natal de 1944 - cel machado lopez - cmt 9º becmb

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04 edição NATAL DE 1944 - CEL MACHADO LOPEZ - CMT 9º BECMB Centro de Comunicação Social do Exército | Brasília, DF | terça-feira | 24 de dezembro de 2019 Especial Transcrevo do meu Diário de Campanha: Estávamos nos Altos Apeninos, a uns 30 km em linha reta de Bolonha. No dia 23 de dezembro, um vento muito frio precedeu uma belíssima nevasca com que nos brindou o inverno, cobrindo com um manto branco todo o horizonte. Reuni os oficiais, majores e capitães e fomos cumprimentar o General Mascarenhas de Moraes em seu PC, desejando-lhe um Feliz Natal. No dia seguinte, almocei no PC, onde um bolo de 1,20 x 0,80m, confeitado por um italiano, tinha por motivo principal a Cobra Fumando, emblema da FEB. Percorri toda a frente, levando o meu abraço a todos os meus comandados e distribuindo com eles os agasalhos que a Obra da Fraternidade da Mulher Brasileira (OFMB) e a Legião Brasileira de Assistência (LBA) haviam nos mandado como presente de Natal. Tal era a quantidade, que o excedente deu para contemplar a Companhia de Transmissões e o Grupo Levy Cardoso. Às 20 horas, os oficiais vieram me convidar para assistir a uma festa na casa dos capitães, muito bem organizada e emocionante. Numa ampla sala, às escuras, entramos. O Capitão Duque Estrada iluminou uma grande árvore de Natal e fez uma belíssima preleção invocando os ausentes e enaltecendo o espírito do nosso sacrifício. Foram hasteadas as bandeiras brasileira e americana. E a sala se iluminou, sob uma estrepitosa salva de palmas. A todos foram distribuídos presentes, acompanhados de comentários irônicos e piadas bem feitas. Seguiram- se uma farta mesa de doces e bebidas. De volta ao meu PC, recebi os cumprimentos de todos os meus oficiais, de um sargento, um cabo e um soldado por Companhia. O Major Afonso de Albuquerque Lima, meu subcomandante, falou em nome de todos e respondi, deveras emocionado, agradecendo. Em seguida, após ter explicado a confecção do bolo pela minha mulher e

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Page 1: NATAL DE 1944 - CEL MACHADO LOPEZ - CMT 9º BECMB

04edição

NATAL DE 1944 - CEL MACHADO LOPEZ - CMT 9º BECMB

Centro de Comunicação Social do Exército | Brasília, DF | terça-feira | 24 de dezembro de 2019 Especial

Transcrevo do meu Diário de Campanha:

Estávamos nos Altos Apeninos, a uns 30 km em

linha reta de Bolonha.

No dia 23 de dezembro, um vento muito frio

precedeu uma belíssima nevasca com que nos

brindou o inverno, cobrindo com um manto branco

todo o horizonte.

Reuni os oficiais, majores e capitães e fomos

cumprimentar o General Mascarenhas de Moraes em

seu PC, desejando-lhe um Feliz Natal.

No dia seguinte, almocei no PC, onde um bolo

de 1,20 x 0,80m, confeitado por um italiano, tinha

por motivo principal a Cobra Fumando, emblema da FEB.

Percorri toda a frente, levando o meu abraço a todos os meus comandados e distribuindo

com eles os agasalhos que a Obra da Fraternidade da Mulher Brasileira (OFMB) e a Legião

Brasileira de Assistência (LBA) haviam nos mandado como presente de Natal.

Tal era a quantidade, que o excedente deu para contemplar a Companhia de Transmissões

e o Grupo Levy Cardoso.

Às 20 horas, os oficiais vieram me convidar para assistir a uma festa na casa dos capitães,

muito bem organizada e emocionante. Numa ampla sala, às escuras, entramos. O Capitão

Duque Estrada iluminou uma grande árvore de Natal e fez uma belíssima preleção invocando

os ausentes e enaltecendo o espírito do nosso sacrifício. Foram hasteadas as bandeiras

brasileira e americana. E a sala se iluminou, sob uma estrepitosa salva de palmas.

A todos foram distribuídos presentes, acompanhados

de comentários irônicos e piadas bem feitas. Seguiram-

se uma farta mesa de doces e bebidas.

De volta ao meu PC, recebi os cumprimentos de

todos os meus oficiais, de um sargento, um cabo e um

soldado por Companhia.

O Major Afonso de Albuquerque Lima, meu

subcomandante, falou em nome de todos e respondi,

deveras emocionado, agradecendo. Em seguida, após

ter explicado a confecção do bolo pela minha mulher e

Page 2: NATAL DE 1944 - CEL MACHADO LOPEZ - CMT 9º BECMB

Cel. Rosty, Inspirado na mensagem natalina recebida pelos heroicos soldados brasileiros

que durante o Natal de 1944 lutavam contra a tirania do nazi-fascismo,

desejamos ao senhor e a toda sua família que este Natal renove as nossas

esperanças de um mundo melhor, com mais justiça, saúde, paz e alegrias.

Que o Ano Novo seja o tempo necessário para toda essa transformação. Com profunda admiração, amizade e respeito,

Marcos Renault e família

pela do Major Afonso, convidei-o para, juntos,

partirmos o bolo e todos os presentes dele

comeram e estava, de fato, delicioso.

Na nossa mesa, muito bem ornamentada,

encontravam-se, além do bolo já citado, doces,

passas de frutas, bombons, caramelos, frutas

diversas, guaraná da “Antarctica”, cerveja

americana, whisky escocês, vinhos branco e

tinto e conhaque.

Seguiu-se uma palestra animada, onde as

fraquezas de cada um foram realçadas, sem

ferir, nem de leve, a sua personalidade.

Às 23 horas nos dissolvemos, tendo antes

cantado “God Bless America”, em homenagem

aos nossos mortos, e o Hino Nacional, dedicado

a nossa gente e a nossa Terra.

Fomos assistir à Missa do Galo na igrejinha

de Suviana, oficiada pelo nosso Capelão, Padre

Nilo Kollet. Ao sair da igreja, um extraordinário

luar fazia ressaltar a brancura da neve.

À meia-noite em ponto, os alemães nos saudaram com uma chuva de “very-light”, que

iluminou toda a frente e a qual respondemos com uma barragem anti-aérea, com projéteis

traçantes (luminosos). Mesmo na guerra, o sentimento humano esporadicamente se manifesta.

O Major Senna Campos, chefe da 4ª Seção, cujo gabinete ficava ao lado do Serviço de

Engenharia, pediu ao nosso sargento desenhista que lhe pintasse um grande Papai Noel

carregando no seu saco uma “Pin up Girl” e escreveu embaixo os versos que foram muito

apreciados:

Presente de Natal (coquetel de línguas)

“Vole te voi una ragazza linda

Que tenha charme e uma beleza infinda?

Que queira escatoleta e beba vino,

Que voglia cigarreté per pápá,

Que peça carameli per barnbine,

Que tope uma parada para já?

Que enfrente esta nevada sem paura?

Fazei bem presto a adesso, em quatro vias

Pedido urgente dessa criatura.

Ao Dump, americano de gurias.”

E, assim, passou-se o Natal de 1944.