o pecado pessoal

Upload: ricardo-cunha

Post on 07-Jul-2018

223 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    1/32

    {

    Ética Teológica Fundamental

    Capítulo 15 – O pecado pessoal

    Aluno: Ricardo Cunha

    N.º: 210213310

    UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

    FACULDADE DE TEOLOGIA

     

    LICENCIATURA EM CIÊNCIAS RELIGIOSAS –

    120 ECTS

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    2/32

    Hoje constata-se em alguns um profundo sentimento dealegria, porque creem que desapareceram as pressões pseudo-religiosas e os mecanismos psicológicos que mantiveramtantas pessoas afundadas debaixo do peso da culpa.

    Outros, no entanto, deploram esta situação como umalamentável perda. Creem, como lamentou Pio XII, que o maiorpecado do mundo atual é ter perdido esta consciência deculpabilidade. A sua eliminação não é, portanto, nenhumsinal de progresso, senão uma melhor consciência do processodesumanizador em que vive a sociedade.

    A nova situação: entre o medo e ainocência

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    3/32

    À culpabilidade irracional e patológica sucedeu uma

    inocência demasiado descarada como que para nãodescobrir nela outras motivações ocultas e interessadas. Foi uma conquista ou uma regressão? É difícil optar por uma destas alternativas, sobretudoquando se radicalizam e se fazem excluintes.

    Provavelmente porque ambas têm uma boa parte deverdade e cada uma acentua o que a outra não destaca comtanta força.

    A nova situação: entre o medo e ainocência

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    4/32

    Guardar o equilíbrio entre um excesso de culpabilidade euma ânsia de inocência torna-se difícil. Para recuperar overdadeiro conceito de pecado e purificá-lo de outroselementos espúrios, faremos uma reflexão, em primeirolugar, sobre a experiência antropológica da culpa e ossentimentos que a acompanham, com o intento deconstatar os diferentes níveis humanos, éticos e religiososem que se vivem. Os dados desta experiência serãoconfrontados com os que se encontram na revelação, antesde responder, finalmente, aos problemas e discussõesatuais que o tema suscita.

    A nova situação: entre o medo e ainocência

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    5/32

    Os etnólogos constataram que a universalidade deste

    fenómeno descobre a finitude radical do Ser Humano. São muitos os símbolos e imagens que tentam expressar oconteúdo íntimo desta vivência: mancha, desvio, erro,rebeldia, vazio, solidão, injustiça, doença, limitação,angústia, pena, condenação… como se fosse impossível

    revelar com apenas um prazo a abundância de sensações esentimentos que despertam esta realidade.

     A experiência antropológica da culpa

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    6/32

    A perseverança de tais símbolos, ao longo de todas as culturas etempos, invalidam a opinião de alguns, de que se trata de uma

    experiência própria dos povos primitivos, sem um maiordesenvolvimento cultural. O Ser Humano sente a ameaça constante da má consciência, quenem sequer brota da religião, mas da sua estrutura antropológica.

    Desde pequenos sentimos a necessidade de moderar os nossosimpulsos e instintos para fazer possível a convivência e respeito

    mútuo. É lógico que a obediência provoca um sentimento benévoloao acatar as regras fundamentais do jogo social, do mesmo modoque a transgressão, ainda que oculta, desperta a vergonha por nãoter jogado de forma limpa.

     A experiência antropológica da culpa

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    7/32

    A pessoa sempre se sentiu culpada, apesar de todas asintenções que a tentam convencer da sua inocência.Embora queira e se esforce tem a sensação de não realizarsempre o que deve, como se uma força superior impedisserealizar esse seu desejo.

    Reconhece, no entanto, que tais limites deixam umamargem de manobra e espaço suficiente para fazer-seresponsável do seu atuar.

     A experiência antropológica da culpa

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    8/32

    A raiz de onde brota a experiência de culpa é idêntica em todos osindivíduos. Somos seres limitados e com uma incapacidade básica

    para fazer o bem e evitar o mal, sem as forças e recursos necessáriospara uma conduta reta. O erro e o equívoco formam parte do nossopatrimónio como uma consequência inevitável da nossa própriafinitude, que nos impossibilita a coerência das decisões.

    Cometerá um erro ou se enganou, mas jamais será culpado, pois asua aparente malícia não é senão um acidente devido ao mal

    funcionamento da sua natureza. O fracasso, em último lugar, não é imputável ao indivíduo, senãoaos defeitos de fabrico com que nasceu, sem nenhuma garantia deassegurar a perfeição do seu mecanismo.

    O mito do paraíso perdido: a negação da moral

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    9/32

    A criança constata desde o seu primeiro ano de vida a realidade domundo que o rodeia, pelas repetidas experiências de frustração, vazio

    e solidão… Começa a dar-se conta que não é o centro exclusivo dasatenções dos demais, descobrindo a sua existência como finita. Os psicanalistas revelam que cada ser traz na profundidade da suainconsciência una nostalgia absoluta de totalidade e omnipotência,como um desejo radical que sonha com romper as fronteiras da suafinitude.

    Desejaria transportar-se a outro mundo onde não teve queexperimentar a limitação que se lhe impõe, a incapacidade que sente,a insatisfação constante com que tropeça, a morte que um diaterminará vencendo e que já lhe acerca com outros duelos pequenos.

    O mito do paraíso perdido: a negação da moral

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    10/32

    É o mito do paraíso perdido. Como cada dia renasce aesperança inconsciente desta omnipotência, que retorna denovo a romper-se com o realismo da vida, há que buscardesculpas e justificações para fugir do que o atemoriza.

    Esta formidável pressão interior leva-nos também a sonharque o fracasso da culpa não é algo que dependa de nós,como mais um sinal da nossa limitação, senão um factoformidável que não afeta nem humilha a própria liberdade.

    O mito do paraíso perdido: a negação da moral

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    11/32

    A fundamentação mágica da culpa baseia-se na ausência deexplicação causal dos fenómenos físicos, pelo que a existência

    do mal atribui-se a uma falta cometida com antecipação.Qualquer desgraça se interpreta como castigo de uma factomau que se cometeu, ainda sem o saber e sem intervenção davontade.

    Um tropeço que, mesmo que não se queira, provoca de

    imediato uma série de consequências negativas. Trata-se de uma sanção automática por ter transgredido umtabu: aquela realidade absolutamente inviolável e plena deperigo, pela relação que guarda com um poder supremo.

     A transgressão do tabu: uma ética dairracionalidade

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    12/32

    A obediência à lei e a observância de todas as prescriçõesimpõem-se como o único remédio para escapar a esta

    ameaça. A falha leva a uma série de ritos purificatórios paralimpar a mancha e evitar os castigos que poderiam recairsobre os outros membros do grupo.

    Haverá que buscar o transgressor para que reconheça a suafalta, expie o seu delito e aplaque a vingança das forças

    superiores. A dimensão racional está ausente de todos estes mecanismosque surgem, invadindo a consciência para converter oindivíduo num ser desgraçado e impotente contra o destino.

     A transgressão do tabu: uma ética dairracionalidade

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    13/32

    Aqui a pessoa toma consciência da sua verdadeiraresponsabilidade quando rejeita o convite daqueles valores

    que o mesmo considera como humanizantes. Apesar dos diferentes determinismos de um ou outro tipo,têm o convencimento sincero de que pode atuar de formamelhor. Poderá ignorar o grau de liberdade, mas adverteque o seu engano é também efeito da sua culpa.

    O mal radica na intencionalidade interior, livre e voluntáriaque o provocou. Nem os demais nem as realidadesmateriais causam a culpa, à margem da própria vontade.

     A dimensão ética e religiosa: a culpa e o pecado

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    14/32

    Quando esta falha se vivencia como negativa ao querer deDeus, o nível ético adquire uma dimensão religiosa e aculpa do homem torna-se em pecado do crente.

    A desumanização que comporta a primeira experimenta-se, ao mesmo tempo, como uma rutura e quebra daamizade oferecida por Deus.

     A dimensão ética e religiosa: a culpa e o pecado

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    15/32

    Em todas as épocas cheias de profunda religiosidade e em

    qualquer pessoa crente, a culpa e o pecado vivem-se comouma mesma realidade, pelo caráter transcendente queencerram os valores éticos.

    Se esta transcendência religiosa desaparece, já não seriapossível falar de pecado, que supõe sempre uma

    vinculação direta com Deus, pois a falta cometidapermaneceria num nível ético que não descobre ohorizonte da Fé.

     A dimensão ética e religiosa: a culpa e o pecado

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    16/32

    A experiência da culpa desperta um mal estar interior e umdesejo de reparação. Trata-se, por isso, de um sentimento

    lógico e natural, como consequência da falha cometida. O contrário só teria explicação pela ignorância ou cinismode quem não vê as consequências ou a quem lhe importamuito pouco o que aconteceu. A ausência do sentimento deculpa não é nenhum sinal de progresso, mas revela umaestrutura psicológica deficiente.

    No fundo de todo o sentimento de culpabilidade existeuma sensação de angústia.

    O sentimento de culpabilidade:condicionantes psicológicas

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    17/32

    A criança precisa de fazer seus os desejos paternos, que vão comfrequência contra o que ele quer e lhe apetece, para poder amarassim os seus pais sem tensões ou conflitos.

    Esta frustração inconsciente e angustiosa, perante a impossibilidadede seguir os seus próprios desejos, desencadeia a esse mesmo nívelum movimento de agressividade.

    O objeto de amor converte-se também em motivo de ódio que, aindaque não se expresse nem se manifeste, produz a angústia da

    culpabilidade.  Ainda que de fora não se compreendam estes temores, o própriosuper-eu castigará com maior fúria e rigor o incumprimento da lei. Osentimento de culpabilidade será a vingança cruel do próprio sujeito.

    O sentimento de culpabilidade:condicionantes psicológicas

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    18/32

    Da mesma forma que a culpa é um gesto quase mecânico, a

    purificação realiza-se mais por força do ritoescrupulosamente cumprido que pela intenção da suavontade.

    O importante é cumprir com as rúbricas ordenadas, pois operdão consegue de forma automática pelo poder mágico

    que contem. O que dói não é o mal feito, mas as másconsequências que daí advém.

    O sentimento de culpabilidade:condicionantes psicológicas

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    19/32

    Noutros estádios posteriores e mais conscientes o

    sentimento de culpa alimenta-se do próprio narcisismo. A culpa é um feito que destrói o eu ideal com que oindivíduo se encontra identificado. O desajuste entre esseideal e a sua execução prática cria sentimentos decondenação.

    O fracasso é doloroso, não porque está em jogo o bem dosoutros, mas por se romper de novo a imagem narcisista,que nos humilha e destrói.

     A dinâmica do narcisismo: o fracasso perante o ideal

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    20/32

    Deus é uma espécie de meio que utilizamos para ver se no

    fim, com a Sua ajuda, alcançamos o que não está em nossasmãos. É uma desgraça renovar os esforços, depois demuitas tentativas terminaram em fracassos.

    Como consequência desta atitude nasce por dentro umaimpressão subtil de amargura e tristeza ao comprovar aesterilidade de tantos alentos inúteis, que surge de umnarcisismo perfecionista.

     A dinâmica do narcisismo: o fracasso perante o ideal

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    21/32

    O remorso faz-se companheiro constante do caminho.Consiste em querer que não haja havido culpa, em desejarter sido de outra maneira, em sofrer por um passado que jánão se pode suprimir.

     A dinâmica do narcisismo: o fracasso perante o ideal

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    22/32

    O sentimento de culpa humana e religiosa supõe uma

    maior maturidade psicológica. Para ser cristão basta experimentar a culpa como um gestode desumanização que rompe ao mesmo tempo acomunhão com Deus e inflige sempre, de uma forma ou deoutra, um dano aos demais.

    Aceita-se a culpa, mesmo sem saber com certeza o seunível de gravidade.

    O verdadeiro sentimento deculpa: a dor por uma rutura

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    23/32

    O arrependimento não busca a eliminação de todos os

    sentimentos negativos, mas o restabelecimento dafidelidade traída e a reparação do dano causado. Já não se sofre pela própria imperfeição. O verdadeiramente importante é a rutura dessa relaçãocom o transcendente e o prejuízo causado ao outro. O

    perdão não satisfaz tanto pelo que evita – castigo,condenação, remorsos…. – quanto pela alegria de umaamizade restabelecida.

    O verdadeiro sentimento deculpa: a dor por uma rutura

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    24/32

    Por isso, a verdadeira consciência do pecado não vê para

    trás para comprovar se fez o necessário para obter operdão. Está convencido de o ter obtido, porque ofereceu a Deus, àIgreja e aos irmãos uma palavra de arrependimentosincero.

    O arrependimento contempla o futuro, e esse gesto reajustaa vida inteira, incluindo o passado miserável, até uma novaorientação.

    O verdadeiro sentimento deculpa: a dor por uma rutura

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    25/32

    Determinados aspetos da espiritualidade, se não se

    compensam com outras verdades da revelação, servempara aumentar mais alguns dos mecanismos psicológicosda culpa.

    Por isso vale a pena refletir sobre este mundo desentimentos e reações, que com tanta frequência se

    introduzem na conduta da pessoa normal e crente. Sem caricaturas nem exageros há que reconhecer oselementos negativos que andam em torno do pecado.

     As deformações na vida cristã

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    26/32

    A utilização tão frequente do medo na nossa pastoral, que

    fez viver muitos atemorizados não ajudaram precisamentea um tipo de relação amorosa e confiada.

    O interesse centrava-se na salvação pessoal e todas aspráticas de piedade estavam ao serviço desta ideia. Amesma oração, em lugar de ser um diálogo de amizade,convertia-se num gesto utilitarista para tirar proveito paraas nossas iniciativas particulares.

     As deformações na vida cristã

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    27/32

    Toda a revelação está centrada no tema prioritário da salvação. Desde ocomeço, Deus anuncia a promessa de um Messias que acabaráredimindo o povo de todos os seus pecados. Deste modo, a história de

    Israel converte-se num grande gesto salvador. Todos os seusacontecimentos e vicissitudes caem misteriosamente e de formadesconcertada em Jesus Cristo.

    A condição pecadora da humanidade incapacita esta para um encontrocom Deus que só é possível pela gratuidade do seu amor e a suapredileção, até à chegada definitiva do Salvador.

    Uma espera grande e confiada manteve de pé o povo eleito, apesar dassuas prevaricações e infidelidades, com vista Àquele que será luz dasnações. Os feitos mostram a fidelidade indestrutível de Deus, que nuncavolta atrás nas suas promessas.

    Os dados fundamentais da Fé

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    28/32

    A vida, paixão e morte de Cristo aparecem de formaexplícita e repetida com este caráter de libertação. Entregoua sua existência para a remissão dos pecados do mundo efazer possível a nova e definitiva aliança.

    Revelou-nos um rosto de Deus misericordioso e disposto a

    perdoar todas as vezes que seja necessário.

    Os dados fundamentais da Fé

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    29/32

    Mas a salvação de Jesus, que possibilita a realização do

     bem, não inclui a liberdade frágil e quebradiça do serhumano. Enquanto peregrino por este mundo, é capaz deoptar por Jesus ou por recusar a sua mensagem e pessoa.

    Se o pecado não existisse, cairia todo o anúncio darevelação. Negar, por isso, a condição pecadora dahumanidade e cada um dos membros que a compõem érevelar-se contra a Boa Notícia dos Evangelhos.

    Os dados fundamentais da Fé

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    30/32

    O conceito de mancha, ainda que não se explicite com estadesignação, faz-se presente com muita frequência.

    Provavelmente tem um sentido mais arcaico. O Kákos grego, como oposto ao bom (agazós), está relacionado coma linguagem infantil de excremento. Mas, quandoqueremos dissuadir uma criança a realizar algo que estámal, fazemos referência a esse conceito. Todo o mal reveste

    um sentido de sociedade, pois qualquer pessoa que seaproxime e toque fica contaminada.

     A linguagem da revelação: a mancha

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    31/32

    Algo parecido ocorre com o pecado, já que opera umamudança interior profunda e qualitativa. Uma situação que

    chega a provocar a própria repugnância e o desprezo dosdemais (2Pe 2,22). Não é algo que se impute desde fora,mas que afeta no mais fundo da sua personalidade.

    A pureza de Deus exige adesão sem divisão. Qualquerrelação na qual a fidelidade não se comprometa totalmentese faz suja. Um impureza tão profunda (Jer 13,23) que só oEspírito de Deus poderá purificá-la como se de novarecriação se tratasse (Ez 36,24-30).

     A linguagem da revelação: a mancha

  • 8/18/2019 O Pecado Pessoal

    32/32

    A hospitalidade que este oferece aos pecadores e o seucontacto com as pessoas de má vida não o contagiam emabsoluto. O fundamental é a pureza de coração, pois «nãomancha o homem o que entra pela boca» (Mt 15,10), mas oque sai do seu interior.

     A linguagem da revelação: a mancha