nas voragens do pecado

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Espirita

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    A presente obra disponibilizada pela equipe do ebook esprita com o objetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos, bem como o simples teste da

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    forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento esprita e a educao devem seracessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nosso site:www.ebookespirita.org.

  • YVONNE A. PEREIRA

    Nas

    Voragens

    do

    Pecado

    PeloEsprito

    CHARLES

    1FEDERAO ESPIRITA BRA IL IRADEPARTAMENTO EDITORIAL

    Rua Souza Valente, 17- CEP -20941 e Avenida Passos, 30- CEP -20051

    Rio, RJ - Brasil

    4 edoDo 26. ao 35.0 milheiroCapa de CEZCCONIB.N- 12992Copyright 1960 byFEDERAO EsPRTA BRASILEIRAter do ESPiritismo)AV. PASSO8 3020051 - Rio, RJ Brasil aComposio fotolitos e impresso offset dasOficin3as Grficas do Depto Editorial da FEBRua Souza Valente, 172094 - Rio, RJ BrasilIndice:

    Aos que sofrem. 9

    PRIMEIRA PARTEOS "HUGUENOTES"I - Otilia de Louvigny. 14II - Uma famlia de filantropos. 25III - O Capito da F. 44IV - Pacto obsessor. 57V - Seu primeiro amor. 70VI - Eva e a serpente. 85VII - Perfdia 103

    SEGUNDA PARTE

    UM CONSRCIO ODIOSO

    I - Estranhos projetos. 122II - Npcias. 140 III - Conseqncias de um baile. 153

  • IV - Anjo das Trevas. 174V - Fim de um sonho. 184

    TERCEIRA PARTE

    MAS A VIDA PROSSEGUE...

    - Um crime nas sombras. 201II - O destino de um cavaleiro 219III - Parcelas do Mundo Invisvel. 233IV - Como nos contos de fadasV - Almas supliciadas. 262

    QUARTA PARTE

    A FAMLIA ESPIRITUAL

    I - A Famlia Espiritual . 275 II - Glria ao Amor. 276III - O antigo pacto. 296

    Concluso - A magna Carta. 304

    AOS QUE SOFREM

    No dia 23 de abril de 1957, um acidente ocorrido em minha residnciafez-me fraturar o brao esquerdo. Imobilizada durante vrios dias, a sscom meus estudos e meditaes, que de panoramas espirituais sedesvendaram s minhas possibilidades medinicas, assim favorecidas porum estgio propcio! Se, ento, me foi dado o reconforto da presena dosmeus companheiros de jornada terrena, que fraternalmente me visitavam,freqentes igualmente foram as visitas recebidas do mundo invisvel,consoladoras e inefveis, testemunhando s minhas convices aintensidade faustosa, prodigiosa, dessa Ptria que nasso e a qualestamos perenemente ligados por laos de sagrada origem!No terceiro dia aps o acidente, um acontecimento verdadeiramentemajestoso desenrolou-se diante de minhas percepes medinicaspoderosamente exteriorizadas do mbito fsico-carnal. Apresentara-se minha frente, encontrando-me eu ainda perfeitamente desperta, a queridaentidade espiritual Charles, meu Guia e mestre da Espiritualidade, amigodesvelado desde o bero, porquej o era tambm na vida espiritual. Reflexos de um tuzeiro brancoazulado, que o envolvem, despejam-se ento sobre mim, emprestando aomeu recinto um suave palor como de santurio espiritual... Suas mosbelssimas, esguias, que um lindo anel Com radiosa esmeralda enfeita,estende-se sobre minha fronte, causando-me enternecido choque... Eele sussurra aos meus Ouvidos a doce tonalidade ede uma vibraoencantadora ordenando-me.Vem!...Submisso, meu esprito segue-o, enquanto o corpo, sobre uma cadeira debalano, o brao envolto em faixas, se abandona... a reconfortadoraletargia,... Pairamos no ar... Tudo em torno luar azul, neblinnassuavemente lucilantes perfumes de violetas - a essncia que Charlesprefere -, encantamento e emoo... No gostava muito do local, ondefazia meu fardo, a estncia azul onde pairvamos. Eu tinha a impressode Que gravitvamos pouco acima do telhado de minha casa, pois que ovia, assim como o panorama da cidade de Belo Horizonte, onde residiaento, que se estendia entre a penumbra do crepsculo. Ouvia mesmo osdebates entre meus pequenos sobrinhos que, na sala de jantar, preparavamos deveres escolares para o dia seguinte.E eram dezenove horas e meia...De sbito, um como tumultuar de cores e de sons melodiosos envolveo Olocal onde me encontrava. Tons rosados, de variaes inalditas,misturaram-se s tonalidades azuis que me envolviam, tal se eminentesquimicos celestes preparassem algo muito grandioso servindo-se dos

  • elementos dispersos pela Natureza nas camadas Invisveis doInfinito. Charles tomou-me da mo com vigor e disse:"- Narrar-te-ei a triste histria de um corao que ainda hoje noconseguiu perdoar e esquecer integralmente a dor de uma ofensa grave...Ofereo-a queles que sofrem, aos que amam sem serem amados, aos quetardam em compreender que o segredo da felicidade decada um encontra-se na capacidade que possua cada corao para as virtudes doamor a Deus e "o prximo..."

    Ento as primeiras frases deste livro repercutiramem meu ser espiritual como se foras ignotas as decalcassema fogo em meu crebro. Charles falou... E ascenas do drama intenso que aqui transcrevo se moveramna minha viso sob sua palavra, entre tonalidades azuis erosa, variadas ao indescritvel, mostrando-me, entre outrosacontecimentos, o terrvel massacre de Protestantesdo dia de So Bartolomeu, durante o reinado de Carlos IX,na Frana, massacre cujos aspectos verdadeiramente infernaisjamais poder conceber o crebro que os no hajapresenciado!Como, porm, poderia Charles ter criado tais cenascom tantos e to estranhos detalhes, para a minha visoespiritual?... que, certamente, ele existiu na Terra e na Franadurante aquela poca... De outro modo, os Espritos evoludospossuem mil possibilidades magnficas de reviveremo passado, tornando-o presente com todas as nuanasda realidade de que se rodeou... O certo foi que,sob o ardor da sua palavra, a tudo eu assisti e presencieiintensamente, com nitidez e encantamento, como se estivessepresente aos fatos, por vezes possuda de terrores,angstias e ansiedade, de outras embalada por deliciosasemoes de enternecimento e reconforto... E hoje, quandoj ele voltou novamente a mim para guiar a minhamo e o meu lpis na transcrio do drama entrevistoento, no estado espiritual - entrego-o, em seu nome,aos coraes que sentem dificuldades na concesso doperdo ao desafeto, aos que sofrem e choram no aprendizadoredentor, a caminho do - Amor a Deus sobretodas as coisas e ao prximo como a si mesmo...Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1959.

    YVONNE A Pereira

    PRIMEIRA PARTE

    OS "HUGUENOTES" (1)

    1

    "O Amor de essncia divina e todos vs, do primeiro ao ltimo, tendes,no fundo do corao, a centelha desse fogo sagrado. fato, que jhaveis podido comprovar muitas vezes, este: - o homem, por mais abjeto,vil e criminoso, que seja, vota a um ente ou aum objeto qualquer viva e ardente afeio, prova de tudo quantotendesse a diminui-lae que alcana, no raro, sublimes propores."

    11

    (ALLANC CArDEc - O Evangelho segwndo o Espiritismo, cap. XX.)

    (1) Huguenotes Confederados, ligados por juramento. Designaodepreciativa dada pelos catlicos franceses aos protestantes,

  • especialmente calvinistas.

    CAPTULO i:

    OTILIA DE LOUVIGNV

    Naquela manh de 20 de outubro de 1572, Paris se apresentava envolvidaem brumas pesadas, prenunciando aguaceiro e frio intenso provindos dascorrentes geladas dos Alpes, recobertos de neve, como sempre. Desde avspera, uma chuva fria, impertinente, caa sem interrupo para alagaras enormes lajes que calavam as ruas e as praas principais,engrossando sempre mais as torrentes que transbordavam das sarjetas ouformando atoleiros nas vielas e travessas que ainda no haviam merecidoas atenes do Sr. Governador da cidade para o aristocrtico luxo docalamento...Com a chuva constante e o pressgio dos ventos portadores de longasnevascas, esvoaava pelos ares da velha e lendria metrpole vagasensao de terror. Silncio impressionante, qual quietao traumtica,estendia apreenses desoladoras, de choque e pavor, pelos quatro cantosda capital dos Valois-Angoulme, que ento reinavam na Frana, silncioapenas alterado, de espao a espao, pelo bulcio de marcha lenta da cavalaria dos homens dearmas do Sr. Duque de Guise, chefe da Santa Liga, os quais, plena luzmeridiana, inspecionavam bairros, ruas, habitaes, zelosamenteverificando se algo desagradvel no se tramaria contra o Governo e aIgreja, esta desagravada, havia dois meses apenas, dos supostos ultrajesda Reforma Luterana, que lhe fazia sombra s ambies com asuperioridade dos conceitos sobre as Sagradas Escrituras. Vezes haviaque nem s a ronda do Sr. de Guise fazia ressoar pelos lajedos das ruasas patadas dos cavalos cuidadosamente calados de ferro e ao ou o tacodos seus mercenrios, cujas espadas e lanas tambm tiniam belicamente,para alarme dos habitantes de Paris que se enervavam atrs das rtalas edas persianas, temerosos de novos morticnios como os verificados doismeses antes. Tambm os archeiros e alabardeiros (2) de Carlos IX iam evinham, reforando a vigilncia, ao mesmo tempo que demonstravam ao povoa fora sempre vigorosa do governo que a Rainha-me - Catarina deMdicis - dirigia, atrs da inpcia do seu enfermio filho Carlos DE deValois-Angoulme, Rei da Frana.Dois meses antes dessa manh penumbrosa de outubro, verificara-se emParis o grande massacre dos "hereges" denominados "huguenotes", levado aefeito por um conluio poltico-partidrio mascarado de f religiosa, aoqual a Igreja, sob a responsabilidade do Papa Gregrio XIII, anuira porinstncias do governo francs, ou antes, por exigncias da polticaopressora da Rainha Catarina, interessada muito mais nas conveninciaspessoais ou dinsticas, do que nas da prpria Igreja, mas para arealizao do qual se tornava indispensvel

    (2) Archeiro - soldado armado de archa, arma antiga, de feitio domachado de carniceiro. Alabardeiro - soldado armado de alabarda, armaantiga idntica primeira, diferindo apenas do feitio do machado. NaFrana os alabardeiros constituam quase sempre a guarda de honra dosreis e dos prncipes.

    15

    o apoio do poder espiritual, dadas as desculpas religiosas que paraatingir os fins a que se propunha houvera ela por bem apresentar.O massacre desumano, verificado ao romper do dia 24 de agosto de 1572,ficaria clebre na histria mundial sob o nome de "Matana de SoBartolomeu", justamente por ser o dia dedicado ao culto desse santovenerado pela Igreja Catlica Apostlica Romana - um dos doze apstolosde Jesus-Cristo.Nessa data, pois, os adeptos da Reforma, os "Protestantes", alcunhados

  • por escrnio, na Frana, "huguenotes", foram trucidados em massa, nacidade de Paris, pelos soldados da chamada "Santa Liga", na ocasioainda apenas esboada, mas j em atividades, cujo chefe, o DuqueHenrique I de Guise, Prncipe da Lorena, se aliara s tropas do Rei afim de dirigir o movimento, em conluio macabro de idias, crueldades eambies. Quase totalmente indefensos, os "huguenotes", ou Protestantes,pouco puderam reagir, atacados que foram de surpresa. Seus laresviolados por tropas prvia e ardilosamente incitadas pelo ardor dareligio mal sentida e ainda menos orientada; suas esposas e filhas ultrajadas antesdesucumbirem sob os punhais e cutelos assassinos; suascrianas trucidadas ao estrepitar de gargalhadas que olcool e o cheiro acre do sangue humano excitavam ataos excessos de uma semiloucura; suas propriedades arrasadas peloincndio ou depredadas pela picareta dosfanticos adeptos da Rainha, do Prncipe ou da Igreja;seus corpos arrastados pelas ruas em desordem de pan demni e atiradosao Sena, ainda quentes e arquejantes, seus cadveres profanados,mutilados entre alari do de blasfmias e insultos pelos soldadosendoi e decidos de maldade e pelos prprios oficiais da nobreza,que entenderam por bem se nivelarem a baixezas de quese envergonhariam os prprios ces - e todo esse implacveldestroamento humano pretensiosamente reali zado sombra da Cruz doImaculado Cordeiro de Deus;tais violncias, inconcebveis ao raciocnio do homem mo derno haviamfeito correr o sangue humano pelos declives

    16da velha cidade do grande Rei So Lus, dela fazendo vastanecrpole que para sempre a estigmatizaria!Durante trs dias Paris fora assistente indefesa dessa avalanche desangue e morte. A populao, aterrorizada, no lograra serenidade sequerpara as refeies e o repouso noturno, porque a tragdia, semprecedentes na Histria, irrompia a cada esquina da cidade comimpetuosidade diablica! A ansiedade geral resumia-se nas calamidadesseguintes: - Matar os "huguenotes"! Ver morrer os "huguenotes"! Fugirdas hordas de celerados da Rainha Catarina! Aplaudir, sob terror, osexcessos do Sr. de Guise, que, no entanto, era amado pelo povo!Furtar-se s crueldades dos bandos assassinos, cuja sanha j norespeitava nem mesmo os prprios adeptos de Roma, matando-os tambm, dequalquer forma, aproveitando-se do momento para desforras e vinganaspessoais, incluindo-os entre os desgraados Luteranos e Calvinistas. E adesordem por toda parte, e a morte, e a dor, e o sangue, e o luto, e amaldio, e o terror, e a blasfmia abatendo-se sobre os ares da cidadenum sopro de tragdia inesquecvel e indescritvel... enquanto sinosdobravam a finados angustiosamente, do alto das torres das igrejas;procisses se sucediam a par do morticnio, cnticos subiam aos espaosem louvores aos Cus, porque os "hereges" eram exterminados... e asnaves dos templos regurgitavam de fiis que batiam nos peitos em"meas-culpas" fervorosas, satisfeitos ou consternados, afetandohomenagens a Deus por haver auxiliado, de um modo ou outro, o extermniodos "malditos"!Grandes e generosos franceses de alta linhagem moral e social sucumbiramnesse dia inolvidvel. Dentre eles o Almirante Coligny, cujos feitosnuticos atingiram as plagas sul-americanas, recm-descobertas ento,e, por tudo isso, de um extremo ao outro da Frana, nessa data de 20 deoutubro, que evocamos, estremecia-se ainda de horror e revolta, ante arecordao de tais abjees.No s Paris fora infelicitada, porm. As provncias, os feudos, asherdades, os casais, as quintas, tudoera invadido pelas foras do Rei e do Sr. de Guise, e

    17

    seus proprietrios, se suspeitos de reformistas, trespassados seriam

  • pela espada ou decapitados, pois convinha politicagem mrbida dapoderosa Catarina de Mdicis que nem mais um s Protestante florescesseno solo da Frana - chamada ento a filha predileta da Igreja!A defesa da Religio e da F era a desculpa apresentada para o desumanoextermnio cujas conseqncias ainda hoje no se detiveram naperseguio consciencial aos seus propulsores e executores, atravs daReencarnao, muito embora quatro longos sculos se sucedessem nasvoragens do tempo!Ora, naquela manh a que nos referimos acima, justamente ao soar dasnove horas nos sinos da Igreja de Saint-Germain l'Auxerrois, que nodistava muito, atravessava a ponte da Praa Rosada uma carruagem pintadade azul e ouro com escudo e coroa de Conde e uma pequena escolta dequatro cavaleiros montados ebem armados. A carruagem atestava conforto e certa abastana financeirade seus proprietrios, dado o requinte da pintura, o luxo e o bom gostodas cortinas de seda e rendas, os estofos de pelcia e os tapetes dointerior e o capricho da libr da guarda... no se cuidando dos cavalos,cujo pelo luzidio e ancas arredondadas respondiam pele melhor trato. Aguarda, composta dos quatro cavaleiros acima citados e mais um pajem e ococheiro, trazia no brao esquerdo laos com as cores do Sr. de Guise e,preso ao pescoo, e caindo sobre o peito, uma espcie de cordo de sedacom escapulrios, ento muito em voga, cordo que o altivo duquefazia distribuir entre seus apaniguados polticos e suas tropas, e laose berloques que teriam o condo de indicar que os respectivos portadoresno pertenciam Reforma Luterana ou Calvinista, mas sim aos "piedosos"partidos daquele prncipe e da sua potente aliada, a Rainha-me.Na portinhola da carruagem, alm do escudo, viam--se um L e um R muito artisticamente entrelaados, iniciais queindicariam os Condes de Louvigny-Raymond, antigos nobres que, naocasio, estariam reduzidos apenas ao jovem Coronel Artur deLouvigny-Raymond, dos

    Exrcitos do Rei, no momento em tarefas mui melindrosas pela Espanha, esua irm Otilia, de apenas vinte e uma primaveras.Atravessando a ponte, pequena e pesada edificao sobre um afluente doSena, a dita carruagem entrou com estrpito na Praa Rosada e parou frente de um pequeno palcio pintado em cores vivas, rodeado depequeninos torrees graciosos, ao estilo medieval, balces e ogivasigualmente pequeninos, mas muito aristocrticos com seus vitrais comassuntos bblicos. Larga alpendrada porta da entrada principalemprestava certo tom majestoso a esse palcio, cujas colunas e pilastrasde suporte exterior eram revestidas de uma composio como granitovermelho, e to lisa e brilhante como o esmalte e a porcelana. Quatrolampies de azeite alumiavam essa entrada noite - tom de requintadoluxo numa poca em que os parisienses viviam em escurido constante, noapenas ao sarem rua, obrigados por possiveis circunstncias mas atmesmo em seus prprios domiclios, que somente eram iluminados por luzde velas!

    Os quatro lampies, desse modo, clareavam no s a entrada do ditopalcio como ainda o seu nome, gravado a bronze polido no alto da portaprincipal - porque as residncias nobres possuiam tambm os seus nomes -e o escudo dos seus proprietrios, colado no madeiramento da porta, oque seria de bom aviso numa atualidade de trucidamentos coletivos einvases de domiclios... A graciosa habitao chamava-se, portanto,"Palcio Raymond".A praa, espaosa e clara, via-se contornada de pequenas edificaespintadas a cores um tanto vivas, de preferncia o Vermelho cor de barro,o que, realmente, luz do Sol, lhe emprestava um tom rosado algoagressivo viso, da ento advindo a sua alcunha de "Praa Rosada",concedida pelo parisiense, que em todos os tempos preferiu viver revelia de leis e convenes... porta do Palcio Raymond parou a aristocrticacarruagem e o pajem desceu para estender o tapete defibras impermeveveis sobre a calada molhada, e abrir a

  • 19portinhola. Uma dama de idade madura, cujos trajes severos indicavamtratar-se de uma aia de distino, ou uma preceptora, desceu do carro,auxiliando em seguida a descida de uma jovem de invulgar formosura,trajada em veludo azul-forte, com um pequeno chapu da mesma cor,ornado de plumas brancas, luvas de camura preta, de canos altos, emanto negro muito longo, com colarinhos de rendas de Flandres brancas.Abriu-se discretamente a porta do palcio e as damas penetraram ointerior. Trs criados cumprimentaram-nas respeitosamente, fazendomeno de se ajoelharem, enquanto a jovem estendia a mo enluvada paraque a beijassem, dizendo.- Folgo em v-los com sade e nimo forte para com a nossa F, Gregrio,Raquel, Camilo...E o servo de nome Gregrio, de nacionalidade alem, idoso e calvo,respondia por todos, traindo o linguajar francs carregado, das margensdo Reno:- Sede bem-vinda, "Mademoiselle de Louvigny... Espervamos com angstia. temerosos de que algo desagradvel adviesse... Desde ontem pela manhaguardvamos atrs destas janelas...- Fizemos boa viagem, meu caro Gregrio... O atraso verificou-se devidos chuvas, que alagaram asestradas... Pernoitamos em Nancy e em Chalons...- E ningum vos reconheceu?...A linda recm-chegada sorriu de modo enigmticoe provocante, e declarou, brejeira, como falando a simesma:

    - Oh! Quem se atreveria a suspeitar algo da irm do Coronel Artur deLouvigny-Raymond, companheiro de infncia do grande Sr. de Narbonne?...Oh, de Narbonne?!... O fiel servidor da grande Rainha, o devotoestudante de Teologia, amigo dos Srs. de Guise, Capito da F?!...Gregrio fez uma vnia, como atemorizado, tornando-se plido, e depoissussurrou, enquanto ensaiava um gesto para fechar a porta de carvalhochapeada de bronze, que permanecia entreaberta:

    20

    - Perdo, "Madenjoiselle"... Porm, ouso prevenir -vo de que, desdenossa chegada aqui, h sete dias, deliberamos que minha filha Raquelpassasse a se chamar Genoveva... em honra Santa Padroeira de Paris...Uma risada cristalina e displicente foi a resposta da singular jovem, aqual ia retorquir, talvez servindo-se de um remoque... quandosignificativo bulcio de tropa militar em marcha lenta ressoou pelapraa com seus caractersticos tinir de espadas, tilintar de rdeas decavalo chapeadas de metal polido e as inconfundveis patadas dasmontarias caladas de ferro e ao sobre o lajedo rstico do cho...O servo espionou com susto para o exterior, empurrando em seguida apesada porta, que se fechou com estrondo, e exclamou vivamente, osemblante alterado pelo terror

    - O Sr. de Narbonne.Sim! - sussurrou o jovem Camilo, seu filho, rapaz de dezessete anos deidade, louro e rotundo como o pai, mas de belos olhos castos como os desua irm, enquanto palidez sbita respondia pela emoo que dele seapossara - Sim! A cavalaria macabra do Sr. de Narbonne em visita aosbairros suspeitos de heresia e revolta!... Reparai, Mademoiselle", porestes interstcios da janela, que trazem o estandarte da Eucaristia deenvolta com lanas, machados e arcabuzes...Otlia de Louvigny dilatou os lindos olhos cor do firmamento e seu peitoarfou precipitadamente, enquanto as faces se purpurearam de forte emooe gotas de suores frios lhe rorejavam a fronte e as mos... Elamobilizou, ali, toda a galhardia dos seus antepassados, que se cobriramde glrias desde as primeiras Cruzadas, serviu-se de toda a altivez de

  • que a um aristocrata seria possvel na poca, ergueu a fronte em sinalde intimorato desafio e valor pessoal, e murmurou como para si mesma,enquanto se desfazia do chapu.- Lus de Narboune!... Vou, finalmente, defront-lo

    face a face!...Voltou-se para o servo impressionado e ordenou:

    21

    Abre a porta Gregrio... Abre-a de par em par, em homenagem ao"piedoso", Capito da F, que, ao que parece, me traz as boas vindas emnome da nobreza de Paris,- "Mademoisefle"... Por quem sois! Perdoas-me...porm, vos Suplico... Sois to jovem... No vos arrisqueistanto... Renuncias ao Vosso temerrio intento... Quantas desgraaspoderiam advir ainda... Fujamos para a Alemanha... Ainda est emtempo...Eu tremo por vs...Sem responder Otlia dirigiu-se para a enorme porta e, Porque fizessemeno de abri-l com as Prprias mos, Gregrio e Camilo interferiram,atendendo-lhe os desejos.Era tempo. A centria do fidalgo enunciado j no distava dos alpendresseno dez passos, arrastando com inslita Provocao a sua imponnciablico-religiosa que tinha o poder de fazer tremer toda a Populao dagrande cidadeValendose do poder da beleza incomum de que sabia ser dotada, Otliaatravessa o terrao e posta-se altivamente no balco, de olhos fitos nocavaleiro que vem aps O estandarte, indicado por Gregrio como sendo oPrncipe. Ao Conde Lus de Narbonne Todavia, jamais um semblante femininoapresentara graa to perfeitamente ingnua; jamais um sorriso de mulheradquirim mais adorveis expresses e um olhar externara mais candura esurpreso encantamento do que os dessa angelical jovem que pareciaabsorver a Praa Rosada e a sua beligerante ronda num amplexo desatisfao e ternura!Notandoa, desenvolta e linda, Lus de Narbonne estacou involuntariamenteo cavalo, fazendo, com isso, parar tambm o squito, o que resultou umchoque de rudos tpicos de uma tropa que se detm inesperadamente...De cenho carregado o Capito da F contempla ajovem, medindoa com o olhar, como tentando reconhec-la. Uma vnia respeitosa -lhe dirigida comsupremaelegncia pela bela desconhecida. Distingue-he ele, ins pecioso, osescapulrios pendentes do cordo, fornecidospelo Sr. de Guise aos catlicos franceses, . Os olhos22

    de ambos se cruzam... e uma centelha indelvel, que se tornaria em chamaimortal sacudindo-lhes a alma atravs do porvir, como que ofuscou, pelaprimeira vez, a inaltervel placidez do sangue das veias daqueleaplicado servidor do Rei e da Igreja, daquele estudante de Teologiacatlica, que pretendia para breve a honra de ser aceito entre o nmerodos seus sacerdotes...O cenho carregado descerrou-se ento... E um esboo de significativosorriso floresceu em seus lbios habituados to-somente ao comandar desoldados e s oraes de cada dia...O fato seria singular, verdadeiramente inacreditvel! Por trs dasrtulas e das persianas vizinhas, pessoas que espreitavam timidamente acena comentavam a medo, temerosas de que o prprio ar levasse seuspensamentos aos ouvidos do Capito da F:Uma invaso a mais!... A dama apenas chega ao Palcio desabitado e logoser presa e arrastada condenao, talvez morte!... O Palcio suspeito e torna suspeito todo o bairro, por isso visitam-no os senhoresda Igreja... Nele passaram longa temporada, h alguns anos, aqueles deBrethencourt de La-Chapeile, os reformistas, amigos dos de

  • Louvigny-Raymond...Mas, com surpresa de todos os vizinhos e at dos criados do mesmoPalcio, tal no se deu, porque Lus de Narbonne, caindo em si dadivagao a que a linda menina o arrastara, estugou o cavalo, como quese surpreendendo em falta grave; prosseguiu na marcha comuxn, at que,entrando na ponte, fez alto inesperadamente pela segunda vez, torceu asrdeas do seu belo "Normando" e voltou-se displicentemente paraverificar se a desconhecida permanecia no seu posto de obser vao...

    Permanecia, com efeito, e outra vnia, tirada em cerimnia idntica primeira, concedida pela recm-chegada ao Capito da F, que agora sorrisem constrangimentos, surpreende Gregrio, Raquel e Camilo, os quais asi mesmos confessam no mais saberem se devero sentir terror ouconfiana, em virtude do que acabam de presenciar.

    23

    A tarde, para surpresa dos timidos habitantes da Praa Rosada, o squitopor ali mesmo retornou, em vez de observar o itinerrio costumeiro poroutros bairros afastados. Luis de Narbonne modera a marcha diante doPalcio Rayznond e investiga indiscretamente, com o olhar interessada,as janelas de vitrais com motivosbblicos... Otilia de Louvigny assoma ao balco, sorri dent earrebatadora, os cabelos cor de ouro inteiramentedesnastrados, qual apario celestial ou figura lendriadas margens do Reno... e, audaz e inconseqUente, atiraao estudante de Teologia um boto de rosa rubra...Desmonta-se o escudeiro do encantado fidalgo, apanha a preciosa ddiva,a um sinal do amo, entrega-lha...e o cortejo, precipitando a marcha e enchendo a Praado bulcio blico, desapareceu em uma curva, maisalm...Otlia de Louvigny-Rayznond, ento, volta-se parasua aia e preceptora e exclama, arquejante, as feiesduras.Arpoei a fera, Dama Blandina!... E juro pelahonra da minha crena de reformista luterana e pela memria de meus pais e irmos, trucidados sob suasgarras, que no escapar aos meus tentculos vingadores!. Em seguidacai desalentada numa cadeira de banotorneada e, cobrindo o rosto com as mos crispadas,prorrompe em pranto violento.Dama Blandina aproxima-se, tentando confort-la...

    CAPITULO II

    UMA FAMLIA DE FILAnTROPOS

    No extremo nordeste da Frana, s margens do baixo Reno e mui prximo deterras da velha e sugestiva Alemanha, existia uma antiga famlia deautnticos nobres, os quais, segundo os prprios pergaminhoscomprovavam, descendiam de um fidalgo francs de origem alem por linhamaterna, co-participante das primeiras Cruzadas, um certo Cavaleiro daF que para a Terra Santa marchara frente de pequeno exrcito por eleprprio organizado - o Conde Filipe Carlos Eduardo de flrethencourt (3).Pela poca que evocamos, ou seja, nos tempos de Catarina de Mdicis,essa famlia possua ainda o seu Castelo nas mesmas terras, com adiferena, porm, de que a construo deste datava apenas do(3) Os nobres que descendessem de heris das Cruzadas eram mais dignosde apreo e considerao por parteda nobreza e mesmo da realeza.

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    Sculo XIV, sendo, portanto, relativamente novo no XVI sculo.A famlia, Cujos

  • ancestrais viveram sempre s margens do Reno, muito adaptada aoscostumes alemes, na PoCa do Rei FranCisCO 1 e de Henrique ii, daFrana, havia freqetado no entanto, o centro deste pas, com longastemporadas em Paris, Por quanto o Conde de Brethencourt fizera guerra comFrancisco i e Com seu filho HenNque ii, merecendo destes, Por Issomesmo, Certa estima e considerao. Com a morte de FrancisCo porm e,Principalmente com a tragdia de Henrique nos exerccios de um torneio afamlia desaparecida soCiedade Parisiense, encenando se em suas terras dasfronteiras das renanasJ por esse tempo os Condes de Brethencourt haviam acrescentado aoprprio nome O apelido de La-cha peile, e no seu escudo outros smbolosse apuseram, resultado de alianas matrimoniais muito honrosas desdedois sculos antes Na poca por assfin dizer urea da Rainha Catarina,isto , depois da morte de seu esposo, Henrique ii, a famlia deErethencoun de La -Chapen encontrava-se praticamente arruinada economicamente, Por isso que vivia apenas dos labores agrcolas, sem outrosrendimentos. Diziam dela que - desde o advento da Reforma, surgida naAlemanha com Martinho Lutero, em 1517, seus ltimos avs a ela selhe haviam de boamente convertido o que a fizera cair no desagrado degrande parte da nobreza, muito embora Francisco 1 e Henrique houvessem fechadoos olhos ao feito, ou Por convenincias Polticas e militares, ou porlealmente estimarem seus antigos e fiis servidores. O certo era que, naocasio que levantamos do olvido, viviam os Brethencourt de LaChapellevida muito austera e trabalhosa entre o amor da terra, estudos emeditaes em torno das Santas Escrituras e da nascente TeologiaProtestante, e dedicados a obras Piedosas em favor dos infelizes quetransitavam Por seus terrenos e para alm deles, at as fronteiras doReno Reputavam-nos portadores de costumes severos e edificantes qualidades morais.Seus jovens militares haviam deposto as armas dispensando dos serviosdo Rei, a fim de evitarem

    27os assassnios nas guerras, procurando, assim, honrar omandamento da Lei (4), preferindo s batalhas o uso do arado, sendo assuas mulheres dignas e virtuosas a toda prova. Seus representantes domomento eram as personagens da presente narrativa - o velho casal CondesCarlos Filipe de Brethencourt d La-Chapefle e Carolina de Clairmont;seus filhos vares- Carlos Filipe II, o primognito, mdico e telogo luterano (espcie depastor moderno, das Igrejas Protestantes); Clvis Filipe e FilipeEduardo, oficiais militares que abandonaram a espada pelo amanho daterra; Filipe Rogrio e Paulo Filipe, jovens estudantes de CinciasMdicas, como o irmo, e uma menina, jovem de radiosa formosura,angelical e graciosa qual uma figura de tenda, cuja firmeza de carter eelegncia de maneiras seriam o seu maior atrativo, porquanto raros eramtais predicados entre as damas da Frana por esse tempo.Essa menina, encantamento dos pais e dos cinco irmos vares mais velhosdo que ela, anjo bem-amado da famlia, que nela preferia enxergar aestrela protetora que irradiava alegrias e doces promessas no velho epacato solar, chamava-se Ruth-Carolina e nascera quando maior era oentusiasmo de seus pais e irmos pela crena da Reforma.A existncia decorria feliz para esses pacientes luteranos, muito maiscristos do que verdadeiramente reformistas, que, bondosos e sinceros,se rodeavam de suavidades e expresses fraternas ao enlevo dos ecosamorosos do Sermo da Montanha, o qual estudavam diariamente, sedentosde uma aprendizagem eficiente de assuntos celestes sob a proteo doMestre da Galilia, dedicando-se igualmente ao cultivo das Artes e daMsica, tanto quanto a poca poderia comportar, pois estava-se naRenascena, e a Frana, desde os dias de Francisco 1, despertava pararealizaes brilhantes. Eram, portanto, intelectuais de elevadaformao, estudiosos, cultos, mental e moralmente avanados para a pocaem que viviam.

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    Carlos Filipe II, o primognito, alm de mdico graduado por escolasalems, era tambm delicado poeta e sabia criar versos dolentes eenternecidos, inspirados no bucolismo das lides cotidianas da velhahabitao da famlia, os quais sua me - corao e mente igualmenteilustres - adaptava s comovidas melodias do Reno, que em todos ostempos at ao presente to sugestivas se conservaram. Carlos, porm, quese graduara em Medicina na Alemanha, retornando ao lar paterno,transformara sua vida em um hinrio de realizaes benemerentes luz doEvangelho do Senhor, pois, estudando-o com amor e desprendimento,adquirira capacidades morais para atrair inspiraes das forasprotetoras do Alto, as quais o tornaram pregador eficiente da Boa-Novado Cristo de Deus, doutrinador emrito e judicioso, propagandistaintimorato e lcido da Reforma, base do Evangelho, assim distribuindoconsolo e esperana entre as almas entristecidas pelos sofrimentos e aopresso que descobria em cada dia ao redor dos prprios passos. Oensino evanglico, tal como Jesus o concedeu ao povo humilde e deboa-vontade, constitua suprema atrao para a sua alma. Com queespiritual satisfao explicava aos grupos de ouvintes as leisjudiciosas e encantadoras do Sermo da Montanha, desdobrando-as emanlises e fecundas explicaes para o bom entendimento daquelescoraes vidos de esclarecimentos e socorros celestes! E com quepacincia e ternura lhes falava das parbolas elucidativas,desenvolvendo-as, tornando-as porventura mais atraentes sob o impulso dapalavra vigorosa e inspirada, e para todo o ensinamento despertando asatenes e o raciocnio dos que, com ele, examinavam a chocantediferena existente entre as exposies confusas do ensino romano e assimpies e doces leis do Evangelho expostas pelo Messias de Deus! Poresse apostolado renunciara o jovem pregador sociedade e aos bens domundo, pois que, podendo faustosamente viver no bulcio de cortes como ada Alemanha e da Inglaterra, onde a Reforma j assentara bases slidaspara os avanos do Progresso, preferia a convivncia dos humildes esofredores das margens do Reno e o dlcido ambiente da famlia, que paraele seria osis

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    celeste nas calcinadas paragens terrenas. Viam-no, assim, freqentementeacompanhado do pai, visitando as aldeias e lugarejos pobres do Reno, procura de enfermos do corpo e de sofredores do esprito, a fim de lhessuavizar as amarguras com as atenes de mdico e as solicitudes deevangelizador, como pastor e pregador que era do Testamento do DivinoMestre. Rodeavam-no os pobres, os velhos, as crianas, humildesmulheres, a fim de ouvi-lo pelas ruas ou nos recintos domsticos, comooutrora o faziam os primeiros discpulos do Evangelho. Ento lhes falavadaquilo que jamais fora franqueado a um aprendizado eficiente para opovo, isto - da personalidade real e no lendria do Redentor doshomens, de sua doutrina de amor e de esperana, de suas teses esentenas edificantes, as quais dessedentavam aqueles coraescontristados pelos infortnios, apresentando-lhes um mundo novo aconquistar atravs da observncia e prtica de to enaltecedoras quantosublimes lies. A par disso, eis a numerosa famlia dos Filipesdistribuindo entre os pequenos e pobres da regio o que as suas searasproduziam alm do necessrio para o equilbrio da Manso, pois ascolheitas dos campos agrcolas dos Brethencourt de La-Chapelle eramfamosas pela abundncia dos seus produtos, colheitas que cresciam de anopara ano quais bnos dadivosas dos Cus, explodindo do seio da terracultivada, como se o Criador desejasse premi-los pela dedicao aotrabalho e ao bem para com os que nada tinham. Seus tributrios,considerados homens livres, mais no eram que colonos judiciosamenterecompensados pelos servios prestados ao patrimnio, e no raro oprprio chefe do Solar, o velho Conde Filipe, com um ou outro dosfilhos, l estava, no campo ou nas oficinas, nos priscos ou nos

  • moinhos, colaborando com os servos, animando-os com o seu valor pessoalou ensinando-lhes novos mtodos de trabalho trazidos da Alemanha ou dadistante Inglaterra, sempre mais progressistas do que a Rennia pobre epacata. Os servos domsticos, por sua vez, considerados mais como amigosdo que como meros serviais, eram admitidos mesa das refeies comunsda famlia. E era belo e cristo, recordando os primeiros tempos da

    30fraternidade apostlica, comtemplar o CondeFilipe cabeceira da grande mesacom a esposa, os filhos direita e esquerda, em escala decrescente,as noras e os netos, e depois os servos, todos irmanados na orao damesa, quando se rendia graas ao Criador pela abundncia que desfrutavamsob a perfeita comunho de sentimentos e ideais.(5)Pelos casais, herdades e castelos, at para alm do Reno, era o jovemtelogo "huguenote" requisitado com instncias para exercer seusmandatos de mdico e missionrio evanglico. E l se ia, cavalgando ass com o pajem fiel, Gregrio, levando como nica arma o livro precioso- a Bblia, onde horizontes novos e prometedores se revelavam aosentendimentos humanos, e como defensores os instrumentos da Medicina deento. Por isso mesmo, ao seu redor cresciam os adeptos do Evangelho,decrescia o fanatismo romano, a luz das Escrituras se difundia pelosrecantos mais distantes do Reno, pelas choupanas e pelos palcios; oscoraes vencidos pela indiferena da f sem apoio slido eramrevigorados pelos brados de uma nova esperana, as almas abatidas pelasmisrias e injustias humanas sentiam novos vigores impelindo-as aotriunfo, porque a personalidade augusta do Nazareno melhor seapresentava aos seus raciocnios e sua confiana, o analfabetismodesaparecia, arrastando o seu triste cortejo de ignorncia para cederlugar ao estudo e meditao, um ressurgimento impetuoso acendiacoragem nova em cada personalidade, impunha-se o Trabalho comosacrossanto dever, surgia a aurora do Progresso!Amado e respeitado como um segundo pai, Carlos Filipe se impunha prpria famlia, especialmente pelo trato afetivo que concedia aos seus.Nutria, porm, pela irmzinha menor extremos de verdadeiro pai; nemmesmo procurava ocultar aos demais irmos, todos vares,(5) Esse hbito, na ocasio j em franco declnio, datava da IdadeMdia, mas s se verificava pelas Provncias eentre os nobres mais democratas.

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    a predileo sublime que, antes de agastar aqueles coraes tambminteressados nos seus afetos, os edificava sobremodo. Educava ele a irmcom esmero e vigilancia dignos de um conscienciosO mestre. Ensinara-lhe,desde os primeiros passos pelos imensos corredores do Castelo, obalbucio das primeiras palavras at as letras e a msica. E ingressava-anum curso todo cuidadoso em torno das Escrituras, quando as foras dodestino se interpuseram entre ele e os gratos sonhos relativos a pessoada irm. Quisera, no entanto, dela fazer um odelo de cristalinasprendas, um padro de virtudes e belezas morais, e no regateaava esforospara que tais aspiraes se convertessem em realidades. Por suavez Ruth-Carolina amava e respeitava ocomo a seu prprio pai, a ambos confundindo no mesmo hausto de afetos deseu corao. Curvava-se, submissa, s exigncias de Carlos a seurespeito e glorrificava-se, risonha e feliz, sempre que uma lio bemassimilada, um trabalho perfeitamente executado, uma cano entoada comgraa obtinham daquele mestre querido um aceno de louvor ou um beijo desincero aplauso...Ruth era, com efeito, o anjo do lar, o encantamento da nobre famlia deLa-Chapelle. As cunhadas queriam--lhe como aos prprios filhos. Estes, por sua vez, adoravam-na, poisque, bondosa e folgaz, divertia-os freqentemente em correrias loucaspelos terraos e corredores da grande habitao, ou lhes embalava osberos pequeninos ao som de dolentes nnias que em sua boca dir-se-iam

  • melopias anglicas adormecendo querubins... E, pelas tardes dosdomingos, estando a casa repleta de visitas e de colonos das imediaese do prprio Solar, interessados todos no conhecimento das EscriturasSantas luz da Reforma, aps o dever sacrossanto do culto domstico,onde as mais belas lies de f e de moral eram estudadas pela jovempregador, secundado pelo pai, retirava-se a famlia para outrasdependncias a fim de homenagear e distrair seus hspedes. Ento, CarlosFilipe, desejando comprovar os progressos da educao social fornecida irm, apresentava-a aos prpriosaos servos e vizinhos que os visitassem, qual32

    se o fizesse numa sala de teatro ou numa recepo custosa. Ruth-Carolinacantava ento qual menestrel celeste ao som da citara (6) ou de pequenaharpa as belas canes escritas pelo mano querido e adaptadas sdolentes melodias do Reno, sugestivas e apaixonadas. Ela o fazia comgalhardia e alta classe, espera da aprovao do irmo, levando oencantamento aos coraes presentes, os quais aplaudiam, findo o ensaio,entre beijos e sorrisos de satisfao, vendo-a to linda e inteligente,anjo querido que distribua sonho e alegria em torno dos que a amavam...De outro modo, pretendendo consorci-la com um jovem prncipe alemo,educav-na para viver na Corte alem, que sabiam seleta, exigente,severa.Entretanto, Carlos Filipe possua uma noiva e suas bodas, conquantoadiadas por um tempo indefinido, eram do agrado da famlia deLa-Chapeile. Ruth-Carolina amava a futura cunhada, pouco mais velha doque ela prpria, conhecendo-se ambas desde a infncia, pois no distavammuito as terras do Conde Filipe da propriedade em que vivia a meigaprometida do jovem doutor "huguenote". Tiveram as duas meninas, certavez, a mesma preceptora. Ao se tornar rf, aquela passara longastemporadas em La-Chapelie, datando dai o romance de amor que envolveu ocorao de Carlos. Chamava-se essa jovem Otilia de Louvigny-Raymond,havendo o velho Conde Filipe e o antigo Sr. de Louvigny entretidoexcelentes relaes de amizade.No obstante, uma vez rf, contando apenas dezoito primaveras, Otliapassara tutela de seu irmo Artur, herdeiro do ttulo, o qual, adespeito de ser igualmente admirador da famlia de La-Chapelle,opusera-se veementemente ao consrcio da irm, quando do pedido da modesta pelo jovem doutor luterano, pois Artur de Louvigny pertencia alta camada social, servindo junto do prprio(6) Citara - Instrumento de corda, melodioso e delicado, muito antigo,hoje ainda usado nas pequenas cidadese aldeias alems e austriacas.

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    Trono como oficial militar, e, assim sendo, temeu a iii- convenincia deuma aliana matrimonial com "huguenotes". Encerrou a irm num Conventode religiosas, em Nancy, com ordens severas para que no a deixassemsair, assim esperando v-la esquecer a primeira impresso do corao,aps trs longos anos naquele local.No entanto, criterioso e comedido, frente de ideais arrebatadores paraa sua alma de sonhador, tais como a difuso do Evangelho da Verdade e ocombate ignorncia das massas pela alfabetizao das camadas sociais ea reforma individual da criatura base da evangelizao crist, CarlosFilipe deteve-se nos seus anseios de pretendente ao matrimnio, ante aviolncia exigida pela displicncia de Artur, preferindo reanimar ajovem prometida com conselhos e protestos de fidelidade, atravs depequenas cartas que lhe enviava a despeito da vigilncia conventual,deixando assim de tentar o rapto por ela sugerido, prometendo, todavia, prpria Otlia, despos-la na Alemanha, uma vez atingisse ela amaioridade. Esta, porm, esprito frgil e muito impressionvel desde a

  • infncia, de constituio fsica enfermia, desgostou-se toprofundamente no exlio acerbo que a votavam, que veio a adoecer edefinhar, adquirindo grave molstia do peito, reconhecida incurvelpelos mdicos de ento. A conselho destes, porm, deixara o Convento afim de procurar alvio aos prprios males, a despeito das ordens doirmo e em virtude de j haver atingido a maioridade. Regressou pois aoSolar de Louvigny, onde passou a reger os prprios bens, auxiliada porsua preceptora Blandina d'Alembert, e onde Carlos passou a visit-lafreqentemente, tentando minorar-lhe o estado de sade, angustiado anteas perspectivas apresentadas pela querida enferma.Esta era a situao geral quando, uma tarde, chegou ao Castelo deLa-Chapelle um correio oficial da casa de Guise, seguido de uma guardade quatro cavaleiros armados. Recebido cortesmente pelos dignos senhoresda Manso, altivamente declarou o Correio - um oficial cujo nome eraReginaldo de Troulles - que somente se desincumbiria da misso de quefora investido, perante

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    o Conde Carlos Filipe II. Carlos, porm, encontrava-se ausente, atentoaos seus trabalhos de mdico e elucidador evanglico, peregrinando pelaspovoaes prximas. Fora necessrio ao Correio aguardar sua volta.Aguardou-a, paciente e impenetrvel. Durante os trs dias de espera quelhe foi indispensvel suportar, fraterna e cortesmente tratado peloConde Filipe e sua famlia, observou, por entre prevenes religiosas eintenes falss, que ali ousavam tratar do Evangelho de Jesus-Cristodurante o sero da noite, o que certamente seria abuso sacrlego; queno se submetiam a nenhum dogma ou prticas religiosas recomendadas pelorito romano; que no existia capela ou campanrio no Castelo, o queseria um acinte ou desrespeito, no obstante se apresentar a Manso comoedificao extensa e confortvel; que no havia um capelo oficiante esequer vestgios do culto catlico, o que seria heresia; que o Solar erafreqentado diariamente por vizinhos e colonos que iam estudar a Bbliae aprender as letras com a famlia reunida em assemblia, como escola, ea qual se arvorava em preceptora das massas, visando a atra-las para oculto da Reforma, e que, portanto, os Brethencourt de La-Chapelie erampositivamente nocivos no apenas ao Governo de Carlos IX, comoprincipalmente Igreja! noite viam-no escrever longas pginas, como algum que fizesseminuciosos relatrios a seus superiores. No se expandia, porm, emconversaes, no correspondia amabilidade dos donos da casa, queprocuravam cativ-lo por todas as formas. Todavia, aceitara convite paraum passatempo em famlia, numa tarde de domingo, durante o qual aangelical menina de La-Chapelie cantara ao som de uma harpa vrias dasbelas canes que seu irmo para ela compunha, destacando-se dentretodas uma, intitulada "As Rosas", que a ele prprio, Reginaldo deTroulles, impressionara vivamente, pelo encanto e emotividade com que acantora soubera desempenhar-se. Ruth aparecera apresentando fartobraado de rosas preso a uma cesta de contas, como prolas,distribuindo-as com os assistentes enquanto cantava, com os sons doinstrumento, alternando to graciosos gestos.

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    Na tarde do quarto dia, apresentara-se Carlos de volta do seuhumanitrio mandato, O Correio - oficial da circunscrio de Guise, masna ocasio comandado por Lus de Narbonne - examinou-o comimpertinncia, altivo e desdenhoso, reparando em seus trajes severos esimples, de cor negra, indicando sua qualidade de doutor e filsofo, aomesmo tempo que lhe entregava volumoso rolo de pergaminho, onde se lia:"De parte de Sua Alteza, o Prncipe Lus de Narbonne, Conde de S... - aSua Senhoria, o Sr. CondeCarlos Filipe XI de Brethencourt de La-Chapelle."Carlos contava ento trinta e dois anos de idade. Possua feiesregulares, serenas, olhos de um azul forte, grandes e perscrutadores,

  • atitudes comedidas, sorriso amvel e discreto, palavra fcil, masponderada. Seria belo se as longas meditaes noturnas luz de pequenoscandelabros, sobre textos de Cincias, Filosofia e Religio, no ohouvessem j fatigado, empalidecendo-lhe as faces e o brilho do olhar, ecriando, na fronte ampla e pensadora, rugas prematuras. De uma bondadeincontestvel, tolerante, paciente, portador de qualidades raras para asociedade da poca, que o recomendavam como fiel seguidor do Evangelho,era tambm to simples e de corao humilde e manso como o no seria oltimo dos serviais do velho Solar paterno. E, felicssimo no lar, pelafamlia inteira amado e respeitado como o segundo chefe que realmenteera, dizia, prazenteiro, que o Cu se transportara para junto deleprprio, nas pessoas de seus pais e irmos, aos quais adorava. Otilia deLouvigny, porm, transformara-se em motivo de grande pesar para os diassuaves que levava entre os afazeres impostos pela sua f e o amor dafamlia. Deplorava os infortnios da pobre menina prisioneira de frreospreconceitos, lamentava a enfermidade que a tolhera, a ambos decepandoas esperanas para dias risonhos de verdadeira felicidade, procurando,no entanto, suavizar-lhe a situao quanto possvel, visitando-afreqentemente agora em seu castelo, e versando-a nas normas doEvangelho segundo os conceitos da Reforma. Todavia, Carlos Filipe noera verdadeiramente inclinado aos

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    arroubos do matrimnio, asseverando freqentemente aos seus familiaresque sua alma aspiraria de preferncia ao Amor Divino, ao ensejo de seconsagrar definitivamente aos ideais evanglicos, pelos quais se sentiaarrebatar, tal como o fizeram os Apstolos do Mestre Nazareno, cujosfeitos procurava imitar tanto quanto as prprias foras o permitissem;amar a Humanidade e no somente a uma esposa, servir aos pequeninos einfelizes recomendados pelo Senhor e no apenas a uma prole oriunda doseu sangue. Mas, sabia que era vivamente amado por Otlia... e nopoderia, de forma alguma, desgost-la, furtando-se ao enlace que eleprprio desejaria espiritualizado at ao ideal... Nascido e educado sobos princpios da Reforma, deu-se a essa digna causa - na poca a maisnobre, arrebatadora e venervel que o mundo poderia comportar - comtodas as renncias da sua alma sincera e fervorosa, talhada para osgrandes feitos do Esprito, sem se perturbar idia dos ultrajes erepreslias, to freqentes na ocasio, contra aqueles que pensassem emdesacordo com o fantico despotismo da Igreja de Roma.Foi, pois, a esse jovem "huguenote, investido de to delicadas tarefasentre os seus compatriotas, que Lus de Narbonne, fantico religioso aquem chamavam "Capito da F", escreveu a seguinte epstola, datada de10 de agosto de 1572:

    "Acaba de chegar s nossas mos gravssima denncia a vosso respeito e arespeito de vossa famlia, apontando-vos como um dos mais ativospropagandistas da seita sacrlega de Martinho Lutero e Joo Calvino emsolo francs, sendo todos vs considerados, no momento, verdadeirosrevolucionrios e instigadores do povo. Por deferncia aos vossosancestrais, desde os leais cavaleiros das Santas Cruzadas e todosantigos servidores da Frana e amigos da realeza, assim como por lealadmirao s vossas qualidades pessoais, de quem se ouvem reiteradoselogios, aconselho-vos prudentemente a vos retirardes da Frana com todaa vossa famlia, logo aps

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    o recebimento desta epstola, ou a relegardes a Reforma, aceitando obatismo da Igreja Catlica Apostlica Romana, acompanhado de vossafamlia, em presena das autoridades civis e eclesisticas de Paris, asquais estaro prontas a jubilosamente vos receber em seu seio. Maisalguns dias e ser tarde... porque severas reaes se iniciaro contra aheresia luterana e calvinista... Agradecei esta advertncia lealdade

  • do nosso comum amigo Artur de Louvigny-Raymond, o qual, partindo agoraem misso do Governo para o estrangeiro, generosamente intercedeu porvs.Leu-a o jovem "huguenote" numa atitude de quaseimpacincia, e, com um sorriso sereno, passou-a ao pai,que o fitava em silncio:- Teremos perseguies, Sr. Conde. Provam-nos que reconhecem valor nomovimento que empreendemos... - exclamou com bonomia, excessivamentehonesto e pacfico para acreditar que no se trataria simplesmente deperseguies, mas de massacres que ficariam registrados na Histria comodas maiores calamidades perpetradas sob a luz do Sol.- Ser necessrio responder ao Sr. Conde, meufilho, agradecer-lhe em nome da famlia o interesse ea bondade com que nos prova sua cavalheiresca lealdade- ponderou o velho titular, prudente e qui impressionado.- Sim, responderei, meu pai!...Carlos era moo, entusiasta do seu caro e arrebatador ideal. Por ummomento deixou-se vibrar por um sentimento chocante... Sorrindo,virou-se para o Correio que esperava em atitude militar, e, sem sedignar retribuir a epstola, disse:- Dizei ao vosso Capito que Carlos Filipe II de Brethencourt deLa-Chapelle agradece o favor da advertncia... mas que considera os seusarrazoados demasiadamente impertinentes para serem aceitos por um homemde honra!

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    O oficial empertigou-se, no podendo ocultar o assombro de que se sentiupossudo ante to temerriase descorteses palavras, imprprias daquele que as proferia.

    - Que fazes, meu filho? Enlouqueceste, porventura... - interveio oConde Filipe, impressionado. - o SR. De Narbonne um prncipe, poderoso ergido!Enquanto o Correio acrescentava:- Correr sangue, senhor! Refleti a tempo na resposta que haveis dedar!...- J vos dei a resposta, Sr. oficial! concluiusecamente, e afastou-se. noite reuniu-se a famlia em conselho, exceo feita de Ruth-Carolina,a quem ordenaram recolher-se mais cedo, a fim de deliberar sobre ospressgios advindos com a carta do Conde de Narbonne.A Condessa Carolina, como boa me, opinava para que fosse abandonado oCastelo sem tardana e toda a famlia transportada para a Alemanha,conforme sugerira o prprio missivista, furtando-se todos, destarte, aoque mais adviesse. Os vares, porm, insistiam para que apenas asmulheres e as crianas atravessassem o Reno, pedindo temporriahospitalidade aos irmos na F, dentre estes o Prncipe Frederico deG...com quem se firmara um contrato de aliana matrimonial paraRuth-Carolina. As propriedades de La-Chapeile no poderiam ser abandonadasassim to ingenuamente, primeira ameaa de um fantico, pois que aliestavam todos os recursos da famlia. Ficariam portanto os homens para adefesa do patrimnio e da honra dos antepassados, e que partissem asmulheres e as crianas, mesmo as servas... Lus de Narbonne era homemculto e a retido do seu carter no lhes era desconhecida... * Saberiabem compreender que os Brethencourt de La-Chapelle seriam teis regio, prestativos e progressistas... Ao demais, sua circunscrioera Paris... e seus tentculos no poderiam abranger a Provncia, decujo Governador desfrutavam os de La-Chapelle boa considerao...Mas, as mulheres declararam que no abandonariamde modo algum seus maridos a perigos imprevisveis e

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  • difusos... voltando a Condessa a declarar que, se ningum se retirasse,ela tampouco o faria, preferindo permanecer ao lado do esposo e dosfilhos queridos...Carlos Filipe fora o ltimo a emitir opinio:- Ide todos vs - insistia, veemente -, porque de Narbonne, apesar de serum carter leal, como o provou com a sua epstola a ns outros, tambmfantico religioso, e um fantico de qualquer espcie poder cometermonstruosidades! Quando respondi sua missiva com a descortesia que vosimpressionou, meu pai, quis provar a esse jovem telogo de Roma que umverdadeiro crente em Deus jamais transigir com imposies humanas, umavez se sentindo sob o amparo da Justia... pois ficai sabendo que, dequalquer forma, seremos combatidos e perseguidos, respondesse eu ou norespondesse sua atrevida e injustificvel imposio! Ide, portanto,vs outros, mas eu ficarei, porque, como mdico, no poderei abandonaros meus pobres doentes ao sabor dos prprios achaques... e como pastorde almas hei de oferecer-lhes o exemplo da F e da honra do Evangelho,na hora dos inevitveis testemunhos...Lgrimas dos olhos amorosos de toda a famlia, ali reunida em hora tosolene, acolheram a resoluo do seu amado primognito. O Conde Filipe esua esposa abraaram-se ao filho, desfeitos em pranto:No, meu filho! Se preferes ficar, como ser dever, teus paispermanecero contigo! Se, efetivamente, correr o nosso sangue, que sejapelo amor do Cristo de Deus e em defesa do seu Evangelho que ele sederrame! No! Ningum te abandonar neste Castelo, desguarnecido eindefeso, aguardando as investidas dos inimigos da Luz!...Concordaram todos com a resoluo do chefe, abraando, um por um, aquelejovem segundo pai, to amado, sem cuja proteo e conselhos no saberiamviver. Todavia, algum exclamou ainda, em meio do silncio da madrugadaque avanava:- Verifiquemos a mensagem conselheira que nos fornecero as pginas doNovo Testamento do Senhor...

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    Consultemos Jesus... a ver se aprovar a nossa deciso de resistirmos presso de Lus de Narbonne.Carlos aquiesceu. Autoridade mxima no assunto,entre a famlia, levantou de sobre a mesa o livro sagrado, sempre aoalcance da mo de todos. Abriu-o ao acaso e, plpebraa cerradas epensamento fervoroso voltado para o Alto, enquanto as pessoas presentes,concentradas em prece, suplicavam ao Mestre Divino se dignassefavoreclas com a bno da sua palavra elucidativa na emergnciadifcil, corria o dedo indicador da mo direita pelas colunas do textoaberto sua frente, at que, de sbito, estacou, como se o influxosuperior, que o impelia, agora se retraisse Ento, no silncio augustodo velho Solar, sob o encantamento espiritual da respeitvel reunio, emque o amor e a palavra do Senhor e Mestre eram evocados com f e venerao, entredulurosas vibraes de preces, comoque a voz sedutora do Rabi da Galilia ressoou docemente pelo recinto,atravs do murmrio verbal do seu servo Carlos Filipe, o qual leu,comovido e respeitoso, a mensagem apontadanos prprios versculos do Evangelho:"Se algum quiser vir nas minhas pegadas, renuncie a si mesmo, tome asua cruz e siga-me; porquanto, aquele que se quiser salvar a si mesmo,perder-se-; e aquele que se perder, por amor de mim e do Evangelho,salvar-se-." (7)Ao se recolherem para repousar das fadigas do dia, deliberado ficara queapenas Ruth seria retirada da velha manso, por evitarem, assim, que amenina, ainda muito jovem, se impressionasse demasiadamente com algochocante que pudesse advir. Decidira Carlos que, j no dia imediato,fosse a irm querida preparada para uma viagem longa; que ele prprio ealguns servos, dentre outros - Gregrio, o intendente alemo, fiel eprestativo, seu filho Camilo e sua filha Raquel acompanhassem Ruth at residncia de Otlia de Louvigny; que a esta ele prprio,

  • (7) Lucas, IX, 23, 25; Mateus, X, 39; Joo, XII, 24,25.41

    seu prometido, pediria hospitalidade para a irm durante alguns dias, attulo, porm, de visit-la e distra-la das apreenses da enfermidadeque a minava, pois nem Otlia e tampouco Rum deveriam ser cientificadasdas ameaas entrevistas na epstola de Lus de Narbonne, no obstantehaver sido Gregrio posto a par dos acontecimentos.Trs dias depois, efetivamente, pequeno cortejo seguia viagem sobre odorso de geis animais, com destino s terras de Louvigny, levandoRuth-Carolina acompanhada do pai e do irmo e de alguns criados fiis,em visita sua muito querida amiga de infncia e futura cunhada.Os dias passados ao lado da prometida amorosa e gentil se escoaramrapidamente, dias amenos e felizes que marcariam uma como despedidasecular para os seus Espritos, em virtude dos acontecimentos que sesobrepuseram. Otlia parecera reviver com a presena daqueles entes tocaros ao seu corao. Atingia ela agora as vinte e duas primaveras econfessara ao noivo o seu formal desejo de se converter crenaluterana, antes dos esponsais, rogando-lhe ainda que apressasse asbodas, porque o seu corao, exausto de solido e amargura, ansiava peloevento feliz do consrcio to santamente almejado.Comoveu-se Carlos ante aquela afeio que se revelava to resignada eleal, e entre ambos e o Conde Filipe, que se encontrava presente, ficaraestabelecido que se consorciariam to depressa quanto lhes permitissemas circunstncias, isto , quando voltassem ao Castelo a fim de levaremRum de retorno ao lar paterno. Quanto a Artur de Louvigny, irmoimpiedoso e egosta, que no vacilara em sacrificar os sentimentos dairm, no seria consultado, porquanto acabara de partir para oestrangeiro, a servio do Pas. No obstante, afirmara Carlos que, aoseu regresso, procur-lo-ia em Paris a fim de participar o acontecimentoe apresentar escusas, certo de que a paz presidiria t importantesmovimentos.42Radiante, a jovem Otlia despediu-se do bem-amado prometido, o peitoestuante de esperanas fagueiras em dias compensadores e risonhos,entregando-se de boamente aos preparativos das bodas, auxiliada por suaantiga preceptora, Blandina d'.Alembert, que lhe fazia as vezes deverdadeira me, e tambm pela gentil irm de Carlos, a quem agorahospedava.Durante a viagem de regresso aos seus domnios, porm, dir-se-ia queapreenses inslitas, angstias dominantes nublavam az disposiesgeralmente bem-humoradas do jovem doutor "huguenote e seu venerando pai.Marchavam sitenciosos e como que aturdidos sobre o dorso dos cavalos,tal se partissem para um futuro que se lhes prenunciasse contristador oudecepcionante. Sbito mal-estar ntimo difundiu-se pelos seus coraes,tolhendo-lhes as salutares expanses costumeiras.- Dir-se-ia, meu Carlos - queixou-se tristemente o velho Conde -, queabandono para sempre nossa pequena Ruth, sem possibilidades de jamais areaver. Sinto pesarem em minhalma cruciantes apreenses... Algo penosome desola o corao...- a primeira vez que nos separamos da nossa querida menina, meu pai. - ea ausncia dos seus risos e travessuras, que tanto nos alegram ocorao, j se faz sentir... Espero na proteo dos Cus retornarmosmuito breve a Louvigny, a fim de lev-la novamente para junto de ns...e mais aquela pobre Otlia, cujo estado de sade me inquietaprofundamente... Todavia... Impresses amargurosas igualmente sedifundem pelo meu esprito. - Quisera encontrar-me com todos vs, bemdistante das opresses da Senhora Catarina... Esforo-me por afastarpressentimentos sombrios, indefinveis... e confesso que, ao me despedirde ambas, o corao me advertiu de que as beijava pela ltima vez...- Tens razo, querido filho! Lus de Narbonne, com seu fanatismo depupilo de padres; a Rainha Catarina, com sua poltica hipcrita e

  • astuta, e Guise, com as suas pretenses, encarnam constantes ameaaspara os pobres "huguenotes"! Quem sabe andaramos bem passando o Reto,para nos furtarmos a possveis surpresas?...

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    - Sim, quisera poder faz-lo... No entanto, ainda est em tempo... Idetodos vs para a Alemanhaessa h sido a minha opinio desde o primeiro dia...- Mas... E tu, meu Carlos?...- Ficarei, Sr, Conde, como ser dever... No poderei abandonar meuspobres doentes, j vo-lo disse, nem as ovelhas do rebanho do Senhor, tonecessitadas so do estmulo e do reconforto do seu Evangelho... Deverei,ao demais, testemunhar aos nossos fortes e poderosos adversrios o amorpor nossa crena em Jesus -Cristo e a f nos poderes divinos...Ficaremos todos, ento, a teu lado, j to afirmamos tambm... Ns outrosigualmente gostaremos de testemunhar nossa dedicao e desprendimento poraquele que, por nosso amor, se deixou padecer e morrer numa cruz...E pelo resto da viagem nada mais disseram senomonosslabos sem importncia.

    J no recinto domstico, alguns dias mais se passaram sem alteraes. Osacontecimentos dirios se sucediam sob rotina comum, entre os labores docampo, as lides domsticas e os deveres impostos por uma crenareligiosa que se revelava ciosa da boa conduta dos seus adeptos paraconsigo mesmos, O Prximo e a sociedade. Esbaterase a impresso causadapelo Correio de Paris e j se inclinava a generosa famlia para asuposio de que a epstola do Prncipe de Narboune traduzisse antes afanfarronada de um jovem cercado de poder que se desejava insinuar noconceito da sociedade propalando as prprias possibilidades E por issomesmo, j se preparavam para as bodas de Carlos e Otlia e para oretorno de Ruth, cuja ausncia a todos enervava de saudades einquietaes.

    CAPITULO III

    O CAPITO DA FLus de Narbonne era um jovem de apenas vinte e cinco primaveras, debelos olhos vivos e grandes, azuis escuros, de longos franjadoscastanhos. Moreno e atltico, o seu porte no era desagradvel vista,conquanto impressionasse pela dureza das feies e severidade dasatitudes. Muito jovem ainda fora cavaleiro da Guarda Real. Era o ltimoConde do nome, senhor de uma fortuna imensa, e, no momento em que ochamamos s nossas narrativas, estudante de Teologia - o que a umapersonalidade da poca emprestava um valor todo especial - tornando-seele, por isso mesmo, duplamente respeitvel, apesar da idade. Pessoasachegadas ao Trono diziam-no filho bastardo do falecido Rei Henrique IIde Valois com certa Senhora de Narbonne, o que seria muito justificvelna poca... Mas, outros afirmavam, antes, que seria produto adulterinode certa rainha ou princesa espanhola com um luminar do clero, o quetambm na mesma poca seria muito razovel... Somente a Rainha Catarinade Mdicis, porm, viva de Henrique II - comentavam ainda outros -,conheceria ao certo a paternidade desse jovem, por quem, afirmavam outros mais, nutria umsentimento particularmente hostil, no obstante as boas maneiras com queo tratava e a considerao que ele parecia desfrutar no prprio palcioreal, o Louvre. O certo era, porm, que esse jovem moreno e forte,soberbo e de costumes rgidos, era tambm prncipe, mas fora criado numConvento. Que recebera educao muito destacada para a sociedade em quevivia. Que sua fortuna e seus ttulos lhe foram doados por Henrique III ainstncias do Clero. E que tambm fora, por entre perfumes de incenso,badalar de sinos e campainhas e ablues em gua benta, que obtivera asua instruo militar, digna, por todos os motivos, dos vares da suaraa, pois diziam-no, acima de tudo, descendente dos primeiros

  • Cavaleiros da F - ou Cruzados (8). Chamavam-lhe "Capito da F" os seuscomandados e admiradores, alcunha que os acontecimentos do dia de SoBartolomeu popularizaram, no apenas evocando a honra dos seusantepassados, mas ainda porque, conquanto militar valoroso, tantaerudio teolgica possuia que tomaria ordens clericats no momento quese dispusesse a visitar Roma, onde prestaria os juramentos decisivos,uma vez que preparado estava para o fecundo e honroso ministrio.45

    - Tomarei ordens! Propalava, zeloso, o hercleo e belo oficial do Rei, nodia em que no mais existir no solo francs uma s memria destesrenegados "huguenotes)! Trucid-los-ei primeiro, para que minhalma seeleve, tranqila, nas asas da F, servindo a Deus e a sua Igreja!Jamais soubera algum que fosse dado a aventuras galantes. Numa idade emque as maiores displicncias amorosas eram cultivadas pela prprianobreza, Luis de Narbonne conservava-se casto de costumes, no se permitindo sequer inclinar-se para a aspirao mxima do matrimnio.

    (8Cruzados Cada um dos que tomaram parte nas Cruzadas, ou seja, nasexpedies militares, organizadas nos pases cristos, na Idade Mdia, afim de libertarem, do poder dos infiis, o tmulo do Cristo.

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    No se fazia galanteador entre damas, no lhes prestava mesmo sequer atenesde cortesia. Respeitava-as, porm, meio tmido, meio atemorizado,porque, acima de tudo, o que ele prezava era o decoro prprio, areputao inatacvel de ele mesmo, desprezando-as, por isso mesmo, no seusentido genrico, sem se deter em nenhumas outras consideraes. Damulher saberia ele, quando muito, desde a infncia, que perdera o gnerohumano reduzindo-o a rprobo, pois desde os dias enfadonhos e semalegrias vividos nos Conventos, dias e anos soturnamente suportadosentre monges domnicos e disciplinas verdadeiramente frreas -diziam-lhe os mestres e dirigentes que, devido perfdia e ao instintosatnico da mulher, fora que a Humanidade herdara a condenao atroz quea desfigurava, condenao que somente a igreja teria o poder de anularcom as miraculosas guas do batismo... Eva e a Serpente que, no Parasoterrestre, haviam levado perdio o infeliz pai da Humanidade, Ado,jamais abandonavam suas ingnuas preocupaes! Desejando, a todo custo,evitar os terrveis perigos de uma tentao feminina, obsidiava osprprios pensamentos com multides de idias sobre a Mulher, e como queforjava correntes magnticas poderosas entre os prprios sentimentos e apossibilidade de amar, assim se predispondo ao amor passional. Entre aMulher e a tentao que acreditava caminhar com ela, porm, valia-se doescudo que a Igreja fornecia. E, atrs desse terrvel princpio, queaceitava com todo o faziatismo das suas vinte e cinco primaveras ricasde energia e vontade, era que se apoiava para apresentar sociedade emque vivia aquela incorruptvel diretriz social, o padro de decncias dehbitos de que tanto se orgulhava. Tratavam-no ainda, por zombaria,"Incorruptivel Capito". E tal alcunha era to acertada e voraz que,desinteressadas de sua pessoa para marido ou amante, as damas da Cortede Carlos ix j no se preocupavam com ele.Outras ambies que no a supremacia da Igrejajamais perturbavam o misticismo de que forrava o47

    prprio carter. "A F acima de tudo!" - eis a divisa do seu braso, noqual mandara acrescentar, ao lado das armas da famlia, pois passava porsobrinho do ilustre religioso que o criara - no a Cruz, smbolo do amorabnegado que redime o homem, mas um dogma da Igreja Romana, ou seja - osigma Eucarstico, ao qual amava com todas as veras da alma! De outromodo, era aliado sincero do Duque de Guise e tambm fiel servidor doTrono e da Rainha Catarina, a qual, no fanatismo religioso dele mesmo,

  • cedo observou instrumento dcil para os prprios intentos. Houve, pois,de participar ativamente - e o fez com toda a alma e todo o corao - dogrande massacre de Protestantes do dia 24 de agosto, dirigindo-se depoispara as Provncias com a sua centria de cavaleiros como um mero fiscalreligioso, mas em verdade a fim de ativar a luta, encorajando osindecisos Governadores das mesmas, que deveriam zelar pela supremacia daIgreja.Lus de Narbonne, porm, nem seria um homem perverso nem um crentehipcrita. Sincero at aos meandros da alma, no passava, tal como ovemos, de um fruto da poca, em que a F, desassociada do amor do Cristode Deus e do respeito pela pessoa do prximo, pretendia impor-se pelaviolncia. Era um fantico religioso bem--intencionado, como tambm o fora Paulo de Tarso antes do redentorencontro com a Verdade na estrada de Damasco, e que, apartado daqueledogmatismo absorvente, seria individualidade til sociedade em quevivesse, famlia e ptria, capaz dos mais nobres testemunhos a favordo prximo.Uma grave denncia, no entanto, chegara ao seu conhecimento atravs dereligiosos de certa instituio existente no longe de La-Chapefle. Odespeito, o rancor e a inquietao provindos da espionagem determinarama ida de um emissrio da dita Abadia a Paris, o qual narrara a Lus deNarbonne - como fiscal religioso que na ocasio era este - a ameaaimprevisvel que representava para os interesses da Iggreja a obrasingular que os filantropos de La-Chapelle realizavam, a popularidadeadquirida entre o povo atravs de suas atividades consideradas

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    benemerentes, as quais levavam catlicos a renegar a Igrejapara se converter Reforma... Atravs de tal relato, o Castelo deLa-Chapelle surgia qual antro demonaco onde a corrupo e a heresia, odesrespeito e a revoluo, a traio e a conspirao se propagavam paraa runa social e religiosa.Impressionado, porm assaz consciencioso em suas atribuies, Lus deNarbonne, que acatava o Clero com as mais expressivas demonstraes deapreo, ponderou, sereno:- Minhas atribuies no se estendem s Provncias, senhor! Devereisantes encaminhar vossas queixas e observaes ao Governador dacircunscrio em apreo... -- J o fiz, Sr. Conde! Mas no levaram em considerao as nossas justasexposies... declarando-nos que os Brethencourt de La-Chapelie sohumanitrios e inofensivos, elementos justos, teis a Deus e amigos dobem e das populaes necessitadas... quando a verdade que, tais comoso, perseguem a Igreja de forma incansvel, desviando nossas ovelhas doverdadeiro redil...Lus era encarregado de vigilncia severa em torno de "huguenotes".Prometera a Guise e Rainha-me cumpri-la judiciosamente, para bem doTrono e da Igreja. Por isso mesmo, ouvindo o interlocutor,comprometeu-se a examinar o caso e despachou-o disposto a cumprir apalavra. Conhecendo, no entanto, as relaes de amizade existentes entreas famlias de La-Chapelle e de Louvigny, no obstante ignorar o romancede amor que enlaava Otlia e Carlos, visto que Artur, cauteloso, jamaisse confidenciara sobre o caso com quem quer que fosse, e no desejandoagir arbitrariamente, prendendo--se s primeiras impresses, a seu antigo companheiro de infnciadirigiu-se solicitando detalhes sobre os acusados. Ponderado, respondeuArtur de Louvigny:- Sim, so reformistas convictos - luteranos e no calvinistas -,pautando-se, portanto, por normas e costumes alemes, o que suponho umaincongruncia. - No creio, no entanto, seja fato para umacondenao... Os Brethencourt de La-Chapelie so pessoas de49

    altos princpios morais, excelentes patriotas, pacficos, honestos,probos a toda prova, e teis, finalmente, a qualquer sociedade ou pas

  • em que viverem, uma vez que tambm so perfeitos filsofos, cultos eilustres... Rogo--te, meu caro Conde, em nome de nossa velha estima, poup-los aquaisquer perseguies, pois que bem o merecem...- So eles, portanto, teus amigos?...- No! Apenas exponho o que de justia, pois que a verdade...- Mas... Se se prendem a costumes alemes e so luteranos, por que nose exilam para a Alemanha?...- perquiriu, agastado, o jovem capito.- Possuem vasta propriedade em solo francs, no longe das terras de meuCondado... e acima de tudoso franceses natos, meu caro de Narbonne!...- Levarei em conta a tua intercesso, caro Artur... Farei o que forpossvel...Todavia, no o contentara o entendimento com o jovem de Louvigny.Incmoda apreenso angustiava-lhe o corao, perturbando-osensivelnente, Consultou, por isso mesmo, a Monsenhor de B... superiordo Convento em que se criara e educara, seu mestre e pai adotivo, aoqual se prendia por profundos laos de estima e respeito. Monsenhor deB... porm, homem experiente, corao habituado a longas ponderaes nosilncio dos claustros, respondeu pensativo, enquanto o claro Sol do msde julho se extinguia no poente, enchendo de revrberos rseos e quentesa sala ampla onde se realizava a audincia:- Lus, meu filho! Desgostam-me sobremodo os compromissos que assumistecom Guise e Catarina para uma perseguio a "huguenote"... Prevejoconseqncias calamitosas para esse empreendimento estranho... e observoque existem a mais interesses polticos e dinsticos que mesmoreligiosos... Detm-te, por quem s! E deixa em paz, no seu rinco, osinofensivos de La-Chapelle...

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    - Senhor! Mas so perigosos revolucionrios!... A denncia partiu daprpria Abadia de... O que praticam ali a destruio da prpria fcatlica...Monsenhor levantou-se, apreensivo, replicando:- Conheci o Conde de La-Chapelle, o velho, e jamais considereirevolucionrias as suas idias... Faze o que entenderes... Todavia,declaro-te que isso me desagrada e eu tremo pelo futuro...Mas, forando-se ainda a uma atitude ingrata, atestado significativo dainquietao que o caso lavrava em sua conscincia, procurou ele aprpria Catarina de Mdicis, esquecendo-se de que no era pela mesmaestimado, mas insistindo na procura de algum que o incitasse perseguio aos pacatos renanos, perseguio que a sua conscincia e oseu corao muito intimamente reprovavam. Indiferente e orgulhosa,sobrecarregada de problemas num dia de mltiplas audincias, s vsperasda inesquecvel data do So Bartolomeu, a grande soberana respondeu,irritada:- Os Brethencourt de La-Chapelle foram amigos do Trono e seus leaisservidores, ao tempo de SS. MM. Francisco 1 e Henrique II. Sois o fiscalda Igreja, Conde... Compete-vos investigar e deliberar.Disse e virou-lhe as costas, encerrando o assunto para atender outrosemdelegado. Narbonne, ento, aps mais um dia de indeciso, escreveu aCarlos Filipe a carta que conhecemos, aguardando o relatrio doemissrio, em cuja hombridade confiava, e a resposta do destinatrio,para novas deliberaes.Por uma tarde de domingo, alguns poucos dias depois do terrvel massacreverificado em Paris, e antes da possibilidade de quaisquer noticirioschegarem s Provncias afastadas, encontravam-se, toda a famlia e acriadagem do Castelo de La-Chapelle, reunidas no salo de pregaes - ouigreja domstica -, recordando as primeiras tentativas apostlicas paraa difuso da verdade evanglica, realizando o seu culto vesperaldomingueiro.51

  • Repleto o salo, graas presena dos colonos e de algunspequenos proprietrios de herdades vizinhas, simpatizantes da Causa,dir-se-ia antes um templo verdadeiramente cristo, simples e eficiente,onde a presena do Senhor se fizesse sentir atravs do respeito de cadaum e das vibraes dulcificantes que, quais casca- tear de bnosreanimadoras, se diluiam sobre os coraes dos congregados.O Sol da tarde, brando e nostlgico, atravessando os vitrais multicoresdas ogivas amplas, emprestava ao recinto uma suave transparncia desanturio, enquanto uno piedosa estendia blandcias espirituais atmesmo sobre os campos, as searas e os apriscos... Baliam docemente asovelhas, j recolhidas, o gado mugia, sonolento e bonacho; esvoaavam,irrequietos, procura dos ninhos entre os beirais e as cornijas dovenerando Solar, os pombos ariscos e vistosos, ao passo que voltavam asandorinhas em bandos, para o aconchego noturno... e, como queenternecidos, todos os animais, ante a solenidade augusta do entardecer,esperavam, solidrios, as primeiras nuanas do crepsculo. -Carlos Filipe, o fiel, pregador evanglico, representante, ali, dareforma religiosa que se operaria pelo mundo inteiro, com Lutero,Calvino e seus adeptos, explicava aos fiis humildes e atentos, como lheera dever, as letras das Escrituras Santas. Era ainda o Sermo daMontanha, que ele, de preferncia, dava aos pequeninos e simples decorao, visto que nessa exposio sublime de toda a moral crist seencontrava o segredo da paz entre os homens, porque eram normas para ocumprimento dos deveres morais de cada um perante si mesmo, perante asleis do Criador e perante o prximo. Sua voz enternecida, doce e afvel,contagiante de convico e f, seria como que o eco das vibraesaugustas da Galilia distante, a se derramarem em inspiraes em tornodele... e como que dulcificavam o prprio ar da tarde, evocando aepopia sublime das pregaes messinicas, enquanto predispunha oscoraes para a comunho com o Cu, em haustos de inefveis esperanas:

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    - Bem-aventurados os que padecem perseguio por amor da Justia, porquedeles o reino dos cus...- Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcanaro misericrdia.-Assim, luza a vossa luz diante dos homens; que eles vejam asvossas boas obras e glorifiquem avosso Pai, que est nos Cus..... - Amai os Vossos inimigos, fazei bem aos que vos tm dio, e oraipelos que vos perseguem e caluniam. - . - . Vs sois o sal da Terra. E se o sal perder a sua fora, com queoutra Coisa se h de salgar?.,...E, assim, tudo o que quereis que vos faam os homens, fazei-otambm vs a eles. Porque esta a lei e os profetas... Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras, e as observa,ser comparado ao homem sbio, queedificou a sua casa sobre a rocha... E todo o que ouve estas minhas palavras, e no as observa, sercomparado ao insensato, que edificou sua casa sobre areia...)E, qual o professor emrito, zeloso do progresso dos discpulosqueridos, auxiliava os fiis em anlises profundas, guiando-os, nosraciocnios indispensveis, pelos caminhos encantadores da evangelizaodos coraes, do que advm a ascenso moral da HumanidadeSubitamente, ecoa at ao segundo andar, onde se situa o salo depregaes, o badalar alarmante da sineta do ptio. Rumores confusos,inslitos, aterrorizadores gritos de alarme e desespero, ladridos deces, relinchar de cavalos, o rudo caracterstico de patadas apressadasno lajedo, como se uma tropa invadisse a propriedade entrechocar deferros, tal se um assalto se improvisasse pressa, acompanham o alarmeda sineta, a qual, em dado momento, silencia como se aquele que aagitasse se visse impedido, inesperadamente, de continuar a faz-lo... -e tudo levando a crer aos fiis surpreendidos que algo estarrecedor severificava entrada do Castelo. No salo, como de resto geralmente

  • acontecia com as edificaes muito antigas, as janelas, conquantoavantajadas,

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    eram inacessveis, raramente permitindo fcil contemplao para oexterior, no s por apresentarem peitons muito largos, como ainda porse localizarem em plano muito elevado, quais janelas de priso, a menosque alguns degraus removessem a dificuldade, visto que, por sua vez, osalo de que tratamos era construdo vrios degraus abaixo do nvelcomum do referido andar, dando antes idia de um anfiteatro, o queimpediu algum de, no momento, espionar para o exterior, a ver do que setratava.De incio, Carlos procurou no se preocupar com o confuso alarido queat ali chegava amortecido, e continuou com a palavra explicativa, queem seus lbios eram anlises maviosas e profundas, a construremhorizontes novos na mentalidade religiosa daqueles que o ouviam. Mas,elevando-se o bulcio, como se machadadas violentas depredassem portas,permitindo arrombamentos, as pessoas presentes se ergueram, alvoroadase pvidas, estabelecendo-se, ento, incontida desordem, porquantoaterrorizantes suposies, que ningum se encorajava de definir,estamparam-se nos semblantes transfigurados e lvidos de todos. Elesuspendeu ento a exposio sublime do Sermo da Montanha, que fazia, epelos seus olhos espirituais, ou atravs dos refolhos da sua menteharmonizada com o bem e o dever, uma viso singular desenrolou-se...4.cena pattica do Calvrio, onde o Mestre Nazareno expirava, como que sedesenhou no mago das suas sensibilidades psquicas, e um doce murmrio,provindo dos confins do Invisvel, repercutiu harmoniosamente em suasprprias vibraes, assim restabelecendo a serenidade em seu esprito:- "Se algum quiser vir nas minhas pegadas, renuncie a si mesmo, tome asua cruz e siga-me...Ento, descendo os degraus da tribuna, que tohonrosamente ocupara, exclamou, sereno, para os que orodeavam:Tende bom nimo, irmos! Jesus estar conosco... Soou o momento donosso supremo testemunho! Lembremo-nos dos primeiros cristos, que poramor palavra do Mestre morreram sorrindo e cantando, frente

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    dos lees... O Senhor honra-nos com a glria do martrio por seunome... Conhecemos a sua verdadeira palavra! Estaremos, portanto,preparados para sabermos morrer perdoando queles que nos ferem!.Voltou-se por um momento em direo a Louvigny e murmurou, como para simesmo, os olhos alagados de pranto:- Minha pobre Ruth, que ser de ti?...No conclura, porm, to tocantes palavras com o prprio pensamento eum pajem da portaria entrou na sala desvairadamente, aterrorizado,bradando:- O Castelo est invadido pela soldadesca!... Tropas do Governo e daIgreja, em busca de "huguenotes"!...Mas, antes mesmo que Carlos ou outro qualquer circunstante pudessepronunciar uma nica palavra, eis que soldados entram no recinto,tornado sagrado daquele momento em diante, tendo frente um jovemcapito, hercleo e belo, com as insgnias da Igreja de Roma e do Sr. deGuise, e cuja espada se conservava desembainhada. Dez, quinze, vinteoficiais militares, com uma cruz branca aplicada ao peito, entram nosalo, bradando em rebulio:

    (9)

    - Ser para a glria de Deus e honra da Igreja!Muito plido, mas sereno, certo de que viviam, ele e seus fiis, osltimos instantes sobre a Terra, Carlos Filipe avana para o jovem quese destaca como chefe da tropa e exclama, com brandura, mas revelando

  • tambm alto cunho de dignidade:- Senhor! Eu, Carlos Filipe de Brethencourt de La-Chapelle, sou oresponsvel por esta assemblia, dirigente que sou deste ncleo deaprendizes do Evangelho do Cristo de Deus! Deixai que sigam em liberdadeestes pequeninos, que nenhum mal praticaram, e prendei-me a mim, que souo responsvel...

    (9) Os oficiais e soldados implicados no massacre de So Bartolomeutraziam como distintivo uma grande cruz branca aplicada sobre o peito.55

    Por um instante fugaz, o belo capito cruzou o olhar com o jovem doutor"huguenote" e pareceu indeciso, como se algo em sua alma ou em suasubconscincia o detivesse em advertncia suprema... O mesmo olhar,breve e desvairado, relanceou ele pela famlia de La-Chapeile agrupadaem torno do seu amado primognito... detendo-se, porm, um instante, naCondessa Carolina... Carlos, esperanado, ia tentar algumas palavras, naexpectativa de mercs para quantos o rodeavam. Mas, no pudera nem mesmoarticular qualquer monosslabo a mais,... porque Lus de Narbonne - poisera ele o comandante da tropa invasora - j levantara o brao empunhandoa espada em sinal a seus sequazes, bramindo na convico de que cumpriaum sagrado dever religioso:

    - Cumpri o vosso dever, irmos! Ser para a glria de Deus e honra daSanta Igreja de Roma!.Uma espada trespassou o corao do jovem pastor reformista, que caibanhado em sangue, a expresso serena, os olhos como deliciados numaviso celeste! E, como se os Cus desejassem simbolizar, naqueleinstante, o mvel augusto do martrio, a Bblia, que ele trazia em mo,cai aberta sobre seu peito, tingindo suas pginas o sangue quente epalpitante que de seu corao aberto corre em borbotes, alagando ostapetes...Gritos desesperados ouvem-se ento. Estabelece-se pavoroso pnico, todosdesejando, em vo, escapar do salo, furtando-se s atrocidades queadivinham nas fisionomias alteradas dos invasores cruis. Ao lado deCarlos caem seus pais, que correram a socorr-lo... Um trucidamentomacabro fere-se naquele amplo recinto, que momentos antes se beneficiavaante as dulcssimas vibraes evocadas pelo Sermo da Montanha, e emcuja atmosfera parecera deslizar, distribuindo bnos e encantamentosespirituais, o vulto amoroso e protetor do Nazareno, atravs da pregaoeficiente do servo fiel sacrificado no cumprimento do dever!Um por um tombam mortos, trespassados por lanas, machados ou espadas,os irmos de Carlos Filipe,ascunhadas, seus sobrinhos, os visitantes do dia, os

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    tributrios e vizinhos que haviam acorrido ao dever dominical para com oCriador! Todos desarmados, incapazes de empunharem armas assassinas, porbem quererem observar as recomendaes do Evangelho, que respeitavam;aprisionados num recinto de difcil escoamento, cercados em todas assadas por uma soldadesca feroz, aqueles pobres "huguenotes", maisverdadeiros cristos do que mesmo adeptos de Lutero ou de Calvino, nolograram, alis, tempo sequer para raciocinarem sobre os meios de sefurtarem aos massacradores. Uma cunhada de Carlos, abraada aos doisfilhos de tenra idade, prostrada de joelhos pede misericrdia paraaqueles rebentos de seu corao, os quais, aterrorizados, se agarram aoseu pescoo, chorosos e trmulos, enquanto vem o pai carinhoso tambmao lado, varado por uma lana. Como resposta, porm, a to patticasplica, a infeliz me v perfurados pela mesma lana os dois filhinhosamados, antes de ela prpria, sobre seus corpos ainda em convulses,tombar igualmente trespassada, louvando a Deus pela felicidade de comeles tambm morrer, pelo amor de Jesus Nazareno!E a tais horrores presidindo - o belo Capito da F, impassvel, plido,talvez emocionado, cenho carregado, uma grande cruz branca aplicada ao

  • peito, os escapulrios da Eucaristia sobre ela, fantico religioso naverdadeira expresso do termo!Duas horas depois abandonava o Castelo com sua tropa de fanticosmercenrios, prosseguindo a caada aos "huguenotes" pelas demaispovoaes vizinhas, fiscalizando sempre se os "trabalhos" corriamnormalmente. Atrs, porm, ficavam a morte, a depredao, o incndio,searas e moinhos devastados, trgico escarmento a quantos ainda ousassempretender sobrepor a Reforma aos dogmas e imposies de Roma...E permaneceriam as conseqncias de tantos horrores estigmatizando suaconscincia atravs dos sculos.at que expungidas fossem as mculas de tantas iniqidades sob mritospenosamente adquiridos pelas vias dos sofrimentos e do verdadeiro bem...

    CAPITULO IVPAUCO OBSESSOR

    Efetivamente, impossvel seria tina defesa no Castelo contra a invasode Lus de Narbonne. Completamente desguarnecido de homens de armas,apenas alguns serviais ou guardas permaneciam pelos ptios, os quais,colhidos de surpresa, nada mais puderam tentar em defesa dos seussenhores seno o desesperado alarme da sineta ao perceberem que acavalaria deixava a estrada real tomando a direo do Castelo (10). Deoutro modo, nenhum grupo de aldees da cercania ousaria medir foras comtropas organizadas ou legalistas, e por isso mesmo seria inevitvel omassacre, tal como o foi. Acresce a circunstncia de que se estava numdomingo, tarde, e que os vassalos e senhores vizinhos haviam acorrido

    (10) Alguns Governadores de Provncias no concederala licena para omassacre de "huguenotes" nas terras sob

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    aos ofcios dominicais na igreja organizada que Carlos Filipe mantinhano prprio domiclio paterno.Dentre os fidalgos das imediaes, no entanto, um havia cujaspropriedades limitavam bem prximo com as terras de La-Chapelle. Amigoleal da digna famlia trucidada, esse fidalgo, que, conquanto no fossedeclaradamente "huguenote", simpatizava com o movimento diante dasnobres qualidades morais mantidas por aquela, assistiu ao longe, aflitoe estarrecido, a invaso do Castelo e as depredaes das searas dos seusbons vizinhos de La-Chapelle, concedendo mesmo refgio em sua casa amais de um colono que conseguira escapar durante o ato da invaso, osquais, no momento desta, no se encontravam presentes cerimniareligiosa dirigida pelo moo pastor.Impressionado ante a violncia da legalidade, e, acima de tudo,revoltado e aterrorizado, nada lhe fora possvel tentar, com efeito, emdefesa das vtimas. Todavia, nobre gesto tivera ele indo, com outraspersonalidades da redondeza, organizar a remoo dos cadveres do salode pregaes, a fim de lhes dar sepultura condigna. Fez mais o referidofidalgo, pouco impressionado com a temeridade do gesto que executava: -Sabedor de que Ruth-Carolina se encontrava ausente e conhecendo o localonde os pais a haviam deposto, fez um mensageiro especial a fim de lhecomunicar a tragdia inominvel, da qual ela prpria somente escaparapor se encontrar ausente. Galopou, portanto, o emissrio, sem descanso,at ao Castelo de Louvigny, onde entregou a comovente missiva do amo.Ora, prevenida da desgraa irremedivel que assolara sua casa,destruindo-lhe toda a famlia, Ruth voltara precipitadamente ao beronatal, constatando, em desespero, a veracidade da notcia e tambm quesuas terras haviam sido depredadas, as messes incendiadas, conquanto osbens que se encontravam no interior da nobre residncia permanecessemintactos, pois era voz corrente que a cavalaria macabra do Sr. deNarbonne, conquanto trucidasse "huguenotes", no se permitia o saque,

  • visto que ele, o seu comandante, ufanava-se de no admitir

    59quaisquer espcies de roubos ou outros atentados entre seus soldados.

    Ento, inteirara-se Ruth de que o oficial que comandara o ataque - Lusde Narbonne - procurara-a afanosamente pelas imediaes, pois informadofora, pela delao dos fanticos da regio, de que um membro da famliase achava ausente com alguns criados, tambm "huguenotes", e seriapreciso, portanto, encontr-los a fim d