nÃo É o olho que vÊ
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO – PPG
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DEDC/CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO GESTÃO E
TECNOLOGIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO - GESTEC
MAX FREITAS BITTENCOURT
NÃO É O OLHO QUE VÊ: UMA EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL DE PRODUÇÃO DE
CONHECIMENTO ATRAVÉS DA REALIZAÇÃO COLABORATIVA DE CURTAS METRAGENS FICCIONAIS
Salvador 2016
MAX FREITAS BITTENCOURT
NÃO É O OLHO QUE VÊ: UMA EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL DE PRODUÇÃO DE
CONHECIMENTO ATRAVÉS DA REALIZAÇÃO COLABORATIVA DE CURTAS METRAGENS FICCIONAIS
Trabalho de Conclusão de Curso sob o formato de Relatório apresentado ao Programa de Pós-Graduação Gestão e Tecnologia Aplicadas à Educação (GESTEC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre. Área de Concentração II – Processos Tecnológicos e Redes Sociais. Orientadora: Professora Drª Isa Maria Faria Trigo
Salvador 2016
FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB
Bibliotecária : Ivonilda Brito Silva Peixoto – CRB: 5/626
Bittencourt, Max Freitas Não é o olho que vê : uma experiência audiovisual de produção de conhecimento através da realização colaborativa de curtas metragens ficcionais / Max Freitas Bittencourt. – Salvador, 2016. 112f. Orientadora : Isa Maria Faria Trigo Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Campus I. Mestrado Profissional em Gestão e Tecnologia da Educação-‐ Programa GESTEC, 2016. Contém referências, apêndices e anexos.
1. Recursos audiovisuais. 2. Ensino audiovisual. 3. Artes – Formação. I. Trigo, Isa Maria Faria. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. . CDD : 371.3352
AGRADECIMENTOS
À minha família e, em especial, à minha mãe Etinete, pelo carinho, pela torcida, pelas orações e por tudo o que já fez para que eu conquistasse os meus sonhos. Esse e tantos outros.
A Rikardo e Pedro, que são o futuro, e me motivaram para a construção deste trabalho, que reflete um processo de formação não só acadêmico, mas do indivíduo como um todo, e que assim acredita ser possível vislumbrar um planeta melhor, feito de pessoas melhores.
À Unijorge pela autorização para realização da pesquisa e cessão da estrutura física.
À Professora Doutora Isa Maria Faria Trigo, pelas sábias orientações e por acreditar no meu projeto.
Aos professores Guilherme Maia e Ricardo Oliveira de Freitas, pelas contribuições dadas à pesquisa, no Exame de Qualificação.
RESUMO
O objetivo dessa pesquisa foi compreender como ocorrem os processos criativos e de construção de conhecimento do aluno na aprendizagem da produção audiovisual. Não somente o aprendizado formal, mas também o desenvolvimento de determinadas habilidades ou dimensões que, no contexto atual podem favorecer a jornada profissional e pessoal do indivíduo frente à contemporaneidade, com seus fluxos, redes e processos multirreferenciais. Supõe-se que, além do conteúdo curricular previsto nos programas das disciplinas, o percurso da produção audiovisual potencializa os processos criativos do aluno, funcionando como um ambiente de aprendizado em si; pois, além da apreensão de conteúdos específicos do audiovisual, a experiência da produção de obras audiovisuais exige do aluno, também, criatividade, cooperação, autonomia, atitude crítica e compreensão das diversidades, habilidades requisitadas aos profissionais membros de uma equipe técnica de produção, mas desejáveis também a todo e qualquer indivíduo na sociedade de nosso tempo. Com esta finalidade, um grupo de alunos concluintes do curso de Tecnologia em Produção Audiovisual da Unijorge foi submetido a uma experiência artística e coletiva de produção de filmes acadêmicos de curta metragem, cujo propósito era identificar e revelar tais circunstâncias, a partir de um documentário audiovisual e de um relatório de pesquisa relativos a essa experiência. O documentário Não É O Olho Que Vê é um relato desse processo criativo num ambiente acadêmico de produção audiovisual, e representou também o olhar do pesquisador sobre seu objeto de pesquisa. Através da metalinguagem o documentário vasculha o fazer audiovisual expondo sua manufatura e o desenho das relações interpessoais que esta experiência promove. Esse percurso teve como referenciais teórico-metodológicos Ana Mae Barbosa, Fayga Ostrower, Jean Piaget e Paulo Freire, quanto aos processos criativos e formativos; também nos apoiamos em Michel Maffesoli e Muniz Sodré para refletir sobre uma nova educação. Quanto à construção do documentário, nossos referenciais estéticos e fílmicos se basearam nos autores Bill Nichols, Gustavo Mercado, Laurent Jullier e Michel Marie, Jaques Aumont e Jean Claude Bernadet.
Palavras-chave: Produção Audiovisual, Formação em Artes, Experiência, Cooperação, Processo Criativo.
ABSTRACT
This paper aimed at understanding how the student´s creative and knowledge construction processes occur in the audiovisual production learning. Not only the formal learning, but also the development of particular abilities or dimensions which, in the current context, can favor the individual´s professional and personal journey facing contemporaneity, its flows, networks and multi-referential processes. Besides the curricular content provided in the subjects programs, the trajectory of audiovisual production is supposed to potencialize the student´s creative processes, working as a learning environment itself; because, besides the apprehension of specific audiovisual contents, the experience of producing audiovisual works also demands from the student creativity, cooperation, autonomy, critical attitude and comprehension of diversities, which are abilities required to professionals who are members of a technical team of production, but also desirable to all and any individual in our present-day society. For this purpose, a group of students in the final year of the Technology in Audiovisual Production course at Unijorge University underwent an artistic and collective experience to produce academic short films, and whose goal was to identify and unveil such circumstances, from an audiovisual documentary and from a research report regarding this experience. The documentary Não É O Olho Que Vê is a narration of this creative process in an academic environment of audiovisual production, and it represented the researcher´s perspective about his object of research as well. Through metalanguage, the documentary searches the audiovisual production and exposes its manufacture and the design of interpersonal relations this experience promotes. This trajectory had as theoretical and methodological references Ana Mae Barbosa, Fayga Ostrower, Jean Piaget and Paulo Freire, concerning the creative and formative processes; we also relied on Michel Maffesoli and Muniz Sodré so as to reflect on a new education. Regarding the documentary construction, our esthetic and filmic references were based on the authors Bill Nichols, Gustavo Mercado, Laurent Jullier and Michel Marie, Jaques Aumont and Jean Claude Bernadet.
Keywords: Audiovisual Production, Education in Arts, Experience, Cooperation, Creative Process.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fig.1: Thiago Peralva, aluno do Coletivo D.O.C.........................................................15 Fig. 2: Alunos dirigem cena de Sala Sunyata............................................................. 34 Fig. 3: O aluno Pedro dirige teste de ator para seu curta Refúgio................................36 Fig. 4: A equipe de produção do curta Refúgio em ação..............................................38 Fig. 5: Coletivo D.O.C. em reunião de pré-produção..................................................45 Fig. 6: Cena de Salomão Sem Roteiros........................................................................53 Fig. 7: Waly Salomão...................................................................................................54 Fig. 8: O aluno Wallace Ramos fala sobre seu curta metragem...................................56 Fig. 9: Alunos, em close-up, falam do processo de produção dos curta......................61 Fig. 10: Gravador externo fixado em um tripé de câmera............................................64 Fig. 11: O aluno Marcos dirige o menino ator Álvaro Batista.....................................66 Fig. 12: Emerson Bulcão, artista de rua.......................................................................69 Fig. 13: Álvaro Batista, ator estreante..........................................................................70 Fig. 14: Waly Salomão.................................................................................................83 Fig. 15: Recital de poesias, com Herbert Leão.............................................................88 Fig. 16: Cláudia Salomão.............................................................................................91 Fig. 17: Clara, a personagem deficiente visual de Refúgio..........................................92 Fig. 18: Gravação do curta Refúgio na boate Zen........................................................95 Fig.19: Álvaro Batista em cena de Sala Sunyata.........................................................96 Fig. 20: Leonardo Costa em cena do curta Refúgio.....................................................97 Fig. 21: Cena de Atus II................................................................................................99 Fig. 22: Cena de Refúgio............................................................................................100
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO ................................................................................................10
2 INTRODUÇÃO
2.1 CENA 1: o autor e o cinema. Fulminado. ............................................................18
2.2 CONTEXTO 1: Plano Panorâmico - referenciais fílmicos e bibliográficos..........22
2.2.1 NÃO É O OLHO QUE VÊ: um filme sobre filmes...........................................42
2.3 CONTEXTO 2: Plano Próximo - lugares de aprender...........................................66
3 O PROCESSO E OS PROCESSOS DENTRO DELE.......................................82
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................102
REFERÊNCIAS ......................................................................................................108
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.........................................................................110
FONTES CONSULTADAS.....................................................................................113
APÊNDICES ..........................................................................................................115
10
1 APRESENTAÇÃO
Esse trabalho, junto com o documentário Não É O Olho Que Vê, este de 50
minutos e 15 segundos de duração, é o resultado da pesquisa realizada entre julho e
dezembro de 2014 com os alunos do quarto (e último) semestre do curso de
Tecnologia em Produção Audiovisual, da Unijorge. Os dois produtos, juntos,
configuram o TCC do Mestrado Profissional em Gestão e Tecnologias Aplicadas à
Educação, GESTEC, na Área de Concentração 2 - Processos Tecnológicos e Redes
Sociais, da UNEB – Universidade do Estado da Bahia.
O processo de produção de quatro curtas metragens acadêmicos, protagonizado
pelos alunos sujeitos dessa pesquisa (alunos concluintes do curso de Tecnologia em
Produção Audiovisual da Unijorge) gerou o meu trabalho de conclusão desse
mestrado profissional, que visou identificar e revelar, a partir do documentário e
deste relatório de pesquisa, relativos a esse percurso, os processos criativos e de
construção de conhecimento dos alunos na aprendizagem da produção
audiovisual.
É importante desde já elucidar o conceito de produção adotado nessa pesquisa, e
que será empregado em diversos momentos durante esse texto. Em cinema e
audiovisual o termo produção possui o sentido de viabilização ou realização de
alguma tarefa, ação ou produto. Pode-se produzir a trilha sonora para o filme, pode-se
produzir o figurino da protagonista, e pode-se produzir um jantar para a equipe numa
locação inóspita, por exemplo. Então, uma equipe técnica de produção é composta por
variados tipos de produtores, que produzem a partir das necessidades de cada projeto.
São produtores de set, produtores de elenco, produtores de arte, produtores de
figurino, de imagens, e assim por diante.
Já o termo produção audiovisual é utilizado, e também aqui será colocado no
mesmo sentido, sempre que pretender referir-se à realização de uma obra ou produto
audiovisual, seja um filme, um videoclipe, um curta metragem, documentário ou um
seriado de tevê. Neste trabalho, o termo será empregado para se referir aos curtas
metragens de ficção produzidos e realizados pelos alunos sujeitos da pesquisa, bem
11
como para tratar do documentário, resultado desse trabalho, o filme Não É O Olho
Que Vê.
A pesquisa desenvolveu-se no contexto da disciplina Oficina de Produção de
Programas Audiovisuais, do quarto semestre, ministrada no Centro Universitário
Unijorge por este pesquisador, e contou com a colaboração de um grupo de apoio,
denominado aqui nesse relatório de Coletivo D.O.C, na realização do documentário
Não É O Olho Que Vê, já referido como produto acima.
Baseia-se aqui na suposição de que, além do conteúdo curricular previsto nos
programas das disciplinas, o percurso da produção audiovisual potencializa os
processos criativos do aluno, funcionando como um ambiente de aprendizado em
si; pois, além da apreensão de conteúdos específicos do audiovisual, a experiência
da produção de obras audiovisuais exige do aluno, também, criatividade,
cooperação, autonomia, atitude crítica e compreensão das diversidades,
habilidades requisitadas aos profissionais membros de uma equipe técnica de
produção, mas desejáveis também a todo e qualquer indivíduo na sociedade de nosso
tempo, dinâmica, múltipla e hipertextual, por onde se expressam, mais fortemente, os
contornos da sociedade da tecnologia e da informação1.
Todo projeto audiovisual requer pesquisa, planejamento e criação 2 . Isso
demanda estudo, raciocínio lógico, imaginação e sensibilidade artística. A experiência
coletiva da produção de audiovisuais3 proporciona ao participante dessa vivência o
aprendizado constante, coletivizado e necessariamente cooperativo, pois é quase
impossível fazer esse trabalho sozinho. É também uma atividade que favorece o
respeito às diversidades, na medida em que o grupo de trabalho (equipe de produção)
apresenta individualidades e visões de mundo diferentes, que interagem, a fim de
realizarem algo em comum, uma obra ou produto4 audiovisual. Os sujeitos da
1 Configuração social onde o saber apresenta-se como fluido, diversificado e veloz, como consequência da informação tecnológica e dinâmica, abundante e ilimitadamente partilhada; 2 O termo é aplicado aqui segundo a compreensão de Fayga Ostrower, para quem criar é também formar algo ou realizar; 3 Todos os produtos, obras ou formatos de comunicação que conjugam som e imagem: documentários, filmes de ficção, teledramaturgia e filme pubicitário são alguns exemplos; 4 Os materiais audiovisuais, a depender do seu contexto de produção, podem receber tanto a denominação de produto, quanto de obra, conteúdo ou peça audiovisual. Nesse relatório técnico
12
experiência audiovisual precisam dialogar, segundo o fluxo de trabalho natural de
uma produção desse tipo, então precisam sensibilizar-se perante o outro em benefício
do projeto em curso, o que representa um exercício de compreensão das diversidades.
Este convívio com as diferenças se dá, entretanto, em um contexto planejado, guiado
por questões de ordem prática.
É verdade: produzir é orçar, elaborar planilhas, desenvolver estratégias visando
maior produtividade e o menor custo possível, sem que isso signifique o sacrifício da
qualidade. Porém, o que prevalece em um set de filmagem é a criatividade, a
sensibilidade artística, seja a serviço de uma narrativa ficcional, de um filme
publicitário ou de um documentário, para citar alguns tipos de produtos audiovisuais.
O universo temático do próprio produto, seja ele um filme, um curta metragem,
ou um documentário, fornece um material de trabalho – e de pesquisa – significativo
para a ampliação do repertório cognitivo do sujeito. Por exemplo: este relatório
técnico descreve o processo de produção de curtas metragens inspirados em poesias e
letras do poeta baiano Waly Salomão, cuja biografia envolve temas como a repressão
e a ditadura militar, os anos setenta na Bahia e no Brasil, a Tropicália5, a poesia de
Paulo Leminski, as artes plásticas de Hélio Oiticica, as vanguardas artísticas e a
contracultura. Notadamente, o aluno que passa por essa experiência tem a
oportunidade de desenvolver seus conhecimentos e ampliar seu horizonte cultural.
A produção audiovisual trabalha habilidades fundamentais ao homem
contemporâneo, tecnológico e diverso. Além de estimular a convivência com o outro
e a abordagem criativa da vida, o percurso de uma produção implica em tomar
decisões e em agir com autonomia, parece desenvolver o senso estético e a atitude
crítica do sujeito.
Importante deixar claro que, apesar da crença de que esse processo fomenta tais
potencialidades - a criatividade, o respeito às diversidades, autonomia, atitude crítica
e cooperação - no indivíduo que vivencia essa experiência, o que configuraria, num
descritivo, observando o contexto de produção relatado ou descrito - o da produção documental, publicitária, teledramatúrgica ou videográfica – todos os termos serão empregados adequadamente. 5 Movimento musical surgido no Brasil no final dos anos 60, que abrangeu outras esferas culturais como as artes plásticas, o cinema e a poesia.
13
trabalho de maior peso, uma hipótese, o que aqui se faz é apenas apontar em que
momentos e ações é possível se supor que o incremento a essas potencialidades estão
acontecendo, não havendo nem condição nem tentativa de provar alguma hipótese, o
que demandaria muito mais aprofundamento e tempo do que o que está disponível, no
caso desse mestrado.
Pretende-se identificar que contribuições a produção audiovisual pode oferecer
ao indivíduo que participa desse processo, quais são as atitudes necessárias ao
trabalho artístico coletivo nesse campo da arte; como esse indivíduo se articula nesse
ambiente, de forma lógica e criativa, em prol da realização de uma obra ou produto
audiovisual.
Buscou-se também aqui refletir sobre o fazer audiovisual. Através da
metalinguagem6, o documentário explora o funcionamento interno de uma produção
audiovisual, suas etapas, processos de trabalho, a elaboração criativa a favor da
narrativa, a construção de planos e imagens a partir do que está descrito em um
roteiro literário. Esse material, intitulado Não É O Olho Que Vê é também uma
reflexão do audiovisual a respeito de si próprio, seus mecanismos internos e
interpessoais.
Por ser este pesquisador um professor, mas também um diretor cinematográfico,
é desse lugar múltiplo que observa e que se coloca nessa pesquisa, que nasceu
também da necessidade de compreender o próprio modo de trabalho aplicado no
processo da formação acadêmica audiovisual.
Para dar conta disso, o filme Não É O Olho Que Vê produz um registro
audiovisual do trabalho de conclusão dos alunos do quarto semestre do curso de
Tecnologia em Produção Audiovisual da Unijorge, buscando observar como se deram
os processos criativos durante a produção de quatro curtas metragens adaptados de
poemas e letras de Waly Salomão. São eles: Atus II, Sunyata, Refúgio e Salomão Sem
Roteiros, respectivamente inspirados nos poemas Clandestino, Sala Sunyata, Mal
Secreto, B.O. – Boletim de Ocorrências, e no texto A Cabeça, Gosto Que Avoe. 6 Utilização de uma determinada linguagem para falar dela mesma. Um livro sobre um livro, uma música sobre uma outra música, ou um filme sobre um filme (ou filmes) são exemplos de metalinguagem.
14
As etapas da produção audiovisual – pré-produção, gravações e pós-produção -
serviram ao documentário como pano de fundo para uma observação e uma reflexão
sobre esse processo de construção criativa de conhecimento e de formação humana.
Os registros fílmicos desta experiência coletiva – de trabalho e de aprendizagem -
abrangem as fases da produção dos curtas acadêmicos, desde a concepção dos roteiros
até a sessão de exibição.
Como já dito anteriormente, para a captação de imagens deste documentário foi
utilizada uma equipe de alunos, de outro semestre, que colaborou nesse projeto
enquanto assistentes de produção e produtores de imagem: o Coletivo D.O.C. Esses
alunos, na ocasião, cursavam a disciplina Operação de Câmera, e este pesquisador os
envolveu no projeto a fim de colaborar com o aprendizado da referida disciplina,
oferecendo oportunidade de treinamento em Produção e prática na operação das
câmeras do documentário. Houve, no entanto, em algumas situações gravadas no
estúdio de tevê da Unijorge, a colaboração de um cinegrafista profissional,
funcionário da instituição.
Durante a etapa de pré-produção, o Coletivo D.O.C., além de exercitar o
cinegrafismo, reunia-se semanalmente com este pesquisador para discutir questões
relacionadas à produção do documentário da pesquisa, tais como a definição do tipo
de captação sonora mais adequado às nossas condições, o posicionamento das
câmeras em sala de aula, pesquisas de locações e sets de gravação dentro da Unijorge,
pesquisas de referências sobre enquadramentos ou montagem, bem como definição do
cronograma de ações a serem empregadas junto aos alunos-sujeitos da pesquisa
durante o semestre, com a finalidade de ampliar neles o repertório de informações
acerca do autor, assim como promover um ambiente de imersão criativa para os
mesmos, favorecendo a criação dos roteiros e a realização audiovisual como um todo.
Foram convidadas com essa intenção as roteiristas Amanda Aouad e Ana Paula
Guedes, que numa aula especial falaram sobre roteiro adaptado; Cláudia Salomão,
produtora cultural e sobrinha de Waly, que além de falar sobre o momento histórico
do poeta da Tropicália (anos 70 e 80), relembrou passagens íntimas ao lado do autor,
lançando provocações, revelando curiosidades e despertando a imaginação dos alunos
15
para criar. O documentário de Carlos Nader, Pan Cinema Permanente, também foi
exibido em sala e submetido à análise dos alunos, de onde também puderam extrair
informações sobre a obra e a vida pessoal do poeta.
O doravante denominado aqui de Coletivo D.O.C. esteve presente em todos os
encontros com a turma do quarto semestre (os sujeitos desta pesquisa), registrando o
processo destes alunos de construção dessas aprendizagens durante a confecção de
seus próprios filmes de curta metragem, produtos finais da disciplina Oficina de
Produção de Programas Audiovisuais, produzindo conteúdo audiovisual para o
documentário desta pesquisa.
Os seus registros audiovisuais se constituíram como uma espécie de making of
com finalidade acadêmica, originando um material de natureza autorreflexiva, pondo
em cheque a impressão de realidade 7, intrínseca ao cinema, ao revelar os processos
internos do audiovisual, e interferindo no acesso direto do espectador ao que é
narrado na obra, fazendo-o, antes, tomar conhecimento da sua manufatura, do
processo em si do fazer audiovisual, e de como essa impressão pode ser construída,
embora essa não seja a proposta maior deste trabalho.
Fig.1: Thiago Peralva, aluno do Coletivo D.O.C 8.
7 Relacionada ao sistema do verossímil, é a coerência do universo diegético construído pela ficção. 8 Todas as imagens inseridas nesse relatório a título de ilustração são frames extraídos do documentário da pesquisa, o filme Não É O Olho Que Vê.
16
A seguir, na Introdução, será relatada, primeiramente e de maneira resumida - a
título de contextualização - a experiência profissional no campo da produção
audiovisual desse pesquisador, começando com sua iniciação no “universo” do
audiovisual, sua experiência com o cinema publicitário, com o longa metragem e a
teledramaturgia. Esse texto, literário, é importante aqui, pois dá conta do nível de
envolvimento que se tem com o fazer audiovisual, ao tempo em que apresenta, de
forma resumida, a quantidade de estímulos e sensações que compõem, efetivamente, a
motivação e o processo criativo do profissional que realizou a pesquisa.
Em seguida, seu encontro com a academia, a sala de aula e o desenvolvimento
do modo de formar o aluno, com autonomia e criatividade, através de atividades
práticas de realização fílmica, aliando essa proposta de trabalho ao projeto
pedagógico da Unijorge, locus da pesquisa, que baseia-se no método da
problematização.
Depois disso, adentra-se na discussão teórico-metodológica, a partir dos eixos
de aptidões e da problemática do trabalho. São explorados os conceitos de
criatividade, em Fayga Ostrower, para quem a atividade criativa envolve a realização
de algo, sua concretização, não se limitando ao campo das ideias, simplesmente. A
arte na educação, como processo de auto expressão e de crescimento individual e
cultural do indivíduo encontram em Ana Mae Barbosa a expressão mais coerente e
apropriada com o fazer audiovisual acadêmico empregado nesse processo. Já o
sociólogo francês Michel Maffesoli contribui para esta reflexão ao discorrer sobre a
nova sala de aula e sobre a aprendizagem iniciática, na qual o trabalho em grupo e a
cooperação são a base; Lev Semenovitch Vygotsky, com sua zona de
desenvolvimento proximal, propõe ações coletivas que se desenvolvem em um
ambiente onde o sujeito que sabe mais colabora no desenvolvimento do que sabe
menos, servindo à pesquisa para fundamentar o processo de desenvolvimento das
atividades práticas de realização audiovisual propostos em sala de aula por este
pesquisador.
O capítulo Não É O Olho Que Vê: um filme sobre filmes é um relato do
processo de confecção do documentário da pesquisa. Nele há uma descrição das
17
características do filme, uma associação com o documentário participativo, segundo a
categorização de Bill Nichols. São analisados os filmes que foram utilizados como
referências por este pesquisador a fim de desenvolver uma proposta de realização para
o documentário, e o conceito de não-linearidade narrativa é trabalhado para
fundamentar a apresentação da estrutura do filme. Há também uma reflexão sobre
ressignificação do material de arquivo e acadêmico utilizado pelo pesquisador no
documentário e sobre a metalinguagem presente no registro documental.
Entre as opções que determinaram o formato do produto entram em discussão a
necessidade de valorização do discurso do sujeito, através dos planos próximos.
Também são exibidas as reuniões do pesquisador com seu coletivo de produção
audiovisual (o Coletivo D.O.C.), que tinham como foco central o planejamento da
produção de imagens para o documentário.
No capítulo seguinte, Plano Próximo - Lugares de Aprender, tem lugar uma
breve discussão sobre a experiência coletiva e a compreensão das diversidades -
propiciada pelo ambiente de uma produção audiovisual, naturalmente colaborativa -
amparada pelas teorias do sociólogo brasileiro Muniz Sodré, que discute uma reforma
na Educação e no processo de ensino e aprendizagem. Para o teórico, a
multiculturalidade presente em uma experiência coletiva faz despertar no indivíduo
uma “consciência do sujeito”. Além disso, o sociólogo defende o pensamento
autêntico e crítico, a fim de produzir indivíduos que pensam por conta própria, que
agem com autonomia.
A cooperação aparece como elemento central no processo de desenvolvimento
cognitivo do sujeito em Jean Piaget, para quem o aluno precisa se identificar com o
trabalho, estar motivado para ele, ou seja, é preciso que parta dele mesmo (iniciativa)
a busca pelo conhecimento, e a experiência (colaborativa) seria a oportunidade para
essa investigação.
Na sequencia, é apresentado o conceito de “círculos de cultura”, de Paulo
Freire, nos quais o professor faria, na prática, uma mediação e uma articulação das
interações entre os participantes desses círculos. Para Freire, o professor orienta e dá
um norte, conferindo ao aluno mais autonomia, e liberdade com responsabilidade. O
18
capítulo encerra fazendo uma breve reflexão sobre a contribuição da experiência para
o indivíduo, da importância do aprender fazendo. É abordada a educação do olhar
através do cinema e como essa prática pode enriquecer socialmente e culturalmente o
indivíduo.
No capítulo O Processo e os Processos Dentro Dele, tem início o relato de todo
o processo de produção dos curtas realizados pelos alunos. Estão aí descritos o projeto
das adaptações, suas características e histórico, as edições passadas, o autor adaptado
nesse trabalho, Waly Salomão, seu contexto histórico e obras. É explicado o
cronograma de ações pensadas a fim de contribuir com o trabalho criativo das
equipes, como o recital de poesias, o bate-papo com Claudia Salomão, a exibição do
documentário Pan-cinema Permanente, e a palestra sobre roteiro adaptado com Ana
Paula Guedes e Amanda Aouad. São descritos os processos de produção das equipes
– pesquisa de locações, teste de elenco, ensaios, algumas diárias de gravação dos
curtas acadêmicos e a sessão de exibição.
2 INTRODUÇÃO 2.1 CENA 1: o autor e o cinema. Fulminado
Desembarco no Anhangabaú, São Paulo. São onze horas da manhã e faz sol. O
local está tumultuado. Pessoas correm de um lado para outro, assustadas. Alguns
homens usando trajes parecidos com os de astronautas descem em cordas pelas
colunas do Viaduto do Chá e marcham em direção a uma gigantesca caixa coberta,
que estava deitada no centro da praça. Tamanha confusão, volto-me para o alto. Vejo
aproximando-se de mim um helicóptero, com outros “astronautas” mirando para
baixo, à procura de algo, ou de alguém. Ainda meio confuso e tonto com o barulho
das hélices, consigo prestar atenção a uma música que toca em um pequeno
microsystem perto de uma dezena de meninas que dançam como se fossem chacretes.
Balões de hélio surgem colorindo a praça e descortinando um jovem casal que
se beija apaixonadamente em cima daquela caixa, que agora descoberta revela-se uma
19
embalagem gigante de Close-Up. Depois do beijo, sorrisos enormes em bocas maiores
ainda olham para a câmera. Percebo as câmeras. Uma voz ao megafone grita “corta!”.
Este evento me fez sentir que havia chegado em casa. Ali, arriei as malas.
Essas linhas acima descrevem o meu primeiro contato com os bastidores de uma
produção audiovisual. Uma produção de filme publicitário. Por meio da magia e da
ludicidade tomei conhecimento do ofício de produzir e dirigir audiovisuais quase sem
querer. Aquele clima e aquela tensão no ar entre os profissionais da equipe técnica e
entre os atores me envolveram de uma forma que jamais pude imaginar, e minha
trajetória nesse campo de atividade, a partir desse dia, me levou por caminhos que me
proporcionaram crescimento profissional e desenvolvimento pessoal.
Percebi que o set de filmagem me abriria uma janela através da qual eu poderia
conhecer o mundo. Pelo visor da câmera pude testemunhar acontecimentos inéditos
para mim, que de tão fascinantes tornaram-se inesquecíveis, assim como o próprio
ofício da produção audiovisual. A compreensão de que uma equipe de filmagem é um
organismo único e que cada departamento é uma parte desse sistema, que trabalha
com um objetivo único, foi decisiva para a minha integração ao grupo e minha
colaboração criativa e técnica também. A partir daqui uso a primeira pessoa do
singular, buscando que minha experiência pessoal torne-se útil para ensinar e
entender processos de aprendizagem na área do audiovisual.
Logo após esse primeiro contato com o ambiente da produção audiovisual
publicitária, comecei a frequentar a O2 Filmes, a produtora de cinema e vídeo do
cineasta Fernando Meireles9, ainda como estagiário do departamento de Casting10.
Lá, o elenco dos filmes publicitários era pesquisado, produzido e testado por uma
equipe de profissionais sob o comando da produtora de elenco e atriz Cecília Homem
de Melo. Das possibilidades para a produção de um elenco, a pesquisa é o processo
mais interessante e instigante, afinal é ir para as ruas e descobrir novos rostos, novos
tipos, novos personagens. Na O2 pude aprender sobre a importância do ator em uma
obra audiovisual, como dirigí-lo, como extrair dele o necessário para a realização da 9 Depois de centenas de filmes publicitários, Meireles dirigiu par ao cinema filmes como Domésticas, Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel, Ensaio Sobre a Cegueira, 360 e Rio, Eu Te Amo; 10 Departamento que se ocupa de pesquisar, gerenciar e produzir elenco;
20
cena. Até sobre a utilização de pessoas comuns (os chamados não atores) nas
produções, eu pude aprender com Fernando Meireles, e não com a escola neorrealista
italiana, expressão cinematográfica que só fui descobrir, de fato, mais tarde. Esse
conhecimento, e tantos outros que trago até hoje, foi o cinema publicitário que me
deu.
Oito meses depois do meu ingresso na O2 Filmes, e depois de produzir o elenco
para dezenas de filmes publicitários, o filme era Coca-Cola. O estúdio, em silêncio,
ouvia o ator dizer seu texto. Assim que a cena termina, a diretora manda “copiar”11.
Nos encaminhamos, eu e o elenco, para o camarim. A ordem era trocar o figurino e
voltar para filmar a próxima cena. E lá fomos nós. No caminho, sou abordado pela
assistente de direção. Era um convite para trabalhar com teledramaturgia. E em outra
função, aquela que eu perseguia desde o início, a assistência de direção. Na tv Globo!
Eu fui.
Na tevê passei por um novo processo de adaptação. Outras pessoas, outro
formato audiovisual, outra lógica de trabalho. Televisão. Indústria. Muitas horas
diárias de gravação ou edição, muita produção, um exercício contínuo do ofício,
novas aprendizagens. As celebridades e as pseudo-celebridades. O figurante estrela e
a estrela singela. A produção artística em um contexto televisivo. Ambiguidades.
Na tv Globo eu estava mais próximo do diretor - Luiz Villaça - e pude observar
seu trabalho e seu comportamento no set de filmagem e com os atores. O modo de
dirigir, o modo de pedir uma coisa esperando outra. Aprendi a decupar12 uma cena e a
montar um programa. Aprendi a fazer fazendo. Testemunhei reuniões de produção
bastante ricas e reveladoras sobre o processo de uma produção em teledramaturgia.
Pude aprender com Edgar Moura, na prática, bastante sobre fotografia, menos de um
mês depois de ter lido seu livro13, no qual ele explicava as mesmas coisas.
11 O diretor pede para copiar (ou revelar ) o negativo com o material rodado nas realizações que utilizam a película cinematográfica como suporte. 12 A decupagem é uma das principais etapas na confecção de um filme. É quando transfere-se a escritura literária que é o roteiro, para um discurso audiovisual constituído por planos, movimentos, ângulos e posições de câmera; 13 50 Anos Luz Câmera e Ação. Rio de Janeiro: Senac, 1999;
21
Aprendi com dona Laura Cardoso a ter humildade no trabalho, se permitir
aprender com o outro mesmo já sabendo muito, e não sair do set antes de
cumprimentar toda a equipe ao final de uma diária de gravação, antes de recolher-se
para o camarim, como ela costumava fazer, ensinando como trabalhar em equipe,
verdadeiramente, demonstrando à equipe reconhecer a importância de cada um
naquele trabalho. Aulas práticas. Construtivas e definitivas.
Três anos depois, e mais de 90 episódios do Retrato Falado14 realizados, volto
para o mercado publicitário, e para a O2, dessa vez como assistente de direção, e vou
trabalhar com Luciano Moura, que havia trabalhado na produtora carioca Conspiração
Filmes e estava naquele momento começando a dirigir filmes publicitários para a O2.
Nesse retorno para a publicidade, além da O2, percorri quase todas as produtoras de
cinema publicitário de São Paulo, na ocasião: Made To Criate, Dínamo Filmes, TVC,
Academia de Filmes, para citar algumas, além da própria O2, que me introduziu no
mercado.
Entre uma publicidade e outra, Luiz Villaça, o diretor com quem trabalhei na Tv
Globo, me convidou para trabalhar em seu novo projeto, o longa metragem Cristina
Quer Casar, que, quando eu entrei para o projeto ainda chamava-se Amor à Vista.
Seria o meu primeiro trabalho em cinema, eu pensei. E foi. Reorganizei a agenda e
passei a integrar a equipe do longa, que estava na sua 22a versão de roteiro, seis meses
antes do início das filmagens. Participei de algumas reuniões de roteiro e tinha
abertura para colocar minhas ideias e dar sugestões. Por conta dessas reuniões, e por
verificar o meu especial interesse pela roteirização, passei a conviver com Mariana
Veríssimo, uma das roteiristas do Retrato Falado - assim como José Roberto Torero e
Lícia Manzo - que me ensinou sobre verossimilhança e sobre a elaboração de
diálogos; durante as filmagens deste longa, mais precisamente nos intervalos, entre
uma conversa e outra com Francisco Ramalho Jr15 pude entender o trabalho de um
14 Programa de ficção com 10’ de duração, que ia ao ar no programa Fantástico, da Tv Globo, com a atriz Denise Fraga e direção de Luiz Villaça. 15 Consagrado no cinema, dirigiu filmes como Besame Mucho (1987) e produziu filmes como O Casamento de Romeu e Julieta (2005), de Bruno Barreto, A Suprema Felicidade (2010), de Arnaldo Jabor; O Beijo da Mulher-aranha (1984), Brincando Nos Campos do Senhor (1990) e Coração Iluminado (1996), de Hector Babenco, entre outros.
22
produtor executivo e seu olhar sobre a obra artística, tão diferente do olhar criativo e
artístico do diretor, mas igualmente importante.
Durante esse período, a capacidade de compreender que a linguagem
cinematográfica opera a favor de um determinado objetivo, e que em cada campo do
audiovisual ela possui estratégias específicas para atingir seu fim, favoreceu meu
trabalho, facilitou minha observação, minhas relações profissionais, e me ensinou
muito e sempre, a cada dia, a cada trabalho, a cada projeto. A descrição acima, ainda
que singela, dá a dimensão dos meus parâmetros e das minhas trilhas. Não apenas de
fazer, mas de perceber, de intervir. Oferece também a dimensão do fazer audiovisual
na sua especificidade e rigores próprios. Outros ambientes e outros aprendizados.
2.2 CONTEXTO 1: Plano Panorâmico - referenciais fílmicos e bibliográficos
Vieram outros trabalhos e vieram outros sonhos também. Já em Salvador, tive a
oportunidade de dirigir o Decola, programa de viagem para tevê, com apresentação de
Liliane Reis16. Outra estrutura de trabalho e outro modo de dirigir. Não havia verba,
mas havia vontade. Não havia roteiros decupados ou elenco ensaiado, mas havia
muito improviso e criatividade para lidar com o novo, de novo. Veio também o
Festival de Cinema Universitário da Bahia, um projeto de minha idealização, cuja
intenção sempre foi valorizar a realização e criar mais uma janela de exibição para as
produções audiovisuais acadêmicas. Com o apoio financeiro da Vivo (programa
Art.MOV) através de recursos advindos do Fazcultura17, este projeto realizou duas
edições de grande repercussão entre os universitários de todo o país, que enviavam,
em média, 100 curtas metragens (documentários ou ficções) por edição do festival.
Hoje, ao olhar para os mais de dez anos em que passei integrando equipes de
produção audiovisual, tanto de programas de teledramaturgia como de longas
16 Apresentadora de tv e jornalista, antes do Decola, apresentou o Na Carona, na Rede Bahia. Atualmente apresenta o programa Estúdio Móvel, na Tv Brasil; 17 Programa estadual de incentivo às produções culturais, criado em 1996, com o objetivo de estimular a diversidade cultural no estado.
23
metragens e de cinema publicitário, observo a enorme contribuição desse período
para a minha atuação na academia.
Enquanto professor de disciplinas com enfoque prático, relacionadas à produção
audiovisual, tenho oportunidade de aplicar determinados procedimentos, que são
próprios de uma produção profissional, em atividades acadêmicas, como:
pesquisa de locações reais para serem utilizadas como cenários, testes de elenco,
preparação e direção de atores profissionais, produção de figurinos e parcerias com
setores do audiovisual baiano, como a DIMAS – Diretoria de Audiovisual da
Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) - para apoio à produção e exibição.
Na medida em que há, na minha prática de ensino, uma mudança na forma de
encarar a construção de conhecimento, priorizando a experiência criativa e
colaborativa da realização audiovisual, o aluno é exposto a situações próximas às que
se apresentam em produções profissionais, como a seleção de elenco através de testes,
produção de arte e figurinos a partir de parcerias com órgãos como, por exemplo, o
Centro Técnico do TCA e o Boca de Cena (um acervo de figurinos para empréstimos
e aluguéis para cinema e teatro), encaminhamentos de solicitações de autorização para
gravar nos espaços públicos e privados, e a própria sessão de exibição dos filmes
produzidos, aberta para o público, uma avant première dos jovens produtores rumo ao
mercado de trabalho. Um ato simbólico e um rito de passagem para os alunos
concluintes.
Um projeto audiovisual, e esse em estudo não foge à regra, “toma corpo” a
partir da reunião de talentos e esforços com o mesmo fim; e seja qual for sua
expertise18 , cada membro da equipe técnica precisa do outro para realizar seu
trabalho, para atingir o objetivo final que, no nosso caso, eram dois: a produção dos
curtas metragens acadêmicos pelos alunos sujeitos dessa experiência, e também a
produção do próprio documentário dessa pesquisa, pelo Coletivo D.O.C . e com
minha direção geral. Portanto, havia, durante todo o tempo, processos simultâneos
de produção em curso, um que englobava o outro.
18 Competência específica, qualidade de especialista em um determinado assunto.
24
A produção audiovisual é uma atividade em que ser criativo e colaborativo
é uma necessidade imperativa. E por isso mesmo o diálogo entre os integrantes da
equipe técnica, entre os departamentos e até mesmo entre as fases da produção
contribui para a fruição do processo.
Essa lógica de trabalho de equipes de produção é reproduzida no ambiente
acadêmico, na disciplina Oficina de Produção de Programas Audiovisuais, do quarto
semestre do curso de Produção Audiovisual da Unijorge, em que os alunos vivenciam
todas as etapas da produção de uma obra audiovisual, nesse caso curtas metragens
ficcionais, desde a elaboração do roteiro até a finalização, a última etapa do processo,
quando são acrescentados ou inseridos efeitos visuais ou sonoros, e é feita a correção
de cor (color grading) e a inserção de créditos na abertura ou encerramento da obra.
Nesse, que é um percurso criativo, os alunos, em equipes, têm a oportunidade
de explorar a imaginação, recriando realidades, e exercitar a cooperação e o diálogo,
já que num processo essencialmente coletivo, o trânsito de informações e de
conhecimentos é um elemento central, pois qualquer atividade nesse percurso é
dialogada, partilhada e mediada, muitas vezes, pela figura do diretor ou do produtor.
Apesar de coletivo, dialogado e criativo, não se trata, no entanto, de um processo
totalmente democrático. Também é participativo, mas é hierarquizado.
As equipes de alunos funcionam também como equipes de produção na medida
em que cada integrante possui uma função, e responde por ela durante o processo ao
coordenador de produção, que nesse projeto foi uma função desempenhada por mim,
pesquisador, mas também professor e orientador da turma.
Para a Produção, não faz grande diferença se o projeto é uma ficção, um
documentário, um videoclipe ou uma série de televisão. A partir de um roteiro ou
argumento, as necessidades artísticas e de produção são levantadas e providenciadas
por esse departamento, no decorrer da fase de pré-produção, a fim de viabilizar a ideia
criativa do diretor. O pensamento racional precisa organizar a realidade para
concretizar seu sonho de imagem. Criativamente, os processos são específicos e
característicos de cada forma de expressão artística.
25
Predominantemente, o que favorece o trabalho criativo é a clareza que deve
se ter com relação ao objetivo da obra ou produto. Uma área como a publicidade,
por exemplo, precisa orientar sua criação a partir de um briefing19, já o cineasta é
movido por suas próprias inquietações e o diretor de tv preocupa-se com a audiência.
Em circunstâncias normais, praticamente todo o mercado de produção
audiovisual lida com prazos mínimos para produção e/ou exibição de material, pois
precisam planejar-se considerando questões como contratos de exibição já assinados
ou a aprovação do material por um cliente numa reunião internacional em uma data
pré-definida por terceiros, ou seja, não há possibilidade de aquele material não ser
produzido pela equipe e muitos erros não são perdoados. É tenso.
O não cumprimento de um contrato de veiculação com uma emissora de
televisão, por exemplo, pode render uma multa polpuda para os produtores, gerando
uma certa tensão em torno do projeto, e fazendo com que o departamento de produção
designe um profissional cuja tarefa em dias de filmagem é, entre outras coisas,
imprimir ritmo à filmagem, fazer cumprir o que está programado na ordem do dia20:
horários de chegada e de saída de técnicos e atores, determinado número de cenas
para serem filmadas naquela diária, horário de intervalo para o almoço.
De olho no relógio, produtor e também o assistente de direção ocupam-se dessa
tarefa, que exige firmeza, objetividade e criatividade, a fim de viabilizar as ideias da
direção. É claro que há atrasos numa diária de filmagem, mas estes já ficam previstos
na elaboração desse documento. O plano B21 está sempre por perto.
Outro fator que põe o produtor audiovisual continuamente desafiando o tempo é
o orçamento de produção do próprio projeto, pois, com restrições de verba, opta por
reduzir o número de diárias de filmagem pagas à equipe, atores e fornecedores de
19 A palavra briefing é comumente utilizada pela publicidade e é o resumo das determinações para o trabalho criativo. Aqui, foi tomada emprestada, mas o significado mantém-se o mesmo. 20 Documento fundamental para a organização de cada diária de uma gravação. Informa os atores que trabalharão em cada cena, os objetos e cenários necessários, o figurino, os horários de cada equipe, entre outras coisas. Normalmente, é elaborada pelo assistente de direção e entregue à equipe na véspera da gravação; 21 O Plano B é uma outra opção de gravação, em caso de imprevistos na diária. Em externas, a chuva pode ser um motivo para cancelar uma gravação, e executar a outra opção.
26
equipamentos, imprimindo um ritmo sempre acelerado, e muitas vezes estressante, à
diária. Por outro lado, esses são procedimentos que, no caso de muitas produções,
viabilizam o projeto. O fazer audiovisual configura-se numa atividade onde ser mais
ou menos cooperativo e mais ou menos criativo são uma necessidade, mesmo entre os
produtores.
E assim, seguindo os parâmetros do mercado profissional, os processos se
deram durante os encontros na disciplina Oficina de Produção Audiovisual, do quarto
semestre, que, ao propor ações como o projeto Adaptações, comprometeu-se em
colaborar com o desenvolvimento do espírito cooperativo e a da criatividade do aluno
durante o percurso, dimensões essas compreendidas aqui como bases para a formação
de um sujeito autônomo e crítico.
Essa divisão do trabalho por habilidade ou função mencionada acima, que
permite troca de conhecimentos produzindo aprendizado, reforça o senso de
responsabilidade, cooperação e de objetividade no aluno, que precisa responder por
aquele departamento da produção, a fim de não comprometer o trabalho de toda a
equipe. Diretor de Fotografia, Diretor de Arte, Técnico de Som e Editor são algumas
funções, e cabe ao Diretor, e por razões práticas, ao Produtor, orquestrar as ações do
grupo, determinando o que fazer e de que forma.
No caso de uma produção profissional, diretor e produtor caminham de mãos
dadas, pois um pensa artisticamente e o outro, o produtor, é o responsável pelas
questões de ordem prática, e ocupa-se do cronograma, da captação da verba e do
orçamento de produção. No caso da minha participação, para a realização desse
projeto acadêmico, os dois papéis foram desempenhados, e as observações que
permeiam esse relatório derivam do lugar diverso de cada um deles, ocupado pela
mesma pessoa.
Desde a Direção Geral até a Produção, que é um departamento mais preocupado
com questões práticas, como a logística da produção e a gestão do orçamento, é
indispensável criatividade e colaboração para a realização das tarefas. O
departamento de Arte precisa encontrar soluções viáveis para a cenografia, o
fotógrafo deve encontrar saídas para a iluminação de cena, utilizando menos
27
refletores e potencializando seu uso. O roteirista, muitas vezes, tem que abrir mão de
cenas que se passariam em locações caras e adaptá-las para o estúdio, que no caso de
muitas produções, sai mais em conta. Ideias inovadoras e impactantes, e, em tese,
mais dispendiosas, aparecem a todo momento, e os orçamentos são cada vez mais
restritivos.
Num mercado tímido, fazer Arte é estar em contato próximo com limitações
como verba, numa sociedade cuja bagagem cultural limitada resulta na sua
desvalorização. Portanto, no campo do audiovisual, a criatividade precisa se impor a
fim de driblar as restrições orçamentárias.
Para a artista plástica Fayga Ostrower, há uma correlação entre criar e viver,
pois a natureza criativa do indivíduo desenvolve-se no contexto cultural, em sua
interação com o meio. Sua ação sobre o mundo, através do trabalho, criou e destruiu
civilizações, crenças e aforismos. Mas transformou a ele próprio, na medida em que
novas necessidades foram sendo impostas por novas realidades, e novas estratégias de
sobrevivência foram sendo criadas e elaboradas por ele, em um movimento dialógico
e atávico com o meio.
O homem é um ser histórico, pois ao protagonizar as transformações históricas,
coloca-se na história. Ele move-se na história e institui padrões, formas e ideologias.
Ele cria e é a cultura.
Então, criar é uma ação dialógica por natureza, e essa natureza criativa do
indivíduo, ao manifestar-se, sofre influências do ambiente e se expressa, através de
suas criações, em qualquer que seja a esfera, dentro de um espectro de representações
reconhecidas ou legitimadas no contexto cultural do indivíduo. A criatividade,
característica do ser humano, ao dar forma às suas criações, produz formas com uma
carga cultural intrínseca, estabelecendo dentro desse mesmo indivíduo um conflito
entre suas potencialidades, individuais e inatas, e as possibilidades forjadas a partir e
formas culturais pré-existentes, na medida em que toda criação sofre uma influência
social direta.
Ostrower compreende que criar corresponde a formar, dar forma a alguma
coisa. Explorar essa abordagem sobre a criatividade é do interesse dessa pesquisa de
28
mestrado profissional, que pretende focalizar a criatividade operando num
contexto de produção e realização de obras audiovisuais. Esse processo de formar
alguma coisa, a partir de uma intenção criativa, exige, por parte do sujeito, ordenação
e reconfiguração da realidade, tal qual o processo de uma produção audiovisual.
Na medida em que o propósito final de todos os alunos sujeitos, participantes
desse projeto, é a realização de curtas metragens de ficção adaptados, as formas estão
na proposta de direção, com orientações para a direção de arte, a fotografia e a
montagem; estão no roteiro e na estruturação das narrativas, e na elaboração do
perfil das personagens de seus filmes; está na escolha das locações e na trilha
sonora, está na duração dos filmes, na sua edição, no gênero e autor escolhidos
pelo professor. Em última análise, no filme, que é uma forma simbólica. Segundo
Ostrower, as formas simbólicas “(...) são configurações de uma matéria física ou
psíquica (configurações artísticas ou não-artísticas, científicas, técnicas,
comportamentais) em que se encontram articulados aspectos espaciais e temporais
(...)” (OSTROWER, 1977, p. 25).
E todo o seu processo de realização é organizado a partir de formas, que operam
a favor daquela construção, a fim de melhor traduzir, cinematograficamente, uma
ideia. São fases, etapas, decupagens22, cronogramas, planos de filmagem23, ordem do
dia, análise técnica24, ensaios, preparações, edição, trilha, além de outras formatações.
Segundo ainda a artista plástica, “(...) nós nos movemos entre formas (...)”
(OSTROWER, 1977, p.9) . O casamento, o curso na universidade, o financiamento do
veículo, a felicidade, o sexo e o amor. São formas. E o fator cultural atua sobre a
percepção do indivíduo, preestabelecendo certos significados e direcionando o curso
de seu desenvolvimento durante a vida, em suas interações com o meio ambiente e
também com o outro.
22 Em uma produção audiovisual são elaboradas diversas decupagens. As principais são a decupagem de produção (análise técnica) e a decupagem de direção (ou roteiro técnico) que expressa a linguagem do produto através de planos, ângulos e movimentos de câmera; 23 Planilha de direção que ordena as cenas que serão filmadas ou gravadas em uma diária de produção; 24 Decupagem do roteiro feita pela Produção e que preocupa-se com as necessidades de cada cena, como objetos de cena, figurinos, elenco, continuidade, quantidade de figurantes por cena, entre outros elementos.
29
Criar também é poder formar algo novo, e esse novo tem lugar, aqui nesse
projeto, como consequência de um processo coletivo e criativo de produção de
obras audiovisuais acadêmicas, adaptadas de outra forma artística, a poesia de
Waly Salomão. Ou seja, o processo de realização de uma obra que nasceria a partir
de uma outra obra, a original. E que gera, também, produtos audiovisuais diversos, já
que origina os curtas dos alunos e também o documentário fruto desta pesquisa,
produzido com o auxílio do Coletivo DOC. Ainda que adaptadas, as obras acadêmicas
também são originais, pois se deram em outro contexto histórico e midiático, pelas
mãos de outros artistas, utilizando-se de outras tecnologias e ideologias, tornando-a
igualmente únicas.
Considerava-se, então, entre os professores do curso de Produção Audiovisual
da Unijorge e a própria coordenação do curso, que os curtas acadêmicos eram
inspirações desses materiais de partida25, que são as letras de canções e poemas de
Waly, e não adaptações verdadeiramente.
Há alguns critérios relativos ao grau de fidelidade da adaptação à obra original
que determinam se a obra é adaptada, baseada ou inspirada no material de partida.
Como no caso desse projeto do quarto semestre a fidelidade à obra original é mínima,
pois se entende que a liberdade para criar a sua própria narrativa a partir de uma
inspiração, provocada pela obra original, dá ao aluno uma margem para se colocar e
se reconhecer no filme, a partir de suas pesquisas sobre o tema, de sua postura
dialógica durante o processo e, claro, de suas ordenações interiores, era consenso
entre todos que estávamos, de fato, realizando obras livremente inspiradas.
Entretanto, como o termo adaptação é mais corrente e familiar ao público de modo
geral, preferiu-se batizar o projeto de Adaptações.
Interessa aqui refletir sobre a experiência criativa do aluno, possibilitada pela
produção audiovisual, à luz do pensamento de Fayga Ostrower, que coloca que o
25 A obra original, seja ela um livro, um conto, uma música, um poema. Qualquer material que serve de referência ou inspiração para outra obra. Nesse caso, foram utilizadas as letras e poesias de Waly Salomão.
30
indivíduo “(...) só pode crescer, enquanto ser humano, coerentemente, ordenando,
dando forma, criando (...)” (OSTROWER, 1977, pg. 10).
O primeiro passo em um processo de adaptação cinematográfica é a
interpretação da obra original, a partir de leituras e pesquisas, e a posterior construção
do roteiro, preservando o que há de essencial naquele material de partida. A
compreensão é parte do fazer criativo, que permite ao individuo “(...) relacionar,
ordenar, configurar, significar (...)” (OSTROWER, 1977, pg. 9). Novas relações são
estabelecidas e novas coerências vão surgindo no trato com a obra, fazendo com que o
aluno possa imaginá-la de maneira única e compreendê-la de um jeito novo.
O homem pode pensar, e é capaz de falar sobre seus pensamentos, mas também
é capaz de, através de associações e reconfigurações, traduzir seu pensamento e
sentimento em um relato audiovisual. Ao interpretar a obra original e ressignificá-la,
cinematograficamente, o aluno está criando novas possibilidades e estratégias para
contar aquela mesma história.
As associações nos levam para o mundo da fantasia (não necessariamente a ser identificado com devaneios ou com o fantástico). Geram nosso mundo de imaginação. Geram um mundo experimental, de um pensar e agir em hipóteses - do que seria possível, nem sempre provável. O que dá amplitude à imaginação é essa nossa capacidade de perfazer uma série de atuações, associar objetos e eventos, poder manipulá-los, tudo mentalmente... (OSTROWER, 1977, p. 20)
Esse é o exercício da adaptação, e o valor desta atividade está no estado
constante de associação criativa ao qual o aluno é submetido, pois seu trabalho,
em todas as fases da produção, consiste em “transcrever” o poema para o formato
audiovisual de ficção, criando atualizações entre ambos, seja no roteiro, na arte, na
fotografia ou na pós-produção, a fim de traduzir, de forma audiovisual, uma ideia do
diretor ou um fragmento desse poema.
Nesse caminho, a imaginação dos alunos realizadores, impregnada por suas
impressões, medos, expectativas e desejos, e nutrida pelas pesquisas de referências e
pelos eventos de imersão propostos em sala, puseram-se a operar a favor da obra.
31
A ideia de apresentar o autor através de sua obra sempre foi a de que essas
ações pudessem ajudar a ilustrar a trajetória do artista adaptado, através de sessões de
cinema ou palestras sobre o tema, para que assim o aluno pudesse dispor desses
conhecimentos recém adquiridos na hora de criar. Dessa forma, ele mesmo, a partir de
sua própria interpretação e do diálogo com seu grupo, pode se tornar capaz de criar
uma narrativa, pensar em personagens que possam traduzir a essência da obra, e que
possam interagir com os outros personagens e as situações propostas pelo roteiro, uma
adaptação de outra obra.
Cabe ao aluno reorganizar todas as informações recolhidas durante a fase de
pesquisas e começar o processo de criação dos roteiros, que parte de uma ideia inicial,
que, resumida sob a forma de uma storyline26 é desenvolvida em algumas versões
(escaletas27), até que seja elaborada a versão final o roteiro, a que será produzida.
Então, todas as situações e personagens pensados e criados pelos alunos devem
relacionar-se com a obra original, com sua verdade interna e seu contexto.
O material de partida deve ser um guia, inicialmente. Depois que nasce o roteiro
adaptado, a obra original tende a ser descartada, pois toda a equipe passa a investir
esforços na realização da sua própria obra que, como vimos, ainda que seja adaptada,
é igualmente original. No processo de adaptação de uma obra para o formato
audiovisual deve-se produzir atualizações sobre aquele material, que podem abranger
desde a própria época na qual se desenrola a narrativa na obra de origem até a elipse
de cenas ou personagens que existiam, mas que por alguma razão não encontram
lugar no novo formato.
Então, procura-se criar na disciplina Oficina de Produção de Programas
Audiovisuais um ambiente onde o aluno encontra espaço para propor ideias,
caminhos, soluções; onde ele, a partir dos conhecimentos adquiridos na fase de pré-
produção, e ao longo do curso, tenha condições de criar algo que é novo e
totalmente originado de articulações próprias, dele e do grupo, mas que também
26 Resumo da ideia central a ser desenvolvida no roteiro; 27 Guia para o roteiro. Contém uma proposta de estrutura e ordenamento das cenas ou sequências.
32
se relaciona com a obra pré-existente, pedindo a esse aluno que disponha de
iniciativa, atitude crítica, autonomia e capacidade de associação criativa.
Esse ambiente de constante produção criativa gera no indivíduo uma tensão
psíquica, uma espécie de motivação, que é responsável por sugerir e impulsionar o
fazer, a ação. Esse estado de tensão é essencial ao criar, e, nos processos de criação, o
mais importante é a concentração no trabalho que se está desenvolvendo, a fim de
preservar essa tensão, mantendo elevado o dinamismo psíquico e intelectual do
indivíduo, favorecendo a realização criativa. Essa energia de criatividade se
retroalimenta à medida que vai sendo estimulada, de modo que esse estado de
tensão deve ser proposto e promovido em sala de aula, através de dinâmicas
criativas.
Esse clima de criação artística audiovisual corresponde a um elemento
importante do processo de ensino e aprendizagem, aplicado pela disciplina Oficina
de Produção de Programas Audiovisuais, do quarto semestre, que se propõe a
colaborar na formação de sujeitos criativos e críticos.
A arte visual, tendo a imagem como matéria-prima, torna possível a visualização de quem somos, onde estamos e como sentimos. A arte na educação como expressão pessoal e como cultura é um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento. Através das artes é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. (BARBOSA, 2012, p. 3)
Nesse contexto de mercado de produção de audiovisuais, que é reproduzido em
sala de aula, supõe-se, portanto, que, além do conteúdo curricular previsto no
programa da disciplina, o percurso da produção audiovisual potencializa os
processos criativos do aluno, funcionando como um ambiente de aprendizado em
si, intrínseco à formação acadêmica específica, já que, além da compreensão de
conteúdos específicos do audiovisual, se exige do aluno, também, o exercício e o
desenvolvimento da criatividade, da cooperação, da autonomia, da atitude crítica
e da compreensão das diversidades envolvidas naquela dinâmica; habilidades
33
essas que são centrais para a sua interação na cada dia mais complexa e volátil
sociedade contemporânea.
Esta proposta de ensino-aprendizagem aplicada em sala de aula encontra
aderência à proposta do Projeto Pedagógico Institucional da Unijorge. A instituição
compreende que o ensino-aprendizagem deve seguir a linha do construtivismo
pedagógico, promovendo aprendizagens significativas através da metodologia da
problematização.
Então, uma situação-problema é proposta ao aluno. No nosso caso, a realização
de curtas metragens adaptados. Este aluno, desafiado pela tarefa de resolver esse
problema, é levado a pesquisar, investigar, experimentar e construir o próprio
aprendizado, coletivamente, já que grande parte dos problemas são investigados e
solucionados por ele, em equipe. Como a solução de problemas requer uma postura
ativa e criativa, o aluno é colocado no lugar de sujeito das ações, onde o diálogo, a
iniciativa e a colaboração tem um papel fundamental. Ele é convocado a tomar
decisões, estar confiante quanto às suas ações, e no trabalho que desempenha,
amparado pelos conhecimentos prévios, vistos em sala, ou adquiridos em sua própria
experiência profissional ou na vida.
A sala de aula, que para esse projeto foi pensada também como o locus da
pesquisa, habitualmente funciona como um laboratório de aprendizagens
significativas. Essa aplicação de conceitos teóricos e técnicos à prática do ofício da
produção audiovisual representam desafios para o conhecimento, pois nem sempre a
teoria pode ser aplicada à prática sem que haja imprevistos ou acasos. Existem então,
a todo momento, ajustes e adequações que devem ser feitos muitas vezes até na hora
de gravar, exigindo que o indivíduo participante dessa atividade desenvolva sua
capacidade de improvisar, a fim de cumprir o que foi previamente estipulado nos
planejamentos de gravação ainda na fase da pré-produção.
A partir desse ponto, as equipes de alunos começam o processo de produção
fílmica, que se inicia na escolha das obras a serem adaptadas pelos grupos. A sala de
aula, a essa altura, transforma-se em um set de gravações – ou o set de gravações
transforma-se numa sala de aula - e tudo o que foi aprendido durante o curso deve ser
34
posto em prática nos moldes do mercado profissional de produção audiovisual. Nesse
caminho, desafios, surpresas, choques de relações e mudanças de percurso exigem do
aluno flexibilidade e criatividade, preparando-o para um mundo que muda de
aparência com mais velocidade a cada dia.
Nesse ambiente de aprendizagem, que reconfigura o modelo tradicional da sala
de aula, onde o aluno senta-se enfileirado em frente ao mestre, o aprendizado desloca-
se para a própria experiência, abrindo espaço para a imaginação, a criação e o diálogo
entre professor e alunos, num processo que o sociólogo francês contemporâneo
Michel Maffesoli chama de aprendizagem iniciática, na qual o trabalho em grupo e
a cooperação são a base. Para ele “(...) As instituições educacionais estão coladas a
uma ideia de verticalização: eu sei algo que você não sabe e eu estou passando
conhecimento para você. Na iniciação, há uma horizontalização (…)” (MAFFESOLI,
2014, p. 9).
Semelhante a essa proposta de Maffesoli para uma nova Educação é a natureza
da produção audiovisual. O trabalho em equipe é o que torna possível a realização de
uma obra. Cada profissional da equipe técnica de produção ocupa-se de determinado
departamento ou função numa engrenagem onde todos precisam se entender.
Fig. 2 – Alunos dirigem cena de Sala Sunyata
O diálogo permeia os afazeres e num movimento constante de troca de
informações o projeto é elaborado e criado. Um aprende com o outro. O
conhecimento de um auxilia o trabalho do outro e o professor desempenha um
35
papel importante no sentido de oferecer aos alunos pistas, caminhos,
demonstrações e incentivos no momento certo, e nas quantidades certas, num
processo que o psicólogo russo Lev Vygotsky chamou de aprendizagem assistida ou
participação orientada na sala de aula.
A ideia central da aprendizagem assistida é que após a fase inicial de
instruções e exposição de caminhos e possibilidades para a realização de uma
tarefa, os alunos possam trabalhar cada vez mais sozinhos, por conta própria, mas
com supervisão. Essa exposição, no caso do projeto das adaptações, se deu através da
própria experiência da produção coletiva de uma obra audiovisual, na qual a própria
vivência em si nesse ambiente de atuação proporcionou ao aluno oportunidades de
aplicação de sua imaginação criativa na elaboração da narrativa ficcional adaptada,
autonomia sobre o processo de produção de seu curta metragem, atitude crítica para
fazer escolhas durante o processo, espírito de equipe para ouvir e para ajudar o outro,
e compreensão das diversidades, já que precisou dialogar com outras individualidades
e realidades.
Nesse ambiente de aprendizagem colaborativa, onde todos os envolvidos
aprendem, e ensinam, e onde os indivíduos e grupos esforçam-se por uma
compreensão comum sobre o projeto, e esse processo compreende muita troca de
informações e de conhecimentos, tem lugar um conceito primordial sobre a
aprendizagem, segundo Vygotsky: a zona de desenvolvimento proximal, na qual
aluno, professor e conteúdo relacionam-se e interagem a fim de solucionar um
problema proposto. Para este teórico, a aprendizagem é um processo social e o
conhecimento, algo socialmente construído.
O documentário desta pesquisa exibe uma cena na qual o aluno Pedro explica
ao grupo porque aprovara o desempenho de um determinado ator, durante o teste de
elenco (32’45”28). Ele argumenta assim: “De início eu “tava” imaginando assim, um
cara um pouquinho mais velho, eu pelo menos “tava” imaginando isso, mas eu acho
que a segurança, a maturidade e a calma com que ele fala, eu acho que esses
28 Esta minutagem, sempre que aparecer neste relatório, estará referindo-se à localização temporal da informação, citada aqui textualmente, no documentário da pesquisa.
36
elementos eram o que a gente “tava” procurando pro pai dela (o personagem)... Pra
mim, foi excelente o teste, ele passou muito sentimento”, ao que Filipe, seu colega de
equipe, complementa com sua própria análise: “Quando ele falou: ‘Eu me sinto cego
junto com ela’, pra mim, tipo, acabou, não precisa mais responder nada”, no sentido
de que também havia considerado a interpretação do ator muito boa, adequada ao
perfil elaborado para o personagem pelo grupo, ao roteirizar a composição de Waly
Salomão. No roteiro criado pela equipe, o personagem para qual o ator estava sendo
testado é pai de uma adolescente cega.
Essa passagem reflete uma etapa do processo de produção de uma obra
audiovisual de ficção, na qual é necessário realizar testes de elenco, escolher os atores
que irão interpretar os personagens. Os personagens, idealizados pelos próprios
roteiristas das equipes, possuem um perfil, cada um deles, cuja inspiração é a
realidade, os tipos sociais, mas também a sua função dentro da narrativa.
Características físicas, sociais e psicológicas são atribuídas aos personagens e a
identificação desses elementos na interpretação do ator, no teste de elenco, é o que se
busca. É isso, basicamente, o que determina a escolha de um ator ou atriz.
Fig. 3: O aluno Pedro dirige teste de ator para seu curta Refúgio
O comportamento do aluno-diretor durante o teste de elenco será de, mais do
que avaliar o talento do ator, de encontrar semelhanças, associações entre o
personagem criado pelo próprio grupo e o ator que irá vivê-lo. O aluno precisa estar
seguro em relação a isso. A sua direção foi orientada a partir desse dado. Então ele
estava à frente de um processo que começou com a criação da personagem, a
37
determinação de seu perfil, em seguida a sua contextualização às situações do roteiro,
a criação de falas e ações verossímeis29. Agora ele se via diante de um material
humano e precisava dirigí-lo.
Quanto mais ciente do personagem estiver o aluno-diretor, melhor será o
resultado do teste, tanto para o diretor quanto para o ator, que receberá informações
mais concretas, mais “munição” para sua performance. Todo esse trabalho foi
realizado pelo próprio grupo que, com a minha orientação, foi submetido a uma
tarefa (testar os atores), e lhe foi conferida uma autonomia quase total para suas
tomadas de decisões. Entretanto, certo de que só é possível ensinar a dirigir atores
dirigindo, em determinados momentos do teste de elenco, foi necessário intervir, no
sentido de “mostrar” aos alunos determinadas estratégias de direção, a fim de que eles
pudessem extrair os resultados esperados dos atores.
Nesse caso, não apenas o aluno-diretor aprendeu e reconheceu no ator algo do
qual ele precisava e ainda não sabia o que seria, como também aprendeu com o
colega, que reforçou a percepção de adequação do ator ao papel. Ainda que não
explícito, esse é um bom exemplo de aprendizagem em vídeo e em Arte, e a Zona de
Desenvolvimento Proximal é um conceito útil para clarear, para os de fora da área, o
que está acontecendo em termos de processos de aprendizagem. Pois, enquanto que
numa sala de aula nem todos os aprendizados se dão assim, num processo artístico e
coletivo, a imensa maioria de aprendizagens é construída num ambiente de rede de
troca de saberes rápidos, complexos e articulados, e por isso nem sempre
conscientizados racionalmente.
O diálogo e a troca de conhecimentos, preferencialmente com alguém que
conheça mais sobre o assunto em questão, seria a forma pela qual o aprendizado se
daria, de fato, já que o aluno, exposto a outras subjetividades, novos conceitos ou
diferentes realidades, seria levado a alcançar instâncias maiores em seu
desenvolvimento, processo esse que seria sempre específico e único para cada um.
Para Vygotsky, “(...) a interação social era mais do que um método de ensino, era a 29 Verossimilhança é a lógica interna à situação exibida, que cria no espectador a sensacão de que tal situacão é possível ou verdadeira. Tem a ver com a credibilidade e a impressão de realidade intrínseca ao cinema.
38
origem dos processos mentais superiores, tais como a solução de problemas (...)”
(WOOLFOLK, 2000, p.54). Esse terreno, fertil à apreensão de novos conhecimentos,
e no qual o auxílio de outro indivíduo mais capacitado na resolução de problemas é
permitido e incentivado, não só encontra total ressonância no ambiente da produção
audiovisual, como é o mecanismo primeiro para que um projeto flua. Quer dizer,
assume um caráter indispensável na realização de qualquer obra audiovisual.
A própria formatação do projeto, começando pela definição de equipes pelos
alunos, seguiu a lógica na qual os membros são escolhidos a partir de suas habilidades
em determinada função específica da produção. Áudio, figurino ou edição são
departamentos distintos, mas todos dialogam e trabalham a fim de originar uma obra
que pode se considerar una e coletiva - por tratar-se de um processo de realização
único e original, mas fruto do trabalho de uma equipe, de um trabalho que sem o
esforço, comprometimento e a colaboração do outro, com seu conhecimento
específico, não poderia acontecer.
Ilustrando essa afirmação, no documentário Não É O Olho Que Vê, aos 11’
assiste-se a equipe do curta Refúgio preparando o set para gravar. Cada integrante da
equipe ocupa-se de uma tarefa, preferencialmente a que melhor desempenha; então
Filipe faz a distribuição dos objetos de cena pelo cenário (boate Zen Dining & Music),
Álvaro posiciona os refletores e coloca os filtros, enquanto Lemuel e Antônio Moisés
ensaiam com os atores e determinam a decupagem (os planos e movimentos de
câmera).
Fig. 4: A equipe de produção do curta Refúgio em ação
39
Diferentes capacidades reuniram-se em benefício do projeto. Técnicos,
atores, diretores e produtores interagiram no desenrolar do trabalho, trocando
ideias e utilizando, tanto o próprio processo de construção do filme quanto a
obra em si, ou sua expectativa de resultado, como mediadores. Aos 34’15”, o
documentário mostra que enquanto Milton gravava uma cena com um ator ao
telefone, o preparador de elenco Heitor Guerra, no camarim, ensaiava com o ator e
artista de rua Emerson Bulcão uma cena do curta Salomão Sem Roteiros, que seria
gravada logo em seguida. Fábio operava o gravador externo. Enquanto isso, a
produtora Vanessa ligava para o delivery e pedia o almoço para a equipe. São as
necessidades do projeto impondo trocas e interações. De visões de mundo, de
conhecimentos, de individualidades.
O conceito de mediação também ocupa um lugar de destaque no pensamento de
Vygotsky sobre o processo da aprendizagem. Ele coloca que as ferramentas culturais,
sejam elas materiais ou simbólicas, seriam responsáveis pelo desenvolvimento do
individuo no caminho da aprendizagem, e afetariam a mente dos que a manuseiam ou
operam e, consequentemente, o próprio contexto em volta. O material em fase de
produção atua como mediador na aprendizagem na medida em que a todo instante vai
transformando-se, exigindo alterações e ajustes.
Num processo dialógico entre o realizador e a obra, o convívio com a
tecnologia, sempre em constante transformação e aperfeiçoamento, e com a arte,
explorando a subjetividade e exercitando o senso critico e estético do aluno,
propicia a este aluno um constante desenvolvimento, pois a cada novo projeto ou
cada diária de trabalho uma nova tecnologia se coloca ou um novo pensamento
ou sentimento surge, fazendo do ambiente da produção audiovisual uma
verdadeira zona de desenvolvimento proximal para os alunos.
Um set de filmagem, aos olhos de quem não pertence ao meio audiovisual,
pode parecer caótico, com muitas pessoas se movimentando de um lado para o
outro, muitas vezes aos gritos, em meio a equipamentos, cenários e objetos de
cena. Para outros, parece uma atividade “divertida” e glamorosa, atraindo assim
40
o interesse das pessoas sempre que passam na rua e uma filmagem está
acontecendo. Seja pela presença de artistas famosos ou pela novidade da atração, é
impossível não ser contagiado por esse acontecimento que é uma filmagem,
principalmente se estiver ocorrendo em um espaço público.
Seja o que for, um set de filmagem deve ser, acima e apesar de tudo,
organizado. As vinte, trinta ou quarenta pessoas que integram uma equipe
técnica de produção estão ali cientes do seu trabalho e, apesar do clima
colaborativo da filmagem, cada profissional tem uma função específica e deve
responder por ela durante o período de produção. O operador de áudio
responsabiliza-se pela qualidade da captação sonora, o diretor de arte desenha os
cenários e o figurinista “produz” as roupas que serão usadas pelo elenco, sempre a
partir do que foi definido em reuniões de produção e a partir dos perfis das
personagens. O caos é só aparente. Com todos afinados, o trabalho acontece com
menos contratempos ou atrasos.
Nas equipes, cada um tem uma função específica. Quando todos sabem quem faz o quê, não se pede o que não se deve a quem não tem nada a ver com isso. Da mesma maneira, quando se sabe quem é responsável pelo quê, e quem vai responder por tal ou qual decisão, é possível dar e receber ordens. (MOURA, 1999, p.208)
Direção de Fotografia e Direção de Arte a meu ver, são áreas em que diversas
competências criativas são experimentadas, e são áreas responsáveis pela construção
estética e pelo “clima” do filme. Um pinta com a luz, o outro com a cor. Faz-se
necessário lembrar que essa criação, normalmente, origina-se a partir da concepção da
obra pelo Diretor Geral, que a interpreta a partir da leitura do roteiro, do argumento
ou de uma reunião com o roteirista.
O diretor de fotografia Pedro Farkas, em depoimento para o documentário
Iluminados, de Cristina Leal, sobre o processo criativo de renomados fotógrafos
cinematográficos brasileiros, fala sobre o sentimento que mais o aproximou do
cinema: “A coisa que mais me atraiu no cinema é a coisa da equipe, da democracia.
41
Eu achei incrível que no cinema todo mundo participa igualmente, não tem
hierarquia. Depois se descobre que existe uma coisa super hierarquizada, mas existe
uma coisa que é uma roda, é uma equipe. Todo mundo dá palpite, os palpites são
válidos e todo mundo tem um peso igual. Isso é uma coisa que eu sempre achei o
máximo no cinema. Eu acho que a coisa mais linda do cinema é isso”.
O diretor é o grande líder dessa equipe, que deverá produzir a partir de suas
determinações. Reuniões de produção devem ser frequentes no processo, para que o
diretor brife sua equipe e possa realizar um bom material audiovisual. O departamento
de Produção não somente é responsável por promover essas reuniões como também
outras ações, como a elaboração de cronogramas, decupagens diversas de produção;
deve ocupar-se da tática e da logística da produção, esforçar-se ao máximo para
viabilizar o projeto concebido pela Direção, contratar equipe, alugar equipamentos,
entre outras iniciativas.
A seguir, apresento algumas reflexões sobre o processo de construção do
documentário Não É O Olho Que Vê, seus objetivos, sua estrutura e realização, desde
a concepção até sua finalização.
42
2.2.1 – NÃO É O OLHO QUE VÊ: um filme sobre filmes
Em seu livro A Imagem, Jaques Aumont discorre sobre os processos orgânicos,
físicos e psicológicos que são acionados na formação da imagem pelo olho humano, e
compara o ato de ver ao princípio da câmara escura, na qual um feixe de luz projeta-
se sobre uma superfície formando imagens, em um processo parecido com o da retina.
O olho então funcionaria de maneira semelhante ao mecanismo de uma câmera
fotográfica, no processamento da luz através de sua função ótica, registrando,
objetivamente, a realidade.
O teórico esclarece, porém, que além de transformações no nível ótico, ocorrem
no olho também alterações de ordem química e nervosa, particularizando o processo
da visão humana. A partir disso, Aumont passa da esfera visual e visível, para
considerar os estratagemas do imaginário. Como para ele não pode haver imagem sem
que haja uma percepção dessa imagem, atribui grande relevância à recepção, à forma
como o espectador interpreta essa imagem, conferindo-lhe um significado particular,
compreendendo-a, inventando-a.
Ao mesmo tempo em que a imagem carrega em si um sentido cultural dado
pelo espectador, também traz consigo uma intencionalidade primordial, a do seu
criador. Essa ambiguidade contida na imagem favorece a percepção visual subjetiva,
e o diálogo entre obra de arte e espectador - um processo de construção e
desconstrução - afeta ambos, modificando-os. A leitura é sempre subjetiva e cheia de
associações particulares, pois não é o olho que vê, e sim o homem em sua totalidade,
com seus códigos culturais e íntimos, sua moral, seu senso estético, sua origem social,
sua orientação sexual, sua raça, suas ambições, sua visão de mundo. E isso vale tanto
para o espectador, quanto para o realizador (ao determinar os caminhos de sua
criação), que nesse projeto foram os alunos-sujeitos desta experiência artística.
O documentário Não É O Olho Que Vê debruça-se sobre um processo de
realização audiovisual com finalidade acadêmica, e portanto submetido a critérios
mais ou menos rígidos, onde um determinado número de elementos e conceitos
precisam ser observados durante o processo de produção dos curtas metragens
43
(questões técnicas e práticas), pois as equipes serão cobradas posteriormente, na
avaliação dos trabalhos. Questões como: o respeito ao tema e à essência da obra
original, o formato ficcional, a duração dos curtas metragens, o cumprimento do que
estava planejado no cronograma de gravação, no planejamento de gravação e na
ordem do dia, a realização em si, entre outras imposições naturais do processo
acadêmico e do próprio processo de uma produção audiovisual.
Existem regras pré-estabelecidas e formatações que devem ser seguidas no
processo de um produção fílmica ou audiovisual. Há um aspecto na produção de
audiovisuais que precisa se relacionar com questões práticas e burocráticas, onde a
criatividade se manifesta de outras maneiras, a exemplo de um Produtor Executivo
que precisa gerenciar o orçamento do filme, garantindo ao Diretor o máximo de
liberdade para pensar artisticamente. É preciso ser criativo nisso também.
Mas, ainda que se trate de uma atividade onde a gestão, a organização e o
planejamento são cruciais, não deixa de representar também, e sobretudo, uma
experiência coletiva de criação artística e de construção de conhecimento, na qual o
indivíduo participante precisa elaborar suas próprias ideias, e a partir dessas ideias,
partir para a realização da obra. No entanto, para isso é necessário interagir, dialogar,
trocar com o outro, e sua própria visão de mundo, seu olhar sobre a realidade estará
em cada frame30 da obra.
O documentário Não É O Olho Que Vê nasceu com o propósito de trazer para o
para o centro das atenções a perspectiva do aluno, através de seu discurso em sala de
aula, ao explicar suas decisões técnicas ou criativas; mas também no discurso do
aluno contido na obra: o que ele carrega de sua própria experiência de vida para o
contexto acadêmico e como ele reelabora as informações e conhecimentos adquiridos
durante o processo (de pesquisas e de construção das narrativas) traduzindo-os em
conteúdo audiovisual ficcional: os curtas metragens adaptados de letras e poesias de
Waly Salomão. A partir disso, passou a interessar ao filme, especialmente, como
essa experiência coletiva de produção de curtas metragens ficcionais poderia
30 Frame é cada imagem ou quadro fixo de uma imagem audiovisual. Os produtos audiovisuais costumam utilizar, hoje em dia, o padrão de 30 FPS (frames por segundo).
44
extrair e desenvolver nesse aluno competências essenciais para sua formação
enquanto indivíduo, a partir de sua posição de protagonismo no projeto.
Por isso, em sua estrutura, o filme documental Não É O Olho Que Vê estabelece
um diálogo entre a realização dos curtas acadêmicos, revelando o processo criativo
dos alunos, e o seu próprio processo de construção, apresentado no filme através das
reuniões de produção com o Coletivo D.O.C. e também através da produção de
imagens por este coletivo durante todas as fases do projeto acadêmico.
Como dito anteriormente neste relatório, para a produção das imagens do
documentário fruto dessa pesquisa foi criado um coletivo de produção audiovisual – o
Coletivo D.O.C. - formado por alunos do mesmo curso, porém do segundo semestre,
que estavam cursando a disciplina Operação de Câmera, e poderiam pôr em prática os
conteúdos vistos em sala. Eu ministrava disciplinas nessa turma, na ocasião, e
convoquei, em sala de aula mesmo, os interessados em participar dessa empreitada,
apresentei o projeto e formamos um grupo flutuante com os interessados, onde não
havia uma equipe fixa, e sim um grupo de alunos maior do que a necessidade de
cinegrafistas por diária. Essa medida foi tomada pois as gravações com o quarto
semestre (os sujeitos da pesquisa) ocorreriam em grande parte à noite, no mesmo
horário em que os alunos do segundo semestre (Coletivo D.O.C.) estariam assistindo
aula. Para que esses alunos não ficassem prejudicados pelas ausências em sala em
função das gravações, procurou-se formar uma equipe rotativa, para que houvesse
uma alternância entre os membros na captação de imagens.
Esses alunos, integrantes do Coletivo D.O.C., classificados nessa pesquisa como
produtores de imagens e assistentes de produção, tornaram-se também sujeitos
dessa pesquisa, na medida em que também estavam vivenciando um processo de
construção de conhecimento semelhante ao processo dos alunos do quarto
semestre, porém relacionado ao documentário que estava sendo produzido por mim.
Realço isso aqui para dar conta, metodologicamente, dos diversos sujeitos que são
também influenciadores da ação da pesquisa, mas que têm atribuições e gradações
diferentes. E também pelo documentário ser algo que permite que o próprio
“observador participante” – e nesse processo temos isso o tempo todo, de
45
diversas formas e graus – se observe e mude também em função do que viu de si
mesmo. O que é uma situação diferente e mais complexa do que a de um pesquisador
isolado que observa e tira conclusões sozinho, sem ser influenciado pelos outros que o
cercam, a não ser em certa medida.
Antes do início do semestre letivo teve início uma sequência de reuniões de pré-
produção com o Coletivo D.O.C. para discutir questões relacionadas à produção e
realização do documentário da pesquisa. Eram reuniões que ocorriam semanalmente,
às sextas-feiras pela tarde, em encontros que duravam, em média, quatro horas, a fim
de pesquisar referências audiovisuais e elaborar estratégias de produção e de captação
de imagens para o projeto, como por exemplo, definir se assumiríamos a sala de aula,
fria e azulejada, como um set de gravação, ou se pesquisaríamos outros espaços
dentro da Unijorge para gravarmos as aulas.
Fig.5: Coletivo D.O.C. em reunião de pré-produção
Formas de utilizar a câmera foram testadas, a partir do que interessava ao filme,
que era captar o processo do próprio aluno submetido ao “clima” de uma
produção audiovisual, sua reação ao problemas de produção, e seu raciocínio a fim
de solucioná-los. Certamente, a câmera estaria perto, sempre próxima do que estava
acontecendo, atenta ao aluno em processo.
Questões importantes foram levantadas nessas reuniões, e são exibidas no
documentário, como a presença constante das câmeras interferindo na naturalidade
dos acontecimentos, a ausência de um roteiro que determinasse um plano de
46
gravações para orientar os operadores de câmera do Coletivo; a falta de refletores
disponíveis para o projeto, o que iria interferir no resultado da imagem do
documentário, e consequentemente na sua proposta visual. Através dessas discussões
de pré-produção, os alunos integrantes do Coletivo D.O.C. tiveram oportunidade de se
relacionarem, na prática, com temas caros ao produtor audiovisual como Fotografia,
Roteiro, Direção e Plano de Gravação, pois estavam pensando o processo em curso,
criando imagens mentais, formatando, realizando.
Para dar conta da realização do documentário, buscou-se, a título de referência,
uma filmografia que correspondesse, cada filme à sua maneira, às ideias formais que
se planejava incorporar à obra. Entretanto, o filme é original, com escolhas prévias
sendo feitas mesmo antes de iniciar o semestre e os processos de produção.
No início da fase de conceituação, ou seja, na ocasião da elaboração da proposta
estética para o documentário, alguns filmes surgiram como inspiração, intuitivamente,
antes mesmo da fase de pesquisa de referências. Por referir-se a um processo de
formação que se dá através da Arte, e em um contexto diferente da sala de aula, o
documentário Nascidos em Bordéis foi o primeiro filme a ser cogitado enquanto
referência.
Além de ser um documentário com um tema enriquecedor, realista e poético ao
mesmo tempo, nele a câmera está “solta”, isso é, às vezes na mão do cinegrafista, às
vezes operada com um steadycam - equipamento que permite a realização de imagens
com a mesma fluidez de uma câmera na mão, porém mais estabilizadas - no intuito,
talvez, de representar a liberdade que aquelas crianças, protagonistas das ações nesse
filme, exerciam ao fotografar.
Os planos fechados31 imprimem no filme um sentimento de intimidade e de
cumplicidade com as personagens e suas histórias, que me interessava resgatar e
trazer para o documentário. Organicamente, a câmera ia registrando de perto o
processo de formação daqueles indivíduos. A ação pela transformação.
Já o filme Entre os Muros da Escola foi uma referência vista durante essa etapa
inicial do processo, onde foi possível estudar, inicialmente nesse filme e
31 Os planos fechados destacam a face do personagem, seu olhar, valorizam sua emoção;
47
posteriormente em outros, a decupagem utilizada na realização das cenas que se
passam em salas de aula. Como os alunos são “enquadrados32” ? Uma situação que,
àquela altura, esperava-se encontrar com muita frequência no documentário em
produção: enquadrar o aluno em sala de aula, interagindo, criando e produzindo,
durante o processo de realização dos curtas adaptados.
Procurou-se, na composição dos planos, não explorar a profundidade de
campo ao enquadrar os alunos expressando-se de alguma forma, principalmente
em sala de aula. Isso porque, até então, as aulas com essa turma ocorreriam em uma
diminuta sala de aula azulejada do curso, sem iluminação suficiente, e a principal
razão para essa escolha estética era “apagarmos” os azulejos da sala, nada
cinematográficos, retirando nitidez do plano de fundo, a fim de esconder informações
indesejáveis que porventura “vazassem” no quadro.
Retirando o foco do plano de fundo da imagem e trazendo a nitidez para o
tema central, ou seja, o aluno em primeiro plano, o destaque seria dado à sua
face, ao seu olho, ao seu discurso. Jullier e Marie (2009, p.31) dizem que “A
profundidade de campo permite, às vezes, operar seleções na imagem que dirigem a
atenção do espectador: seu olhar pousará sempre primeiro, por uma questão de
reflexo, na zona clara33”.
Não contaríamos, nesse processo, com locações ideais, nem com iluminação
apropriada, nem com as melhores condições para as captações sonoras. Diante disso,
era preciso elaborar estratégias que driblassem essas dificuldades, que, na verdade,
eram as condições que teríamos para realizar o documentário. Ainda assim era
decisivo encarar os cenários reais - sala de aula, estúdio de tevê, ilha de edição,
agência de comunicação Galáxia - como sets de gravação, e por isso deveriam
obedecer a alguns requisitos.
32 Enquadrar significa estabelecer uma moldura para a imagem vista pela câmera. A porção do cenário que figura na tela. 33 Os autores referem-se à zona clara como o espaço de foco, ou seja, a escolha da zona de nitidez ao longo do eixo da objetiva.
48
Diante da minha recusa em utilizar a sala de aula inicialmente oferecida pelo
curso de Produção Audiovisual, outra sala de aula, a 4023, foi sondada e solicitada ao
curso de Design. A partir daí, as aulas-gravações ocorreriam na sala 4023 por haver
neste local alguns objetos de cena (os trabalhos dos alunos de Design), plotagens
coloridas em alguns azulejos, havia também armários com grafismos adesivados e as
mesas e cadeiras organizavam-se como colmeias, onde em cada “colmeia” poderia
instalar-se uma equipe de alunos, ou uma equipe de produção, maneira pela qual os
grupos são tratados no projeto de conclusão de curso. Com uma sala de grandes
dimensões, a câmera poderia movimentar-se ou instalar-se em diversas posições.
Tínhamos um set de gravação pronto. Isso era o que acreditávamos, até então.
Um outro aspecto que chamou a atenção no filme Entre Os Muros da Escola foi
o tema da diversidade cultural. Alunos de outras origens étnicas encontram
dificuldades em estabelecer relações interpessoais e acompanhar a didática proposta
por uma escola pública parisiense. Conflitos são mostrados entre alunos e também
entre alunos e professor, que precisa adequar sua didática a fim de contemplar a
coletividade. A compreensão e o estímulo às diversidades é um eixo que foi
trabalhado neste projeto.
Nesta pesquisa de referências feita por este pesquisador, que contou com outros
filmes além do filme Entre os Muros da Escola, observava-se o tipo de
enquadramento utilizado nos planos feitos com os alunos, o número de câmeras e suas
posições no set, se estavam fixas em tripés ou “flutuantes”, sempre buscando pistas
sobre como captar o discurso do aluno e fazer o espectador acompanhar, e participar,
de seu desenvolvimento nesse ambiente, ser cúmplice dele.
Nesta referência, por exemplo, mesmo em grupos de três alunos, os planos de
câmera são fechados em sua maioria. Essa era a ideia a ser trazida para o
documentário, um destaque para o que o aluno estava experimentando, como reagiam
e como se comportavam frente aos problemas de produção. De fato, no documentário
da pesquisa, priorizou-se a realização de planos mais fechados, atentos aos estímulos
de cada situação vivenciada, e isso se traduz na face, nas ações e proposições verbais.
49
Não interessava mostrar resultados, e sim a transformação do aluno durante o
processo. Isso foi o que filmamos, prioritariamente. Entretanto, no decorrer do
processo de captação de imagens, em muitas ocasiões, tudo o que havia sido
planejado tecnicamente, teve que ser deixado de lado, em prol da instantaneidade dos
acontecimentos. Nem sempre havia tempo ou as condições ideais para captar uma fala
ou ação do aluno que, de tão significativa para o documentário, precisou ser captada
antes mesmo que se pudesse estudar a posição da câmera ou a instalação do gravador
externo. Perdemos tecnicamente, isso é um fato, mas registramos o instante.
A distribuição das informações no quadro deve ser sempre significativa e não
aleatória. Isso quer dizer que informações que não digam respeito à narrativa são
indesejáveis, pois desviam a atenção do espectador. O público precisa capturar a ideia
que o diretor pretende comunicar, ser capaz de entender o significado pretendido da
composição, mesmo que para cada um haja, em certa medida um significado
particular. Os elementos no quadro devem possuir “(...) uma conexão significativa
com a história e os planos de câmera devem ser compostos para enfatizarem os
detalhes importantes da trama, tema, motivos e ideias centrais (...)” (MERCADO,
2011, p. 2). Esta é uma convenção que evoluiu ao longo de milhares de anos da
narrativa visual, desde os homens das cavernas, que não incorporavam informações
irrelevantes em suas pinturas rupestres.
Tudo e qualquer coisa que é incluído na composição de um plano será interpretado por um público como estando lá para alcançar um propósito específico, com o qual está diretamente relacionado e é necessário ao entendimento da história que o público está assistindo. (MERCADO, 2011, p. 2).
Não somente isso, mas o tamanho, o posicionamento do assunto enquadrado e
sua visibilidade afetam o entendimento do público sobre a importância daquele
elemento no plano fílmico, como um objeto de cena qualquer em primeiro plano, que,
provavelmente, possui uma importância na história para estar ali; ou a presença
durante todo o filme, no quadro, de uma determinada cor que remeta ao tema ou
conceito da obra, e tenha um significado, consciente ou não.
50
Uma composição de plano34 significativa reflete a compreensão da situação
pelo diretor, que ao relacionar os aspectos técnicos da produção audiovisual, a função
narrativa de cada plano de câmera e as regras da composição da imagem, pode
alcançar seus objetivos fílmicos, que não deixam de exprimir, inclusive, sua
perspectiva, seus valores, sua própria visão de mundo.
Uma outra influência importante nesse processo de pesquisa de referências foi o
filme História(s) do Cinema(s), do cineasta Jean-Luc Godard. A experimentação, um
traço de sua linguagem, e presente em grande parte de sua filmografia, revela um
constante exercício de reinvenção e este filme sintetiza seu estilo de realização. A
disponibilidade para experimentar é, por si só, uma atitude educativa, no sentido de
estar sempre receptivo ao outro e suas novas realidades e possibilidades.
O Coletivo D.O.C. reuniu-se em 29 de agosto para assistir ao filme de Godard
que, talvez, expresse mais intensamente a característica transgressora desse diretor.
Nesse registro fílmico auto-reflexivo surgem imagens de arquivo, citações
aparentemente desconexas ou letreiros contrariando a norma e levando o espectador a
pensar e colaborar na construção da mensagem fílmica, retirando-o de uma postura
passiva diante da obra.
O documentário Não É O Olho Que Vê - sobre o processo de produção
audiovisual acadêmica – produzido, dirigido e editado por mim, com o auxílio do
Coletivo D.O.C. nas fases de pré-produção e de captação de imagens, esteve receptivo
a todos esses elementos. O registro apresenta imagens de arquivo do poeta Waly
Salomão, legendas com a localização temporal ou espacial de determinadas
sequências, não-linearidade e outros recursos. A narrativa não é apresentada com
rigor cronológico, mas é estruturada e apresentada de forma que todo o processo fique
claro para o espectador, desde a elaboração dos roteiros adaptados até a sessão de
exibição dos filmes na Sala Walter da Silveira.
Nesse registro documental, certas convenções estilísticas misturam-se em um
material que conta com a minha participação, tão sujeito dessa pesquisa quanto os 34 Ou composição da imagem, é a arrumação dos elementos do plano seguindo princípios como proporção da tela, os eixos do quadro, a regra dos terços, ângulos de câmera, profundidade de campo, pontos focais, distância focal e campo de visão.
51
alunos, e, como eles também, sendo sujeitado pela própria subjetividade; absorvendo
uma característica do documentário participativo, no qual a presença do cineasta é
assumida e ele está ali para provocar e direcionar os acontecimentos. Não é como no
documentário observativo, em que ele se coloca apenas a observar, sem interferir,
como se isso fosse possível.
O documentário participativo tomou forma com a percepção de que os cineastas não precisavam disfarçar a relação íntima que tinham com seus temas, contando histórias ou observando acontecimentos que pareciam ocorrer como se eles não estivessem presentes. (NICHOLS, 2005, p. 137).
Este documentário da pesquisa abdica de recursos como a narração over35 e
utiliza-se de imagens de arquivo, legendas, inserts36 tomando como inspiração o
universo multirreferencial de Waly Salomão, o poeta adaptado pelos alunos nesse
processo, criando mais um elo entre o documentário e o contexto temático trabalhado
pelos alunos em seus curtas metragens, construindo com isso também um “estado de
espirito”.
Fragmentos de poemas de Waly são recitados pelo ator Herbert Leão e entram
na narrativa sem aviso prévio, gerando contrastes e impactando no ritmo do filme. O
texto A cabeça, gosto que avoe abre o documentário com a frase “Experimentar o
experimental” marcando, desde o início, o clima no qual foi desenvolvido projeto: a
experiência. Aos 13’37” o ator entra em cena novamente para dizer um trecho do
poema B.O. – Boletim de Ocorrência, que prepara o espectador para a introdução de
um novo personagem no documentário, um ladrão. Remix Século XX entra aos 16’57”
logo após uma cena com Cláudia Salomão sobre a personalidade agitada de Waly; e
finalmente, aos 24´ Herbert Leão diz um trecho do poema Exterior.
Trechos dos curtas realizados pelos alunos - mais visuais, musicais e poéticos -
foram inseridos na narrativa documental, sem nenhuma interferência posterior (sem
edição ou retoques de pós-produção), para ilustrar o processo de construção artística e
35 Termo técnico que se refere à fala de um personagem ou narrador que não está em cena; 36 Inserção de imagem, em geral rapidamente, a fim de realçar ou detalhar alguma informação importante.
52
criativa do aluno, e promover instantes de contemplação e reflexão no espectador
após extensos períodos discursivos, atenuando essa característica estrutural do
documentário da pesquisa.
Ao extrair sequências inteiras dos filmes acadêmicos (os curtas realizados pelos
alunos) e inserí-las em uma outra narrativa (o documentário Não É O Olho Que Vê),
em outro contexto, com um propósito diferente, este pesquisador acaba por
ressignificar essas passagens. Tanto em relação aos curtas acadêmicos, quanto em
relação às imagens de arquivo de Waly Salomão utilizadas no documentário, há uma
apropriação desse material, no sentido de reconfigurá-lo, de atribuir-lhe um novo
sentido. Esse material, remontado, adquire características narrativas outras, diferentes
daquelas que possuía originalmente. A justaposição dessas imagens no documentário
e a sua relação com as outras imagens colabora para que ganhem outros contornos e
interpretações, outros significados, num processo que Jean-Claude Bernadet chamou
de operação de linguagem, onde a significação básica é conservada, porém ampliada,
no novo contexto.
(…) um plano é extraído de seu contexto - o filme original é desmontado para ser inserido numa nova montagem. Nessa transposição, ele perde sua significação original, ou parte dela, e adquire outra que lhe é atribuída pelo novo contexto imagético e sonoro. (BERNADET, 2000, p. 264)
Por exemplo: no documentário Não É O Olho Que Vê há uma cena, aos 18’38”,
onde os alunos expõem suas decisões criativas durante a aula, especialmente em
relação à composição da trilha sonora do curta Salomão Sem Roteiros, criada pelo
aluno Fábio Bastos. A equipe, que na ocasião ainda encontrava-se na fase de
concepção criativa, explica que o caminho da composição seguiria o conceito de
regionalidade, através do uso da rabeca37, pretendendo assim uma aproximação da
trilha musical do filme com a região de origem de Waly Salomão, o oriente médio.
Na cena do curta Salomão Sem Roteiros a câmera na mão faz o movimento de
travelling circular acelerado, sugerindo agitação e nervosismo ao mostrar o 37 Instrumento musical de cordas friccionadas. Mais rústico e primitivo que o violino, sua origem é árabe e teria chegado ao Brasil a partir da península ibérica, desde os primórdios da colonização portuguesa.
53
personagem Salomão caminhando pelas ruas desorientado e confuso, depois de
perceber que caíra num golpe. Sobre essas imagens, a trilha composta por Fábio ajuda
a construir este estado psicológico do personagem Salomão. Esse é o contexto de
apresentação da trilha, originalmente.
Fig.6: Cena de Salomão Sem Roteiros
Já no documentário Não É O Olho Que Vê, esse trecho do curta Salomão Sem
Roteiros é reconfigurado, pois é inserido logo após a cena na qual a equipe
realizadora deste curta explica, em aula, como imagina compor a trilha e qual o
conceito criativo da mesma, como dito anteriormente. Nesse caso, o trecho do curta é
introduzido no documentário a fim de ilustrar o que foi abordado na cena anterior - a
aula sobre a composição da trilha - produzindo, dessa forma, um novo sentido, mais
amplo, já que a interpretação de tal passagem pelo espectador engloba outras
informações, que foram adicionadas em cena imediatamente anterior, apresentando
outra perspectiva para a mesma cena.
Em outra passagem, Waly, em imagem de arquivo, declara que “O futuro
começa por a gente se sentir em casa no mundo eletrônico”. O documentário Não É
O Olho Que Vê apropria-se desse documento histórico, originalmente um trecho de
uma entrevista para a Folha de S. Paulo na década de 1990, e o incorpora na estrutura
narrativa do documentário da pesquisa, criando um novo significado para a
declaração do poeta.
54
Tal agenciamento de imagens aconteceu porque Cláudia Salomão, produtora
cultural e sobrinha de Waly, relatou, em bate-papo com os alunos registrado pelas
câmeras do Coletivo D.O.C. durante a fase de pré-produção dos curtas, que Waly
possuía muita afinidade com os meios audiovisuais de sua época (e que ele se refere
na entrevista como “mundo eletrônico”). A sobrinha de Waly diz: “Ele era muito
midiático, assim, performático ... se ele visse uma câmera, começava a falar, falar,
falar... ”. Nesse contexto, a imagem televisiva e datada do poeta, remontada, torna-se
novamente atual e adquire novo status e nova função, dentro da narrativa do
documentário.
Fig.7: Waly Salomão
O roteirista e escritor Jean-Claude Bernadet, para quem o material original é a
matéria-prima no processo de ressignificação e a montagem se dá no nível do plano,
ou de parte dele, coloca que:
Esse tipo de montagem tem uma vertente destrutiva e outra construtiva. A destruição consiste em extirpar uma imagem da montagem original e despojá-la da significação que lhe atribuía o contexto imagético, sonoro e verbal em que estava inserida. É construtiva a sua colaboração à composição do novo filme. (BERNADET, 1999, p.2)
Nesse sentido, o documentário Não É O Olho Que Vê apresenta também
uma nova interpretação das produções acadêmicas, apresentando tais trechos
imagéticos, reconfigurados, enquanto componentes de um outro discurso, o
55
discurso do seu diretor (eu), a serviço da elaboração de uma nova narrativa, a
narrativa documental, focalizada no processo criativo do aluno e seu
desenvolvimento nesta jornada audiovisual acadêmica.
Como não se trata de um engajamento apenas com o registro e com o
desvelamento do processo de uma realização audiovisual, mas também com o
processo de construção de conhecimento do aluno através dessa experiência,
escolhi trazer as câmeras para perto destes. Capturar situações que
exteriorizassem a opinião e iniciativa do aluno ao tomar decisões de produção,
criativas ou lógicas e racionais era tão ou mais importante do que o próprio
processo em si, que representou um motivo, o contexto onde essas aprendizagens
foram construídas.
No registro documental construído para os fins desta pesquisa, o filme Não
É O Olho Que Vê, planos próximos valorizam a palavra do aluno porque
importante ali é o discurso do sujeito. Em outras passagens, a câmera, fluida,
passeia pelos ambientes, livre, à procura dos atores sociais, do que eles têm para
dizer e fazer. Por meio de uma observação (quase) espontânea – na escolha imediata
dos operadores das câmeras sobre o que enquadrar, a partir de determinado tipo de
situação ou evento - busquei nesse documentário uma representação honesta do
processo criativo do aluno, a partir da perspectiva investigativa, mas também estética
e minimalista – na utilização de planos fechados38, na sincronização entre som e
imagem, na ausência de narração over e na recusa a uma proposta de montagem39
muito elaborada - numa tentativa de documentar, e compartilhar com o espectador,
com a isenção possível, como se deram os processos criativos e de construção de
conhecimento nesse percurso da produção audiovisual acadêmica.
38 Os planos fechados são planos dramáticos e valorizam a emoção e a expressão facial do personagem; 39 Processo de pós-produção que engarrega-se de selecionar e organizar o material bruto de acordo com a sequencias do roteiro;
56
Fig.8: O aluno Wallace Ramos fala sobre seu curta metragem
Esta opção narrativa, sobretudo na determinação do aluno enquanto o sujeito do
discurso - aquele que participada da experiência - começa a esboçar-se no
documentário brasileiro a partir da década de setenta. Representa uma recusa ao modo
de filmar documentários da década anterior, quando havia predominância da narração
explicativa, da “voz do saber”40, a fim de construir com clareza significados visados
pelo filme, em geral abordando temáticas protagonizadas pelos “tipos sociais” tão
presentes nas obras desse período como em Viramundo, de Geraldo Sarno (1965),
Opinião Pública, de Arnaldo Jabor (1966) e Maioria Absoluta, de Leon Hirszman
(1964-66). Uma das respostas, já nos anos 70, aos limites da tendência “sociológica” encontra-se em curtas documentais que buscaram “promover” o sujeito da experiência à posição de sujeito do discurso; tentativas propostas para que o “outro de classe” se afirmasse sujeito da produção de sentidos sobre sua própria experiência. (LINS; MESQUITA, 2011, p. 23).
Um exemplo desse uso do discurso é o filme de Aloysio Raulino, Jardim Nova
Bahia, de 1971, onde o cineasta abdica de sua posição e elabora sua narrativa
documental a partir de imagens produzidas pelos próprios sujeitos da experiência,
“(...) num esforço de compartilhar não somente a voz, mas o olhar do filme.” (LINS;
MESQUITA, 2011, p. 23).
40 Termo cunhado por Bernadet, refere-se à locução off ou voz over, ou seja, a uma voz que não faz parte da diegese.
57
No mesmo período, os anos 70, outras formas de abordar a realidade tinham
lugar nos documentários produzidos pelo programa de televisão Globo Repórter, por
realizadores como Eduardo Coutinho, que, mesmo em um cenário de repressão e
censura, e contrariando a direção institucional (Tv Globo), conseguiu produzir
materiais com um trabalho de filmagem e montagem que se distanciavam da estética
padrão do programa, que já começava a se consolidar naquela época.
Câmera na mão em muitas cenas, longos planos-sequencias, ausência de narração over, personagens fugindo das tipificações, mistura de ficção com documentário, são elementos que singularizam essa produção, abrindo perspectivas interessantes para o documentário da época. (LINS; MESQUITA, 2011, p. 24).
O documentário desta pesquisa trilhou caminhos semelhantes ao apresentar tais
elementos em sua estrutura. A câmera na mão foi um recurso utilizado não somente
como uma proposta estética, mas em função da pouca experiência dos alunos
operadores de câmera com a própria câmera, e também devido à espontaneidade e
imprevisibilidade dos acontecimentos, que não aguardariam o posicionamento desses
equipamentos em tripés. Durante o discurso fílmico aparecem imagens de arquivo nas
quais Waly, o autor adaptado pelos alunos em seus curtas, fala algo que tenha relação
com o filme ou que seja útil enquanto documento para o filme; a mistura entre
documentário e ficção está na estrutura do filme, que intercala passagens do processo
de produção do documentário Não É O Olho Que Vê com trechos dos curtas
acadêmicos, que são obras de ficção.
Foi adotada como estratégia de montagem desse documentário uma estruturação
e organização de conteúdo que permita uma visão clara do processo de produção de
uma obra audiovisual ficcional, mas sem colocá-lo numa linha do tempo (cronologia)
rígida e previsível, o que nenhuma relação teria com o próprio processo do fazer
audiovisual contemporâneo, que, a partir do surgimento das plataformas digitais e das
redes sociais, sofreu alterações.
No contexto mais recente da produção de conteúdo audiovisual, com a
influência dos aparatos tecnológicos e digitais e a praticidade de manipulação do
58
material gravado na fase de montagem, a tendência estética e narrativa é a não-
linearidade. A possibilidade de se chegar a um resultado formal e criativo muito
rapidamente com os softwares de edição e finalização de som e imagens permite uma
experimentação maior.
Isso porque o material bruto pode ser filtrado, duplicado, reenquadrado,
contrastado, texturizado; a imagem que entraria ao final do filme, depois dessa
passagem pela pós-produção pode encontrar espaço no início da narrativa; uma cena
que durante as gravações é passageira, na ilha de edição pode ganhar contornos mais
elaborados devido às várias possibilidades de montagem que a ilha não-linear 41
permite. Esta facilidade trazida pelo digital transformou de certa forma o
raciocínio da montagem e provocou impactos positivos no processo de edição,
mas também sobre o resultado da história na tela. (...) a narrativa não-linear não é previsível. E aqui reside seu grande potencial estético: por causa dessa imprevisibilidade, ela pode fornecer ao público uma experiência nova e inesperada. Este é o potencial estético da não-linearidade: experiências novas e imprevisíveis. (DANCYGER, 2007, p. 458).
Este documentário trabalhou com a fragmentação da linearidade
narrativa, dando prioridade às passagens do processo da produção acadêmica
que explicitaram os eixos de pesquisa acerca das proficiências que aqui afirma-se
que sejam incentivadas por esse tipo de processo: criatividade, colaboração,
autonomia, atitude crítica e compreensão das diversidades. Esses eixos
relacionam-se com o processo de aprendizagem no contexto de uma produção
audiovisual de formas que são traduzidas pelas situações que se apresentam ao longo
do processo, requerendo do participante tais habilidades.
Então pôde-se verificar a criatividade em operação, ou os frutos do processo
criativo vivenciado pelos alunos através da concepção das narrativas inspiradas, por
exemplo, um processo de reconstrução da obra original; a criatividade pôde ser
41 Na ilha de edição não linear o material captado, digitalizado, pode ser manipulado livremente, permitindo mais experimentações de linguagem. Alterações no enquadramento, na textura das imagens, no tempo do plano ou na cronologia da narrativa são algumas possibilidades, que acabam por modificar também o modo de produção desse conteúdo, interferindo na sua percepção pelo espectador.
59
verificada também na construção mental das imagens e na sua efetivação através do
plano de câmera e da proposta estética da obra como um todo, por exemplo.
O estímulo ao desenvolvimento de uma percepção crítica da realidade aparece
no filme quando o aluno é convocado a opinar sobre o trabalho de um ator a partir das
características do personagem (em 32’51”), ou a apropriar-se da realidade de um
deficiente visual, a fim de adquirir matéria-prima para escrever uma personagem cega
(em 40’08”). Determinar o plano de câmera ou o ângulo da gravação implica em fazer
escolhas, em desistir de outras possibilidades. Esse processo de escolha é pré-
determinado pela necessidade do projeto, e o aluno precisa avaliar, reconfigurar,
associar, interagir, exercitando seu olhar e também a sua atitude crítica.
Integram o documentário também imagens captadas pelos próprios alunos para
seus curtas, que, ressignificadas, não deixam de representar a sua perspectiva sobre
esse processo; os encontros em sala de aula com os colaboradores convidados, como
Cláudia Salomão, Ana Paula Guedes, Amanda Aouad e Hebert Leão também foram
gravados pelas câmeras do Coletivo D.O.C., editados e são exibidos no documentário,
pois foram enriquecedores e um importante instrumento no processo criativo do
aluno.
Ainda no início do processo de pesquisas para a realização do documentário
desta pesquisa, outro imprevisto: a sala 4023 do curso de Design da Unijorge, que
estava em vias de autorização para ser utilizada como a sala de aula dos alunos do
quarto semestre de Produção Audiovisual, e portanto um dos principais cenários de
gravação do documentário, não pôde mais ser cedida pela coordenação do curso. Isso
porque a instituição carecia de espaço físico e todas as salas de aula já estavam
reservadas para o próprio curso, exclusivamente, tornando inviável a cessão do
espaço, da sala de aula que, neste semestre, por conta da realização desse projeto de
pesquisa, seria a própria representação de uma situação de mercado, ou seja, um set
de gravação.
Insistente quanto à ambientação para os encontros, este professor-pesquisador
precisou considerar outras possibilidades. Era a hora de pôr em prática o mitológico
“plano B”: encontrar outros espaços na instituição que permitissem a realização da
60
ações. Então algumas aulas foram gravadas no estúdio de tevê, o encontro com a
produtora e sobrinha de Waly Salomão, Claudia Salomão, foi gravado na agência de
comunicação do curso de comunicação, a Galáxia; o switcher42 de tevê foi utilizado
como set de gravação em uma cena com um aluno Toni Messias, sobre a produção do
show de uma banda interpretando canções com letras de Waly que ele desejava levar
para uma rápida apresentação antes da sessão de exibição. Esta cena, no entanto, por
alguns problemas técnicos no áudio que inviabilizaram a compreensão de seu
conteúdo, não foi inserida na edição. Apesar de termos ocupado esses outros espaços
da Unijorge, com outras características físicas e espaciais, o modo de enquadrar o
aluno, de perto, e com pouca profundidade de campo, permaneceu.
42 O switcher (ou mesa de corte) é um equipamento que permite congregar os sinais de todas as câmeras de um estúdio de tv. O local onde fica essa mesa de corte, uma espécie de ilha de edição, também é chamado de switcher.
61
Fig.9: Alunos, em close-up, falam do processo de produção dos curtas
Além dessas, outras ambientações fora da instituição também são apresentadas
no documentário, quando as câmeras do Coletivo D.O.C. registram os bastidores das
gravações das equipes, em locações diversas como a sala de um apartamento, uma
praia ou uma casa noturna. Outros trechos relativos ao processo, como a preparação
de elenco feita por Heitor Guerra com o elenco do filme Salomão Sem Roteiros ou a
performance do artista de rua Emerson Bulcão também foram incorporados à
narrativa fílmica documental.
Um filme que evidencia o próprio processo de produção – quando expõe as
reuniões de pré-produção com o Coletivo D.O.C., quando revela a equipe de
cinegrafistas - e um filme sobre outros filmes – quando revela as equipes de
alunos produzindo ou gravando no set seus próprios filmes, o metafilme43 Não É
O Olho Que Vê possui qualidades reflexivas inerentes à sua proposta estética e
criativa, no sentido de que discute o fazer audiovisual e seus códigos internos,
bem como deixa evidentes atitudes e depoimentos dos membros das equipes
diante dos problemas de produção, explicitando perfis criativos, artísticos e
individualidades em interação durante o processo de realização.
O formato do filme foi uma escolha feita a fim de tentar explicitar ambos os
processos de produção e como os participantes dessa experiência iam se
desenvolvendo durante a produção das obras audiovisuais.
43 Ou metacinema, é o filme que fala do próprio filme, ou do fazer cinematográfico. O cinema que trata de si próprio.
62
A metalinguagem no documentário apresenta-se a todo instante, seja no
enquadramento que contempla a equipe e os equipamentos cinematográficos na cena,
seja nas discussões criativas dos alunos sobre roteiro e decupagem, seja no
compartilhamento com o público de problemas técnicos de produção que, em geral,
ficam restritos aos bastidores e o público não chega a tomar conhecimento.
Se a pretensão do documentário é expor todo o processo de produção e as
próprias obras acabadas ao final do filme, justifica-se também incluir na edição
os problemas técnicos e de produção, os obstáculos que dificultaram a realização
dos filmes. Problemas que ocorreram à revelia da equipe, ou como consequência da
própria inexperiência dos alunos no campo da produção audiovisual, como o susto
que a equipe do filme Salomão Sem Roteiros passou minutos antes da exibição.
A equipe havia se programado para gravar a última cena do curta “ao vivo”, no
momento da própria exibição, na Sala Walter da Silveira. Para que isso pudesse
ocorrer seria necessário uma tecnologia específica, que a equipe precisaria viabilizar,
caso contrário a ideia fracassaria. O grupo de alunos foi advertido quanto a isso por
mim em aula gravada (este trecho da aula consta no documentário aos 29’50”), porém
o aluno Milton Bispo assegurou que para ele isso não se tratava de uma dificuldade.
Segundo ele “Difícil mesmo era fazer o filme” e não produzir cabos e equipamentos
para que essa performance fosse captada com sucesso (o ator Emerson Bulcão
entraria na sala de cinema recitando um poema de Waly Salomão).
Essa ideia, entretanto, não foi executada. Os problemas técnicos, aqueles que
aparecem quando não há planejamento ou ensaios suficientes, impossibilitaram a
gravação ao vivo e o grupo optou por exibir a cópia do curta metragem em DVD,
onde a mesma cena, gravada anteriormente por medida de segurança44, já estava
“encaixada”.
Acredita-se que a revelação de tais percalços, ao invés de provocar o
distanciamento do espectador, que talvez enxergue essas falhas de produção como
deficiências do processo, pelo contrário, adicionam verossimilhança ao relato
audiovisual. Essa foi uma angústia com a qual foi preciso saber conviver.
44 Um bom exemplo de execução do Plano B.
63
Priorizar o fato, o evento, o discurso, o momento. Ao fazer mais esta escolha, foi
preciso aceitar o plano equivocado, o foco fora de lugar, a iluminação precária e
o áudio ruidoso em muitas ocasiões.
Dentre os mais importantes profissionais técnicos de uma equipe de produção
audiovisual é o operador de som quem precisa de muita perícia na captação sonora e
no manuseio dos equipamentos: boom, gravador externo e todos os cabos que
integram esses equipamentos. Não é que sejam mais sofisticados. É que, muitas
vezes, esses equipamentos estão aquém da real necessidade do projeto, ou encontram-
se danificados.
Como, por limitações orçamentárias, utilizamos os equipamentos de áudio do
Labcom da Unijorge, entre outros equipamentos, como as câmeras T3i, da Canon,
utilizadas na captação de imagens, pode-se verificar, mais de perto, o descaso com
que são tratados esses equipamentos, em detrimento das câmeras fotográficas e
filmadoras, por exemplo. Eles são em menor quantidade que as câmeras, e quando
danificados demoram para ir e voltar da assistência técnica, obrigando os técnicos a
utilizarem muita criatividade para trabalhar. Esse tratamento diferenciado reflete-se
em uma menor importância que é dada ao áudio pelos alunos durante a produção. Eles
preocupam-se em demasia com a captação de imagens e acreditam que o áudio pode
ser captado diretamente da câmera e “tratado” na pós-produção. Esse equívoco é
recorrente e consiste em um tema usualmente discutido em sala.
Muitos alunos gravam seus filmes com o áudio sendo captado diretamente da
câmera, o que produz um áudio com muitos ruídos e interferências do ambiente. No
nosso caso, numa tentativa de evitar desgastes, e por conta das características do
documentário em produção, após algumas tentativas frustradas de utilização do boom,
optou-se pela utilização do gravador externo Tascan dr 7, que “plantado” em algum
lugar estratégico do set fazia uma captação satisfatória para esse projeto. Vale
lembrar, entretanto, que ocorreram diversas gravações sem esse gravador externo, em
diversas ocasiões, nas quais o mesmo não estava disponível porque não podia sair da
instituição, restando-nos o microfone da própria câmera e todos os ruídos possíveis.
64
O alunos do Coletivo D.O.C., em muitos momentos, empenharam-se em
improvisar estratégias de captação sonora na hora da gravação, a fim de solucionar
problemas imprevistos, como achar o posicionamento correto do gravador externo
para captação do áudio no dia do teste de elenco. Tínhamos apenas esse gravador para
cobrir o teste, que acontecia no estúdio de tevê da Unijorge, em mais de um ponto, ou
seja, haveria de se achar um meio de posicioná-lo de forma que pudesse captar o som
vindo de mais de um ponto. Um exercício de criatividade e um exemplo de
cooperação. Foi grande a dificuldade que teve o produtor de áudio do Coletivo
D.O.C., Márcio Telmo, na captação sonora para o documentário desta pesquisa.
Fig.10: Gravador externo fixado em um tripé de câmera
Estávamos tratando de revelar um processo, o que funcionou e o que não
funcionou. O processo em si, como ele se deu.
A partir desse enfoque ficou mais fácil digerir determinadas sequencias do
documentário que, ainda que com diversos problemas de captação, eram muito
importantes para o relato documental, como no caso da sessão de exibição: havia duas
câmeras T3i à disposição, mas nenhuma delas estava devidamente regulada para um
ambiente interno e com pouca luz, como é a Sala Walter da Silveira, local da exibição
dos curtas. Como não havia refletores para iluminarmos o evento, as câmeras
acabaram produzindo imagens com grande quantidade de ruídos, prejudicando sua
65
visualização e qualidade. Ainda assim são passagens que integram o documentário
Não É O Olho Que Vê devido a sua importância neste projeto.
66
2.3 CONTEXTO 2: PLANO PRÓXIMO - lugares de aprender
Fig.11: O aluno Marcos dirige o menino ator Álvaro Batista
A sala de aula há muito tempo deixou de ser o único espaço destinado à
aprendizagem. Esse ambiente, onde espera-se que o aluno desenvolva seu
aprendizado e torne-se um indivíduo capaz de lidar com um mundo em constante
transformação, parece não atender, inteiramente, aos seus propósitos nos dias de hoje.
Isso porque, de modo geral, dentro das organizações acadêmicas, o aluno depara-se
com uma realidade burocratizada e engessada, muito distante ainda do modo e do
ritmo como os processos se dão atualmente em seu cotidiano.
Com o mundo passando por aceleradas transformações, e milhões de
informações por segundo passando pela tela do seu celular ou tablet, esse aluno não
mais dirige sua atenção exclusivamente para o professor e sua aula, que a cada dia
tem que ser mais instigante, a fim de entreter, capturar a atenção e o interesse desse
aluno.
Outro aspecto que parece influenciar o baixo rendimento do aluno, ou até
mesmo na sua evasão dos bancos escolares é o tipo de lógica aplicada na elaboração
das grades de disciplinas e no modo como o professor, em sala, remete-se ao aluno,
tratando todos da mesma maneira, desprezando a origem e a cultura de cada um, em
detrimento do que esse aluno tem e poderia oferecer no contexto grupal. Vivemos em
67
uma sociedade que tem dificuldade em encarar as diferenças, pois atua por meio de
padronizações, de formas pré-estabelecidas. O que serve para um, serve para todos.
No formato convencional de educação, de maneira geral e não absoluta, o aluno
é obrigado a se acomodar numa estrutura que fornece fórmulas, ao invés de fazê-lo
pensar autenticamente. O potencial individual, muitas vezes, é desprezado em favor
de uma educação pasteurizada, que se ocupa em transmitir um conhecimento
científico e acadêmico, e em cobrar “resultados” a partir de avaliações pré-formatadas
pelas instituições educacionais.
Já em um ambiente de aprendizado centralizado no desenvolvimento de projetos
de realização audiovisual, no qual a experiência coletiva tem uma função primordial
de catalisadora de conteúdos, formais ou não, os indivíduos podem, e devem, se
colocar nos projetos e contribuir tecnicamente, mas também com sua visão de mundo
e seu repertório cultural.
A palavra “experiência”, etimologicamente, exprime uma ideia de deslocamento
espacial, de uma travessia de um ponto específico até outro. O sentido da educação
não está muito distante disso, já que educar implica em conduzir alguém de um ponto
a outro. Desse modo, no ambiente do ensino e aprendizagem a experiência da
produção audiovisual funciona como mediadora da construção e aquisição de
conhecimentos, pois, por intermédio de seus processos internos e dos diversos
tipos de interação que ela produz, acaba por provocar situações que
potencializam construções cognitivas durante seu decorrer.
Como cada processo é único, e como cada indivíduo é diferente do outro, a
experiência coletiva representa também uma oportunidade de autorreflexão
para seus participantes, de desenvolvimento de uma visão crítica do mundo, pois
nesse contexto multicultural estão presentes diferentes realidades e existências.
Essa espécie de espelho, que força o indivíduo a encarar o outro, com suas
peculiaridades, força-o também a olhar para si próprio, fazendo despertar a
“consciência do sujeito” (SODRÉ, 2012, p. 99).
O sociólogo contemporâneo Muniz Sodré exalta a importância da experiência
coletiva nos dias atuais, pois seu mecanismo dialoga com a essência da sociedade
68
da tecnologia e da informação, que se constitui de diferentes e incessantes fluxos
de pessoas e conhecimentos, científicos e culturais, que por sua vez solicitam aos
indivíduos o desenvolvimento de habilidades para o estabelecimento de novas e
complexas, e muitas vezes obrigatórias interações, para que assim consigam
produzir, sentir, pensar, realizar e agir na sociedade contemporânea, dinâmica,
tecnológica e marcada pela diversidade de formas de expressão cultural.
A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade de expressões culturais, mas também a partir dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados. (SODRÉ, 2012, p. 182).
Essa capacidade de dialogar com os diferentes recursos e discursos que
emergem na contemporaneidade requer do individuo uma sensibilização para o Outro,
com “O” maiúsculo mesmo, pois assim prefere o teórico, ao propor uma reinvenção
da educação. Quando fala de diversidade cultural, Sodré fala de aproximação das
diferenças. E essa aproximação decorre de um “(...) ajustamento afetivo, somático,
entre partes diferentes num processo (...)” (SODRÉ, 2012, p. 186). Ou seja, o sujeito
em contato com a diversidade volta-se ao mesmo tempo para si, refletindo e
reelaborando conceitos.
Este sociólogo adverte que na cultura hipertextual, com novas formas de
conexões híbridas entre os campos da comunicação e educação, é necessário que haja
uma redefinição do papel da escola na formação humana. É preciso pensar em uma
educação sensibilizadora a partir de um novo paradigma cognitivo – o paradigma do
sensível – uma vez que “(...) a força motriz da diversidade cultural está na
sensibilização das consciências frente à emergência do Outro, isto é, em
autossensibilizar-se de maneira a tomar contato com a gênese contingente de suas
crenças, valores e atitudes (...)” (SODRÉ, 2012, p. 185).
69
E nesse sentido a produção audiovisual desempenha um importante papel
por se tratar de uma atividade essencialmente coletiva e cooperativa, com forte
interação social, e propícia ao reconhecimento e à valorização das diferenças.
Eletricista e maquiador ocupam o mesmo espaço (o set de gravação) e trabalham
com o mesmo objetivo, a obra audiovisual. Há que haver um entendimento
mútuo para que a comunicação ocorra e as tarefas possam ser executadas.
Durante o processo de realização dos curtas adaptados, as equipes de produção
puderam trabalhar e compartilhar experiências com colaboradores com os perfis mais
variados: a equipe do curta metragem Salomão Sem Roteiros, por exemplo, teve em
seu elenco um artista de rua, Emerson Bulcão, cujo palco é o ônibus coletivo; ou seja,
alguém que nunca entrou em um set de gravação. Outro dos curtas, o filme intitulado
Atus II, revelou o ator-mirim estreante Álvaro Batista, um material humano sem
nenhum vício de atuação. Já a equipe de Refúgio precisou aprofundar-se na realidade
dos deficientes visuais, a fim de criar uma personagem.
Fig.12: Emerson Bulcão, artista de rua
70
Fig.13: Álvaro Batista, ator estreante
Esta é a primeira grande lição para o indivíduo que participa de um projeto
audiovisual, coletivo e cooperativo por natureza: a compreensão do outro. Esse
trabalho lhe força a aprender a conviver e a entender profundamente, em alguns
aspectos, o outro. Do contrário, não se consegue fazer o filme, a direção de ator,
nem há a colaboração de produção. A partir de sua relação com outras realidades e
outras individualidades na realização de tarefas, na resolução de problemas, nas
discussões criativas ou nas tomadas de decisão, a interação entre os envolvidos no
projeto configura-se em parte fundamental da mecânica de funcionamento de uma
produção, porque só o diálogo comunica.
Na medida em que ocorrem as situações ou os problemas de produção se
apresentam, o diálogo intensifica-se entre os diferentes integrantes do grupo, que
reagem a eles de formas distintas umas das outras; essa reunião de esforços, oriunda
de diferentes individualidades, em favor de um objetivo comum, instaura um
dinamismo nas relações que favorece a interação e o diálogo multissensoriais.
Ao contrário do que deveria ocorrer, pressupõe-se que, numa sala de aula, todos
possuem o mesmo nível cultural, privilegiando, consequentemente, os mais
avançados academicamente e favorecendo a dispersão dos que se sentem excluídos
por não alcançarem o conteúdo ou a didática aplicada na sala de aula. Esse mesmo
aluno, ali deslocado, pode revelar-se bastante eficiente e produtivo na realização
prática, na produção de obras audiovisuais, em que cada integrante do grupo
71
desempenha uma função no processo, possui tarefas para executar e prazo de entrega
para cumprir.
É perceptível o interesse e o empenho desse aluno, que se revela, para o
grupo, para o professor e para ele mesmo, como alguém capaz de construir algo
coletivamente. Isso desperta sua responsabilidade, e ele aceita o desafio proposto.
Esforça-se para entregar a tarefa. Essa motivação abre caminho para a
aprendizagem. E a possibilidade de realizar uma tarefa possível e significativa é
para ele a própria aprendizagem sobre si mesmo.
Consciente da importância da atividade proposta, da sua responsabilidade
dentro do projeto, e com o grupo, todos os envolvidos, alunos e professor, passam a
descobrir, na prática, novas formas de se relacionar e enxergar o mundo.
Criatividade, cooperação, autonomia, atitude crítica e compreensão das
diversidades são requisitos básicos necessários à formação de um indivíduo que
deseja inserir-se no cotidiano dinâmico e multirreferencial atual e conquistar seu
espaço. Nesse sentido, a produção audiovisual representa um acontecimento
com propriedades que estimulam e “treinam” tais habilidades, numa mecânica
onde o relacionamento com outras individualidade, por si só, também educa;
onde os participantes, a fim de acharem soluções para um dado problema,
articulam-se, dialogam e trocam informações, construindo conhecimento.
Uma das teses centrais da Sociologia da Educação de Bourdieu é a de que os alunos não são indivíduos abstratos que competem em condições relativamente igualitárias na escola, mas atores socialmente constituídos que trazem, em larga medida incorporada, uma bagagem social e cultural diferenciada e mais ou menos rentável no mercado escolar. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p.13).
Promover relações grupais pode propiciar uma oportunidade para o exercício da
cooperação, e o ambiente da produção audiovisual acadêmica, conforme já analisado,
é forçosamente cooperativo, já que propõe relações nas quais os sujeitos interagem
uns com os outros, trocam entre si, em condições mais ou menos de igualdade.
Para o psicólogo Jean Piaget, a cooperação surge como um elemento central no
processo de desenvolvimento cognitivo do sujeito, e as relações interpessoais
72
desenvolvidas no contexto de uma experiência coletiva, e cooperativa, como é a
produção de filmes acadêmicos, influencia o seu desenvolvimento social, moral,
cognitivo e da sua personalidade. Segundo ele, cooperação é operar com, ou seja “(...)
estabelecer trocas equilibradas com os outros, sejam essas trocas referentes a favores,
informações materiais, influências etc. (...)” (in: MENIN, 1996, p. 51).
Os alunos, a partir desse projeto de realização de curtas metragens adaptados
puderam conviver com um artista de rua, o ator Emerson Bulcão, cujo trabalho de
improvisação e história de vida tocou a todos, e que mergulhou no projeto como se
esse fosse seu; os alunos de outra equipe foram obrigados a fazer uma imersão
(pesquisa de referência) no modo de vida de um deficiente visual para a construção de
um personagem cego, e por conta disso o Instituto de Cegos da Bahia mostrou-se
generoso e disponível para ceder informações, bem como os próprios alunos do local;
foi possível para uma terceira equipe trabalhar com um ator-mirim em seu trabalho de
estreia. Álvaro Batista, aos oito anos, jamais havia entrado num set de gravação, mas
desde o teste de elenco convenceu a todos; questões sociais, centrais na atualidade,
foram discutidas através das obras acadêmicas, como a ética na internet ou a violência
social, fazendo com que o grupo se aproximasse de outras realidades, fazendo-os
refletir sobre a sua própria; estilos de realização foram experimentados, apurando o
senso estético e a criatividade do aluno.
É importante destacar que nesse projeto todos os participantes, inclusive os
atores, atuaram voluntariamente, por vontade ou interesse próprio. As famílias dos
alunos também se envolveram no projeto de realização dos curtas e cederam seus
carros para transportar elenco e suas casas para acomodar equipe ou equipamentos,
além dos atores.
Em cena do documentário Não É O Olho Que Vê (25’04”), o aluno Filipe
Louzado, em depoimento, revela consciência sobre a importância de se estabelecer
relações interpessoais no meio de atuação audiovisual, a fim de que futuras
oportunidades e experiências surjam em sua trajetória profissional. Ele diz: “A gente
trabalha com atores ‘na fita’, né, sem pagar e tal, mas a galera, tipo, gosta do projeto
e, às vezes, sem pagar eles trabalham com mais gosto, com mais firmeza. Diretores
73
de Arte, a gente já está conseguindo, apoios, então assim, quando a gente se formar
isso vai ser importante porque a gente vai estar com um network bem consolidado,
estruturado. Acho que esse é o ponto mais importante quando se constrói uma obra
dessa, mesmo sendo acadêmica”.
Com essa fala o aluno mostra-se consciente da necessidade do outro para
conseguir trabalhar, da importância de criar uma rede de relacionamentos estruturada
a partir das competências específicas individuais, que colaboram para a realização de
uma única obra, mas que é coletiva e cooperativa, essencialmente.
Essas relações, no entanto, nem sempre são harmoniosas e co-operar não
significa concordar. Este processo de produção de conhecimento também
apresenta conflitos, discussões e é provável e esperado que elas ocorram. Mas o
próprio grupo precisa encontrar meios de resolvê-las. Essas trocas permitem que
os envolvidos nessa experiência possam descobrir a si mesmos e passem a pensar
no outro; pede que as individualidades entrem em acordo, que combinem como
agir.
Por exemplo, a equipe do curta metragem Salomão Sem Roteiros passou por
uma grande dificuldade minutos antes da sessão de exibição, isso porque determinada
tecnologia empregada para a realização de uma cena “ao vivo” dentro da sala de
cinema não funcionou e todos, juntos, dentro da cabine de projeção da Sala Walter da
Silveira (local da exibição), pensavam e trabalhavam a fim de achar uma solução para
o problema ocorrido (21’10”).
Num contexto onde todos são considerados iguais em importância e
responsabilidades, é possível descobrir as diferenças entre si, pois se colocar no lugar
do outro, conhecê-lo, é fundamental para convencê-lo a respeito de uma ideia, como
por exemplo a definição da proposta visual do filme, ou a condução do roteiro, ou a
elaboração de uma decupagem técnica. Esse esforço em sair de si para conhecer o
outro, de sensibilizar-se perante o outro, é necessário, inclusive, para a quebra do
egocentrismo, que, em muitas circunstâncias de uma produção audiovisual, pode
afetar os relacionamentos e prejudicar a obra em construção.
74
Piaget elabora o conceito de “escola ativa” e nesse método “ativo” de educação
as disciplinas ensinadas não devem ser impostas de fora, mas redescobertas pelo
aluno a partir de sua própria investigação, e de uma atividade espontânea que se opõe
à mera receptividade de conteúdos e conceitos. O aluno necessita estar motivado para
a ação, pois disso depende a concretização do trabalho. Fazer com que ele se
identifique com o trabalho tem se mostrado uma estratégia com resultados positivos,
nesse sentido. Então, atribuir, tanto a criação quanto a produção dos trabalhos, em
grande proporção, ao aluno, faz com que o mesmo, empoderado, possa agir com mais
liberdade e interesse durante o percurso. Nesse caminho, através da própria
experiência, o aluno busca o conhecimento e também o constrói. Nesse fluxo,
aprende a ser responsável por suas escolhas. Aprende com autonomia.
Para Piaget, esse tipo de educação supõe, necessariamente, a iniciativa do aluno
e a colaboração nos trabalhos. Nesse sentido, a experiência do aprendizado engloba a
adesão do sujeito ao grupo social, a responsabilidade individual e uma
experimentação verdadeira acerca do tema tratado, que acaba por envolver toda sua
personalidade: “É pelos outros e em função de uma colaboração organizada que nós
renunciamos à nossa fantasia individual para ver a realidade tal qual ela é e para dar
primazia à veracidade sobre o jogo ou a mentira (...)” (PIAGET, 1999, p. 27).
A disciplina Oficina de Produção de Programas Audiovisuais procura
desenvolver o espírito de grupo nos alunos, mas força-os a se expressarem
individualmente também, na medida em que são chamados a tomar decisões durante
todo o processo. Ao aluno é permitido descobrir, através da experimentação, o
funcionamento de um set de gravação ou a direção de atores, a partir do próprio
fazer. Nesse contexto de produção, o aluno pode também debater questões, discutir
regras, e pode reconstruí-las também. A vivência em grupo e a articulação de
conceitos teóricos com os eventos manifestos na experiência da produção audiovisual
revelam o aspecto ativo da relação ensino/aprendizagem aplicada no contexto dessa
disciplina, a partir do conceito de Piaget. Para esse teórico, portanto, a educação ativa
promove o surgimento ou o desenvolvimento de uma colaboração autônoma.
75
Piaget considera a experiência cooperativa como uma das formas de construção
da autonomia no sujeito, porque quando há interações dentro do grupo em direção a
um propósito comum, o participante pode se colocar, opinar, decidir, responsabilizar-
se por suas escolhas e definir caminhos. Isso se reflete, dentro do contexto da
realização de produtos ou obras audiovisuais, na elaboração das narrativas, na
determinação do planejamento de filmagem, na direção dos atores, nos
enquadramentos de câmera, no tipo de fotografia adotada, nos equipamentos de
captação sonora utilizados. O responsável por cada departamento de uma equipe de
produção deve estar consciente das escolhas assumidas durante o processo. Essas
escolhas devem considerar o contexto da produção, a verba, o gênero do material, seu
público espectador, sua função; deve levar em conta se a gravação ocorrerá em
estúdio ou em externa. São variáveis que influenciam o processo de produção, que é
único para cada uma dessas situações.
No ambiente cooperativo da disciplina Oficina de Produção de Programas
Audiovisuais, espera-se do aluno iniciativa e autonomia, porém quem conhece os
objetivos pedagógicos da disciplina e da ação proposta ao grupo é o professor,
que não tem a sua importância, influência e autoridade (não autoritária)
diminuídas nesse processo. Ele, o professor, continua como o coordenador do
processo educacional do aluno. O que muda é que não é o professor quem
determina tudo dentro da sala de aula, nem o que estabelece as regras sozinho.
Assume-se uma posição dialética que busca equilibrar as relações em sala de
aula entre professor e alunos; e essa abordagem do processo requer uma
construção dessa relação, que se baseia no respeito mútuo e na reciprocidade.
Então, respeitar a opinião do aluno e valorizar sua criação passam a ser
estratégias didáticas da disciplina Oficina de Produção de Programas
Audiovisuais, que com isso deseja estimular a iniciativa criativa e prática no
aluno. Como quando um Diretor pede que seu assistente decupe ou dirija uma cena.
Certamente, esse assistente ficará inseguro e preocupado com suas ações no sentido
de cumprir essa determinação, afinal estará ele tomando decisões e criando no lugar
do Diretor e responsabilizando-se pelo trabalho feito. Mas ele precisa entregar a
76
tarefa, e para isso utiliza seus conhecimentos teóricos aplicados à prática, observando
as características do produto ou da obra, seu público e suas demandas de produção.
Mas o mais importante é que este aluno, obtendo êxito no trabalho, ou não, estará
desenvolvendo habilidades fundamentais para todo e qualquer indivíduo hoje em dia,
ainda no nível acadêmico, antes de se iniciar no mercado profissional, com a ajuda de
um profissional mais experiente, mas que, neste projeto, possui o mesmo grau de
importância que ele.
A este respeito, o educador Paulo Freire propõe uma educação na qual a
autoridade é substituída pela formação do que ele chama de “círculos de cultura”,
com a presença de um professor ou coordenador, cuja função seria facilitar o diálogo
nas interações entre os participantes desses círculos; estes, por sua vez,
intensificariam o diálogo em torno de uma problemática apresentada, surgindo daí
posicionamentos divergentes dentro do grupo quanto aos caminhos para a sua
solução.
Os participantes trocariam conhecimentos com seus professores ou
coordenadores, num processo de aprendizado em que um, ao mesmo tempo em que
educa, aprende com seu interlocutor, fazendo surgir no grupo um circuito estimulante
e dinâmico, no qual, professores orientadores e alunos, com os mesmos direitos ao
aprendizado e ao respeito pelas individualidades, estariam motivados pelo desafio,
empenhados na resolução do problema. O professor orienta e dá um norte. Esse
modelo exercita a autonomia, mas autonomia não existe sem responsabilidade. É
conferida ao aluno a liberdade necessária para a construção criativa e planejada, desde
que o processo específico de cada grupo passe por todas as etapas da produção de um
produto audiovisual de ficção, que no nosso caso, eram os filmes de curta metragem
adaptados. Sobre um processo assim de construção de conhecimento, Freire coloca
que:
77
(...) o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em dialogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas. (FREIRE, 1987, p. 39).
O sociólogo Muniz Sodré, citando o educador Paulo Freire, uma importante
referência em seu trabalho, diz que Freire “(...) pressupondo uma simbiose da
consciência do mundo e da consciência de si, põe um ‘método de conscientização’ no
centro de sua obra teórica e de sua prática pedagógica (...)” (SODRÉ, 2012, p. 139).
Isso porque tendo a sua participação no processo educacional, e colocado pela
natureza das ações educativas numa posição de protagonismo, o aluno tem a
oportunidade de desenvolver uma visão crítica e transformadora da realidade.
Produzir o figurinos, montar cenários, ensaiar com os atores, buscar locações
para as filmagens, operar uma câmera, definir a estética e o conceito de uma obra ou
dirigir um filme podem parecer tarefas apenas dos profissionais de cinema e
audiovisual. Entretanto, a aprendizado adquirido nesse trajeto é grandioso e
determinante no desenvolvimento de qualquer aluno, a caminho de seu crescimento
individual, além de ser fruto de um processo educacional democrático, em que todos
têm o mesmo nível de importância e responsabilidade, e são sujeitos também na
construção de conhecimento, professor e alunos.
Na sociedade da comunicação e da informação, onde “(...) as informações são
ilimitadamente abundantes, e o saber apresenta-se como móvel e veloz por efeito da
informação tecnologicamente acelerada, ou quando o verticalismo dá lugar a redes
horizontais que transgridem as fronteiras gerenciais (...)” (SODRÉ, 2012, p. 194),
Muniz Sodré considera que o professor ainda detém uma importância central no
processo educacional, que vai além da transmissão de conteúdos, facilmente
encontrados na rede mundial, a internet. Seu papel na sala de aula deve ser redefinido:
A ele cabe liderar o trabalho de integração dos saberes no espaço curricular da escola, não com o objetivo de aperfeiçoar a transmissão de conteúdos instrucionais, e sim de assistir atentamente à imersão do estudante no campo de exercício do pensamento. (SODRÉ, 2012, p. 204).
78
A experiência de produzir um filme ou qualquer obra audiovisual requer uma
associação entre a criatividade e o pensamento lógico e racional. Existe a construção
da fotografia do filme, mas existe também a necessidade de cumprimento do
cronograma. Todas as decisões e tarefas executadas durante a produção audiovisual
são planejadas com antecedência. Os participantes dos projetos estão exercitando o
pensamento lógico, mas também a criação artística. Nesse sentido, é uma atividade
que exige dos participantes uma disponibilidade para a atividade mental, intelectual e
criativa.
Para SEVERINO (2007), “Se é bem verdade (...) que se aprende pensando,
também não deixa de ser verdade que se aprenda a pensar, fazendo.”. A enorme gama
de experimentações e conhecimentos que esse aluno pode apreender ao produzir ou
assistir a um filme vai desde uma aproximação com culturas e realidades até então
desconhecidos para ele, até o contato com as técnicas e processos da produção
audiovisual por ele desconhecidos, até então.
O cinema atua como elemento de aprimoramento cultural e intelectual dos docentes e dos discentes e problematiza o seu uso no campo da educação. Educar pelo cinema ou utilizar o cinema no processo escolar é ensinar a ver diferente. É educar o olhar. O olhar cinematográfico enriquece a forma de ver a educação e o processo escolar. (COSTA, 2005, p.7).
Na minha prática docente, como professor dos cursos de Produção Audiovisual
e Publicidade e Propaganda numa instituição particular de ensino superior, a
Unijorge, há doze anos, oriento alunos na realização de um grande número de obras
audiovisuais a cada semestre, que são produto das disciplinas que leciono. Isso me
permitiu constatar, ao longo dos anos, o grande empenho e envolvimento por parte
dos alunos, quando a produção de uma obra audiovisual é proposta em sala.
O aluno desenvolve um senso de responsabilidade e profissionalismo ao
vivenciar a prática de seu futuro ofício, traduzido na forma como dá conta das tarefas
sob sua responsabilidade; familiariza-se com os códigos e regras desse campo e,
através da observação e atuação prática, assim como também da observação
permanente, feita tanto pelo professor quanto muitas vezes pela própria equipe,
79
aperfeiçoa, criticamente, tanto sua prática e atitudes quanto determinados conceitos,
vistos em algum momento também na sala de aula, de maneira meramente expositiva
e passageira, como a composição do quadro, a direção de atores ou a produção de set,
para citar alguns.
Por exemplo: ao posicionar a câmera e procurar o plano ideal, o aluno,
obrigatoriamente, racionalmente ou instintivamente, é levado a pensar em questões
como a regra dos terços45 ou o ponto de fuga46; deve saber, tecnicamente, como
distribuir as informações no quadro significativamente, relacioná-las ao contexto da
cena. Ao filmar um diálogo, deverá preocupar-se com o “pulo” de eixo de ação47 e
com a continuidade48. A aplicação do conceito à prática, nesse instante, torna-se uma
verdadeira aula in loco sobre planos de câmera, pois até alcançar um resultado
definitivo sobre o plano a ser filmado, e antes do “ação”, o aluno-diretor investiga
outras possibilidades de composição do quadro, a partir do assunto a ser registrado,
suas especificidades, tema da obra, perfil do público espectador, entre outros fatores
que direcionam seu trabalho criativo e seu olhar.
E a aprendizagem dessa sequência de comportamentos necessários é um passo a
passo, que, além de ser aprendido por imitação e observação, é complementado por
explicações – seja do diretor ou de seus assistentes – ao aluno, acompanhada muitas
vezes de uma atenção especial durante o momento em que o aluno vai fazer por si
mesmo. Uma supervisão próxima, continuada e personalizada, como, aliás, é a maior
45 A regra dos terços é uma convenção utilizada para criar composições visualmente harmoniosas e dinâmicas. O quadro é dividido em três partes ao longo da sua largura e altura, guiando a distribuição dos elementos composicionais. 46 Na perspectiva de um ponto de fuga as linhas da composição da imagem convergem para um ponto, dirigindo o olhar do espectador; 47 Eixo de ação (ou Regra dos 180o ) é uma regra de posicionamento de câmera que leva em consideração a disposição espacial dos temas ou personagens no quadro, considerando um eixo imaginário que divide a cena. Se essa regra não é obedecida, os planos resultantes perdem continuidade e os personagens parecerão olhar para a direção errada, gerando confusão no espectador; 48 Continuidade é a organização dos elementos diegéticos numa gravação para que a cronologia da narrativa seja mantida, mesmo com as gravações ocorrendo fora da ordem do roteiro.
80
parte das aprendizagens do campo das artes; mal comparando, como as corporações
de oficio49.
O aluno, no mesmo contexto em que aprende, por exemplo, a enquadrar uma
imagem, desenvolve, simultaneamente, a consciência crítica e apura o seu senso
estético; relaciona-se com conceitos como forma, volume, cor, luz, profundidade e
perspectiva; ao testar o ator, deve dominar o perfil das personagens da história que se
quer contar. No teste de elenco, características psicológicas e físicas são importantes,
mas algo de imponderável ocorre em cena em determinadas interpretações, e sentimo-
nos atraídos por um ator específico. Aquele material humano apresenta em si nuances
da personagem que, em muitos casos, na hora de filmar contam mais do que a
aparência física. O aluno-diretor deve estar sensível a essa observação.
Então, o aluno é levado a desenvolver sua sensibilidade no trato com os atores e
na consciência que terá de ter sobre si mesmo e sobre suas preferências, mesmo que
não haja explicação para suas escolhas. Uma postura crítica acerca do trabalho do
ator, das propriedades da personagem para qual o ator está sendo testado, ou dirigido,
bem como suas motivações, as evidentes e, sobretudo, as interiores, facilitam, tanto a
direção quanto a escolha do ator certo para o papel. Com certeza é necessário testar
todos os atores que estiverem presentes, pois o jogo pode mudar a qualquer momento.
Além do mais, trata-se de uma questão de respeito pelo ator, que respondeu à
convocatória e compareceu ao teste. No nosso caso, a palavra consciência crítica não
abarca simplesmente o domínio racional da palavra na discussão; mas sim o domínio
dos instrumentos e formas de se lidar com o fazer fílmico.
O processo de produção audiovisual permite o desenvolvimento do caráter
critico do aluno também ao confrontá-lo com outras realidades, da ficção e da vida
real, já que se trata de um trabalho em equipe, e o faz olhar para si. O faz distinguir e
reconhecer seu contexto face a outras realidades, outras formas de ser, de agir e
de enxergar o mundo. Ele toma conhecimento de que há outras formas de existência
do outro lado do muro. Vida inteligente, porém diferente da sua inteligência. Essa 49 Associações que existiam na Idade Média e reuniam trabalhadores de uma mesma profissão (artesãos, carpinteiros, ferreiros, alfaiates, padeiros, ferreiros) que aprendiam o ofício com seu mestre no dia-a-dia do trabalho.
81
atitude reflexiva, e crítica, de pensar sobre si e sobre sua realidade, fazem nascer
no indivíduo a necessidade de se colocar como sujeito de sua própria história no
mundo.
O aluno-diretor e o professor-orientador precisam estar atentos ao
desenvolvimento de um tipo de olhar. O olhar cinematográfico do aluno. Não se
está aqui falando do olhar do ponto de vista da percepção visual, que é um dado
para cada ser humano. Fala-se da visão treinada, que de forma mais ou menos
automática aprende a manejar os instrumentos da visualidade fílmica, como um
pintor, que ao manejar seus pinceis não pensa neles.
Aprender a ver é componente essencial para o realizador audiovisual, seja
na escolha de uma locação, na definição de um plano de câmera ou na direção de
atores. O professor-orientador deve poder apresentar ao discente um vasto material
artístico, como a pintura, a fotografia, o próprio cinema, a fim de desenvolver nele o
senso estético e a percepção e atitude críticas, tão caros ao profissional do
audiovisual.
A partir da necessidade de estimular no aluno tais competências, com o passar
dos anos, a disciplina Oficina de Produção de Programas Audiovisuais do quarto
semestre, ministrada por este pesquisador, sofreu algumas atualizações e,
gradativamente, o conteúdo de sala de aula vem sendo transferido para o campo de
atuação de um produtor audiovisual profissional, o set de gravação, pela crença de
que essa experiência reforça e amplia o aprendizado e pode formar sujeitos criativos e
críticos.
82
3. O PROCESSO E OS PROCESSOS DENTRO DELE
Este capítulo tem por objetivo narrar e refletir sobre a trajetória, o decorrer desta
experiência audiovisual e acadêmica de realização de curtas metragens ficcionais
adaptados, vivenciada pelos alunos no ambiente da disciplina Oficina de Produção de
Programas Audiovisuais, da Unijorge. Nele, serão descritas as etapas da produção, as
datas e acontecimentos que se deram durante os encontros de pré-produção e as
gravações dos curtas metragens acadêmicos, que são o produto final desta disciplina,
bem como apresentará uma descrição das atividades de imersão criativa propostas
com a finalidade de aprimorar e aproximar o autor e sua obra, seu contexto histórico,
do aluno-realizador, e que foram efetivadas durante o semestre. Em apêndice, o
cronograma do processo, como ele ocorreu.
A fim de trazer para a realidade desses alunos um formato pouco experimentado
pelos profissionais do mercado audiovisual que ali estavam, e tampouco visto
anteriormente, na prática, pelos novatos - o formato de ficção -, o projeto de
Adaptações sempre almejou uma aproximação do aluno com outras formas de
expressão artística.
Para dar conta disso, foi idealizado e desenvolvido para o último semestre do
curso de Produção Audiovisual da Unijorge um projeto de adaptações
cinematográficas, onde os alunos poderiam exercitar o formato de ficção, a partir da
utilização de obras literárias (outras formas de expressão artística) como material de
partida. Então, os alunos tem como trabalho de conclusão, desde 2010, a produção de
filmes de curta metragem de ficção, com dez minutos de duração, aproximadamente,
adaptados de obras como crônicas, poesias, canções ou romances literários.
Em geral, a definição do autor e das obras que são adaptadas pelos alunos cabe
ao grupo de professores do semestre e se dá em reunião, onde cada professor lança
suas sugestões e, a partir de fatores como temáticas ou formatos literários, esse autor é
definido. Já foram adaptados, e reverenciados, Clarice Lispector, Raul Seixas, os afro-
sambas de Vinícius de Moraes e Baden Powell, e Jorge Amado, no ano de seu
centenário.
83
No caso do trabalho de conclusão dos alunos-sujeitos dessa pesquisa para o
segundo semestre de 2014, o grupo de professores do quarto semestre definiu que o
material de partida para as adaptações cinematográficas seriam poemas e letras de
Waly Salomão. Foi dentro desse contexto temático que a pesquisa aconteceu.
Fig.14: Waly Salomão
Baiano de Jequié, o poeta Waly Salomão foi um dos maiores nomes do
Tropicalismo, movimento cultural que reuniu grandes artistas como Torquato Neto,
Caetano Veloso, Gal Costa e Jards Macalé, durante os anos setenta. Filho de um
imigrante sírio e de uma sertaneja baiana, como ele mesmo dizia, Waly fez parte da
vanguarda artística desse período, e integrou o elenco de colaboradores da Navillouca,
uma importante publicação vanguardista da época; seu nome está por trás de canções
de sucesso como Mal Secreto e Vapor Barato, entre outras.
Da geração do movimento hippie, da contracultura e da revolução sexual, Waly,
em sua vida e obra, é impactado por sua época, e, impregnado, despeja isso em sua
escrita, conciliando poesia concreta com a visualidade da escrita irreverente e
marginal. Polifônico, o poeta em sua obra também dialoga com a fotografia e as artes
plásticas, e lançou Babilaques, em 2007, um livro de obras visuais.
A escolha do tema (o autor) determina, invariavelmente, tanto o processo de
produção, quanto as escolhas estéticas na realização dos curtas metragens, e uma
programação foi elaborada a fim de que os alunos pudessem conhecer e absorver o
espirito de Waly, através de sua obra, e imprimí-lo em suas narrativas fílmicas.
84
Enquanto uma proposta que tem como finalidade proporcionar uma experiência
significativa para o aluno, todo o processo é conduzido de forma que os mesmos
criem e produzam com autonomia, a partir dos conhecimentos que foram adquiridos
durante o curso. Entende-se aqui autonomia como a possibilidade de, dentro de
uma série de regras e de obrigações, o aluno e sua equipe fazerem escolhas e
empreenderem ações que possam, dentro dessa moldura rigorosa, ser resultados de
escolhas deles próprios. Escolhas essas que são e foram atravessadas pelo desejo,
pelas circunstâncias e pelas limitações concretas (financeiras, técnicas, pessoais)
das equipes realizadoras.
Isso é concretizado na medida em eles que participam da elaboração e criação
dos roteiros, produzem elenco e locações, realizam as pesquisas de época – sobre a
música, a história, figurinos e o contexto histórico do autor - e participam e
respondem por todas as etapas do processo de produção; enfim, na medida em que
praticamente todas as ações são elaboradas, compartilhadas, discutidas e organizadas
coletivamente, a fim de originar a obra.
A cada início de semestre o autor escolhido é apresentado à turma através de
sua obra. São sessões de cinema, palestras e outras ações que acontecem com a
intenção de proporcionar ao aluno uma imersão no universo desse autor, para que ele
possa, com isso, construir um pequeno repertório de conhecimentos acerca de seu
perfil, suas inquietações, temáticas frequentes, seu contexto cultural, sua época.
Para o processo de adaptações de obras de Waly Salomão foram idealizados
acontecimentos que pudessem inspirá-los, como foi, por exemplo, a visita de Claudia
Salomão, das roteiristas Ana Paula Guedes e Amanda Aouad, o recital de poesias
promovido no início do percurso de produção com a participação do ator Herbert
Leão, a exibição de Pan Cinema Permanente – documentário de Carlos Nader sobre
Waly Salomão - e as pesquisas de referências50. Todas essas iniciativas colaboraram
para o despertar imaginativo de todos os envolvidos que, após cada encontro,
começavam a esboçar suas ideias e narrativas, e a tomar as primeiras providências de
50 Ampliam o repertório cultural ao propiciarem ao indivíduo a oportunidade de aprofundar conhecimentos sobre um determinado tema.
85
ordem prática, geradas pelas imposições criativas, para a realização dos curtas. Isso é
produzir, afinal.
Todo esse repertório, além da própria obra original, serviu como referência para
a construção dos roteiros e, mais à frente, para a realização dos filmes de curta
metragem. As pesquisas de referência (filmes, músicas, poesia) ocorreram durante
todo o processo, pois auxiliaram na criação da obra, desde a pré-produção até a sua
finalização. As referências significam também um recurso que orienta toda a equipe
na execução dos trabalhos, e clarifica a ideia criativa do diretor, em princípio bastante
abstrata para um cliente ou um produtor executivo, no caso de uma produção
profissional, por exemplo.
Quando se trata de um filme publicitário, esses somente podem ser produzidos
após a aprovação pelo cliente, que ocorre depois da apresentação de um
shootingboard, que é um desenho das cenas que serão realizadas, contendo já
informações sobre fotografia, cor, direção de arte, planos e ângulos de câmera,
profundidade de campo, movimentos de câmera e perspectiva. Todos eles desenhos
elaborados a partir da imaginação criativa do Diretor - mas também das pesquisas de
referências -, e que mais tarde poderão ser visualizados na tela não mais como
desenhos, e sim como representações fílmicas. Esses esboços precisam deixar claro
para o cliente que filme eles receberão dias depois.
As pesquisas de referências não deixam de ser um importante recurso
inspirador, pois permitem ao aluno estudar e pesquisar a vida e obra do autor, seu
contexto histórico, inquietações e temáticas mais recorrentes. O material audiovisual
já produzido sobre esse período e sobre o autor, e utilizado como fontes de
informação pelos alunos, tiveram o poder de inspirar, mas também aprisionaram,
provocando uma excitação que se expressou criativamente. No caso de Waly
Salomão, foi necessário estudar referências sobre os anos 60 e 70, o golpe militar, a
contracultura, o Tropicalismo, a MPB, as artes plásticas de Hélio Oiticica e a poesia,
entre outros, de Paulo Leminski. Sem esse “passeio” por outros territórios artísticos e
culturais, o projeto das adaptações perderia o seu significado.
86
Por acreditar na importância e na necessidade de um planejamento múltiplo e
rigoroso para a realização dos curtas acadêmicos, o cronograma do projeto e algumas
datas importantes, como a data de exibição na Sala Walter da Silveira, foram
apresentados no primeiro encontro do semestre para que, ainda que mergulhados no
processo de produção, todos tomassem conhecimento das ações do processo e
pudessem programar-se para entregar as atividades de cada etapa dentro do prazo
previsto, como funciona na produção de obras profissionais. Havia espaço para
negociações e flexibilização, a partir das discussões com a turma em sala.
Desde o primeiro momento teve lugar aquela que é uma das características do
aprendizado em Artes e, mais especificamente, no audiovisual, qual seja: aliar rigor e
pensamento racional (definição de datas, da mecânica e das condições para que o
trabalho possa acontecer, e de todas as ações práticas nas quais a razão intelectual é
indispensável) simultaneamente e articuladamente com as motivações, fantasias e
imagens motivadoras do processo que estavam por vir, como no caso das imagens que
brotaram desde os primeiros encontros, a partir das vivências do aluno nesse ambiente
da produção audiovisual.
O calendário de acontecimentos programados com vistas ao aprofundamento do
tema trabalhado no quarto semestre e coordenado na disciplina Oficina de Produção
de Programas Audiovisuais – as adaptações audiovisuais de poesias de Waly Salomão
– começou com a visita à nossa sala de aula do grupo de roteiristas do Estação do
Drama, um coletivo formado por roteiristas com experiência nos mais variados
formatos audiovisuais: teledramaturgia, seriado de tv, documentários, web séries,
entre outros.
O coletivo de roteiristas foi convidado para ministrar uma aula contemplando
principalmente os temas Adaptação e Roteirização de obras literárias para o formato
audiovisual ficcional, além de abordar também o processo criativo do roteirista ao
escrever para o gênero ficção. Isso porque o curso de Produção Audiovisual somente
oferece a disciplina Roteiro uma vez durante o curso, e no último semestre e,
consciente da importância da construção do roteiro em um projeto de ficção, a
87
iniciativa teve lugar a fim de propiciar para os alunos uma visão complementar acerca
de roteiro para obras de ficção, e mais especificamente sobre roteiro adaptado.
Nesse encontro, ocorrido em 11 de agosto de 2014, os profissionais Amanda
Aouad, Rodrigo Lessa, Ana Paula Guedes e Gustavo Eric tiveram a oportunidade de
transmitir aos alunos alguns conhecimentos sobre roteirização, e indicar os aspectos
mais relevantes da obra original que devem ser considerados e preservados no
exercício de adaptá-la para um produto audiovisual de ficção, sem que haja subtração
da essência do material de partida, ou seja, da obra original.
Após a pergunta do aluno Anderson Borges (4’18”) sobre a dificuldade em
transformar algo que está, a princípio, apenas na imaginação, em um roteiro, a
roteirista, professora e produtora de televisão Ana Paula Guedes falou sobre a
importância de se trabalhar o tema central da obra e suas motivações; deixou escapar
que inseguranças, dúvidas e medos se apresentam durante o processo de roteirização,
e que o caos é intrínseco a esse ofício, ainda que, posteriormente, após muita pesquisa
e trabalho, do caos surja a criação e o roteiro, enfim. Segundo ela todo roteirista teria
algo a dizer. Esse seria o impulso inicial para alguém tornar-se um profissional de
roteiro.
O aluno Luis Eduardo questionou o roteirista Rodrigo Lessa sobre a
incapacidade do cinema em reproduzir determinadas condições que só uma obra
literária poderia fornecer ao seu leitor. O roteirista concordou e explicou que cada
meio possui sua especificidade e essa intenção, certamente, seria frustrada, pois o
cinema tem suas especificidades, assim como a literatura, a poesia ou a música.
Também em função da necessidade de sairmos da sala de aula fria e azulejada, a
ideia era apresentar algumas poesias de Waly Salomão de uma forma nunca antes
feita no curso. Então, durante a segunda aula da disciplina Oficina de Produção de
Programas Audiovisuais, no dia 18 de agosto, as poesias e letras compostas pelo poeta
foram apresentadas à turma em uma espécie de recital de poesias, onde um ator
convidado – Herbert Leão - fez a leitura dos poemas imprimindo uma interpretação
própria, amparado por alguns poucos elementos de cena como óculos, chapéu, gravata
88
borboleta, entre outros adereços. Ao fundo, projeções exibiam a imagem de Waly em
diferentes aparições.
Fig.15: Recital de poesias, com Herbert Leão
A ideia era encantar os alunos que, ao ouvirem as poesias sendo recitadas, se
identificassem com uma determinada obra e, ali mesmo, a escolhesse para adaptá-la.
O evento foi realizado no estúdio de tevê da Unijorge. O ator foi dirigido, a luz
marcada. O clima era intimista. Os alunos, sentados ao redor do ator, prestigiavam sua
89
performance e eram introduzidos, muitos pela primeira vez, no universo de Waly
Salomão.
As câmeras do Coletivo D.O.C. estavam presentes registrando todos esses
acontecimentos, entretanto as imagens feitas da plateia (os alunos) ficaram muito
escuras, impedindo que entrassem na edição final do documentário da pesquisa.
Essa iniciativa marcou o início da produção dos quatro curtas-metragens que
seriam realizados ao longo do semestre letivo, tendo como inspiração os poemas Mal
Secreto, B.O. – Boletim de Ocorrência, Clandestino, Sala Sunyata e o texto A
Cabeça, Gosto Que Avoe, todos escolhidos pelos próprios alunos, em aula posterior
ao recital.
As outras ações vieram a partir desse recital, como a exibição do documentário
sobre a vida do poeta, e a visita de Cláudia Salomão, sobrinha de Waly, que falaria
sobre o cotidiano dele, seu lado pessoal e humano. Curiosidades que acionariam a
imaginação dos alunos, preparando o terreno para a criação de roteiros originais, a
partir dos poemas.
Então, depois do Recital foi a vez se assistir, em sala de aula, ao documentário
Pan Cinema Permanente, sobre Waly Salomão, no dia 25 de agosto. O documentário
de Carlos Nader, de 2007, reúne imagens feitas com Waly e pelo próprio Waly, e não
somente sobre Waly, e revela algumas facetas deste poeta a partir das imagens de um
vasto material de arquivo.
A exibição provocou reações ambíguas. Alguns alunos se identificaram com a
energia criativa e alma artística do poeta, comentando, com explícita admiração, que
tudo na vida de Waly se transformava em poesia ou, entre gargalhadas diziam coisas
do tipo : Pôxa, o cara era doidão! e outros, nesse primeiro momento, rejeitaram a
intensidade do poeta. Essa exibição serviu como um panorama de sons e imagens
sobre o contexto e a época do autor.
Após a exibição, a turma debateu apenas rapidamente sobre o filme. A
espontaneidade e a “loucura” de Waly Salomão foram ressaltadas, alguns alunos não
sabiam que ele teve alguns de seus poemas musicados por grandes nomes da musica
popular brasileira, transformando-se em sucessos nas paradas musicais na época de
90
seu lançamento, nem sabiam que o poeta é natural de Jequié, Bahia. Nessa dinâmica
ainda não tínhamos nos aprofundado no conteúdo da obra de Waly, pois antes do
filme um problema no ar-condicionado nos fez mudar de sala, atrasando o início da
sessão e, ao final, o horário avançado se encarregou de encerrar logo a discussão.
No dia 27 de outubro de 2014 o grupo de alunos participou de um bate papo
com a produtora e sobrinha de Waly, Cláudia Salomão, que nos encontrou na agência
de comunicação dos cursos de Comunicação e Produção Audiovisual da Unijorge, a
Galáxia, outro espaço escolhido como locação para o documentário em função de
suas características. O ar “modernoso” do lugar, com computadores de última
geração, móveis coloridos e paredes de vidro, além de uma grande mesa ao centro,
ideal para o bate papo com Cláudia, funcionou bem como set de gravação.
A convidada nos forneceu material de sobra para a imaginação, na medida em
que contou histórias pessoais e familiares sobre o poeta, em clima de intimidade e
afeto, abrindo as portas para o lúdico e provocando no aluno a vontade de mergulhar
nesse desconhecido mundo, e traduzir a mensagem e o sentimento das obras de Waly
Salomão para o formato audiovisual. A aluna Évila Batista, a partir de seus estudos
prévios sobre o autor, comentou sobre o surrealismo presente na obra de Waly,
citando algumas passagens do poema Clandestino, obra que estava em processo de
adaptação pelo seu grupo; comentou também sobre a intimidade de Waly com a
câmera.
O aluno Milton Bispo destacou a identificação de Waly com a contracultura e
de seu envolvimento com a Tropicália, informações que ele pode obter a partir das
pesquisas que andou fazendo para a realização do curta, nas quais encontrou relatos
sobre a colaboração do autor em publicações vanguardistas como a Navilouca51, e
sobre sua ativa e produtiva atuação como letristas de reconhecidas canções da música
popular brasileira, na época da Tropicália (os anos setenta) e mais recentemente
também, como suas parcerias com a compositora e cantora Adriana Calcanhotto.
51 Revista de poesia e arte de vanguarda editada por Torquato Neto e Waly Salomão no início dos anos 70.
91
Fig.16: Cláudia Salomão
Após o período imersão criativa e de pesquisas de referências, teve início o
processo de produção em si, com suas etapas e ações supervisionadas, mas realizadas
pelos alunos do quarto semestre do curso de Produção Audiovisual. Criação do roteiro
adaptado, elaboração de personagens ficcionais, escolha do elenco, produção de
locações, decupagens de cena, direção de atores, iluminação do set, captação de
áudio, edição e finalização, entre outras ações foram, todas elas, realizadas pelos
alunos. Nesse projeto de adaptações audiovisuais, o aluno teve autonomia para
trabalhar, pois pôde tomar decisões, se colocar, manifestar pontos de vista.
Então, para a criação dos roteiros adaptados, os alunos reuniam-se durante a
própria aula ou em horários e locais definidos pelo grupo, a fim de articular as ideias,
as pesquisas e todas as informações recebidas nessa fase inicial do processo, e fazer
nascer o roteiro.
Possibilitar que esses alunos fossem sujeitos de suas ações durante esse
percurso também foi, desde sempre, uma grande vocação, e todas as etapas do projeto
foram pensadas a fim de deixar as grandes decisões acerca do processo de produção
nas mãos dos alunos. Todos sabiam que deveriam adaptar um poema de Waly
Salomão para um curta metragem de ficção em torno de 10 minutos. A partir disso, o
trabalho estava sob a responsabilidade das equipes.
O processo criativo vivenciado pelos alunos exigiu imaginação e um constante
trabalho de associação criativa, na medida em que trabalhavam em um roteiro
adaptado, cujas referências pesquisadas referiam-se a realidades e momentos
92
históricos diferentes do universo dos sujeitos envolvidos na experiência. As propostas
ficcionais fizeram nascer desse processo de imersão criativa plots52, narrativas e
personagens originais. Uma protagonista cega enxerga o mundo através de uma
câmera fotográfica (33´24”), um jovem ator tem seu sonho negado pela ação de
golpistas (42´34”), o surrealismo é a estética da criança que solta um pára-quedas de
brinquedo de cima de uma árvore (6´28”).
A equipe do filme Refúgio definiu, a partir das pesquisas de referência e da
interpretação coletiva sobre a obra original, que uma das protagonistas de seu curta
seria uma jovem cega, porém apaixonada por fotografia. Ela constantemente pede ao
pai que lhe compre uma câmera, para sair por aí fotografando. A partir dessa
definição da equipe, todo um trabalho de inserção no universo dos deficientes visuais
teve que ser feito, para que a construção ficcional, ou seja, a narrativa audiovisual
ficasse verossímil. O roteirista precisou conhecer a problemática dos deficientes
visuais, a fim de utilizar tais conhecimentos na obra. Então ele leu sobre o assunto,
assistiu a filmes que apresentavam personagens com a mesma deficiência do seu
personagem, conversou com especialistas no tema. O aluno Pedro e sua equipe
visitaram o Instituto de Cegos da Bahia, a fim de compreenderem melhor como vivem
as pessoas que não enxergam, como elas sobrevivem numa sociedade que não foi
feita para elas.
Fig.17: Clara, a personagem deficiente visual de Refúgio
52 O conflito principal da trama, a ideia central a ser desenvolvida e estruturada no roteiro.
93
Essas ações contribuíram para um maior entendimento acerca da realidade dos
deficientes visuais, bem como facilitou para o grupo de alunos a compreensão do
outro. Tomar parte de diferentes realidades, outras individualidades e outras
visões de mundo é uma consequência natural e bem-vinda de um processo de
produção audiovisual. Uma equipe técnica é formada por diferentes pessoas, com
origens e bagagens culturais diferentes. São individualidades interagindo e
contribuindo para a realização de um projeto em comum, de modo que o profissional
do campo audiovisual, de forma geral, tem facilidade em conviver com as diferenças,
já que esse fato é uma constante na sua rotina de trabalho.
Ainda na fase de confecção dos roteiros, as equipes começaram a planejar a
busca por locações (ou cenários). Esses espaços, utilizados como sets de gravação,
precisam atender a uma série de requisitos, e suas características encontram-se
codificadas no próprio roteiro. Durante a leitura desse documento de produção que é
um roteiro, uma determinada ação ou alguma pista revelada sobre uma locação ou
personagem podem e devem orientar o produtor de locações em sua busca. Esse guia,
o roteiro, deve orientar a equipe no sentido de viabilizar uma locação que corresponda
ao estilo de vida, à personalidade e ao contexto de atuação da personagem dentro da
trama.
Um produtor de locações experiente e habilidoso possui arquivadas fotografias
de locações já utilizadas por ele, bem como os meios de contato com os proprietários
ou responsáveis pelos espaços. No caso de locações muito específicas, este produtor
precisa sair a campo e bater de porta em porta pedindo autorização para gravar. Se ele
trabalha em Publicidade, por exemplo, provavelmente alugará o local por uma quantia
que deixará os proprietários bastante satisfeitos. O mesmo ocorre na produção para
tevê. Em caso de locações como um aeroporto, o valor do aluguel costuma ser alto e
muitas vezes essa locação precisa ser reproduzida em estúdio, a fim de não
comprometer o orçamento da produção em questão.
No nosso caso, produções acadêmicas, não havia verba para aluguel de
locações. Ou melhor, não havia verba. Então, o aluno encarregado pela equipe de
94
produzir as locações teria que sair pela cidade em busca das locações apropriadas para
seu respectivo curta, ou acionar amigos, parentes, conhecidos e colaboradores. Depois
de encontrado o espaço para gravar, o aluno deveria observar o nível de ruído na
região, verificar se por ali passa uma rota aérea que faria a equipe parar de gravar a
cada dez minutos, conferir se há espaço na locação para a instalação de um camarim
para acomodar os atores, garantir ao responsável pela locação a entrada e saída da
equipe no horário combinado e, principalmente, comprometer-se, em nome de todos,
a não danificar o espaço. Sem custo.
Obviamente, por ser um trabalho sem remuneração e no qual o espírito
cooperativo é estimulado, todos do grupo estavam liberados para auxiliarem o
produtor de locações da equipe na pesquisa por esses locais, assim como os outros
departamentos puderam contar com a ajuda do restante da equipe, afinal, estavam
todos produzindo coletivamente, mas o mesmo produto.
A equipe do curta Refúgio gravou cenas para seu curta na casa noturna Zen, no
bairro do Rio Vermelho; um teatro foi utilizado pelo curta Salomão Sem Roteiros e a
equipe de Atus II esforçou-se bastante para encontrar a árvore ideal para a realização
de uma cena importante de seu filme. A preocupação com a locação tem fundamento.
Ainda que o espectador, em geral, não pare para prestar atenção exclusivamente nesse
quesito, em um nível inconsciente é da maior importância para a construção de um
relato audiovisual, seja ele ficcional ou documental. A locação transmite o clima da
obra, sua intenção, e não serve apenas de “fundo” para as ações. Ela ajuda a contar a
história, contribui com a compreensão sobre o tema da obra. A reprodução de um
cenário, na maior parte das situações, deve ser crível, pois assim poderá atingir seu
espectador mais facilmente.
95
Fig.18: Gravação do curta Refúgio na boate Zen
Dessa forma, o Zen foi utilizado para ambientar uma cena de paquera entre um
jovem casal, o teatro serviu de cenário para a cena na qual o personagem Salomão
ensaia seu texto antes de filmar, e a equipe do curta surrealista Atus II conseguiu
atingir seus objetivos ao associar uma trilha instrumental a uma cena onde o
personagem golpeia o tronco de uma árvore com um livro por diversas vezes, em slow
motion53, extraindo o lirismo desejado pelo grupo desde a fase de concepção do
roteiro.
Durante a confecção dos roteiros, nascem também os personagens.
Características, temperamentos, objetivos narrativos específicos, os personagens
ganham vida própria depois de construídos, e eles mesmos determinam o material
humano que lhes dará vida durante as gravações. A pesquisa e escolha de elenco
devem ser feitas obedecendo a esse critério: os atores devem apresentar semelhanças
com os personagens da ficção, mas não somente isso. Há algo de imponderável na
escolha do elenco de uma obra, que leva em consideração um sentimento, intuição ou
percepção do diretor, que, dominando o perfil físico e psicológico do personagem,
escala um determinado ator e não outro, por reunir todos esses elementos.
No filme Atus II, um dos protagonistas é um personagem de mais ou menos oito
anos. Durante o teste de elenco, a equipe queria encontrar um ator mirim que fosse
muito parecido com o autor da obra original, Waly Salomão, ainda que o personagem
53 Câmera lenta. Efeito de câmera geralmente utilizado para provocar tensão ou prolongar instantes.
96
não fosse o próprio Waly quando criança. Foi uma maneira que a equipe encontrou de
homenagear o autor da obra original. Algumas crianças foram testadas para o papel.
Muitas até se pareciam com o poeta, fisicamente. Entretanto, o ator selecionado foi
um estreante (não ator), que, além de interpretar satisfatoriamente e ser parecido com
Waly, possuía o humor e a desinibição necessários para o personagem, que
facilitaram o trabalho de direção durante as gravações e agregaram valor à obra.
Fig.19: Álvaro Batista em cena de Sala Sunyata
O teste de elenco aconteceu no estúdio de tevê da Unijorge, no dia 15 de
outubro de 2014. Todos os grupos testaram os atores nesse mesmo dia. Mesmo se
tratando de um projeto acadêmico, sem pagamento de cachê, normalmente alguns
atores interessam-se em participar porque dessa forma exercitam sua arte para as
câmeras. Mas não é sempre que um profissional tem interesse ou disponibilidade para
ceder a um projeto universitário. A seleção de elenco, portanto, é aberta para todos os
interessados em participar, não somente atores profissionais. Essa decisão foi tomada
desde edições anteriores do projeto, quando havia grande dificuldade em produzir os
elencos dos curtas somente com profissionais.
Então, entre os não atores foram selecionados para os curtas, além de Álvaro
Batista (o ator-mirim), Leonardo Costa, que é professor do curso de Design da
Unijorge, que também nunca havia interpretado antes, e Jayne Sales, que viveu a
97
personagem cega do curta metragem Refúgio e é namorada de um membro da equipe
realizadora, entre outros.
A decisão de trabalhar com pessoas comuns (os não atores) pela falta de verba
de produção trouxe à tona outro aspecto interessante desse projeto: o lançamento de
novos atores no mercado e a formação de atores para o audiovisual, especificamente,
afinal é muito diferente o trabalho do ator no teatro e frente às câmeras, quando ele
tem que se preocupar com sua marcação de cena, com o posicionamento da câmera a
fim de favorecer-se para ela, com a iluminação, com a ordem de gravação das cenas,
que obedece à lógica do plano de filmagem, e não à lógica do roteiro, só para citar
algumas especificidades da atuação para audiovisuais.
Fig.20: Leonardo Costa em cena do curta Refúgio
Esse material humano selecionado no teste, entre atores e não atores, foi
responsável por dar vida a personagens inteiramente idealizados pelos alunos, que
durante os ensaios e posteriormente nas gravações puderam concretizar suas ideias de
personagem e de atuação. Muito dessa concretização depende do trabalho de direção
de ator, que deve articular informações como o próprio perfil do personagem, as
intenções e a função desse personagem dentro da trama. Nesse processo, o aluno
precisa interpretar, associar, imaginar, ter iniciativa, ser crítico e autônomo para
decidir o tom certo da atuação, para definir para que lado do cenário o ator vai se
dirigir depois de finalizada sua fala, para escolher o figurino da protagonista em
98
determinada cena, para discernir se a atuação da atriz está verossímil, no caso da
personagem cega, por exemplo.
Com elenco e locações produzidos, e os ensaios acontecendo em paralelo, os
grupos iniciaram o período de gravações cada um em seu tempo, mas respeitando o
cronograma, que sempre deve contemplar imprevistos, pois estes ocorrem
frequentemente. Então, articulou-se a disponibilidade das locações com a
disponibilidade dos atores e foram elaborados, pelos diretores de cada equipe, o plano
de gravação54, que deveria ser executado nas diárias.
As equipes, ensaiadas, iniciaram a diária de gravação de acordo com a ordem do
dia55. Todos os envolvidos sabiam a hora de chegar e de sair do set, quantas cenas
seriam gravadas naquele dia e que atores estariam presentes. Tudo a partir de
documentos elaborados pela Produção e pela Direção, e que todos deveriam estudar
nas vésperas da gravação e fazer cumprir, para o bom andamento do trabalho.
Nesse contexto, todos são iguais em responsabilidade e importância no grupo.
Se um integrante do grupo, na condição de Diretor do curta metragem, manifesta
satisfação com a realização da cena, será ouvido e sua decisão acatada pela equipe. O
mesmo acontece quando o aluno que faz as vezes de um produtor de locações escolhe
uma determinada locação. Ele compreende o que a locação tem para oferecer ao
filme, e sua escolha é considerada.
Quando a equipe resolveu que seu curta metragem adotaria uma estética
surrealista, nenhuma influencia externa colaborou para essa decisão, a não ser a
intenção do próprio grupo, como acontece em Atus II, que a influência surrealista
aparece com frequência, a exemplo da cena onde o personagem Waly criança
caminha por uma bucólica estrada de terra quando livros, de repente, começam a cair
sobre sua cabeça; ou quando esse mesmo personagem assiste a uma aula de
54 Planilha de produção elaborada geralmente pelo produtor ou assistente de direção. Nesse documento constam informações como a ordem das cenas que serão gravadas na diária, os sets, objetos de cena, elenco, figurinos e todas as providências que deverão ser tomadas pela producão, a fim de viabilizar a realização da obra. 55 A ordem do dia é preparada na véspera da gravação. Relaciona os nomes dos que estarão presentes na gravação, determina horários de chegada e saída da equipe e elenco, informa horário de início e final de cada cena, a parada para o almoço e outras informações de ordem prática que auxiliam na organização da diária de gravação.
99
matemática e, de repente, tem sua atenção roubada por um soldadinho de plástico que
está em cima da mesa do professor. Ele o pega e, já fora da sala, amarra esse
soldadinho a um saco plástico e simula um pára-quedas, deixando-o cair do alto de
uma árvore (06’57”).
Fig.21: Cena de Atus II
Alguns grupos começaram a gravar já no primeiro dia do cronograma de
gravações, e outros, por problemas ou imprevistos – como a viagem de um dos atores
no período – precisaram atrasar o início das gravações.
Boate Zen, interior/noite. O local está agitado. Jovens transitam pelo espaço de
um lado para o outro. Clima de paquera no ar. O rapaz olha para a garota que está em
uma mesa à sua frente, e ela é receptiva. Ele caminha até ela. Mas um movimento de
100
câmera indesejável encerra a gravação do take56. O produtor Filipe rapidamente repõe
os líquidos das taças de champagne que estão em cima das mesas, Álvaro confere o
áudio, o diretor Lemuel repassa com Moisés - o outro cinegrafista - o comportamento
da câmera, afina a marcação do ator e corrige levemente a posição da atriz no cenário,
pois a mesma está impedindo que o refletor ilumine a face do ator, quanto este se
aproxima frente a ela na cena. Ajustes feitos, a equipe posiciona-se novamente para
gravar o segundo take. Mas o set ainda está muito barulhento. Há muitos figurantes na
cena. O diretor Lemuel pede silêncio e concentração. Diz aos figurantes que se
comportem como se estivessem realmente numa casa noturna, mas não devem falar,
pois o som das vozes prejudicará o áudio da cena. No máximo, podem fingir que
estão conversando. Tudo pronto para gravar. O ator refaz seu percurso em cena e já
próximo à atriz, em primeiro plano57, diz seu texto: - Boa noite, tudo bem?...
Fig.22: Cena de Refúgio
Esta passagem descreve bem o clima de um set de gravação e como deve ser a
participação da equipe técnica e do elenco: comprometida com o trabalho, eficiente
para dar conta do plano de gravação, e colaborativa, em benefício da obra. Todos ali
têm o mesmo nível de responsabilidade e sua participação é decisiva para o sucesso
do trabalho, que surgiu a partir da imaginação criativa do aluno e começa ganhar
56 Trecho de filme ou video produzido sem cortes. Na realizacão de um plano de cena podem ser feitos alguns takes (ou tomadas) até que se chegue a um resultado satisfatório, o plano ideal. 57 Geralmente enquadra o ator no tórax. Valoriza a expressão fácil, a fala e o estado emocional do personagem.
101
forma na gravação e se completa na pós-produção, quando a obra ou produto é
editado (ou montado) e finalizado.
A edição do material bruto dos quatro curtas metragens acadêmicos ocorreu
imediatamente após as gravações. Cada equipe editou e finalizou seu curta de forma
autônoma, segundo o roteiro e segundo suas próprias intenções. Ficou a critério da
equipe definir o software de edição e finalização que seria utilizado, bem como se
editariam na Unijorge ou de forma independente.
Nessa jornada, as câmeras do Coletivo D.O.C. fixavam-se no aluno e em seu
desenvolvimento acadêmico; mas, sobretudo, na sua formação enquanto indivíduo e
produtor de conteúdos audiovisuais, podendo expressar sua criatividade livremente,
com autonomia, tornando-se um ser mais crítico e sujeito de si. Diante disso, há
relevância na discussão e no estímulo a um processo dialógico no qual a interação e
o intercâmbio de informações e de saberes, para dar conta das necessidades de
realização do projeto, são as bases nas quais se sustentam todas as estruturas
dessa atividade.
Em 17 de dezembro de 2014 aconteceu a sessão de exibição dos filmes na Sala
Walter da Silveira, às 20 horas. Normalmente, a ordem de exibição dos curtas segue
critérios como qualidade da produção, ritmo e temática apresentada no filme,
distribuídos de forma equilibrada. Por decisão interna da própria equipe realizadora, o
curta Salomão Sem Roteiros deveria ter sua última cena gravada ao vivo, no cinema.
O ator Emerson Bulcão entraria na sala escura recitando o texto A cabeça, gosto que
avoe, e, em seguida, subiria ao palco e assim terminaria a cena. A equipe se
responsabilizou pela instalação da tecnologia adequada para que essa situação
pudesse acontecer, e por isso, o filme deveria ser o primeiro filme a ser exibido
naquela noite. Tudo estava, aparentemente, organizado e planejado. Entretanto, uma
hora antes da sessão iniciar, o grupo passou por algumas dificuldades, pois a
tecnologia a ser utilizada não funcionou e a equipe teve que exibir a mesma cena, que
já havia sido gravada anteriormente, para o caso de algo dar errado (Plano B), na hora
de exibir. E foi o que ocorreu. A equipe exibiu seu filme em DVD, enquanto os outros
três grupos fizeram a exibição de seus filmes em arquivo digital (.mov).
102
Passado o susto inicial, e depois de algum nervosismo, a sessão teve início com
a sala lotada de espectadores. Alunos do curso, atores dos curtas, familiares e
colaboradores estavam presentes para prestigiar a sessão. Entre um filme e outro, as
equipes realizadoras foram convidadas a subir ao palco. Receberam aplausos pela
realização e agradeceram a todos os colaboradores, aos familiares, ao curso.
O aluno Pedro encerrou a comemoração afirmando o seguinte: “O sentimento
que eu tenho é de que a coisa mais importante, o verdadeiro ouro que a gente
conseguiu, e acredito que é uma coisa válida para diversos espaços, é isso aqui que a
gente tá vendo: relações”.
E com a fala de Pedro, um aluno que a partir da experiência proposta ao grupo
conseguiu compreender que para além de um bom diretor, roteirista ou editor, o êxito
de um projeto audiovisual reside no verdadeiro espírito colaborativo, eu também
encerro esse texto com o sentimento de dever cumprido. De ter sido capaz de
iluminar, mesmo que timidamente, o caminho desses indivíduos no sentido de
sugerir-lhes que para uma formação mais abrangente e rica é necessário desenvolver
não somente as habilidades técnicas ou profissionais, mas também burilar o sujeito
que está por trás, o homem, o cidadão.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho se propôs, inicialmente, a investigar em que momentos do
processo de realização fílmica o aluno, submerso nessa experiência, pode
desenvolver, amadurecer ou ser despertado para determinadas habilidades que, para
além do que é ofertado no conteúdo programático da disciplina Oficina de Produção
de Programas Audiovisuais, do curso de Tecnologia em Produção Audiovisual, da
Unijorge, parecem compor a fisionomia do homem contemporâneo e
predestinadamente mutável, tecnológico, flexível, dinâmico e diversificado em sua
rede de relações.
Interessava ao projeto de pesquisa refletir sobre tais aspectos que compõem o
indivíduo de nossos dias, e procurar identificar, no fazer audiovisual, as
103
circunstancias em que as habilidades aqui investigadas se manifestam, colaborando no
desenvolvimento do aluno enquanto indivíduo, enquanto sujeito e cidadão, e
colocando a atividade da produção de conteúdos audiovisuais como um ambiente
favorável à apreensão de conhecimentos e à formação humana.
Portanto, o foco desse trabalho residiu na investigação e reflexão sobre como
poderiam ser desencadeados, elaborados e construídos os processos de criatividade,
colaboração, construção da autonomia e compreensão das diversidades no
percurso da produção de uma obra audiovisual no contexto de um coletivo de alunos,
em situação de aprendizagem, e como essa prática pode contribuir com a formação de
um aluno que seja autor de sua própria biografia, no sentido de que age no mundo de
maneira crítica e, ao transformar a realidade em que vive, e o mundo,
consequentemente, ajuda a fazer história, tornando-se um ser histórico-social58.
Ao longo desse relatório técnico descritivo de pesquisa, e também do outro
produto deste mestrado profissional, o documentário Não É O Olho Que Vê, buscou-
se evidenciar os processos criativos que os alunos sujeitos dessa pesquisa
vivenciaram, tendo como contexto o ambiente de uma produção audiovisual
acadêmica, e que, mesmo sendo um projeto universitário, trouxe consigo parâmetros
de realização equivalentes aos modelos de produção do mercado profissional do
audiovisual. Afinal, foi a partir desses parâmetros que se pôde observar, identificar e
avaliar os resultados conseguidos não somente pelos alunos sujeitos na jornada de
produção de seus curtas, mas também pelo próprio documentário da pesquisa ao
registrar o passo-a-passo, a manufatura desses trabalhos acadêmicos, bem como a sua
própria metalinguagem.
Importante deixar claro que, nesse projeto de adaptações, nunca se classificou
os curtas acadêmicos como bons ou ruins, e sim foi avaliado o desempenho do aluno
em cada fase da produção, sua atuação na experiência proposta, e sua capacidade de
resolver problemas e sua criatividade.
58 “Através de sua permanente ação transformadora na realidade objetiva, os homens, simultaneamente, criam a história e se fazem serem históricos-sociais”. (FREIRE, p.52)
104
Observou-se de que forma se desenrolaram os processos criativos desde a
transcrição das poesias e letras de Waly Salmão para os roteiros cinematográficos até
a realização fílmica, num exercício constante de associação criativa. Para a artista
plástica Fayga Ostrower criar é dar forma, concretizar, realizar, afastando-se da ideia
de que a criatividade resume-se ao campo das ideias, simplesmente. Ora, a produção
fílmica nada mais é do que atribuir uma forma ao que está, inicialmente, idealizado;
ao que, em princípio pode-se dizer, é apenas uma imagem mental, descrita em uma
proposta criativa.
Transferir personagens e situações de um formato literário para o formato
audiovisual requer associações, imaginação, criatividade, mas também uma
sensibilização perante o outro (compreensão das diversidades), a fim de se apropriar
da essência do próprio autor e suas inquietações refletidas na obra, da obra em si, das
individualidades que a principio habitam os versos e estrofes (os personagens), mas
que posteriormente ganharão rosto e voz na tela de cinema. Personagens e cenários
que adquirem um corpo físico, uma imagem que é um pouco a imagem criada pelo
poeta, mas, sobretudo, e isso sempre foi o mais importante nesse projeto de
adaptações, uma imagem construída a partir de articulações internas, sensíveis e
criativas dos integrantes das equipes de alunos, encarregados de inventarem novas
histórias a partir das pistas lançadas no material de partida, ou seja, a obra de origem.
Houve, durante o processo de pesquisas de referências, uma investigação
consistente desses elementos por parte dos alunos, que tomaram para si o
compromisso de criar obras que não só se relacionassem diretamente com os textos
adaptados, mas que carregassem em sua formulação traços de suas próprias
individualidades, suas inquietações, questionamentos e pontos de vista. Assim
também puderam lançar mão de sua autonomia, criativa porém responsável, e com
limites, para poder ter voz, a partir do que imaginaram realizar, imprimindo seu
próprio discurso nas narrativas, e dando aos personagens o papel de porta-vozes desse
discurso.
O educador Paulo Freire nos coloca que de nada adianta ter liberdade e
autonomia sem responsabilidade. Então, para que os curtas pudessem ser realizados,
105
uma série de decisões e providências tiveram que ser tomadas, desde a definição de
um cronograma de ações até o conceito visual de cada obra acadêmica.
Os próprios alunos, munidos com os conhecimentos adquiridos também em
semestres anteriores tiveram condições e desejaram definir os caminhos em cada
etapa da produção de seus curtas, obviamente com o acompanhamento e orientação
deste pesquisador. Então elaboraram a proposta estética dos curtas, as locações,
escolheram os atores que viveriam os personagens criados por eles, criaram o
planejamento de gravações e se encarregaram de toda a logística de produção, como
transporte e alimentação para equipe e atores, horários de chegada e de saída de todos
durante a fase de captação de imagens. Os alunos desenvolveram o roteiro técnico e
definiram que fotografia seria empregada, a entrada dos créditos, o trabalho de
correção de cor na fase de finalização. Isso significou, e significa, exercitar a
responsabilidade e a cooperação dentro da responsabilidade.
Estudar e sentir o poema, e fabricar uma narrativa original, com acontecimentos
que relacionam-se apenas minimamente com este poema, exige iniciativa e uma
percepção mais crítica da realidade, pois teriam que ser feitas atualizações da obra
literária, que afinal foi escrita em outro momento histórico, pelas mãos e imaginação
de outra pessoa. Portanto, o aluno precisou fazer ajustes e adequações, trazer certas
ações para a contemporaneidade. Foi preciso lançar um olhar crítico sobre o homem
de ontem e o homem de hoje, pensar sobre si mesmo, sua realidade e sobre as
formatações que nos são impostas e que eles mesmos as absorvem e vivenciam,
afinal, como afirma Fayga Ostrower, o homem é a própria cultura, que se transforma
e transforma os costumes.
Através desse trabalho, e de sua iniciativa e atitude crítica, o aluno explorou a
sua própria capacidade de refletir por si mesmo, tirando conclusões próprias sobre
determinados temas, evitando o pensamento único e massificado, que ratifica a
monocultura do saber pelo ideal moderno. Ele pode perceber, por meio do
multiculturalismo predominante no ambiente da produção audiovisual, que há lugar
para as mais diversas formas de expressão, artística e individual, afastando-se do
olhar limitante preconceituoso, em nada afinado com o modelo de sociedade
106
contemporânea, diversificada, multirreferencial. Ele pôde conviver com as diferenças
num ambiente onde essas diferenças são bem-vindas pois são indispensáveis para
enriquecer o trabalho. Explorar o universo dos deficientes visuais, por exemplo,
motivou o grupo para a criação de uma personagem sensível e coerente, madura e
respeitosa para com as pessoas que possuem essa deficiência.
A colaboração, outra dimensão observada nesse processo, intrínseca à
produção audiovisual, aconteceu a todo momento nesse projeto, desde a formação das
equipes de trabalho até a montagem do material captado. Os grupos, mais do que
nunca, importaram-se com a natureza colaborativa do processo e demonstraram
compromisso com a realização dos curtas. Estavam todos, em grupos, trabalhando por
um fim maior, o curta metragem produto da disciplina. Foram maduros ao definirem
os membros das equipes considerando não somente as afinidades entre eles, mas
também o que cada um poderia acrescentar ao trabalho, demonstrando consciência de
que o grupo fica mais forte se cada integrante desempenha melhor uma função
diferente, facilitando a execução das ações durante as etapas de produção.
A perspectiva metalinguística do projeto tomou corpo à medida que o processo
ia avançando e mostrando que esta era uma abordagem obrigatória nesse projeto de
mestrado profissional, pois a todo momento esteve sob investigação, mesmo antes que
isso tivesse ficado claro para este pesquisador, não somente o projeto acadêmico de
adaptações cinematográficas pelos alunos, e o que dele poderia decorrer, mas também
o modo de ensinar deste pesquisador. Além disso, seu olhar sobre o percurso,
impresso no documentário Não É O Olho Que Vê.
Ambos os processos acompanhados pelas lentes do Coletivo D.O.C. As
camadas fílmicas revelam processos de produção que, ao mesmo tempo em que se
fundem e se intercalam na estrutura do filme, refletem sobre o próprio fazer
audiovisual, a metalinguagem cinematográfica, outro eixo explorado no documentário
e neste relatório técnico e descritivo.
Esse “olhar do olhar” que se tornou o documentário apropriou-se de materiais
originalmente construídos com outros objetivos, em outros contextos, a fim de
expressar determinados significados, e os agenciou de tal forma que tais passagens,
107
ressignificadas no novo contexto (o documentário), passaram a opera a favor da obra
em construção. Desse modo, tanto as imagens de arquivo de Waly Salomão quanto os
trechos dos curtas acadêmicos utilizados no filme Não É O Olho Que Vê não referem-
se diretamente aos materiais de onde se originam, mas atuam como colaboradores da
narrativa documental, ampliando seus significados.
Assim como as outras artes visuais, como o desenho, a gravura, a pintura, a
fotografia ou a escultura, a obra audiovisual, ao associar produção artística,
informação histórica e apreciação estética está provocando o crescimento individual e
o comportamento cidadão do indivíduo, preparando-o para as constantes exigências e
transformações do mercado profissional e da sua própria realidade de vida, fazendo-o
desenvolver em si, além de um compromisso responsável com o planeta, uma
permanente capacidade de se reinventar.
108
REFERÊNCIAS
AUMONT, Jaques. A Imagem. 7. ed. São Paulo: Papirus, 2002.
BARBOSA, Ana Mae. Arte, Educação e Cultura. Portal Domínio Público. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do? select_action=&co_obra=84578&co_midia=2>. Acesso em: jun. 2015 BERNADET, Jean-Claude. A Subjetividade e as Imagens Alheias: ressignificação. In: BARTUCCI, Giovanna (Org.), p. 21-44. Psicanálise, cinema e estéticas de subjetivação. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
____. O Espectador Como Montador. Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 ago, p. 1-2. 1999.
COSTA, M. H. Cinema: um recurso audiovisual aplicado à educação. In: 5 Encontro de Reflexões e Ações no Ensino da Arte, 2005, Uberlândia. 5 Encontro de Reflexões e Ações no Ensino da Arte, 2005. Disponível em: <http://www.nupea.fafcs.ufu.br/atividades/5ERAEA/5ERAEA%20(9).pdf>. Acesso em: 14/06/2014.
DANCYGER, Ken. Técnicas de Edição para Cinema e Vídeo. História, Teoria e Prática. 4 ed., Rio de Janeiro, Elsevier, 2007. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. JULLIER, L; MARIE, M. Lendo as Imagens do Cinema. São Paulo: Senac, 2009. LINS, Consuelo; MESQUISTA, Claudia. Filmar o Real. Sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro, Zahar, 2011. MAFFESOLI, Michel. O Sistema Educacional Não Funciona Mais. 2014. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/04/o-sistema-educacional-nao-funciona-mais-diz-michel-maffesoli-4473443.html>. Acesso em 17/01/2015. MENIN, Maria S.S. Desenvolvimento Moral. In MACEDO, Lino (Org.). Cinco Estudos de Educação Moral / Jean Piaget (et al). 2 Ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. MERCADO, Gustavo. O Olhar do Cineasta: aprenda (e quebre) as regras da composição cinematográfica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
109
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MOURA, Edgar. 50 Anos, Luz, Câmera, Ação. São Paulo: Senac, 2002. NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. 3.ed. São Paulo: Papirus, 2005. NOGUEIRA, C. M. M; NOGUEIRA, M. A. A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educ. Soc. [online]. Belo Horizonte, n.78, vol.23, pp. 15-35. Abril. 2002. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/es/v23n78/a03v2378.pdf>. Acesso em 10/09/2014.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 24. ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1977.
PIAGET, Jean. Os Procedimentos da Educação Moral. In MACEDO, Lino (Org.). Cinco Estudos de Educação Moral / Jean Piaget (et al). 2 Ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. SEVERINO, Antônio J. Formação Docente: conhecimento científico e saberes dos professores. In: Árius: Rev. Ciências Humanas e Artes, v.13, n2, jul./dez. 2007. Disponível em: http://www.ch.ufcg.edu.br/arius/01_revistas/v13n2/01_arius_13_2_formacao_docente.pdf. Acesso em: 14/06/2014.
SODRÉ, Muniz. Reinventando a Educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
VYGOTSKY, L.S . A Formação Social da Mente. 2° ed. São Paulo, Martins Fontes, 1988.
WOOLFOLK, Anita E. Psicologia da Educação. Artes Médicas, Rio Grande do Sul, 2000
110
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ALVES-MAZZOTTI, A.J. Representações Sociais: aspectos teóricos e aplicações à educação. Revista Múltiplas Leituras. UNIMEP. v. 1, n. 1, p. 18-43, jan-jun. 2008.
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
BACHELARD, Gaston. A Poética do Devaneio. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 1981. BAUMAN, Zygmunt. A Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BAZIN, André. O Cinema, Ensaios. 1.ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Obras Escolhidas Vol I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BERNADET, Jean-Claude. O Que É Cinema. São Paulo: Brasiliense, 1996.
BRESSANE, Júlio. Não Me Enterrem Vivo. In: O Globo. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/blogs/arnaldo/posts/2011/05/07/>. Acesso em 05/03/2014.
BLOCK, Bruce. A Narrativa Visual. Criando a Estrutura Visual para Cinema, TV e Mídias Digitais. São Paulo: Elsevier, 2010.
CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. 26 ed. São Paulo: Palas Athena, 1990.
CANCLINI, Néstor G. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 1997.
CARRIÈRE, Jean-Claude. A Linguagem Secreta do Cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
COUTINHO, Mário A.; SOUTTO MAYOR, Ana Lucia. Godard e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Tradição e transformação do documentário. Azougue Editorial, 2004. DELEUZE, Gilles. O Ato de Criação. trad: José Marcos Macedo. São Paulo: Folha de São Paulo, 1999.
111
DURAND, G. O Imaginário – Ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. 5 ed. Rio de Janeiro: Difel, 1994. EISENSTEIN, S. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. ______. O Sentido do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1996. ______. Educação Como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
GEADA, Eduardo. O Poder do Cinema. Lisboa: Livros Horizonte, 1985. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: O Jogo como Elemento da Cultura. 4.ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009. LÉVY, Pierre. O que é o virtual ? São Paulo: Editora 34, 1996.
LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1986. MARQUES, Mario Osório. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. 5.ed. Ijuí/Brasília: Unijuí e Inep, 2006
MIRANDA, C. E. A.; COPPOLA, D. G.; RIGOTTI, G. F. A Educação pelo cinema. Rev. Educação e cinema, Unicamp, 2005. p. 1-12.
MONTEIRO, Paulo F. “Fenomenologias do cinema”. 2014. Disponível em:
< http://www.bocc.ubi.pt/pag/monteiro-paulo-filipe-fenomenologias-cinema.pdf>. Acesso em 24/04/2014.
OSTROWER, Fayga. Acasos e Criação Artística. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1999.
______. A Sensibilidade do Intelecto. 5.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
PIRES, E. G. Algumas reflexões sobre Educação e meios audiovisuais. Travessias/UNIOESTE. Brasília, v. 06, p. 01-16, 2009. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:YTzM9l3INhMJ:e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/download/3374/2661+&cd=1&hl=pt-
112
BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em 12/12/2014.
ROBERT, Stam. A Literatura Através do Cinema – realismo, magia e a arte da adaptação. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
SANTAELLA, Lucia. A leitura fora do livro. Disponível em: <http://www.pucsp.br/pos/cos/epe/mostra/santaell.html>; Acesso em 4 de novembro de 2013.
SERPA, Felippe. Rascunho digital: diálogos com Felippe Serpa. Salvador: EDUFBA, 2004.
SILVA, L. G. A. Os limites culturais para a consolidação da gestão escolar democrática em um contexto tradicional. Inter-Ação, Goiânia, GO, v.36, n.1, 2011. Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/interacao/article/view/15038. Acesso em: 23/12/2013. SOBRINHO, M. D. Representações Sociais como obstáculos simbólicos a incorporação do habitus científico. UFRN, 2003.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 1° ed. São Paulo, Martins Fontes, 1987.
XAVIER, Ismail (org.). “Do Texto ao Filme: a trama, a cena e a construção do olhar no Cinema”. In Literatura, cinema e televisão. São Paulo: Editora Senac: Instituto Itaú Cultural, 2003.
113
FONTES CONSULTADAS
ADAPTAÇÃO. Direção: Spike Jonze. EUA, 2002. 1 bobina cinematográfica.
CICLO de Cinema – Marília Hughes. Direção: Caio de Almeida. Produção: Domínio Público. Local: Arte 1. Brasil, 2015. CRÔNICA de um Verão (Chronique D’un ÉTé). Direção: Jean Rouch e Edgar Morin. França, 1961. Brasil, 2015. 1 bobina cinematográfica.
ENSAIO de Orquestra (Prova d'Orchestra). Direção: Federico Fellini. Itália, 1978. 1 bobina cinematográfica.
ENTRE os Muros da Escola (Entre Les Murs). Direção: Laurent Cantet. França, 2008. 1 bobina cinematográfica.
HISTÓRIAS do Cinema (Histoire(s) du Cinéma:Toutes les Histoires). Direção: Jean-Luc Godard . França, 1988. 1 bobina cinematográfica.
ILUMINADOS. Direção: Cristina Leal. Brasil, 2007. 1 bobina cinematográfica.
JANELA DA ALMA. Direção: João Jardim e Walter Carvalho. Brasil, 2002. 1 bobina cinematográfica.
LA RICOTTA. Direção: Pier Paolo Pasolini. Itália, 1963. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=h4u_GE-1tiU>. Acesso em 12/03/2015.
MÁ Educação (La Mala Educación). Direção: Pedro Almodóvar. Espanha, 2003. 1 bobina cinematográfica.
MOSCOU. Direção: Eduardo Coutinho. Brasil, 2009. 1 bobina cinematográfica.
NASCIDOS em Bordéis (Born Into Brothels). Direção: Ross Kauffman e Zana Briski. Estados Unidos/India, 2004. 1 bobina cinematográfica.
NOITE Americana (La nuit amèricaine). Direção: François Truffaut. Local: Films du Carrose, 1973. 1 bobina cinematográfica. PLATAFORMA. Direção: Zhang-ke Jia. China/ Hong Kong / Japão / França, 2000. 1 bobina cinematográfica. O BALÃO Vermelho (Le Ballon Rouge). Direção: Albert Lamorisse. França, 1956. 1 bobina cinematográfica.
O DESPREZO (Le Mépris). Direção: Jean-Luc Godard. Itália/França, 1963. 1 bobina cinematográfica.
114
SANGUE LATINO com Tito Cossi. Direção: Felipe Nepomuceno. Produção: Roberto Berlinder e Rodrigo Letier. Local: Canal Brasil, 2014. SEEWHATCHLOOK. Direção: Michel Melamed. Produção: Michel Melamed, Bianca de Felippes e Marcello Maia. Local: Gávea Filmes e República Pureza Filmes, 74’. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=gv7DAmLVFF4 >. Acesso em: 12/03/2015. SOBRE OS ANOS 60. Direção: Jean-Claude Bernadet. 7’12” Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=bFLfsNg0dd4>. Acesso em: 29/11/2014. TOBY DAMMIT. Direção: Federico Fellini. 43’18”. Itália, 1968. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LvVXBfVHg2g>. Acesso em: 12/03/2015. UM HOMEM com uma Câmera (Chelovek s kino-apparatom). Direção: Dziga Vertov. 1:06’50”. União Soviética, 1929. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=axosrbPaWcw >. Acesso em: 08/07/2014.
UMA TEMPORADA na Escola Juilliard. Direção: Priscilla Pizzato. 26’. França,
2014. Local: Canal Curta, 2015.
115
8 APÊNDICES:
APÊNDICE A:
CRONOGRAMA GERAL DO PROJETO
116
APÊNDICE B: ROTEIRO DA MONTAGEM DO DOCUMENTÁRIO Não É O Olho Que Vê 01 – Recital (texto A cabeça, gosto que avoe); 02 – Insert de Waly dizendo texto A cabeça, gosto que avoe (imagem de arquivo); 03 - Depoimento do aluno Fábio sobre o grande valor de adaptar Waly Salomão; 04 – Reunião com coletivo (explicando o projeto e o documentário ) 05 – Aula: Évila e Wallace falam das suas ideias p/ o curta Atus II; 06 – Filipe fala sobre dificuldade para criar o roteiro; 07 – Palestra sobre roteiro adaptado: Ana Paula Guedes fala sobre roteiro adaptado; 08 – Palestra roteiro adaptado: aluno Anderson faz pergunta para roteirista Ana Paula; 09 – Amanda Aouad fala sobre roteiro adaptado; 10 – Aula: Wallace fala sobre a linguagem do seu curta (Atus II); 11 – Trecho de Atus II; 12 – Depoimento de Milton sobre seu envolvimento com o projeto de adaptação; 13 – Reunião com Coletivo D.O.C. sobre o processo criativo do aluno e a presença da câmera; 14 – Insert Waly : imagem de arquivo “esse olho”; 15 – Aula: sobre pesquisas de referências; 16 – Claudia Salomão fala sobre o contexto histórico, intelectual e político (anos 70) em que viveu Waly Salomão; 17 – cont. aula sobre pesquisas (videoarte, surrealismo, O Desprezo (Godard); 18 – Depoimento de Pedro sobre sua pesquisa a respeito do universo dos cegos; 19 – Aula: Lemuel e Filipe falam das personagens do seu curta (Refúgio); 20 – Trecho de Refúgio (a personagem cega na Estação da Lapa); 21 – Aula: cont. Lemuel fala sobre sua personagem, a Patricinha; 22 – Insert de Refúgio (trecho Patricinha); 23 - Recital (poema B.O. – Boletim de Ocorrências); 24 – Aula: Lemuel fala sobre o personagem ladrão; 25 – Insert de Refúgio (trecho ladrão); 26 – Aula: Lemuel e Pedro falam do curta e explicam o nome Refúgio; 27 – Insert Waly: imagem de arquivo (“a morada do ser poeta é o mundo eletrônico hoje”); 28 – Depoimento de Wallace sobre as etapas de produção contempladas pelo projeto; 29 – Claudia Salomão fala de Waly (“... ele era muito midiático...”); 30 – Insert Waly: imagem de arquivo (“o futuro começa por a gente se sentir em casa no mundo eletrônico”); 31 – Recital (poema Remix Século XX); 32 – Aula: sobre a proposta visual do filme Salomão Sem Roteiros; 33 – Aula: Milton fala sobre a proposta visual de seu curta e da trilha; 34 – Trecho de Salomão Sem Roteiros (p/ apresentar a trilha de Fábio); 35 – Aula: Milton fala sobre a gravação ao vivo da cena com Emerson Bulcão; 36 – Trecho de Salomão Sem Roteiros (Emerson/Waly no palco); 37 – Aula: Milton explica como deseja realizar a cena final; 38 – Cabine de exibição: equipe com problemas para exibir o curta;
117
39 – Trecho de Atus II; 40 – Aula: Évila, Tiago e Wallace falam sobre as locações de seu curta e o uso do steadycam; 41 – Trecho de Atus II; 42 – Aula: sobre locações; 43 – Recital (trecho de Exterior); 44 – Reunião Coletivo D.O.C. sobre inexistência de roteiro; 45 – Depoimento de Filipe sobre network, colaboração; 46 – Aula: Wallace fala sobre não atores; 47 – Making of Sala Sunyata e ator mirim Álvaro Batista fala p câmera; 48 – Aula: sobre elenco e como testar atores; 49 – Aula: sobre não atores no teste de elenco; 50 – Teste de elenco; 51 – Trecho de Refúgio (cena de Léo); 52 – Preparação de elenco com Heitor Guerra; 53 – Making Of de Salomão Sem Roteiros (cena gravata borboleta); 54 – Reunião Coletivo D.O.C. : Márcio Telmo fala sobre captação de áudio, Thiago fala de iluminação; 55 – Making Of de Refúgio c Álvaro (cena no restaurante Zen) montando a luz; 56 – Insert Waly (..Arte não tem nada a ver com entendimento); 57 – Sessão de Exibição
118
APÊNDICE C: CARTAZ DA SESSÃO DE EXIBIÇÃO
119
APÊNDICE D: FICHAS TÉCNICAS DOS CURTAS METRAGENS ACADÊMICOS 1 -‐ curta Salomão Sem Roteiros: Roteiro: Rodrigo Lacerda e Milton Bispo Direção: Milton Bispo e Rodrigo Lacerda Produção: Daniel Robert, Fábio Bastos, Rodrigo Lacerda, Vanessa Paranhos Direção de Arte: Vanessa Paranhos Fotografia: Milton Bispo Som Direto: Fábio Bastos e Daniel Robert Edição e finalização: Milton Bispo e Rodrigo Lacerda Trilha Sonora: Fábio Bastos 2 -‐ curta Sala Sunyata: Roteiro: Marcus Moutinho e Toni Freitaz Direção: Marcus Moutinho e Toni Freitaz Produção: Toni Freitaz Direção de Arte: Toni Freitaz Fotografia: Toni Freitaz e Marcus Moutinho Som Direto: Marcus Moutinho Edição e finalização: Marcus Moutinho Mixagem de áudio: Marcus Moutinho Trilha Sonora: Marcus Moutinho 3 -‐ curta Atus II: Roteiro: Wallace Ramos Direção: Évila Batista, Tiago Souza, Wallace Ramos Produção: Carol Rodrigues e Évila Batista Direção de Arte: Carol Rodrigues Fotografia: Wallace Ramos e Évila Batista Som Direto: Carlos Jr. Edição e finalização: Évila Batista e Wallace Ramos 4 -‐ curta Refúgio: Roteiro: Lemuel Castro, Filipe Louzado, Moisés Silva e Álvaro Campos Direção: Lemuel Castro Produção: Filipe Louzado Direção de Arte: Jayne Sales Fotografia: Moisés Silva Som Direto: Álvaro Campos Edição e finalização: Lemuel Castro e Moisés Slva Mixagem de áudio: Pedro Kafé Trilha Sonora: Álvaro campos e Juarez Campos Jr.
120
APÊNDICE E: AUTORIZAÇÕES DE USO DE IMAGEM E ÁUDIO
121
122
123
124
125
126
127
128
129
130
131
132
133
134
135
136
137
138
139