em 17 de novembro de 2013) e contou com a participação de artistas, como Marieta Severo, Lucélia Santos, Gal Costa, Chico Buarque, José Mayer, Tássia Camargo, Cláudia Abreu, Malu Mader, Betty Faria, Aracy Balabanian, Beth Carvalho, Reginaldo Faria, Jonas Bloch, Arlete Salles, Felipe Camargo, Elba Ramalho, Adriana Esteves, Marcos Paulo, Guilherme Leme, Eliezer Motta, Joana Fomm, dentre outros. 25 Durante o segundo turno das eleições de 1989, o programa eleitoral de Collor utilizou imagens e a participação de uma ex-namorada de Lula (Miriam Cordeiro), que acusou o petista de pressioná-la para que fizesse um aborto. Em dezembro, dias antes da votação do segundo turno, o mega-empresário Abílio Diniz é seqüestrado e o ato é atribuído a um grupo de guerrilheiros chilenos chamado Movimiento de Izquierda Revolucionaria. Collor e boa parte da imprensa fazem uma vinculação consciente do suposto seqüestro à candidatura de Lula, com o objetivo de imprimir-lhe a pecha de “terrorista” e assim, diminuir sua influência eleitoral.

103

... mesmo em 1989, a burguesia estava dividida. Não era toda a burguesia que estava numa oposição furiosa contra a candidatura de Lula. Essa não era a posição, por exemplo, do PMDB, com Ulysses Guimarães, nem do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com Mário Covas, que já tinham tido uma experiência com Lula na Assembléia Constituinte. [...] Não é verdade que a burguesia ignorava quem era Lula ou que pensasse que Lula fosse um revolucionário socialista ou mesmo um republicano radical, isso não corresponde aos fatos [...]. (DEMIER, 2003, p. 25)

As consignas programáticas também estiveram o tempo inteiro

ameaçadas na campanha, diante da pressão da Articulação para tentar ocupar o

máximo de espaço eleitoral possível e, no caso de uma vitória, para respeitar a

institucionalidade burguesa. Numa entrevista após as eleições de 1989, dada ao

intelectual André Singer, Lula deixava claro que poderia flexibilizar o programa do

partido que havia sido construído em base às reivindicações mais sentidas dos

trabalhadores em luta e considerando a necessidade de romper com o quadro de

dominação capitalista no Brasil:

... No nosso caso, a responsabilidade era: “como é que a gente vai melhorar a vida desse povo, como é que a gente vai cumprir as promessas de palanque? E aí você começa a pensar grande. Aliás, entre os meus economistas, com mais uma semana de campanha o Maílson [da Nóbrega, ministro da Fazenda do Governo Sarney] seria de esquerda perto deles (risos). ANDRÉ [Singer] – Houve um deslocamento para a direita, Lula? LULA – Já é um pouco de gozação, mas quando foi chegando perto de ganhar, eu tive que segurar o pessoal (risos). Então, o negócio de suspender a dívida externa não era bem assim, a dívida interna não era bem assim... (SINGER, 1990, p. 108-109, grifos e comentário nossos)

Mas o programa democrático-popular é exatamente isto. É um programa

de aparência radical, porque pode circunstancialmente conservar quase todas as

reivindicações mais vitais que se contrapõem à base do sistema capitalista, mas,

diferentemente de um programa de transição, a conquista de tais reivindicações não

dependeria da “mobilização sistemática das massas em direção à revolução

proletária” (TROTSKY, 2008, p. 18) e sim, de um governo com o mesmo caráter do

programa (democrático-popular), sem que seja necessário para isso exigir que tenha

uma natureza de classe operária, nem tampouco que seja resultado da insurreição

das massas.

104

Isso infere que, embora não estivesse dito ainda claramente em nenhuma

resolução partidária que a estratégia do PT era eleitoral e de colaboração de

classes, na prática o programa democrático-popular não estabelece qualquer óbice

para que fosse possível conquistar reivindicações de caráter socialista com um

governo de conciliação de classes e eleito pelo mecanismo da democracia

representativa burguesa.

O programa democrático-popular, por mais radicais que fossem suas

consignas, não define claramente que a conquista dessas reivindicações só poderia

se dar mediante um enfrentamento sistemático e que colocasse como condição a

luta estratégica pelo controle operário sobre o Estado e os meios de

produção/circulação; e não somente com exigências ou tentando “empurrar para a

esquerda” algum governo – que poderia, segundo as formulações petistas, se

estabelecer por meio de eleições e que inclusive nem precisaria ser da classe

trabalhadora, mesmo sendo apoiado e construído pelo partido.

O mais grave ainda é que, se um governo democrático-popular é a

estratégia para conquistar as reivindicações anticapitalistas, mas a correlação de

forças na sociedade e dentro desse governo não permitirem o atendimento dessas

demandas, seria “legítimo” que o programa fosse flexibilizado (como sinalizou Lula

em sua entrevista a Singer), afinal, a conquista de qualquer reivindicação só é

possível mediante as condições reais dadas num quadro de medição de forças na

luta de classes.

Contudo, diante disso, o que fazer? Evidentemente, isto não está dito,

mas se o governo democrático-popular é uma estratégia para o socialismo, como

não defendê-lo, mesmo quando ele “não pode” realizar as mudanças em função de

questões conjunturais? Fica evidente, portanto, que o programa democrático-

popular, nada mais é do que uma forma “radical” de uma estratégia reformista e

potencialmente eleitoral; uma espécie de “transição da transição” que não se define

explicitamente pela estratégia eleitoral, mas, que abre espaço para a compreensão

de que é possível conquistar o poder sem revolução.

Apuradas as eleições de 1989, o PT é derrotado por Collor. Lula obteve

37,86% dos votos, e Collor, 42,75%. A diferença havia sido pequena. De fato, o PT

havia dado um susto em boa parte da burguesia, estava na disputar para vencer. A

frustração que veio com o resultado foi grande, principalmente para a Articulação,

pois este era o seu objetivo maior e nele havia apostado todas as fichas.

105

Contudo, era evidente que no balanço das eleições estavam

atravessados os problemas estratégicos do partido. Uma vez que se tratava de uma

candidatura com referência de esquerda, na qual as posições reformistas de algum

modo, em função do ascenso protagonizado pelos trabalhadores naquele momento,

tiveram que abrir caminho para um programa de traços rupturistas com a ordem; e

também pelo fato do PT ter sofrido com violentos ataques e manipulações da

imprensa burguesa26; não seria estranho considerar o resultado como vitorioso.

O PT saía das eleições com um importante acúmulo político, como o

partido-referência de oposição ao governo recém-eleito e de um potencial

organizativo dos trabalhadores reconhecido, com capacidade real de mobilização de

massas. Se o partido de conjunto tivesse estabelecido um compromisso com uma

estratégia revolucionária, certamente o balanço das eleições de 1989 não seria uma

derrota total. O PT sairia, sem dúvidas, com condições para aprofundar o seu

enraizamento na classe operária, fazer uma dura oposição a Collor e ao regime,

avançar na organização da classe trabalhadora e prepará-la para embates que

visassem transformações mais profundas. A historiadora e filósofa marxista Virgínia

Fontes, em entrevista a DEMIER (2003, p. 21-22), faz a mesma análise:

... “derrotas” só seriam consideradas, efetivamente, derrotas, se a eleição presidencial fosse a questão principal para o PT [...] – e parece que foi para um setor importante do PT, mas não para todo o partido. Se um partido existe unicamente para conquistar cargos no executivo, sua função é simplesmente um jogo do mercado eleitoral, e não a organização [...]. Em 1989, o PT avançou enormemente no cenário brasileiro; o fato de Lula ter sido derrotado por Collor, inclusive por manipulações, foi, ao meu juízo e historicamente, um detalhe. Mas a derrota foi considerada fundamental pelos setores que apostavam tudo no jogo eleitoral e não na atividade organizativa. [...] O que é uma derrota? [...] Você pode ter um candidato à Presidência da República que não seja eleito e isso não significar, de forma alguma, uma derrota. Pode significar, inclusive, um avanço. Tudo depende do que é fundamental para o partido: se é um partido voltado para a organização de setores populares [...] ou se o intuito dele é se concentrar nos executivos e agir como se isso resolvesse o problema da organização. Lógico que [...] a articulação entre esses dois pontos seria uma questão importante, mas o PT se deslocou totalmente, em alguns momentos, para a segunda opção mencionada.

26 No dia 14 de dezembro de 1989, todas as emissoras de rádio e televisão transmitiram ao vivo um debate entre os candidatos a presidente que foram ao segundo turno, Lula e Collor. No dia seguinte, dois dias antes da votação, a Rede Globo veicula no seu principal noticiário noturno, o Jornal Nacional, uma matéria com recortes dos trechos do debate em que Collor aparecia mais tempo e em melhores condições, sempre vinculando Lula à violência e ao totalitarismo. Ao final da matéria, o jornal anunciou uma pesquisa supostamente feita pelo Instituto Vox Populi, que teria ouvido a opinião de 490 pessoas em 114 municípios (em menos de 24 horas), sobre o debate. Em todas as perguntas, que incluíam a performance no debate, preparação do candidato para governar, etc., o jornal anunciou Collor como vencedor. Essa edição polêmica do Jornal Nacional foi denunciada como PT como uma clara tentativa de manipulação às vésperas do pleito. É possível ver essa edição do Jornal Nacional na íntegra em http://www.youtube.com/watch?v=rJ3rudZ2odA (acessado em 17 de novembro de 2013).

106

Mas, essa não era a avaliação da Articulação e, a partir daí, seus motivos

para intensificar o giro à direita só aumentaram. Para vencer as próximas eleições

seria preciso ganhar o eleitorado que votou em Collor e, em função do seu

conservadorismo, era preciso abrandar o discurso e o programa do PT.

A primeira medida interna nesse sentido foi disciplinar os grupos

refratários à idéia de ir mais à direita e, pouco mais de um mês antes de convocar o

próximo encontro, o Diretório Nacional do PT aprova um regulamento de tendências

(pendente desde o V Encontro), que na prática vetava qualquer manifestação

distinta do que fosse aprovado no partido, exceto em espaços internos:

[...] A expressão pública das posições do PT cabe exclusivamente aos dirigentes e às instâncias do Partido. [...] A Tendência Interna pode realizar publicações que estejam estritamente de acordo com esta regulamentação. a) As publicações da Tendência Interna serão dirigidas e distribuídas exclusivamente aos filiados do PT, com a finalidade de debate no interior do conjunto partidário e disputa interna de orientação e direção. b) As publicações da Tendência Interna não poderão servir de base para a construção de uma corrente autônoma em relação ao PT e com ele concorrente. [...] As campanhas financeiras da Tendência Interna terão caráter interno ao PT, não podendo substituir, nem se superpor ou contrapor à política financeira do Partido. [...] A Tendência Interna poderá realizar contatos internacionais e participar de atividades com caráter de informação, discussão e intercâmbio, desde que seja feita prévia comunicação à Comissão Executiva Nacional do PT [...]. [...] Nesses contatos, a Tendência Interna reafirmará sempre que as relações internacionais do PT são privativas do seu Diretório Nacional, através da Secretaria de Relações Internacionais. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1990c, grifos nossos)

A aprovação desta resolução abriu um momento de guerra no interior do

PT. A Tendência pelo Partido Operário Revolucionário (T-POR), uma cisão da

Causa Operária, diante da regulamentação das tendências, tornou pública a ruptura

com o PT e chamou voto nulo nas eleições de 199027, denunciando a política de

conciliação de classes da Articulação.

27 Em 1990 foram realizadas eleições gerais para governo, senado e câmara federal em todos os estados.

107

Foram abertos ainda processos internos para que a Causa Operária, a

Convergência Socialista e O Trabalho se adaptassem às resoluções, o que

significaria a dissolução dessas correntes no PT, com a possibilidade de intervir de

forma organizada apenas nos espaços internos. Esta última se submeteu

integralmente às resoluções. Já a Causa Operária e a Convergência Socialista,

reivindicaram permanecer no PT, no entanto, sem aceitar limitar sua atuação política

aos espaços internos e sem dissolver sua organicidade. Seriam, posteriormente,

expulsas cada uma delas, após um período de intensos debates.

Alegavam, fundamentalmente, que o PT pretendia centralizar o conjunto

da militância, mas que isto se limitava somente aos que defendiam a estratégia

revolucionária e o combate à conciliação de classes: havia uma série de

parlamentares e prefeitos do partido que faziam absurdos políticos, pactos com a

burguesia local, que se omitiam do papel de fazer oposição aos governos de direita

combatidos pelo PT (em nome das parcerias administrativas) e até mesmo a adoção

da repressão aos movimentos sociais, rasgando as resoluções do partido; e estes

não eram tratados como militantes que deveriam ser centralizados.

Na prática, isto acontecia por um problema de estratégia política, não de

“indisciplina”. A ala majoritária, com maior peso na direção e na base do PT era a

Articulação e sua estratégia era cada vez mais eleger, a qualquer custo. Centralizar

os mandatos petistas significava correr o risco de perder as administrações, os

aparatos, os cargos dos quais o PT já estava relativamente dependente, não só do

ponto de vista político, mas material. A tolerância com os parlamentares e membros

do executivo era, portanto, muito grande, praticamente infinita; e com a esquerda

petista, muito pequena. Naquele momento, para consolidar a estratégia da

Articulação, o expurgo dos revolucionários era inclusive necessário e, por essa

razão, vários dirigentes da ala majoritária manifestavam acordo com isto28.

O VII Encontro Nacional se realiza em meio a toda essa luta interna e

mais uma série de fatos marcantes da conjuntura nacional e internacional. Recém

saído da derrota eleitoral de Lula, o PT tinha que resolver seu impasse interno com

as tendências e, ao mesmo tempo, preparar o partido para as eleições daquele ano.

28 A partir do início de 1990, inicia-se uma “caçada” às tendências de esquerda que polemizaram publicamente com a política da Articulação, principalmente durante as eleições de 1989. No artigo Correntes internas do PT – Momento de exclusão, publicado na revista Teoria & Debate nº. 9, Apolônio de CARVALHO (1990) afirmou que “Há correntes políticas que por si mesmas se revelaram corpos estranhos no interior de nossa organização: a Convergência Socialista, a Causa Operária e o PCBR [...]. Ad referendum das instâncias mais altas, a Comissão Executiva Nacional deve, a meu ver, a curto prazo, tornar pública sua exclusão de nossas fileiras”.

108

Internacionalmente, o neoliberalismo ia consolidando sua dominação com

a queda dos estados operários burocratizados do leste europeu e um avanço

impressionante da propaganda anticomunista. O colapso do mal chamado

“socialismo real” também foi avaliado no VII Encontro Nacional e sua debacle

definitiva acelerou o projeto da Articulação (que contava com quase 60% dos

delegados do encontro) em concluir definitivamente o “socialismo petista” como algo

avesso à tomada do poder, como se toda insurreição revolucionária tivesse como

produto inevitável os regimes totalitários stalinistas:

Na raiz do nosso projeto partidário está, justamente, a ambição de fazer do Brasil uma democracia digna desse nome. Porque a democracia tem, para o PT, um valor estratégico. Para nós, ela é, a um só tempo, meio e fim, instrumento de transformação e meta a ser alcançada. [...] Da mesma forma, o fracasso de tantas experiências do socialismo real, com o reforço conjuntural da ideologia capitalista, mesmo num país como o nosso, vítima das contradições mais agudas e destrutivas do capitalismo, convoca-nos a um renovado esforço crítico especulativo, capaz de relançar ética e historicamente a perspectiva da democracia socialista. [...] Mas qual socialismo? Qual sociedade, por qual Estado lutamos com tamanho empenho para construir? Como deverá ser organizada a sua estrutura produtiva e com quais instituições políticas contará? Como serão conjurados, no plano da política prática, os fantasmas ardilosos do autoritarismo? lnútil sublinhar a magnitude da tarefa histórica que é responder teórica e praticamente a tais indagações. [...] Para algumas destas perguntas podemos avançar respostas que decorrem da nossa própria experiência ativa e reflexiva. Brotam, por negação dialética, das formas de dominação que combatemos ou resultam de convicções estratégicas que adquirimos em nossa trajetória de lutas. O 5º Encontro Nacional já apontou o caminho: para extinguir o capitalismo e iniciar a construção da sociedade socialista, será necessária uma mudança política radical; os trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica na sociedade civil e no poder de Estado. (Idem, 1990b, grifos nossos)

Todo o debate teórico-programático do encontro refletiu um avanço das

posições reformistas e institucionais do partido. A “defesa” do “socialismo” – embora

um “socialismo” específico, teoricamente construído para incorporar no seu interior a

estratégia reformista da Articulação – seguiu existindo, no entanto, as referências à

democracia estavam menos referenciadas à democracia direta dos trabalhadores.

Essa sugestão da democracia como “valor universal”, ainda que não fosse nenhuma

teoria nova, daria a tônica das elaborações do PT daí em diante.

109

Não por acaso, a ação prioritária do partido foi, mais uma vez, fazer

oposição ao governo de plantão hierarquizando como tarefa principal a intervenção

no processo eleitoral que em 1990 elegeria governadores, deputados federais e

senadores, com a mesma política de alianças empreendida nas eleições

presidenciais:

Nossa tarefa central é a oposição ao Governo Collor, especificamente à sua política econômica e ao estilo Collor, autoritário, populista, sustentado pela avassaladora propaganda dos meios de comunicação.

O confronto com o governo vai ocorrer em vários níveis e momentos:

a) disputa no plano institucional, no Congresso Nacional e nas eleições de 1990; b) disputa na sociedade, contrapondo à CUT e aos movimentos organizados o sindicalismo de resultados e os descamisados;

c) disputa nos meios de comunicação e na mobilização social, procurando impedir nosso acesso à informação e a retomada da luta social e econômica organizada;

d) disputa de alternativas políticas e ideológicas em torno dos objetivos do Governo Collor e da questão da ideologia neoliberal, contra o socialismo e a esquerda. Nossa política no plano institucional visa enfrentar o Governo Collor com o objetivo de criar um pólo alternativo. Nesse sentido, devemos atrair o PCdoB, o PCB, o PDT e o PSB para uma frente democrático-popular de oposição no Congresso Nacional e nas eleições. (Idem, 1990a, grifos nossos)

A aprovação da prioridade máxima das eleições no VII Encontro Nacional

traria resultados imediatos. Em menos de um ano após a derrota de Lula contra

Collor, o PT se armou para mais uma disputa que, desta vez, lhe traria uma vitória

eleitoral: “o reflexo, no pleito de 1990, do processo de nacionalização e

interiorização ocorrido em 1988 e 1989 faz o PT dobrar a representação na Câmara

dos Deputados [...] e, pela primeira vez, eleger um senador, Eduardo Suplicy, por

São Paulo” (SINGER, 2001, p. 58).

Apesar de não ter conseguido vencer nenhuma disputa para governador

de estado, o PT também avançou nas assembléias legislativas estaduais. “O PT só

deixa de eleger deputados estaduais (81 ao todo) em Roraima e Tocantins” (Idem,

ibidem). Mas, a cada vitória eleitoral conquistada, o processo de adaptação do PT às

instituições se aprofundava, a ponto de não mais apresentar reflexos políticos que

respondessem às tarefas da principal arena de luta contra a burguesia.

110

O governo Collor, marcado desde o início pela implementação de um

plano para por um freio na disparada inflacionária (Plano Collor), viu sua

popularidade despencar em poucos meses de gestão. O Plano Collor teve uma boa

aceitação de início, no entanto, o congelamento dos salários e o aumento dos

preços do serviço público (gás, energia elétrica, serviços postais, etc.) rapidamente

produziram uma grande insatisfação.

A política de abertura do mercado nacional às importações e o início de

um programa nacional de desestatização foram apresentados como uma saída para

atrair os investimentos e impulsionar a economia, no entanto, o que ocorreu foi o

inverso. O país se enredou em uma profunda recessão ainda em 1990 e quase 1

milhão de postos de trabalho foram fechados. A inflação voltou a bater a casa de

mais de 1000% ao ano e, como se não bastasse, em meados de 1991 começam a

surgir denúncias de irregularidades do governo na imprensa, envolvendo

diretamente Collor e seu tesoureiro de campanha Paulo César Farias.

Apesar de uma diminuição da intensidade das lutas, a indignação com o

governo era quase unânime. E dentro do PT se intensificava o debate sobre que

política o partido deveria implementar diante de um governo que naquele momento

se fragilizava. Mesmo diante da caçada aberta pela Articulação desde o VII Encontro

Nacional, as correntes mais à esquerda (em especial, a Convergência Socialista),

começaram a empreender uma forte luta política que expressava o conteúdo de uma

longínqua polêmica com os reformistas: o problema do respeito à institucionalidade.

Essa controvérsia atravessou o I Congresso Nacional do PT – realizado

de 27 de novembro a 1º de dezembro de 1991, em São Bernardo do Campo/SP e

que, dentre outras questões, se debruçou outra vez sobre a concepção de

socialismo, mantendo formulações semelhantes à resolução anterior do “socialismo

petista” –, cujas discussões materializaram a luta interna dos setores mais à

esquerda por um PT que não fosse mais um partido eleitoral da ordem, mas, uma

organização das lutas que compreendesse a importância de naquele momento de

profunda insatisfação das massas, enfrentar não apenas o governo, mas construir

uma mobilização social que pudesse questioná-lo nas ruas, visando a sua derrubada

e enfrentando a institucionalidade, se necessário.

A Articulação não se sensibilizou com isto e aprofundou o seu giro a

direita, negando-se a chamar as mobilizações para derrubar Collor nas ruas e, ao

mesmo tempo, caracterizando de “golpistas” aqueles que assim o fizessem:

111

... O PT considera que as eleições de 92 também serão um importante momento de disputa com o projeto Collor, já que, apoiados numa política de alianças definida pelo Partido e na mobilização popular, podemos infligir uma derrota ao Governo Collor e a seus aliados locais. [...] O PT assume, junto à mobilização contra a política de Collor, a defesa da proposta de antecipação do plebiscito sobre regime político, já tramitando no Congresso Nacional. O PT se opõe, radicalmente, a qualquer tentativa de pacto de elites, pois não concordamos, em hipótese alguma, com entendimentos quaisquer que tenham como pressupostos acordos com Collor e a manutenção da atual representação dos estados no Congresso. Para o PT, a antecipação do plebiscito sobre sistema de governo só terá sentido se vier combinada com a luta por reformas democráticas essenciais, destacando-se a aprovação de um novo sistema eleitoral, que seja, de fato e de direito, proporcional, e a redefinição das funções da Câmara e do Senado Federal, tendo este último suas funções restritas às federativas. Repudiamos, igualmente, qualquer casuísmo ou iniciativa de características golpistas para resolver a crise. A proposta do PT adquire legitimidade e se diferencia das demais porque se sustenta na mobilização popular e pressupõe uma nova representação congressual, com eleições antecipadas, assegurando que o novo regime político de governo seja, de fato, representativo de uma nova conjuntura e de um real avanço na situação social do País. [...] Caso, porém, se caracterize jurídica e politicamente crime de responsabilidade do presidente Collor, o PT não hesitará em recorrer ao impeachment, em defesa da democracia. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1991a, grifos nossos)

A estratégia aprovada no PT se mostrou clara desde o momento em que

considerou que as eleições de 1992 seriam “um importante momento de disputa”

contra o governo. Para a Articulação, não estava nos planos derrubar Collor. Ele

continuaria governando e sendo desgastado até que isso fosse aproveitado pelo

partido nas eleições, para ali “infligir uma derrota” tanto ao governo central quanto

aos seus aliados locais. A menção a respeito da “mobilização popular” não passava

de um adorno, uma vez que não existia qualquer iniciativa de animar mobilizações

para que, em caso de vitória, sequer fosse necessário esperar as eleições de 1992

para derrotar Collor.

Da mesma forma, a afirmação de que não prescindirá do impeachment

caso se confirmasse os crimes de responsabilidade de Collor deixava claro que a

única possibilidade do PT admitir a derrubada do governo era por meio dos trâmites

legais e apenas se casos de corrupção se confirmassem. Estas posições, que

refletem uma subordinação aos ditames institucionais, foram defendidas pela

Articulação que, por ironia, terminou carregada a reboque. Em 1992, o povo iria às

ruas pelo Fora Collor e o PT, atrasado, seria obrigado a ir, como confirma Arcary:

112

... depois das eleições para os governos estaduais de 1990, sob a pressão da nova situação internacional aberta pela queda do muro de Berlim, o compromisso da direção do PT com a constitucionalidade levou o partido à hesitação face ao Governo Collor. Por isso, recusou-se a tomar a iniciativa para começar uma campanha pelo Fora Collor em 1991, quando do 1º Congresso, mas depois que a campanha ganhou sustentação de massas nas ruas em agosto de 1992, apesar do PT, a apoiou; (ARCARY, 2011, p. 70)

A omissão do PT em desenvolver a campanha do Fora Collor era

resultado de uma inflexão à direita muito profunda, defendida pela Articulação sem

qualquer constrangimento no I Congresso Nacional do partido. Num quadro de maior

retração dos movimentos sociais e sob o impacto do desmonte da União Soviética e

dos demais estados operários burocratizados, a Articulação impôs no PT a negação

da tomada do poder como o método de conquista da dominação dos trabalhadores

numa situação limite da luta de classes e elegeu, mais uma vez, as eleições como

“parte fundamental da estratégia de transformação revolucionária do Brasil”

(PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 503):

... A prática e a teoria do PT sempre rejeitaram como modelo, para o Brasil, os sistemas políticos organizados sobre a base do regime de partido único, dos sindicatos como engrenagens do Estado, da estatização forçada e irrestrita da atividade econômica, do alijamento do povo do exercício do poder, da eliminação dos opositores e do predomínio do Estado/Partido sobre a sociedade e sobre os indivíduos, tudo aquilo, enfim, que ficou conhecido como a ditadura do proletariado. [...] [...] Para o PT, socialismo é sinônimo de radicalização da democracia. Isso quer dizer que a concepção de socialismo do PT é substancialmente distinta de tudo que, enquanto concepção, vimos concretizado em todos os países do chamado socialismo real. [...] Afinal, “democracia, para nós, é simultaneamente meio e fim”. Dizer isso implica recusar todo e qualquer tipo de ditadura, inclusive a ditadura do proletariado, que não pode ser outra coisa senão ditadura do partido único sobre a sociedade, inclusive sobre os próprios trabalhadores. [...] [...] o 5º Encontro Nacional do PT formou a convicção de que, na caminhada rumo às mudanças democrático-populares e ao socialismo, a classe trabalhadora precisa desenvolver uma política de acúmulo de forças de longa duração, o que significa disputar a hegemonia. [...] [...] [...] Até 1987, a disputa pela hegemonia era colocada, basicamente, como uma política de acúmulo de forças, a partir da avaliação de que não estava na ordem do dia a tomada do poder ou uma crise revolucionária. Depois de 1989, a disputa pela hegemonia passa, necessariamente, a incluir a disputa pelo governo federal em 1994, a gestão das administrações municipais, a luta pela democratização do Estado e por reformas sociais, assim como a organização e o crescimento dos movimentos sociais.

113

[...] [...] Está, portanto, colocado na prática para o PT o problema da democracia, do governo de coalizão, da alternância no governo e, principalmente, de demonstrar no dia-a-dia sua capacidade de fazer uma vida mais digna, feliz e justa para milhões de cidadãos. Por tudo isso, temos de superar os problemas existentes na relação das prefeituras com o Partido, com os movimentos sociais e nossas dificuldades administrativas e políticas. [...] A política de alianças desenvolvida pelo PT a partir de 1987 não só precisa ter continuidade, mas, inclusive, deve ser radicalizada, principalmente frente à ofensiva neoliberal e ao agravamento da crise econômica e social do País. Toda a experiência nos governos municipais, no Parlamento e mesmo nos movimentos sociais aponta para a necessidade de uma ampla política de alianças, destinada a enfrentar a nova realidade internacional e o bloco político que sustenta a onda neoliberal no Brasil. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1991b, grifos nossos)

As afirmações que recusam “toda e qualquer ditadura, inclusive a ditadura

do proletariado” – ignorando o conceito clássico de governo dos trabalhadores que

subjuga a burguesia e concebendo inevitavelmente como conseqüência da ditadura

do proletariado uma tirania de partido único sobre os trabalhadores – expressavam a

“luta pelo socialismo” como sinônimo de “radicalização da democracia”, de “disputa

de hegemonia” e legitimavam a postura vacilante do partido diante do governo

Collor.

Apesar de se apresentar como um partido que visava “a construção de

um amplo movimento de oposição popular e institucional às políticas do governo

[Collor]” (Idem, 1991a, comentário nosso), a opção pela “disputa da hegemonia”

significava desgastar Collor para removê-lo pelas urnas, através do aprofundamento

da política de alianças policlassistas nas eleições de 1994.

Na prática, isto já revelava o PT como um partido apenas de oposição ao

governo, mas totalmente adaptado ao regime da democracia representativa

burguesa e suas instituições. O PT reconhecia que era justo lutar contra Collor e por

sua queda, mas somente pelos meios “democráticos” – e por isto as eleições de

1994 foram definidas como prioridade. Parece evidente que, ao aprender a derrubar

presidentes com a experiência adquirida na luta de classes, as massas poderiam em

algum momento também remover nas ruas os governos eleitos pelo PT. E isto era

tudo o que a Articulação não gostaria que acontecesse, em função da sua estratégia

política eleitoral.

114

Estas posições levaram a disputa interna no PT a uma situação limite. A

inflexão da Articulação havia ido longe demais para um setor importante do partido,

a ponto de haver uma cisão na própria corrente majoritária. Igualmente, a

Convergência Socialista se enfrentou duramente com a Articulação durante o I

Congresso – tanto a respeito da política aprovada pelo partido em relação a Collor,

quanto pelo ultimato dado no que tange o comportamento das tendências –, que, ao

reconhecer que “a aplicação do regulamento de tendências não conseguiu eliminar a

existência e a cristalização, no Partido, de verdadeiras frações”, determinou a

aplicação das mesmas resoluções aprovadas no ano anterior (1990) pelo Diretório

Nacional, cujo conteúdo, dentre outras coisas, proibia as sedes, finanças e reuniões

exclusivas, além de materiais públicos que não fossem de circulação interna. Diante

disso que, na prática, obrigava as tendências a se dissolverem no PT, mantendo o

direito de crítica apenas aos espaços internos, a luta se agudizou, até a ruptura.

Apoiada na resolução cujo conteúdo afirmava que ficaria “aprovada esta

regulamentação de tendências, compreendendo que, como antes, a unidade do

Partido demandará um processo político para pôr fim às verdadeiras frações que

atuam no Partido” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 526), a Articulação

foi à caça a todas as tendências rebeldes. Praticamente todas se disciplinaram e os

que se rebelaram foram investigados e punidos pela direção do partido,

principalmente a Convergência Socialista, sob a alegação de que havia

“descumprido” as resoluções do último congresso ao sair às ruas chamando o Fora

Collor. De fato, a defesa da institucionalidade era muito importante para a

Articulação e, no ano seguinte, após intensos debates internos, a Convergência

acaba sendo expulsa – com a ironia de meses depois, a Articulação ser obrigada,

pressionada pelo ascenso popular e para não se descolar da sua base social

eleitoral, a ir às ruas chamar o mesmo Fora Collor que havia se negado a fazer.

Com as massas nas ruas e um protagonismo do movimento estudantil, o

Fora Collor coloca o governo nas cordas. As denúncias de corrupção política

envolvendo o tesoureiro de campanha de Collor, Paulo César Farias, feitas pelo

irmão do presidente, começaram a ser utilizadas amplamente pela imprensa,

também pressionada pela força dos milhares nas ruas. Era visível que o governo

não mais se sustentava e a burguesia iniciou uma operação para remover Collor

sem romper com a institucionalidade, fazendo uma transição democrática pelo alto

que acalmasse o movimento de massas, evitando sua evolução.

115

Este movimento culminou com um processo de impugnação do mandato

(impeachment) de Collor através de votação no Parlamento, que conduziria Itamar

Franco (o vice de Collor) a assumir a Presidência da República. Antes do processo

ser votado, em 29 de dezembro de 1992, Collor renuncia para evitar o impeachment

e Itamar assume. Mas o Senado decide mesmo assim continuar o processo no dia

posterior, numa clara tentativa de moralizar a imagem do parlamento.

Diante da incerteza no país e da sua estratégia de ocupar os espaços

institucionais a todo custo, o PT abre uma discussão na Comissão Executiva

Nacional e cogita participar de um futuro governo de coalizão que viesse a substituir

Collor29, mas esta política acaba não prosperando pelas fortes divergências que se

abriram em função disso. Por outro lado, apesar de ter definido não integrar o

“governo-tampão” que substituiria Collor, a posição do oficial PT se norteou sempre

por soluções moderadas, pois havia a preocupação da Articulação em não ser

afetada negativamente nas eleições municipais que ocorreriam no fim de 1992.

Existia um debate no PT sobre que tática o partido adotaria diante do impeachment

de Collor e alguns setores defenderam que o PT se posicionasse a favor do

impedimento e convocasse novas eleições. Entretanto, a Articulação já havia

aprovado que buscaria repetir as alianças com amplos setores que se colocassem

em oposição a Collor e, defender isso poderia fechar o diálogo com os que, mesmo

na oposição, tivessem interesse em estar no novo governo. Mais uma vez, o PT se

mantém dentro dos limites da “normalidade institucional” e vota pelo impeachment,

no entanto, acompanha a direita na defesa de que Itamar assuma e governe.

Mas as eleições de 1992, mesmo com as iniciativas da Articulação, não

se materializaram numa multiplicação de vitórias petistas. Embora tenha vencido em

capitais de peso, como “Porto Alegre, pela segunda vez; na importante Belo

Horizonte; em Rio Branco, capital do Acre [...]; e, por fim, em Goiânia” (SINGER,

2001, p. 60), o PT termina derrotado em São Paulo e, por isto, mesmo vencendo

“em 53 das 4.762 prefeituras [...], com um crescimento acima de 50% com relação

ao número de cidades que havia ganhado em 1988” (Idem, ibidem, p. 61), “a

população governada pelo partido cai para 5,6%” (Idem, ibidem).

29 Essa discussão está retratada nas resoluções das reuniões extraordinárias da Comissão Executiva Nacional do PT, realizadas entre os dias 01 e 03 de agosto de 1992, quando membros da comissão defenderam “participar de um governo [de coalizão] que inclua a Esquerda, a Centro-esquerda e até a Centro-direita” (PARTIDO DOS TRABALHADORES. Circular CEN/060/92 - Decisões e informes da Comissão Executiva Nacional. São Paulo, 3 ago. 1992. Mimeo., comentário nosso).

116

Isto ocorreu justamente em função das crises e das disputas internas

ocorridas naquele período. São as prefeituras os alvos de maior questionamento

interno no partido – principalmente após o regime de nenhuma tolerância com as

tendências, enquanto a rigidez para centralizar a ação parlamentar nem de longe era

a mesma – e isto refletiu nas relações que o PT historicamente construiu no

movimento e com as categorias de trabalhadores organizadas.

Esta tese é defendida por SINGER (2001, p. 60), que relata que “os

conflitos internos e com os funcionários públicos prejudicam várias das

administrações municipais iniciadas pelo partido em 1988” e que isso “resulta em

derrotas estratégicas em São Paulo, Vitória, São Bernardo e Santo André, entre

outras, na eleição de 1992” (Idem, ibidem). Na prática, a estratégia da Articulação de

buscar a todo custo ser governo cada vez mais afastava o partido de qualquer

perspectiva transformadora, a ponto de haver consenso no partido de que as

administrações petistas adotavam “muitas vezes, o que se batizou de

administrativismo” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 469): “estamos

tímidos diante dos confrontos e muitas vezes conciliamos. Tentamos governar para

toda a população e perdemos de vista nossa base social e política” (Idem, ibidem),

era o que já apontavam, anos antes (1990), as resoluções do VII Encontro Nacional.

Contudo, mesmo reconhecendo esses “problemas”, a Articulação seguia

sem vacilar na sua estratégia, vendendo a idéia de que conquistar o governo

democrático-popular a qualquer custo – inclusive rebaixando o programa e

flexibilizando a política de alianças – estava diretamente articulado com o

socialismo. A continuidade dessa política gerava mais enfrentamentos no partido e a

expulsão da Convergência Socialista combinada com a cisão na própria Articulação

em 199230 – ambos os casos tinham como pano de fundo as divergências

principalmente em relação à política pragmática e meramente institucional da ala

majoritária do PT – produziu uma pequena reação interna.

30 Durante as discussões sobre o movimento Fora Collor que polarizaram o PT e que resultou na expulsão da Convergência Socialista, um grupo dentro da própria Articulação passou a questionar a oposição a Collor tendo como centro apenas a denúncia da corrupção (a “ética na política” petista) e a ampliação da política de alianças, como queria a corrente majoritária. Durante o I Congresso Nacional, além dessas posições, a Articulação selava a sua vocação reformista ao defender contra a inclusão da legitimidade da violência revolucionária (tomada do poder) no texto das resoluções, dividindo-se publicamente na votação. Como reação a esse giro à direita, um setor da Articulação se reagrupa em torno do manifesto Hora da Verdade, que emprestaria seu título a essa cisão da corrente majoritária, ficando conhecida como Articulação/A Hora da Verdade e, a partir de setembro de 1993, Articulação de Esquerda. Uma análise sobre essa ruptura e as posições políticas desse agrupamento podem ser encontradas em POMAR, Valter (org.). Socialismo ou barbárie: documentos da Articulação de Esquerda (1993-1999). São Paulo: Viramundo. 2000.

117

As tendências de esquerda já sabiam, depois do ocorrido com a

Convergência, o que as esperava caso ousassem se enfrentar com a direção do

partido e, por isso, se unificaram para derrotar a Articulação no VIII Encontro

Nacional (1993). A cúpula da Articulação, que tinha como aliados dois setores

provenientes da antiga esquerda petista, a Nova Esquerda (ex-Partido

Revolucionário Comunista) e setores da antiga Vertente Socialista (ex-Poder

Popular e Socialismo), defendeu uma oposição a Collor praticamente restrita a

temas éticos (contra a corrupção) e discutia ainda um eventual apoio ao governo

Itamar. Estas posições encontram rechaço na base do partido. A Articulação tinha

ido longe demais, era necessário reagir.

De fato, parece pouco questionável o fato de que as correntes de

esquerda que ainda resistiam no PT não faziam ali uma ruptura completa com o

projeto defendido pela Articulação, pois com a eliminação da ala revolucionária do

PT, restaram no partido – além do campo dirigido pela Articulação – apenas as

correntes mais à esquerda que reivindicavam o “programa democrático-popular das

origens”; ou seja, uma plataforma “radical” que defendia o impulso à mobilização e a

atuação nos movimentos sociais, mas que, em última instância, não rompia com a

idéia de que o mecanismo de transição ao socialismo fosse a conquista do governo

democrático-popular, que poderia se constituir também por meio de eleições ou com

o movimento sociais batendo à porta do Estado por políticas públicas. No entanto, a

flexibilização aguda do programa democrático-popular, a forma como a Articulação o

moldava para uma intervenção eleitoral, de estrito respeito à institucionalidade, e a

ampliação das alianças em direção a setores burgueses, incomodava essas

tendências.

O manifesto A Hora da Verdade, que durante os debates preparatórios ao

VIII Encontro Nacional reuniu um grupo de descontentes com a política da

Articulação (e que, posteriormente, daria origem à Articulação de Esquerda)

confirma essa análise:

... impactados pela velocidade dos acontecimentos no Leste europeu e pela desenvoltura das iniciativas do bloco capitalista, concentramo-nos na disputa institucional de forma quase exclusiva, como se a realização necessária de reformas político-eleitorais fosse uma espécie de ante-sala ou precondição para avançarmos na direção de transformações estruturais na sociedade brasileira. [...] [...]

118

O PT só pode enfrentar a agenda política de curto prazo, que se desdobra no plebiscito sobre forma de estado e sistema de governo, na revisão constitucional e na oposição ao governo Itamar, caso recupere sua tradição radical, popular, democrática, socialista. É inaceitável que, em nome de malfeitos cálculos eleitorais, nosso partido deixe de apresentar uma alternativa global para a crise brasileira; é inaceitável que em nome de inexistentes “responsabilidades”, nosso partido não faça oposição firme contra um governo que, não obstante suas diferenças com Collor, é nitidamente conservador; é inaceitável que nosso partido, em nome da urgência de reformas políticas, aceite ficar sob a hegemonia conservadora na discussão sobre sistema de governo. O partido que nós queremos não pode ser aquele que cogita apoiar governos que o PFL também apóia. [...] [...] Entre os vários desafios do PT, há um central: a elaboração de um Programa de Ação de Governo, que atualize, aperfeiçoe e amplie o PAG-89, mantendo-se as diretrizes de caráter democrático-popular. E que sintetize as grandes reformas estruturais em torno das quais devemos convergir os nossos dispersos esforços setoriais. (POMAR, 2000, p. 17-19, grifos nossos)

Tanto a formação da futura Articulação de Esquerda quanto o

afastamento da Convergência Socialista alteraram a correlação de forças interna no

PT, no seio dessa disputa. Com a cisão na ala majoritária e uma composição de um

conjunto de correntes (denominada Opção de Esquerda, reunindo Articulação/Hora

da Verdade, Democracia Socialista, O Trabalho e outras), pela primeira vez a

Articulação é derrotada, por uma margem muito pequena de votos (37 a menos).

O reflexo disso se dá não apenas na composição do Diretório Nacional

(agora com a Articulação em minoria), mas também nas resoluções políticas. Não é

à toa que o principal documento aprovado pelo VIII Encontro Nacional se chamasse

Por um Governo democrático-popular. Era a tentativa de resgatar o programa

construído em 1989, igualmente com uma estratégia que, como já visto, no limite era

institucional, mas com um programa “radical”, de ruptura e classista:

Agora, quando o Partido dos Trabalhadores tornou-se alternativa real de governo, o establishment político e seus meios de comunicação de massa desatam enormes pressões para que o Partido se converta num partido da ordem, num sustentáculo de reformas pactuadas com setores das elites. Não é essa a nossa opção. O PT luta para conquistar o governo central como elemento-chave da disputa de hegemonia dos trabalhadores na sociedade brasileira. Não confundimos o governo com o poder, que é muito mais amplo e enraíza-se no conjunto das relações econômicas e sociais. Nem, tampouco, confundimos o programa do Governo Lula com a realização global do projeto estratégico alternativo do PT, que supõe uma alteração mais radical das relações políticas e sociais. Mas a conquista do governo deve estar a serviço dessa perspectiva, mediante a construção de um novo modelo econômico, político e social. É com esse propósito que o PT disputará as eleições de 1994.

119

Ao adotar esse caminho, o PT rejeita, explicitamente, duas vias de luta pelo socialismo, historicamente fracassadas. A primeira, seria atuar apenas por fora da institucionalidade, ou tomando-a como mero espaço de denúncia e propaganda. A outra, seria submeter-se à lógica do capitalismo e apostar numa ação restrita ao espaço institucional vigente. O PT reafirma, assim, que a luta por um governo democrático e popular e a possibilidade de conquistá-lo, a partir de uma base popular e de uma maioria eleitoral, são um objetivo estratégico, entendido como expressão atual de um governo com hegemonia dos trabalhadores, voltado para atender às necessidades concretas do povo e na perspectiva do socialismo. [...] Caberá ao governo democrático e popular tomar medidas que viabilizem a retomada do crescimento com distribuição de renda, a construção do mercado interno de massas, a radicalização da democracia, a recuperação da capacidade de investimento do Estado, o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, a reforma urbana, a reforma agrária, a reforma tributária que grave os ricos, elimine os impostos indiretos e institua repartição de competências tributárias compatíveis com as reformas democráticas e populares, o combate à sonegação, permitindo assim o ataque frontal aos problemas da fome, do desemprego, das condições de saúde, educação, especulação imobiliária, habitação e transporte da maioria da população. Medidas que supõem uma política externa soberana, o rompimento dos privilégios dos oligopólios, dos latifúndios e dos conglomerados financeiros. [...] Deverá ser dada atenção especial à questão do financiamento do programa democrático-popular. Várias medidas propostas contribuem para isso: suspensão do pagamento da dívida externa; adoção de reforma tributária que atinja as maiores fortunas; ampliação do controle do Estado sobre o capital financeiro e o comércio exterior, necessária para o combate à fuga de capitais e à sonegação; renegociação e alongamento da dívida interna. São medidas que poderão gerar os recursos para constituição de um fundo de investimentos econômicos e sociais, para que o Estado possa, sob nossa direção, desempenhar o papel imprescindível que nossa política econômica lhe destinará. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1993, grifos nossos)

A aprovação do programa democrático-popular com esta feição era uma

resposta à Articulação, que já vinha defendendo desde o I Congresso Nacional

(1991) uma flexibilização programática sob o argumento de “melhor dialogar com os

problemas concretos da população”. Essa posição já havia se expressado nos

debates preparatório ao VIII Encontro Nacional na forma de balanço das eleições de

1992, com os principais quadros da Articulação defendendo abertamente uma

ampliação das alianças e uma inflexão programática que “abrandasse o discurso” e,

dessa forma, ampliasse o alcance eleitoral do PT junto aos setores mais

conservadores. O artigo de José GENOÍNO (1993, grifos nossos) numa das

publicações oficiais do partido, às vésperas do VIII Encontro Nacional, destacava

isso categoricamente:

120

... a tendência de crescimento da esquerda e centro-esquerda não se deve apenas ao movimento inercial do fracasso da direita e do centro. Particularmente no PT, mas também em outros partidos desse campo político, realiza-se um esforço tenaz no sentido de abandonar o discurso vazio da mera ideologia em troca de um discurso programático e responsável para enfrentar os problemas reais da sociedade brasileira. A afirmação de um perfil programático, democrático e plural, combinado com algumas experiências bem-sucedidas de administração municipal, geram um grau de confiança e de simpatia pelo PT em uma parcela significativa do eleitorado brasileiro. [...] Neste final de século XX, marcado pela crise das ideologias, não podemos alimentar a pretensão de construir um poder unidimensional ou monoclassista. [...] [...] As disputas políticas do pós-queda do muro tendem a estabelecer suas linhas de diferenciação e de confronto muito mais nos aspectos programáticos do que ideológicos. Foi justamente no aspecto programático que nossa campanha mostrou suas maiores debilidades se comparada à do adversário. A campanha de Maluf conseguiu ser mais agressiva do que a nossa na abordagem dos problemas sociais. Foi justamente ali que o populismo de direita, a exemplo de Collor em 89 e, nesta campanha, de Maluf, conseguiu um significativo apoio eleitoral.

Essa luta das correntes à esquerda para resgatar um programa de

“reformas antimonopolistas, antilatifundiárias e antiimperialistas” (FUNDAÇÃO

PERSEU ABRAMO, 1993) contra o rebaixamento programático da Articulação

visando uma maior amplitude eleitoral, e do balanço da política do partido no

movimento Fora Collor, que expressamente foi caracterizado como um momento em

que o PT relegou para um segundo plano a “oposição ao neoliberalismo” (PARTIDO

DOS TRABALHADORES, 1998, p. 571), se mantendo “muitas vezes, nos marcos

estritos do Movimento pela Ética na Política” (Idem, ibidem) e adotando “uma

postura ambígua em relação ao Governo Itamar” (Idem, ibidem); também não se deu

sem contradições.

A esquerda do PT teve muitas dificuldades em centralizar a política nas

instâncias inferiores controladas pela Articulação (justamente as que possuíam mais

inserção parlamentar) e também na condução da preparação da campanha para as

eleições gerais de 1994. O reflexo disto é que já no IX Encontro Nacional (1994),

convocado exclusivamente para discutir as eleições e lançar a candidatura de Lula,

a pequena margem de maioria da esquerda no Diretório Nacional encontrou como

obstáculo a ampla capilaridade que a Articulação possuía, e isto não permitiu, por

exemplo, que se aprovasse uma resolução categórica acerca da questão das

alianças:

121

Unificando desde já, em escala nacional, os partidos que integram o campo democrático-popular no Brasil – PSB, PPS, PCdoB, PC, PSTU e áreas do PV – temos condições, em muitos estados, de ampliar pragmaticamente tal leque, incorporando à Frente setores do PSDB, PDT e PMDB descontentes com as alianças formadas pelas cúpulas de seus partidos, ou os que acompanharão a dinâmica de crescimento da candidatura Lula, respeitando sempre os critérios éticos e políticos, que vedam alianças com os conservadores, com os exploradores e com os corruptos. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1994a, grifos nossos)

A sinalização dessa flexibilidade nas alianças foi o prelúdio de uma

retomada do controle do PT pela Articulação, que corrigiu a tática de girar à direita

atropelando o conjunto das tendências e passou (como havia feito no PT na década

de 1980 para conquistar a hegemonia do partido) a negociar formulações que

dialogassem com posições mais à esquerda do partido e, ao mesmo tempo,

deixassem aberta a via para sua estratégia reformista e eleitoral. É nesse contexto

que é aprovado consensualmente o programa da candidatura de Lula à presidência,

sob o título Uma revolução democrática no Brasil: “ao adjetivar de democrática a

transformação pretendida, o PT faz questão de frisar os compromissos assumidos

com a democracia [na forma da institucionalidade]. Ao manter o termo ‘revolução’,

faz uma ponte com o próprio passado” (SINGER, 2001, p. 39, comentário nosso).

Foi dessa forma, resgatando teoricamente uma expressão (“revolução”)

de muito valor simbólico para a esquerda, que a corrente responsável pela adesão

do PT à estratégia reformista e eleitoral conseguiu sintetizar uma forma de discurso

que pôde coesionar o partido em todos os seus matizes, mas, ao mesmo tempo,

sem abrir mão de um conteúdo ambíguo, no qual poderia caber desde a concepção

clássica de revolução democrática31, até uma “revolução pelo voto”, em que um

governo “democrático-popular” eleito – inclusive em aliança com setores da classe

dominante – seria capaz de promover mudanças profundas através da

“radicalização da democracia” e da “promoção da cidadania”, sem necessariamente

alterar as bases do sistema produtivo capitalista. A Articulação e também as demais

correntes optaram pela segunda “revolução”:

31 A revolução democrática foi um conceito cunhado por Lenin para explicar um processo agudo de polarização da luta de classes em que os explorados e oprimidos, sem ter ainda uma clareza da necessidade de tomada do poder político, se colocam em marcha para derrubar um regime ditatorial e conquistar suas demandas democráticas. Esse processo, que na sua formulação clássica nada tinha a ver com processos de democratização realizados preventivamente pela burguesia nem tampouco com a alternância de poder via sufrágio (e sim com uma mobilização de caráter insurrecional), foi descrito por Trotsky como parte da dinâmica de uma revolução socialista, na medida em que os explorados continuariam sendo explorados caso o processo se detivesse na revolução democrática e, portanto, era preciso estabelecer um vínculo com a tomada do poder. Análises mais consistentes acerca do conceito podem ser encontradas em Duas táticas da social-democracia na revolução democrática (LENIN, 1979, p. 381-465) e Revolução permanente (TROTSKY, 2010, p. 133-311)

122

... O programa democrático e popular articula-se com objetivos estratégicos socialistas do Partido dos Trabalhadores. Representará uma verdadeira revolução democrática no país, no sentido de aprofundar a democracia política, as liberdades individuais e coletivas, democratizar a posse da terra e as riquezas, ampliar a participação popular, combater a exclusão social, a segregação e as discriminações e universalizar a cidadania; buscará alterar as bases sociais das relações de poder através da democratização da propriedade, da riqueza e do poder. [...] A participação popular valoriza a democracia representativa, resgata as experiências históricas de democracia direta e práticas recentes da sociedade brasileira, especialmente nas administrações municipais democráticas e populares. A radicalização e a universalização da democracia, a qualificação da população trabalhadora para a gestão democrática da coisa pública, a construção de uma cidadania ativa por parte de milhares de excluídos são elementos essenciais de uma sociedade democrática, o que se articula com a visão do que deva ser o socialismo. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1994b, grifos nossos)

Como se vê, o texto de programa de governo da candidatura Lula

Presidente para as eleições de 1994 não deixa margens para dúvidas em relação

aos debates fundamentais que marcaram o PT, numa trajetória que refletiu a

oscilação do partido entre o “socialismo” e a estratégia eleitoral apoiada num

programa democrático popular.

Embora não seja uma tarefa simples cravar exatamente o marco que

define a ruptura do PT com suas origens de traços anticapitalistas, classistas e

apoiadas centralmente nas mobilizações sociais (ainda que com muita ambigüidade

em relação ao tipo de “socialismo”), parece evidente que foi a partir do V Encontro

Nacional (1987) que se estabeleceu uma “mudança radical no Partido. O PT assume

que seu objetivo é chegar ao governo” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998,

p. 10) e essa alteração estratégica (promovida uma gama de fatores, como os

processos de domesticação e adaptação a partir da conquista das prefeituras, a

hegemonia da Articulação, etc.) se combinou com o desenvolvimento de aspectos

objetivos e subjetivos (o giro à direita da Articulação após a derrota eleitoral de 1989,

a crise nas organizações de esquerda desencadeada pela queda dos estados

operários, o refluxo das lutas no Brasil ao iniciar a década de 1990, o expurgo da ala

revolucionária pelo disciplinamento das tendências, etc.), culminando numa síntese

dramática para qualquer organização que pretenda, mesmo que em palavras, lutar

pelo socialismo: a crença de que as verdadeiras mudanças virão pelas eleições.

123

Mas, a transformação do PT “radical” no PT “eleitoral”, iniciada no final da

década de 1980 e concluída com a consolidação do programa democrático-popular

como a materialização política de uma “revolução democrática” pelo voto nas

vésperas das eleições de 1994, ainda não havia tornado explícito o partido como

uma máquina de administração capitalista – ainda que essa característica já

estivesse presente em sua natureza nesse período.

Mesmo que a estratégia meramente eleitoral – como qualquer projeto que

exclusivamente eleja as reformas como mecanismo de transformação numa época

em que as concessões materiais estão cada vez mais escassas o capitalismo –

desemboque na total adaptação à ordem burguesa, o PT ainda não havia feito

concessões escandalosas para chegar ao governo central e, por isso, ainda era

capaz de alimentar no seu interior ilusões mais fortes de que seria possível rumar

para o socialismo através da estratégia democrático-popular de reformas.

Este papel de agente direto dos negócios da burguesia, tendo no seu

interior uma composição social majoritariamente operário-trabalhadora, o PT só iria

revelar, como se verá adiante, após desenvolver um processo impressionante de

aprofundamento da sua adaptação ao capitalismo e seu regime democrático-

burguês, que se intensificou a partir das eleições de 1994 e que se concretizou com

o PT integralmente subordinado à ordem, refém dos postos institucionais alcançados

pelas eleições, refratário a qualquer tentativa de questionamento da democracia

representativa burguesa e rigorosamente aliado de frações de peso da burguesia,

com quem não teria nenhum constrangimento em governar a seu lado.

4 O PT ADAPTADO À ORDEM: REFORMISMO E CONCILIAÇÃO DE CLASSE

PARA ADMINISTRAR O CAPITAL

A transfiguração do PT numa máquina de administração capitalista,

embora tenha sido um fenômeno historicamente rápido, não foi uma operação

simples nem tampouco imediata, principalmente para os protagonistas da luta

interna entre reformistas e revolucionários.

A definição em relação ao caráter institucional e reformista do PT – ora

assumida de forma explícita, ora subsumida por posições circunstanciais mais à

esquerda no partido – precisou ser justificada no interior da organização. Afinal, não

se consegue transformar um partido que desenvolveu as mais importantes lutas de

um país e levantou uma plataforma “anticapitalista” numa organização totalmente

domesticada aos ditames institucionais, sem que haja, por um lado, elementos de

disputa teórico-política que busquem agrupar as tendências internas que vacilam

entre posições reformistas e revolucionárias para assumir determinada ação na luta

de classes; e, por outro, uma mudança profunda de natureza social, ou seja, como o

partido se sustenta materialmente, como financia suas campanhas, sua relação com

a institucionalidade, as mudanças em relação ao caráter de classe e como isso

reflete na ação, nas políticas e no programa.

O desenvolvimento do PT segundo essas duas análises – teórico-política

e de sua natureza social – é o que materializa as condições, sem desconsiderar

outros aspectos relevantes, que permitem visualizar de forma mais contundente

como este partido, embora sem a firme vocação para ser uma organização

revolucionária marxista, foi mudando até se transformar numa mutação

completamente distinta dos seus pressupostos originais.

Se por um lado é preciso identificar e apreender os processos históricos

que não necessariamente dependeram das ações do partido ou de seus membros,

mas que determinaram de forma decisiva na marcha da transformação do PT em um

instrumento da ordem burguesa; por outro não se pode minimizar a importância de

como o partido se posicionou diante das condicionalidades da realidade objetiva,

quando e em que aspectos capitulou, que escolhas teóricas, políticas e morais

assumiu e a quais pressões cedeu diante dos desafios da luta de classes.

125

A marcha dos acontecimentos históricos, por exemplo, incidiu de modo

importante sobre o PT. Como já foi visto, a queda dos antigos estados operários

controlados pela burocracia stalinista (ou por seus seguidores) teve um impacto em

toda a esquerda mundial e o PT não passou imune a esse processo. Já afetado pelo

processo de adaptação aos aparatos institucionais logo quando conquistou as

primeiras vitórias eleitorais, o PT passa a ser ainda mais pressionado à direita pelo

avanço do neoliberalismo em escala mundial, que impele o partido para posições

cada vez mais reformistas e voltadas para a ocupação do espaço eleitoral.

A ofensiva neoliberal também atinge não somente os partidos, mas o

movimento social como um todo, e os sindicatos, que foram instrumentos nos quais

o PT tinha forte intervenção, também eram afetados por esse processo. Com o

refluxo do movimento e a classe trabalhadora na defensiva, era cada vez mais difícil

conquistar avanços, defender direitos e controlar as direções sindicais – ora

pressionadas pela desproporção de forças perante os patrões, que as conduziam

em direção a uma estratégia de conciliação, ora flertadas pelos convites feitos pelo

capital, para se corromperem.

As pressões eram fortíssimas e, sem uma estratégia definida de

enfrentamento e ruptura com o capitalismo, sua ordem social e seu regime político

(seja ele o ditatorial ou o “democrático”), as chances de qualquer organização

adaptar-se de maneira integral eram praticamente dadas – como de fato foi com o

PT.

E é precisamente na esteira desse entendimento que também não se

pode ignorar o papel de toda a disputa teórica e política dentro do PT. Ao mesmo

tempo em que não é correto imputar apenas aos teóricos, aos intelectuais, aos

dirigentes e à corrente majoritária a responsabilidade sobre a transformação do PT

num partido adaptado à ordem burguesa, também não é possível entender como se

deram essas mudanças sem um exame desse problema.

Quando as pressões objetivas – desde a conquista dos primeiros cargos

no parlamento e nas prefeituras, passando pela derrota eleitoral em 1989, até

chegar à crise do mal chamado “socialismo real” – começaram a se fazer pesar no

PT, os principais ideólogos do partido (com amplo apoio e sustentação política da

Articulação), ao invés de combatê-las, realizaram toda uma operação ideo-política

para apresentar um PT que teoricamente assumia posições conseqüentes com um

projeto de socialismo, quando na prática cedia aos ditames do capital.

126

Em nenhum partido amplo, como é o PT, existe apenas os reformistas

puros e os revolucionários autênticos. Há todo um espectro político variegado de

inúmeras posições que podem oscilar da direita para a esquerda (e vice-versa), a

depender de inúmeros aspectos postos na realidade. Se por um lado a realidade

objetiva pressionava o PT à direita, por outro foi feito todo um movimento para

aglutinar os setores oscilantes (centristas) junto ao projeto reformista, mas, ao

mesmo tempo, apresentando este projeto com uma roupagem que dialogava com a

perspectiva de superação do capitalismo.

Apesar do PT sempre ter se reivindicado como um partido “sem teoria

oficial” e nunca aceitando uma vinculação ao marxismo, essa operação ideológica –

que visava transformar a opção do partido em assumir a estratégia reformista e de

mera administração do capital como algo coerente com o socialismo – utilizou, como

apoio, justamente a teoria marxista. E isto tinha uma razão. Os principais

adversários dos reformistas do PT (que nas origens do partido foram pressionados à

esquerda para lutar pelo “socialismo”) eram os revolucionários que reivindicavam a

tradição marxista.

Embora fossem minoria no PT, os marxistas carregavam consigo o legado

teórico e prático dos que lutaram e fizeram revoluções em todo o século XX. Para

jogar contra eles os setores que tinham referência ou simpatia com a teoria marxista,

mas oscilavam entre posições mais reformistas ou mais radicais, fazia-se necessário

mostrar que o marxismo dos “esquerdistas”, dos “trotskistas”, era “dogmático”,

“atrasado” e “anti-dialético”, ou seja, combater marxismo com “marxismo”.

Longe de ser uma prática incomum, outras organizações se utilizaram

desse expediente para travar a disputa com os revolucionários. A antiga social-

democracia alemã, herdeira direta dos fundadores da teoria marxista, revisou a

estratégia revolucionária e pela primeira vez inaugurou uma teoria essencialmente

reformista que tinha como base o marxismo. Igualmente, a corrente internacional

stalinista (que tomou o controle da Rússia pós-revolução) desenvolveu todo um

arcabouço teórico que negava o internacionalismo proletário e, posteriormente, a

independência de classe, justificando sua teoria com pressupostos de inspiração

marxista e leninista. Buscar autoridade no pensamento, na obra e na prática de

revolucionários reconhecidos para justificar posições políticas, flexibilidade tática ou

mesmo revisão estratégica, sempre foi um recurso comum na esquerda e a ala

reformista do PT, embora não reivindicasse o marxismo, trilhou o mesmo caminho.

127

Foi dessa maneira que os ideólogos reformistas do PT revisaram os

conceitos de Estado, democracia e revolução, a serviço da estratégia “democrático-

popular” eleitoral e de conciliação de classes que se delineou a partir do final da

década de 1980, como já visto.

Esta estratégia essencialmente reformista teve como pedra de toque a

apropriação dos flancos deixados pelo legado de Antonio Gramsci32 para justificar

ações restritas ao regime democrático-burguês e de conciliação com a burguesia,

mediante um manejo que mais se configura como interpretação ou novo

entendimento das categorias gramscianas de hegemonia e bloco histórico,

principalmente.

Não se pode dizer – sob pena de desconsiderarmos todo o processo de

burocratização, aproximação com a burguesia, mudança de composição social da

sua direção e toda a sorte de elementos de adaptação à ordem que atravessaram o

PT durante a sua história de integração com o aparato estatal – que essa batalha

política no campo das idéias tenha sido a questão chave ou exclusiva que

transformou o partido. Contudo, esta foi uma luta que preparou a Articulação contra

a ala revolucionária e ajudou a garantir as condições para que no PT fossem

minimizados os questionamentos que eventualmente poderiam surgir diante das

transformações que o partido precisava fazer para administrar o capitalismo junto

com a burguesia, e sem grandes turbulências.

32 Antônio Gramsci foi um teórico italiano que destacou, dentre outras questões, a problemática da estratégia marxista diante das transformações societárias do século XX, sobretudo nos países do Ocidente com capitalismo “avançado”. Realizando um estudo sobre esses Estados e levando em consideração os espaços democráticos neles inseridos, Gramsci sinalizou que a preponderância dos interesses da burguesia moderna se sustentaria fundamentalmente em base ao consenso conquistado pelos exploradores sobre os explorados, ou seja, a “consciência hegemônica” seria o elemento ulterior responsável pela supremacia de classe. Esta elaboração, marcada no seu desenvolvimento pelas condições adversas enfrentadas por Gramsci na prisão – mas também por contradições, correções e sugestões oblíquas do próprio autor –, levou-o a concluir que os socialistas deveriam voltar seus esforços na formação de intelectuais e na disputa dos instrumentos do regime para construir um “bloco histórico” capaz de fazer surgir uma “nova consciência" que avançasse na edificação do socialismo. Tais posições levaram a maioria dos seus seguidores a transformar essa teoria numa estratégia permanente, acreditando que seria possível ganhar as massas para as teses socialistas e promover uma transformação social pacífica por dentro do Estado, sem necessidade de rupturas. Embora sem ter feito oposição à necessidade de tomada do poder para instaurar outra ordem social, ao sinalizar que era necessário despejar peso na disputa da hegemonia, a obra de Gramsci revelou-se sugestiva para as organizações políticas que buscavam justificativas para o abandono da tarefa de ganhar as massas para a ação revolucionária. A principal dessas vertentes, conhecida por eurocomunismo, operou então uma ruptura com o materialismo histórico ao desconsiderar que as formas políticas numa sociedade determinada historicamente são produtos dialéticos das relações de produção e das contradições por elas engendradas; e não um resultado mecânico da “persuasão” da classe dominante por meio do consentimento social. Essa ruptura teórico-metodológica, que inverteu para o terreno da superestrutura a determinação da constituição das relações sociais de poder na sociedade, transformou o eurocomunismo num novo protótipo do reformismo da social-democracia russa; uma teoria contra-revolucionária, hostil ao marxismo, que deixou de caracterizar o sujeito revolucionário com centralidade no proletariado e abandonou a estratégia inevitável de tomada do poder por via insurrecional. Obviamente que o pensamento de Gramsci não pode ser responsabilizado pelas interpretações e toda ordem de deturpação que sofreu.

128

4.1 Estado, democracia e revolução no PT: a hegemonia reformista como

teoria e prática

A marca teórica mais forte do PT, cujo conteúdo foi por diversas vezes

aprovado em resoluções, era de que o partido “vem buscando construir, prática e

teoricamente, uma alternativa tanto ao chamado socialismo real quanto à social-

democracia, ao mesmo tempo em que não deixa de aprender com as tentativas de

superação do capitalismo” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 499, grifo

do autor). Trata-se de uma posição que reivindica um novo tipo de “socialismo”, ao

mesmo tempo alternativo à estratégia de “reformar o capitalismo”, e, hostil aos

regimes burocráticos que tinham à frente as tiranias stalinistas.

E esta marca tinha uma razão. A prática de defesa irrestrita dos

interesses nacionais, as alianças estratégicas com o imperialismo e o nazifacismo

visando uma “coexistência pacífica”, a tirania totalitária contra os trabalhadores, e a

política de restabelecimento integral da ordem e das relações capitalistas

empreendidas pela burocracia soviética, provocaram grandes desmoralizações na

esquerda. Valorosos militantes socialistas se perderam, e destes, muitos terminaram

abatidos pelo malogro das estratégias stalinistas do “socialismo em um só país” e da

aliança de classes em direção a uma permanente “social-democratização”.

No mesmo sentido, a posição da socialdemocracia alemã na Primeira

Guerra (de defesa das burguesias nacionais e seus Estados), o enorme prestígio da

Revolução Russa de 1917 e o título de “renegado do marxismo” dado a Kautsky por

Lenin, associaram para sempre a memória dessa corrente a uma herança reformista

hostil ao marxismo. Com o passar dos anos, isso se aprofundou e o conceito de

social-democracia foi ampliado, até repousar numa noção “baseada num Estado de

Bem-Estar Social, que se apropria de parte do excedente econômico, através de

políticas fiscais, e o repassa para políticas sociais destinadas a compensar as

desigualdades provocadas pelo mercado” (Idem, ibidem, p. 502). Esta definição, que

segundo Arcary em entrevista a DEMIER (2003, p.107, comentários nossos),

“mantém o abandono do método revolucionário para chegar ao poder [a exemplo da

antiga social-democracia], mas o seu programa já não é socialista, [...] aderem a

uma concepção keynesiana de Estado regulador do mercado”, é adotada pelo PT

para conceituar a social-democracia que o partido afirma rejeitar, pois seria uma

129

Proposta insuficiente num país como o Brasil, de enormes carências sociais, no qual as elites não demonstram nenhum tipo de compromisso com a elevação do nível de vida da população e onde o Estado, falido, conduz a uma política que leva à recessão e à fragmentação social. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 502)

Como se os regimes estruturados em torno das burocracias de partido

único – que restauraram integralmente as relações capitalistas em seus países –

fossem a decorrência inevitável das revoluções proletárias, parte significativa da

direção do PT se apoiou indebitamente na bandeira histórica da democracia para

operar uma ruptura com o classismo e com qualquer projeto conseqüente de

superação do domínio capitalista.

Tentando desvencilhar-se dos rumos tomados pelo stalinismo, a resposta

dessa “esquerda” não foi a de exaltação da mais radical democracia operária como

princípio inquebrantável para a condução dos Estados operários, nem a reafirmação

da análise que decorre da relação dialética entre a superestrutura (a ação política,

os governos, Estados, instituições do regime, etc.) e a infra-estrutura (fatores

socioeconômicos, propriedade privada burguesa dos meios de produção, controle

dos instrumentos coercitivos e coativos, etc.), devidamente marcada pela imperiosa

necessidade de travar lutas que expressem os antagonismos e enfrentamentos

entre as classes.

Ao contrário, essa “esquerda” – travestida de uma política “independente”

do stalinismo e da socialdemocracia – joga-se inteiramente na disputa da

democracia parlamentar do regime burguês, numa estratégia eleitoreira permanente

de defesa do “estado democrático de direito” e de convivência pacífica com a

burguesia, como se o Estado estivesse acima das classes sociais e como se a partir

dele, de modo não conflituoso e reformista, fosse possível realizar uma

transformação social que pusesse fim ao capitalismo.

Foi a partir dessa análise que, em meados da década de 1970, um amplo

setor – representado sobretudo pelos partidos comunistas da Espanha, França e

Itália, que viria a ser posteriormente denominado de eurocomunismo – ergueu a

necessidade de um “rearme teórico” no campo do marxismo, que ao mesmo tempo

negasse a conduta tirana da burocracia soviética stalinista, mas também o

reformismo de inspiração keynesiana defendido pela chamada social-democracia da

época.

130

A ala majoritária já nos primeiros anos após a criação do PT (década de

1980) incorpora, a partir de seus principais intelectuais (Francisco Weffort, Carlos

Nelson Coutinho, Marco Aurélio Garcia, etc.33), este “rearme” do eurocomunismo,

que consistiu na construção de uma vertente “democrática” (entendida em sentido

universal) do socialismo. Não é à toa, portanto, que esses pressupostos coincidem

precisamente com a primeira tentativa de definição de projeto estratégico do PT, o

Socialismo Petista, que destacava que “na raiz do nosso projeto partidário está [...] a

ambição de fazer do Brasil uma democracia [...]. Porque a democracia tem, para o

PT, um valor estratégico [...], ela é, a um só tempo, meio e fim, instrumento de

transformação e meta a ser alcançada” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1990b).

Esta exaltação à democracia guarda semelhanças profundas com o

projeto da antiga social-democracia alemã, que acreditava ser possível superar o

capitalismo sem o momento da insurreição. Mas, contraditoriamente, essa nova

”esquerda” procurou afastar-se do legado teórico de Bernstein e Kautsky34. E há

razões de fundo para isto. Apostar numa alternativa política com essa referência

seria arriscar impulsionar uma corrente natimorta, refém de um cadáver da

democracia como valor universal já sepultado pela história, amaldiçoada em função

da sua vocação em apenas defender reformas e, nos momentos decisivos, se voltar

contra a luta socialista. Era preciso novos ícones para voltar à carga com o

reformismo, sobretudo porque os teóricos do eurocomunismo ainda reivindicavam

em palavras o socialismo e tinham como referência os acontecimentos do Outubro

Russo rechaçados pela socialdemocracia. E foi assim que as elaborações sinuosas

de Gramsci – que abriram flancos sugestivos para revisionismos – transformaram-se

na pedra de toque dos reformistas do PT, que buscavam justificar suas posições se

apoiando no legado do revolucionário sardenho, para quem sobrou o título – mal

dado – de “teórico” desse novo protótipo socialdemocrata.

33 Importante reconhecer as particularidades de cada um desses e de outros intelectuais petistas, caracterizadas também por diferenças e opções teórico-políticas distintas. Apesar desse reconhecimento, não é um objetivo do trabalho tratar dessas particularidades. 34 Karl Kautsky e Eduard Bernstein foram renomados teóricos da socialdemocracia alemã, que posteriormente transformaram-se em porta-vozes da revisão e do abandono do marxismo. Embora com diferenças de análise sobre a natureza do Estado, ambos eram contrários à idéia de insurreição revolucionária, defendendo a superação da ordem social em base a uma lenta ocupação dos espaços no regime democrático-burguês e a partir de reformas progressivas capazes de conferir conquistas materiais e melhores condições de vida à classe trabalhadora. Kautsky, em particular, ao se transformar num ideólogo do reformismo, passou a ser combatido por Lenin – seu discípulo –, que empreendeu inclusive uma forte rejeição ao uso do termo socialdemocracia, antes entendido como a dimensão político-organizativa do marxismo revolucionário e posteriormente adaptado às posições reformistas, devido à autoridade de Kautsky como marxista na II Internacional.

131

Não é por acaso que a introdução das interpretações reformistas da obra

de Gramsci no PT comece a se intensificar precisamente no momento em que a

Articulação dá os primeiros passos do giro do partido à direita.

A partir do V Encontro Nacional (1987), momento em que pela primeira

vez se aprova uma resolução contendo o problema da disputa de hegemonia, é

justamente quando a Articulação define que a estratégia do PT é chegar ao governo

e, dali em diante, as referências ao pensamento gramsciano se transformam em

peça praticamente obrigatória no ideário petista:

[...] Se é verdade que a burguesia, por meio de seus partidos, enfrenta dificuldades para legitimar o projeto de dominação que é a Nova República, é também verdadeiro que no campo das classes trabalhadoras ainda não se construiu um projeto alternativo a essa dominação, apesar da existência do PT. Essa é a principal tarefa do PT no período histórico em que vivemos. Dizendo com todas as letras: a disputa da hegemonia na sociedade brasileira, com base num programa democrático-popular, capaz de unificar politicamente os trabalhadores e conquistar a adesão dos setores médios das cidades e do campo. Tal programa deve sintetizar tanto a nossa oposição à Nova República e à transição conservadora quanto apontar no sentido da reorganização socialista de nossa sociedade. (Idem, 1987a, grifo nosso)

Mas, o que seria a “disputa de hegemonia” defendida pelo PT? Essa

disputa coincide com a forma como Gramsci realmente trabalhou a hegemonia? Ou

seria mais uma variante da estratégia de esgotamento35 da social-democracia

kautskista-bernsteiniana? O fato da hegemonia gramsciana ser objeto de disputa

entre reformistas e revolucionários facilitava o trânsito do conceito entre uma

posição e outra, de modo que para revelar a real natureza da sua utilização no PT é

necessário estabelecer um nexo com a prática do partido e com os elementos

teóricos em que seus defensores se apoiaram.

Numa mesa redonda sobre A estratégia da revolução brasileira promovida

pela revista Crítica Marxista, em 1986, que contou com a presença de alguns dos

ideólogos mais influentes do PT, Carlos Nelson Coutinho – não coincidentemente

um dos pioneiros do estudo de Gramsci no Brasil – expôs todas as matrizes teóricas

da disputa da hegemonia que viriam a ser totalmente incorporadas pela tradição

petista:

35 A estratégia de esgotamento consistia em conceber o poder da burguesia como uma "fortaleza", que deveria ser progressivamente “desgastada”, sobretudo através dos instrumentos próprios da o regime, até que em algum momento ela se esgote e pereça, sem enfrentamentos diretos.

132

Essas me parecem ser as duas tarefas básicas, não excludentes entre si, que se colocam hoje às forças de esquerda no Brasil. Primeiro, fortalecer a sociedade civil; para isso, trata-se de organizar a população, de organizar partidos realmente representativos, de fortalecer o movimento sindical, os aparelhos privados de hegemonia em geral. Nesse nível, é possível e necessário um acordo e um entendimento com os setores liberais modernos. E uma segunda tarefa fundamental é a de construir um bloco das esquerdas, interessado em transformações sociais profundas, que mudem a correlação de forças no sentido da progressiva conquista do aparelho de Estado pelo conjunto das forças ligadas ao mundo do trabalho. Eu definiria essa minha posição, decorrente da concepção processual da revolução, como reformismo revolucionário: ela é reformista no plano da tática, mas é revolucionária no plano da estratégia. E por que revolucionária? Porque tem como objetivo último não melhorar o capitalismo, mas efetivamente superá-lo no sentido de uma sociedade socialista. Muito bem. Mas qual socialismo? [...] Temos de dizer, entre outras coisas, que não queremos um socialismo de tipo burocrático, já que a experiência dos países do chamado socialismo real revelou que a ausência de democracia não é apenas um limitante do socialismo, mas algo que compromete a própria essência do socialismo. [...] [...] Mas não queremos uma situação que se limite, ou que tenha como meta final, o estabelecimento de um Welfare State, de um “Estado do Bem-Estar” de tudo social-democrata tradicional. Queremos ir além da social-democracia, no sentido do socialismo, mas de um socialismo baseado na democracia política, que seja fundamentalmente pluralista, onde a sociedade civil seja autônoma em relação ao Estado e, mais que isso, seja capaz de absorver progressivamente os mecanismos coercitivos e burocráticos do Estado, substituindo-os por aparelhos consensuais; [...] onde haja a pluralidade de partidos [...], e não só partidos de esquerda, mas também partidos que se oponham ao governo socialista, quando o fizerem nos marcos da legalidade estabelecida; onde seja garantido o princípio da alternância de poder. O fato de que um conjunto de partidos de esquerda, ou um específico partido de esquerda, obtenha consenso e chegue ao poder, esse fato não significa de modo algum que ele não possa vir a perder esse consenso; e, se e quando isso ocorrer, ele deve evidentemente ser substituído no poder por outro partido de esquerda ou por um partido de centro, ou mesmo de direita, que tenha obtido democraticamente esse consenso. O princípio da alternância de poder é fundamental para o projeto de socialismo que eu defendo: sem aceitá-lo, não podemos falar em democracia como valor universal (CRÍTICA MARXISTA, 1986, p. 133-134, grifos nossos)

Como se percebe, Coutinho apresenta uma concepção de estado

democrático inato e autônomo da base material da sociedade e uma perspectiva

indefinida de transformação da sociedade. A conclusão de que a via da revolução

socialista se dá pela “progressiva conquista do aparelho do Estado” deixa claro que

Coutinho nega a necessidade da ruptura revolucionária e, ao mesmo tempo, sinaliza

que o poder pode ser “obtido democraticamente” – ou seja, da ocupação dos

espaços institucionais, que na sociedade capitalista ocorre por meio das eleições.

Francisco Weffort, em sua apresentação no mesmo evento, ratifica essa posição:

133

[...] Eu estou, de modo geral, de acordo com as proposições teóricas que ele [Coutinho] apresentou. [...] [...] [...] A idéia da revolução como acontecimento à volta do Estado é afim à idéia do Estado como centralizador da violência. Podia-se pensar, então, num anti-estado, que era o partido revolucionário, que definia uma estratégia na qual incluía também um cálculo sobre a sua própria capacidade de violência. Quando se falava de destruição do Estado falava-se de um partido que deveria ser capaz de reproduzir na luta contra a classe dominante a violência que o Estado produzia contra as classes populares ou contra o povo. Esta possibilidade não existe na sociedade americana. Não existe no Brasil, como não existe na sociedade americana. O que existe é a possibilidade de uma grande luta social, multifacética, diferenciada em todas as frentes. Aí a questão do socialismo e da democracia não se dissociam. No Brasil, a luta pela democracia é já, aqui e agora, uma luta pelo socialismo. (Idem, ibidem, p. 142, 144, grifos nossos)

Qual seria o critério capaz de definir que o momento da ruptura

revolucionária deveria ser descartado? Ora, se o Estado detém o monopólio da

violência e “é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia”

(MARX; ENGELS, 2003, p. 28), pareceria claro que numa situação limite em que os

negócios da burguesia estivessem sob a ameaça de uma mudança radical na

estrutura produtiva e social, sua estrutura seria movida para impedir tais

transformações.

Ao conceber que seria possível promover transformações com esse grau

de profundidade através apenas de mecanismos democráticos, de “progressiva

conquista”, a prática petista revela, ainda que de modo subjacente, que a concepção

de Estado para o conjunto do partido (imposta pela hegemonia da ala reformista) já

não é mais a de que ele é “o produto e a manifestação do caráter inconciliável das

contradições de classe” (LENIN, 1980, p. 226). Esta nova concepção de Estado é

expressa por COUTINHO (2000, p. 38-29, grifos nossos):

O fato, porém, é que o Estado capitalista se ampliou: ele não é mais um simples ‘comitê executivo da burguesia’ (como Marx e Engels o definiram em 1848), já que foi obrigado a se abrir para demandas provenientes de outras classes e camadas sociais [...]. Esta alteração na natureza do Estado capitalista determinou uma mudança substantiva na estratégia do movimento operário socialista. Nas formações sociais onde não ocorreu significativa socialização da política; onde, portanto, não existe uma ‘sociedade civil’ pluralista e desenvolvida, a luta de classes se trava predominantemente em torno da conquista do Estado-coerção, mediante assalto revolucionário; é o que ocorre nas sociedades que Gramsci chamou de ‘orientais’.

134

Já nas sociedades ‘ocidentais’, onde o Estado se ‘ampliou’, as lutas por transformações radicais travam-se no âmbito da sociedade civil, visando a conquista do consenso da maioria da população, mas se orientam, desde o início, no sentido de influir e de obter espaços no seio dos próprios aparelhos de Estado, já que estes agora são permeáveis à ação das forças em conflito.

Mas esta não seria uma posição clássica da antiga social-democracia?

Não eram exatamente os social-democratas alemães que viam uma flexibilização na

natureza de classe do Estado, a ponto de ser possível realizar a transição ao

socialismo sem um momento de ruptura? As concepções de BERNSTEIN (1964, p.

119-120, grifos nossos) na tradução brasileira de Die Voraussetzungen des

Sozialismus und die Aufgaben der Sozialdemokratie revelam fortes semelhanças:

Democracia é, em princípio, a supressão do governo de classe, embora não seja ainda a verdadeira supressão de classes. [...] O direito a voto, numa democracia, faz dos seus membros sócios virtuais da comunidade, e essa associação virtual deve conduzir, no final, a uma associação efetiva. Com uma classe trabalhadora subdesenvolvida em números e cultura, o direito geral a voto pode parecer-se muito com o direito de escolher ‘o carrasco’; com o número crescente e o maior discernimento dos trabalhadores, a situação mudou, contudo, para converter o direito do voto no mecanismo pelo qual se transformam os representantes do povo em verdadeiros servidores do povo. [...] [...] Toda a atividade prática da democracia social está dirigida no sentido de criar circunstâncias e condições para que tornem possível e garantam uma transição (isenta de erupções convulsivas) da moderna ordem social para outra mais evoluída.

Tais similaridades não se constituem em mera coincidência. As diferenças

entre a socialdemocracia e o eurocomunismo petista praticamente se estabelecem

apenas no terreno da cronologia, ou seja, a partir de quando, em que estágio do

capitalismo a democracia assume valor universal para cada uma destas correntes.

Tal qual Bernstein, os reformistas do PT afirmavam que a natureza, do

Estado no capitalismo se modificou e, para ele, tal mudança não é resultado de uma

“mera” complexificação do Estado, mas de uma alteração que atinge a sua essência,

e, em virtude disso, é necessário também modificar a estratégia socialista de

transformação social. Esta é uma formulação rigorosamente socialdemocrata, mas é

sobre tais premissas que o reformismo petista vincula aos pressupostos teóricos

eurocomunistas e, ao mesmo tempo, as relaciona a Gramsci, como forma de

conferir-lhe autoridade.

135

A compreensão de “oriente” e “ocidente” em Gramsci é utilizada para

pensar – de modo em nenhum momento arbitrário – uma modificação nos estados

de capitalismo desenvolvido, mas não apenas. Para muito além disto, o que existe é

uma demarcação da posição de que possuindo o “ocidente” uma dinâmica de

socialização da política que por sua vez é diminuta (ou mesmo ausente) no “oriente”,

isto seria suficiente para dissolver o poder de força e coerção do Estado burguês,

como se a coerção fosse um elemento presente apenas nas sociedades onde o

Estado ‘não se ampliou’.

Desse modo, os reformistas do PT implicitamente sugeriram que o atual

Estado moderno segue sendo um ente dotado de uma hegemonia de classe, mas

como se tal hegemonia ali presente não fosse, a rigor, um síntese entre a direção

ideológica e o domínio coercitivo.

Ora, se a natureza coercitiva do Estado foi modificada para uma natureza

fundada no consentimento – ao invés de um Estado coercitivo, mas com relevantes

modificações capazes de socializar seus espaços por um lado e, por outro,

promover uma profunda investida ideológica para construir consensos em torno de

uma falsa universalidade fundamentada justamente na socialização da política –

qual seria o sentido de organizar os explorados para um momento de tomada de

poder? Segundo o raciocínio dos reformistas do PT, nenhum. E é por esta razão que

desenvolveram toda uma luta para imprimir no PT a idéia de que, como afirmou

GARCIA, M. A. (1990), a democracia política “não pode ser entendida apenas como

um meio de chegar-se à democracia social, ou a uma posição melhor de luta por ela.

[...] é um fim em si. Um valor estratégico e permanente. Se esta tese é social-

democrata, paciência: sejamos social-democratas”.

Tendo a democracia um valor estratégico, universal e sendo a influência

dos explorados nos aparelhos deste Estado burguês – que agora está mais

permeável à ação política – o suficiente para que ele perca a sua natureza de

dominação, não há porque não acreditar na possibilidade de construir um processo

de edificação de um Estado da classe trabalhadora sem a necessidade do momento

de ruptura revolucionária. Não há, portanto, nenhuma contradição aparente nesta

díade teórica – estado universal-autônomo-ampliado e via “inglesa” para o

socialismo. Desde que a transformação da essência do Estado seja algo aceito

como válido e real (do mesmo modo como pensou a socialdemocracia alemã), tais

formulações se mostram repletas de coerência.

136

Mas isto, na verdade, é o resultado de como diversas categorias

gramscianas foram transfiguradas para sustentar as matrizes fundamentais das

teses reformistas do PT, que na prática operam a defesa de uma estratégia limitada,

reformista e restrita aos limites do domínio do capital. Para demonstrar isto,

destacam-se, nessa análise, os conceitos de Estado, sociedade civil e hegemonia.

Para Gramsci, Estado e sociedade civil não são separados, mas

relacionados em unidade dialética, como partes de uma mesma e única totalidade

social. A sociedade civil é, portanto, parte do Estado, confundindo-se com ele e com

suas funções coercitivas e coativas, na medida em que a hegemonia de uma classe

tem incidência sobre os aparelhos repressivos e ideológicos de determinada

estrutura estatal.

Esta é, portanto, a fundamentação proposta por GRAMSCI (1975b, p.

1590, tradução nossa) em seu conceito de Estado ampliado: “na realidade efetiva

sociedade civil e Estado se identificam”. Ou, mas precisamente, que “a sociedade

civil [...] é também ‘Estado’ ou, antes, é o próprio Estado” (Idem, 1975c, p. 2302,

tradução nossa).

O manejo do reformismo petista com a categoria de Estado – que é o que

precede e condiciona a sua caracterização socialdemocrata clássica da natureza

estatal no capitalismo moderno – rompe com a asserção gramsciana de que a

hegemonia de uma classe dominante passa pelo controle dos aparelhos estatais (o

Estado entendido como strictu sensu) numa combinação entre direção e domínio, ou

seja, convencimento (através dos instrumentos ideológicos) e coerção (aparelhos

repressivos). Levando a ampliação do Estado ao limite, os reformistas do PT

investem sobre um problema que não foi bem resolvido por Gramsci na exposição

do seu conceito de Estado ampliado e, intencionalmente, se negam a operar as

devidas distinções mediante as particularidades próprias da unidade dialética que

existe entre Estado e sociedade civil.

Em que pese a concepção de Estado ampliado poder ser alvo de críticas

justas no campo da formulação – pois ao passo que avança no bloqueio das

distorções que separam estrutura estatal e sociedade civil, como se fossem coisas

autônomas, igualmente tal conceito pode sugerir uma perda na capacidade de

distinguir analiticamente estes dois elementos a partir de suas especificidades e

determinações próprias –, tal conceito em nenhum momento foi elaborado por

Gramsci como se o Estado no capitalismo atual não fosse um Estado de classe.

137

Ainda que o Estado do capitalismo moderno não se comporte mais

visivelmente como uma estrutura totalmente monolítica de poder, Gramsci nunca

deixou de pensar o Estado como um instrumento com natureza de classe, uma vez

que na sociedade capitalista segue existindo uma classe que detém a propriedade

dos meios sociais de produção e o domínio político dos instrumentos ideológicos e

de coerção. As elaborações apresentadas pelos ideólogos do PT – rigorosamente

distintas de tal concepção – não são, portanto, asserções gramscianas, mas

essencialmente reformistas.

Ao contrário, mesmo entendendo que o capitalismo moderno complexifica

e amplia o Estado não apenas para levar em conta os interesses da burguesia, mas

também para flexibilizá-lo e para construir consensos sobre a ideologia de um

aparato estatal supostamente mediador dos conflitos sociais, Gramsci não pensa o

Estado como um recipiente vazio que pode ser preenchido de um conteúdo de

classe a depender da origem social ou orientação político-programática dos que –

por meio das eleições – nele ocupam as posições centrais de gestão. Para Gramsci,

o Estado não abre mão de ser um consórcio a serviço daqueles que dominam a

sociedade e, embora se comporte como uma estrutura não monolítica, não deixa de

possuir um núcleo rígido que define sua natureza coercitiva e de dominação,

controlado pela classe social detentora da hegemonia (entendida como direção e

domínio, no plano econômico e político) e cotidianamente encoberto de um invólucro

“democrático” fundado no convencimento (direção ideológica, cultural). Esta

definição foi expressa através da famosa fórmula apresentada nos Cadernos do

Cárcere: “Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada

de coerção” (Idem, 2000, p. 85)

O reformismo petista ignora que a obtenção de espaços no seio das

instituições estatais – ou seja, a disputa pelo controle do Estado por meio do

sufrágio – é um processo que sofre determinações econômicas incisivas. “Por mais

que seja ‘possível’ para os trabalhadores elegerem seus representantes [...], a

burguesia sempre estará em vantagem nos marcos da sua própria ‘democracia’,

pois o processo de representação não altera a localização dos sujeitos” (CHAGAS,

2011, p. 73) na estrutura do sistema social de produção. O próprio PT foi vítima

dessas determinações nas eleições de 1989, quando viu suas chances eleitorais

diminuírem a partir de uma ofensiva brutal da imprensa burguesa.

138

Como não poderia deixar de ser, o resultado do sufrágio é sempre

fortemente condicionado pelo controle (seja pela posse direta ou influência

econômica) da burguesia sobre a imprensa e meios de comunicação, sem falar nos

financiamentos eleitorais que impõem a aplicação dos programas de interesse da

burguesia e a compra direta de votos, através da distribuição de esmolas e

presentes. Mas conclusões políticas dessas lições não foram corretamente

extraídas, ao contrário, foram as piores possíveis. Basta citar como exemplo o

balanço da derrota eleitoral em 1989: o PT esqueceu completamente as

determinações objetivas e definiu como, parte da estratégia de poder, guinar mais

ainda à direita para vencer as eleições.

Além disso, os reformistas do PT desconsideravam o fato de que o

Estado possui uma sustentação nas forças armadas e que a direção de tais forças é

recrutada em setores burgueses ou de forte integração com a classe dominante,

localizados na alta classe média, com altos salários e um rígido controle coercitivo

sobre os soldados recrutados nos setores mais precarizados da sociedade.

Esqueceu (ou fez questão de esquecer) que, por mais ampliado que seja

o Estado no atual estágio do capitalismo, o instituto coercitivo estatal não

desapareceu, mas, ao contrário, se fortaleceu enormemente – inclusive com

manifestações pujantes de poderio bélico com o objetivo de realizar guerras, saques

e pilhagens nas nações localizadas na periferia do sistema social – e segue sendo o

principal esteio da burguesia, o ponto de apoio que cumpre a tarefa de garantir os

pilares do Estado não somente no tocante à proteção das fronteiras e do território,

mas sobretudo para acionar a repressão sempre que a ideologia não for suficiente

para manter os explorados inertes diante do capitalismo. Mas este debate em

nenhum momento era tocado pelos reformistas do PT, pois fazê-lo a fundo

significada colocar dúvidas na sua estratégia de conquistar o “socialismo” através da

disputa de hegemonia nas instituições do Estado.

Desfazendo as ilusões de que o Estado seria algo realmente

independente do domínio da classe proprietária e susceptível a intervenções

capazes de superar os fundamentos que garantem a dominação burguesa sem que

suas estruturas de poder sejam devidamente destruídas, o notável jurista soviético

Evgeni PACHUKANIS (1988, p. 95-96, grifo do autor) sintetiza de forma singular

como o Estado cotidianamente tem sua natureza de classe ocultada e ao mesmo

tempo revelada em determinadas circunstâncias de acirramento da luta de classes:

139

A submissão do operário assalariado ao capitalista e a sua dependência diante dele existe [...] sob uma forma imediata: o trabalho morto acumulado domina aqui o trabalho vivo. Contudo, a submissão deste mesmo operário ao Estado capitalista não é igual à sua dependência frente ao capitalista individual, que se encontra simplesmente disfarçada sob uma forma ideológica desdobrada. Não é a mesma coisa, primeiro porque existe aqui um aparelho particular independente dos representantes da classe dominante, situado acima de cada capitalista individual e que se estabelece como uma força impessoal. Não é também a mesma coisa, porque tal força impessoal não concretiza cada uma das relações de exploração. Com efeito, o assalariado não é coagido, política e juridicamente, a trabalhar para um determinado empresário, mas apenas vende-lhe a sua força de trabalho formalmente com base num contrato livre. À medida que a relação de exploração se realiza formalmente como relação entre dois proprietários de mercadorias ‘independentes’ e ‘iguais’ dos quais um, o proletário, vende a sua força de trabalho, e outro, o capitalista, a compra, o poder político de classe pode revestir-se da forma de um poder público. [...] O Estado, como fator de força política interna e externa: este foi o adendo que a burguesia teve de acrescentar à sua teoria e à sua prática do ‘Estado jurídico’. Quanto mais o domínio da burguesia foi sacudido, mais estes adendos se tornaram comprometedores, e com maior rapidez o ‘Estado jurídico’ se transformou numa sombra imaterial, até que, por fim, o agravamento extraordinário da luta de classes obrigou a burguesia a desmascarar completamente o Estado de direito e a desvendar a essência do poder de Estado como a violência organizada de uma classe sobre as outras. (Idem, ibidem, p. 103, grifo nosso)

Em sentido semelhante, percebe-se que a concepção de que a

construção da hegemonia na sociedade civil é produzida apenas pelo consenso e

que o domínio seria uma conseqüência mecânica dessa conquista da capacidade de

direção não é reivindicada por Gramsci. Não por acaso, Gramsci pensa a

necessidade de construir a hegemonia – antes de qualquer coisa – a partir do triunfo

sobre as mentes dos explorados, mas sem descartar um momento de ruptura

(violência), de investida contra o Estado burguês, uma vez que “nenhuma classe

social armada e dominante cede seu poder militar e seus privilégios só por

convencimento” (SECCO In: DIAS et al., 1996, p. 86, grifo nosso):

O critério metodológico sobre o qual se deve basear o próprio exame é este: a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos: como ‘domínio’ e como ‘direção intelectual e moral’. Um grupo social domina os grupos adversários, que visa a ‘liquidar’ ou a submeter inclusive com a força armada [...]. Um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das condições para a própria conquista do poder); depois, quando exerce o poder e mesmo se o mantém fortemente em suas mãos, torna-se dominante mas deve continuar a ser também ‘dirigente’. (GRAMSCI, 2002, p. 62-63, grifos nossos)

140

Essa formulação indica – sem desconsiderar as desigualdades apontadas

entre o Ocidente e o Oriente, entre as táticas de “guerra de posição” e “guerra de

movimento” – orientações estratégicas fundamentais das teses gramscianas,

sobretudo diante das questões relativas à coerção.

Este aspecto é uma importante diferenciação com as teses reformistas,

na medida em que “Gramsci [...] acrescenta explicitamente como tendência o caráter

coercitivo da função de dominação, o que elimina qualquer idéia de que o poder uma

vez conquistado pode ser exercido sem violência contra a ação das classes

desalojadas do governo” (SECCO In: DIAS et al., 1996, p. 86), ou seja, a perspectiva

de transformação social não é projetada para um horizonte construído

indefinidamente, para quando “os socialistas forem hegemônicos no Estado” e

forjarem “correlação de forças para estipular, por dentro das instâncias do regime,

leis e medidas que pusessem fim à exploração burguesa”. Ao contrário,

vislumbrando que o processo de conquista da hegemonia cultural é uma das

condições da supremacia de uma classe social sobre outra, Gramsci compreende

que o momento da ruptura não pode ser excluído.

A direção da classe trabalhadora é condição sem a qual não se acumula

forças para destruir o capitalismo, da mesma forma que, neste ínterim de ruptura,

esta direção deve estar orientada para organizar o momento em que os

trabalhadores possam avançar sobre o domínio burguês dos meios de produção e

sobre o poder político, construindo uma contra-ofensiva com métodos coercitivos

para dissolver qualquer tentativa de reação burguesa – rigorosamente previsível em

qualquer processo de tomada do poder.

Significa então que a perspectiva teórica defensora de que a democracia

no capitalismo tem um caráter universal e que o socialismo só não é edificado sem

enfrentamentos e rupturas porque, para tanto, basta ganhar ideologicamente os

trabalhadores até se constituir uma hegemonia no aparato estatal – não pode,

portanto, se sustentar na tese gramsciana do Estado, por duas razões fundamentais:

além de entender o Estado – ainda que profundamente modificado – como

instrumento que combina direção sem abandonar o papel de dominação, Gramsci

nos apresenta Estado e sociedade civil como partes com características próprias de

um todo indivisível, com ambos sendo marcados por determinadas relações sociais

que os atravessam.

141

Na medida em que a “sociedade civil constitui-se numa importante arena

de luta de classes, pois é nela que as classes lutam para conquistar hegemonia, ou

seja, direção política, capacitando-se para a conquista e o exercício do governo”

(GRAMSCI, 1991, p. 22, grifos nossos); o Estado – uma vez que para Gramsci se

assemelha à própria sociedade civil – não pode ser destacado de tal arena. O

Estado é, portanto, igualmente um terreno (não apenas institucional) de disputa,

enfrentamentos e antagonismos, cujo caráter é determinado pela classe que detém

a direção (consentimento) e – uma vez que a possui, capacitando-se para a

conquista – o domínio (coerção) sobre as demais.

Além disso, sendo a sociedade civil “para Gramsci [...], sem

ambigüidades, uma arma contra o capitalismo, nunca uma acomodação a ele”

(WOOD, 2003, p. 208), torna-se evidente que o Estado burguês – como algo

extensivo à sociedade civil e, portanto, igualmente um campo de lutas dotado de

uma natureza de classe expressa na capacidade de direção ideológica e de domínio

coercitivo da burguesia –, deve, sem dúvidas, ter suas contradições exploradas;

desde que não se ignore o seu caráter de dominação, nem muito menos sejam

utilizadas determinadas “disputas” como justificativa para qualquer acomodação à

ordem social capitalista. A ruptura com esse entendimento, resultado da

compreensão das teorias de democracia e estado para os

eurocomunistas/reformistas, conduz a outra estratégia, igualmente nociva, que como

já visto foi totalmente abraçada pelo PT a partir do fim da década de 1980: as

alianças com a classe dominante.

Como decorrência da própria idéia de mudar o caráter do Estado sem a

via da ruptura, a estratégia de acordos permanentes com a classe dominante é, na

verdade, a ação política justificativa para a concepção de democracia com valor

universal. É aqui que as três principais matrizes reformistas (concepção de estado

democrático inato e autônomo da base material da sociedade, acúmulo de forças em

perspectiva indefinida de transformação e estratégia de alianças com a burguesia)

se sintetizam em uma só ideologia. Já que a democracia no capitalismo moderno

seria de valor universal, a “democratização do Estado” também o seria, uma vez que

seu caráter de classe poderia ser modificado a partir das articulações políticas dos

indivíduos que cotidianamente manejam suas instituições, sem destruir seus pilares

nem as relações com a estrutura social que o fundamentam.

142

Da mesma forma, sendo o Estado uma coisa universal e podendo ter o

seu caráter modificado sem que seja destruído – apenas acessando-o e reformando-

o –, seria legítimo pensar que a construção de um Estado que derrubasse o

capitalismo pudesse se dar por uma “via inglesa”, sem enfrentamentos radicais. Uma

vez que a transformação da sociedade pode ocorrer sem rupturas e se o objetivo

para tal estratégia é a assunção das funções do Estado burguês (de qualquer modo,

sem pretender destruí-lo); seria também legítimo celebrar pactos com a classe

dominante para ascender até o Estado e, dentro dele, reformá-lo até “por fim ao

capitalismo”.

Esta idéia, que inicialmente foi apresentada de forma sutil no final da

década de 198036, passou a ser levada à frente pelos principais dirigentes do PT –

pouco tempo depois da derrota de Lula nas eleições presidenciais de 1989 – até as

últimas conseqüências:

A partir do 1 ° Congresso [1991] o partido deu passos importantes na definição de um projeto político nacional e de um programa de governo. Mas a discussão e o grau de definições estão muito aquém das responsabilidades exigidas de um partido que pretende governar o Brasil. E não basta querer ser governo. É preciso ter um projeto político que represente uma alternativa de futuro para a sociedade brasileira. Um projeto que defina as reformas do Estado, da política, da sociedade e da economia. [...] [...] Esta questão constitui o cerne da necessidade do PT construir uma política ampla de alianças que envolva a esquerda e a centro-esquerda. A aliança político-partidária deve materializar-se num programa de governo que seja representativo, também, de um acordo social que envolva vários setores, desde os descamisados até os setores empresariais. O crescimento e as vitórias eleitorais da esquerda e centro-esquerda levam a crer que se inicia no país um deslocamento do eixo do poder político. Mas temos de terem mente que, para o PT governar e realizar reformas, é necessário alargar a influência sobre a maioria da sociedade. E isso só é possível com alianças. (GENOÍNO, 1993, grifos e comentário nossos)

36 As resoluções aprovadas pela Articulação no V Encontro Nacional do PT (1987) ainda não falavam abertamente em alianças com a burguesia, mas já criticavam o fato de que “muitos militantes são levados a se oporem a que se aproveitem as contradições momentâneas entre os diversos setores da burguesia” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1987a), creditando isto a “um conhecimento insuficiente ou mesmo de um desconhecimento das contradições internas que movem as classes em sua luta, e que muitas vezes podem colocar em oposição diferentes setores da própria burguesia” (Idem, ibidem) e já apontando que esta “é uma das razões principais que explicam por que o PT, como um todo, ainda não avançou suficientemente nas definições estratégicas” (Idem, ibidem). Dois anos depois, no VI Encontro Nacional do PT (1989), as imprecisões persistem, mas o conteúdo das resoluções do V Encontro Nacional são reivindicadas e, pela primeira vez, aparecia a menção do conceito gramsciano de bloco histórico, segundo a necessidade de “constituição de um campo de forças antimonopolista, antilatifundiário e antiimperialista na sociedade brasileira, configurando o bloco histórico que fará a ponte entre as reivindicações mais sentidas dos trabalhadores em seu estágio atual de consciência e mobilização e a luta pelo socialismo” (Idem, 1989b).

143

Esta é a mesma sugestão feita por Enrico BERLINGUER37 (2009, p. 83,

grifos e comentários nossos), o principal quadro teórico do eurocomunismo, que

para concertar o chamado “compromisso histórico”38 não vê maiores problemas em

abrir mão da noção de divisão da sociedade em classes, como se esta não fosse

uma categoria central em qualquer formulação que se pretende marxista:

[...] se os grupos sociais dominantes obstinam-se em romper o quadro democrático, dividir em dois o país e desencadear a violência reacionária [a constante ‘ameaça’ do ‘mal maior’, do golpe fascista que marca a análise conjuntural do eurocomunismo], isto deve nos levar ainda mais a ter nas mãos, firmemente, a causa da defesa da liberdade e do progresso democrático [...]. Em todos esses casos, sempre respondemos assumindo a bandeira da liberdade e o método da democracia, chamando as grandes massas trabalhadoras e populares a lutas bastante duras, e promovendo o mais amplo entendimento e convergência entre todas as forças interessadas na salvaguarda dos princípios da Constituição antifascista. [...] O problema das alianças é, então, o problema decisivo de toda revolução e de toda política revolucionária [...]. [...] Assim, não nos limitamos a buscar e a estabelecer convergências com figuras sociais e categorias econômicas já definidas, mas queremos conquistar e incluir, em um articulado conjunto de alianças, grupos inteiros da população, forças sociais não classificáveis como classes, tais como são, precisamente, as mulheres, os jovens e as jovens, as massas populares [...], as forças da cultura, os movimentos de opinião [...]. Eis o modo pelo qual nós entendemos e cumprimos o trabalho concreto de construir e preparar as bases, as condições e as garantias daquilo que se costuma chamar um ‘modelo’ novo de socialismo. [...]

É acreditando que um suposto setor “mais reacionário” da classe

dominante pretende sempre subjugar os explorados por meio de coerção explícita –

como se a democracia no capitalismo, embora seja uma conquista das lutas e um

elemento essencial para a organização do proletariado, não tenha se transformado

em uma eficiente arma ideológica de ocultação da dominação – que os

eurocomunistas justificam suas alianças com setores da burguesia que “se situam

no [campo do] centro até posições coerentemente democráticas” (Idem, ibidem, p.

84 comentário nosso).

37 Enrico Berlinguer foi o secretário geral do Partido Comunista Italiano de 1972 até 1984. Em 1973, Berlinguer apresenta na revista do partido (Rinascita) uma tese convocando a construção do “compromisso histórico” – uma aliança entre o Partido Comunista Italiano e o Partido da Democracia Cristã para garantir um “pacto nacional” em defesa da “economia nacional” e da “ordem democrática”. 38 Ver nota n.º 37.

144

É interessante destacar nesta questão que, contraditoriamente, ao invés

das concepções deturpadas e, por vezes, simplificadas de hegemonia e bloco

histórico gramscianas, deveria ser o stalinismo a referência dos eurocomunistas,

conforme historiam tanto Moreno quanto Mandel:

A concepção dos ‘campos’ e da luta entre eles que supera a luta de classes surge, pois, com os mencheviques. No entanto, quem elevou essa concepção ao nível de uma teoria geral, de aplicação permanente [...] em todos os países e circunstâncias, foi Stálin com sua Frente Popular. (MORENO, 2003, p. 80-81) O que se designa por ‘eurocomunismo’ representa, em primeiro lugar, uma codificação da evolução que sofreram os partidos comunistas da Europa ocidental a partir do VII Congresso do Komitern e que os conduziu – fora os curtos interregnos [...] – a praticar uma política de colaboração de classe, sempre mais estreita, com a sua própria burguesia. (MANDEL, 1978, p. 45)

A tirania dos regimes burocráticos nos estados operários foi

“abandonada” pelos eurocomunistas, mas, a teoria dos “campos burgueses

progressivos” foi largamente utilizada por eles, sem o menor indício de desavença

com o stalinismo. Os eurocomunistas partem de um princípio que haveria, dentro da

burguesia, setores “progressivos” com os quais poderiam estabelecer alianças,

tendo em vista sempre o enfrentamento desse bloco com “os monopólios”, as

frações “mais regressivas” e “reacionárias” da classe dominante. Assim foi feito na

celebração do “compromisso histórico”, quando Berlinguer liderou a operação de

aliança entre o Partido Comunista Italiano e o partido da Democracia Cristã.

Sempre justificando sua política com avaliações que apontam para

“conjunturas desfavoráveis” ou “ameaças de golpes reacionários” que “conduziria[m]

inevitavelmente à destruição das instituições parlamentares burguesas e

atrasaria[m] assim por um longo período toda a possibilidade de rotura no sentido do

socialismo” (Idem, ibidem, p. 162, comentários nossos), os eurocomunistas na

prática operam um movimento de uniformização da “sociedade civil”. A sociedade

passa então a não ser mais dividida em classes, em grupos que se identificam

conforme sua localização dentro do sistema produtivo, mas em “campos” cujo

significado assume um critério obtuso e pouco objetivo: o que é ou não “progressivo”

no interesse da classe trabalhadora. Esta operação é a que permite envolver

trabalhadores e capitalistas dentro de um projeto eleitoral unitário, como se ambos

fizessem realmente parte do mesmo campo de interesses.

145

Como para os reformistas o caráter do Estado é definido por uma disputa

estabelecida em um terreno “neutro” e “autônomo” – onde os acordos, as negociatas

e os ardis determinam tudo –, a política de alianças com setores da classe

dominante torna-se então uma estratégia, na medida em que bastaria conquistar a

hegemonia nos aparelhos institucionais para que se iniciasse um processo de

mudança na correlação de forças em geral, com a burguesia entrando em

desvantagem.

É precisamente nesse ponto que reside todo o caráter anti-socialista de

tais posições. Qualquer aliança, antes do mais, precisa ser entendida como uma

síntese de determinações, e não uma mera justaposição, uma simples soma

aritmética das forças aparentes. Ocorre que, enquanto perdurar o capitalismo, as

determinações materiais colocam a burguesia num patamar de vantagem em

qualquer aliança estabelecida com as classes despossuídas.

Tais alianças sofrem a influência não apenas da capacidade e da

presença dos quadros burgueses dentro de um pacto; mas, sobretudo, das

determinações do poderio econômico, do controle político sobre o Estado (com suas

instituições ideológicas e coercitivas) e da posse dos meios de produção pela classe

dominante. Os financiamentos dos bancos, das grandes empresas e dos detentores

das terras influenciam no programa e nas políticas empreendidas pela aliança,

impedindo a incorporação de condutas anticapitalistas.

Estes acordos que visam a conquista institucional levam os eventuais

governos que tenham à frente figuras ou setores operários, na prática, a aplicar

programas essencialmente burgueses, que não se enfrentam com os monopólios,

com as ações dos rentistas, nem muito menos com o mecanismo de acumulação de

capital.

É inimaginável que em uma aliança entre organizações operárias e

setores pujantes da burguesia não sejam oferecidos algum tipo de garantia contra

ações de combate ao capital, como expropriações, mobilizações de massas e

reformas profundas. Uma coalizão dessa natureza não tem como não se posicionar

em defesa do capitalismo e contra os trabalhadores quando estes se põem em luta,

pois os antagonismos materiais entre as classes que se enfrentam na sociedade não

se dissolvem pelo simples fato de existir algum pacto político previamente

estabelecido.

146

Eis a razão pela qual tal estratégia de alianças leva, necessariamente, à

formulação de políticas que tomem parte pelos interesses dos grupos que a

compõem, e, como há uma profunda disparidade de poder entre ambos – a

burguesia no capitalismo é a classe dominante –, o resultado é sempre o de

sacrifício aos interesses mais essenciais dos explorados; sem falar na fragmentação,

na confusão, no isolamento e na divisão das massas trabalhadoras – que só

compromete o seu próprio projeto estratégico e, em contrapartida, fortalece o da

burguesia.

Sobre tais questões, LENIN (2004, p. 315-316, 317-318, grifos e

comentários nossos) produziu importantes contribuições, que entendem a

necessidade de estabelecer eventuais unidades práticas com setores burgueses em

torno de um ponto comum e a partir determinadas condições (como a reação

czarista); mas, ao mesmo tempo, rejeitam resolutamente qualquer tentativa de

conciliação de classe com os setores burgueses:

Desde 1905 [os bolcheviques-leninistas] defenderam sistematicamente a aliança da classe operária com o campesinato contra a burguesia liberal e o tsarismo, sem nunca se negarem, ao mesmo tempo, a apoiar a burguesia contra o tsarismo [...] e sem interromper a luta ideológica e política mais intransigente contra o partido camponês revolucionário-burguês, os ‘socialistas revolucionários’, desmascarando-os como democratas pequeno-burgueses que se incluíam falsamente entre os socialistas. [...] [...] O capitalismo não seria o capitalismo se o proletariado ‘puro’ não estivesse rodeado de uma massa extremamente variegada de tipos de transição do proletário para o semiproletário (aquele que obtém metade dos seus meios de subsistência vendendo sua força de trabalho), do semiproletário para o pequeno camponês (e para o pequeno artesão, o artífice, o pequeno patrão em geral), do pequeno camponês para o médio, etc.; e se dentro do proletariado não houvesse divisão em camadas mais e menos desenvolvidas, divisões de caráter territorial, profissional, por vezes religioso, etc. De tudo isto decorre a necessidade [...] de recorrer à manobra, à conciliação, aos compromissos com os diversos grupos proletários, com os diversos partidos dos operários e dos pequenos patrões. Toda a questão consiste em saber aplicar esta tática para elevar, e não para diminuir, o nível geral de consciência, de espírito revolucionário e de capacidade de luta e de vitória do proletariado. [...] Os democratas pequeno-burgueses (incluindo os mencheviques) vacilam inevitavelmente entre a burguesia e o proletariado, entre a democracia burguesa e o regime soviético, entre o reformismo e o revolucionarismo, entre o amor aos operários e o medo da ditadura proletária, etc. A tática acertada dos comunistas deve consistir em utilizar essas vacilações, e não, de modo nenhum ignorá-las; utilizá-las exige concessões aos elementos que se voltam para o proletariado – quando e na medida em que o façam –, a par da luta contra os elementos que se inclinam para a burguesia.

147

A posição enfática de Lenin que sugere um permanente enfrentamento

com a burguesia criava, para o reformismo, necessidades de demarcação teórica.

Assim, entre a recusa do princípio leniniano de independência de classe e a adesão

às concepções frente-populistas do stalinismo, restou mais uma vez o recurso a

deformações do pensamento de Gramsci. As concepções gramscianas de

hegemonia e bloco histórico seriam, então, as pedras de toque teóricas que

justificariam tal estratégia permanente de alianças; desde que, é claro, sejam

devidamente desfiguradas.

Para Gramsci, a hegemonia entendida no interesse dos explorados é a

capacidade de “guiar o proletariado no sentido de assumir uma função dirigente e,

portanto, de construir não só novas relações políticas e estatais, mas também uma

nova cultura” (GRUPPI, 1991, p. 72). Isso significa que a hegemonia é um processo

que “se traduz numa reforma intelectual e moral” (Idem, ibidem) capaz de unificar

diversos setores e classes em torno dos trabalhadores. Foi tornando indiscriminada

essa concepção de hegemonia como “capacidade de direção, de conquistar

alianças” (Idem, ibidem, p. 5) que o reformismo petista transformou o bloco histórico,

esta “unidade de forças sociais e políticas diferentes” (Idem, ibidem, p. 78) para

“conservá-las juntas através da concepção de mundo que ela [a conquista da

hegemonia] traçou e difundiu” (Idem, ibidem, comentário nosso) numa aberração

eclética que ao mesmo tempo amalgama interesses diametralmente opostos

(excluindo qualquer elemento unificador de luta contra o capitalismo) e prostra a

classe trabalhadora para manter-se no quadro da ordem vigente. Foi desse modo

que os reformistas proclamaram a estratégia de alianças com a burguesia não

apenas como algo de interesse dos explorados, mas como uma política marxista,

como forma de aglutinar ao seu redor os setores que tinham referência no

marxismo, mas oscilavam entre posições reformistas e revolucionárias no PT.

Mas a realidade é de que não há vínculo entre esse reducionismo e a

obra gramsciana, pois a “hegemonia é o ponto de confluência de Gramsci com

Lenin” (Idem, ibidem, p. 1). A confusão difundida pelos reformistas que se escoram

em Gramsci ganha corpo por um problema residual: enquanto Lenin utilizava

“hegemonia” para conceituar a capacidade de direção do proletariado sobre as

classes aliadas, sempre expondo com outros termos a questão do domínio coercitivo

em razão da sua luta contra os reformistas; Gramsci refere-se à hegemonia como

direção e direção+domínio, mas sem estabelecer mudanças na terminologia.

148

Essa sutil manobra dos reformistas, de distinção entre a hegemonia

“leniniana” e a “gramsciana”39, implica em duas conseqüências centrais: o

tratamento da questão do domínio coercitivo sobre a classe inimiga é dissolvida na

hegemonia cultural, como se a conquista da direção fosse suficiente para obter o

poder político e como se Gramsci – mesmo utilizando uma única terminologia para

dois momentos – não tivesse estabelecido as devidas distinções entre essas duas

condições para a derrubada do capitalismo; e um “ajuste” teórico, em razão dessa

suposta diferença entre as duas “hegemonias”, para justificar uma estratégia de

alianças.

Mas não é este o entendimento de GRAMSCI (1975a, p. 41, tradução e

grifos nossos) quando se aprofunda na investigação de suas posições:

O critério histórico-político sobre o qual há necessidade de fundar as próprias pesquisas é este: que uma classe é dominante de dois modos, isto é, é ‘dirigente’ e ‘dominante’. É dirigente das classes aliadas e dominante das classes adversárias. Por isso uma classe já antes de subir ao poder pode ser ‘dirigente’ (e deve sê-lo): quando está no poder se torna dominante, mas segue também sendo dirigente. [...] A direção política se converte em um aspecto do domínio, na medida em que a absorção das elites das classes inimigas conduz à decapitação destas e à sua impotência.

Tem-se aqui, três valiosas contribuições estratégicas de Gramsci sobre a

construção da hegemonia da classe trabalhadora e sobre o modo como esta deve

estabelecer alianças com outras classes.

A primeira é que, para Gramsci, uma classe que aspira ao poder não

apenas pode ser dirigente (ou seja, hegemônica intelectual, cultural e moralmente),

mas deve sê-lo. Esta é uma questão polêmica em Gramsci na medida em que a

burguesia detém quase a totalidade dos meios de comunicação de massas – em

razão do seu controle sobre o capital – e, por isto, é bastante improvável imaginar

que os trabalhadores conquistem uma hegemonia ideológica similar à que a

burguesia hoje detém, sem antes conquistar o poder político e econômico na

sociedade. Contudo, o centro da questão é que os reformistas operam uma

completa inversão dessa assertiva, adaptada ao oportunismo.

39 Sobre isto, Carlos Nelson COUTINHO (1980, p. 53) expressou em sua obra A democracia como valor universal uma interpretação que afirmava que “a supremacia aparece como momento sintético que unifica (sem homogeneizar) a hegemonia e a dominação”, ficando evidente que a leitura do conceito gramsciano de hegemonia, para Coutinho, estava restrito à questão da direção ideológica.

149

O compromisso com as classes dominantes para chegar ao poder é

justificado sempre e mais com a insistência sobre uma avaliação conjuntural

“adversa”, ou seja, uma situação em que a burguesia não somente domina, mas

dirige a sociedade ideologicamente; objetivando aproximar o “campo progressista”

da burguesia para estabelecer uma política de “enfrentamento” com os setores mais

reacionários. Sendo a burguesia a dirigente ideológica da sociedade, é evidente que

qualquer adesão eleitoral das massas a esse bloco de alianças se dará, portanto, no

interesse burguês, nunca do proletariado.

Significa dizer que os reformistas não apenas orientam a adesão dos

aliados do proletariado (pequenos proprietários, camponeses, etc.) ao projeto

burguês, consolidando a hegemonia da burguesia sobre os setores médios e

plantando a divisão e a desconfiança entre os explorados; mas, sobretudo,

abandona conscientemente a tarefa de disputar a consciência das massas

trabalhadoras para seu próprio projeto de classe.

Além disso, a sociedade não é dividida em “campos”, mas em classes. É

evidente que a disputa entre os ditos “progressistas” e “reacionários” burgueses é

uma luta travada dentro dos marcos do capital: trata-se de uma guerra que define

qual setor burguês será o responsável principal pelo domínio e pela exploração dos

despossuídos, dentro de uma divisão de tarefas intra-burguesa. Na medida em que

se trata de burgueses – e não trabalhadores – qualquer um desses setores não

pode se colocar no interesse do proletariado, uma vez que isto contraria o seu papel

diante da sua localização no sistema social produtivo: vencer a concorrência contra

os demais capitalistas e derrotar qualquer tentativa dos trabalhadores que se

oponha ao capital. Assim, estando tais “campos” circunstancialmente “divididos”,

mas sendo burguesia enquanto classe dominante e dirigente (como concordam os

reformistas), qualquer aliança de caráter permanente ou prolongado com tais

setores significará nada menos que uma divisão das tarefas burguesas sendo

operacionalizadas pelos sujeitos, organizações e potenciais aliados da própria

classe trabalhadora. Trata-se, nada menos, de uma adesão de um bloco explorado

ao projeto burguês.

A segunda contribuição de Gramsci – em total conformidade com Lenin –

é o de que uma classe é dirigente das classes aliadas e dominante das classes

inimigas.

150

Significa que é possível e correto que se estabeleçam alianças com

classes que podem se colocar no interesse do proletariado (camponeses, operários

especializados, pequena burguesia, etc.), o chamado bloco histórico. No entanto, as

classes que possuem localização distinta do proletariado no sistema social (ou seja,

aquelas que não são exploradas pela burguesia), não podem ser dirigidas pelo

proletariado, simplesmente porque seus interesses enquanto classe são mediados

pelo antagonismo histórico frente aos proletários, não por uma eventual confluência.

Qualquer ação unitária com esses setores precisa ter o objetivo de derrotá-los, de

jogar o conjunto dos explorados contra os exploradores e, por isso, não se pode

pensar em qualquer aliança desse tipo que concretize um programa comum ou que

não tenha um caráter episódico (ao redor de um ponto), excepcional (um golpe

militar, por exemplo) e necessariamente de constante enfrentamento.

A pequena burguesia e os setores médios podem eventualmente se

colocar no interesse da classe operária na medida de sua própria bancarrota

produzida pela dinâmica de concentração de capitais, pelo interesse político do

Estado em fortalecer os monopólios e pelas crises cíclicas do capital. Já a

burguesia, independente da conjuntura, aspira pelo asseguramento do seu controle

sobre os meios de produção, pelo impulso da acumulação capitalista e pela

manutenção da ordem social. Portanto, sua direção social não se inclina para o

interesse da classe operária, mas, ao contrário, toma sentido oposto. Esta é a razão

pela qual Gramsci entende que as classes adversárias devem ser dominadas pelo

proletariado – através da coerção, pois não é possível convencer a burguesia a abrir

mão da sua dominação, nenhuma classe comete suicídio ou se auto-elimina –, e

não somente dirigidas.

A terceira contribuição não poderia ser mais esclarecedora. Gramsci diz

que a direção política (ou seja, a hegemonia ideológica, cultural e moral) se

transforma em domínio quando a absorção das classes inimigas “conduz à sua

decapitação e impotência”.

Algum reformista mais sagaz poderia se aproveitar da expressão

“absorção” para sustentar que Gramsci não vê problemas em defender uma

estratégia de compromissos com a classe dominante, uma vez que “se a burguesia

pode absorver e cooptar os trabalhadores para o seu projeto de classe, a mesma

possibilidade se aplicaria ao proletariado em relação aos seus exploradores”.

151

Ocorre que a hegemonia em Gramsci não é tratada de forma absoluta,

mas corresponde a ações políticas distintas, a depender do momento em que o

processo de disputa do poder é tomado analiticamente. A hegemonia é entendida

como direção do proletariado sobre as classes aliadas, em torno de um projeto

anticapitalista. No processo de transição, no interregno entre a conquista desta

direção dentro da aliança operária e a conquista da direção política (se

transformando em domínio), o bloco histórico submete as classes inimigas pela

coerção e, a partir disso, sua capacidade de direção se amplia, conduzindo a então

classe dominante à “impotência”, à prostração.

O critério de GRAMSCI (2004, p. 408, grifo nosso), portanto, para a

edificação da hegemonia entre esses dois momentos (enquanto processo), é o de

que o “proletariado pode se tornar classe dirigente e dominante na medida em que

consegue criar um sistema de alianças de classe que lhe permita mobilizar

contra o capitalismo e o estado burguês a maioria da população trabalhadora".

A aliança de classes idealizada pelos reformistas até poderia ter essa proposta de

início, mas isto que se mostraria inicialmente como algo suposta e eventualmente

“tático” ou pontual, terminava sendo incorporado como uma prática comum e

pragmática do partido, simplesmente porque os reformistas do PT acreditavam que

as disputas institucionais deveriam ser a estratégia central.

Ora, se as eleições burguesas “abrem caminho para sociedade

socialista”, parecia claro para os reformistas que todas as táticas que pudessem

levar o PT ao governo seriam válidas e a “serviço do socialismo”. É com essa

concepção que o reformismo do PT radicaliza ao limite a ampliação das alianças em

direção à colaboração de classes, na medida do aprofundamento do neoliberalismo

no Brasil e a cada insucesso eleitoral.

Nessa questão, a mutação petista é particularmente impressionante. No V

Encontro Nacional do PT (1987), as Resoluções políticas do partido já apresentavam

formulações a respeito das alianças, mas ainda possuía uma posição enfática no

tocante a alianças com a burguesia:

[...] o PT rejeita a formulação de uma alternativa nacional e democrática, que o PCB defendeu durante décadas, e coloca claramente a questão do socialismo. Porque o uso do termo nacional, nessa formulação, indica a participação da burguesia nessa aliança de classes – burguesia que é uma classe que não tem nada a oferecer ao nosso povo. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1987a, grifo nosso)

152

Três anos depois, após as eleições de 1989, a resolução do VII Encontro

Nacional sobre Conjuntura e tática não faz nenhuma menção em rejeitar alianças

com a burguesia. Ao contrário, flexibiliza os termos da política de alianças:

Com base nas experiências de 1985 e 86 e, especialmente, das eleições de 88 e 89, quando aplicamos uma exitosa política de alianças, devemos estabelecer diretrizes para uma política de alianças nas eleições de 90. A condição de uma política de alianças é o estabelecimento de objetivos comuns, na luta por um governo democrático-popular e pelo socialismo, com aqueles partidos que, em um ou outro objetivo, têm com o PT pontos básicos de acordo. (Idem, 1990a, grifos nossos)

A partir daí o critério, portanto, deixa de ser a formação de alianças com

os setores explorados e a definição acerca do critério de classe simplesmente some,

dando lugar ao critério dos partidos que estabelecem “um ou outro objetivo” básico

de acordo com o programa do PT.

Esta formulação transformava então aquilo que antes era uma definição

do partido (rejeitar alianças com a burguesia) para algo a ser submetido a uma

avaliação, mediante a identificação de acordos políticos e objetivos comuns

possíveis.

No VIII Encontro Nacional (1993), a resolução Por um Governo

Democrático Popular aprofunda a inflexão da política de alianças. A possibilidade de

alianças com a burguesia que em 1990 parecia estar restrita à representação de

seus partidos agora se amplia para as “entidades da sociedade civil” – uma

formulação ampla, na qual pode caber, por exemplo, inclusive a representação de

setores do empresariado:

Nossa política de alianças visa criar um bloco político-social de apoio ao programa de reformas estruturais, a candidaturas do campo popular nos estados, à candidatura Lula e a um governo federal sob hegemonia petista. Queremos estabelecer alianças com os movimentos organizados e as entidades da sociedade civil. (Idem, 1993, grifos nossos)

Daí em diante, o critério de classe demarcado no PT das origens, com os

trabalhadores se posicionando em lado oposto aos capitalistas, é definitivamente

rompido. Os Encontros Nacionais posteriores (1994, 1995 e 1997) e o II Congresso

do partido (1999), na esteira das derrotas nas eleições para presidente em 1994 e

1998, foram assumindo progressivamente a aliança com a burguesia não apenas

como algo possível, mas necessário:

153

Unificando desde já, em escala nacional, os partidos que integram o campo democrático-popular no Brasil [...] temos condições, em muitos estados, de ampliar pragmaticamente tal leque, incorporando à Frente setores do PSDB, PDT e PMDB descontentes com as alianças formadas pelas cúpulas de seus partidos, ou os que acompanharão a dinâmica de crescimento da candidatura Lula [...]. [...] Peça fundamental, para assegurar a visibilidade da aliança partidária que apóia Lula, será o Fórum Nacional Democrático e Popular (Conselho Político de Campanha), integrado por algumas centenas de figuras destacadas no cenário brasileiro, como representação viva da sociedade civil: religiosos, artistas, intelectuais, juristas, cientistas, sindicalistas, pequenos e médios empresários, esportistas, militares e expoentes de outro s segmentos. (Idem, 1994a, grifos nossos)

A política de alianças que o PT fará para as eleições de 1996 não pode desconhecer nossa atual experiência de governo de coalizão e nossas alianças na luta social e política contra o Governo FHC e seu modelo neoliberal. (Idem, 1995a, grifo nosso)

[...] O 11º Encontro Nacional orienta o DN no sentido de adotar uma tática eleitoral que preveja alianças mais amplas que o campo democrático-popular para as disputas estaduais e mesmo nacional, sem cair no sectarismo nem na desfiguração do programa partidário. (Idem, 1997, grifo nosso)

O espectro de alianças que devemos consolidar é aquele proposto pelo manifesto em defesa do Brasil, da democracia e do trabalho, que abrange os partidos da Frente Democrática e Popular, instituições e personalidades da sociedade civil, com ou sem partido, que estejam dispostos a somar com nosso projeto político de enfrentamento com o projeto neoliberal e de proposição de uma nova política econômica que gere trabalho, emprego e renda. (Idem, 1999, grifo nosso)

Mas é no ano de 2001, no XII Encontro Nacional, que o PT concretiza de

forma explícita as indicações que já estavam sendo trabalhadas e aprofundadas a

respeito da prática da colaboração de classe. O conjunto do partido, já bastante

hegemonizado pelos reformistas, aprova em suas Resoluções a política que

nortearia a aliança do partido com os setores do grande empresariado nacional

(representado pelo futuro vice-presidente José Alencar, do então Partido Liberal),

abrindo caminho para o êxito eleitoral que conduziu Lula à presidência da República

nas eleições gerais de 2002:

... devemos construir alianças para o primeiro turno com os partidos de esquerda e com as forças que se opõem ao governo FHC, à coalizão conservadora que o sustenta e ao modelo neoliberal. [...]

154

[...] Nosso maior desafio é construir uma candidatura e um programa de governo que possam viabilizar um novo governo para o Brasil, com uma nova maioria parlamentar, que sustente as grandes mudanças históricas. Nosso objetivo deve ser o de construir uma aliança ampla, com forças políticas de esquerda e de centro que estejam em oposição ao governo FHC e às políticas neoliberais e que concordem com um programa alternativo, capaz de superar os impasses políticos, econômicos e sociais com os quais o país se defronta. [...] [...] Tratarão cada vez mais de explorar a difícil situação mundial (como fizeram nas recentes eleições da Nicarágua) para defender um “governo equilibrado e sério”, buscando estigmatizar a oposição como incapaz e “desequilibrada”. Esse quadro prefigura uma eleição difícil que exigirá firmeza e equilíbrio, amplitude de alianças e defesa de um programa consistente de transformações, audácia e prudência para evitar os muitos obstáculos que serão colocados diante de nós. O PT não pode dar-se ao luxo de desperdiçar uma oportunidade histórica de ganhar as eleições de 2002 e iniciar a grande transformação do país. (Idem, 2001, grifos nossos)

Ao aprofundar a intervenção eleitoral e a meta de obter “governabilidade”

por maioria parlamentar como sua estratégia prioritária, é possível claramente

perceber que a incorporação da concepção de conciliação de classes no PT se

radicaliza ao longo da sua história e sela de forma definitiva outra transformação

importante no partido: a re-localização do programa democrático-popular – cuja

formulação ampla cabe praticamente tudo – para uma plataforma adaptada aos

planos econômicos impostos pelo imperialismo e seus organismos financeiros

multilaterais.

Este movimento de adaptação do programa de governo do PT aos

interesses capitalistas já vinha sendo feito desde o início da década de 1990, como

resposta ao desmoronamento do chamado “socialismo real” e como exigência da

Articulação para, já antes do PT assumir o governo central, garantir uma gestão

capitalista mais “amena”, “sem abusos”, evitando conflitos com o imperialismo e as

grandes empresas.

A posição defendida por um dos principais quadros da Articulação, Luís

GUSHIKEN (apud GARCIA, 2011, p. 187-188, grifos nossos), durante os debates

preparatórios para o I Congresso Nacional do PT (1991), já sinalizava que havia

uma intenção clara de fazer com que um futuro governo encabeçado pelo partido

abandonasse sem vacilar as medidas que eventualmente se chocassem com a

dinâmica capitalista:

155

Os textos nossos tem um tripé, que é a ação concentrada da política do partido: a ação antiimperialista, antimonopolista e antilatifundiária. Se a gente assume a ação antiimperialista como um dos elementos pilares, eu acho que é um desastre total para quem vai ser governo daqui a três anos. O que vamos dizer para a sociedade? Nós somos contra as empresas estrangeiras, nós somos contra vir capital externo aqui no Brasil? Isso é um suicídio. Um dos primeiros pilares que temos que demover – e aí tem divergência – é a questão do imperialismo. Porque qual a idéia de imperialismo que tem o PT? E a empresa estrangeira? Uma coisa concreta. Nós podemos nos relacionar com o capital estrangeiro tal como nós tínhamos formulado, na relação com o imperialismo. Acho que mudou. Mudou. Mudou o quadro. Significa dizer o seguinte: se forem perguntar para o Lula se o seu governo interessa atrair capitais de monopólios, de trustes, o Lula não pode titubear. Ele tem que dizer: nós queremos sim. Agora, qual é a contrapartida, para efeito de política, não só para a sociedade, até para justificar nosso projeto socialista? Nós queremos, mas que não tenha abuso na determinação do preço, que não tenha abuso na determinação do investimento, abuso no pagamento dos operários. Mas aí há uma inversão global da linha política com relação ao capital. Coisa que antigamente não tinha tanto, porque de uma forma ou de outra, a gente tinha inconscientemente que um processo revolucionário no Brasil teria como ponto de apoio, material-financeiro-político, o socialismo real. Mas, desagregou. E, durante longo tempo, ele era uma referência para nós, nesse aspecto. Com a mudança, que foi de fundo, de fundo, eu quero saber, se nos mesmos moldes uma revolução socialista hoje, no quadro da economia basicamente capitalista, nós temos condições de argumentar na linha de ação antiimperialista como centro.

A guinada programática iniciada com o declínio dos estados operários do

chamado “socialismo real” vai se impondo ao longo da década de 1990 no PT, até

se concretizar nos planos defendidos de coalizão com o imperialismo para o futuro

governo Lula, que assumiria em 2002 com a defesa de que a “integração latino-

americana é o [...] projeto estratégico para redefinir a correlação de forças no

continente” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2001), e que “ela só será possível

com um novo governo e uma nova coalizão de forças políticas, que permita novas

alianças, inclusive com forças progressistas dos EUA” (Idem, ibidem).

Em que pese o documento Concepções e diretrizes do programa de

governo do PT para as eleições de 2002 afirmar que “A implementação de nosso

programa de governo para o Brasil, de caráter democrático e popular, representará

uma ruptura com o atual modelo econômico” (Idem, 2002a), o conteúdo político da

plataforma de governo petista não só não pretendia romper com a lógica do capital

internacional (a idéia de inserção soberana, ou seja, privilegiada, dentro das

relações de cunho imperialista), como previa claramente o desenvolvimento de

planos conjuntos entre burguesia e governo:

156

A inserção soberana no mundo e a recuperação dos espaços de autonomia na gestão da economia nacional implicam desenvolver políticas dirigidas a reduzir de modo significativo a dependência e a vulnerabilidade externas, que constituem, na atualidade, a restrição fundamental para a retomada e sustentação do crescimento econômico. Isso transcende o alcance das políticas tradicionais de ajuste macroeconômico e de suporte ao funcionamento espontâneo do mercado, inserindo-se necessariamente numa estratégia de desenvolvimento agrícola e industrial que possibilite a articulação das ações do Estado e do setor privado voltadas à expansão da capacidade e à integração e diversificação do sistema produtivo, bem como à construção das bases tecnológicas de sustentação do desenvolvimento e ao aumento da produtividade sistêmica da economia brasileira. (Idem, ibidem)

Além de novas definições políticas estratégicas, a tentativa do PT de

conseguir estabilidade para governar – a partir da demonstração para a burguesia

nacional e internacional que o seu projeto não era um risco, que era possível

estabelecer com ela uma parceria – gerou profundas modificações programáticas.

Tomando como exemplo algumas consignas de caráter central na luta

antiimperialista e anti-monopolista, é possível identificar mudanças capitais ao

cotejá-las com as posições do PT nos momentos em que se estabeleceram as

alianças com a burguesia. Se em 1989 o PT dizia que “o governo Lula romperá os

acordos com o FMI, suspenderá de imediato os pagamentos referentes à dívida,

instaurará uma auditoria para verificação de legitimidade dos débitos existentes”

(Idem, 1989d); em 2002, às vésperas de vencer pela primeira vez as eleições e

assumir o governo, afirmava: “Vamos preservar o superávit primário o quanto for

necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na

capacidade do governo de honrar os seus compromissos” (Idem, 2002b). Se em

1989 afirmava que “o governo democrático-popular aumentará seu controle sobre o

sistema [financeiro], recorrendo a variadas formas de intervenção, podendo-se

chegar, inclusive, à estatização” (Idem, 1989d, comentário nosso); em 2002,

defendia apenas “a regulamentação do ingresso de novos bancos estrangeiros no

sistema financeiro nacional” (Idem, 2002a). Se em 1989 o programa de governo do

PT tinha “dois grandes eixos: o plano agrário, marcadamente antilatifundiário e

comprometido com a reforma agrária, e o plano de política agrícola, que defende um

modelo de produção agrícola democrático e popular” (Idem, 1989d); em 2002,

defendia “implementar um programa de reforma agrária amplo [...] a partir de um

pacto negociado com a sociedade” (Idem, 2002c, grifo nosso).

157

É perceptível que as mudanças de rumo programático, ao mesmo tempo

em que refletem um processo de adaptação política que tem origem nas pressões

do refluxo, do desmonte do chamado “socialismo real” e da integração dos principais

quadros do partido aos espaços institucionais (como aqui já visto); se desenvolvem

na esteira do aprofundamento da política de alianças com a burguesia nacional e

internacional, que vai envolvendo cada vez mais o PT com grande capital e

afastando-o das lutas, da militância e dos movimentos sociais que foram a base de

sustentação do partido nas suas origens.

A concretização dessas mudanças na prática, com o PT no governo, não

seria uma grande surpresa. No entanto, o PT foi além, revelando que sequer as

pequenas reformas que prometiam seriam realizadas. Esta apreciação é assinalada

por ARCARY (2011, p. 157) ao descrever um breve balanço do PT no governo

central, o que demonstra que a estratégia de alianças com a burguesia como

mecanismo de conquista dos espaços institucionais, além de não ter avançado na

perspectiva da “acumulação de forças em direção ao socialismo” (como prometia o

programa democrático-popular), sequer foi capaz de realizar as tão prometidas

reformas:

O PT chegou ao poder em 2002 e o balanço, quase uma década depois, é desolador. As prometidas reformas foram arquivadas: não houve reforma agrária, não houve reforma urbana, o Brasil não desprivatizou a educação, a saúde e a previdência. Ao contrário, a concentração de terras nas mãos dos latifúndios aumentou, a especulação urbana deu saltos, a privatização do ensino, da saúde e da previdência não parou de crescer.

Embora não seja um objetivo desta exposição adentrar numa análise

aprofundada do governo do PT e suas medidas, parece evidente que para além do

giro programático, as ações do governo chamado “democrático-popular” não

concretizaram sequer as reformas progressivas cujas bandeiras foram levantadas

durante anos, eleição após eleição. A proposta que foi programada e executada

durante toda a década de 1990 de governar em conciliação com a classe dominante

levou o PT a conduzir por suas próprias mãos – com outras formas, mas com

conteúdo praticamente inalterado – a continuidade de uma política pró-burguesia. O

segredo da “disputa da hegemonia” no PT estava revelado. O importante era chegar

ao governo, não importava como. Tudo seria justificado como “acúmulo de forças”.

158

E, como não poderia deixar de ser, o governo “democrático-popular” não

alterou a correlação de forças e nem “abriu caminho para o socialismo”. Quando

Lula assumiu a Presidência da República pela primeira vez, em 2003, “sob a égide

da palavra de ordem ‘A esperança venceu o medo’ uma maré vermelha tomou as

ruas e praças. [...] A posse foi apoteótica. Os trabalhadores romperam o protocolo e,

simbolicamente, tomaram posse também” (DIAS, 2006, p. 144). No entanto, como

demonstra Edmundo Fernandes Dias, em poucos dias ficaria claro que o governo

não era dos trabalhadores:

O ministério contemplou posições políticas muito diversificadas. A agricultura e o desenvolvimento diretamente sob o controle dos empresários. A Fazenda reafirmou e radicalizou o acordo com o FMI. O Banco Central, ao qual o novo governo pretende conceder autonomia, era entregue a um ex-dirigente máximo do Bank of Boston, segundo maior banco credor do Brasil e deputado eleito pelo PSDB. [...] O projeto de autonomia do Banco Central, que o governo das mudanças colocou no seu programa, concederá a essa instituição poderes decisivos na determinação das nossas políticas macroeconômicas. Livre, é bom que se diga, de toda e qualquer pressão política das classes trabalhadoras. [...] O “mercado” ficou bem contemplado. Em grande medida, o segundo time, desse e de outros ministérios mantêm boa parte da equipe de [Fernando Henrique] Cardoso. Embora muitos militantes proclamem alto e bom som “somos governo”, o clima generalizado de euforia não é vivido por todos. Aos militantes cabe, e caberá sempre, a responsabilidade maior de não se deixar cegar pelos êxitos reais ou aparentes. Uma vitória eleitoral não apaga a história nem elimina as próprias diferenças existentes no núcleo duro dos vencedores. (Idem, ibidem, p. 144-145, comentário nosso)

Isto ocorre porque este tipo de aliança de classe promovida pelo PT não é

(e nem seria) capaz de dirigir a burguesia e nem mesmo se propor a empreender

algum tipo de mobilização da classe trabalhadora contra o capitalismo e o Estado

burguês (como prometiam as teses reformistas do PT), por uma razão simples: o

objetivo desse tipo de pacto consiste em dividir a gestão do capital com a burguesia

e apenas integrar-se ao capitalismo e seu regime. Aqui, o discurso da “correlação de

forças desfavorável” para justificar a não realização do programa (mínimo) se revela

como tática de escape: foram os reformistas do PT que prometeram realizar

reformas na base da negociação pelo alto com a burguesia. Abriram mão de um

projeto calcado na luta e na independência de classe e, com isso, ajudaram a

intensificar a dinâmica de refluxo organizativo da classe trabalhadora brasileira,

iniciada pela conjuntura dos anos 1990.

159

Ao estabelecer uma política de alianças com uma classe que, por sua

natureza social não pode se colocar no interesse dos explorados; que controla os

instrumentos coercitivos e os aciona quando os trabalhadores se mobilizam para

enfrentar o capitalismo; e que é dominante e dirigente – do ponto de vista material e

subjetivo – e, por isso, dispõe de mecanismos de controle e cooptação sobre o

programa político e a ação dos indivíduos que se envolvem em tais pactos; os

reformistas se mantêm reféns dos resultados práticos vistos até hoje em todas as

experiências históricas sustentadas nessa teoria: a chegada ao poder pelas eleições

de governos de conciliação de classe que terminam ou aplicando planos pró-

burgueses, ou, no limite, produzindo situações em que a burguesia, ao se sentir

ameaçada diante de uma fragilidade interna no governo, utiliza de métodos

reacionários para retomar seu controle40 – não encontrando grande resistência, pelo

fato dos reformistas jogarem todas as fichas nas instituições e não prepararem a

classe trabalhadora para um eventual momento de ruptura insurrecional.

No caso do PT, não foi preciso que a burguesia investisse em qualquer

tentativa de golpe. O partido já havia incorporado para si a necessidade de

submeter-se às exigências da burguesia para conseguir governar. E não poderia ser

diferente: não há consenso entre uma classe que aspira historicamente pela

propriedade privada; e outra pela sua coletivização. A busca pelo “consenso” sobre

um projeto comum entre classes antagônicas se traduz apenas na manutenção do

atual estado de coisas. A análise de DIAS (ibidem, p. 148-149, grifos e comentário

nossos) sobre o pacto concertado entre o PT e os representantes da burguesia

brasileira para viabilizar o governo de Lula ratifica esse entendimento:

... A necessidade de compor uma “base de sustentação” levou a uma sucessão de acordos pelos quais o projeto histórico das esquerdas, da oposição, vem sendo rifado, pura e simplesmente. Daí, o apoio ao fisiologismo peemedebista e o patrocínio da candidatura, para a Secretaria da Mesa Diretora da Câmara, de conhecido “anão do Orçamento” (Geddel Vieira, do PMDB-BA), indicado para cassação e salvo pela intervenção de Luiz Eduardo Magalhães, filho de ACM, articulador mor de FHC. [...] Que tipo de aliança é essa? Tudo isso é uma opção, nunca uma fatalidade. E as opções acabam por traçar seus limites e não apenas suas possibilidades.

40 Como exemplo dessa excepcionalidade histórica, podemos citar o governo de Salvador Allende no Chile, que governou o país em coalizão com setores burgueses de 1970 até 1973, prometendo instaurar o socialismo após sua vitória eleitoral. Ao assumir o governo, Allende tenta realizar uma reforma agrária e defende a nacionalização do parque industrial chileno, quando começa a sofrer ameaças e boicotes, até ser deposto por um golpe militar liderado por Augusto Pinochet.

160

Ganhar a eleição ou avançar o projeto de reconstrução da sociedade e das condições de vida da população? Essa polaridade real não apareceu durante o processo eleitoral [de 2002] em toda a sua dramaticidade. Tudo se passou como se existisse um automatismo tal que, ganhando as eleições, avançaríamos em marcha forçada para a construção do nosso projeto. As ilusões sempre são pagas muito duramente. Essa construção de uma “base de sustentação” no Parlamento tem um outro óbice fundamental. O governo torna-se, na prática, refém dela. E, como no (des)governo FHC, essa base fisiológica (do PL ao PMDB, entre outros) cobrará o seu preço. O governo, dependente dela, acabará por pagá-lo em detrimento das propostas de mudança. [...] O que dizer àqueles que, por exemplo, combateram a oligarquia Sarney? Que ele é fundamental na transição? Sarney é apenas um dos numerosíssimos adversários dos trabalhadores que hoje “garantem” as... reformas neoliberais da previdência e da estrutura trabalhista e sindical. Não é sem certa ironia que os tucanos falam em síndrome do violinista: “segura com a esquerda e toca com a direita”. Alianças? O problema reside, fundamentalmente, em como concebê-las e construí-las. Elas poderão ser decisivas no atual momento político ou serem um óbice à transformação social. Alianças se constroem, obviamente, com visões diferentes da nossa ou do nosso partido, como gostam de afirmar os nossos governantes, mas dentro de um campo político determinado. Obviamente que alianças localizadas em cima de “donos de votos” são muito perigosas. O que acrescentam ao projeto “democrático-popular” as alianças com Sarney e outros do mesmo naipe, para além dos votos em sessões parlamentares? Seguramente eles apoiarão as reformas que querem (a da previdência, a trabalhista e a sindical) lembrando que este era o programa de FHC e dos partidos da sua “base”. Obviamente, na hora em que estiver colocada a proposta de uma reforma tributária que ponha freio na sonegação e tribute, por exemplo, as grandes fortunas, esses mesmos aliados terão “razões de consciência” (leia-se: interesses materiais) antagônicos àquela reforma, pois esta, para ser efetiva e real, limitaria a liberdade do mercado.

E assim se deu, como não poderia ser de outra maneira. Os governos de

conciliação de classe, por resultarem de uma aliança entre organizações operárias e

setores burgueses, conseguem, evidentemente, demarcar diferenças entre aqueles

que são controlados diretamente pela grande burguesia. No entanto, essas

distinções – que podem se expressar em concessões mínimas para as massas, que

nem de longe são reformas e em dadas circunstâncias podem amortecer a luta de

classes – em momento algum são suficientes para afastar o seu caráter burguês. Ao

contrário, esses governos promovem profundas ilusões na classe operária e uma

forte descaracterização dos movimentos sociais, uma vez que conseguem – a partir

do prestígio dos caudilhos operários e da origem social dos governantes que

compõem esse tipo de bloco – disseminar um sem número de ilusões entre os

explorados, como se esses governos – cúmplices de qualquer repressão à luta

contra a ordem capitalista – fossem realmente seus.

161

É desse modo – fomentando inicialmente uma concepção de Estado

universal, que é eventualmente burguês apenas pelo caráter do governo de turno

que está à sua frente e, portanto, pode ser modificado sem a luta direta da classe

trabalhadora, mas apenas com acordos com a burguesia para chegar ao poder –

que o reformismo, mesmo quando procura se fundar em bases materialistas-

dialéticas (como fizeram a maioria dos petistas “gramscianos”), não somente rompe

com o marxismo, mas se transforma numa “esquerda” que não se ocupa em

estabelecer táticas e estratégias que visem o impulso à luta de classes e a

transformação social.

Pior do que isso, optam por um projeto de gerência do capitalismo, sem

apontar qualquer perspectiva socialista ou horizonte de luta de classes que sugira

outro modelo de sociedade, apostando numa via de administração do capital,

sempre se justificando com a necessidade de evitar “o mal maior”.

Esta “esquerda”, advogando validade ao reformismo, termina por

promover conscientemente e junto com a burguesia, pactos permanentes de

“humanização do capitalismo” – como se esta fosse realmente uma saída possível

dentro de um sistema social com natureza exploratória –, amaldiçoando cada vez

mais a luta política dos trabalhadores em detrimento das conciliações que

obstaculam o enfrentamento de classes. Foi o que ocorreu com o PT:

Jogar todas as cartas na institucionalidade sem mobilização popular é aceitar travar um embate entre David e Golias, em que este último tenha, a priori, na prática, quase todas as condições de êxito. Com essas alianças, contraditórias com o programa histórico e mesmo entre si, o governo acaba por abrir mão daquele programa. Por que e para que? Para ter a confiança do mercado e realizarmos o programa desse mesmo mercado, leia-se, do capitalismo? Os aplausos de Davos são sintomáticos. Os organismos financeiros internacionais já compreenderam que a questão da miséria é grave e, por isso mesmo, deve ser enfrentado com políticas... focalistas, assistencialistas. Mas nada que altere a ordem capitalista na sua essência. (Idem, ibidem, p. 149, grifos nossos)

Mas oferecer um pouco mais de migalhas aos trabalhadores, submeter-se

momentaneamente aos ditames capitalistas não seria um primeiro passo para

acumular forças enquanto se ganha a “hegemonia” na sociedade? Não poderia ser a

“tática da tática”, diante de uma coalizão que estaria “em disputa”? Tudo pode ser

alegado, mas esta afirmação oculta o fato de que as mudanças no PT ao longo de

sua história tenderam sempre para a direita, apesar da luta interna.

162

Se até o início da década de 1990 o PT concretiza a transformação de

uma organização com traços anticapitalistas em suas origens para um partido

eleitoral (apoiada teoricamente em teses eurocomunistas); o aprofundamento das

práticas reformistas, a perda do caráter militante, a quebra do vínculo com as lutas

sociais e sua integração ao Estado terminam conduzindo o partido a uma segunda

transfiguração: o PT sai da condição de um partido de programa e estratégia

reformistas para transformar-se numa legenda cujo programa apresentado segue

sendo pretensamente de reformas, no entanto, com prática liberal e sem ter mais o

socialismo como referência (mesmo que num horizonte indefinido).

É evidente que a vocação de um partido cujo projeto é fazer reformas é

concretizar isso na prática, afinal, seria uma vitória estupenda do PT conseguir

realizar as reformas mais importantes que havia se proposto a fazer, sem que para

isto fosse necessário romper com o quadro de conciliação que concertou com a

burguesia. Sem fazer grandes concessões e realizando apenas algumas políticas de

caráter compensatório, ao mesmo tempo em que atende aos interesses mais plenos

do capital, o PT conseguiu se manter de modo relativamente estável nos últimos dez

anos, que dirá e se conseguisse realizar reformas.

Contudo, ao se inebriar com a estratégia de chegar ao governo a

qualquer custo, ignorou a realidade da fase contemporânea do capitalismo que,

como veremos adiante, não permite a possibilidade de grandes reformas sem que

haja lutas muito poderosas, e, durante o curso desse processo, incorporou como sua

tarefa administrar o capital. O PT de fato se transformou, não foi uma “tática

programada” que deu errado ou que ainda necessitaria de acumulação. Se assim

fosse, o PT no governo teria feito ajustes na política, ido à esquerda ainda que não

rompesse totalmente, teria enfrentado a burguesia, mostrado algum grau de

compromisso com o projeto que defendeu no passado. Mas ocorreu justamente o

inverso. Cada vez mais refém da “governabilidade”, o PT se nega a desenvolver

qualquer política que possa abalar a relação com seus aliados.

A partir daí, não havia mais como olhar pelo retrovisor e dar marcha ré. O

controle sobre o carro já estava perdido, nas mãos de choferes muito fiéis. Desde

antes de chegar ao governo “a burguesia não é mais tratada como ‘inimiga’”

(SINGER, 2001, p. 88) e isso se deve ao fato do PT ter se transformado em pilar de

sustentação do sistema capitalista e do seu regime.

163

Cumpre dizer, evidentemente, que não foi todo o PT que foi transformado.

Mesmo com a quase totalidade dos setores revolucionários tendo sido expurgados e

ainda que a esquerda petista majoritariamente se negue a travar uma luta aberta

contra a Articulação, não significa dizer que inexistem os que não foram

corrompidos. No entanto, a incorporação do bloco hegemônico – cujo controle sobre

o partido se mantém inabalável – aos valores, às práticas e às perspectivas da

classe dominante, conduziu o PT de conjunto a um processo de ruptura dos seus

vínculos com a classe trabalhadora e os seus interesses.

As indicações teóricas acerca do projeto do PT aqui trabalhadas –

materializadas nos conceitos de Estado, democracia e revolução, devidamente

adaptados a uma lógica reformista – são o pano de fundo dessa dinâmica de

submissão dos seus principais ideólogos e dirigentes às práticas reais que

conduziram o partido a mudanças com esse grau de profundidade, ou seja, ao

transformismo, a uma incorporação à lógica e ao interesse da gestão capitalista,

como projeto da classe dominante.

É a partir das referências teóricas e políticas aqui tratadas que este

trabalho busca, adiante, apontar como indicação conclusiva a reafirmação de que o

exemplo do PT sugere a falência da estratégia reformista – e seus desdobramentos

de conciliação de classe e recusa à disputa do poder que dela decorrem – na época

histórica atual.

4.2 O transformismo petista: governar para mudar ou mudar para governar?

A transformação do PT numa máquina de administração capitalista jamais

poderia ser demonstrada apenas pelas movimentações da direção do partido, ainda

que isto tenha tido um peso importante. Apesar da intenção da Articulação em

transformar o PT num partido eleitoral e em que pese toda a operação que foi feita

para concretizar isso, jamais se pode dizer que tudo dependeu da simples vontade

da ala reformista. Como tudo na realidade, a história de um partido é a história das

suas posições, mas também da sua prática, da conjuntura que atravessou o seu

desenvolvimento, de como se sustenta materialmente, sua relação com o

movimento das classes, sua composição social, etc. Foi, portanto, a dinâmica do

conjunto desses componentes que fez o PT ser o que é hoje.

164

Inclusive, todo o conjunto dos movimentos realizados pela Articulação – a

mudança das posições políticas, o enquadramento das tendências, a supressão dos

núcleos de base, a existência de uma luta teórica para fazer crer que o giro à direita

do partido era necessário e condizente com uma proposta de “socialismo”, etc. –

relacionou com os momentos históricos, as mudanças na conjuntura e o

estabelecimento de vínculos na realidade. Basta dizer que durante a década de

1980, a opção dos reformistas foi de tentar frear as posições claramente ligadas à

idéia de revolução, mas, no entanto, incorporando um programa de ruptura,

afirmando a importância do classismo e defendendo uma idéia – ainda que vaga –

de “socialismo”. Naquela circunstância, marcada por um forte ascenso da classe

trabalhadora e por uma fase de consolidação do PT, a realidade impedia uma

inflexão mais aguda.

Já após as eleições de 1989, a Articulação muda a postura até então

adotada e intensifica a sua inflexão em direção à conciliação de classes e ao

reformismo de maneira explícita, além dar início a um duro processo de

disciplinamento das tendências. Mas isto só foi possível porque a quase vitória

eleitoral de Lula contra Collor, o processo de adaptação pelo qual passava o partido

à frente das prefeituras, o fim do chamado “socialismo real” e o início de uma

conjuntura de refluxo davam base de sustentação para que a política da ala

majoritária concretizasse definitivamente, naquele momento, a transformação

definitiva do PT. Por outro lado, apesar da forte inflexão, pouco tempo depois do I

Congresso Nacional do partido (1991), com a expulsão da Convergência e a ruptura

de dissidências no seio da Articulação – que havia girado demais à direita e, por

isso, perdeu momentaneamente a direção do PT –, a ala hegemônica se sentiu

obrigada a qualificar o seu debate e sustentar suas posições em base a teses

supostamente “marxistas” e de “defesa do socialismo”, para tentar re-aglutinar ao

redor de si os setores vacilantes.

No mesmo sentido, o aprofundamento do processo de transformação do

PT após as eleições gerais de 1994 também foi resultado não apenas da crescente

ânsia da ala reformista do PT em chegar ao governo. Essa intenção já existia desde

a década de 1980 e isso foi demonstrado à exaustão, no entanto, era o

desenvolvimento da conjuntura e da dinâmica da luta de classes que empurrava

aqueles que já tinham claro qual a sua visão estratégica para assumir cada vez mais

essas posições na realidade.

165

Conforme assegura SINGER (Ibidem, p. 64), “o impeachment de

Fernando Collor, em setembro de 1992, parecia prenunciar o melhor dos mundos

para o PT na eleição presidencial de 1994. O partido, embalado pelas pesquisas que

apontavam Lula com mais de 40% das intenções de voto”, estava confiante na

vitória. O país atravessava uma crise profunda de governo, com a confiança no

Executivo abalada pelas denúncias de corrupção e devido às massivas mobilizações

populares que exigiram a queda de Collor – contrariando a conjuntura aberta pela

queda dos estados operários do Leste Europeu, ao explodir como um pico de

ascenso em meio a uma tendência geral de refluxo que se desenvolvia. Além disso,

o país vivia uma escalada inflacionária violenta, variando entre taxas de 30% e 40%

ao mês. Com a confirmação do impeachment e a chegada de Itamar à Presidência

da República, apesar da vacilação inicial da Articulação – que dialogava com o

PSDB e cogitava a possibilidade de não se opor ao novo governo –, o PT acaba

assumindo seu papel de oposição e capitalizando eleitoralmente boa parte da

insatisfação popular.

Em maio de 1993, Fernando Henrique Cardoso (FHC) assume o

Ministério da Fazenda do governo Itamar Franco, com o compromisso de acabar

com a inflação. FHC e sua equipe implantaram o Plano Real, um plano de

estabilização da economia que, dentre outras coisas, estabelecia a abertura

econômica para facilitar uma maior oferta de produtos (e assim baixar os preços), a

desindexação da economia41, a valorização do câmbio e o aumento da taxa de juros.

Embora a política de FHC no ministério seja marcada também por uma

forte contenção de despesas públicas (o que pavimentou o terreno para as

privatizações e os planos de demissão dos trabalhadores nas estatais mais adiante),

o Plano Real conseguiu, nos poucos meses que antecederam das eleições, reduzir

e estabilizar a inflação (seu objetivo principal), gerando uma sensação de alívio para

o povo. O êxito inicial do plano tornou FHC o homem mais poderoso do governo

Itamar, além de seu candidato natural à sua sucessão. Assim, FHC elegeu-se

Presidente do Brasil em outubro do mesmo ano, contrariando as aspirações do PT.

41 Após anos de inflação recorrente, os agentes econômicos passaram a indexar os preços aos índices de inflação. Assim, os preços iam aumentando conforme o índice da inflação, com repercussão na moeda, que também precisava ser constantemente “valorizada” para que o poder aquisitivo da população não caísse bruscamente. A principal ação da desindexação promovida por FHC no governo Itamar foi a adoção da URV (Unidade Real de Valor), que era definida diariamente através de um cálculo, usando como base uma média diária de inflação envolvendo uma cesta de índices inflacionários, cuja conversão era obrigatória. Desse modo, os preços deixaram de ser corrigidos automaticamente pela inflação e em poucos meses os índices inflacionários caíram de patamares que chegavam a quase 50% ao mês, para uma média que variava entre 4% e 7%.

166

A derrota eleitoral e a força do governo recém eleito deram mais espaço

para Articulação e demais setores reformistas reclamarem por uma política ainda

mais moderada, a ponto de membros da direção do partido se sentirem à vontade

para expressar suas similaridades com o PSDB, como demonstra o artigo de

WEFFORT (1994, grifos e comentário nossos), publicado no dia seguinte após o

resultado das eleições na Folha de São Paulo, com elogios explícitos a FHC:

Se sua obra [de FHC] permite alguma previsão sobre a sua conduta futura, esta será a de um chefe de Estado empenhado na modernização e na democratização da sociedade brasileira. Ele desejará que o país continue crescendo mas que seja menos injusto – esse é o ponto. Significa dizer, desde logo, que quem quiser fazer oposição ao novo governo, supondo que seu presidente é um conservador, estará tomando o caminho errado.

Na verdade, a imensa maioria do PT foi surpreendida pelo Plano Real

(que deslanchou num momento muito próximo das eleições) e pela força da

candidatura FHC, que havia conquistado a vitória em primeiro turno. Mas, no

momento do balanço, durante o X Encontro Nacional do partido (1995), a fatura pela

derrota foi cobrada da maioria da esquerda petista que havia ganhado a direção do

partido no encontro anterior. Este balanço foi utilizado de forma muito incisiva não

apenas em função da disputa pela direção do partido, mas sobretudo para sinalizar

a necessidade de mais inflexões à direita:

... A vitória de Fernando Henrique Cardoso, no primeiro turno das eleições de 1994, constituiu-se em um duro golpe para o Partido dos Trabalhadores, para as esquerdas e para as forças populares no Brasil. [...] [...] A avaliação dos resultados das eleições deve ser feita no marco mais geral de uma análise profunda de suas causas, que seja capaz de determinar o peso de fatores conjunturais, as responsabilidades da Direção Nacional, em particular da Coordenação da Campanha, mas também os fatores estruturais que existiam há muito tempo, bem antes das eleições. Esta avaliação, já iniciada, deve ser dura, descarnada, não deixando espaço para atitudes auto-complacentes por parte do Partido. Não pode ser, no entanto, a ocasião para mesquinhos ajustes de conta. [...] [...] A despeito dos avanços de nosso Programa de Governo, que buscou construir uma alternativa ao neoliberalismo e ao nacional-desenvolvimentismo, não tivemos condições de levar nosso programa às grandes massas e perdemos a batalha no campo das idéias. Esta derrota viu-se fortalecida pelo peso que passou a ter o plano antiinflação, cuja eficácia subestimamos, ainda que pouco pudéssemos fazer em direção contrária.

167

[...] A derrota de 1994, entre outras lições, convida a uma reflexão mais crua sobre nossa imagem na sociedade, sobre o efeito exterior de nossas lutas internas, sobre as ambigüidades políticas e ideológicas que temos, sobre nossas dificuldades em realizar um ajuste de contas mais severo com as duas heranças socialistas deste século: o comunismo e a social-democracia. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1995a, grifos nossos)

Mais uma vez, a realidade oferecia as condições para a concretização de

mudanças no PT. O único ponto positivo avaliado pelo partido no X Encontro

Nacional foi justamente o fato do PT ter conseguido “aumentar sua representação no

Congresso para 50 deputados e cinco senadores” (Idem, ibidem), além de pela

primeira vez eleger “dois dos seus militantes para governar estados” (Idem, ibidem).

Com isso, as pressões institucionais aumentavam e o aprofundamento das

condições externas e internas reconduziria a hegemonia ao chamado Campo

Majoritário – uma composição da Articulação com a tendência Democracia Radical,

oriunda da antiga Nova Esquerda, esta por sua vez uma das alas que se constituiu

após a dissolução do PRC42 – já neste X Encontro Nacional. E a partir daí, o Campo

Majoritário demonstraria que sua mão seria muito firme na centralização do partido:

... não se deve transformar a avaliação do último período num ajuste de contas revanchista. Apontar os limites e erros cuja evidência, de resto, dispensam comentários, deve constituir-se em um gesto construtivo, visando sua superação. Embora a responsabilidade maior pelos erros e acertos de direção caiba à atual maioria, as minorias não podem deixar de assumir sua parte. [...] Transcorridos dois anos, verifica-se enorme distância entre a proposta vitoriosa no 8º Encontro e a realidade efetiva do Partido. [...] A nova direção, marcada pela falta de um projeto coerente e pela carência de solidariedade interna, foi incapaz de elaborar e viabilizar políticas que permitissem ao Partido superar os seus impasses organizativos e políticos. A situação, que em 93 já era preocupante, agravou-se. [...] A tendência à burocratização, à primazia da luta interna sobre a luta política e social contra nossos adversários, a desconfiança e suspeição generalizadas, afastaram ainda mais o Partido da vida e da agenda real de nosso povo. [...]

42 A Nova Esquerda surgiu do PRC (Partido Revolucionário Comunista), que em 1989 definiu sua dissolução em função da evolução de posições que defendiam a ruptura com o marxismo, impactados pelo fim da União Soviética e a queda dos estados operários do Leste Europeu. No início dos anos 1990, a Nova Esquerda segue aprofundando sua crítica ao marxismo e se alinha às posições da Articulação, agora sob o nome de Democracia Radical (DR). Tendo José Genoíno como seu principal quadro, a DR define em 2001 se dissolver na Articulação. Uma análise da evolução do PRC até se transformar em Democracia Radical pode ser encontrada na obra Uma esquerda para o capital: o transformismo dos grupos dirigentes do PT (1979-1998), de Eurelino COELHO (2012).

168

A governabilidade do Partido depende da constituição de uma direção que tenha legitimidade e autoridade políticas e seja capaz de formar maiorias para tomar decisões e executá-las. Esta governabilidade só será legítima se a minoria acatar e implementar as decisões tomadas pelas instâncias partidárias e a maioria respeitar os direitos das minorias. (Idem, 1995b, grifos nossos)

Com o Campo Majoritário no controle, o PT consegue mais avanços

eleitorais em 1996. Apesar das perdas das prefeituras em Belo Horizonte, Goiânia,

Rio Branco, Santos e Diadema, “com a maior influência no interior, o número de

prefeituras governadas pelo PT crescerá em 100% no pleito de 1996, indo para 115

dentre os 5.378 municípios” (SINGER, 2001, p. 62).

O crescimento eleitoral de 1996 aumentou as expectativas para as

próximas eleições presidenciais em 1998. Apesar de duras medidas neoliberais

como a venda da mineradora estatal Vale do Rio Doce e a quebra do monopólio

estatal das telecomunicações (privatização da Telebrás) e do petróleo, a

popularidade de FHC era muito alta, devido à estabilização da inflação com o Plano

Real.

O governo de fato tinha o apoio da população, a ponto de se sentir à

vontade para encaminhar uma proposta de lei que dava direito a FHC se reeleger

mais uma vez. Contudo, há um ano antes das eleições, durante o XI Encontro

Nacional, o PT avaliava que esse quadro estava se alterando e que derrotar FHC

era possível: “A despeito da atual correlação de forças, que começa a mudar, vamos

disputar as eleições para vencer” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1997). Por outro

lado, pressionado pelo prestígio de FHC, o PT aprofundava a sua capitulação às

necessidades eleitorais. Apesar de dizer que era necessário “dar continuidade à

construção de proposta programática e candidatura única, que expressem

alternativa ao neoliberalismo” (Idem, ibidem), o PT cedia ao apelo do “Estado

mínimo” ao afirmar que “o governo lança mão de privatizações, destruindo o

patrimônio nacional, [mas] sem que se formule uma estratégia de política

industrial e desenvolvimento alternativo” (Idem, ibidem, grifo e comentário

nossos); ou seja, o problema não era mais privatizar, e sim, se havia alguma

alternativa administrativa possível frente às políticas neoliberais.

A consolidação dessa adaptação da proposta programática ao senso

comum seria selada no ano seguinte (1998), durante o Encontro Nacional

Extraordinário, que foi chamando para homologar a chapa Lula-Brizola nas eleições:

169

O Programa Lula-98 não é um Plano de Governo, ainda que reúna suas diretrizes fundamentais. [...] Deve ter um texto coerente, sólido teoricamente, realista e que leve em conta a correlação de forças sociais e políticas do País. Para cumprir sua função mobilizadora, deve propor alterar essa correlação de forças. É bom lembrar a reflexão de Lula após a derrota de 1994: “para mudar o País não basta ganhar as eleições; para ganhar as eleições é necessário mudar o País.” O Programa deve perseguir esse objetivo de mudar a relação de forças. O Programa não se confunde com o programa socialista do PT ou com os dos outros partidos da Frente. Suas reivindicações se inserem em uma transformação de longo prazo e refletem o Brasil e o mundo que queremos, ainda que esses objetivos não sejam alcançados no prazo de um governo. [...] [...] O Programa deve ser de fácil entendimento, breve, sintético e centrado nas questões fundamentais. [...] O Programa deve ser concreto, com objetivos e metas, se possível quantificadas. Deve mostrar de onde virão os recursos, que obstáculos jurídicos e políticos existem e como serão superados. O resultado deve ser um documento que tenha credibilidade e aponte para soluções originais. ... (Idem, 1998, grifos nossos)

Apesar das palavras de “oposição ao neoliberalismo”, das promessas de

fazer política “sem subordinar-se aos humores do eleitorado” (Idem, ibidem), a

prática do PT já não tinha mais nenhuma correspondência com esse discurso. O

partido, que nas eleições de 1994 adotou o slogan “Feliz 94” para evitar ser

relacionado com qualquer perfil radical, na prática se curvava política e

programaticamente a uma conjuntura que havia girado à direita.

A avaliação de que a “candidatura FHC tem densidade eleitoral, está

articulada com o grande empresariado, tem apoio internacional, recursos, tempo de

TV e rádio e uma ampla coligação de partidos” (Idem, ibidem) significava, portanto, a

busca por superar o adversário eleitoral no mesmo terreno e com os mesmos

métodos, buscando mais votos e financiamento, articulando com a burguesia e

ampliando o arco de alianças. Além da continuidade da “Frente com o PSB e

PCdoB, ampliando-a para o PDT, sem descartar alianças com personalidades do

PMDB que se opõem ao neoliberalismo e ao governo FHC” (Idem, ibidem), o próprio

acordo do PT com o PDT (candidatura de Brizola a vice-presidente) pressupunha

que “em troca o PT deveria apoiar a candidatura de Anthony Garotinho [...] no

estado do Rio de Janeiro” (GARCIA, 2011, p. 99). A ampliação das bases eleitorais

da candidatura de Lula era o objetivo a ser perseguido, valendo para conquistar isso

fazer qualquer negócio.

170

Mas, apesar de todo o esforço em tornar o PT cada vez mais aceitável

aos olhos de um eleitorado conservador e simpático a FHC, numa conjuntura de

refluxo, a eleição de 1998 foi praticamente uma reedição de 1994, com mais uma

vitória do PSDB no primeiro turno.

“A chapa Lula-Brizola obtém 31,7% dos votos válidos, o que equivale à

soma do que os dois haviam tido, separados, em 1994” (SINGER, 2001, p. 66) e

apesar de um avanço considerável na conquista de postos institucionais (o PT elege

três governadores de estado, 58 deputados federais e mais 3 senadores), a terceira

derrota eleitoral de Lula abatia o PT e empurrava-o mais à direita. Prova disso é que

no ano seguinte, quando realizou seu II Congresso Nacional e aprovou o Programa

da Revolução Democrática para a construção de um Brasil livre, justo e solidário, o

PT já se posicionava abertamente pela sua integração à lógica capitalista no mundo,

resgatando o velho projeto nacional-desenvolvimentista defendido pelos partidos

comunistas que até então era rejeitado em palavras nas resoluções do partido:

Para realizar esse ambicioso programa de transformações sociais e políticas é fundamental que o Brasil ocupe outro lugar no mundo. A compreensão teórico-política dos processos de globalização, acentuados nos últimos anos, coloca a necessidade de conviver com a economia mundial desde uma perspectiva soberana. Isso significa que para vincular- se à economia mundial é necessário, ao mesmo tempo, construir um projeto nacional de desenvolvimento. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1999, grifos nossos)

Além do abandono de qualquer traço anticapitalista em seu programa, era

visível que ali o PT já estava totalmente contrário a “desrespeitar a

institucionalidade” burguesa e que o partido já havia alterado qualitativamente a

relação com os movimentos sociais e com qualquer espécie de manifestação mais

radical. As posições do PT durante o declínio do governo FHC confirmam isto.

Já no primeiro ano do segundo mandato (1999), FHC via sua

popularidade cair vertiginosamente. Os resultados do Plano Real não se mostravam

mais consistentes, o efeito efêmero da estabilidade havia chegado ao fim junto com

uma forte crise na economia internacional. Apesar do controle inflacionário inicial

bem sucedido, a implementação das medidas econômicas de juros elevados e baixo

investimento estatal, associadas a um câmbio sobrevalorizado, gerou, ao longo dos

anos, um acúmulo de problemas econômicos estruturais.

171

Com o real sobrevalorizado em relação às demais moedas, o déficit

comercial e o enfraquecimento da indústria nacional foram inevitáveis. Os setores

importadores da economia foram fortalecidos diante da facilidade para a compra de

produtos em dólar em detrimento dos setores exportadores, cujos produtos ficavam

mais caros e cujas vendas no exterior caíam. Como conseqüência disso, se

avolumou o saldo negativo na balança comercial e um baixo crescimento do PIB,

associados a um processo de desindustrialização. Os juros elevados, por sua vez,

era a política adotada pelo governo para manter o fluxo de capitais estrangeiros no

país, para tentar equilibrar a balança de pagamentos.

Manter o funcionamento dessa política significava, portanto, injetar

recursos na manutenção do câmbio e seguir com altas taxas de juros, cujas fontes

de custeio eram o aumento do endividamento público e os recursos obtidos pelos

processos de privatização das empresas estatais. Quando desatou a crise

econômica na Ásia (1997), seguida da crise russa (1998), o preço das commodities

exportadas pelo Brasil caiu vertiginosamente e o crédito externo foi reduzindo,

dificultando a captação recursos no exterior. Como os recursos oriundos das

privatizações já não eram mais suficientes para manter o câmbio sobrevalorizado

estável, o choque de preços no exterior fez esse desequilíbrio se tornar ainda maior,

começando um ciclo de desvalorização da moeda brasileira a partir de 1999.

Essa desvalorização da moeda, combinada com o conjunto de medidas

neoliberais de FHC instalaram uma recessão no país, impondo o aumento do

desemprego, dos impostos, dos cortes nos investimentos sociais e do arrocho dos

salários dos trabalhadores. Isto faz com que a popularidade de FHC despenque e as

possibilidades de construção de uma alternativa de governo encabeçada por Lula se

abram, com um amplo setor de classe média se posicionando contra a política

neoliberal do PSDB.

Mas, o declínio da popularidade do governo de FHC e o fortalecimento de

Lula como alternativa não foram suficientes para fazer com que o PT fosse à

esquerda. “Depois da desvalorização da moeda em 1999, os setores médios se

afastaram lentamente do governo FHC e do PSDB, que sangravam com sucessivos

escândalos de corrupção, enquanto o PT girava à direita, despudoradamente”

(ARCARY, 2011, p. 64), a ponto de impor ao movimento Fora FHC – iniciado ainda

em 1999, com a participação da CUT, MST e diversas organizações de esquerda –

um caráter completamente institucional:

172

O Partido dos Trabalhadores assume [...] o compromisso de continuar na ofensiva política contra o governo FHC, denunciando a corrupção, a destruição do patrimônio público e a liquidação da soberania nacional. O Diretório Nacional impulsionará a mobilização popular e, levando em conta as condições objetivas da conjuntura e das alianças do campo da oposição e da sociedade, definirá os próximos passos políticos e institucionais para derrotar FHC. [...] Derrotar FHC – na prática e não apenas na esfera do desejo – é acumular forças, através da luta cotidiana de resistência e libertação, para construir as bases sociais e políticas de um governo verdadeiramente popular. Derrotar FHC e as elites dominantes é mais, muito mais, do que propor a substituição do governante. É criar, isto sim, as condições práticas para mudar democraticamente de governo e de bloco político-social hegemônico. Para mudar de visão de mundo e de valores éticos. Para mudar de projeto histórico. [...] Para o PT, as esquerdas e os movimentos sindical e popular, a questão de fundo é como aumentar as mobilizações e criar uma alternativa de governo, pois pelas experiências das “diretas” e do impeachment de Collor, é evidente que não bastam a renúncia, o afastamento do presidente ou mesmo sua derrota eleitoral; é preciso formar uma aliança social e uma coalizão política para governar. Perseguir de modo coerente e conseqüente – este objetivo – o de derrotar pela via democrática o governo e substituí-lo por outro radicalmente alternativo – supõe apresentar ao país, cada vez com maior intensidade e contundência, na esteira das manifestações populares dos últimos meses, uma plataforma alternativa e um Plano de Lutas. Assim seremos capazes de entusiasmar multidões, dar-lhes uma perspectiva política palpável e concreta e comprometê-las cada vez mais com a construção de um novo governo. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1999, grifos nossos)

Conforme afirma ARCARY (2011, p. 66), “a campanha pelo Fora FHC de

1999 tentava mimetizar o que tinha sido a campanha do Fora Collor em 1992, e

ameaçava crescer em um contexto de intenso mal estar provocado pela

maxidesvalorização do real”. No entanto, a posição do PT, como se vê pelas

resoluções aprovada no II Congresso Nacional, não era a de incentivar as

mobilizações para derrubar FHC, e sim, de desgastá-lo eleitoralmente, numa postura

de clara subordinação da ação direta dos movimentos sociais às iniciativas

eleitorais. O episódio do Fora Collor de 1992, que culminou com a expulsão da

Convergência Socialista do PT, agora se repetia novamente em 1999. O PT não

queria ir às ruas para derrubar FHC, havia se comprometido com a

institucionalidade, seu objetivo era vencê-lo “democraticamente”, através das

eleições.

173

Esta era uma posição compreensível vindo de uma organização que tinha

nas eleições a sua estratégia e que, portanto, temia que as massas aprendessem o

caminho para derrubar governos. Em 1999, era FHC, mas mais adiante, poderia ser

um governo do PT. Não foi por acaso, portanto, que “o posicionamento inflexível da

direção do PT – José Dirceu condicionou a sua eleição à presidência do PT à

derrota da moção pelo Fora FHC – demonstrou ao governo Fernando Henrique a

disposição de bloquear qualquer movimento social” (Idem, ibidem, p. 66-67) que

pudesse colocar em risco a “disputa pela via democrática”. “As eleições municipais

de 2000 e as de 2002 oferecerão extraordinária oportunidade para derrotar FHC e

fortalecer a alternativa popular” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1999) e isto

bastava, revelando que os compromissos do PT com a governabilidade das

instituições se comprovavam em definitivo, e, dessa vez, não havia “outra

Convergência Socialista” para pressionar o PT, até ser expulsa. Todas as

tendências, derrotadas, foram disciplinadas pela Articulação/Campo Majoritário.

Como era de se esperar, o PT, que buscou “fazer com que as eleições

municipais de 2000 assumam um papel de plebiscito sobre o governo [FHC] e sua

política econômica” (Idem, ibidem, comentário nosso), teve naquele ano a mais

importante vitória eleitoral de sua história até então, conforme atesta o balanço

aprovado nas resoluções do XII Encontro Nacional, no ano seguinte: “Já no primeiro

turno [o PT] obteve 11.938.753 votos, um crescimento de 51,2% em relação a 1996.

Com a vitória em 187 municípios, os prefeitos petistas vão administrar 28,8 milhões

de habitantes. O PT elegeu ainda 131 vice-prefeitos e 2.485 vereadores” (Idem,

2001). Isto significa que ali o PT “passará a governar 17,5% da população brasileira”

(SINGER, 2001, p. 63), consolidando-se como um partido viável eleitoralmente.

Com um partido mais sólido do ponto de vista eleitoral e sem a pressão

de um governo neoliberal – que antes tinha prestígio com a população, mas naquele

momento se encontrava em decadência –, parecia não mais haver motivos para o

PT seguir se inclinando à direita, sob o argumento de se aproximar do eleitorado

conservador. Contudo, o que aconteceu foi o inverso. Para as eleições de 2002, o

PT definiu ampliar o arco de alianças “com forças políticas de esquerda e de centro

que estejam em oposição ao governo FHC” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO,

2001), aprofundar o programa de gestão capitalista visando “dar previsibilidade e

estímulo ao capital produtivo” (Idem, ibidem) e estabelecer, desta vez de forma

aberta, um pacto com a burguesia para que Lula pudesse governar o país:

174

... Fazer da elaboração do programa de governo um momento de aglutinação das diferentes experiências e reflexões no âmbito do PT, dos partidos aliados e da sociedade civil brasileira, solidamente referenciado nas questões macrorregionais e nas características da cultura nacional, segundo quatro vertentes assim definidas: a) experiências de governos; b) acúmulo das áreas acadêmicas e técnico-científicas; c) contribuições da sociedade (empresariado, igrejas, instituições sociais etc.); ... (Idem, ibidem, grifos nossos)

A explicação para que o PT, mesmo diante da iminência da vitória

eleitoral em 2002, tenha conscientemente aprofundado o seu curso à direita,

repousa precisamente na mudança da sua natureza enquanto partido, na sua

transformação em um instrumento de administração do capital. A provável vitória de

Lula em 2002 (como de fato aconteceu), longe de pressionar o partido à esquerda,

só intensificou o giro iniciado no início da década de 1990 e isso se deve justamente

ao fato de que quando o PT conseguiu sua “maturidade eleitoral” já havia se

integrado de modo irreversível à ordem capitalista, já tinha perdido os laços

orgânicos com os movimentos sociais, já havia estabelecido compromissos e se

transformado o suficiente para não conseguir voltar mais atrás, pois do contrário

romperia com sua principal meta, que era governar com a permissão da burguesia.

Como todo partido eleitoral, adaptado à institucionalidade e com o

objetivo de chegar ao governo para gerir o capitalismo, o seu programa de governo

não poderia mais ser de enfrentamento ou de ruptura com a ordem do capital, pois

isto geraria crises e conflitos com os setores da burguesia com os quais o PT

buscava estabelecer alianças. Por isto o respeito à governabilidade das instituições,

a política mais branda, a ruptura completa entre o programa do partido (com

excertos abstratos de “socialismo” que contemple as alas internas de “esquerda”) e

os planos reais de governo, e a referência programática pautada em interesses

“gerais”, “da sociedade”, e não mais adequada aos anseios dos trabalhadores.

Contudo, quais os elementos que permitem falar de uma transformação

do PT? E por que atestar uma irreversibilidade de sua condição de gerente do

capital? Isto pode ser explicado pela análise do processo de transformismo, conceito

desenvolvido por GRAMSCI (2002, p. 63) que define, sinteticamente, os fenômenos

de “absorção gradual mas contínua, e obtida com métodos de variada eficácia, dos

elementos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversários e que pareciam

irreconciliavelmente inimigos”.

175

Referenciando-se no conceito de Gramsci, pode se afirmar que o que se

operou no PT foi um transformismo (podendo este se dar de modo individual ou em

grupos) que culminou com a absorção de dirigentes e/ou organizações oriundas da

classe trabalhadora ao bloco de poder da sociedade capitalista, fazendo com que

estes abandonassem suas posições e concepções políticas, passando a integrar os

interesses da classe dominante.

É evidente que em se tratando de um partido que abriga em seu interior

diversas tendências e influencia amplos setores, falar em um transformismo de todo

o PT seria, no mínimo, uma análise superficial e apressada. Até porque, a própria

existência de tensões e críticas acerca dos rumos do PT adotados pela

Articulação/Campo Majoritário, revela que o processo de transformismo não se dá

sem contradições. Nem sempre a subordinação e a capitulação política à ala

majoritária (prática comum à quase totalidade da esquerda petista), em nome da

defesa do partido que consideram “em disputa”, é sinônimo de uma absorção

desses grupos pela classe dominante. O transformismo, como prática, pode

inclusive não necessariamente ser resultado de uma ação intencional e organizada,

mas “também de modo ‘espontâneo’, isto é, não planejado com vistas àqueles

objetivos singulares” (COELHO, 2012, p. 299), o que poderia supor a necessidade

de uma luta contra o processo e não contra os indivíduos e os grupos que se

submetem ou não coíbem as pressões transformistas.

Entretanto, o transformismo das tendências majoritárias e da maioria dos

seus principais dirigentes e ideólogos, que imprimiram no PT a sua própria dinâmica

sobre todos os demais, foi fundamental na determinação da natureza atual do

partido como ferramenta de administração capitalista. Eurelino COELHO (Ibidem, p.

302, grifos nossos), que em sua obra analisou a evolução da Articulação e da

Democracia Radical, atesta o processo de transformação dessas tendências em

ponto de apoio dos interesses da burguesia:

O aspecto determinante do transformismo das duas tendências petistas foi a dissolução dos vínculos orgânicos com a classe trabalhadora. [...] essa dissolução aparece nas formulações das correntes: organizar a classe como sujeito político independente deixou de ser um objetivo de seus projetos políticos. Não se pode atribuir à esquerda a condição de intelectual orgânico da classe trabalhadora se a tarefa essencial de realizar a organização política desta classe por meio do “espírito de cisão” foi recusada por ela. Por outro lado, com seu novo projeto político, a esquerda colocou-se no terreno da concepção burguesa de mundo, isto é, passou a atuar, na prática, como intelectual, ou elemento ativo, da classe dominante.

176

Como toda realidade, dialética, a existência de forças contraditórias (e até

mesmo antagônicas) no PT, como objeto de análise, não pode servir como

justificativa para a afirmação de que “não se sabe o que o PT é de fato”. Em toda

síntese contraditória existem as determinações mais decisivas que, apesar de não

serem exclusivas, emprestam sua natureza ao objeto, a ponto de a sua eliminação

significar não a possibilidade de prevalência das forças até então menos decisivas,

mas o esgotamento (destruição) do próprio objeto. E no PT, o transformismo da

Articulação/Campo Majoritário e de parte importante de outras tendências (como o

caso da Democracia Socialista) significou o transformismo do próprio PT.

Mas, se o grupo dos sindicalistas e seus aliados (inclusive antes de se

constituírem de fato como Articulação) nunca puderam ser classificados como

revolucionários, se sempre defenderam a existência de um partido para chegar ao

governo através das eleições, como falar em transformação?

A transformação reside justamente no fato de que embora reformista e

eleitoral, o PT defendido pela Articulação não era simplesmente um reflexo das suas

aspirações. O PT surge vinculado à luta da classe trabalhadora e num momento de

ascenso que o empurrou (levando inclusive a Articulação consigo) para a defesa de

um programa cujo conteúdo correspondia às características do momento político: de

ruptura com a ordem vigente. Esta era a razão pela qual, inclusive, o PT se

justificava como espaço em disputa para as alas revolucionárias. A partir da década

de 1990, mais precisamente depois da derrota eleitoral em 1989 e do refluxo que

combinava a queda do chamado “socialismo real” e o avanço do neoliberalismo no

Brasil, o PT muda o seu programa, abandona a independência de classe e perde o

vínculo orgânico com a organização independente da classe trabalhadora, tendo a

Articulação e seus aliados como principais responsáveis por esse conjunto de

mudanças.

O interessante é que essas mudanças, ao contrário do que se pode

imaginar, não se constituem na expressão pronta e acabada do transformismo

petista. As inflexões políticas, programáticas e estratégicas do PT, como ação

consciente da sua direção, influenciaram na transformação definitiva do PT em um

instrumento de manutenção da ordem, mas sobre elas não pode pairar

responsabilidade exclusiva, sob pena de desconsiderarmos os processos objetivos

que empurraram o PT para abraçar de vez o capitalismo.

177

Todas essas inflexões foram, também, resultado de um processo cada

vez mais profundo de integração à ordem capitalista em todos os âmbitos. É

verdade que o PT mudou, em parte, pelo papel consciente cumprido pela sua

direção, no entanto, foi também decisiva para o transformismo do PT a postura

assumida pelo partido – de não combater, não coibir, de desconsiderar as pressões

– frente os processos reais de adaptação, institucionalização, burocratização e de

crescente dependência material da burguesia e seus aliados. Na medida em que ia

se enredando, se envolvendo, se integrando à ordem capitalista, os vínculos do

partido com o regime e o sistema iam se tornando cada vez mais sólidos e o

desenlace cada vez menos possível – até imiscuir-se com o conteúdo do próprio PT

e tornar-se, assim, irreversível, como veremos adiante.

É possível apresentar como um dos aspectos mais importantes da

evolução do transformismo do PT a ocupação dos cargos institucionais. É verdade

que o PT conseguiu vitórias eleitorais em seqüência também em função da mudança

da sua política (a cada pleito cada vez mais adaptado ao senso comum e evitando

se chocar com o eleitorado conservador), no entanto, cada avanço conquistado no

terreno institucional correspondia à existência de mais pressões para que o partido

não perdesse o espaço que já tinha, influenciando diretamente no programa, na

política e nas alianças. Essas pressões não foram combatidas de forma séria e o

resultado disso é que conforme ia se fortalecendo como alternativa institucional, o

PT igualmente aprofundava sua adaptação e integração ao Estado.

Um levantamento dos resultados do PT nas eleições municipais,

estaduais e nacionais, no período de 1982 a 2002 fornece uma visão aproximada da

crescente inserção do partido no aparelho estatal:

Quadro 1: Resultados do PT nas eleições estaduais e nacionais (1982-2002)

Cargo/ano 1982 1986 1990 1994 1998 2002

Deputados federais 8 16 35 50 59 91

Deputados estaduais 12 40 81 92 90 147

Senadores - - 1 5 7 10

Governadores - - - 2 3 3

Fonte: MAGALHÃES; BARRETO; TREVAS (1999, p. 246-247); TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

(2002)

178

Quadro 2: Resultados do PT nas eleições municipais (1982-2000)

Cargo/ano 1982 1985 1988 1992 1996 2000

Prefeitos 2 2 26 54 115 187

Vereadores 118 n. d. 900 1100 1985 2.482

Fonte: MAGALHÃES; BARRETO; TREVAS (1999, p. 246-247); PARTIDO DOS TRABALHADORES

(2012)

Junto com as sucessivas vitórias eleitorais, crescia também a pressão

para a manutenção dos mandatos já existentes e a conquistas de novos postos no

Parlamento e no Executivo, como política consciente da Articulação – uma vez que

se tratava do grupo majoritário do partido, detentor da maioria dos mandatos, de

caráter reconhecidamente reformista e eleitoral, e, portanto, o setor mais interessado

em não abrir mão do espaço institucional ocupado.

Na medida em que dentro do PT foi se reduzindo a contrapressão da

militância orgânica – tanto pela ação consciente de sua direção, quanto pela

dinâmica de refluxo a partir dos anos 1990 que vai distanciando o partido da sua

base social organizada nos movimentos –, se intensificava na mesma proporção a

dependência política e material do partido em relação aos mandatos.

Político porque uma vez que o centro da atividade partidária passa a ser a

conquista dos espaços institucionais, as ações prioritárias do PT voltam-se para a

estratégia das disputas eleitorais, com os mandatos (principalmente os do

Executivo) funcionando “como laboratórios para o novo projeto político da esquerda,

e, simultaneamente, como incubadoras dos novos intelectuais, dirigentes e

organizadores deste projeto” (COELHO, 2012, p. 306), do “modo petista de

governar”.

E material, pois o aumento, dentro do PT, do peso dos aparatos

institucionais e dos militantes vinculados aos cargos dos mandatos (que oferecem

vantagens materiais muito superiores à remuneração padrão de um trabalhador

comum), além de mexer na composição social (aumentando proporcionalmente o

peso da pequena burguesia e setores médios), torna o partido refém das

contribuições financeiras dos ocupantes dos cargos eletivos e suas respectivas

assessorias.

179

GARCIA (2011, p. 49-50), baseando-se em várias pesquisas, atesta a

mudança do perfil dos militantes do PT, no tocante à sua remuneração individual. O

expressivo crescimento do peso de petistas com altos salários corresponde

temporalmente, não por acaso, ao aumento da sua inserção na institucionalidade,

como visto anteriormente nos quadros que tratam dos resultados eleitorais:

Em 1991, o índice de petistas que ganhavam até um salário mínimo era de 2,9%; em 1997, 2% e em 1999, 3%. Portanto, não apresentou alterações. Já o índice dos que ganhavam até dois salários mínimos caiu de 8,6%, em 1991, para 4% e 3%, respectivamente, em 1997 e 1999. Também apresentou uma queda acentuada o índice dos que ganhavam de dois a cinco salários mínimos, de 24,2%, em 1991, para 14%, em 1997, e apenas 9% em 1999. A próxima faixa, a dos que ganhavam de cinco a 10 salários mínimos, também apresentou queda, de 26,2%, em 1991, para 19%, em 1997, e 22%, em 1999. Na faixa seguinte, dos que ganhavam de 10 a 20 salários mínimos, os percentuais deram um salto, de 14,9%, em 1991, passaram para 27%, em 1997, e 34%, em 1999. Novamente, na faixa que ia de 20 a 50 salários mínimos, outro salto, de 6,2%, em 1991, passaram para 23%, em 1997, e 22%, em 1999.

É indiscutível a afirmação de que o peso dos altos salários entre os

militantes aumentava e que isto produzia dentro do partido um fosso entre uma

militância que vivia sob as condições de vida da maioria da classe trabalhadora e

outra que ascendia socialmente. Essa distinção criou, dentro do partido, perfis e

comportamentos distintos acerca do programa, dos métodos de luta e também da

estratégia. Sem uma direção teórico-política vinculada ao enfrentamento e à

perspectiva de superação revolucionária do capitalismo e com o peso cada vez

maior da ala reformista e burocrática, as pressões da realidade objetiva

encontravam terreno fértil para se desenvolver e, em função disso, os militantes

envolvidos com a intervenção na institucionalidade evoluíam sem obstáculos a uma

condição de “preservadores da ordem”: pautando a política pela opinião da classe

média (da qual passavam a fazer parte) e da imprensa, pela necessidade de gerir o

Estado de forma “responsável” e elegendo como necessidade a presença nos

espaços dos gabinetes, em detrimento das lutas.

Mas, esta não era a principal implicação desse processo de ascensão

social de parte da militância petista, principalmente a partir dos anos 1990. Na

medida em que não havia medidas que pudessem contrabalancear o peso dos

aparatos dos mandatos com controle da militância, a finanças do PT iam se

tornando cada vez mais dependentes das contribuições dessa militância

institucionalizada, a ponto de não poder mais prescindir dela.

180

Isto significa que esse crescimento vertiginoso da remuneração de uma

parte significativa dos militantes do PT na década de 1990 – que jamais poderia ser

atribuída a conquistas salariais da classe, pois esse foi justamente um período

marcado por arrocho salarial e retirada de direitos – materializava, portanto, uma

dependência material em relação ao Estado, na medida em que os aparatos

institucionais (através dos aportes dos parlamentares, assessores, etc.) passaram a

ter peso superior na sustentação financeira do partido, enquanto que a contribuição

voluntária dos militantes e dos trabalhadores proporcionalmente diminuía.

Na medida em que não havia – em função do papel dirigente da ala

reformista e burocrática – qualquer política consciente de fortalecimento dos laços

do partido com a militância (organicidade dos membros partidários, campanhas

financeiras militantes que revertessem o peso do aparato institucional na

sustentação do partido, etc.), os cargos eletivos iam ganhando não só politicamente,

mas objetivamente, importância decisiva para a manutenção do PT como um partido

com influência suficiente para ser viável do ponto de vista eleitoral, num processo

crescente e ininterrupto de integração do partido ao Estado burguês: quanto mais

eleições (a cada dois anos) o PT disputava e quanto mais postos institucionais o PT

conquistava (principalmente as prefeituras e os governos de Estado, que lidam

diretamente com a gestão do capitalismo), mais o partido se enredava e se

confundia com o Estado, com o regime e com os seus objetivos.

É importante ressaltar que o simples fato de vencer eleições e ocupar

espaços na institucionalidade não implica necessariamente em se integrar à lógica

do Estado burguês. O partido bolchevique russo, por exemplo, participou diversas

vezes de eleições, conquistou vários mandatos no reacionário parlamento soviético

e utilizou-os em defesa dos interesses dos explorados, sem nunca permitir que as

pressões institucionais se sobrepusessem aos os vínculos com a classe

trabalhadora, imprescindíveis a qualquer estratégia de superação do capitalismo. A

grande problemática da experiência institucional petista é que as pressões objetivas

que são próprias da atividade parlamentar burguesa (dependência material,

tendência à cooptação e corrupção, controle dos mandatos sobre o partido e a

conseqüente defesa irrestrita da institucionalidade, etc.) encontraram no PT um

terreno fértil para seu desenvolvimento. Não existiam políticas ou medidas do partido

para contrapor essas pressões, ao contrário, a dinâmica petista foi marcada por

adentrar sem reservas nos postos de representação institucional.

181

Esse processo, que – como já visto anteriormente – foi iniciado ainda na

segunda metade da década de 1980 tão logo o PT conquistou as primeiras

prefeituras e, com isso, passou a fazer parte das gestões municipais do Estado

brasileiro, introduziu fortíssimas pressões sobre o elo que vinculava a classe

trabalhadora e seus interesses com o partido. Quando esse vínculo se rompe e o

partido passa a ser um instrumento a serviço das necessidades de reprodução da

existência da própria organização em si mesma – e, principalmente, da sua direção

–, em detrimento dos interesses organicamente vinculados com as aspirações da

classe, ocorre o fenômeno da burocratização. Como tendência geral desse

processo, e em combinação com a estratégia consciente de governar a qualquer

custo, o PT foi se tornando mais dependente do Estado, tanto política como

financeiramente, o que dava ainda mais vazão à concepção de organização imposta

pela Articulação/Campo Majoritário, colocando as eleições como o centro da

atividade do partido e dos seus principais quadros e dirigentes.

Essas mudanças propiciaram, dentro do PT, um aumento cada vez maior

do número de profissionais, assessores, representantes de mandatos e funcionários

que sobreviviam diretamente da institucionalidade, ou seja, foi se fortalecendo uma

burocracia43 no partido que, se por um lado, era necessária para dirigir a vida

cotidiana da organização, por outro se autonomizava em relação à base, à militância

e aos próprios trabalhadores, diante de uma pressão objetiva proveniente da

ocupação dos cargos institucionais sem, no entanto, haver qualquer política prática

de contrapressão a esse processo.

Desse modo, com os avanços crescentes no terreno institucional, no peso

adquirido pelos militantes vinculados aos aparatos na sustentação financeira do

partido e diante dos investimentos para que o PT se aprofundasse ainda mais na

institucionalidade – sem fortalecer o pólo militante para se contrapor a essa

tendência –, a militância foi perdendo cada vez mais espaço, à medida que este ia

sendo ocupado por uma burocracia que cada vez mais aprofundava seu controle

sobre a organização. Em sua pesquisa, GARCIA (Ibidem, p. 50) mais uma vez

revela dados impactantes sobre o peso da institucionalidade nas instâncias

decisórias do PT:

43 Burocracia é aqui entendida como um corpo de funcionários que tem a função de administrar e dirigir uma determinada organização ou mesmo um Estado, uma vez que é inevitável a necessidade de um grupo de dirigentes, administradores ou executores que coloquem em prática as deliberações dos seus representados.

182

No tocante à composição dos congressos e encontros partidários, [...], em 1991 o percentual de militantes politicamente profissionalizados pelo partido via detenção de mandatos executivos ou legislativos, cargos de confiança no legislativo, executivo ou instâncias partidárias, e de dirigentes sindicais liberados era de 28,8% no congresso. Já em 1997 este número, acrescido de gestores de fundos de pensão acionária, chegou a 60% dos delegados. Especula-se que esta cifra tenha atingido 75% no congresso de 1999, mas infelizmente estes dados não foram colocados à disposição para consultas externas.

O cruzamento dos dados que tratam da evolução do PT nas eleições, da

dinâmica de crescimento do peso da militância com salários mais altos e do

aumento do percentual de militantes vinculados aos aparatos institucionais revela

que há um dramático encontro entre a análise de todas essas informações na

década de 1990. Quanto mais o PT conquistava mandatos parlamentares e cargos

no Executivo, mais o peso dos altos salários e do poder de representação dos

detentores dessas remunerações e cargos crescia, num triplo gráfico ascendente

que também coincidia com a retomada da direção da Articulação e o

aprofundamento do seu controle sobre o partido, a partir de 1993.

Esses três aspectos, além de demonstrar como se inter-influenciam entre

si, radicalizando o processo de burocratização e institucionalização do PT, mostram

um PT que não responde negativamente a essas pressões, pois “a base partidária

filiada e ativa não aumentou na mesma proporção (programas de refiliação dos anos

1990 resultaram em números menores de filiados que os anteriores)” (COELHO,

2012, p. 305). Não sem razão as mudanças políticas, programáticas e estratégicas

do PT foram radicalmente aprofundadas precisamente nesse período.

Até aqui foi visto como a ruptura da relação orgânica entre o partido e a

classe foi determinante na transformação do PT em um instrumento de

administração capitalista, no entanto, outro aspecto que não pode ser

desconsiderado na análise do transformismo petista é a mudança na natureza dos

vínculos que ainda permaneceram existentes entre o partido e a classe. A respeito

disso, será tomado como aspecto de análise o processo de adaptação do petismo à

lógica de gestão capitalista e conciliação de classe a partir da principal intervenção

do PT no âmbito dos movimentos sociais: o sindicalismo.

O papel original dos sindicatos é a de uma luta parcial contra a

exploração dos trabalhadores, para impedir que sejam impostas condições (salários,

jornada, etc.) piores do que o estabelecido tradicionalmente na sociedade. Segundo

MARX (2008, p. 62-63, grifo nosso):

183

... existe uma grande diferença entre, de um lado, o montante do salário determinado pela oferta e procura (isto é, o montante resultante da operação “honesta” do intercâmbio de mercadorias, quando comprador e vendedor tratam em pé de igualdade) e, de outro lado, o montante de salário que o vendedor – o operário – é forçado a aceitar, quando o capitalista trata com cada operário isoladamente e lhe impõe um baixo salário, explorando a miséria excepcional do operário isolado, independentemente da relação geral entre oferta e procura. Conseqüentemente, os operários se unem para se colocar em igualdade de condições com o capitalista para o contrato de venda de seu trabalho. Esta é a razão (a base lógica) dos sindicatos. O que buscam é evitar que, sob a pressão direta da miséria particular, o operário seja obrigado a se contentar com um salário inferior ao fixado de antemão pela oferta e pela procura em um determinado ramo de atividade, de maneira que o valor da força caia abaixo de seu nível tradicional nessa indústria. Assinalemos que este valor da força de trabalho “representa para o próprio operário o mínimo de salário e para o capitalista o salário uniforme e igual para todos os operários da empresa”. Os sindicatos, portanto, nunca permitem que seus membros trabalhem por menos desse mínimo de salário. São sociedades de segurança criadas pelos próprios operários.

Os sindicatos foram criados, portanto, para serem organizações que

impulsionassem a luta independente e coletiva da classe trabalhadora (que

fragmentada, se torna mais frágil que o poder econômico dos capitalistas) para

melhor negociar a venda da sua força de trabalho, ou seja, para minimizar a relação

de exploração.

Esta função era plenamente viável numa época em que o capitalismo

vivia a sua fase ascendente, de grandes ciclos de acumulação. Com a organização

dos trabalhadores e o desenvolvimento das lutas, as possibilidades de conquistas

materiais para a classe eram muito maiores. A classe operária percebia a

possibilidade de arrancar conquistas pela luta e, por isso, as pressões conciliatórias

eram mais frágeis. Não por acaso o movimento operário em âmbito mundial, que

ainda estava nascendo e se enfrentava com fortíssima repressão, conquistou

diversos avanços relacionados aos salários, diminuição de jornada e condições de

trabalho durante os séculos XVIII e XIX.

Contudo, a partir do final do século XIX e início do século XX, o

capitalismo entra em uma nova época, numa fase superior marcada pelo surgimento

e fortalecimento dos monopólios, chamada de imperialista. O desenrolar direto das

características concorrenciais e de acumulação produziu um grau tão elevado de

desenvolvimento capitalista que essas manifestações começaram a se expressar na

sua própria negação.

184

A concorrência entre os capitalistas (sem a qual não existe capitalismo)

num período de franco desenvolvimento das forças produtivas gerou uma grande

produção, de escala colossal. Mas não existe capitalismo sem lucro e a realização

do lucro nada mais é do que o câmbio da produção-mercadoria no equivalente

monetário geral. Uma vez que a produção se amplia em larga escala, a concorrência

entre os capitalistas vai ficando mais feroz e é preciso reduzir o preço das

mercadorias, ao mesmo tempo em que se aperfeiçoa sua qualidade e aumenta

relativamente a produtividade (mais produção em menos tempo de trabalho), para

se reduzir os custos da produção, os preços e assim vencer a concorrência.

Por isto que a condição de existência do domínio burguês na sociedade é

acumular capital e, ao mesmo tempo, vencer os seus concorrentes. E isto só é

possível através do aumento da exploração do trabalho assalariado, da introdução

de novas técnicas, enfim, de tudo o que ajuda o capitalista a reduzir o preço da sua

mercadoria para vencer o concorrente, sem que isso afete a dinâmica de

crescimento do seu lucro. O problema é que só puderam investir mais na produção,

em maquinário de alta tecnologia, em redução dos custos com matéria-prima e em

tudo que é necessário para vencer a concorrência e lucrar mais, os capitalistas com

as melhores condições para tal, ou seja, os mais pujantes, os com maior quantidade

de capital acumulado durante o período ascendente em que “havia espaço para

todos na economia” e, como não poderia deixar de ser, os que decidem se unir a

outros capitalistas, operando uma fusão de capitais para adquirir mais poderio

econômico e, assim, arruinar seus adversários no mercado.

É a partir desse momento que começam a surgir as grandes

concentrações de capitais, as grandes corporações e a dinâmica de eliminação da

pequena produção pela grande. Este é o mecanismo contraditório que surge

diretamente do desenvolvimento do capitalismo: quando a concorrência se

desenvolve no mais alto grau, ela se transforma no seu contrário, em monopólio;

que aparece como uma necessidade real de um capitalismo não mais ascendente, a

ponto de – sem desconsiderar o caráter relativo dessa definição que corresponde a

uma época histórica, e não à totalidade de todos os momentos da vida – demarcar

uma tendência de estagnação (relativa) do desenvolvimento das forças produtivas,

de entrave ao estímulo ao progresso tecnológico e decadência com traços cada vez

mais parasitários.

185

Vale a pena reproduzir a elaboração de LENIN (1979, p. 651, grifos

nossos) para termos a real noção de como o capitalismo a partir do século XX

aprofunda suas características monopolistas e de controle sobre a economia global:

... a base mais profunda do imperialismo é o monopólio. Trata-se do monopólio capitalista, isto é, que nasceu do capitalismo e que se encontra no ambiente geral do capitalismo, da produção mercantil, da concorrência, numa contradição constante e insolúvel com esse ambiente geral. Mas não obstante [...], o monopólio capitalista gera inevitavelmente uma tendência para a estagnação e para a decomposição. Na medida em que se fixam preços monopolistas, ainda que temporariamente, desaparecem até certo ponto as causas estimulantes do progresso técnico e, por conseguinte, de todo o progresso, de todo o avanço, surgindo assim, além disso, a possibilidade econômica de conter artificialmente o progresso técnico. Exemplo: nos Estados Unidos, um certo Owens inventou uma máquina que provocava uma revolução no fabrico de garrafas. O cartel alemão de fabricantes de garrafas comprou-lhe as patentes e guardou-as à chave, atrasando sua aplicação. Naturalmente que, sob o capitalismo, o monopólio não pode nunca eliminar do mercado mundial, completamente e por um período muito prolongado, a concorrência [...]. Naturalmente, a possibilidade de diminuir os gastos da produção e aumentar os lucros, implantando aperfeiçoamentos técnicos, atua a favor das modificações. Mas a tendência para a estagnação e para a decomposição, inerente ao monopólio, continua por sua vez a operar e em certos ramos da indústria e em certos países há períodos em que consegue impor-se.

No mesmo sentido e na esteira das elaborações de Lenin, IAMAMOTO

(2008, p. 21-23) confirma essa tendência geral monopolista da economia e localiza a

atualidade da teoria do imperialismo no contexto do capitalismo contemporâneo:

... A concentração da produção e a expansão industrial transformam a competição em monopólio [...]. A estreita relação entre os bancos e as empresas industriais e comerciais consolida-se, estimulando sua fusão mediante a posse de ações e a participação de diretores bancários nos conselhos de administração das empresas e vice-versa, o que se completa com a presença de agentes governamentais. Assim, o capital financeiro envolve a fusão do capital bancário e industrial em condições de monopólio capitalista [...]. A gestão desses monopólios converte-se em dominação da oligarquia financeira, que tende a crescer com os lucros excepcionais, os empréstimos estatais, a especulação com terras, dentre outros mecanismos. [...] O excedente de capital produzido não é canalizado para elevar ao nível de vida das grandes massas populacionais dos países, mas para aumentar os lucros mediante a exportação de capitais do estrangeiro aos países mais atrasados, onde o capital é mais escasso, os salários mais baixos, o preço da terra relativamente menor e as matérias primas abundantes e baratas. Países exportadores de capital e, com eles, as associações monopolistas [...] tendem a realizar a repartição econômica e política do mundo segundo seus interesses, entrelaçado com os monopólios do Estado [...]. Subordinam conjuntamente os povos e Estados Nacionais, mesmo aqueles dotados de independência política, transitoriamente aprisionados em uma rede de dependência financeira e diplomática.

186

[...] A tese de Lênin é a de que o imperialismo é uma fase peculiar e superior do capitalismo. Ela surge em continuidade e decorrência do desenvolvimento, em mais alto grau, das propriedades fundamentais do capitalismo. [...] Contraditoriamente, o capitalismo de monopólios gera a tendência à estagnação e à sua decomposição, sendo, o Estado rentista, o Estado do capitalismo parasitário. O imperialismo afeta todas as condições sociais e políticas dos países, assim como o movimento operário e suas lutas. A fase do imperialismo clássico desdobra-se, a partir da década de 40 do século XX e, mais particularmente, após a Segunda Guerra Mundial, em um desenvolvimento ulterior da expansão monopolista [...]. Este mantém, no desdobramento da história “concreta” do capitalismo contemporâneo, as características fundamentais destacadas por Lênin e as leis básicas do movimento do capital anunciadas por Marx, sendo que a busca de superlucros torna-se o estímulo principal do crescimento da produção. As flutuações das taxas de lucro resultam em ondas longas com tonalidade expansiva e ou de estagnação na tensão entre superacumulação e crise e depressão.

Essas análises revelam com muita clareza como o monopólio é base

econômica mais profunda desse capitalismo decadente, agonizante, como

determinam os preços e a contenção do desenvolvimento tecnológico, mas não

apenas. A transformação do capitalismo concorrencial em monopolista inscreve o

ponto de virada do velho capitalismo para a sua fase superior: a dominação passa a

ser não mais do capitalista “em geral”, do dono da fábrica, mas de “associações

internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si” (LENIN,

1979, p. 642) e impõem aos trabalhadores uma exploração e um controle cada vez

mais brutais, numa tendência permanente de retração de direitos e de possibilidades

de conquistas (mesmo as mínimas) sem que haja lutas gigantescas, capazes de

estabelecer uma polarização que ultrapasse o corporativismo e encurrale

monopólios super-poderosos, que nessa fase do capitalismo adquiriram capacidade

brutal de desmobilização. Essas características de parasitismo, de estagnação44 do

desenvolvimento geral das forças produtivas, se desdobram na atualidade em mais

controle monopolista sobre toda a vida social, conforme assinala Virgínia FONTES

(2010, p. 201, grifos nossos):

44 Quando se fala em entrave ao desenvolvimento das forças produtivas na fase imperialista, é preciso que esse aspecto seja entendido como estagnação relativa, relacionada a uma época histórica, uma vez que é visível que a produção da riqueza no capitalismo gera um desenvolvimento, inclusive com introdução de progresso técnico. A questão central se vincula às possibilidades abertas caso a produção não estivesse subordinada às amarras monopolistas, que freiam o desenvolvimento e bloqueiam o acesso social à produção, para com isto extrair lucro de tudo o que for produzido (ainda que seja tecnicamente “obsoleto”), como parte da sua necessidade de se contrapor às tendências gerais de estagnação resultantes da superprodução e da super-acumulação (conforme assevera Marx na teoria das crises) que marcam o imperialismo e exigem o mínimo de concessões.

187

O parasitismo apontado por Lenin no século XX traduzia-se nas famílias riquíssimas, nominalmente proprietárias das empresas, mas distanciadas dos processos produtivos de suas empresas. Alcançava também setores da pequena burguesia de alguns países, pequenos investidores que imaginavam poder um dia sobreviver apenas de rendas. Na atualidade, a pressão competitiva entre as grandes fortunas e sua volatilidade significou uma luta acirrada no interior das formas de gestão do capital, de maneira a garantir as formas de ampliação – portanto, de extração de mais-valor – a partir das novas dimensões da concentração de capitais. Essa lógica feroz mostrou-se, por exemplo, no treinamento de executivos (muitos coproprietários) em florestas para aprendizado de “lutas de vida e morte”, e refletiu-se nas reestruturações, quando um discurso manipulativo de salvação de empresas dava lugar a massivas demissões. Embora a aparência mais imediata seja a do distanciamento entre a propriedade e a produção de valor, a evidenciação da pura propriedade do capital carreia consigo o mais impiedoso e ilimitado controle direto do trabalho e dos trabalhadores, medido por seus resultados em taxas maiores e em tempos menores. Assim, o capital-imperialismo demonstra o parasitismo do conjunto das classes dominantes diante da totalidade da população, característica de todas formas de dominação de classes. Não é a atividade pessoal do proprietário que caracteriza ou descaracteriza a propriedade do capital, mas a relação social que envolve. Jamais o parasitismo de uma classe inteira foi tão evidente e provavelmente jamais uma classe inteira devotou-se de maneira tão sistemática e científica a aprofundar as formas de extração de mais-valor.

Nesse contexto de formação e consolidação de monopólios pujantes

economicamente, que eliminam ou mantém insignificantes seus concorrentes, que

impõem aos Estados e seus respectivos governos os seus ditames (através das

chantagens em troca de investimentos, criação de empregos, financiamentos,

patrocínios eleitorais, etc.) e que cada vez mais aprimoram seus mecanismos de

exploração, controle e domínio ideológico sobre os trabalhadores; os sindicatos

passam a sofrer, igualmente, pressões violentas para terem suas direções

corrompidas, em colaboração com os capitalistas.

Essa centralização da burguesia em seus monopólios, aprofundada pelo

“teor magnetizante do programa globalizante/neoliberal brandido pelos setores

patronais” (Idem, ibidem, p. 278) na atualidade, potencializou ainda mais a

capacidade de coagir e enfraquecer o poder de pressão dos sindicatos, bastando,

por exemplo, ameaçar o fechamento de uma filial para instalá-la em outro lugar onde

as condições de resistência são menores, caso as imposições da empresa (negociar

demissões, redução de salários e retirada de direitos que supostamente “oneram a

folha de pagamento e podem levar à falência”, desmonte de greves e mobilizações,

etc.) não sejam aceitas.

188

Os sindicatos por sua vez, encurralados, acabam tendo que escolher –

caso não seja desenvolvida uma direção teórica e uma política consciente de

contrapressão a essa tendência à conciliação – entre estreitar os laços com os

capitalistas ou se apoiar no Estado para tentar contrabalancear a relação de forças

desproporcional frente às empresas. Saída esta que também não romperia,

igualmente, com uma estratégia de colaboração na medida em que no imperialismo

o Estado está completamente dominado pelos monopólios, com “alguns Estados

financeiros (nos quais a associação entre capital industrial e bancário se impunha)

dominavam todos os demais” (Idem, ibidem, p. 107). Essa tendência já era

identificada desde a década de 1940 por TROTSKY (1978, p. 101-102):

Há uma característica comum no desenvolvimento ou, para sermos mais exatos, na degeneração das modernas organizações sindicais de todo o mundo: sua aproximação e sua vinculação cada vez mais estreitas com o poder estatal. [...] O capitalismo monopolista não se baseia na concorrência e na livre iniciativa privada, mas numa direção centralizada. As camarilhas capitalistas, que encabeçam poderosos trustes, monopólios, bancos, etc., encaram a vida econômica da mesma perspectiva como faz o poder estatal, e a cada passo exigem sua colaboração. Os sindicatos dos ramos mais importantes da indústria, nessas condições, vêem-se privados da possibilidade de aproveitar a concorrência entre as diversas empresas. Deve, enfrentar o adversário capitalista centralizado, intimamente ligado ao poder estatal. Daí a necessidade que os sindicatos têm – enquanto se mantenham numa posição reformista, ou seja, de adaptação à propriedade privada – de adaptar-se ao estado capitalista e de lutar pela sua cooperação. Aos olhos da burocracia sindical, a tarefa principal é “liberar” o estado de suas amarras capitalistas, de debilitar sua dependência dos monopólios e voltá-los a seu favor. Esta posição harmoniza-se perfeitamente com a posição social da aristocracia e da burocracia operárias, que lutam para obter algumas migalhas do sobrelucro do imperialismo capitalista.

No Brasil, a tendência geral de pressão do imperialismo sobre os

sindicatos esteve também sempre combinada com a natureza da estrutura sindical

no país, que desde o governo ditatorial de Getúlio Vargas45 (1930-1934) esteve de

um modo ou de outro, atrelada ao Estado. O próprio Vargas fazia questão de afirmar

a necessidade de “organizar” os sindicatos, para garantir o livre curso do capital:

45 Durante o chamado Governo Provisório, que foi instituído com um golpe militar que instaurou uma ditadura através da qual Getúlio Vargas gozava de poderes quase ilimitados, foi instituída a lei nº 19.770 de 1931, que teve como principais características a determinação da unicidade sindical (delimitação da área de representação de uma determinada categoria por um único sindicato), hierarquia sindical e o reconhecimento do sindicato com o registro no Ministério do Trabalho. Já no Governo Constitucionalista (1934-1937), Vargas aprofunda os traços de atrelamento dos sindicatos ao Estado quando institui o chamado imposto sindical na Carta Constitucional de 1937, cujo dispositivo de “contribuição compulsória” permanece até hoje na legislação atual.

189

Considerando em seu conjunto e alcance, o programa desenvolvido pelo Governo Provisório, em matéria de trabalho e organização social, orienta-se num sentido construtor e fugindo a experiências perigosas. Resultaria absurdo concluir que inspira a intenção de hostilizar as atividades do capital, que, pelo contrário, precisa ser atraído e garantido pelo poder público. O melhor meio de garanti-lo está, justamente, em transformar o proletariado em força orgânica, capaz de cooperar com o Estado e não o deixar, pelo abandono da Lei, entregue à ação dissolvente de elementos perturbadores. (VARGAS, 1938, p. 148, grifos nossos)

Como se percebe, a tentativa de disciplinar a atuação dos sindicatos e

ganhá-los para a perspectiva da conciliação de classe e da cooperação com o

Estado era explícita por parte dos governos. Se por um lado a luta de classes

conseguiu consagrar direitos, conquistas e benefícios importantes para a classe

trabalhadora, por outro a adoção das leis trabalhistas instituiu uma estrutura sindical

atrelada ao Estado que promove uma separação entre os trabalhadores de base e a

entidade e sua direção. Esta estrutura legalizada concede privilégios e concentra o

poder de negociação e decisão nas mãos dos dirigentes, se transformando na

expressão organizativa do sindicalismo burocratizado e aprofundando a tendência

de colaboração que é própria da fase imperialista do capitalismo.

Mesmo após a Era Vargas, a estrutura sindical seguiu com essas

mesmas características de atrelamento ao Estado. “Os presidentes do período 45-64

[...], embora tivessem uma orientação de cooptar lideranças, o faziam sem abdicar

jamais dos controles estatais” (WELMOWICKI, 2004, p. 38) e apesar de alguns

avanços organizativos do sindicalismo na década de 1960, não se chegou “a romper

totalmente com a estrutura sindical vigente, nem a organizar uma alternativa

independente dos trabalhadores, pois suas principais lideranças [a maioria do PTB

ou do PCB] estavam comprometidas com o esquema de aliança de classes” (Idem,

ibidem, comentário nosso). Essas direções colaboracionistas, longe de superar o

atrelamento sindical ao Estado, conviveram de forma pacífica com esse controle, até

o momento em que foram desalojados pelo golpe militar de 1964, quando a estrutura

sindical – além de vinculada ao Estado – passou a ser integralmente controlada pela

ditadura durante praticamente todo o período do regime.

O PT, como já visto anteriormente, surge do ascenso do movimento

operário no final da década de 1970, que trouxe de volta o protagonismo dos

trabalhadores reivindicando melhores condições de trabalho, lutando de forma

independente contra a ditadura e, portanto, se chocando tanto com a estratégia de

colaboração de classes, como com a própria estrutura sindical vigente.

190

No quadro desse ascenso, sua vanguarda apresenta a proposta do Novo

Sindicalismo, movimento que – no marco da radicalização das mobilizações

corporativas e da incorporação de um caráter político para essas lutas – não apenas

contribuiu com a formação do PT, mas também com a idéia de um sindicalismo de

novo tipo, independente do Estado e oposta à estrutura sindical herdada do

getulismo. Daí a proposta – oriunda do próprio Movimento pró-PT, cujo peso de

sindicalistas no seu interior era significativo – de criação de uma ferramenta que

pudesse cumprir esses objetivos, a Central Única dos Trabalhadores (CUT):

... o Movimento pelo PT considera também que a luta por uma Central Única dos Trabalhadores é uma reivindicação fundamental de todos os que vivem dos seus salários, mas entende que a sua construção passa, necessariamente, pela derrubada da atual estrutura sindical atrelada ao Estado, a CUT não pode ser o resultado de articulações de cúpula; ela se fará pela vontade de todos os trabalhadores. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1979b, grifo nosso)

A CUT foi criada em agosto de 1983 num congresso, o CONCLAT, em

que “estiveram presentes 5.059 delegados, representando 912 entidades sindicais”

(GARCIA, 2011, p. 137), incluindo as oposições às direções pelegas. Durante a

década de 1980, os militantes petistas – representados tanto pelas direções forjadas

no ascenso operário quanto pelas oposições sindicais – se jogaram na construção

da CUT, reproduzindo dentro da Central a mesma composição interna que existia no

PT: a Articulação e aliados, como força majoritária; e os grupos marxistas

revolucionários e a ala progressista da Igreja Católica como minoria.

Não é por acaso, portanto, que o transformismo do PT tenha se

desenvolvido de modo temporalmente análogo às transformações ocorridas dentro

da CUT. A presença dos principais quadros do partido na Central, o peso interno da

Articulação e a realidade objetiva que atravessou o desenvolvimento tanto do PT

como da CUT impôs uma semelhança de trajetórias, ainda que recheada de

particularidades.

Assim como ocorreu com o PT na década de 1980, a CUT foi igualmente

um instrumento muito importante para a organização e a luta dos trabalhadores, se

posicionando de forma independente dos governos e do Estado. Isto estava

combinado com um período de ascenso do movimento operário que se manifestou

numa onda de greves, na formação de fortes oposições classistas e de conquistas

de vários sindicatos até então dirigidos por burocracias atreladas ao regime militar.

191

“Segundo dados do NEPP/Unicamp, desde o início do ascenso em 1978

até 1989, foram realizadas 12.673 greves com a participação de 53.464.989

trabalhadores” (Idem, ibidem, p. 139). Os números impressionam, no entanto, a

natureza das greves e os métodos de luta e mobilização aplicados têm um peso

importante na análise do tipo de sindicalismo desenvolvido pelos petistas dentro da

CUT. Os sindicalistas do PT protagonizaram greves com ocupação (General Motors

de São José dos Campos em 1985, Companhia Siderúrgica Nacional de Volta

Redonda em 1988, Mannesmann de Minas Gerais em 1989, etc.) e perseguiram a

unificação dos trabalhadores em lutas comuns que se enfrentavam diretamente com

os governos, o regime e os planos econômicos que atacavam a classe. Uma análise

de GARCIA (Ibidem, p. 140-141) sobre a deflagração de greves gerais nos anos

1980 dá uma idéia do papel que a CUT teve nesse período:

... a década de 1980 assistiu também uma retomada das greves gerais como método de luta. Ao todo foram quatro, sendo a primeira delas a de 21 de julho de 1983 [...]. A segunda foi a de 12 de dezembro de 1986, convocadas pelas CUT e pela CGT. A CUT calculou um índice de paralisação em 50% de um total de 50 milhões de trabalhadores, enquanto o SNI (Serviço Nacional de Informações) calculou em 20%, ou seja, 10 milhões de trabalhadores. A terceira se deu no dia 20 de agosto de 1987, também convocada pela CUT e a CGT [...]. E por último a greve geral de 14 e 15 de março de 1989, que tinha como reivindicação principal a reposição das perdas dos planos Cruzado e Verão. De acordo com as centrais sindicais, a greve paralisou cerca de 35 milhões de trabalhadores, tornando-se o movimento de maior abrangência da década de 1980 e, também, a maior greve geral do país.

O papel dos segmentos petistas que atuavam nos movimentos sociais e,

principalmente, no movimento sindical, era decisivo. Combinado com a força do

ascenso – que empurrara à esquerda inclusive a ala reformista defensora do PT

como um instrumento de conquista de governos por meio das eleições, para assumir

reivindicações, programas e ações mais radicais no movimento –, a proposta petista

de trabalho sindical se consolidava como perspectiva de superação dos limites do

sindicalismo e sua estrutura vigente, na medida em que seu objetivo era fortalecer

os sindicatos “enquanto autênticas organizações de massa, unitárias,

representativas, independentes do Estado e dos patrões, voltadas para a conquista

das reivindicações imediatas e comprometidas com os interesses históricos dos

trabalhadores” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1987a, grifo nosso), como

demonstram as resoluções do V Encontro Nacional do partido, em 1987:

192

... A luta sindical, por si só, é incapaz de resolver os grandes males – desemprego, exploração, alienação do trabalho – decorrentes do capitalismo. Isso não impede que o movimento sindical, quando consegue unir os trabalhadores enquanto classe na luta contra a burguesia, assuma um caráter anticapitalista e funcione como escola de socialismo. [...] O sindicalismo classista busca unir os trabalhadores, como classe na luta concreta contra a burguesia. Possui uma perspectiva socialista. Pavimenta o caminho por onde massas de trabalhadores lançam-se num movimento mais amplo. (Idem, ibidem, grifo nosso)

A característica de sindicalismo combativo e independente era tão

marcante no PT e na CUT que quando o partido começou a angariar suas primeiras

vitórias eleitorais nas prefeituras não foram raros os momentos de enfrentamentos

internos entre os militantes que atuavam nos sindicatos (inclusive os que

reivindicavam a Articulação) e os mandatos. Conforme assinala SINGER (2001, p.

78),

... as dificuldades que o PT costuma enfrentar em suas administrações provêm mais do front interno do que do externo. [...] [...] Como o partido conta com sólidas bases entre os funcionários, os respectivos sindicatos, em geral ligados à CUT, tendem a esperar que os governantes do PT concedam rapidamente aumentos salariais à categoria. Se o partido cede, corre o risco de inviabilizar as finanças municipais. Caso não ceda, tem que haver com os funcionários particularmente agressivos.

Mas, essa contradição entre a atuação petista na institucionalidade e nos

sindicatos foi progressivamente se dissipando e não foi a atuação no movimento que

arrastou o partido para uma estratégia independente e de ruptura com a ordem, mas

o inverso. O que havia, de fato, na década de 1980, era uma conjuntura de intensas

lutas que pressionava o conjunto do Novo Sindicalismo, como proposta de

alternativa às velhas direções colaboracionistas e controladas pelo regime ditatorial,

a se chocar com a estrutura sindical; mas, o PT e a CUT não foram até o fim na

proposta de revolucionar os sindicatos. A combatividade e o papel da CUT no

impulso às mobilizações dos trabalhadores não foi reproduzida até as últimas

conseqüências na luta contra a estrutura sindical vigente, o Estado, os governos e o

imperialismo, pois não havia consenso dentro do partido sobre como combater de

forma conseqüente todas as pressões burocratizantes e conciliatórias que deles

adivinham. José Maria de ALMEIDA (2007, p. 14-15, grifos nossos), na sua obra que

trata da burocratização dos sindicatos, corrobora com esta análise:

193

... uma parte da burocracia sindical [...] se desgarrou da burocracia tradicional [representada pelos “pelegos que controlavam os sindicatos e sua estrutura oficial durante a ditadura], empurrada pela dimensão e radicalização das lutas dos trabalhadores, e adotou uma posição mais à esquerda. Esse setor assumiu a direção das mobilizações que explodiram naquele momento, ao contrário da burocracia tradicional que se enfrentou com elas. Constituía-se como uma “burocracia de esquerda”46. Seus principais expoentes foram Lula, na época presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, e Jacó Bittar, presidente do Sindicato dos Petroleiros de Campinas. Este setor tinha contradições com a estrutura oficial. No entanto, é importante ressaltar que eram contradições relativas: eles queriam afastar os “pelegos” da direção das entidades, para assumir eles próprios a direção dos sindicatos; e queriam construir uma central sindical, o que era proibido pela legislação naquele momento e se chocava com a estrutura confederativa. Nunca defenderam um sindicalismo efetivamente comprometido com a destruição do capitalismo e construção de uma sociedade socialista. É um erro, infelizmente bastante comum, confundir-se os discursos bastante radicais e à esquerda que esses setores faziam (fruto mais das circunstâncias em que eram proferidos do que de suas convicções reais) e a sua prática efetiva, o programa real que sempre defenderam. A melhor demonstração disso está no principal expoente deste setor, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, seja na quase impossibilidade de que setores de oposição pudessem se expressar nas assembléias (naquele momento e hoje também), seja na postura que a direção do sindicato sempre teve, de buscar controlar e subordinar à direção da entidade as comissões de fábrica existentes na região.

Esta apreciação acerca da natureza, do papel e razão das inflexões à

esquerda dessa ala reformista e burocrática se confirma tão logo se passa a analisar

as mudanças na conjuntura no final da década de 1980 e início da década de 1990.

Se é verdade que o capitalismo imperialista e a estrutura sindical brasileira

impunham violentas pressões sobre os sindicatos, também não é exagero dizer que

o ascenso do movimento naquele período funcionou como uma contrapressão

objetiva a essas tendências de burocratização, atrelamento ao Estado e colaboração

de classes. O acúmulo de insatisfação com as condições de trabalho e com o

regime político, a experiência acumulada da classe com as antigas direções

conciliadoras e o levante do movimento operário fomentavam uma maior

participação de amplos setores da classe nas lutas.

46 Eram dirigentes sindicais, alguns deles há muitos anos nos sindicatos (Lula era dirigente do sindicato de São Bernardo desde 1969) e, portanto, parte da burocracia sindical. Em função da pressão, da força da mobilização de massas naquele momento, e/ou por buscar uma localização que lhes permitisse ganhar terreno na direção da estrutura sindical de então, foram à esquerda. Adotaram um discurso radical e assumiram a direção do processo de lutas que estava explodindo independentemente deles. Foram importantes na direção do processo de lutas e da construção da CUT e do PT naquele momento, mas nem por isso deixaram de ser parte da burocracia sindical, como hoje se vê com mais clareza. [Nota do autor]

194

Isto, por sua vez, criava condições para que – ainda que isto não tenha

ocorrido efetivamente, em função da pouca experiência do movimento e do papel de

caudilho dos dirigentes – houvesse a possibilidade de um determinado controle da

classe sobre as práticas exercidas nos sindicatos. As direções esbarravam em muito

mais questionamentos a respeito de conciliar com os patrões, se subordinar aos

ditames do Estado e do Judiciário, etc., em função de que “por baixo” havia uma

enorme efervescência que empurrava o movimento para posições mais combativas

e independentes.

O choque com a estrutura sindical e os monopólios capitalistas não era

necessariamente uma idéia única no PT, ao contrário. Os setores “representado[s]

pela esquerda católica e pela esquerda socialista que [...] defendiam uma revolução

na estrutura e no funcionamento dos sindicatos, da qual a derrubada dos pelegos de

sua direção era apenas o primeiro passo” (Idem, ibidem, p. 16), eram muito

minoritários, enquanto a Articulação era amplamente hegemônica na CUT e ia se

tornando, ao longo da década de 1980, a principal força política ativa no movimento

sindical. Esse choque era, portanto, uma imposição do ascenso do movimento de

massas, pois as “idéias quanto às mudanças necessárias nos sindicatos tinham

muita força, ao apoiarem-se e, ao mesmo tempo, serem expressão das

necessidades dos trabalhadores naquele momento” (Idem, ibidem).

A prova do acerto dessa análise é que quando a conjuntura foi à direita, a

realidade comprovou que, ao invés de todo o patrimônio político-organizativo

construído pelo PT e pela CUT no movimento sindical influenciar na ruptura com a

estrutura sindical e no combate consciente às tendências de burocratização e

conciliação de classe, ocorreu justamente o inverso.

A nova situação de refluxo nas lutas que se abriu no Brasil não apenas

fez retroceder as contrapressões à tendência de burocratização e conciliação, mas

fertilizou todo um terreno para que as posições de independência de classe

retrocedessem. As mudanças na produção capitalista que se desenvolveram

durante as décadas de 1970 e 1980, até então freadas pela força do ascenso que

gerou saldos político-organizativos importantes e ainda conquistou a

redemocratização no país, encontraram na década de 1990 uma avenida aberta

para sua aplicação, com conseqüências decisivas e nefastas para o sindicalismo

brasileiro:

195

No mundo da produção e do trabalho difundiu-se nos anos 1980 o modelo japonês, o ohnismo/toyotismo, fundado nas possibilidades abertas pela introdução de um novo padrão tecnológico: a revolução microeletrônica. É a chamada produção flexível, que altera o padrão rígido fordista. [...] [...] [...] Contrapondo-se à verticalização fordista, a produção flexível é, em geral, horizontalizada / descentralizada. Trata-se de terceirizar e subcontratar uma rede de pequenas / médias empresas, muitas vezes até com perfil semi-artesanal e familiar. A produção é conduzida pela demanda e sustenta-se na existência do estoque mínimo. O just in time e o kaban asseguram o controle de qualidade e o estoque. Um pequeno grupo de trabalhadores multifuncionais ou polivalentes opera a ilha de máquinas automatizadas, num processo de trabalho intensificado, que diminui ainda mais a porosidade no trabalho e o desperdício. Diminui também a hierarquia no chão da fábrica, já que o grupo assume o papel de controle e chefia. Acrescente-se a pressão patronal pelo sindicalismo por empresa – sindicalismo de envolvimento – e a pressão do desemprego, e tem-se o caldo de cultura para a adesão a novas regras [...]. [...] Estes processos abalam as condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora e vêm desencadeando mudanças nas formas de sua organização política. Presencia-se a queda nos índices de sindicalização, bem como a dificuldade de organizar politicamente o subproletariado moderno. Há óbices em tecer alianças entre os segmentos centrais e os precarizados/subcontratados – e o que dizer dos definitivamente expulsos, inempregáveis, desfiliados e expostos à vulnerabilidade de massas [...]? Nesse contexto, impõem-se tendências neocorporativistas e individualistas. Esses processos apontam para obstáculos na constituição de uma consciência de classe para si, minando a solidariedade de classe e enfraquecendo a resistência à reestruturação produtiva. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 34-37, grifos nossos)

Com o fim do ascenso sindical da década de 1980, combinado com a

vitória de Collor sobre Lula, além da recessão econômica e das tendências

parasitárias próprias da época imperialista do capitalismo, o processo de

reestruturação capitalista passa a ser implementado de forma integral no Brasil. A

“ofensiva ao trabalho, facilitada ideologicamente por uma série de acontecimentos

sócio-históricos, como a crise do Welfare State e a crise do Socialismo Real”

(BOSCHETTI, 2010, p. 283), chegou ao Brasil “na década de 1990, com a

‘flexibilização’ (precarização), que foi uma alternativa para essa nova rearticulação

do sistema, que afetou de forma nefasta a classe trabalhadora” (Idem, ibidem, p.

284) e, conseqüentemente, os sindicatos. Esse refluxo das lutas a partir desse

avanço neoliberal produzia uma ausência de participação da base no cotidiano do

sindicato, que por sua vez perdia a possibilidade de controle sobre suas direções.

196

Diante desse afastamento dos trabalhadores – uma vez que as lutas

passaram a se dar num ritmo muito menor – foi se dissipando a pressão positiva que

antes existia no ascenso operário e as tendências de integração à estrutura sindical

e colaboração com o capitalismo foram se intensificando e projetando uma relação

de “parceria” entre patrões e os sindicatos, que iam sendo empurrados a celebrar

pactos desfavoráveis para os trabalhadores, muitas vezes sem lutas inclusive. Além

disso, a Articulação Sindical encontrou, nesse período, as condições objetivas para

levar adiante a sua aspiração de utilizar a relação com o movimento sindical como

um impulso ao projeto de chegar ao governo pelas eleições, a qualquer custo,

descaracterizando por completo o papel de independência dos sindicatos frente o

Estado e os patrões, e autonomia dos sindicatos em relação ao próprio PT.

A combinação de todos esses fatores – a desproporção de forças imposta

pelo capitalismo monopolista, a conjuntura de ofensiva neoliberal e de

reestruturação produtiva, o refluxo do movimento, o papel da estratégia Articulação

como ala majoritária no movimento sindical e a impossibilidade de reversão dessa

dinâmica pela esquerda petista, em função seu peso minoritário e pelo expurgo de

boa parte dos que defendiam travar uma luta mais séria por um sindicalismo

independente – foi determinante para a mudança de um perfil sindical que antes se

opunha ao “sindicalismo reformista e conciliador de interesses antagônicos, que

procura enquadrar as lutas sindicais nos limites alcançáveis dentro do sistema

capitalista” (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 1988), para uma proposta

de “sindicalismo cidadão”, como já apontava o PT no I Congresso Nacional:

... É urgente que a CUT se capacite para enfrentar, com novos procedimentos, a recessão, o desemprego e um governo que disputa ativamente conosco no terreno político e ideológico. O movimento sindical combativo está diante de um grande desafio: superar os limites do corporativismo, lutando para que os trabalhadores se reconheçam também como cidadãos, que participam e interferem ativamente em todos os temas nacionais. Cabe ainda aos petistas contribuir para que a CUT não se perca no sectarismo e na luta interna. [...] [...] Para isso, é preciso combinar a necessária luta pelas reivindicações setoriais com uma atuação mais ampla, que envolva a negociação e a ação na frente institucional, e uma política de alianças que inclua os setores marginalizados e desorganizados da sociedade. A CUT, além do encaminhamento das lutas das diferentes categorias e da luta por uma política salarial e pelo Contrato Coletivo Nacional, tem que ampliar a base dos sindicatos e apresentar-se como interlocutora da classe trabalhadora no debate e na disputa de alternativas para o País [...]. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1991b, grifos nossos)

197

A proposta de enfrentar os adversários “com novos procedimentos”, de

lutar para que os trabalhadores “se reconheçam como cidadãos” e de promover uma

atuação mais ampla que envolva “negociação e ação na frente institucional”, era

uma sinalização clara de como a direção do PT pretendia conduzir a intervenção do

partido no movimento sindical: pondo um freio às lutas e privilegiando as

negociações por dentro dos espaços propiciados pelo Estado, com o objetivo de

conciliar os conflitos de classe.

A primeira manifestação desse processo de adaptação, inclusive, se deu

antes mesmo dos sindicalistas do PT iniciarem uma defesa mais aberta de práticas

colaboracionistas. Em 1990, a CUT participa de uma negociação tripartite com o

Governo Collor sem que antes houvesse qualquer ação de mobilização para

pressionar o governo a atender a pauta do movimento e em discordância com vários

setores no interior da central, conforme o relato de GARCIA (2011, p. 148-149):

Já em setembro de 1990, a CUT, que ao longo da década de 1980 rejeitara todas as propostas de pactos sociais, surpreende a todos com a aceitação de participar do “entendimento nacional” proposto por Collor de Mello. Seu presidente Jair Meneguelli comparece a uma reunião convocada pelo presidente da República com o objetivo de viabilizar este entendimento. É claro que tal atitude se deu em base a uma grande polêmica no interior da Central, uma vez que todos os congressos anteriores tinha se manifestado categoricamente contra qualquer proposta de pacto social. A Articulação Sindical impôs a sua maioria nas instâncias dirigentes da Central, sob protestos das correntes minoritárias e, posteriormente, referendou sua posição votando no IV Concut, ainda que em sua tese recusava-se a admitir o “entendimento nacional como sendo um pacto social ...

No entanto, as próprias resoluções aprovadas no IV Congresso Nacional

da CUT (CONCUT), com a maioria da Articulação, revelam que a proposta de

sindicalismo de cúpula e negociação estava sendo desenvolvida, mesmo a

contragosto dos setores combativos:

Através da tática de comparecer para disputar com governo e empresários, a CUT conseguiu impor a pauta de 13 pontos da Plenária Nacional e transformar aquilo que pretendia ser um espaço para referendar a política do governo num fórum de negociações, em que reposição das perdas, necessidade de política salarial, assentamento de trabalhadores rurais e reversão de demissão de grevistas se constituíram em prioridade de discussão. A CUT enfrentou algumas dificuldades nesse processo, pelo equívoco de setores minoritários que, desrespeitando a democracia interna, decidiram encaminhar na base contra as deliberações da Central.

198

Assim, cada assembléia, em vez de organizar a mobilização dos trabalhadores, se transformava em reavaliação da deliberação de comparecer às negociações, disseminando a desinformação e confundindo propositalmente e de má-fé o processo de negociação com “pacto social”, fazendo coro com os patrões e o governo. A centralização do debate nesta falsa polêmica, fruto de uma concepção que restringe a atuação da Central a ações diretas e de caráter econômico, serviu a dois objetivos. Primeiro, para mascarar a incapacidade que esses setores têm para mobilizar a base de seus sindicatos. Assim, transferem seu imobilismo para o setor majoritário, que estaria “substituindo a mobilização por negociação”. [...] O segundo objetivo, eleitoreiro, consistia em precipitar a discussão interna a respeito da direção, visando o 4º Concut. (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 1991, grifo nosso)

Os demais argumentos de enfrentamento da Articulação com os setores

minoritários na CUT são acessórios diante do principal: a concepção de sindicalismo

ali defendida concebia uma atuação que não necessariamente reivindicava a

mobilização permanente dos trabalhadores (ação direta) como método privilegiado

de pressão sobre os patrões e governos. A partir daí, a natureza da relação do PT

com o movimento começa a se modificar. A incorporação da CUT naquele espaço

tripartite foi apenas o primeiro passo anunciado de uma trajetória de adaptação que

só se aprofundava. Menos de dois anos depois, a maioria dos sindicalistas do PT

aceitou a proposta do governo Collor de constituir câmaras setoriais com a CUT,

promovendo o encontro entre sindicatos, empresários e governos para discutir

conjuntamente os planos de determinados setores econômicos.

A incorporação dessa nova experiência colocou nas mãos de

sindicalistas do PT – que sempre rejeitaram organismos tripartites desse tipo

propostos anteriormente – a responsabilidade sobre a negociação não apenas das

questões atinentes à vida dos trabalhadores, mas da gestão capitalista. Na câmara

setorial automobilística, por exemplo, os sindicatos discutiam a crise das

montadoras, as formas de reduzir preços dos veículos, isenções nas alíquotas

fiscais, etc. Lá, incorporavam toda a discussão da gestão empresarial, opinando a

respeito de como chegar a soluções que “garantissem os direitos dos trabalhadores”

sem que a saúde financeira dos patrões e governos fosse afetada e, ao aprofundar

essa prática – ao contrário do discurso da Articulação, que defendia a participação

nesses fóruns com o argumento de defesa dos trabalhadores – tornavam-se co-

administradores dos interesses do capital, consolidando um sindicalismo reformista,

de “boas relações” com os empresários e que coloca a luta em segundo plano.

199

E na prática, foi exatamente isto o que aconteceu, conforme demonstra o

relato de MARTIN (1996, grifos nossos):

Em meio ao aprofundamento da recessão e do desemprego, a Ford Motores anunciou o iminente fechamento de sua fábrica de motores em São Bernardo, o que implicava a demissão de 700 trabalhadores. Depois do fracasso de uma greve de quatro semanas realizada na fábrica em setembro, uma pequena delegação de sindicalistas de São Bernardo e de aliados políticos do Partido dos Trabalhadores viajou aos Estados Unidos para tentar sensibilizar os executivos da matriz da empresa para voltar atrás na decisão. Embora o objetivo imediato de impedir o fechamento da fábrica não tivesse sido obtido, a viagem acabou criando as condições para uma audiência entre Vicente Paulo da Silva (Vicentinho), presidente do sindicato, e o ministro da Economia Marcílio Marques Moreira. A reunião gerou dois resultados: (1) um apelo público de parte do governo brasileiro à Ford para reconsiderar sua decisão; e (2) a proposta da reativação da câmara setorial da indústria automotiva, agora como genuíno foro tripartite de negociação de todo o leque de temas relativos ao futuro do setor. [...]

Seguiram-se três meses de trabalho contínuo, na forma de grupos temáticos, a fim de elaborar um diagnóstico comum da crise do setor e negociar medidas para combatê-la. Finalmente, no contexto de um seminário de alto nível realizado em Brasília, as partes chegaram a um acordo, que buscava reativar a indústria automotiva principalmente através do estímulo ao consumo. O documento, que resultou na redução imediata de 22% no preço final dos automóveis e de veículos comerciais leves, foi cuidadosamente articulado de maneira a distribuir o sacrifício dessa medida entre os governos federal e estadual, com a queda nas alíquotas dos impostos (IPI e ICMS), e nas margens de lucro das montadoras, autopeças e distribuidores. As montadoras comprometeram-se a só repassar aos preços os aumentos de custos que ocorressem dali em diante.

Já que os trabalhadores do setor vinham sofrendo nos últimos anos um forte arrocho salarial e queda nos níveis de emprego devido à combinação de recessão com agravamento da inflação e que os custos da mão de obra representavam um pequeno percentual do preço final, considerou-se que não era viável pedir-lhes um forte sacrifício material adicional. Pelo contrário, era necessário manter ou até melhorar as suas condições de vida. Porém, a fim de dar um tempo até que a redução dos preços reativasse as vendas e portanto a produção, os sindicatos aceitaram postergar a data base de primeiro de abril para primeiro de julho daquele ano. Nesse ínterim, os trabalhadores receberiam mensalmente a reposição integral da inflação do mês anterior e as empresas manteriam os níveis de emprego.

Este exemplo revela, além do papel desmobilizador daquela direção

sindical, um profundo processo de adaptação da ala petista de maior peso no

movimento. Impactados pelo refluxo e pela derrota da greve, ao negociarem com os

patrões sem desenvolver qualquer trabalho de mobilização na base, esses

dirigentes aprofundavam, conscientemente, a tendência objetiva de afastamento dos

sindicatos em relação aos seus representados.

200

Mais do que isto, ao se envolverem em mesas de negociação permanente

como o meio prioritário para “sensibilizar” os patrões, as direções sindicais limitavam

o debate em questões que só poderiam ser resolvidas na base do “consenso”, já

que o método da pressão pelas mobilizações estava sendo secundarizado. Além

disso, a participação nesses espaços reproduzia uma intervenção totalmente

reduzida a demandas econômicas, já que não fazia qualquer sentido discutir com os

empresários e o governo (preocupados apenas, respectivamente, com seus

negócios e com a estabilidade da economia) qualquer proposta vinculada a um

projeto político mais global, de enfrentamento com o capitalismo. Esse tipo de

intervenção – que só pode ser construída através de um amplo trabalho de

conscientização e mobilização, que pressione e obrigue os patrões e governos a

conceder aquilo que eles não pretendem oferecer – fica praticamente abandonada,

limitando o horizonte da luta no corporativismo, na administração da exploração.

Coerente com as resoluções aprovadas pela Articulação Sindical no seu

IV Congresso Nacional, que “compreendeu a necessidade de atacar [...] em todos os

espaços” (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 1991), a CUT não se deteve

nas câmaras setoriais. Ainda no início dos anos 1990, a CUT assumiu assento no

Conselho Gestor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com vários dirigentes

petistas e cutistas passando compor organismos de gestão capitalista. Segundo

GARCIA (2011, p. 153-154):

A partir daí se deu uma ampla utilização dos recursos para a prestação de serviços de educação e formação profissional pelos sindicatos ou ONGs a eles associadas. [...] A CUT participando da gestão do FAT significava, então, que em vez de se opor ao capital na disputa pela taxa de mais-valia, estes sindicalistas estavam agora participando da direção de uma instituição que tem por objetivo gerir o capital – facilitar e promover a reprodução ampliada –, seja através da formação do “trabalhador coletivo”, seja mediante a gestão do financiamento direto aos investimentos.

E essa política em nada era casual. Ao não contrapor com política e ação

conscientes as pressões objetivas que arrastavam os sindicatos para conciliar e

administrar do capital, a CUT (sob responsabilidade da direção do PT) não se opôs

a esse processo de adaptação – ao contrário, o aprofundou –, sob o discurso de

aproveitar uma “grande oportunidade”. O resultado foi a total descaracterização do

sindicalismo combativo, como comprova a resolução do VI CONCUT:

201

Criar um Fundo Nacional de Geração de Emprego e Educação Profissional, constituído a partir da totalidade dos recursos do FAT, do “Sistema S”, dos recursos atualmente destinados aos fundos de promoção regionais (Sudam, Sudene, Finor etc.) e de uma taxa adicional média aplicada sobre as importações dos produtos de consumo e intermediários (exceto para bens de capital). Essa taxa deve ter um valor máximo e variar de acordo com a participação dos produtos importados na produção nacional. Esse fundo será gerido de modo tripartite e será responsável pela aplicação das políticas públicas orientadas à reciclagem profissional, à intermediação de mão-de-obra, ao seguro-desemprego e pela política de geração de empregos. Os recursos do programa permanente de geração de empregos devem ser destinados para setores de atividade econômica que são capazes de gerar mais empregos e de qualidade e para as regiões ou localidades onde os fenômenos do subemprego e do desemprego sejam mais elevados do que as médias nacionais. [...] A CUT deverá intensificar e priorizar sua luta por políticas sociais públicas, como Habitação, Saúde, Previdência e Assistência Social, o Seguro Acidente de Trabalho, entre outras políticas, e nós, trabalhadores, e a sociedade civil, deveremos ter um controle de gestão e participação cada vez maior. Além desta luta prioritária, vários sindicatos buscam complementarmente prestar serviços aos sócios, como cooperativas de habitação, assistência de serviços de seguros civis (de vida, carro, incêndio), além de outras prestações. (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 1997, grifos nossos)

Ali, a ala hegemônica da CUT (que correspondia ao grupo dirigente do

PT) deixava claro, com todas as letras, que a tarefa da central não era mais servir de

instrumento para o fortalecimento da luta por outra sociedade, e sim, ajudar o

capitalismo a se desenvolver e, desse modo, garantir pequenas concessões aos

trabalhadores. O sindicalismo hegemônico petista, portanto, cada vez mais se

transformava em pilar de sustentação da burguesia, tanto do ponto de vista político,

quanto material, afinal, o processo de integração do sindicalismo petista aos

instrumentos de administração do capital não se deu sem que houvesse um

tratamento dos sindicalistas como verdadeiros parceiros de negócio, com altos

salários, jetons, etc.

Até a chegada do PT ao governo central, esse processo de adaptação

dos mais destacados dirigentes sindicais petistas e a sua integração à lógica da

gestão do capital, longe de diminuir, apenas se radicalizou. Além da participação na

gestão do FAT, FGTS, etc., durante o governo FHC, que foi marcado pela entrega

do patrimônio público, os sindicalistas que outrora eram os mais combativos

terminaram compondo também os conselhos de administração dos fundos de

pensão, com participação econômica direta nas antes tão condenadas privatizações.

202

Um exemplo categórico foi o processo de privatização da Companhia

Vale do Rio Doce, que se concretizou em 1997. O PT havia aprovado no seu último

(X) Encontro Nacional a “defesa do patrimônio público, desmascarando os

interesses envolvidos na privatização e lutando pela democratização e controle das

estatais” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1995a) e a CUT realizava uma

campanha contra a venda da estatal; mas, enquanto isso, os dirigentes sindicais

petistas que compunham o conselho da Caixa de Previdência dos Funcionários do

Banco do Brasil (PREVI) votavam a favor da participação do fundo no consórcio

privado que arrematou a empresa, como assinala GARCIA (2011, p. 61-62, grifos

nossos):

Por ocasião da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, o movimento social organizou fortes manifestações de protesto em frente ao prédio da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, nas quais a palavra de ordem mais cantada pelos manifestantes era: “Ah! a Vale é nossa!” Acorreram ao Rio de Janeiro caravanas das mais distintas localidades do território nacional. [...] Foram quase três dias de batalhas judiciais, com liminares suspendendo e autorizando o leilão. E o povo trabalhador lá, numa vigília cívica, sem arredar o pé. No palanque da resistência estava presente toda a direção da CUT, desde seu presidente Jair Meneguelli, um dos principais quadros da Articulação Sindical, aos demais representantes das correntes minoritárias [...]. Mas algo de muito estranho se passava. A Previ estava no centro do processo de privatização da Vale, integrando o consórcio que iria vencer a disputa, a partir de uma decisão unânime de seus dirigentes. [...] Após muitas idas e vindas, por fim, a Vale foi privatizada. No dia seguinte ao da privatização, o jornal da Previ, que tinha integrado o consórcio vencedor, estampou em sua manchete “Ah! a Vale é nossa!”, provocando uma justa indignação no seio daqueles que se opuseram à venda da estatal.

A defesa da participação da PREVI nos processos de privatização, por

parte desses sindicalistas petistas, embora em relativa “contradição” com o discurso

“anti-neoliberal” do PT, revelava não um processo distinto, um suposto “desvio de

conduta” de parte dos sindicalistas que se “descolaram” da proposta e da estratégia

do partido no movimento, mas precisamente o inverso. Demonstrava a real

profundidade da adaptação dos setores do movimento sindical que adentravam a

essa lógica de gestão e, por outro lado, sinalizou qual seria o destino de todos os

demais que trilhassem por esse mesmo caminho: tornarem-se agentes da burguesia

dentro do movimento operário, descolados de qualquer interesse coletivo dos

trabalhadores e adotando uma estratégia de colaboração de classes.

203

Como não havia qualquer medida por parte do PT para conter todas

essas pressões, uma ampla camada de dirigentes sindicais do partido foi tragada

para esse projeto de sindicalismo, padronizando as características de colaboração e

de parceria com o capital no interior da organização, a ponto de apenas uma minoria

não se constituir em uma burocracia corrompida.

Ao invés disso, o que havia era incentivos conscientes por parte da

direção do PT para cada vez mais aprofundar essa estratégia e, ao mesmo tempo,

impor mecanismos de decisão mais restritivos, para que somente uma camarilha de

dirigentes centralizasse o poder de deliberação com o objetivo de tomar todas as

decisões que lhes interessavam, com cada vez menos participação (e, portanto,

pressão) das bases.

Essas medidas de autonomização dos dirigentes foram impostas desde

cedo dentro da CUT, antes mesmo do giro da central para ser partícipe da

administração capitalista ter se iniciado. No III CONCUT (1988), foram aprovadas

“novas regras [...] que restringiam o número total de delegados, particularmente o

número de delegados eleitos diretamente pelas bases e, também, a participação das

oposições sindicais” (Idem, ibidem, p. 144-145), com o claro objetivo de cercear a

participação de setores que poderiam vir a impor obstáculos ao curso pretendido

pela Articulação dentro da CUT. Conforme o estudo de SOUZA (2002, grifos

nossos):

... III CONCUT delibera as seguintes alterações restritivas: a) restringe a participação nos congressos cutistas apenas aos delegados

das entidades filiadas e oposições sindicais reconhecidas pelas CUT’s estaduais;

b) restringe o número de delegados das entidades, na medida em que

delibera que esse número será proporcional ao número de sindicalizados e não mais de trabalhadores na base. No caso das oposições sindicais, a proporcionalidade será em relação ao número de votos obtidos na última eleição para a diretoria da entidade e, para as que não disputaram eleições, o número não poderá ser superior à delegação do menor sindicato;

c) Elimina o critério que estabelecia a proporcionalidade entre

delegados de base e de diretoria, tendo em vista que delibera que a escolha dos delegados ao Congresso Nacional será por meio de eleição proporcional, a ser realizada nos congressos estaduais, e não mais pelas instâncias das entidades.

d) Restringe o debate, uma vez que passa de dois para três anos a

periodicidade do Congresso Nacional.

204

Isto produziu mudanças na composição do congresso seguinte (1991),

em que “83% dos delegados eram diretores de sindicatos e apenas 17% eram

militantes de base. Quase 70% dos delegados eram sindicalistas ‘liberados’ [...] (no

III Concut eram apenas 34,1%) e os representantes das oposições [...] eram menos

de 2%” (Idem, ibidem, p. 145). Daí em diante, como mostra o gráfico a seguir (em

que pese a ausência de alguns dados), a participação tanto do ponto de vista da

quantidade de delegados quanto no tocante à presença da base nas instâncias de

decisão da CUT só diminuíram, fortalecendo ainda mais a lógica de adaptação à

estrutura sindical e aos organismos de gestão capitalista, defendida por sua direção:

Gráfico 1: Composição dos participantes dos Congressos da CUT (1983-2000)

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

Mil

ha

res

Delegados 5059 5222 5564 6244 1554 1918 2266 2309

Base 3440 3923 3184 264

Direção 1426 1641 3060 1290

Número de entidades 912 937 1014 1157 1679 2235 1388

CONCLAT (1983)

I CONCUT (1984)

II CONCUT (1986)

III CONCUT (1988)

IV CONCUT

V CONCUT (1994)

VI CONCUT

VII CONCUT

Fonte: CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (1983, 1984, 1986, 1988, 1991, 1994, 1997,

2000); OLIVEIRA (2010); RODRIGUES (1997, cap. 4); SOUZA (2002, p. 150, 158)

Essa retração da democracia interna na CUT foi totalmente funcional ao

aprofundamento da cooptação e adaptação da central à lógica do mercado. Num

processo análogo ao ocorrido no I Congresso Nacional do PT (1991), no qual se

identificou um peso desproporcional de quadros e dirigentes vinculados aos postos

institucionais e com altos salários em relação à militância; a CUT também se

transformava cada vez mais numa organização de sindicalistas profissionais, e com

um agravante: enquanto no PT o afastamento da militância em relação ao partido se

impôs inicialmente pela realidade objetiva (refluxo das lutas, pressão exercida pelos

mandatos, etc.), na CUT o que se viu foi uma política consciente dando início à

implantação de uma “cláusula de barreira” da direção em relação à base.

205

A partir dali, qualquer insatisfação, mesmo que tomasse proporções

maiores que a audiência dos setores minoritários mais combativos, passou a ser

sufocada pelo rígido controle da direção cutista.

Ignorando todas as pressões objetivas oriundas da própria discrepância

de forças do capitalismo decadente, numa conjuntura de poucas lutas e munida da

política defendida conscientemente pela direção do PT de adentrar em todos os

espaços de negociação e de gestão oferecidas pelo Estado, a CUT abandona, ao

longo da década de 1990, qualquer traço de combate à estrutura sindical vigente,

culminando na sua total perda de independência política com a chegada de Lula à

presidência da República em 2002.

Fazer essa análise tem uma importância fundamental, pois é comum se

verificar interpretações que vinculam o processo de integração da CUT ao

sindicalismo reformista, de colaboração de classes e a toda a lógica capitalista,

apenas à questão da opção política que fez em apoiar o Governo Federal que tem o

PT à frente – como se caso outro partido chegasse ao governo, sobretudo os

referenciados na direita clássica, fosse o suficiente para resgatar o papel combativo

do sindicalismo petista e cutista das origens.

Trata-se de um prognóstico perigoso, pois seus argumentos não

correspondem aos fatos. Como já exaustivamente demonstrado, esse processo já

se desenvolvia a passos acelerados vários anos antes da vitória eleitoral de 2002,

com sindicalistas se transformando numa espécie de aristocracia operária co-

administradora do capital financeiro, inclusive passando a uma condição social e de

vida completamente distinta da realidade da classe47. Na prática, “o que ocorreu com

a vitória de Lula é que o PT deixou de ser sócio minoritário na implementação

do projeto neoliberal e passou a ser o majoritário” (GARCIA, 2011, p. 82, grifo

nosso), uma vez que agora – além dos assentos já existentes nos organismos de

gestão – os sindicalistas passaram a ser indicados diretamente pelas estatais.

47 Todos os conselhos gestores dos fundos de pensão e também das empresas privatizadas com capital acionário oferecem super-salários para seus conselheiros. A direção do PT e da CUT nunca se dispôs a lutar contra isso e além de atuar nesses espaços com o objetivo político de realizar parcerias com o capital, acabou por também promover a ascensão social dos seus principais quadros. Ao receberem salários muito superiores aos que lhes seriam oferecidos enquanto trabalhadores na base, esses sindicalistas se envolvem numa lógica de cooptação através da qual são pressionados a travar uma luta não pelos interesses da classe, mas pela sua manutenção nesses cargos, em defesa de suas novas (e melhores) condições de vida. GARCIA (2011, p. 84), que em sua obra analisa a participação de sindicalistas na PREVI, cita como um dos exemplos mais destacados desse processo o ex-sindicalista e bancário Sérgio Rosa, que foi presidente da PREVI até 2010 e cujo salário estava “em torno de R$ 19.000,00, fora o auxílio moradia e a verba de representação”. Com o know-how adquirido na PREVI, Rosa acabou assumindo posteriormente a presidência da BrasilPrev, um empresa de previdência privada controlada pela companhia americana Principal e pela seguradora do Banco do Brasil.

206

A estratégia sindical do PT através da intervenção na CUT, portanto,

terminou por sintetizar as bases do transformismo petista até aqui trabalhadas – a

ruptura do elo do PT com as aspirações da classe em detrimento da estratégia de

chegar ao governo pelas eleições, e, a mudança da natureza da relação do partido

com os movimentos, principalmente o sindical, a partir do aprofundamento da

adaptação à estratégia de conciliação e administração do capital – em duas tarefas

centrais: utilizar a influência no meio sindical para ampliar a audiência eleitoral e

conquistar o governo, ganhando a confiança inclusive da burguesia; e conciliar com

os patrões e o Estado para, através da negociação, não mais promover um

enfrentamento de classe e anticapitalista, mas, arrancar algumas pequenas

concessões (na maioria delas, respostas defensivas) que pudessem servir de

“troféu” a ser apresentado às bases com o objetivo não perder a referência de

direção conquistada nas lutas dos anos 1980 e “comprovar o acerto” da substituição

de um sindicalismo combativo pelo “cidadão”. Não sem antes, é claro, promover

todas as restrições democráticas que pudessem facilitar o êxito dessa estratégia.

Com a chegada de Lula à Presidência da República – precisamente em

função de todo o abandono programático e a incorporação da estratégia de

administrar o capital por parte do ideário petista, como já visto – esse processo toma

contornos ainda mais dramáticos. A partir daí os objetivos do partido no movimento

dissipam qualquer contradição aparente com a estratégia do PT no governo,

alinhando-se perfeitamente num único projeto: gerenciar o capitalismo.

Isto sela o processo de transformação do PT em dois aspectos decisivos

para qualquer partido que algum dia pretendeu se opor ao capitalismo: sua relação

orgânica com o movimento vivo e independente dos trabalhadores e sua estratégia

de poder. Conforme assinala DIAS (2006, p. 188-189, grifos e comentário nossos), a

intervenção petista no movimento sindical (pela via da CUT) não tinha mais em seu

horizonte a luta dos trabalhadores, mas a defesa irrestrita do governo e dos seus

próprios privilégios e controle sobre o movimento:

A CUT é hoje uma correia de transmissão. [...] Nada que for crítico ao governo passa em suas instâncias. A CUT, construída durante a ditadura, praticamente desapareceu, não obstante o esforço de boa parcela da militância. Esse processo não é de agora, tendo começado no Congresso de Belo Horizonte [III CONCUT, em 1988] com a reforma estatutária que diminuiu a possibilidade de controle da ação da direção pelas suas bases e acentuou seu caráter concentrador, centralista. [...]

207

[...] A política é ditada de fora, pela direção partidário-sindical estreitamente vinculada ao “Projeto Lula”. [...] Os metalúrgicos levaram adiante as Câmaras Setoriais que, a pretexto de garantir-lhes o emprego, diminuíram os impostos das montadoras, reiterada seguidamente. O caso é clássico: aumento da produtividade e da lucratividade, nenhum controle previsto sobre as empresas e um mínimo de empregos mantidos. Mas, sempre e sempre sob a ameaça de novas demissões. Vitórias insistimos. Onde? [...] A CUT assumiu a forma da Central que combatera (Força Sindical) e instalou-se um novo sindicalismo de resultados, negócios e apoio incondicional ao governo. [...] Cada vez mais distinta e isolada dos trabalhadores, transformados em exército de apoio à direção, em massa de manobra devidamente disciplinada por ela [...].

Um último aspecto que não poderia deixar de ser abordado acerca do

processo de transformação do PT é o estabelecimento de relações cada vez mais

orgânicas com a burguesia.

Foi visto até aqui como o PT foi rompendo seus laços com a militância e

com os interesses dos trabalhadores, concretizando uma estratégia de poder pela

via eleitoral para gerenciar o capitalismo e, por outro lado, o processo de

degeneração da natureza dos vínculos do partido dentro movimento (com destaque

para o sindical); contudo, em paralelo a tudo isso, havia uma dinâmica de

aprofundamento do elo do PT com sua antiga inimiga, a burguesia.

Parte dessa dinâmica pode ser facilmente identificada ao analisar, como

aqui já feito, a política de alianças desenvolvida pelo PT ao logo de sua trajetória. No

entanto, apesar da estratégia consciente de se aliar com a burguesia para vencer

eleições, tomar isto como único fator de dependência torna o exame muito restritivo.

E por isto a importância do estudo a respeito das vinculações materiais que

determinaram a integração do PT aos interesses de manutenção do capitalismo.

Como conseqüência da adesão do PT à estratégia de chegar ao governo

para administrar o capital, se constituiu como uma necessidade do partido entrar nos

processos eleitorais para vencer e isso obrigava não apenas ampliar alianças, mas

uma postura de maior “profissionalismo”, ou seja, a busca de todos os mecanismos

possíveis que pudessem auxiliar o partido a ter êxito nesse objetivo. A necessidade

de contratar profissionais do marketing, de fazer frente às demais candidaturas e,

conseqüentemente, de lançar mão de mais recursos financeiros que pudessem

custear uma campanha de “alto nível” exigia a procura de doadores de campanha.

Coerente com a proposta de eleger a qualquer custo, assim foi feito.

208

Nas eleições presidenciais de 1989, este era um debate que ainda não

existia. Empurrado pelo ascenso dos anos 1980 e, apesar das constantes tensões e

inflexões da Articulação, o PT materializava um programa com traços anticapitalistas

e que, pela força do movimento, arrastava consigo a vanguarda mais destacada das

lutas e também um importante setor de massas.

O sentimento anti-regime e o peso do classismo impunham ao PT uma

demarcação clara de independência de classe que também se expressava na

sustentação financeira da campanha eleitoral e, não por acaso, naquele ano o PT

recusava qualquer doação oriunda de pessoas jurídicas. Praticamente todos os

custos da eleição foram bancados por contribuições dos petistas e por campanhas

financeiras militantes.

Mas, a inflexão política, programática e a intensificação dos processos de

burocratização e adaptação que se desenvolveram durante a década de 1990 no PT

igualmente incidiram nesse processo, como seria de se imaginar. Já em 1994, pela

primeira vez e ainda com valores não necessariamente vultosos, o PT passaria a

aceitar doações de empresas para a corrida presidencial:

Em ofício de prestação de contas de campanha, datado de 30 de novembro de 1994, assinado por Luiz Inácio Lula da Silva e por Maria do Carmo Godinho Delgado, tesoureira da campanha, encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral e protocolado sob o nº 10.906/94, o PT relacionava seus doadores de campanha. Ao lado de milhares de doações individuais, pela primeira vez se encontraram doações de pessoas jurídicas. A maior parte dessas doações se verificou através de doações de materiais a serem utilizados na campanha. A Ripasa S.A. Celulose e Papel, a Klabin Fábrica de Papel e Celulose S.A., Cia. Suzano de Papel e Celulose e a Cia. Votorantim de Celulose e Papel, dentre outras, contribuíram com a doação de resmas de papel, que em sua totalidade não ultrapassaram a cifra de R$ 300 mil. A Grendene S.A. emprestou seu avião para várias viagens de Lula, e assim por diante. Causou espécie a doação do Banco Itaú S.A., que em 11 de julho de 1994 doou R$ 399.998,15 e em 14 de julho, através da Itaú Superintendência de Contabilidade, doou R$ 99.999,62, beirando a cifra de R$ 500 mil. O setor financeiro começava a entender e apostar nas mudanças que sofria o PT. (GARCIA, 2011, p. 107-108, grifos nossos)

Também na campanha eleitoral do estado de São Paulo, no mesmo ano,

o PT abria os cofres para receber recursos privados e impulsionar a candidatura de

José Dirceu para governador. Desta vez, além de avançar para o patrocínio

empresarial, o PT aceitava pela primeira vez doações de empreiteiras envolvidas em

denúncias de corrupção, conforme noticiou o jornal Folha de São Paulo:

209

O candidato do PT ao governo de São Paulo em 94, José Dirceu, teve 72% de sua campanha bancada por empreiteiras, o maior índice dos candidatos do Estado. Pelo menos R$ 810 mil, de um total de R$ 1,1 milhão arrecadado pelo PT, tiveram origem nos cofres das construtoras. O grupo Odebretch liderou o ranking das ofertas ao PT: a construtora Norberto Odebretch forneceu R$ 169 mil, e sua subsidiária, a CBPO, repassou R$ 309 mil. O grupo OAS, antigo alvo de denúncias de corrupção dos petistas, também compareceu com contribuição de R$ 215 mil. (CONSTRUTORAS, 1995, grifos nossos)

Este episódio provocou reações na época, inclusive “alguns dirigentes do

PT chegaram a defender a devolução dos recursos, o que acabou não ocorrendo de

fato” (Idem, ibidem). Os ruídos internos, no entanto, iam paulatinamente sendo

contornados pela reafirmação da estratégia de eleger a qualquer custo e pela

construção de um consenso pela “positiva”: receber doações de empresas

“corruptas” seria inaceitável, mas aceitar recursos das “honestas” seria legítimo. Esta

linha foi defendida pelo então vice-presidente do partido, Aloísio Mercadante, que

em entrevista à imprensa, afirmou: “’Houve muitos problemas na história recente do

país envolvendo a Odebrecht. Foi um erro [...] terem aceito dinheiro dela’ [...].

Afirmou ser contrário, porém, à devolução do dinheiro. ‘A campanha nacional já deve

US$ 1,5 milhão e não sabe como pagar’" (MENEZES, 1994).

Contudo, apesar de alguns questionamentos, o que acontecia na prática é

que havia uma crescente naturalização do recebimento de recursos empresariais no

PT. Ao tratar do mesmo episódio logo após a vitória de FHC nas eleições de 1994,

quando questionado pela imprensa sobre as doações da Odebretch – acusada de

fraudes no orçamento da União –, Lula, com toda naturalidade, deixava muito claro

que não seria a última vez que o PT buscaria o apoio da burguesia, seja ela

“corrupta” ou não: “Odebrecht, Bradesco, Itaú, para mim, é tudo a mesma coisa.

Qual empresa não está envolvida hoje em denúncias de corrupção? Se as doações

foram feitas dentro da lei, é normal” (Idem, ibidem).

E de fato, as eleições seguintes demonstraram que este era um caminho

sem volta. Na campanha presidencial seguinte, em 1998 – mesmo com todo o peso

de FHC, que conseguiu unificar quase todo o empresariado ao seu redor –, se

repetiram as doações à candidatura de Lula, numa forte demonstração de que a

burguesia não via mais o PT como seu inimigo:

210

Segundo dados do ofício de prestação de contas de campanha datado de 3 de novembro de 1998, assinado por José Dirceu, presidente do Diretório Nacional e do Comitê Financeiro Nacional do PT, encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral e protocolado sob o nº 14.878/98, o maior doador foi a empresa Triken S.A., com um total de 230 mil e a Companhia Brasileira de Metalurgia, com 175 mil. O Banco Itaú S.A. voltou a contribuir, porém desta vez com apenas R$ 175 mil. (GARCIA, 2011, p.108)

Com o passar dos anos o PT foi, cada vez mais, recebendo da burguesia

o mesmo tratamento dado ao PSDB. Com o declínio do governo FHC no segundo

mandato e a intensa adaptação petista à ordem burguesa durante toda a década de

1990, a aproximação entre PT e empresários foi se aprofundando, numa dupla via:

ao mesmo tempo em que as mudanças programáticas se aprofundavam no partido,

consolidando o processo de transformismo que apontava para o estabelecimento de

um governo petista sem contradições com a lógica capitalista; o empresariado (de

todos os setores da economia) ia se sentindo cada vez mais à vontade para ter o PT

como um parceiro.

O resultado disso foi que, em 2002, o temor da burguesia em relação ao

PT se dissipou. Uma parte significativa do empresariado ainda depositava o apoio e

simpatia pela candidatura de José Serra (que enfrentou Lula nas eleições

presidenciais), no entanto, a burguesia sabia que independentemente do resultado

das eleições, o projeto de administração capitalista sairia vitorioso. Diante de uma

tendência eleitoral pró-Lula, que crescia nas pesquisas, os empresários não

pensaram duas vezes em buscar influenciar ainda mais o provável próximo governo

para junto dos seus interesses e, desse modo, se dividiram no apoio às candidaturas

de PT e PSDB.

De todo o montante de recursos doados por pessoas jurídicas dos mais

variados ramos econômicos para as duas candidaturas principais que concorreram

as eleições presidenciais de 2002, 50,1% foi para os bolsos do PT, o que

correspondeu a R$ 27.960.000,00 – pouco mais do que todas as doações privadas

feitas à candidatura de Serra, que arrecadou R$ 27.800.000,00. Além disso, dos 22

setores econômicos que fizeram doações, apenas 7 (financeiro, papel e celulose,

comércio, plásticos e borrachas, mineração, serviços e outros não discriminados)

realizaram maiores doações para o PSDB. Todos os demais optaram por doar mais

recursos à candidatura do PT, demonstrando que Lula era, de fato, um genuíno

candidato da burguesia, conforme demonstram os dados abaixo:

211

Quadro 3: Financiamento das principais candidaturas da campanha eleitoral para a Presidência da

República em 2002, segundo o setor econômico

LULA (PT) SERRA (PSDB) SETOR

R$ milhão % do total de contribuição

R$ milhão % do total de contribuição

Financeiro 6,08 10,9% 12,75 22,9%

Papel e celulose 0,85 1,5% 3,89 7,0%

Químico e petroquímico 2,63 4,7% 1,70 3,0%

Comunicações 2,05 3,7% 1,91 3,4%

Siderúrgico 2,05 3,7% 1,68 3,0%

Construção civil e Imobiliário 2,49 4,5% 0,75 1,3%

Têxtil, couro e vestuário 2,65 4,8% 0,20 0,4%

Bebidas e alimentos 1,60 2,9% 1,00 1,8%

Comércio 1,10 2,0% 1,15 2,1%

Metalúrgico 1,3 2,3% 0,25 0,4%

Fabricação de veículos e peças 0,68 1,2% 0,65 1,2%

Plásticos e borrachas 0,50 0,9% 0,82 1,5%

Farmacêutico 0,95 1,7% 0,10 0,2%

Energia 1,00 1,8% - 0,0%

Mineração 0,30 0,5% 0,55 1,0%

Transporte 0,80 1,4% - 0,0%

Eletroeletrônico 0,37 0,7% 0,20 0,4%

Agropecuário 0,30 0,5% - 0,0%

Serviços 0,10 0,2% 0,15 0,3%

Açúcar e álcool 0,15 0,3% - 0,0%

Madeireiro - - - -

Outros - 0,0% 0,05 0,1%

TOTAL 27,96 50,1% 27,80 49,9%

Fonte: ALMEIDA, R. (2007, p. 65)

Não parece controverso que uma doação financeira significa, no mínimo,

a confiança em uma determinada plataforma política (que precisa ser apoiada para

evitar a vitória de um projeto distinto do que se pretende) ou, no máximo, um

mecanismo de influência sobre os candidatos para que, quando eleitos, retribuam

com políticas favoráveis a seus financiadores. Isso pode se expressar (e

normalmente se expressa) em corrupção, com governos fraudando licitações,

privatizações e serviço diversos para favorecer seus financiadores de campanha,

mas não apenas. É possível desenvolver uma série de políticas que favoreçam

esses parceiros (isenções fiscais para “estimular o crescimento”, “criar emprego e

renda”, etc.) sem necessariamente haver roubo ou descumprimento da lei.

212

Ocorre que numa sociedade em que há um controle sobre os meios de

produção restrito a uma classe que explora e se apropria da riqueza produzida

socialmente por outra classe cuja única propriedade que dispõe é a sua força de

trabalho a ser vendida por um salário; não pode haver disputa eleitoral

verdadeiramente democrática, e menos ainda se o financiamento empresarial for

legalmente autorizado. As grandes empresas, comércios, bancos, fábricas,

agroindústrias, etc. possuem as condições materiais (capital) para influenciar,

cooptar e determinar a política dos candidatos, enquanto que os trabalhadores, pela

sua própria condição objetiva de explorados, entram sempre em desvantagem nessa

disputa. No outro lado da moeda, os candidatos e partidos que não têm clareza ou

que rejeitam um projeto de ruptura com toda essa ordem do capitalismo, estão

totalmente à mercê da influência e da determinação econômica desses grupos

privados.

Desarmados de uma perspectiva anticapitalista e ao não estabelecerem

as medidas necessárias para enfrentar as tendências de burocratização e adaptação

à lógica do regime, terminam mergulhando numa estratégia de ocupar postos

institucionais a qualquer custo e, para perseguir esse objetivo, buscam os apoios

financeiros necessários à realização de superproduções midiáticas, campanhas que

consigam chegar aos lugares mais longínquos e toda a estrutura que possibilite a

vitória eleitoral – sem falar nos investimentos em cabos eleitorais pagos, compra

direta de votos, etc.

O PT enveredou por esse caminho. Depois das três derrotas eleitorais em

1989, 1994 e 1998 e após todo o processo de transformação política, programática e

estratégica que sofreu, o partido estava disposto a tudo para eleger Lula. Aceitar os

financiamentos da burguesia foi, portanto, necessário ao seu projeto e adequado ao

quadro de um transformismo que já tinha tornado o partido um sustentáculo da

ordem capitalista.

Receber as doações dos empresários era, por um lado, conseqüente com

a estratégia petista e, por outro, funcional às aspirações de uma grande campanha

para chegar ao governo. Não pensaram duas vezes e, como não poderia deixar de

ser, assumiram compromissos com seus financiadores – que na verdade já vinham

sendo politicamente estabelecidos durante toda a década de 1990, como já

demonstrado.

213

Dentre os doadores que mais aportaram ao PT nas eleições de 2002

figuram as empresas do setor financeiro, primário-exportador (que inclui os ramos de

açúcar e álcool, papel e celulose, mineração, agropecuária e bebidas e alimentos),

têxtil e construção civil. Esses setores econômicos investiram na candidatura do PT

em 2002, respectivamente, R$ 6,08 milhões, R$ 3,2 milhões, R$ 2,65 milhões e R$

2,49 milhões cada. Considerando os dados obtidos pelo jornal Valor Econômico, que

apontam que, “em 2002, Lula gastou R$ 33,7 milhões” (AGOSTINE; VIEIRA;

BASILE, 2006) na campanha eleitoral, verifica-se que esses setores foram

responsáveis por aproximadamente 43% de toda a arrecadação de campanha do

PT.

Destacando o setor têxtil, que poderia em último caso se justificar em

função da presença do empresário do ramo José Alencar como candidato a vice-

presidente de Lula, a presença de doações de peso dos demais segmentos

demonstra o comprometimento do grande capital (sobretudo o financeiro, como

maior doador da campanha) com a candidatura petista.

E a reciprocidade do PT para com esses setores não precisou esperar a

sua chegada ao governo. Antes mesmo de assumir, durante a campanha eleitoral,

Lula apresenta a famosa Carta ao povo brasileiro, que na verdade era uma

promessa aos capitalistas nacionais e internacionais (sobretudo aos banqueiros) de

que governaria sem lhes causar grandes problemas. Os financiadores da campanha

do PT, evidentemente, foram agraciados com todas as garantias necessárias ao

atendimento dos seus interesses:

A crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de um movimento em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios fundamentais enquanto nação independente. [...] Parcelas significativas do empresariado vêm somar-se ao nosso projeto. Trata-se de uma vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária, que busca abrir novos horizontes para o país. O povo brasileiro quer mudar para valer. Recusa qualquer forma de continuísmo, seja ele assumido ou mascarado. Quer trilhar o caminho da redução de nossa vulnerabilidade externa pelo esforço conjugado de exportar mais e de criar um amplo mercado interno de consumo de massas. Quer abrir o caminho de combinar o incremento da atividade econômica com políticas sociais consistentes e criativas. [...] O caminho da reforma tributária, que desonere a produção. [...] Da reforma previdenciária, da reforma trabalhista e de programas prioritários contra a fome e a insegurança pública. [...]

214

[...] O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo [...]. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. [...] [...] Aqui ganha toda a sua dimensão de uma política dirigida a valorizar o agronegócio e a agricultura familiar. A reforma tributária, a política alfandegária, os investimentos em infra-estrutura e as fontes de financiamento públicas devem ser canalizadas com absoluta prioridade para gerar divisas. [...] Estamos conscientes da gravidade da crise econômica. Para resolvê-la, o PT está disposto a dialogar com todos os segmentos da sociedade e com o próprio governo [...]. [...] Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos. [...] [...] As mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais. Vamos ordenar as contas públicas e mantê-las sob controle. [...] [...] O Brasil precisa navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social. É com essa convicção que chamo todos os que querem o bem do Brasil a se unirem em torno de um programa de mudanças corajosas e responsáveis. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2002b, grifos nossos)

As promessas de “respeito aos contratos e compromissos”, “desoneração

da produção” e “valorização do agronegócio” não foram em vão. Ao chegar ao

governo central, Lula pagou religiosamente a dívida pública (que antes era objeto de

campanha no PT pela sua suspensão) garantida pelo esforço fiscal do superávit

primário, fez todas as concessões possíveis ao agronegócio e ao setor exportador

de commodities, e, ainda, permitiu o esbalde das construtoras privadas através de

inúmeras obras, principalmente as do chamado Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC).

Embora não seja objeto deste trabalho tratar do desenvolvimento das

políticas dos governos Lula e Dilma, parece inequívoco constatar que ao comparar

as concessões feitas pelos governos do PT aos capitalistas com as demandas de

interesse dos trabalhadores, foi feita uma escolha clara pela primeira alternativa.

215

Basta dizer que o principal programa de “distribuição de renda” do

Governo Lula, o Bolsa Família – sem entrar nas necessárias críticas acerca do

caráter de reprodução da pobreza dessa política, na medida em que promove

assistencialismo sem articular o fortalecimento de uma ampla rede de proteção

social que garanta educação, saúde, previdência, etc. –, consiste numa verdadeira

migalha frente ao montante de recursos que sai do orçamento público para os

bolsos dos banqueiros.

Analisando os dados da Auditoria Cidadã da Dívida e as estatísticas do

próprio governo federal em relação ao Bolsa Família, percebe-se que os recursos

destinados para este programa correspondem a percentuais que variam entre 2% e

3% de todo o montante destinado para pagar juros e amortizações da dívida pública

brasileira, revelando que o “Bolsa Banqueiro” tem muito mais prioridade para o

governo do PT do que inclusive a sua principal (e limitada) política compensatória.

A luta contra o programa neoliberal de privatizações também foi

esquecida. Apesar dos mandatos do Governo Lula terem realizado privatizações

menores (apenas algumas rodovias, bancos regionais e usinas hidrelétricas), não

houve nenhuma iniciativa para re-estatizar as empresas privatizadas pelos governos

anteriores. Já no Governo Dilma, os mecanismos de privatização com outros nomes

eufemísticos48 foram amplamente utilizados na entrega de rodovias, portos,

aeroportos, além de campos e blocos de petróleo. Na maioria desses casos, a

oposição de direita ao governo (referenciada no PSDB e no DEM, antigo PFL)

apoiou integralmente todas essas medidas, diferenciando-se apenas com o

argumento de que “deveriam ter vindo mais cedo”.

Na outra ponta, do lado dos trabalhadores, as concessões a conta-gotas

se combinavam com políticas reacionárias, de desmonte dos serviços públicos

universais, inevitáveis diante de uma política econômica que não prioriza

investimentos nessas áreas, em função do desvio de, em média, metade do

orçamento nacional para pagamento de dívida.

48 Os governos do PT têm utilizado uma modalidade distinta da privatização clássica (que consiste na venda completa de empresa, recurso ou patrimônio estatal), chamada concessão. Nessa modalidade, o governo leiloa o bem por um valor mínimo, que passa a ser administrado (com algumas exigências ao arrematante, sobretudo valores mínimos a serem investidos no bem) em troca da exploração econômica por um determinado período. Normalmente, os contratos de concessão do governo federal dão direito a um período de exploração econômica que dura entre 20 e 30 anos (com a possibilidade de prorrogação pelo mesmo tempo) e ainda o direito dos consórcios vencedores buscarem financiamento, tanto para o leilão como para os investimentos correntes, junto ao BNDES, com uma taxa de juros média de 5% ao ano. Ou seja, é uma entrega do patrimônio público à iniciativa privada, com utilização de dinheiro público.

216

Assim, educação e saúde continuaram sucateadas, num processo de

mercantilização cada vez maior, através de medidas de cunho neoliberal – como o

Programa Universidade Para Todos/ProUni, a expansão das Organizações Sociais

de direito privado no ensino, pesquisa, tecnologia, saúde, etc. – que privilegiavam a

exploração econômica desses serviços pela iniciativa privada. Com a previdência o

governo do PT foi ainda mais perverso, realizando uma (contra) reforma logo no

início do primeiro mandato de Lula (2003) que retirava direitos dos servidores

públicos e que, mais tarde, terminaria sendo alvo de investigações, em função da

denúncia de compra de votos de parlamentares (ficando conhecido como o caso do

“Mensalão”) para aprovar essa medida. Além de se mostrar semelhante na questão

da defesa de um projeto global de governo que privilegiava os interesses da classe

dominante, o PT guardava similaridades com a direita também no envolvimento com

práticas de corrupção.

São inúmeros os aspectos que demonstram como o PT retribuiu de modo

muito fiel todo o financiamento que recebeu da burguesia. Governar com e para os

novos aliados do PT teve um peso tão decisivo a ponto de revelar o fracasso da

estratégia petista de reformas. Se por um lado – como já abordado neste trabalho

durante a análise acerca das possibilidades de concessões na atual fase imperialista

do capitalismo – as reformas nesta época são cada vez mais difíceis sem que haja

lutas muito poderosas, por outro o PT certamente não fez esforços nesse sentido, tal

qual exposto na breve e esquemática análise das principais políticas do governo

petista e conforme demonstra ARCARY (2011, p. 157):

O PT chegou ao poder em 2002 e o balanço [...] é desolador. As prometidas reformas foram arquivadas: não houve reforma agrária, não houve reforma urbana, o Brasil não desprivatizou a educação, a saúde e a previdência. Ao contrário, a concentração de terras nas mãos dos latifúndios aumentou, a especulação urbana deu saltos, e privatização do ensino, da saúde e da previdência não parou de crescer. Lula surfou uma conjuntura internacional de expansão econômica, e isso foi o bastante para a sua reeleição [...].

A explicação para isto reside, como fator objetivo, na época atual de um

“reformismo sem reformas” (nos termos de Arcary) e como aspecto imediato, no

transformismo do PT. Ao se converter em ferramenta de gestão capitalista, o PT não

titubeou em deixar seu programa de reformas para um futuro incerto; afinal, mesmo

que houvesse “vontade” de fazer reformas, gerenciar o capital significa administrar

sob as condições oferecidas pelo capitalismo, e não se enfrentar com ele.

217

E foi por esta razão que não houve, durante a trajetória petista à frente do

governo brasileiro, nenhum momento de choque frontal com a burguesia de

conjunto. Houve sim, conflitos pontuais, intra-burgueses, próprios da disputa entre

os capitalistas para decidir quem conduz mais decisivamente os rumos da economia

e da política. No entanto, não se viu a burguesia unificada contra nenhuma medida

ou política dos governos petistas.

Ao contrário, os enfrentamentos se deram sempre ao redor de diferenças

cosméticas, na maneira como seriam aplicados os planos, nunca em relação ao

caráter da política econômica, às prioridades de investimento, etc. A prova disto é

que na medida em que os anos se passavam com o PT à frente do governo, mais os

setores decisivos da burguesia saiam em seu apoio: no pleito de 2006, quando Lula

se candidatou à reeleição em disputa com Geraldo Alckmin, o montante em doações

de empresas para a candidatura do PT atingiu R$ 120.812.000,00 (ALMEIDA, R.,

2007, p. 65), ou seja, mais que o dobro em relação à eleição anterior. O governo de

Lula, longe de apavorar a burguesia, conquistou ainda mais a sua confiança depois

de quatro anos de gestão. O ciclo de transformação do PT já havia se concluído.

Não é equivocado afirmar que chegar ao governo pelas eleições era um

objetivo antigo do PT. Mesmo nos momentos em que o perfil do partido se mostrava

como mais “radical”, o PT sempre apresentou a estratégia eleitoral como o “primeiro

passo” para as mudanças de cunho socialista. Seu caráter reformista, imposto pelas

suas tendências hegemônicas, apresentou esse projeto como perspectiva mais

avançada, sob o nome de “revolução democrática”. Não se pode, portanto, falar em

transformação de um partido revolucionário em partido da ordem. Só uma minoria

(cuja maioria depois acabou sendo expulsa) defendia a estratégia da revolução. Mas

isso não quer dizer que não houve mudanças.

A mudança fundamental nesse projeto ocorreu em relação ao que antes

era apresentado como meio e como fim. Se antes chegar ao governo pelas eleições

era um meio de realizar as transformações necessárias, com o tempo o PT foi

transfigurando isso num fim em si mesmo. E o papel da estratégia reformista teve o

seu peso. Se nessa época histórica do capitalismo as reformas são cada vez mais

improváveis sem grandes lutas e se diante da conjuntura de refluxo na década de

1990 parecia claro que essas lutas não teriam a força necessária para impor as tão

esperadas transformações, só restava ao PT duas alternativas: avançar para um

programa revolucionário ou aceitar gerenciar o capitalismo.

218

Sem correlação de forças interna nem externa para isto e ainda

pressionado por todos os fatores objetivos que empurram as organizações operárias

para a cooptação e a adaptação, a escolha do PT acabou sendo administrar o

capital. Foi uma escolha feita não sem crises, não sem rupturas, mas por outro lado

também não sem certa facilidade. Com o expurgo dos revolucionários, o peso dos

setores reformistas e burocráticos (tendo a Articulação/Campo Majoritário à cabeça)

se combinou com as pressões advindas da crescente inserção do PT na

institucionalidade, do sindicalismo de resultados, dos vínculos cada vez mais

orgânicos com a burguesia e as transformações ganharam um ar de “naturalidade”,

de uma “evolução” totalmente comum a quem estava “amadurecendo” com a

realidade.

Os poucos que se levantavam iam sendo ignorados, isolados e, caso

conseguissem criar problemas, igualmente expurgados. O partido que na década de

1980 se arvorava como aquele que se posicionava frontalmente contra todo tipo

centralismo (inclusive o da maioria sobre a minoria) ia cada vez mais dando lugar a

uma organização que, em tese, permitia divergências, mas cujas posições estavam

sempre vinculadas às manifestações – estas sim, livres – dos seus

parlamentares/governantes e da cúpula partidária. A desproporção de forças na luta

interna e a ausência de um projeto radicalmente distinto, com o passar dos anos

1990, iam tornando maior o controle da Articulação/Campo Majoritário, que por sua

vez se sentia cada vez mais à vontade para impor métodos burocráticos de

centralização sobre o partido.

Dentre os vários mecanismos de controle burocrático introduzidos no PT,

talvez o mais escandaloso tenha sido o Processo de Eleições Diretas (PED),

aprovado no II Congresso Nacional do partido (1999). O PED instituiu no PT as

“eleições diretas para presidente e direções partidárias em todos os níveis, a partir

do ano de 2001” (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 1999), nas quais todos os

filiados eram chamados a escolher o presidente e as chapas para as direções

nacional e locais do partido, que se norteavam por uma determinada tese

apresentada. O discurso era de “descentralizar” o processo de escolha dos

dirigentes e também da linha política do partido, no entanto, o que ocorreu foi a

adoção de práticas comuns às eleições burguesas, com a manipulação dos

“eleitores” e imposição do poder econômico através de transporte irregular,

pagamento de fiscais e boca de urna, compra de votos de filiados, etc.

219

Nas origens do PT, mesmo com a hegemonia quase inabalada da

Articulação durante toda a trajetória do partido, as eleições das direções partidárias

eram realizadas nos encontros ou congressos, com delegados eleitos na base e

que, minimamente, participavam de alguma discussão política acerca das teses e

das resoluções que seriam aprovadas.

Com o passar do tempo, os encontros e congressos foram se tornando

mais burocráticos não pelas regras adotadas para a tirada de delegados, mas pelas

próprias mudanças no caráter do partido com o afastamento da militância da base e

dos movimentos sociais, além do peso adquirido pelos militantes profissionais da

institucionalidade e também das cúpulas dos sindicatos. Se é verdade que ia se

tornando cada vez mais improvável derrotar a ala reformista e burocrática do PT

(principalmente a partir da segunda metade da década de 1990, pelo seu peso e

pela ausência de contrapressões às tendências de adaptação), com o PED esse

processo se aprofunda ainda mais, pois os mecanismos de democracia interna

estavam agora, mais do que nunca, privilegiando os setores petistas detentores dos

aparatos.

Dotados de uma estrutura desproporcional em relação à militância

independente, os petistas à frente dos mandatos e dos grandes sindicatos

dispunham de condições muito superiores para mover (sem que houvesse qualquer

debate político inclusive) os filiados, para que votem nas suas indicações. Além

disso, não se tornou incomum o fato dos governos e prefeituras petistas – pelo

poder que têm na gestão do Estado capitalista – realizarem pesadas levas de

filiação partidária entre os detentores de cargos comissionados e funções de

confiança das suas administrações. Isto foi intensificando, de modo crescente, o

surgimento de “feudos políticos” dirigidos pelos mandatos, com a sua maioria sob o

controle da Articulação/Campo Majoritário.

O desenvolvimento desse processo passou a imprimir no PT, portanto,

uma tendência de irreversibilidade do caráter do partido, já modificado pela dinâmica

de transformismo ao longo de sua trajetória. A própria história das transformações

do PT demonstra que a mudança da natureza de um partido não pode ocorrer sem

que haja condições objetivas para a evolução de determinadas posições e, ao

mesmo tempo, ação consciente que possa desenvolvê-las até ganharem

hegemonia.

220

E esses elementos não estão presentes no PT hoje, instrumento de

administração capitalista: não existem pressões externas, nem condições

democráticas internas, nem tampouco setores significativos dispostos a travar uma

luta de morte para resgatar o PT.

O fato de ter se consolidado esse rígido controle da direção sobre o

partido por meio dos mais deformados mecanismos de convivência interna também

atenta contra as possibilidades de reversão desse quadro. Enfrentar a

Articulação/Campo Majoritário de forma aberta, disputando base social, significa

romper com a “unidade do partido”, o mesmo argumento utilizado para expulsar a

Convergência Socialista e outros. As fragilidades (e também o papel legitimador) da

esquerda petista somam-se com ausência de condições mínimas de disputa e

revelam um PT, além de adaptado à ordem capitalista, refratário a qualquer retorno

às suas posições originárias. Tal deformação é, na realidade, a tradução para o

campo organizativo da transformação da natureza do partido e, portanto, na sua

estratégia política.

É evidente que não é adequado atribuir de maneira categórica uma

mudança tão complexa e completa a um único ou a poucos aspectos. Como aqui se

procurou demonstrar, em pouco mais de duas décadas de trajetória até chegar ao

governo central no Brasil, foram muitas as explicações para o transformismo do PT

em um instrumento de conciliação de classes e gestão capitalista. Mas, em que

pese essa variedade, parece inequívoco que as experiências de governar (iniciadas

desde 1988, com as prefeituras), a adoção de um sindicalismo de resultados e o

estreitamento de relações orgânico-materiais com a burguesia devem,

necessariamente, ser levados em conta. Sem qualquer medida que resguardasse

uma estratégia de independência (afinal, a única estratégia era chegar ao governo) e

ao lançar-se nos mandatos institucionais, nas câmaras setoriais, nos conselhos de

administração dos fundos de pensão e nas doações das empresas, o PT passou a

buscar soluções políticas que pudessem compatibilizar a preservação da base

eleitoral da classe trabalhadora (conquistada nas lutas) e o interesse da burguesia.

Essa proposta, resumida na consigna de “governar para todos” e adotada

inclusive como slogan do primeiro mandato de Lula, sintetiza a única promessa

viável do reformismo quando não consegue promover reformas que impulsionem a

luta pela transformação socialista: gerenciar o capitalismo de forma mais eficiente

que os próprios capitalistas.

221

É o limite do reformismo da época atual. Como a realidade vai

demonstrando que a época das reformas sem lutas de grande magnitude há muito

ficou para trás, resta ao reformismo a idéia essencialmente reacionária de gerir o

capital, como admite o economista petista Paul Singer:

O fato concreto é que, na economia capitalista, acumulação de capital é vital. A esquerda, enquanto não chega ao governo, se recusa a conhecer este fato. [...] [...] [...] propostas de redistribuição de renda e da riqueza, que dão identidade a qualquer programa de esquerda que se preza, teriam de ser compatibilizadas com as que objetivam assegurar a acumulação de capital. (SINGER, P. 1996, p. 11-12, grifos nossos)

Esta afirmação de Singer não é uma posição isolada dentro do PT, mas

dominante. Se não pelo discurso – neste caso de incomum honestidade política

acerca dos objetivos do partido ao governar –, mas inequivocamente pela prática.

“Desde 1991, o partido rejeita a ditadura do proletariado e defende a alternância de

poder, e o socialismo petista admite a convivência com o mercado e a propriedade

privada” (SINGER, 2001, p. 86). Quando chegou ao governo central, não houver um

momento sequer em que os interesses do mercado e da propriedade privada não

fossem resguardados.

Parece inequívoco dizer que a situação política do Brasil quando elegeu o

PT para governar não fornecia condições para uma transição socialista, ainda mais

se considerar que a eleição não é a via capaz de pavimentar esse caminho. No

entanto, não pode existir proposta de estratégia socialista sem que ao menos se

persiga o confronto e a ruptura com o mercado e a propriedade privada. As ações e

as políticas assumidas pelo PT no governo, longe de apontarem qualquer traço de

ruptura com a ordem, trataram de conservá-la.

O reformismo do PT – conseqüente com os limites cada vez mais

estreitos para concessões do capital – revelou a incapacidade de mudar (ampliando

direitos, apontando na perspectiva de transformações profundas na sociedade)

quando se governa em compatibilidade com o capitalismo. Mostrou ainda, que o

projeto do PT de chegar ao governo pelas eleições como “primeiro passo ao

socialismo” foi atropelado pelo processo de transformismo, em praticamente todos

os aspectos.

222

Se o programa do PT nas origens possuía traços anticapitalistas,

atualmente assume feição neoliberal e, portanto, com caráter burguês. A sua

direção, totalmente aliada da classe dominante na política, tem ainda uma fração

importante que de fato mudou de classe, passando a ser uma sócia minoritária da

burguesia.

As formas de sustentação do PT, do mesmo modo, foram cada vez mais

sendo vinculadas aos financiamentos privados e aos aparatos da institucionalidade

burguesa.

A composição social do partido ainda se mantém como de maioria da

classe trabalhadora, mas o seu perfil (como já visto anteriormente) foi modificado. A

base social da militância petista, antes com peso significativo no proletariado,

inclinou-se para um caráter pequeno-burguês, com aumento significativo do peso de

setores médios dos trabalhadores e uma re-localização dos setores mais explorados

da classe (antigamente base ativa do PT) numa periferia eleitoral, alimentada

principalmente pelas políticas compensatórias do governo petista.

Somado a tudo isso, a dinâmica histórica interna (o seu comportamento e

funcionamento) e externa (das posições públicas) vem demonstrando a reafirmação

dessa análise, ou seja, do PT como um partido que possui uma base social operária

– expressa tanto em sua composição social, como na influência ainda dirigente

sobre as principais organizações da classe trabalhadora – mas com um caráter de

classe diretamente burguês, sem qualquer vinculação com a antiga proposta

(mesmo a mais reformista) de “governar para mudar”.

Esta idéia de “governar para mudar” deu lugar à necessidade de mudar

para governar. A mudança deixou de ser meta e governar, em si, passou a ser o

objetivo estratégico. E quando se abriu alguma chance de, no governo, incentivar

(principalmente através da ação na luta de classes) algum tipo mudança, esta

possibilidade já havia sido descartada pelo próprio partido. O PT já havia se

transformado, definitivamente.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: REFLEXOS E DESDOBRAMENTOS DA

EXPERIÊNCIA COM O PETISMO NA PERSPECTIVA DA REVOLUÇÃO

BRASILEIRA

A trajetória política do Partido dos Trabalhadores foi marcada, sempre,

pela emoção. Euforia, esperança, tensões, incertezas e decepções rechearam a

história do que foi a maior organização da classe trabalhadora brasileira até hoje, e,

por isto, o desafio de abordar este objeto de forma séria nunca é uma tarefa fácil.

Embora não exista pesquisa ou abordagem sem intencionalidade, não é

incomum que em se tratando de temas muito polêmicos e candentes, se parta de

uma apreciação apologética para daí buscar encontrar elementos (muitas vezes

reais, mas nem sempre os mais decisivos) que justifiquem as análises. Partindo

desse pressuposto, as análises aqui presentes podem ser classificadas como sendo

de um estudo “contra a corrente”, tanto pelo método de apreciação (que procurou

analisar, desde a origem, a dinâmica histórica dos elementos que constituíram as

bases para o surgimento do PT, até a sua posterior transformação), mas,

principalmente, pelas conclusões.

São muitas as narrativas supostamente “imparciais” que atribuem as

mudanças do PT a uma pretensa “falta de alternativa” diante de uma conjuntura

difícil, e, à tentativa de dialogar com a despolitização dos trabalhadores para, depois

de chegar ao governo pela via eleitoral, começar lentamente as transformações.

Também são abundantes os estudos e publicações que enaltecem as mudanças

ocorridas no PT, como resultado de uma “evolução necessária” para quem pretendia

ser governo. Este trabalho traz uma hipótese totalmente distinta, alinhada com a

minoria dos estudos que abordam o tema: o PT mudou porque as condições que o

tornaram “radical” nas origens se modificaram e, com elas, a política, a prática e as

idéias daqueles que conduziram os passos do partido foram se adaptando,

aprofundando uma perspectiva reformista num viés liberal.

Esta hipótese causa inquietude porque traz consigo conclusões políticas

que geram conflitos na própria esquerda. Se a transformação do PT não foi uma

mera tática para chegar ao governo e, com isso, se aproximar dos trabalhadores

para daí promover as mudanças sociais necessárias, significa que o PT se

transformou em outra coisa. No caso, num instrumento para preservar o capitalismo.

224

Para demonstrar essa hipótese é necessário definir o que foi o PT, desde

o seu surgimento, identificando as suas características e as razões pelas quais

assumiu originalmente a bandeira de um projeto independente dos trabalhadores,

vinculada às lutas sociais e com um programa de traços anticapitalistas. Ao situar os

fundamentos objetivos que tornaram viável a criação de um partido da classe

trabalhadora, pôde-se perceber como a situação dos trabalhadores brasileiros numa

conjuntura até então desfavorável possibilitou o desenlace de um vigoroso ascenso

sindical e político que produziu o PT como resultado.

E o PT surge como proposta real no final da década de 1970 justamente

porque – em função, centralmente, das péssimas condições de vida e trabalho, da

ausência de liberdades democráticas e de uma insatisfação acumulada contra as

direções da época, que, atreladas ao regime, se negavam a lutar pelas questões

mais básicas – uma massa de trabalhadores deu um basta e foi à luta,

espontaneamente. Um gigante adormecido acordava, se mexia e começava a

apavorar o governo e a burguesia, mas não tinha um plano, não tinha uma direção,

não tinha um programa. O PT surge da proposta tanto de revolucionários como

reformistas (tendo Lula e um grupo de sindicalistas, dissidentes da burocracia

sindical, à cabeça), como a tentativa organizativa de estabelecer esse plano, essa

direção e esse programa.

Poucos anos após sua fundação, o PT passou a ocupar um lugar de

destaque, como inspiração de luta dos trabalhadores. Pelas características do

ascenso que se seguiu no início da década de 1980 (das greves operárias até o

movimento Diretas Já!), o PT assume uma política e métodos radicais. Lança-se nas

greves, nas mobilizações e impulsiona a construção do MST e da CUT, que já

nascem atemorizando os governos e a burguesia.

A alcunha de “xiita” comumente atribuída aos militantes do PT não era

sem razão. Além de todo o papel cumprido no movimento, o partido canalizava as

lutas corporativas e imediatas para enfrentar os patrões e o regime. A referência do

classismo e de um “socialismo democrático” (sem muita precisão teórica, cheio de

ambigüidades, mas sugerindo uma sociedade diferente) demarcou nos anos 1980 a

idéia de que burguesia e capitalismo eram considerados inimigos inconciliáveis do

PT. Ao canalizar para si toda a força social e todo o prestígio adquirido nesse

período, o PT cresce não só organicamente, mas institucionalmente. Em poucos

anos de existência, passou a eleger vereadores, deputados e também prefeitos.

225

Com a multiplicação das administrações municipais, a partir de 1988, foi

se desenvolvendo no PT, além de uma adaptação institucional, a perspectiva de que

era possível acumular força social sem grandes enfrentamentos, sem choques com

a classe dominante. As frágeis e ambivalentes bases do “socialismo petista” iam

ganhando contornos cada vez mais nítidos de um mero programa de reformas, que

veio a ser chamado de “democrático-popular”.

Animado pela queda da ditadura, luta na qual foi decisivo ainda que a

transição democrática tenha sido conduzida pelo alto, o PT joga suas fichas na força

da candidatura de Lula nas primeiras eleições diretas para presidente pós-

redemocratização, em 1989. Não foi eleitoralmente vitorioso, mas deu um susto na

maior parte da burguesia que, apesar do processo de institucionalização e

adaptação já iniciado dentro do PT, unificou suas frações mais decisivas para evitar

a derrota de Collor, o candidato da agenda neoliberal.

A partir da vitória de Collor, começam as transformações mais profundas

no PT. O antigo programa de “reformas radicais” dava lugar a reivindicações de

menor enfrentamento: a dívida pública não deveria ser mais suspensa, e sim, ter seu

“perfil alongado”; o sistema financeiro não precisava mais ser estatizado, apenas

sofrer uma “regulação”; a reforma agrária, que antes deveria ser feita sob o controle

dos trabalhadores, agora tinha que conciliar com o incentivo ao agronegócio; as

multinacionais imperialistas deixaram de ser inimigas, pois seus investimentos no

país eram “necessários”. O nome do programa, “democrático-popular”, era mantido.

Afinal, nele cabia quase tudo.

A utopia de parte do PT, que visava chegar ao governo por meio das

eleições como o “primeiro passo da transição socialista” também esbarrou nos

obstáculos da restrita democracia do capital, ainda mais estrangulada por uma

época histórica de limites estruturais do capitalismo, e uma etapa aberta de ofensiva

da burguesia no mundo (a partir da queda dos estados operários burocratizados,

tido como referência de um chamado “socialismo real”) e no Brasil, com a ofensiva

neoliberal em curso aplicada pelos governos. Com a expulsão da maioria dos

revolucionários do PT e com a consolidação da ala reformista e burocrática (depois

de uma hegemonia breve e sem sustentação de uma de suas dissidências à

esquerda), o partido foi incapaz de resistir às pressões. Também não ofereceu

resistência.

226

Conscientemente desarmado, pelo papel de sua direção, o PT penetrou

no vale-tudo eleitoral, revisou teorias (Gramsci foi a maior vítima) para justificar suas

posições e se adaptou institucionalmente. Centenas, milhares de profissionais dos

gabinetes dos parlamentos, prefeituras e depois dos governos de estado, tomaram

as rédeas do PT durante os anos 1990. Quase todos adaptados e a maioria

corrompidos, imprimiram no partido a lógica da sua própria vivência: negociatas,

ardis, bastidores. A resolução dos problemas políticos não era mais encontrada na

capacidade de luta da classe, mas no poder de articulação institucional.

Reproduzindo essa mesma idéia, o PT usou a autoridade frente à classe

trabalhadora – conquistada com muitas lutas durante o ascenso operário – como

mecanismo de conquista de influência eleitoral e moeda de troca na mesa da

burguesia por meio das câmaras setoriais, do ingresso nos conselhos de

administração dos fundos de pensão, etc. Com o tempo, passou a receber as

moedas diretamente da mão da burguesia, na verdade milhões, para financiar

campanhas eleitorais cada vez mais alinhadas com os interesses capitalistas.

Tudo isso se desenvolvia de forma articulada com um rígido controle da

direção sobre o conjunto do partido. Era preciso garantir o livre curso das

transformações do PT, anulando a reação dos insatisfeitos e, ao mesmo tempo,

mantendo uma atmosfera de “democracia”, em que todos podiam se manifestar,

mas, por outro lado, na qual a posição do partido acabava sendo a de quem tinha as

melhores condições (estrutura, acesso à imprensa, aparato, etc.) para se fazer ouvir.

Além da maioria ativa do partido conquistada com o peso dos aparatos,

se estabeleceram também mecanismos de manutenção burocrática da hegemonia

do núcleo dirigente nos espaços de deliberação. Começou com a restrição do direito

de tendências e desembocou num processo de eleições diretas (PED), tão

semelhantes às eleições da democracia burguesa a ponto de conferir poderosas

vantagens a quem tem a maior estrutura – no caso, os dirigentes e os mandatos

institucionais. O resultado: dia após dia as mutações desencadeadas dentro do PT

iam se tornando cada vez mais irreversíveis. A transformação de um partido que

nasceu como um projeto independente da classe trabalhadora para lutar por suas

aspirações não se deu de forma imediata, mas foi impressionante. Em menos de 20

anos, o PT que animou as greves gerais na década de 1980 e encabeçou campanha

das Diretas Já! foi o mesmo (com quase a mesma direção inclusive) que chegou

atrasado no Fora Collor e o mesmo que se negou a tentar derrubar FHC.

227

Naquele momento, quando já tinha influência decisiva sobre a classe, o

PT foi um obstáculo às mobilizações, exceto quanto elas serviam para desgastar

eleitoralmente os adversários. A mobilização social, antes estratégia, se

transformava em tática a serviço das disputas institucionais. Em nome do respeito a

essa institucionalidade e evitando situações que pudessem colocar em risco a

governabilidade de um futuro mandato presidencial – tão perseguido e cada vez

mais próximo depois das derrotas eleitorais em 1989, 1994 e 1998 –, o PT cumpriu

esse papel reacionário durante toda a década de 1990, até eleger seu primeiro

presidente.

Em 2002, concretiza o sonho acalentado desde 1989, mas o partido já

estava totalmente transformado. O reformismo petista havia se convertido em projeto

neoliberal e, o partido, na maior máquina eleitoral do Brasil, num instrumento seguro

de administração dos interesses capitalistas, cujo caráter só veio a se aprofundar

com o decorrer das experiências à frente do governo central.

Analisar essa trajetória, desvendando o que foi, qual o caráter do PT,

como se desenvolveu sua luta interna, no que e por que ele se modificou, a ponto de

revelar-se uma aberração totalmente distinta dos seus pressupostos originais, foram,

sem dúvida, os objetivos deste trabalho. Contudo, reivindicar a metodologia de

análise adotada, apoiada no marxismo, significa ir até o fim nos seus pressupostos,

ou seja, não limitar-se à observação e caracterização da realidade, visando

contribuir com o processo de transformação. Isto exige, portanto, conclusões

políticas, ainda que sejam em caráter de sugestão – principalmente porque qualquer

conclusão extraída de um processo complexo como o da transformação do PT em

ferramenta de conservação do capitalismo, não pode ser encerrada sem um estudo

aprofundado da sua própria tentativa de definição.

Existem, sem dúvidas, muitas conclusões a serem extraídas da análise de

um problema instigante como é o PT. Contudo, para um trabalho marxista, aquelas

que expressam os reflexos e o desenlace da experiência petista dentro da

perspectiva da revolução brasileira na atualidade, à luz da compreensão do

processo de transformismo do partido, certamente são as que mais interessam. Não

por acaso, são também as mais polêmicas. Mas abordá-las é inescapável.

Com o PT há mais de 10 anos à frente do Governo Federal, qual deve ser

a postura da esquerda marxista frente à aplicação do projeto de poder incorporado

pelo partido? Esta é uma primeira questão relevante.

228

O fato do PT ter chegado ao poder pelas eleições, de cara, apresentou

contradições. A primeira delas é o fato de se tratar de um governo de conciliação de

classes, ou seja, um acordo político e programático entre setores da burguesia e

também da classe trabalhadora. Uma outra, e talvez das mais importantes, é que

apesar da base social do PT ser majoritariamente trabalhadora, em 2002 (como já

visto) o seu programa já era uma espécie de social-liberalismo – inclusive mais

regressivo que o keynesianismo.

Colocar-se ou não ao lado de um governo desse tipo foi um dilema posto

já nos primeiros momentos pós-chegada do PT à Presidência da República. Setores

organizados da classe trabalhadora brasileira, influenciados pelos braços sindicais

petistas, chegaram ao ponto de nos primeiros anos de governo defender,

publicamente, que “contra o PT não se faz greve”. “Como posso enfrentar um

governo que é meu?”, diziam. Naquele momento inicial, a trajetória e o legado do PT

faziam valer o seu peso. A presença de um operário na Presidência da República foi

um elemento real que transfigurava, no terreno das aparências, a idéia de que

finalmente havia se instituído um governo dos trabalhadores.

Mas sem esperar muito o governo “democrático-popular” mostraria seu

caráter. A Reforma da Previdência, o pagamento religioso da dívida pública, a

manutenção integral da política econômica e, apesar as políticas focais, a ausência

de reformas progressivas revelaram uma prática que não correspondia às

promessas de um partido que havia se comprometido a enfrentar a classe

dominante e melhorar a vida dos trabalhadores. Da direção do PT, a

Articulação/Campo Majoritário, nenhuma autocrítica era de se esperar, afinal, ela foi

ao mesmo tempo o agente e objeto central do processo de transformação do partido

em instrumento da ordem. Mas, o bloco que defendia irrestritamente o governo do

PT sofreu fissuras e a defesa incondicional deu lugar à idéia das “criticas pontuais”,

abraçada pela esquerda petista. Afinal, como governo de conciliação de classes, era

preciso fortalecer e empurrar à esquerda a sua “ala operária”, para anular as

tensões pela direita.

Este argumento também não resistiu aos fatos. A oposição de direta

encabeçada por PSDB e DEM (ex-PFL), sem grandes diferenças com o projeto

aplicado pelo PT, tentou sangrar o governo fazendo eco às graves denúncias de

corrupção que se abateram sobre a cúpula petista. Mas a resposta do PT não foi

sufocar a direita com medidas de defesa dos interesses dos trabalhadores.

229

Ao contrário, para se salvar das denúncias, ao mesmo tempo em que

alardeava um suposto “golpe reacionário”, aprofundou seus laços com setores ultra-

degenerados da direita. Como bom partido da ordem, o PT sabia que para superar

os desgastes políticos era preciso se blindar, aumentando o compromisso com a

governabilidade.

Apoiou-se no PMDB, em José Sarney, Renan Calheiros, Paulo Maluf e

até no antigo desafeto Collor de Melo. Assim sobreviveu a todas as crises, inclusive

a do chamado “Mensalão”, a mais séria da sua história. Ali, parte da direção do PT

teve que ser sacrificada, mas a mais poderosa base de apoio ao governo, nunca

antes vista na história da República brasileira e que unia o PT com a maior parcela

dos partidos de direita, segurou o trem nos trilhos.

No plano internacional, a burguesia imperialista se mostrou uma

entusiasta do governo do PT, que, dentre outras coisas, ofereceu as tropas do

Exército Brasileiro para garantir a ocupação internacional da ONU no Haiti. Durante

seus dois mandatos, Lula conseguiu o que parecia impossível, manter relações de

parceria e convivência ultra-pacífica com os chefes do império, independente da ala

que representavam. Impossível não lembrar o tratamento vip de Lula para com

George W. Bush, talvez o mais odiado de todos os chefes de Estado. Além das

relações políticas, econômicas e diplomáticas, Bush foi chamado de “companheiro”

por Lula, chegando a lhe oferecer um amistoso churrasco informal, na residência

oficial do Presidente.

Com Barack Obama, sucessor de Bush e primeiro negro a assumir o

posto máximo do Estado norte-americano, não foi diferente. Em 2009, durante a

reunião dos 20 países desenvolvidos e em desenvolvimento (G-20), Obama se

derreteu em elogios a Lula, a quem chamou de “o cara”, numa clara intenção de

destacar o quanto o desempenho do Presidente do Brasil na economia e na política

agradava os americanos.

Outros ícones do imperialismo, como a reacionária primeira-ministra

alemã Angela Merkel, também ovacionavam Lula. E as razões eram

compreensíveis. A capacidade de Lula em garantir os interesses do capitalismo no

Brasil e internacionalmente parecia corresponder com a sua autoridade política

diante das massas trabalhadoras – com quem, apesar de algumas oscilações,

sempre manteve alta audiência. Era o sonho de qualquer governante.

230

Com essa popularidade – alicerçada não diretamente na política de Lula,

que foi no essencial semelhante à de FHC, mas no crescimento econômico entre

2003 e 2008, e, na retomada da estabilização pós-crise de 2009 – o PT consegue

eleger Dilma Roussef, a primeira mulher a ocupar o posto máximo da república

brasileira. Mas não significou grandes mudanças no governo.

Ao contrário, não houve fortalecimento da educação, saúde e previdência

públicas, nem tampouco a reforma agrária. A política de superávit primário e

pagamento da dívida, intocada. Como se não bastasse, Dilma deu ainda passos à

frente em relação à Lula, na aplicação de medidas neoliberais. Entre 2012 e 2013

privatizou portos, estradas, aeroportos e o maior campo de petróleo (Libra) do país,

parte da recém-descoberta “mina de ouro negro”, o Pré-Sal.

Nem as mobilizações massivas que explodiram no mês de junho de 2013

conseguiram trazer algum traço do PT das origens, comprovando mais uma vez a

sua completa mutação. Pego de surpresa com a massificação de uma luta que se

iniciou contra o aumento dos preços das tarifas de transporte, o PT oscilou entre a

repressão brutal ao movimento e o reconhecimento da “validade das manifestações

democráticas”, desde que “sem vandalismo”. A força do movimento derrubou

praticamente todos os aumentos de tarifas de transporte, conquistou o chamado

“passe-livre” (gratuidade para estudantes) em várias cidades, vetou a tentativa de

aprovação de um projeto de lei que limitava a ação do Ministério Público (PEC 37),

mas não arrancou nada do governo federal, a não ser uma proposta de “reforma

política” que além de não promover grandes mudanças, não respondia

positivamente a nenhuma reivindicação das ruas, que clamavam por mais

investimentos em saúde, educação, transporte, serviços públicos em geral, etc.

Qualquer balanço sério desses pouco mais de dez anos de PT no

governo, para além do discurso do núcleo duro da Articulação e seus títeres, contém

necessariamente fortes críticas. Até para os petistas mais orgulhosos, a avaliação é

de que as tão prometidas reformas não vieram. Contudo, mesmo à exceção dos que

assumem abertamente a conciliação de classe e a gestão do capitalismo,

abandonando qualquer perspectiva de transformação, existem aqueles que se

reivindicam de esquerda e até socialistas, mas seguem à sombra do governo de

colaboração de classes, insistindo num “apoio crítico”. Quais seriam então as razões

para esse tipo de posição política?

231

Durante muito tempo se falou em medo do “retorno da direita”. Era

necessário apoiar o PT não porque era a garantia de um projeto interessante para a

classe trabalhadora, mas porque era o “menos pior”. É justificável que a grande

massa, ainda rescaldada do período difícil do final do governo do PSDB, pense

dessa forma. Sobretudo porque o processo de experiência com o PT somente se

iniciou. Junho de 2013 foi uma prova de que a popularidade lulista e petista não é

eterna, mas depende da continuidade de uma situação relativamente estável. Um

possível aprofundamento da crise mundial e a inevitável postura do PT de salvar os

capitalistas para não perder o apoio burguês que o sustenta no governo pode

acelerar essa experiência tudo dependerá dos ritmos da economia e da luta de

classes.

Mas, não é admissível que setores de esquerda pensem assim. Seguir

apoiando um governo (seja ele “mais ou menos pior”) que está irreversivelmente,

pela natureza da sua estratégia de gestão capitalista e pelo grau de adaptação à

ordem burguesa, comprometido com um projeto reacionário – a palavra pode ser

forte, mas um projeto que pretende administrar o capitalismo e, portanto, derrotar a

revolução, não pode ter outro nome – é, no mínimo, uma capitulação.

É verdade que hoje o PT governa contra os trabalhadores e a favor da

burguesia. No entanto, o faz com majoritária aprovação. Mas este tampouco é um

argumento sério. Durante a década de 1990, FHC estabilizou a inflação e, ao

mesmo tempo, implementou uma cartilha neoliberal que atacava duramente os

trabalhadores. A classe, mesmo sendo atacada, fazia a comparação com os

governos anteriores, nos quais a inflação galopante corroia diariamente seus

salários, e não teve dúvidas: elegeu FHC no primeiro turno em 1994 e 1998. Só

depois de uma forte crise econômica e ataques mais duros a experiência se

completou, abrindo caminho para a vitória de Lula.

Hoje o momento é distinto, mas nesse aspecto há semelhanças. A

popularidade do PT se sustenta numa sensação de melhoria das condições de vida,

alicerçada principalmente em políticas compensatórias para os mais miseráveis e

estímulo ao consumo interno por meio de microcrédito. Em paralelo, os serviços

públicos vão sendo sucateados, a política econômica neoliberal continua sendo

mantida e os trabalhadores seguem sendo atacados – sobretudo uma camada

assalariada com alguns poucos direitos a mais. Assim como foi em FHC, é a

comparação com a situação anterior que sustenta o prestígio do governo do PT.

232

A questão é que essa sensação de melhoria – ao não se sustentar em

bases sólidas e na medida em que depende da dinâmica dos investimentos do

capital externo – tende a ser transitória, assim como foi a estabilização da moeda

nos anos 1990. E isso cria problemas para a tese de que é preciso apoiar o PT

nesse momento, mesmo com sua política pró-burguesa. Se a situação econômica se

agrava e a experiência das massas com o PT avança, o que a esquerda dirá aos

trabalhadores? Certamente não dirão para confiar na oposição de direita, no

entanto, como poderão exigir dos trabalhadores que confiem numa nova “salvação

da lavoura”, surgida como um raio, quando não construíram nenhuma alternativa

aos projetos de administração do capitalismo postos durante o período de

“estabilidade”?

A probabilidade das massas migrarem para a direita não é pequena,

afinal, os trabalhadores não vão ao encontro de quem não conhecem, nem de quem

não se apresenta. Eis a razão pela qual enfrentar os governos de colaboração de

classes não tem nenhuma relação com “enfraquecer a esquerda”. É o apoio a esses

governos que prepara, mais adiante, o retorno da direita.

As correntes que se reivindicam a esquerda do PT – como Democracia

Socialista, Articulação de Esquerda, O Trabalho, etc. – deveriam ter clareza disso,

no entanto, preferem (umas apresentando mais ou menos divergências) seguir

adiante sustentando um governo burguês. Embora com algumas diferenças de

atuação, parecem todas preocupadas em tentar aumentar a sua inserção na

institucionalidade, como forma de “contrabalancear” a atuação da Articulação.

Infelizmente parecem ter aprendido pouco com a história do próprio

partido. Se houvesse chance desse projeto ser vitorioso, as pressões institucionais

sobre elas seriam maiores, e não menores. E, mesmo conquistem alguns mandatos,

o que farão diante do atual projeto petista para o Brasil? Enfrentarão a Articulação

no plano nacional ou mais uma vez se submeterão a apoiar novamente uma

candidatura a presidente do PT com um programa ainda mais à direita e mais

comprometido com a burguesia e seus partidos49? Esperarão o PT fazer uma

aliança nacional com o PSDB para romperem?

49 O PT aprovou em seu XIV Encontro Nacional a candidatura de Dilma Roussef à reeleição para a Presidência da República nas eleições de 2014, reeditando um arco de alianças com a burguesia e a direita muito mais amplo do que todos os realizados anteriormente. Além do tradicional acordo com o PMDB, o PT incorporou em sua coligação eleitoral o apoio de partidos como o Partido Social Democrático/PSD (uma dissidência do DEM) e o Partido Progressista/PP, que conta no seu interior com a presença de quadros reacionários como Paulo Maluf e Jair Bolsonaro.

233

Já outras correntes da esquerda de fora do PT (como Consulta Popular,

MST, setores do PCdoB, etc.), optam por uma variante mais cautelosa. Relutam

falar em apoio explícito, mas afirmam defender as “medidas progressivas” do

governo do PT e lutar contra as regressivas.

Essa formulação é resultado da idéia de um “governo em disputa”: apoiar

as políticas progressivas seria tomar parte para que a disputa seja vencida pela

“esquerda”. Por isso defendem que seria equivocado enfrentar o governo de

conjunto.

Aqui mais uma vez se revela a incompreensão acerca do processo de

transformação do PT. Pensar num “governo em disputa” significa que há de fato

uma luta interna encarniçada entre o setor ligado às organizações da classe e a

burguesia, mas a realidade é que a dinâmica de transformação do PT não

demonstra isto. Já antes de chegar ao governo, o projeto do PT era o de conciliar

com a burguesia um projeto comum, ao redor de um plano sobre como administrar o

capitalismo brasileiro.

Como se tratam de setores da esquerda que não compreendem esse

transformismo do PT, acreditando que se trata simplesmente de uma luta de forças

contraditórias (como se disso não se gerasse nenhuma síntese), acham que podem

“empurrar o governo à esquerda”. Ora, se nem as grandes mobilizações de junho de

2013 empurraram o governo do PT à esquerda, como estas organizações

pretendem, com suas forças, fazer isto? Não bastam as demonstrações de que a

única disputa dentro do governo de colaboração de classes do PT se dá ao redor da

distribuição interna do poder, através dos cargos? Após mais de uma década

governando sem contradições com o capitalismo, inclusive vetando qualquer

possibilidade de reforma agrária, por exemplo, ainda acreditam que há “disputa” a

ser feita?

Conseqüentes com a estratégia de “governo democrático-popular”, esses

partidos e movimentos creditam a esse tipo de governo a possibilidade de realização

não apenas de reformas, mas do atendimento de reivindicações que teriam o caráter

de choque com as bases do capitalismo. Consideram inclusive a possibilidade do

governo de conciliação de classe realizar estas tarefas, desde que pressionado pela

ação de massas. Na “luta” contra esses governos só cabe, portanto, exigências e

nunca denúncias.

234

Diante disso se apresenta o problema do apoio às medidas

“progressivas”, que também não é menor. Como caracterizam o governo do PT

como “em disputa”, estão sempre a postos para acreditar nas “boas intenções” da

sua “ala esquerda”. Assim, políticas compensatórias e parciais (como o programa

Bolsa Família, Mais Médicos, etc.) são todas dignas de apoio irrestrito, nunca de

contraposição. Focam-se na aparência e abandonam a análise da essência dessas

ações.

Esta é uma questão muito importante, pois as reivindicações que são

levantadas não possuem um caráter progressivo nato, para sempre, de forma

atemporal. São relativas e se subordinam à análise histórica. Reivindicações que

hoje são progressivas podem deixar de ser amanhã. E são vários os exemplos que

confirmam isto.

Durante um regime ditatorial, por exemplo, a reivindicação por uma

Assembléia Constituinte é progressiva. Num regime de democracia representativa já

estabelecido, levantar a bandeira de uma Constituinte a ser realizada por um

Congresso Nacional cuja imensa maioria é eleita pelo poder econômico, por

exemplo, não tem nada de progressivo.

Mesma coisa em relação às políticas do governo do PT. Criar um

programa focalizado para livrar da fome milhões de famílias emergencialmente e por

um prazo planejado, que combine um conjunto de políticas sociais que apontem

para extinção dessa política compensatória no futuro, é progressivo. Fornecer uma

pequena quantia de dinheiro para ajudar nas despesas domésticas em um país com

muitos pobres, mas dando a esse programa um caráter permanente, sem articular

toda uma rede de proteção social que inclua saúde, educação, emprego,

previdência, etc. (principalmente quando a maior parte dos recursos desse mesmo

governo vai para os bolsos dos banqueiros), é, por outro lado, extremamente

limitado; e, considerando os objetivos de controle político-material sobre os

miseráveis, é reacionário.

Importar médicos de outro país para emergencialmente salvar uma

população arrasada por guerras ou pestes, é progressivo. Fazer esse mesmo

procedimento visando trazer profissionais que fornecem mão de obra mais barata

em relação à oferecida no país, numa situação em que o sistema público de saúde –

sucateado, sem estrutura e sendo privatizado – carece de investimentos (que são

negados), é cumprir um papel regressivo.

235

No caso do governo do PT, que segue seu curso sem estabelecer

contradições com o domínio capitalista, as políticas supostamente “progressivas”

estão sempre alicerçadas em planos (direta ou indiretamente) complementares que

são totalmente funcionais ao capital, exigindo da esquerda uma postura de

enfrentamento ou, no mínimo, de apontar os limites. Mas esses setores, além de

não demarcarem uma caracterização sobre a natureza do projeto de governo (se é

burguês ou operário), sugerem que se uma reivindicação acrescenta algo que não

existia antes na realidade, como uma simples soma aritmética (e não o resultado de

uma análise dialética), esta é necessariamente progressiva e merecedora de apoio.

Terminam, na maioria das vezes, apoiando medidas que servem para alimentar a

audiência do projeto de colaboração de classes, quando na verdade o critério

correto deveria ser se estas reivindicações ajudam ou não a fortalecer a luta dos

trabalhadores (a única ferramenta capaz de realizar as transformações de fato),

inclusive contra as ilusões fomentadas por governos desse tipo.

A importância de conhecer no que se transformou o PT e qual o projeto

que este partido representa aqui se revela de forma categórica. A depender das

análises acerca desses dois aspectos, as conclusões políticas podem se apresentar

como radicalmente distintas.

As tendências internas e externas que de um modo ou de outro, direta ou

indiretamente, intencionalmente ou não, sustentam o projeto de colaboração de

classe e administração capitalista do PT, partem de um pressuposto analítico que o

PT não se transformou e que se trata apenas de posições políticas circunstanciais,

influenciadas pela “conjuntura desfavorável”. Mas, é evidente que não podem

afirmar que foram pegos de surpresa e a história da luta interna no PT, da qual

praticamente todas participaram, opõe-se a isto. Durante a década de 1990, a

Articulação preparou todo o terreno para a incorporação do vale-tudo eleitoral e do

rebaixamento programático a níveis subterrâneos dentro do PT, sem esconder isso

de ninguém.

Sempre há, no entanto, os que preferem tentar escapar dos fatos. Podem

perfeitamente (como de fato a “esquerda” do PT majoritariamente faz) afirmar que a

Articulação foi longe demais na guinada à direita, que passaram do ponto, e que,

portanto, o que é preciso é tomar-lhe a hegemonia e não enfrentar o governo. Mas a

análise apresentada neste trabalho a respeito da transformação do PT em

instrumento de administração capitalista conduz a conclusões opostas pelo vértice.

236

A conversão de um partido originariamente independente da classe

trabalhadora numa ferramenta eleitoral que se apresenta como o melhor gestor do

capital, com um programa que segundo os próprios discursos da sua representação

máxima (Lula) “atende a direita e a esquerda”, exige da esquerda uma postura de

combate. Não faz nenhum sentido, para os socialistas, sustentar um projeto de

colaboração de classes que tem como objetivo último (no máximo, com meros

atenuantes) a conservação as relações sociais vigentes. É convencer os

trabalhadores de que confiar nas suas próprias forças e ir à luta não é necessário,

afinal, que um governo desse tipo pode lhes conferir uma vida mais ou menos digna.

É apostar na passividade, na resignação, na submissão ao capitalismo. Os dilemas

acerca do ingresso ou não na sustentação do projeto de governabilidade petista

estão, portanto, cada vez mais atuais. Não reconhecer que o PT está convertido

num instrumento a serviço desse projeto conduz a um abandono da luta pela

superação desse projeto tão regressivo que ele representa.

Cada segundo perdido significa desarmar a classe trabalhadora da sua

tarefa histórica, ainda que hoje ela não tenha clareza de qual seja. Se a classe

trabalhadora está iludida, por que dizer-lhes (seja em palavras ou em atos) para que

continuem nessa condição de ilusão? Isto apenas prepara o caminho de uma

tragédia.

Para além dessa primeira discussão sobre qual o papel da esquerda

diante de um governo “com cara de operário” que materializa o projeto de

conservação capitalista, uma segunda importante reflexão é, além de relevante,

macbethiana: independente da caracterização acerca do que representa o projeto do

PT na atualidade, deve se romper ou não com o partido?

Eis a questão. Aqui se apresentam duas discussões. Uma sobre a

tendência de irreversibilidade do processo de transformação do PT em instrumento

da ordem. A segunda, com quais legados petistas romper.

Este não é qualquer dilema. Os mais destacados revolucionários da

história da luta socialista foram postos à prova em situações com alguma

semelhança. Rosa Luxemburgo, por exemplo, quando se deparou com a posição

reacionária do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) de apoio à guerra mundial

imperialista, declarou ter consciência de que o partido havia degenerado de forma

irrecuperável. Ainda assim, não se posicionou pela ruptura.

237

Mesmo nunca tendo capitulado ao governo social-democrata de

colaboração de classes – contra quem a Liga Spartaquista, movimento organizado

por Luxemburgo que atuava como fração do SPD, voltava toda a sua artilharia –,

Rosa subordinou sua posição política à espera da conclusão do processo de

experiência da classe em relação à guerra, porque acreditava que era possível, com

uma avalanche da ação de massas, varrer a direção corrompida e regenerar o SPD.

Só em 1918 a Liga Spartaquista rompe definitivamente. Já era tarde demais.

Durante três anos nenhuma alternativa externa ao SPD havia se construído e não

houve tempo para uma experiência-relâmpago das massas. Rosa e seus

companheiros romperam em uma pequena minoria e, depois, foram esmagados

pelos antigos companheiros na revolução.

As comparações entre PT e SPD são, evidentemente, limitadas pelas

circunstâncias históricas e pelos próprios objetos de análise em si. No entanto, um

ponto de contato no exame das condições de ruptura é inegável. A afirmação de que

o PT é um partido de massas e, portanto, a experiência das massas é que

determinaria o momento de romper é repetido religiosamente, como mecanismo de

escape. E nem sempre este é um argumento válido. Há uma obrigação evidente de

se dialogar com o nível de consciência das massas, mas não é justo sempre alinhar-

se politicamente ao que elas acreditam como correto. Basta lembrar que as massas,

majoritariamente, têm ilusões no capitalismo.

Aqui se tem a importância de entender o papel de uma direção, ou ainda

um embrião de direção conseqüente, que luta contra uma direção com influência de

massas, mas defensora de um projeto corrompido, de manutenção da ordem.

Hoje ainda não se vive uma situação de crise revolucionária. E

normalmente, fora situações muito agudas da luta de classes, em boa parte das

vezes são as direções que tentam animar as massas para ir à luta. Quando se

abrem momentos de maior acuidade, ocorre o inverso: a explosão dos ascensos

empurra as direções para a luta (ou as esmaga).

Mas este esquema não se pode ignorar uma questão central: os

processos que conduzem às massas à ação nem sempre vêm acompanhadas de

clareza programática e estratégica. O ascenso popular e juvenil que ocorreu em

junho de 2013 no Brasil, por exemplo, mostrou isso de forma muito categórica. A

explosão de espontaneidade arrancou conquistas importantes e depois não

conseguiu avançar.

238

O desafio da construção de uma direção que aponte o caminho a ser

seguido, que apresente as reivindicações a serem levantadas e que ofereça o

projeto de poder a ser disputado segue em aberto. Até porque as direções que

pretendem canalizar a nova situação para os limites do projeto de administração do

capital seguem e seguirão atuando. Construir as direções da classe trabalhadora

leva tempo e condições históricas especiais, não se faz isto com um passe de

mágica, num processo “a quente”, e o debate sobre as condições de ruptura com o

PT deve levar isto em consideração.

Além disso, não é sem razão a análise que sugere a inexistência de

condições de disputa interna no PT. A divergência é permitida, mas num sentido

preciso: é possível não concordar com as medidas do governo petista, mas deve-se

defendê-lo. Não se permite qualquer tentativa de promover a experiência das

massas em relação ao projeto de administração do capital incorporado pelo partido.

Quem não apóia o governo de conciliação de classes e faz disso uma luta

conseqüente é, mais cedo ou mais tarde, expurgado do PT. O poder material,

advindo dos aparatos institucionais, deforma todas as instâncias de deliberação

petistas. As críticas e até os enfrentamentos, se forem somente internos, não terão

efeitos práticos. Essa realidade é parte do processo de degeneração e de

transformação do partido.

Se não existem condições internas de disputa e se o PT já está blindado

– pelas relações orgânicas que estabeleceu com o regime e com a própria burguesia

–, o que fazer? Esperar as massas completarem sua experiência com o petismo

para, depois disso dizer “sigam-me por aqui”, após anos sem ter apresentado ou

construído nenhuma alternativa?

Parece evidente que a insistência em permanecer no PT termina, de um

modo ou de outro, sugerindo a idéia de que o partido não se transformou

irremediavelmente, que não se converteu em um partido do regime antes de chegar

ao governo. Ou, na melhor das hipóteses, que existem ainda condições de disputa.

Choca-se, portanto, com toda a linha de análise deste trabalho, cuja conclusão

política aponta para a idéia de que a permanência no PT, hoje, significa render-se às

falsas expectativas do projeto petista de administração do capital. É atrasar a

experiência da classe e dificultar o fortalecimento da estratégia socialista para o

Brasil.

239

O outro aspecto deste debate tem a ver também com os processos de

ruptura, mas centrado nos elementos do petismo com os quais se deve ou não

romper. Para as tendências, setores e militantes que reivindicam o socialismo e já

avançaram para a construção de novas alternativas também são muitos os dilemas

postos.

As polêmicas são muitas, mas as análises deste estudo sinalizam

algumas que parecem ser centrais. Há praticamente um consenso na esquerda de

que o surgimento do PT, com todas as suas contradições, foi um fenômeno

progressivo. Mas é preciso identificar as circunstâncias sócio-históricas que

produziram esse fenômeno. A classe trabalhadora brasileira estava fragmentada,

inerte e sufocada pela ditadura militar. As organizações de esquerda que romperam

com os aparatos de colaboração de classe encabeçados pelo PCB sobreviviam na

clandestinidade – quando não foram destruídas pela reação do regime contra a

aposta da guerrilha.

O PT, portanto, foi o desaguadouro de uma ampla vanguarda de um

ascenso operário e de todas essas correntes e organizações que de um modo ou de

outro resistiram. Unificou o conjunto da classe trabalhadora de forma independente e

assumiu papel central na luta contra o regime. Pela rápida audiência de massas que

conquistou, se justificava como instrumento que abrigava, ao mesmo tempo,

reformistas e revolucionários. Mas a luta entre forças antagônicas não se dissipa

sem que haja um vencedor.

Poderia se alegar que a estratégia reformista não é, necessariamente,

oposta à revolucionária, que é apenas uma “primeira fase necessária” de

acumulação de forças. Vários setores do petismo sustentaram isto. Mas sobre este

debate também pesam as condições históricas. As reformas na época imperialista,

decadente, só são arrancadas com lutas revolucionárias. Defender as reformas na

atualidade, sem vinculá-las a uma estratégia de tomada de poder é, no fim, defender

o capitalismo.

Não há, portanto, possibilidade de convivência pacífica dessas duas

estratégias numa mesma organização, nesta época. No caso do PT, pelas

circunstâncias históricas e pelo peso da direção, o reformismo venceu, para depois

ser convertido – justamente pelos limites objetivos do capital em conceder facilmente

as reformas – em pura administração capitalista.

240

Hoje, a dinâmica de construção de alternativas ao PT é completamente

distinta do que existia na época de seu surgimento. Não existe uma percepção das

massas acerca de uma alternativa unitária. Primeiro porque não existe

homogeneidade suficiente para uma classe ter um só partido. Depois, porque a

experiência das massas com o PT não se completou. Cabe, portanto, às direções,

dar um passo à frente. Ou se apresentam e se constroem agora, ou as massas

poderão ir para qualquer lado no futuro.

Mas, se apresentar como? Com que tipo de partido? Qual o seu

programa? Sua forma de organização interna? Sua estratégia? As respostas para

essas questões não podem surgir sem uma análise séria não só do que foi o PT,

mas das condições atuais da organização da classe trabalhadores.

E analisar as condições do presente significa compreender que agora não

surgirá um novo PT com aquelas características da década de 1980 e que construir

outra alternativa que mais uma vez protagonize uma disputa interna entre

reformistas e revolucionários (agora não mais de massas, apenas de vanguarda) é

não centrar os esforços necessários na tarefa estratégica deste momento: a

construção de uma alternativa socialista.

Disso decorrem outros aspectos não menos importantes. Programa

democrático-popular ou socialista? Regime interno com liberdade de tendências ou

centralismo democrático? São polêmicas que seguem adiante e com as quais este

trabalho de algum modo tangencia, sobretudo quando trata dos limites da estratégia

democrático-popular, de sua amplitude programática quase ilimitada, e da

centralização da Articulação por via de métodos burocráticos (peso do aparato,

filiações massivas impulsionadas e controladas pelos mandatos institucionais,

restrições sobre a atividade política das correntes internas, etc.), tudo devidamente

travestido pelo véu da “democracia petista” que permite a existência de tendências.

A possibilidade de que uma ruptura com o PT (desde que fosse de

massas, o que até agora não se deu) desemboque numa alternativa progressiva

com um programa que não seja necessariamente socialista e nem com uma

estrutura interna centralizada, não pode também ser teoricamente descartada. No

entanto, de um modo ou de outro, a evolução das posições reformistas e

burocráticas, com o tempo, exigiria mais definições programáticas, dificultando a

centralização na ação e tensionando para novas rupturas. Seu caráter progressivo

só se manifestaria, como foi com o PT, também durante um determinado tempo.

241

Setores que romperam com o PT e outros agrupamentos menores de

esquerda que formaram, por exemplo, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) são

a prova viva dessa contradição. Decidiram formar um novo partido em 2005,

alegando a traição histórica dos pressupostos originais do PT, mas decidiram formar

mais um partido com revolucionários e reformistas e sem centralização política.

Em pouco tempo, o PSOL começou a manifestar o mesmo processo de

inflexão programática e adaptação à institucionalidade, numa velocidade muito maior

do que foi o transformismo do PT. Hoje, sem sequer ter chegado ao governo central

e sem possuir a influência de massas do PT, vive uma luta interna encarniçada pelo

controle do partido, com setores de clara identificação com uma estratégia de gestão

do capitalismo utilizando dos mesmos métodos da Articulação para assegurar sua

hegemonia nos espaços de disputa.

Enquanto isso, os grupos minoritários do PSOL que se apresentam como

defensores de um programa socialista dividem suas energias militantes entre a luta

interna fratricida num partido de vanguarda e a necessidade de unidade com as

demais organizações da esquerda socialista, produzindo uma situação, no mínimo,

interessante: na ação direta possuem mais convergências com os que estão fora do

PSOL, mas seguem construindo a mesma organização com aqueles que são seus

adversários no cotidiano.

Até mesmo os agrupamentos socialistas do PSOL que se organizam

internamente segundo a concepção clássica do centralismo democrático, diante

dessa situação, nem exigem do PSOL que assuma esse regime, nem apontam na

perspectiva de construção de uma alternativa desse tipo. Defendem o centralismo

democrático e a exigência do programa socialista para aplicação interna corporis,

mas sua estratégia atual é de construir partidos “amplos”, chamados de

“anticapitalistas”, não importando se possuem influência de massas.

A evolução da estrutura burocrática, praticamente inevitável a esse tipo

de partido se considerar que os reformistas (a não ser por excepcionalidade

histórica) não se submetem a organizações com hegemonia de revolucionários,

deverá se impor. A provável impossibilidade de reforma no PSOL (repetindo a

história do PT), vai novamente exigir a construção de uma alternativa programática e

organizativamente clara, e o erro estratégico do atraso hoje defendido por esses

setores também cobrará um preço.

242

A terceira e última consideração acerca dos reflexos da experiência com o

petismo na perspectiva de defesa de uma estratégia revolucionária para a esquerda

brasileira se articula com as duas primeiras sugestões de conclusão (a necessidade

de romper com o projeto petista de governo e também com o próprio PT).

Enfrentar o projeto de administração do capitalismo abraçado

irremediavelmente pelo PT e seu governo, e, estimular a ruptura com seu aparato

burocrático de claro obstáculo a qualquer idéia de superação da ordem vigente,

pressupõe a compreensão de que a construção de uma alternativa de esquerda

socialista no Brasil – incorporando as experiências e superando os erros que

atravessaram a história do petismo – urge. Na verdade, está atrasada.

Já existem organizações (minoritárias) que há algum tempo vêm

cumprindo esse papel, rejeitando a defesa de qualquer caráter progressivo do

governo de colaboração de classes, refutando a idéia de “combater por dentro” de

um campo político que sirva de sustentáculo ao PT e apresentando uma proposta

conseqüente – embora não sem cometer erros – de defesa dos interesses dos

trabalhadores e da sua luta pelo poder.

Essas alternativas podem não necessariamente significar a resposta

pronta e acabada do que seria uma ferramenta revolucionária capaz de

verdadeiramente tomar o lugar do PT, no quesito da relação e da autoridade para

com as massas. No entanto, mudanças só são possíveis com as ferramentas que

estão postas na realidade. Apostar em alternativas que possam ser o embrião ou o

motor de uma futura organização revolucionária de massas no Brasil nunca foi tão

urgente. Deixar aberta a vaga da luta socialista que foi ocupada pelo PT no passado

(ainda que não tenha sido uma organização revolucionária), pode levar a

conseqüências drásticas, que poder ir desde a aventuras anarquistas, até o

fortalecimento da direita.

Por isto, sem querer proclamar encerrado qualquer um desses debates –

até porque encará-los aqui como algo além de considerações e sugestões exigiria

um exame profundo acerca de cada um desses temas –, resta evidente que, apesar

do consenso quase unânime do PT atualmente ser distinto em absoluto da

organização que surgiu nos anos 1980; as análises acerca do que foi e do que hoje

é este partido continuam produzindo desdobramentos muito importantes na

atualidade, com implicações político-organizativas centrais para a luta pela

revolução socialista.

243

Toda luta política séria se materializa na luta pelo poder. A partir do

momento em que o programa de reformas levantado pelo PT deixa de sinalizar –

mesmo que de modo vago e, portanto, disputável para a estratégia revolucionária –

a possibilidade de poder para os trabalhadores, este programa deixa de ser

progressivo em sentido histórico. O partido, que já se negava ser revolucionário,

abre mão do socialismo.

Quando esse projeto reformista (mas já nem tanto) defendido pelo PT ao

assumir o governo central, transforma-se em plataforma política futura para justificar

uma idéia inamovível (pelas próprias condições de transformação do partido) de que

a tarefa é administrar o capitalismo, é o próprio partido que deixa de ser progressivo.

O PT, que começou admitindo somente algumas alianças, abandona a classe

trabalhadora.

Nem classe trabalhadora, nem socialismo é a síntese dessas duas idéias,

que em nenhum momento podem se afirmar sem considerar as confusões, os ritmos

das experiências, e até mesmo a dor de quem dedicou a vida a um projeto que, do

ponto de vista dos trabalhadores, deixou de servir.

Por outro lado, considerar isto não significa ser menos conseqüente nas

conclusões que decorrem das análises. Não se pode abrir mão do que deve ser

feito, à luz do exame da realidade. Quando o velho caduca e degenera, é

precisamente o momento em que o novo deve pedir passagem.

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