nÃo É o olho que vÊ

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO – PPG DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DEDC/CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO GESTÃO E TECNOLOGIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO - GESTEC MAX FREITAS BITTENCOURT NÃO É O OLHO QUE VÊ: UMA EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO ATRAVÉS DA REALIZAÇÃO COLABORATIVA DE CURTAS METRAGENS FICCIONAIS Salvador 2016

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Page 1: NÃO É O OLHO QUE VÊ

   

 

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO – PPG

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DEDC/CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO GESTÃO E

TECNOLOGIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO - GESTEC

MAX FREITAS BITTENCOURT

NÃO É O OLHO QUE VÊ: UMA EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL DE PRODUÇÃO DE

CONHECIMENTO ATRAVÉS DA REALIZAÇÃO COLABORATIVA DE CURTAS METRAGENS FICCIONAIS

Salvador 2016

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MAX FREITAS BITTENCOURT

NÃO É O OLHO QUE VÊ: UMA EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL DE PRODUÇÃO DE

CONHECIMENTO ATRAVÉS DA REALIZAÇÃO COLABORATIVA DE CURTAS METRAGENS FICCIONAIS

Trabalho de Conclusão de Curso sob o formato de Relatório apresentado ao Programa de Pós-Graduação Gestão e Tecnologia Aplicadas à Educação (GESTEC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre. Área de Concentração II – Processos Tecnológicos e Redes Sociais. Orientadora: Professora Drª Isa Maria Faria Trigo

Salvador 2016

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FICHA  CATALOGRÁFICA  Sistema  de  Bibliotecas  da  UNEB  

Bibliotecária  :  Ivonilda  Brito  Silva  Peixoto  –  CRB:  5/626    

               

 Bittencourt,  Max  Freitas            Não  é  o  olho  que  vê  :  uma  experiência  audiovisual  de  produção  de  conhecimento  através  da    realização  colaborativa  de  curtas  metragens  ficcionais  /  Max  Freitas  Bittencourt.    –  Salvador,    2016.            112f.                    Orientadora  :  Isa  Maria  Faria  Trigo              Dissertação  (Mestrado)  –  Universidade  do  Estado  da  Bahia.  Departamento  de  Educação.  Campus  I.  Mestrado  Profissional  em  Gestão  e  Tecnologia  da  Educação-­‐  Programa  GESTEC,  2016.                              Contém  referências,    apêndices  e  anexos.    

1. Recursos audiovisuais. 2. Ensino audiovisual. 3. Artes – Formação. I. Trigo,  Isa  Maria  Faria.  II.  Universidade  do  Estado  da  Bahia.  Departamento  de  Educação.  .                                                                                                                                                          CDD  :  371.3352  

                                                                                                                                               

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AGRADECIMENTOS

À minha família e, em especial, à minha mãe Etinete, pelo carinho, pela torcida, pelas orações e por tudo o que já fez para que eu conquistasse os meus sonhos. Esse e tantos outros.

A Rikardo e Pedro, que são o futuro, e me motivaram para a construção deste trabalho, que reflete um processo de formação não só acadêmico, mas do indivíduo como um todo, e que assim acredita ser possível vislumbrar um planeta melhor, feito de pessoas melhores.

À Unijorge pela autorização para realização da pesquisa e cessão da estrutura física.

À Professora Doutora Isa Maria Faria Trigo, pelas sábias orientações e por acreditar no meu projeto.

Aos professores Guilherme Maia e Ricardo Oliveira de Freitas, pelas contribuições dadas à pesquisa, no Exame de Qualificação.

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RESUMO

O objetivo dessa pesquisa foi compreender como ocorrem os processos criativos e de construção de conhecimento do aluno na aprendizagem da produção audiovisual. Não somente o aprendizado formal, mas também o desenvolvimento de determinadas habilidades ou dimensões que, no contexto atual podem favorecer a jornada profissional e pessoal do indivíduo frente à contemporaneidade, com seus fluxos, redes e processos multirreferenciais. Supõe-se que, além do conteúdo curricular previsto nos programas das disciplinas, o percurso da produção audiovisual potencializa os processos criativos do aluno, funcionando como um ambiente de aprendizado em si; pois, além da apreensão de conteúdos específicos do audiovisual, a experiência da produção de obras audiovisuais exige do aluno, também, criatividade, cooperação, autonomia, atitude crítica e compreensão das diversidades, habilidades requisitadas aos profissionais membros de uma equipe técnica de produção, mas desejáveis também a todo e qualquer indivíduo na sociedade de nosso tempo. Com esta finalidade, um grupo de alunos concluintes do curso de Tecnologia em Produção Audiovisual da Unijorge foi submetido a uma experiência artística e coletiva de produção de filmes acadêmicos de curta metragem, cujo propósito era identificar e revelar tais circunstâncias, a partir de um documentário audiovisual e de um relatório de pesquisa relativos a essa experiência. O documentário Não É O Olho Que Vê é um relato desse processo criativo num ambiente acadêmico de produção audiovisual, e representou também o olhar do pesquisador sobre seu objeto de pesquisa. Através da metalinguagem o documentário vasculha o fazer audiovisual expondo sua manufatura e o desenho das relações interpessoais que esta experiência promove. Esse percurso teve como referenciais teórico-metodológicos Ana Mae Barbosa, Fayga Ostrower, Jean Piaget e Paulo Freire, quanto aos processos criativos e formativos; também nos apoiamos em Michel Maffesoli e Muniz Sodré para refletir sobre uma nova educação. Quanto à construção do documentário, nossos referenciais estéticos e fílmicos se basearam nos autores Bill Nichols, Gustavo Mercado, Laurent Jullier e Michel Marie, Jaques Aumont e Jean Claude Bernadet.

Palavras-chave: Produção Audiovisual, Formação em Artes, Experiência, Cooperação, Processo Criativo.

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ABSTRACT

This paper aimed at understanding how the student´s creative and knowledge construction processes occur in the audiovisual production learning. Not only the formal learning, but also the development of particular abilities or dimensions which, in the current context, can favor the individual´s professional and personal journey facing contemporaneity, its flows, networks and multi-referential processes. Besides the curricular content provided in the subjects programs, the trajectory of audiovisual production is supposed to potencialize the student´s creative processes, working as a learning environment itself; because, besides the apprehension of specific audiovisual contents, the experience of producing audiovisual works also demands from the student creativity, cooperation, autonomy, critical attitude and comprehension of diversities, which are abilities required to professionals who are members of a technical team of production, but also desirable to all and any individual in our present-day society. For this purpose, a group of students in the final year of the Technology in Audiovisual Production course at Unijorge University underwent an artistic and collective experience to produce academic short films, and whose goal was to identify and unveil such circumstances, from an audiovisual documentary and from a research report regarding this experience. The documentary Não É O Olho Que Vê is a narration of this creative process in an academic environment of audiovisual production, and it represented the researcher´s perspective about his object of research as well. Through metalanguage, the documentary searches the audiovisual production and exposes its manufacture and the design of interpersonal relations this experience promotes. This trajectory had as theoretical and methodological references Ana Mae Barbosa, Fayga Ostrower, Jean Piaget and Paulo Freire, concerning the creative and formative processes; we also relied on Michel Maffesoli and Muniz Sodré so as to reflect on a new education. Regarding the documentary construction, our esthetic and filmic references were based on the authors Bill Nichols, Gustavo Mercado, Laurent Jullier and Michel Marie, Jaques Aumont and Jean Claude Bernadet.

Keywords: Audiovisual Production, Education in Arts, Experience, Cooperation, Creative Process.  

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fig.1: Thiago Peralva, aluno do Coletivo D.O.C.........................................................15 Fig. 2: Alunos dirigem cena de Sala Sunyata............................................................. 34 Fig. 3: O aluno Pedro dirige teste de ator para seu curta Refúgio................................36 Fig. 4: A equipe de produção do curta Refúgio em ação..............................................38 Fig. 5: Coletivo D.O.C. em reunião de pré-produção..................................................45 Fig. 6: Cena de Salomão Sem Roteiros........................................................................53 Fig. 7: Waly Salomão...................................................................................................54 Fig. 8: O aluno Wallace Ramos fala sobre seu curta metragem...................................56 Fig. 9: Alunos, em close-up, falam do processo de produção dos curta......................61 Fig. 10: Gravador externo fixado em um tripé de câmera............................................64 Fig. 11: O aluno Marcos dirige o menino ator Álvaro Batista.....................................66 Fig. 12: Emerson Bulcão, artista de rua.......................................................................69 Fig. 13: Álvaro Batista, ator estreante..........................................................................70 Fig. 14: Waly Salomão.................................................................................................83 Fig. 15: Recital de poesias, com Herbert Leão.............................................................88 Fig. 16: Cláudia Salomão.............................................................................................91 Fig. 17: Clara, a personagem deficiente visual de Refúgio..........................................92 Fig. 18: Gravação do curta Refúgio na boate Zen........................................................95 Fig.19: Álvaro Batista em cena de Sala Sunyata.........................................................96 Fig. 20: Leonardo Costa em cena do curta Refúgio.....................................................97 Fig. 21: Cena de Atus II................................................................................................99 Fig. 22: Cena de Refúgio............................................................................................100

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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO ................................................................................................10

2 INTRODUÇÃO

2.1 CENA 1: o autor e o cinema. Fulminado. ............................................................18

2.2 CONTEXTO 1: Plano Panorâmico - referenciais fílmicos e bibliográficos..........22

2.2.1 NÃO É O OLHO QUE VÊ: um filme sobre filmes...........................................42

2.3 CONTEXTO 2: Plano Próximo - lugares de aprender...........................................66

3 O PROCESSO E OS PROCESSOS DENTRO DELE.......................................82

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................102

REFERÊNCIAS ......................................................................................................108

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.........................................................................110

FONTES CONSULTADAS.....................................................................................113

APÊNDICES ..........................................................................................................115

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1 APRESENTAÇÃO

Esse trabalho, junto com o documentário Não É O Olho Que Vê, este de 50

minutos e 15 segundos de duração, é o resultado da pesquisa realizada entre julho e

dezembro de 2014 com os alunos do quarto (e último) semestre do curso de

Tecnologia em Produção Audiovisual, da Unijorge. Os dois produtos, juntos,

configuram o TCC do Mestrado Profissional em Gestão e Tecnologias Aplicadas à

Educação, GESTEC, na Área de Concentração 2 - Processos Tecnológicos e Redes

Sociais, da UNEB – Universidade do Estado da Bahia.

O processo de produção de quatro curtas metragens acadêmicos, protagonizado

pelos alunos sujeitos dessa pesquisa (alunos concluintes do curso de Tecnologia em

Produção Audiovisual da Unijorge) gerou o meu trabalho de conclusão desse

mestrado profissional, que visou identificar e revelar, a partir do documentário e

deste relatório de pesquisa, relativos a esse percurso, os processos criativos e de

construção de conhecimento dos alunos na aprendizagem da produção

audiovisual.

É importante desde já elucidar o conceito de produção adotado nessa pesquisa, e

que será empregado em diversos momentos durante esse texto. Em cinema e

audiovisual o termo produção possui o sentido de viabilização ou realização de

alguma tarefa, ação ou produto. Pode-se produzir a trilha sonora para o filme, pode-se

produzir o figurino da protagonista, e pode-se produzir um jantar para a equipe numa

locação inóspita, por exemplo. Então, uma equipe técnica de produção é composta por

variados tipos de produtores, que produzem a partir das necessidades de cada projeto.

São produtores de set, produtores de elenco, produtores de arte, produtores de

figurino, de imagens, e assim por diante.

Já o termo produção audiovisual é utilizado, e também aqui será colocado no

mesmo sentido, sempre que pretender referir-se à realização de uma obra ou produto

audiovisual, seja um filme, um videoclipe, um curta metragem, documentário ou um

seriado de tevê. Neste trabalho, o termo será empregado para se referir aos curtas

metragens de ficção produzidos e realizados pelos alunos sujeitos da pesquisa, bem

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como para tratar do documentário, resultado desse trabalho, o filme Não É O Olho

Que Vê.

A pesquisa desenvolveu-se no contexto da disciplina Oficina de Produção de

Programas Audiovisuais, do quarto semestre, ministrada no Centro Universitário

Unijorge por este pesquisador, e contou com a colaboração de um grupo de apoio,

denominado aqui nesse relatório de Coletivo D.O.C, na realização do documentário

Não É O Olho Que Vê, já referido como produto acima.

Baseia-se aqui na suposição de que, além do conteúdo curricular previsto nos

programas das disciplinas, o percurso da produção audiovisual potencializa os

processos criativos do aluno, funcionando como um ambiente de aprendizado em

si; pois, além da apreensão de conteúdos específicos do audiovisual, a experiência

da produção de obras audiovisuais exige do aluno, também, criatividade,

cooperação, autonomia, atitude crítica e compreensão das diversidades,

habilidades requisitadas aos profissionais membros de uma equipe técnica de

produção, mas desejáveis também a todo e qualquer indivíduo na sociedade de nosso

tempo, dinâmica, múltipla e hipertextual, por onde se expressam, mais fortemente, os

contornos da sociedade da tecnologia e da informação1.

Todo projeto audiovisual requer pesquisa, planejamento e criação 2 . Isso

demanda estudo, raciocínio lógico, imaginação e sensibilidade artística. A experiência

coletiva da produção de audiovisuais3 proporciona ao participante dessa vivência o

aprendizado constante, coletivizado e necessariamente cooperativo, pois é quase

impossível fazer esse trabalho sozinho. É também uma atividade que favorece o

respeito às diversidades, na medida em que o grupo de trabalho (equipe de produção)

apresenta individualidades e visões de mundo diferentes, que interagem, a fim de

realizarem algo em comum, uma obra ou produto4 audiovisual. Os sujeitos da

                                                                                                               1 Configuração social onde o saber apresenta-se como fluido, diversificado e veloz, como consequência da informação tecnológica e dinâmica, abundante e ilimitadamente partilhada; 2 O termo é aplicado aqui segundo a compreensão de Fayga Ostrower, para quem criar é também formar algo ou realizar; 3 Todos os produtos, obras ou formatos de comunicação que conjugam som e imagem: documentários, filmes de ficção, teledramaturgia e filme pubicitário são alguns exemplos; 4 Os materiais audiovisuais, a depender do seu contexto de produção, podem receber tanto a denominação de produto, quanto de obra, conteúdo ou peça audiovisual. Nesse relatório técnico

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experiência audiovisual precisam dialogar, segundo o fluxo de trabalho natural de

uma produção desse tipo, então precisam sensibilizar-se perante o outro em benefício

do projeto em curso, o que representa um exercício de compreensão das diversidades.

Este convívio com as diferenças se dá, entretanto, em um contexto planejado, guiado

por questões de ordem prática.

É verdade: produzir é orçar, elaborar planilhas, desenvolver estratégias visando

maior produtividade e o menor custo possível, sem que isso signifique o sacrifício da

qualidade. Porém, o que prevalece em um set de filmagem é a criatividade, a

sensibilidade artística, seja a serviço de uma narrativa ficcional, de um filme

publicitário ou de um documentário, para citar alguns tipos de produtos audiovisuais.

O universo temático do próprio produto, seja ele um filme, um curta metragem,

ou um documentário, fornece um material de trabalho – e de pesquisa – significativo

para a ampliação do repertório cognitivo do sujeito. Por exemplo: este relatório

técnico descreve o processo de produção de curtas metragens inspirados em poesias e

letras do poeta baiano Waly Salomão, cuja biografia envolve temas como a repressão

e a ditadura militar, os anos setenta na Bahia e no Brasil, a Tropicália5, a poesia de

Paulo Leminski, as artes plásticas de Hélio Oiticica, as vanguardas artísticas e a

contracultura. Notadamente, o aluno que passa por essa experiência tem a

oportunidade de desenvolver seus conhecimentos e ampliar seu horizonte cultural.

A produção audiovisual trabalha habilidades fundamentais ao homem

contemporâneo, tecnológico e diverso. Além de estimular a convivência com o outro

e a abordagem criativa da vida, o percurso de uma produção implica em tomar

decisões e em agir com autonomia, parece desenvolver o senso estético e a atitude

crítica do sujeito.

Importante deixar claro que, apesar da crença de que esse processo fomenta tais

potencialidades - a criatividade, o respeito às diversidades, autonomia, atitude crítica

e cooperação - no indivíduo que vivencia essa experiência, o que configuraria, num

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             descritivo, observando o contexto de produção relatado ou descrito - o da produção documental, publicitária, teledramatúrgica ou videográfica – todos os termos serão empregados  adequadamente.    5 Movimento musical surgido no Brasil no final dos anos 60, que abrangeu outras esferas culturais como as artes plásticas, o cinema e a poesia.

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trabalho de maior peso, uma hipótese, o que aqui se faz é apenas apontar em que

momentos e ações é possível se supor que o incremento a essas potencialidades estão

acontecendo, não havendo nem condição nem tentativa de provar alguma hipótese, o

que demandaria muito mais aprofundamento e tempo do que o que está disponível, no

caso desse mestrado.

Pretende-se identificar que contribuições a produção audiovisual pode oferecer

ao indivíduo que participa desse processo, quais são as atitudes necessárias ao

trabalho artístico coletivo nesse campo da arte; como esse indivíduo se articula nesse

ambiente, de forma lógica e criativa, em prol da realização de uma obra ou produto

audiovisual.

Buscou-se também aqui refletir sobre o fazer audiovisual. Através da

metalinguagem6, o documentário explora o funcionamento interno de uma produção

audiovisual, suas etapas, processos de trabalho, a elaboração criativa a favor da

narrativa, a construção de planos e imagens a partir do que está descrito em um

roteiro literário. Esse material, intitulado Não É O Olho Que Vê é também uma

reflexão do audiovisual a respeito de si próprio, seus mecanismos internos e

interpessoais.

Por ser este pesquisador um professor, mas também um diretor cinematográfico,

é desse lugar múltiplo que observa e que se coloca nessa pesquisa, que nasceu

também da necessidade de compreender o próprio modo de trabalho aplicado no

processo da formação acadêmica audiovisual.

Para dar conta disso, o filme Não É O Olho Que Vê produz um registro

audiovisual do trabalho de conclusão dos alunos do quarto semestre do curso de

Tecnologia em Produção Audiovisual da Unijorge, buscando observar como se deram

os processos criativos durante a produção de quatro curtas metragens adaptados de

poemas e letras de Waly Salomão. São eles: Atus II, Sunyata, Refúgio e Salomão Sem

Roteiros, respectivamente inspirados nos poemas Clandestino, Sala Sunyata, Mal

Secreto, B.O. – Boletim de Ocorrências, e no texto A Cabeça, Gosto Que Avoe.                                                                                                                6 Utilização de uma determinada linguagem para falar dela mesma. Um livro sobre um livro, uma música sobre uma outra música, ou um filme sobre um filme (ou filmes) são exemplos de metalinguagem.

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As etapas da produção audiovisual – pré-produção, gravações e pós-produção -

serviram ao documentário como pano de fundo para uma observação e uma reflexão

sobre esse processo de construção criativa de conhecimento e de formação humana.

Os registros fílmicos desta experiência coletiva – de trabalho e de aprendizagem -

abrangem as fases da produção dos curtas acadêmicos, desde a concepção dos roteiros

até a sessão de exibição.

Como já dito anteriormente, para a captação de imagens deste documentário foi

utilizada uma equipe de alunos, de outro semestre, que colaborou nesse projeto

enquanto assistentes de produção e produtores de imagem: o Coletivo D.O.C. Esses

alunos, na ocasião, cursavam a disciplina Operação de Câmera, e este pesquisador os

envolveu no projeto a fim de colaborar com o aprendizado da referida disciplina,

oferecendo oportunidade de treinamento em Produção e prática na operação das

câmeras do documentário. Houve, no entanto, em algumas situações gravadas no

estúdio de tevê da Unijorge, a colaboração de um cinegrafista profissional,

funcionário da instituição.

Durante a etapa de pré-produção, o Coletivo D.O.C., além de exercitar o

cinegrafismo, reunia-se semanalmente com este pesquisador para discutir questões

relacionadas à produção do documentário da pesquisa, tais como a definição do tipo

de captação sonora mais adequado às nossas condições, o posicionamento das

câmeras em sala de aula, pesquisas de locações e sets de gravação dentro da Unijorge,

pesquisas de referências sobre enquadramentos ou montagem, bem como definição do

cronograma de ações a serem empregadas junto aos alunos-sujeitos da pesquisa

durante o semestre, com a finalidade de ampliar neles o repertório de informações

acerca do autor, assim como promover um ambiente de imersão criativa para os

mesmos, favorecendo a criação dos roteiros e a realização audiovisual como um todo.

Foram convidadas com essa intenção as roteiristas Amanda Aouad e Ana Paula

Guedes, que numa aula especial falaram sobre roteiro adaptado; Cláudia Salomão,

produtora cultural e sobrinha de Waly, que além de falar sobre o momento histórico

do poeta da Tropicália (anos 70 e 80), relembrou passagens íntimas ao lado do autor,

lançando provocações, revelando curiosidades e despertando a imaginação dos alunos

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15  

para criar. O documentário de Carlos Nader, Pan Cinema Permanente, também foi

exibido em sala e submetido à análise dos alunos, de onde também puderam extrair

informações sobre a obra e a vida pessoal do poeta.

O doravante denominado aqui de Coletivo D.O.C. esteve presente em todos os

encontros com a turma do quarto semestre (os sujeitos desta pesquisa), registrando o

processo destes alunos de construção dessas aprendizagens durante a confecção de

seus próprios filmes de curta metragem, produtos finais da disciplina Oficina de

Produção de Programas Audiovisuais, produzindo conteúdo audiovisual para o

documentário desta pesquisa.

Os seus registros audiovisuais se constituíram como uma espécie de making of

com finalidade acadêmica, originando um material de natureza autorreflexiva, pondo

em cheque a impressão de realidade 7, intrínseca ao cinema, ao revelar os processos

internos do audiovisual, e interferindo no acesso direto do espectador ao que é

narrado na obra, fazendo-o, antes, tomar conhecimento da sua manufatura, do

processo em si do fazer audiovisual, e de como essa impressão pode ser construída,

embora essa não seja a proposta maior deste trabalho.

Fig.1: Thiago Peralva, aluno do Coletivo D.O.C 8.

                                                                                                               7 Relacionada ao sistema do verossímil, é a coerência do universo diegético construído pela ficção. 8 Todas as imagens inseridas nesse relatório a título de ilustração são frames extraídos do documentário da pesquisa, o filme Não É O Olho Que Vê.

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A seguir, na Introdução, será relatada, primeiramente e de maneira resumida - a

título de contextualização - a experiência profissional no campo da produção

audiovisual desse pesquisador, começando com sua iniciação no “universo” do

audiovisual, sua experiência com o cinema publicitário, com o longa metragem e a

teledramaturgia. Esse texto, literário, é importante aqui, pois dá conta do nível de

envolvimento que se tem com o fazer audiovisual, ao tempo em que apresenta, de

forma resumida, a quantidade de estímulos e sensações que compõem, efetivamente, a

motivação e o processo criativo do profissional que realizou a pesquisa.

Em seguida, seu encontro com a academia, a sala de aula e o desenvolvimento

do modo de formar o aluno, com autonomia e criatividade, através de atividades

práticas de realização fílmica, aliando essa proposta de trabalho ao projeto

pedagógico da Unijorge, locus da pesquisa, que baseia-se no método da

problematização.

Depois disso, adentra-se na discussão teórico-metodológica, a partir dos eixos

de aptidões e da problemática do trabalho. São explorados os conceitos de

criatividade, em Fayga Ostrower, para quem a atividade criativa envolve a realização

de algo, sua concretização, não se limitando ao campo das ideias, simplesmente. A

arte na educação, como processo de auto expressão e de crescimento individual e

cultural do indivíduo encontram em Ana Mae Barbosa a expressão mais coerente e

apropriada com o fazer audiovisual acadêmico empregado nesse processo. Já o

sociólogo francês Michel Maffesoli contribui para esta reflexão ao discorrer sobre a

nova sala de aula e sobre a aprendizagem iniciática, na qual o trabalho em grupo e a

cooperação são a base; Lev Semenovitch Vygotsky, com sua zona de

desenvolvimento proximal, propõe ações coletivas que se desenvolvem em um

ambiente onde o sujeito que sabe mais colabora no desenvolvimento do que sabe

menos, servindo à pesquisa para fundamentar o processo de desenvolvimento das

atividades práticas de realização audiovisual propostos em sala de aula por este

pesquisador.

O capítulo Não É O Olho Que Vê: um filme sobre filmes é um relato do

processo de confecção do documentário da pesquisa. Nele há uma descrição das

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17  

características do filme, uma associação com o documentário participativo, segundo a

categorização de Bill Nichols. São analisados os filmes que foram utilizados como

referências por este pesquisador a fim de desenvolver uma proposta de realização para

o documentário, e o conceito de não-linearidade narrativa é trabalhado para

fundamentar a apresentação da estrutura do filme. Há também uma reflexão sobre

ressignificação do material de arquivo e acadêmico utilizado pelo pesquisador no

documentário e sobre a metalinguagem presente no registro documental.

Entre as opções que determinaram o formato do produto entram em discussão a

necessidade de valorização do discurso do sujeito, através dos planos próximos.

Também são exibidas as reuniões do pesquisador com seu coletivo de produção

audiovisual (o Coletivo D.O.C.), que tinham como foco central o planejamento da

produção de imagens para o documentário.

No capítulo seguinte, Plano Próximo - Lugares de Aprender, tem lugar uma

breve discussão sobre a experiência coletiva e a compreensão das diversidades -

propiciada pelo ambiente de uma produção audiovisual, naturalmente colaborativa -

amparada pelas teorias do sociólogo brasileiro Muniz Sodré, que discute uma reforma

na Educação e no processo de ensino e aprendizagem. Para o teórico, a

multiculturalidade presente em uma experiência coletiva faz despertar no indivíduo

uma “consciência do sujeito”. Além disso, o sociólogo defende o pensamento

autêntico e crítico, a fim de produzir indivíduos que pensam por conta própria, que

agem com autonomia.

A cooperação aparece como elemento central no processo de desenvolvimento

cognitivo do sujeito em Jean Piaget, para quem o aluno precisa se identificar com o

trabalho, estar motivado para ele, ou seja, é preciso que parta dele mesmo (iniciativa)

a busca pelo conhecimento, e a experiência (colaborativa) seria a oportunidade para

essa investigação.

Na sequencia, é apresentado o conceito de “círculos de cultura”, de Paulo

Freire, nos quais o professor faria, na prática, uma mediação e uma articulação das

interações entre os participantes desses círculos. Para Freire, o professor orienta e dá

um norte, conferindo ao aluno mais autonomia, e liberdade com responsabilidade. O

Page 18: NÃO É O OLHO QUE VÊ

               

18  

capítulo encerra fazendo uma breve reflexão sobre a contribuição da experiência para

o indivíduo, da importância do aprender fazendo. É abordada a educação do olhar

através do cinema e como essa prática pode enriquecer socialmente e culturalmente o

indivíduo.

No capítulo O Processo e os Processos Dentro Dele, tem início o relato de todo

o processo de produção dos curtas realizados pelos alunos. Estão aí descritos o projeto

das adaptações, suas características e histórico, as edições passadas, o autor adaptado

nesse trabalho, Waly Salomão, seu contexto histórico e obras. É explicado o

cronograma de ações pensadas a fim de contribuir com o trabalho criativo das

equipes, como o recital de poesias, o bate-papo com Claudia Salomão, a exibição do

documentário Pan-cinema Permanente, e a palestra sobre roteiro adaptado com Ana

Paula Guedes e Amanda Aouad. São descritos os processos de produção das equipes

– pesquisa de locações, teste de elenco, ensaios, algumas diárias de gravação dos

curtas acadêmicos e a sessão de exibição.

2 INTRODUÇÃO 2.1 CENA 1: o autor e o cinema. Fulminado

Desembarco no Anhangabaú, São Paulo. São onze horas da manhã e faz sol. O

local está tumultuado. Pessoas correm de um lado para outro, assustadas. Alguns

homens usando trajes parecidos com os de astronautas descem em cordas pelas

colunas do Viaduto do Chá e marcham em direção a uma gigantesca caixa coberta,

que estava deitada no centro da praça. Tamanha confusão, volto-me para o alto. Vejo

aproximando-se de mim um helicóptero, com outros “astronautas” mirando para

baixo, à procura de algo, ou de alguém. Ainda meio confuso e tonto com o barulho

das hélices, consigo prestar atenção a uma música que toca em um pequeno

microsystem perto de uma dezena de meninas que dançam como se fossem chacretes.

Balões de hélio surgem colorindo a praça e descortinando um jovem casal que

se beija apaixonadamente em cima daquela caixa, que agora descoberta revela-se uma

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19  

embalagem gigante de Close-Up. Depois do beijo, sorrisos enormes em bocas maiores

ainda olham para a câmera. Percebo as câmeras. Uma voz ao megafone grita “corta!”.

Este evento me fez sentir que havia chegado em casa. Ali, arriei as malas.

Essas linhas acima descrevem o meu primeiro contato com os bastidores de uma

produção audiovisual. Uma produção de filme publicitário. Por meio da magia e da

ludicidade tomei conhecimento do ofício de produzir e dirigir audiovisuais quase sem

querer. Aquele clima e aquela tensão no ar entre os profissionais da equipe técnica e

entre os atores me envolveram de uma forma que jamais pude imaginar, e minha

trajetória nesse campo de atividade, a partir desse dia, me levou por caminhos que me

proporcionaram crescimento profissional e desenvolvimento pessoal.

Percebi que o set de filmagem me abriria uma janela através da qual eu poderia

conhecer o mundo. Pelo visor da câmera pude testemunhar acontecimentos inéditos

para mim, que de tão fascinantes tornaram-se inesquecíveis, assim como o próprio

ofício da produção audiovisual. A compreensão de que uma equipe de filmagem é um

organismo único e que cada departamento é uma parte desse sistema, que trabalha

com um objetivo único, foi decisiva para a minha integração ao grupo e minha

colaboração criativa e técnica também. A partir daqui uso a primeira pessoa do

singular, buscando que minha experiência pessoal torne-se útil para ensinar e

entender processos de aprendizagem na área do audiovisual.

Logo após esse primeiro contato com o ambiente da produção audiovisual

publicitária, comecei a frequentar a O2 Filmes, a produtora de cinema e vídeo do

cineasta Fernando Meireles9, ainda como estagiário do departamento de Casting10.

Lá, o elenco dos filmes publicitários era pesquisado, produzido e testado por uma

equipe de profissionais sob o comando da produtora de elenco e atriz Cecília Homem

de Melo. Das possibilidades para a produção de um elenco, a pesquisa é o processo

mais interessante e instigante, afinal é ir para as ruas e descobrir novos rostos, novos

tipos, novos personagens. Na O2 pude aprender sobre a importância do ator em uma

obra audiovisual, como dirigí-lo, como extrair dele o necessário para a realização da                                                                                                                9 Depois de centenas de filmes publicitários, Meireles dirigiu par ao cinema filmes como Domésticas, Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel, Ensaio Sobre a Cegueira, 360 e Rio, Eu Te Amo; 10 Departamento que se ocupa de pesquisar, gerenciar e produzir elenco;

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20  

cena. Até sobre a utilização de pessoas comuns (os chamados não atores) nas

produções, eu pude aprender com Fernando Meireles, e não com a escola neorrealista

italiana, expressão cinematográfica que só fui descobrir, de fato, mais tarde. Esse

conhecimento, e tantos outros que trago até hoje, foi o cinema publicitário que me

deu.

Oito meses depois do meu ingresso na O2 Filmes, e depois de produzir o elenco

para dezenas de filmes publicitários, o filme era Coca-Cola. O estúdio, em silêncio,

ouvia o ator dizer seu texto. Assim que a cena termina, a diretora manda “copiar”11.

Nos encaminhamos, eu e o elenco, para o camarim. A ordem era trocar o figurino e

voltar para filmar a próxima cena. E lá fomos nós. No caminho, sou abordado pela

assistente de direção. Era um convite para trabalhar com teledramaturgia. E em outra

função, aquela que eu perseguia desde o início, a assistência de direção. Na tv Globo!

Eu fui.

Na tevê passei por um novo processo de adaptação. Outras pessoas, outro

formato audiovisual, outra lógica de trabalho. Televisão. Indústria. Muitas horas

diárias de gravação ou edição, muita produção, um exercício contínuo do ofício,

novas aprendizagens. As celebridades e as pseudo-celebridades. O figurante estrela e

a estrela singela. A produção artística em um contexto televisivo. Ambiguidades.

Na tv Globo eu estava mais próximo do diretor - Luiz Villaça - e pude observar

seu trabalho e seu comportamento no set de filmagem e com os atores. O modo de

dirigir, o modo de pedir uma coisa esperando outra. Aprendi a decupar12 uma cena e a

montar um programa. Aprendi a fazer fazendo. Testemunhei reuniões de produção

bastante ricas e reveladoras sobre o processo de uma produção em teledramaturgia.

Pude aprender com Edgar Moura, na prática, bastante sobre fotografia, menos de um

mês depois de ter lido seu livro13, no qual ele explicava as mesmas coisas.

                                                                                                               11 O diretor pede para copiar (ou revelar ) o negativo com o material rodado nas realizações que utilizam a película cinematográfica como suporte. 12 A decupagem é uma das principais etapas na confecção de um filme. É quando transfere-se a escritura literária que é o roteiro, para um discurso audiovisual constituído por planos, movimentos, ângulos e posições de câmera; 13 50 Anos Luz Câmera e Ação. Rio de Janeiro: Senac, 1999;

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21  

Aprendi com dona Laura Cardoso a ter humildade no trabalho, se permitir

aprender com o outro mesmo já sabendo muito, e não sair do set antes de

cumprimentar toda a equipe ao final de uma diária de gravação, antes de recolher-se

para o camarim, como ela costumava fazer, ensinando como trabalhar em equipe,

verdadeiramente, demonstrando à equipe reconhecer a importância de cada um

naquele trabalho. Aulas práticas. Construtivas e definitivas.

Três anos depois, e mais de 90 episódios do Retrato Falado14 realizados, volto

para o mercado publicitário, e para a O2, dessa vez como assistente de direção, e vou

trabalhar com Luciano Moura, que havia trabalhado na produtora carioca Conspiração

Filmes e estava naquele momento começando a dirigir filmes publicitários para a O2.

Nesse retorno para a publicidade, além da O2, percorri quase todas as produtoras de

cinema publicitário de São Paulo, na ocasião: Made To Criate, Dínamo Filmes, TVC,

Academia de Filmes, para citar algumas, além da própria O2, que me introduziu no

mercado.

Entre uma publicidade e outra, Luiz Villaça, o diretor com quem trabalhei na Tv

Globo, me convidou para trabalhar em seu novo projeto, o longa metragem Cristina

Quer Casar, que, quando eu entrei para o projeto ainda chamava-se Amor à Vista.

Seria o meu primeiro trabalho em cinema, eu pensei. E foi. Reorganizei a agenda e

passei a integrar a equipe do longa, que estava na sua 22a versão de roteiro, seis meses

antes do início das filmagens. Participei de algumas reuniões de roteiro e tinha

abertura para colocar minhas ideias e dar sugestões. Por conta dessas reuniões, e por

verificar o meu especial interesse pela roteirização, passei a conviver com Mariana

Veríssimo, uma das roteiristas do Retrato Falado - assim como José Roberto Torero e

Lícia Manzo - que me ensinou sobre verossimilhança e sobre a elaboração de

diálogos; durante as filmagens deste longa, mais precisamente nos intervalos, entre

uma conversa e outra com Francisco Ramalho Jr15 pude entender o trabalho de um

                                                                                                               14 Programa de ficção com 10’ de duração, que ia ao ar no programa Fantástico, da Tv Globo, com a atriz Denise Fraga e direção de Luiz Villaça. 15 Consagrado no cinema, dirigiu filmes como Besame Mucho (1987) e produziu filmes como O Casamento de Romeu e Julieta (2005), de Bruno Barreto, A Suprema Felicidade (2010), de Arnaldo Jabor; O Beijo da Mulher-aranha (1984), Brincando Nos Campos do Senhor (1990) e Coração Iluminado (1996), de Hector Babenco, entre outros.

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22  

produtor executivo e seu olhar sobre a obra artística, tão diferente do olhar criativo e

artístico do diretor, mas igualmente importante.

Durante esse período, a capacidade de compreender que a linguagem

cinematográfica opera a favor de um determinado objetivo, e que em cada campo do

audiovisual ela possui estratégias específicas para atingir seu fim, favoreceu meu

trabalho, facilitou minha observação, minhas relações profissionais, e me ensinou

muito e sempre, a cada dia, a cada trabalho, a cada projeto. A descrição acima, ainda

que singela, dá a dimensão dos meus parâmetros e das minhas trilhas. Não apenas de

fazer, mas de perceber, de intervir. Oferece também a dimensão do fazer audiovisual

na sua especificidade e rigores próprios. Outros ambientes e outros aprendizados.

2.2 CONTEXTO 1: Plano Panorâmico - referenciais fílmicos e bibliográficos

Vieram outros trabalhos e vieram outros sonhos também. Já em Salvador, tive a

oportunidade de dirigir o Decola, programa de viagem para tevê, com apresentação de

Liliane Reis16. Outra estrutura de trabalho e outro modo de dirigir. Não havia verba,

mas havia vontade. Não havia roteiros decupados ou elenco ensaiado, mas havia

muito improviso e criatividade para lidar com o novo, de novo. Veio também o

Festival de Cinema Universitário da Bahia, um projeto de minha idealização, cuja

intenção sempre foi valorizar a realização e criar mais uma janela de exibição para as

produções audiovisuais acadêmicas. Com o apoio financeiro da Vivo (programa

Art.MOV) através de recursos advindos do Fazcultura17, este projeto realizou duas

edições de grande repercussão entre os universitários de todo o país, que enviavam,

em média, 100 curtas metragens (documentários ou ficções) por edição do festival.

Hoje, ao olhar para os mais de dez anos em que passei integrando equipes de

produção audiovisual, tanto de programas de teledramaturgia como de longas

                                                                                                               16 Apresentadora de tv e jornalista, antes do Decola, apresentou o Na Carona, na Rede Bahia. Atualmente apresenta o programa Estúdio Móvel, na Tv Brasil; 17 Programa estadual de incentivo às produções culturais, criado em 1996, com o objetivo de estimular a diversidade cultural no estado.

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23  

metragens e de cinema publicitário, observo a enorme contribuição desse período

para a minha atuação na academia.

Enquanto professor de disciplinas com enfoque prático, relacionadas à produção

audiovisual, tenho oportunidade de aplicar determinados procedimentos, que são

próprios de uma produção profissional, em atividades acadêmicas, como:

pesquisa de locações reais para serem utilizadas como cenários, testes de elenco,

preparação e direção de atores profissionais, produção de figurinos e parcerias com

setores do audiovisual baiano, como a DIMAS – Diretoria de Audiovisual da

Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) - para apoio à produção e exibição.

Na medida em que há, na minha prática de ensino, uma mudança na forma de

encarar a construção de conhecimento, priorizando a experiência criativa e

colaborativa da realização audiovisual, o aluno é exposto a situações próximas às que

se apresentam em produções profissionais, como a seleção de elenco através de testes,

produção de arte e figurinos a partir de parcerias com órgãos como, por exemplo, o

Centro Técnico do TCA e o Boca de Cena (um acervo de figurinos para empréstimos

e aluguéis para cinema e teatro), encaminhamentos de solicitações de autorização para

gravar nos espaços públicos e privados, e a própria sessão de exibição dos filmes

produzidos, aberta para o público, uma avant première dos jovens produtores rumo ao

mercado de trabalho. Um ato simbólico e um rito de passagem para os alunos

concluintes.

Um projeto audiovisual, e esse em estudo não foge à regra, “toma corpo” a

partir da reunião de talentos e esforços com o mesmo fim; e seja qual for sua

expertise18 , cada membro da equipe técnica precisa do outro para realizar seu

trabalho, para atingir o objetivo final que, no nosso caso, eram dois: a produção dos

curtas metragens acadêmicos pelos alunos sujeitos dessa experiência, e também a

produção do próprio documentário dessa pesquisa, pelo Coletivo D.O.C . e com

minha direção geral. Portanto, havia, durante todo o tempo, processos simultâneos

de produção em curso, um que englobava o outro.

                                                                                                               18 Competência específica, qualidade de especialista em um determinado assunto.

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24  

A produção audiovisual é uma atividade em que ser criativo e colaborativo

é uma necessidade imperativa. E por isso mesmo o diálogo entre os integrantes da

equipe técnica, entre os departamentos e até mesmo entre as fases da produção

contribui para a fruição do processo.

Essa lógica de trabalho de equipes de produção é reproduzida no ambiente

acadêmico, na disciplina Oficina de Produção de Programas Audiovisuais, do quarto

semestre do curso de Produção Audiovisual da Unijorge, em que os alunos vivenciam

todas as etapas da produção de uma obra audiovisual, nesse caso curtas metragens

ficcionais, desde a elaboração do roteiro até a finalização, a última etapa do processo,

quando são acrescentados ou inseridos efeitos visuais ou sonoros, e é feita a correção

de cor (color grading) e a inserção de créditos na abertura ou encerramento da obra.

Nesse, que é um percurso criativo, os alunos, em equipes, têm a oportunidade

de explorar a imaginação, recriando realidades, e exercitar a cooperação e o diálogo,

já que num processo essencialmente coletivo, o trânsito de informações e de

conhecimentos é um elemento central, pois qualquer atividade nesse percurso é

dialogada, partilhada e mediada, muitas vezes, pela figura do diretor ou do produtor.

Apesar de coletivo, dialogado e criativo, não se trata, no entanto, de um processo

totalmente democrático. Também é participativo, mas é hierarquizado.

As equipes de alunos funcionam também como equipes de produção na medida

em que cada integrante possui uma função, e responde por ela durante o processo ao

coordenador de produção, que nesse projeto foi uma função desempenhada por mim,

pesquisador, mas também professor e orientador da turma.

Para a Produção, não faz grande diferença se o projeto é uma ficção, um

documentário, um videoclipe ou uma série de televisão. A partir de um roteiro ou

argumento, as necessidades artísticas e de produção são levantadas e providenciadas

por esse departamento, no decorrer da fase de pré-produção, a fim de viabilizar a ideia

criativa do diretor. O pensamento racional precisa organizar a realidade para

concretizar seu sonho de imagem. Criativamente, os processos são específicos e

característicos de cada forma de expressão artística.

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25  

Predominantemente, o que favorece o trabalho criativo é a clareza que deve

se ter com relação ao objetivo da obra ou produto. Uma área como a publicidade,

por exemplo, precisa orientar sua criação a partir de um briefing19, já o cineasta é

movido por suas próprias inquietações e o diretor de tv preocupa-se com a audiência.

Em circunstâncias normais, praticamente todo o mercado de produção

audiovisual lida com prazos mínimos para produção e/ou exibição de material, pois

precisam planejar-se considerando questões como contratos de exibição já assinados

ou a aprovação do material por um cliente numa reunião internacional em uma data

pré-definida por terceiros, ou seja, não há possibilidade de aquele material não ser

produzido pela equipe e muitos erros não são perdoados. É tenso.

O não cumprimento de um contrato de veiculação com uma emissora de

televisão, por exemplo, pode render uma multa polpuda para os produtores, gerando

uma certa tensão em torno do projeto, e fazendo com que o departamento de produção

designe um profissional cuja tarefa em dias de filmagem é, entre outras coisas,

imprimir ritmo à filmagem, fazer cumprir o que está programado na ordem do dia20:

horários de chegada e de saída de técnicos e atores, determinado número de cenas

para serem filmadas naquela diária, horário de intervalo para o almoço.

De olho no relógio, produtor e também o assistente de direção ocupam-se dessa

tarefa, que exige firmeza, objetividade e criatividade, a fim de viabilizar as ideias da

direção. É claro que há atrasos numa diária de filmagem, mas estes já ficam previstos

na elaboração desse documento. O plano B21 está sempre por perto.

Outro fator que põe o produtor audiovisual continuamente desafiando o tempo é

o orçamento de produção do próprio projeto, pois, com restrições de verba, opta por

reduzir o número de diárias de filmagem pagas à equipe, atores e fornecedores de

                                                                                                               19  A palavra briefing é comumente utilizada pela publicidade e é o resumo das determinações para o trabalho criativo. Aqui, foi tomada emprestada, mas o significado mantém-se o mesmo.  20 Documento fundamental para a organização de cada diária de uma gravação. Informa os atores que trabalharão em cada cena, os objetos e cenários necessários, o figurino, os horários de cada equipe, entre outras coisas. Normalmente, é elaborada pelo assistente de direção e entregue à equipe na véspera da gravação; 21 O Plano B é uma outra opção de gravação, em caso de imprevistos na diária. Em externas, a chuva pode ser um motivo para cancelar uma gravação, e executar a outra opção.  

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26  

equipamentos, imprimindo um ritmo sempre acelerado, e muitas vezes estressante, à

diária. Por outro lado, esses são procedimentos que, no caso de muitas produções,

viabilizam o projeto. O fazer audiovisual configura-se numa atividade onde ser mais

ou menos cooperativo e mais ou menos criativo são uma necessidade, mesmo entre os

produtores.

E assim, seguindo os parâmetros do mercado profissional, os processos se

deram durante os encontros na disciplina Oficina de Produção Audiovisual, do quarto

semestre, que, ao propor ações como o projeto Adaptações, comprometeu-se em

colaborar com o desenvolvimento do espírito cooperativo e a da criatividade do aluno

durante o percurso, dimensões essas compreendidas aqui como bases para a formação

de um sujeito autônomo e crítico.

Essa divisão do trabalho por habilidade ou função mencionada acima, que

permite troca de conhecimentos produzindo aprendizado, reforça o senso de

responsabilidade, cooperação e de objetividade no aluno, que precisa responder por

aquele departamento da produção, a fim de não comprometer o trabalho de toda a

equipe. Diretor de Fotografia, Diretor de Arte, Técnico de Som e Editor são algumas

funções, e cabe ao Diretor, e por razões práticas, ao Produtor, orquestrar as ações do

grupo, determinando o que fazer e de que forma.

No caso de uma produção profissional, diretor e produtor caminham de mãos

dadas, pois um pensa artisticamente e o outro, o produtor, é o responsável pelas

questões de ordem prática, e ocupa-se do cronograma, da captação da verba e do

orçamento de produção. No caso da minha participação, para a realização desse

projeto acadêmico, os dois papéis foram desempenhados, e as observações que

permeiam esse relatório derivam do lugar diverso de cada um deles, ocupado pela

mesma pessoa.

Desde a Direção Geral até a Produção, que é um departamento mais preocupado

com questões práticas, como a logística da produção e a gestão do orçamento, é

indispensável criatividade e colaboração para a realização das tarefas. O

departamento de Arte precisa encontrar soluções viáveis para a cenografia, o

fotógrafo deve encontrar saídas para a iluminação de cena, utilizando menos

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27  

refletores e potencializando seu uso. O roteirista, muitas vezes, tem que abrir mão de

cenas que se passariam em locações caras e adaptá-las para o estúdio, que no caso de

muitas produções, sai mais em conta. Ideias inovadoras e impactantes, e, em tese,

mais dispendiosas, aparecem a todo momento, e os orçamentos são cada vez mais

restritivos.

Num mercado tímido, fazer Arte é estar em contato próximo com limitações

como verba, numa sociedade cuja bagagem cultural limitada resulta na sua

desvalorização. Portanto, no campo do audiovisual, a criatividade precisa se impor a

fim de driblar as restrições orçamentárias.

Para a artista plástica Fayga Ostrower, há uma correlação entre criar e viver,

pois a natureza criativa do indivíduo desenvolve-se no contexto cultural, em sua

interação com o meio. Sua ação sobre o mundo, através do trabalho, criou e destruiu

civilizações, crenças e aforismos. Mas transformou a ele próprio, na medida em que

novas necessidades foram sendo impostas por novas realidades, e novas estratégias de

sobrevivência foram sendo criadas e elaboradas por ele, em um movimento dialógico

e atávico com o meio.

O homem é um ser histórico, pois ao protagonizar as transformações históricas,

coloca-se na história. Ele move-se na história e institui padrões, formas e ideologias.

Ele cria e é a cultura.

Então, criar é uma ação dialógica por natureza, e essa natureza criativa do

indivíduo, ao manifestar-se, sofre influências do ambiente e se expressa, através de

suas criações, em qualquer que seja a esfera, dentro de um espectro de representações

reconhecidas ou legitimadas no contexto cultural do indivíduo. A criatividade,

característica do ser humano, ao dar forma às suas criações, produz formas com uma

carga cultural intrínseca, estabelecendo dentro desse mesmo indivíduo um conflito

entre suas potencialidades, individuais e inatas, e as possibilidades forjadas a partir e

formas culturais pré-existentes, na medida em que toda criação sofre uma influência

social direta.

Ostrower compreende que criar corresponde a formar, dar forma a alguma

coisa. Explorar essa abordagem sobre a criatividade é do interesse dessa pesquisa de

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28  

mestrado profissional, que pretende focalizar a criatividade operando num

contexto de produção e realização de obras audiovisuais. Esse processo de formar

alguma coisa, a partir de uma intenção criativa, exige, por parte do sujeito, ordenação

e reconfiguração da realidade, tal qual o processo de uma produção audiovisual.

Na medida em que o propósito final de todos os alunos sujeitos, participantes

desse projeto, é a realização de curtas metragens de ficção adaptados, as formas estão

na proposta de direção, com orientações para a direção de arte, a fotografia e a

montagem; estão no roteiro e na estruturação das narrativas, e na elaboração do

perfil das personagens de seus filmes; está na escolha das locações e na trilha

sonora, está na duração dos filmes, na sua edição, no gênero e autor escolhidos

pelo professor. Em última análise, no filme, que é uma forma simbólica. Segundo

Ostrower, as formas simbólicas “(...) são configurações de uma matéria física ou

psíquica (configurações artísticas ou não-artísticas, científicas, técnicas,

comportamentais) em que se encontram articulados aspectos espaciais e temporais

(...)” (OSTROWER, 1977, p. 25).

E todo o seu processo de realização é organizado a partir de formas, que operam

a favor daquela construção, a fim de melhor traduzir, cinematograficamente, uma

ideia. São fases, etapas, decupagens22, cronogramas, planos de filmagem23, ordem do

dia, análise técnica24, ensaios, preparações, edição, trilha, além de outras formatações.

Segundo ainda a artista plástica, “(...) nós nos movemos entre formas (...)”

(OSTROWER, 1977, p.9) . O casamento, o curso na universidade, o financiamento do

veículo, a felicidade, o sexo e o amor. São formas. E o fator cultural atua sobre a

percepção do indivíduo, preestabelecendo certos significados e direcionando o curso

de seu desenvolvimento durante a vida, em suas interações com o meio ambiente e

também com o outro.

                                                                                                               22  Em uma produção audiovisual são elaboradas diversas decupagens. As principais são a decupagem de produção (análise técnica) e a decupagem de direção (ou roteiro técnico) que expressa a linguagem do produto através de planos, ângulos e movimentos de câmera; 23 Planilha de direção que ordena as cenas que serão filmadas ou gravadas em uma diária de produção;  24 Decupagem do roteiro feita pela Produção e que preocupa-se com as necessidades de cada cena, como objetos de cena, figurinos, elenco, continuidade, quantidade de figurantes por cena, entre outros elementos.

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29  

Criar também é poder formar algo novo, e esse novo tem lugar, aqui nesse

projeto, como consequência de um processo coletivo e criativo de produção de

obras audiovisuais acadêmicas, adaptadas de outra forma artística, a poesia de

Waly Salomão. Ou seja, o processo de realização de uma obra que nasceria a partir

de uma outra obra, a original. E que gera, também, produtos audiovisuais diversos, já

que origina os curtas dos alunos e também o documentário fruto desta pesquisa,

produzido com o auxílio do Coletivo DOC. Ainda que adaptadas, as obras acadêmicas

também são originais, pois se deram em outro contexto histórico e midiático, pelas

mãos de outros artistas, utilizando-se de outras tecnologias e ideologias, tornando-a

igualmente únicas.

Considerava-se, então, entre os professores do curso de Produção Audiovisual

da Unijorge e a própria coordenação do curso, que os curtas acadêmicos eram

inspirações desses materiais de partida25, que são as letras de canções e poemas de

Waly, e não adaptações verdadeiramente.

Há alguns critérios relativos ao grau de fidelidade da adaptação à obra original

que determinam se a obra é adaptada, baseada ou inspirada no material de partida.

Como no caso desse projeto do quarto semestre a fidelidade à obra original é mínima,

pois se entende que a liberdade para criar a sua própria narrativa a partir de uma

inspiração, provocada pela obra original, dá ao aluno uma margem para se colocar e

se reconhecer no filme, a partir de suas pesquisas sobre o tema, de sua postura

dialógica durante o processo e, claro, de suas ordenações interiores, era consenso

entre todos que estávamos, de fato, realizando obras livremente inspiradas.

Entretanto, como o termo adaptação é mais corrente e familiar ao público de modo

geral, preferiu-se batizar o projeto de Adaptações.

Interessa aqui refletir sobre a experiência criativa do aluno, possibilitada pela

produção audiovisual, à luz do pensamento de Fayga Ostrower, que coloca que o

                                                                                                               25 A obra original, seja ela um livro, um conto, uma música, um poema. Qualquer material que serve de referência ou inspiração para outra obra. Nesse caso, foram utilizadas as letras e poesias de Waly Salomão.  

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30  

indivíduo “(...) só pode crescer, enquanto ser humano, coerentemente, ordenando,

dando forma, criando (...)” (OSTROWER, 1977, pg. 10).

O primeiro passo em um processo de adaptação cinematográfica é a

interpretação da obra original, a partir de leituras e pesquisas, e a posterior construção

do roteiro, preservando o que há de essencial naquele material de partida. A

compreensão é parte do fazer criativo, que permite ao individuo “(...) relacionar,

ordenar, configurar, significar (...)” (OSTROWER, 1977, pg. 9). Novas relações são

estabelecidas e novas coerências vão surgindo no trato com a obra, fazendo com que o

aluno possa imaginá-la de maneira única e compreendê-la de um jeito novo.

O homem pode pensar, e é capaz de falar sobre seus pensamentos, mas também

é capaz de, através de associações e reconfigurações, traduzir seu pensamento e

sentimento em um relato audiovisual. Ao interpretar a obra original e ressignificá-la,

cinematograficamente, o aluno está criando novas possibilidades e estratégias para

contar aquela mesma história.

As associações nos levam para o mundo da fantasia (não necessariamente a ser identificado com devaneios ou com o fantástico). Geram nosso mundo de imaginação. Geram um mundo experimental, de um pensar e agir em hipóteses - do que seria possível, nem sempre provável. O que dá amplitude à imaginação é essa nossa capacidade de perfazer uma série de atuações, associar objetos e eventos, poder manipulá-los, tudo mentalmente... (OSTROWER, 1977, p. 20)

Esse é o exercício da adaptação, e o valor desta atividade está no estado

constante de associação criativa ao qual o aluno é submetido, pois seu trabalho,

em todas as fases da produção, consiste em “transcrever” o poema para o formato

audiovisual de ficção, criando atualizações entre ambos, seja no roteiro, na arte, na

fotografia ou na pós-produção, a fim de traduzir, de forma audiovisual, uma ideia do

diretor ou um fragmento desse poema.

Nesse caminho, a imaginação dos alunos realizadores, impregnada por suas

impressões, medos, expectativas e desejos, e nutrida pelas pesquisas de referências e

pelos eventos de imersão propostos em sala, puseram-se a operar a favor da obra.

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31  

A ideia de apresentar o autor através de sua obra sempre foi a de que essas

ações pudessem ajudar a ilustrar a trajetória do artista adaptado, através de sessões de

cinema ou palestras sobre o tema, para que assim o aluno pudesse dispor desses

conhecimentos recém adquiridos na hora de criar. Dessa forma, ele mesmo, a partir de

sua própria interpretação e do diálogo com seu grupo, pode se tornar capaz de criar

uma narrativa, pensar em personagens que possam traduzir a essência da obra, e que

possam interagir com os outros personagens e as situações propostas pelo roteiro, uma

adaptação de outra obra.

Cabe ao aluno reorganizar todas as informações recolhidas durante a fase de

pesquisas e começar o processo de criação dos roteiros, que parte de uma ideia inicial,

que, resumida sob a forma de uma storyline26 é desenvolvida em algumas versões

(escaletas27), até que seja elaborada a versão final o roteiro, a que será produzida.

Então, todas as situações e personagens pensados e criados pelos alunos devem

relacionar-se com a obra original, com sua verdade interna e seu contexto.

O material de partida deve ser um guia, inicialmente. Depois que nasce o roteiro

adaptado, a obra original tende a ser descartada, pois toda a equipe passa a investir

esforços na realização da sua própria obra que, como vimos, ainda que seja adaptada,

é igualmente original. No processo de adaptação de uma obra para o formato

audiovisual deve-se produzir atualizações sobre aquele material, que podem abranger

desde a própria época na qual se desenrola a narrativa na obra de origem até a elipse

de cenas ou personagens que existiam, mas que por alguma razão não encontram

lugar no novo formato.

Então, procura-se criar na disciplina Oficina de Produção de Programas

Audiovisuais um ambiente onde o aluno encontra espaço para propor ideias,

caminhos, soluções; onde ele, a partir dos conhecimentos adquiridos na fase de pré-

produção, e ao longo do curso, tenha condições de criar algo que é novo e

totalmente originado de articulações próprias, dele e do grupo, mas que também

                                                                                                               26 Resumo da ideia central a ser desenvolvida no roteiro; 27 Guia para o roteiro. Contém uma proposta de estrutura e ordenamento das cenas ou sequências.

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32  

se relaciona com a obra pré-existente, pedindo a esse aluno que disponha de

iniciativa, atitude crítica, autonomia e capacidade de associação criativa.

Esse ambiente de constante produção criativa gera no indivíduo uma tensão

psíquica, uma espécie de motivação, que é responsável por sugerir e impulsionar o

fazer, a ação. Esse estado de tensão é essencial ao criar, e, nos processos de criação, o

mais importante é a concentração no trabalho que se está desenvolvendo, a fim de

preservar essa tensão, mantendo elevado o dinamismo psíquico e intelectual do

indivíduo, favorecendo a realização criativa. Essa energia de criatividade se

retroalimenta à medida que vai sendo estimulada, de modo que esse estado de

tensão deve ser proposto e promovido em sala de aula, através de dinâmicas

criativas.

Esse clima de criação artística audiovisual corresponde a um elemento

importante do processo de ensino e aprendizagem, aplicado pela disciplina Oficina

de Produção de Programas Audiovisuais, do quarto semestre, que se propõe a

colaborar na formação de sujeitos criativos e críticos.

A arte visual, tendo a imagem como matéria-prima, torna possível a visualização de quem somos, onde estamos e como sentimos. A arte na educação como expressão pessoal e como cultura é um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento. Através das artes é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. (BARBOSA, 2012, p. 3)

Nesse contexto de mercado de produção de audiovisuais, que é reproduzido em

sala de aula, supõe-se, portanto, que, além do conteúdo curricular previsto no

programa da disciplina, o percurso da produção audiovisual potencializa os

processos criativos do aluno, funcionando como um ambiente de aprendizado em

si, intrínseco à formação acadêmica específica, já que, além da compreensão de

conteúdos específicos do audiovisual, se exige do aluno, também, o exercício e o

desenvolvimento da criatividade, da cooperação, da autonomia, da atitude crítica

e da compreensão das diversidades envolvidas naquela dinâmica; habilidades

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33  

essas que são centrais para a sua interação na cada dia mais complexa e volátil

sociedade contemporânea.

Esta proposta de ensino-aprendizagem aplicada em sala de aula encontra

aderência à proposta do Projeto Pedagógico Institucional da Unijorge. A instituição

compreende que o ensino-aprendizagem deve seguir a linha do construtivismo

pedagógico, promovendo aprendizagens significativas através da metodologia da

problematização.

Então, uma situação-problema é proposta ao aluno. No nosso caso, a realização

de curtas metragens adaptados. Este aluno, desafiado pela tarefa de resolver esse

problema, é levado a pesquisar, investigar, experimentar e construir o próprio

aprendizado, coletivamente, já que grande parte dos problemas são investigados e

solucionados por ele, em equipe. Como a solução de problemas requer uma postura

ativa e criativa, o aluno é colocado no lugar de sujeito das ações, onde o diálogo, a

iniciativa e a colaboração tem um papel fundamental. Ele é convocado a tomar

decisões, estar confiante quanto às suas ações, e no trabalho que desempenha,

amparado pelos conhecimentos prévios, vistos em sala, ou adquiridos em sua própria

experiência profissional ou na vida.

A sala de aula, que para esse projeto foi pensada também como o locus da

pesquisa, habitualmente funciona como um laboratório de aprendizagens

significativas. Essa aplicação de conceitos teóricos e técnicos à prática do ofício da

produção audiovisual representam desafios para o conhecimento, pois nem sempre a

teoria pode ser aplicada à prática sem que haja imprevistos ou acasos. Existem então,

a todo momento, ajustes e adequações que devem ser feitos muitas vezes até na hora

de gravar, exigindo que o indivíduo participante dessa atividade desenvolva sua

capacidade de improvisar, a fim de cumprir o que foi previamente estipulado nos

planejamentos de gravação ainda na fase da pré-produção.

A partir desse ponto, as equipes de alunos começam o processo de produção

fílmica, que se inicia na escolha das obras a serem adaptadas pelos grupos. A sala de

aula, a essa altura, transforma-se em um set de gravações – ou o set de gravações

transforma-se numa sala de aula - e tudo o que foi aprendido durante o curso deve ser

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34  

posto em prática nos moldes do mercado profissional de produção audiovisual. Nesse

caminho, desafios, surpresas, choques de relações e mudanças de percurso exigem do

aluno flexibilidade e criatividade, preparando-o para um mundo que muda de

aparência com mais velocidade a cada dia.

Nesse ambiente de aprendizagem, que reconfigura o modelo tradicional da sala

de aula, onde o aluno senta-se enfileirado em frente ao mestre, o aprendizado desloca-

se para a própria experiência, abrindo espaço para a imaginação, a criação e o diálogo

entre professor e alunos, num processo que o sociólogo francês contemporâneo

Michel Maffesoli chama de aprendizagem iniciática, na qual o trabalho em grupo e

a cooperação são a base. Para ele “(...) As instituições educacionais estão coladas a

uma ideia de verticalização: eu sei algo que você não sabe e eu estou passando

conhecimento para você. Na iniciação, há uma horizontalização (…)” (MAFFESOLI,

2014, p. 9).

Semelhante a essa proposta de Maffesoli para uma nova Educação é a natureza

da produção audiovisual. O trabalho em equipe é o que torna possível a realização de

uma obra. Cada profissional da equipe técnica de produção ocupa-se de determinado

departamento ou função numa engrenagem onde todos precisam se entender.

Fig. 2 – Alunos dirigem cena de Sala Sunyata

O diálogo permeia os afazeres e num movimento constante de troca de

informações o projeto é elaborado e criado. Um aprende com o outro. O

conhecimento de um auxilia o trabalho do outro e o professor desempenha um

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35  

papel importante no sentido de oferecer aos alunos pistas, caminhos,

demonstrações e incentivos no momento certo, e nas quantidades certas, num

processo que o psicólogo russo Lev Vygotsky chamou de aprendizagem assistida ou

participação orientada na sala de aula.

A ideia central da aprendizagem assistida é que após a fase inicial de

instruções e exposição de caminhos e possibilidades para a realização de uma

tarefa, os alunos possam trabalhar cada vez mais sozinhos, por conta própria, mas

com supervisão. Essa exposição, no caso do projeto das adaptações, se deu através da

própria experiência da produção coletiva de uma obra audiovisual, na qual a própria

vivência em si nesse ambiente de atuação proporcionou ao aluno oportunidades de

aplicação de sua imaginação criativa na elaboração da narrativa ficcional adaptada,

autonomia sobre o processo de produção de seu curta metragem, atitude crítica para

fazer escolhas durante o processo, espírito de equipe para ouvir e para ajudar o outro,

e compreensão das diversidades, já que precisou dialogar com outras individualidades

e realidades.

Nesse ambiente de aprendizagem colaborativa, onde todos os envolvidos

aprendem, e ensinam, e onde os indivíduos e grupos esforçam-se por uma

compreensão comum sobre o projeto, e esse processo compreende muita troca de

informações e de conhecimentos, tem lugar um conceito primordial sobre a

aprendizagem, segundo Vygotsky: a zona de desenvolvimento proximal, na qual

aluno, professor e conteúdo relacionam-se e interagem a fim de solucionar um

problema proposto. Para este teórico, a aprendizagem é um processo social e o

conhecimento, algo socialmente construído.

O documentário desta pesquisa exibe uma cena na qual o aluno Pedro explica

ao grupo porque aprovara o desempenho de um determinado ator, durante o teste de

elenco (32’45”28). Ele argumenta assim: “De início eu “tava” imaginando assim, um

cara um pouquinho mais velho, eu pelo menos “tava” imaginando isso, mas eu acho

que a segurança, a maturidade e a calma com que ele fala, eu acho que esses

                                                                                                               28 Esta minutagem, sempre que aparecer neste relatório, estará referindo-se à localização temporal da informação, citada aqui textualmente, no documentário da pesquisa.

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36  

elementos eram o que a gente “tava” procurando pro pai dela (o personagem)... Pra

mim, foi excelente o teste, ele passou muito sentimento”, ao que Filipe, seu colega de

equipe, complementa com sua própria análise: “Quando ele falou: ‘Eu me sinto cego

junto com ela’, pra mim, tipo, acabou, não precisa mais responder nada”, no sentido

de que também havia considerado a interpretação do ator muito boa, adequada ao

perfil elaborado para o personagem pelo grupo, ao roteirizar a composição de Waly

Salomão. No roteiro criado pela equipe, o personagem para qual o ator estava sendo

testado é pai de uma adolescente cega.

Essa passagem reflete uma etapa do processo de produção de uma obra

audiovisual de ficção, na qual é necessário realizar testes de elenco, escolher os atores

que irão interpretar os personagens. Os personagens, idealizados pelos próprios

roteiristas das equipes, possuem um perfil, cada um deles, cuja inspiração é a

realidade, os tipos sociais, mas também a sua função dentro da narrativa.

Características físicas, sociais e psicológicas são atribuídas aos personagens e a

identificação desses elementos na interpretação do ator, no teste de elenco, é o que se

busca. É isso, basicamente, o que determina a escolha de um ator ou atriz.

Fig. 3: O aluno Pedro dirige teste de ator para seu curta Refúgio

O comportamento do aluno-diretor durante o teste de elenco será de, mais do

que avaliar o talento do ator, de encontrar semelhanças, associações entre o

personagem criado pelo próprio grupo e o ator que irá vivê-lo. O aluno precisa estar

seguro em relação a isso. A sua direção foi orientada a partir desse dado. Então ele

estava à frente de um processo que começou com a criação da personagem, a

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37  

determinação de seu perfil, em seguida a sua contextualização às situações do roteiro,

a criação de falas e ações verossímeis29. Agora ele se via diante de um material

humano e precisava dirigí-lo.

Quanto mais ciente do personagem estiver o aluno-diretor, melhor será o

resultado do teste, tanto para o diretor quanto para o ator, que receberá informações

mais concretas, mais “munição” para sua performance. Todo esse trabalho foi

realizado pelo próprio grupo que, com a minha orientação, foi submetido a uma

tarefa (testar os atores), e lhe foi conferida uma autonomia quase total para suas

tomadas de decisões. Entretanto, certo de que só é possível ensinar a dirigir atores

dirigindo, em determinados momentos do teste de elenco, foi necessário intervir, no

sentido de “mostrar” aos alunos determinadas estratégias de direção, a fim de que eles

pudessem extrair os resultados esperados dos atores.

Nesse caso, não apenas o aluno-diretor aprendeu e reconheceu no ator algo do

qual ele precisava e ainda não sabia o que seria, como também aprendeu com o

colega, que reforçou a percepção de adequação do ator ao papel. Ainda que não

explícito, esse é um bom exemplo de aprendizagem em vídeo e em Arte, e a Zona de

Desenvolvimento Proximal é um conceito útil para clarear, para os de fora da área, o

que está acontecendo em termos de processos de aprendizagem. Pois, enquanto que

numa sala de aula nem todos os aprendizados se dão assim, num processo artístico e

coletivo, a imensa maioria de aprendizagens é construída num ambiente de rede de

troca de saberes rápidos, complexos e articulados, e por isso nem sempre

conscientizados racionalmente.

O diálogo e a troca de conhecimentos, preferencialmente com alguém que

conheça mais sobre o assunto em questão, seria a forma pela qual o aprendizado se

daria, de fato, já que o aluno, exposto a outras subjetividades, novos conceitos ou

diferentes realidades, seria levado a alcançar instâncias maiores em seu

desenvolvimento, processo esse que seria sempre específico e único para cada um.

Para Vygotsky, “(...) a interação social era mais do que um método de ensino, era a                                                                                                                29 Verossimilhança é a lógica interna à situação exibida, que cria no espectador a sensacão de que tal situacão é possível ou verdadeira. Tem a ver com a credibilidade e a impressão de realidade intrínseca ao cinema.

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38  

origem dos processos mentais superiores, tais como a solução de problemas (...)”

(WOOLFOLK, 2000, p.54). Esse terreno, fertil à apreensão de novos conhecimentos,

e no qual o auxílio de outro indivíduo mais capacitado na resolução de problemas é

permitido e incentivado, não só encontra total ressonância no ambiente da produção

audiovisual, como é o mecanismo primeiro para que um projeto flua. Quer dizer,

assume um caráter indispensável na realização de qualquer obra audiovisual.

A própria formatação do projeto, começando pela definição de equipes pelos

alunos, seguiu a lógica na qual os membros são escolhidos a partir de suas habilidades

em determinada função específica da produção. Áudio, figurino ou edição são

departamentos distintos, mas todos dialogam e trabalham a fim de originar uma obra

que pode se considerar una e coletiva - por tratar-se de um processo de realização

único e original, mas fruto do trabalho de uma equipe, de um trabalho que sem o

esforço, comprometimento e a colaboração do outro, com seu conhecimento

específico, não poderia acontecer.

Ilustrando essa afirmação, no documentário Não É O Olho Que Vê, aos 11’

assiste-se a equipe do curta Refúgio preparando o set para gravar. Cada integrante da

equipe ocupa-se de uma tarefa, preferencialmente a que melhor desempenha; então

Filipe faz a distribuição dos objetos de cena pelo cenário (boate Zen Dining & Music),

Álvaro posiciona os refletores e coloca os filtros, enquanto Lemuel e Antônio Moisés

ensaiam com os atores e determinam a decupagem (os planos e movimentos de

câmera).

Fig. 4: A equipe de produção do curta Refúgio em ação

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39  

Diferentes capacidades reuniram-se em benefício do projeto. Técnicos,

atores, diretores e produtores interagiram no desenrolar do trabalho, trocando

ideias e utilizando, tanto o próprio processo de construção do filme quanto a

obra em si, ou sua expectativa de resultado, como mediadores. Aos 34’15”, o

documentário mostra que enquanto Milton gravava uma cena com um ator ao

telefone, o preparador de elenco Heitor Guerra, no camarim, ensaiava com o ator e

artista de rua Emerson Bulcão uma cena do curta Salomão Sem Roteiros, que seria

gravada logo em seguida. Fábio operava o gravador externo. Enquanto isso, a

produtora Vanessa ligava para o delivery e pedia o almoço para a equipe. São as

necessidades do projeto impondo trocas e interações. De visões de mundo, de

conhecimentos, de individualidades.

O conceito de mediação também ocupa um lugar de destaque no pensamento de

Vygotsky sobre o processo da aprendizagem. Ele coloca que as ferramentas culturais,

sejam elas materiais ou simbólicas, seriam responsáveis pelo desenvolvimento do

individuo no caminho da aprendizagem, e afetariam a mente dos que a manuseiam ou

operam e, consequentemente, o próprio contexto em volta. O material em fase de

produção atua como mediador na aprendizagem na medida em que a todo instante vai

transformando-se, exigindo alterações e ajustes.

Num processo dialógico entre o realizador e a obra, o convívio com a

tecnologia, sempre em constante transformação e aperfeiçoamento, e com a arte,

explorando a subjetividade e exercitando o senso critico e estético do aluno,

propicia a este aluno um constante desenvolvimento, pois a cada novo projeto ou

cada diária de trabalho uma nova tecnologia se coloca ou um novo pensamento

ou sentimento surge, fazendo do ambiente da produção audiovisual uma

verdadeira zona de desenvolvimento proximal para os alunos.

Um set de filmagem, aos olhos de quem não pertence ao meio audiovisual,

pode parecer caótico, com muitas pessoas se movimentando de um lado para o

outro, muitas vezes aos gritos, em meio a equipamentos, cenários e objetos de

cena. Para outros, parece uma atividade “divertida” e glamorosa, atraindo assim

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40  

o interesse das pessoas sempre que passam na rua e uma filmagem está

acontecendo. Seja pela presença de artistas famosos ou pela novidade da atração, é

impossível não ser contagiado por esse acontecimento que é uma filmagem,

principalmente se estiver ocorrendo em um espaço público.

Seja o que for, um set de filmagem deve ser, acima e apesar de tudo,

organizado. As vinte, trinta ou quarenta pessoas que integram uma equipe

técnica de produção estão ali cientes do seu trabalho e, apesar do clima

colaborativo da filmagem, cada profissional tem uma função específica e deve

responder por ela durante o período de produção. O operador de áudio

responsabiliza-se pela qualidade da captação sonora, o diretor de arte desenha os

cenários e o figurinista “produz” as roupas que serão usadas pelo elenco, sempre a

partir do que foi definido em reuniões de produção e a partir dos perfis das

personagens. O caos é só aparente. Com todos afinados, o trabalho acontece com

menos contratempos ou atrasos.

Nas equipes, cada um tem uma função específica. Quando todos sabem quem faz o quê, não se pede o que não se deve a quem não tem nada a ver com isso. Da mesma maneira, quando se sabe quem é responsável pelo quê, e quem vai responder por tal ou qual decisão, é possível dar e receber ordens. (MOURA, 1999, p.208)

Direção de Fotografia e Direção de Arte a meu ver, são áreas em que diversas

competências criativas são experimentadas, e são áreas responsáveis pela construção

estética e pelo “clima” do filme. Um pinta com a luz, o outro com a cor. Faz-se

necessário lembrar que essa criação, normalmente, origina-se a partir da concepção da

obra pelo Diretor Geral, que a interpreta a partir da leitura do roteiro, do argumento

ou de uma reunião com o roteirista.

O diretor de fotografia Pedro Farkas, em depoimento para o documentário

Iluminados, de Cristina Leal, sobre o processo criativo de renomados fotógrafos

cinematográficos brasileiros, fala sobre o sentimento que mais o aproximou do

cinema: “A coisa que mais me atraiu no cinema é a coisa da equipe, da democracia.

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41  

Eu achei incrível que no cinema todo mundo participa igualmente, não tem

hierarquia. Depois se descobre que existe uma coisa super hierarquizada, mas existe

uma coisa que é uma roda, é uma equipe. Todo mundo dá palpite, os palpites são

válidos e todo mundo tem um peso igual. Isso é uma coisa que eu sempre achei o

máximo no cinema. Eu acho que a coisa mais linda do cinema é isso”.

O diretor é o grande líder dessa equipe, que deverá produzir a partir de suas

determinações. Reuniões de produção devem ser frequentes no processo, para que o

diretor brife sua equipe e possa realizar um bom material audiovisual. O departamento

de Produção não somente é responsável por promover essas reuniões como também

outras ações, como a elaboração de cronogramas, decupagens diversas de produção;

deve ocupar-se da tática e da logística da produção, esforçar-se ao máximo para

viabilizar o projeto concebido pela Direção, contratar equipe, alugar equipamentos,

entre outras iniciativas.

A seguir, apresento algumas reflexões sobre o processo de construção do

documentário Não É O Olho Que Vê, seus objetivos, sua estrutura e realização, desde

a concepção até sua finalização.

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42  

2.2.1 – NÃO É O OLHO QUE VÊ: um filme sobre filmes

Em seu livro A Imagem, Jaques Aumont discorre sobre os processos orgânicos,

físicos e psicológicos que são acionados na formação da imagem pelo olho humano, e

compara o ato de ver ao princípio da câmara escura, na qual um feixe de luz projeta-

se sobre uma superfície formando imagens, em um processo parecido com o da retina.

O olho então funcionaria de maneira semelhante ao mecanismo de uma câmera

fotográfica, no processamento da luz através de sua função ótica, registrando,

objetivamente, a realidade.

O teórico esclarece, porém, que além de transformações no nível ótico, ocorrem

no olho também alterações de ordem química e nervosa, particularizando o processo

da visão humana. A partir disso, Aumont passa da esfera visual e visível, para

considerar os estratagemas do imaginário. Como para ele não pode haver imagem sem

que haja uma percepção dessa imagem, atribui grande relevância à recepção, à forma

como o espectador interpreta essa imagem, conferindo-lhe um significado particular,

compreendendo-a, inventando-a.

Ao mesmo tempo em que a imagem carrega em si um sentido cultural dado

pelo espectador, também traz consigo uma intencionalidade primordial, a do seu

criador. Essa ambiguidade contida na imagem favorece a percepção visual subjetiva,

e o diálogo entre obra de arte e espectador - um processo de construção e

desconstrução - afeta ambos, modificando-os. A leitura é sempre subjetiva e cheia de

associações particulares, pois não é o olho que vê, e sim o homem em sua totalidade,

com seus códigos culturais e íntimos, sua moral, seu senso estético, sua origem social,

sua orientação sexual, sua raça, suas ambições, sua visão de mundo. E isso vale tanto

para o espectador, quanto para o realizador (ao determinar os caminhos de sua

criação), que nesse projeto foram os alunos-sujeitos desta experiência artística.

O documentário Não É O Olho Que Vê debruça-se sobre um processo de

realização audiovisual com finalidade acadêmica, e portanto submetido a critérios

mais ou menos rígidos, onde um determinado número de elementos e conceitos

precisam ser observados durante o processo de produção dos curtas metragens

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43  

(questões técnicas e práticas), pois as equipes serão cobradas posteriormente, na

avaliação dos trabalhos. Questões como: o respeito ao tema e à essência da obra

original, o formato ficcional, a duração dos curtas metragens, o cumprimento do que

estava planejado no cronograma de gravação, no planejamento de gravação e na

ordem do dia, a realização em si, entre outras imposições naturais do processo

acadêmico e do próprio processo de uma produção audiovisual.

Existem regras pré-estabelecidas e formatações que devem ser seguidas no

processo de um produção fílmica ou audiovisual. Há um aspecto na produção de

audiovisuais que precisa se relacionar com questões práticas e burocráticas, onde a

criatividade se manifesta de outras maneiras, a exemplo de um Produtor Executivo

que precisa gerenciar o orçamento do filme, garantindo ao Diretor o máximo de

liberdade para pensar artisticamente. É preciso ser criativo nisso também.

Mas, ainda que se trate de uma atividade onde a gestão, a organização e o

planejamento são cruciais, não deixa de representar também, e sobretudo, uma

experiência coletiva de criação artística e de construção de conhecimento, na qual o

indivíduo participante precisa elaborar suas próprias ideias, e a partir dessas ideias,

partir para a realização da obra. No entanto, para isso é necessário interagir, dialogar,

trocar com o outro, e sua própria visão de mundo, seu olhar sobre a realidade estará

em cada frame30 da obra.

O documentário Não É O Olho Que Vê nasceu com o propósito de trazer para o

para o centro das atenções a perspectiva do aluno, através de seu discurso em sala de

aula, ao explicar suas decisões técnicas ou criativas; mas também no discurso do

aluno contido na obra: o que ele carrega de sua própria experiência de vida para o

contexto acadêmico e como ele reelabora as informações e conhecimentos adquiridos

durante o processo (de pesquisas e de construção das narrativas) traduzindo-os em

conteúdo audiovisual ficcional: os curtas metragens adaptados de letras e poesias de

Waly Salomão. A partir disso, passou a interessar ao filme, especialmente, como

essa experiência coletiva de produção de curtas metragens ficcionais poderia

                                                                                                               30 Frame é cada imagem ou quadro fixo de uma imagem audiovisual. Os produtos audiovisuais costumam utilizar, hoje em dia, o padrão de 30 FPS (frames por segundo).

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44  

extrair e desenvolver nesse aluno competências essenciais para sua formação

enquanto indivíduo, a partir de sua posição de protagonismo no projeto.

Por isso, em sua estrutura, o filme documental Não É O Olho Que Vê estabelece

um diálogo entre a realização dos curtas acadêmicos, revelando o processo criativo

dos alunos, e o seu próprio processo de construção, apresentado no filme através das

reuniões de produção com o Coletivo D.O.C. e também através da produção de

imagens por este coletivo durante todas as fases do projeto acadêmico.

Como dito anteriormente neste relatório, para a produção das imagens do

documentário fruto dessa pesquisa foi criado um coletivo de produção audiovisual – o

Coletivo D.O.C. - formado por alunos do mesmo curso, porém do segundo semestre,

que estavam cursando a disciplina Operação de Câmera, e poderiam pôr em prática os

conteúdos vistos em sala. Eu ministrava disciplinas nessa turma, na ocasião, e

convoquei, em sala de aula mesmo, os interessados em participar dessa empreitada,

apresentei o projeto e formamos um grupo flutuante com os interessados, onde não

havia uma equipe fixa, e sim um grupo de alunos maior do que a necessidade de

cinegrafistas por diária. Essa medida foi tomada pois as gravações com o quarto

semestre (os sujeitos da pesquisa) ocorreriam em grande parte à noite, no mesmo

horário em que os alunos do segundo semestre (Coletivo D.O.C.) estariam assistindo

aula. Para que esses alunos não ficassem prejudicados pelas ausências em sala em

função das gravações, procurou-se formar uma equipe rotativa, para que houvesse

uma alternância entre os membros na captação de imagens.

Esses alunos, integrantes do Coletivo D.O.C., classificados nessa pesquisa como

produtores de imagens e assistentes de produção, tornaram-se também sujeitos

dessa pesquisa, na medida em que também estavam vivenciando um processo de

construção de conhecimento semelhante ao processo dos alunos do quarto

semestre, porém relacionado ao documentário que estava sendo produzido por mim.

Realço isso aqui para dar conta, metodologicamente, dos diversos sujeitos que são

também influenciadores da ação da pesquisa, mas que têm atribuições e gradações

diferentes. E também pelo documentário ser algo que permite que o próprio

“observador participante” – e nesse processo temos isso o tempo todo, de

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45  

diversas formas e graus – se observe e mude também em função do que viu de si

mesmo. O que é uma situação diferente e mais complexa do que a de um pesquisador

isolado que observa e tira conclusões sozinho, sem ser influenciado pelos outros que o

cercam, a não ser em certa medida.

Antes do início do semestre letivo teve início uma sequência de reuniões de pré-

produção com o Coletivo D.O.C. para discutir questões relacionadas à produção e

realização do documentário da pesquisa. Eram reuniões que ocorriam semanalmente,

às sextas-feiras pela tarde, em encontros que duravam, em média, quatro horas, a fim

de pesquisar referências audiovisuais e elaborar estratégias de produção e de captação

de imagens para o projeto, como por exemplo, definir se assumiríamos a sala de aula,

fria e azulejada, como um set de gravação, ou se pesquisaríamos outros espaços

dentro da Unijorge para gravarmos as aulas.

Fig.5: Coletivo D.O.C. em reunião de pré-produção

Formas de utilizar a câmera foram testadas, a partir do que interessava ao filme,

que era captar o processo do próprio aluno submetido ao “clima” de uma

produção audiovisual, sua reação ao problemas de produção, e seu raciocínio a fim

de solucioná-los. Certamente, a câmera estaria perto, sempre próxima do que estava

acontecendo, atenta ao aluno em processo.

Questões importantes foram levantadas nessas reuniões, e são exibidas no

documentário, como a presença constante das câmeras interferindo na naturalidade

dos acontecimentos, a ausência de um roteiro que determinasse um plano de

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46  

gravações para orientar os operadores de câmera do Coletivo; a falta de refletores

disponíveis para o projeto, o que iria interferir no resultado da imagem do

documentário, e consequentemente na sua proposta visual. Através dessas discussões

de pré-produção, os alunos integrantes do Coletivo D.O.C. tiveram oportunidade de se

relacionarem, na prática, com temas caros ao produtor audiovisual como Fotografia,

Roteiro, Direção e Plano de Gravação, pois estavam pensando o processo em curso,

criando imagens mentais, formatando, realizando.

Para dar conta da realização do documentário, buscou-se, a título de referência,

uma filmografia que correspondesse, cada filme à sua maneira, às ideias formais que

se planejava incorporar à obra. Entretanto, o filme é original, com escolhas prévias

sendo feitas mesmo antes de iniciar o semestre e os processos de produção.

No início da fase de conceituação, ou seja, na ocasião da elaboração da proposta

estética para o documentário, alguns filmes surgiram como inspiração, intuitivamente,

antes mesmo da fase de pesquisa de referências. Por referir-se a um processo de

formação que se dá através da Arte, e em um contexto diferente da sala de aula, o

documentário Nascidos em Bordéis foi o primeiro filme a ser cogitado enquanto

referência.

Além de ser um documentário com um tema enriquecedor, realista e poético ao

mesmo tempo, nele a câmera está “solta”, isso é, às vezes na mão do cinegrafista, às

vezes operada com um steadycam - equipamento que permite a realização de imagens

com a mesma fluidez de uma câmera na mão, porém mais estabilizadas - no intuito,

talvez, de representar a liberdade que aquelas crianças, protagonistas das ações nesse

filme, exerciam ao fotografar.

Os planos fechados31 imprimem no filme um sentimento de intimidade e de

cumplicidade com as personagens e suas histórias, que me interessava resgatar e

trazer para o documentário. Organicamente, a câmera ia registrando de perto o

processo de formação daqueles indivíduos. A ação pela transformação.

Já o filme Entre os Muros da Escola foi uma referência vista durante essa etapa

inicial do processo, onde foi possível estudar, inicialmente nesse filme e

                                                                                                               31 Os planos fechados destacam a face do personagem, seu olhar, valorizam sua emoção;

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47  

posteriormente em outros, a decupagem utilizada na realização das cenas que se

passam em salas de aula. Como os alunos são “enquadrados32” ? Uma situação que,

àquela altura, esperava-se encontrar com muita frequência no documentário em

produção: enquadrar o aluno em sala de aula, interagindo, criando e produzindo,

durante o processo de realização dos curtas adaptados.

Procurou-se, na composição dos planos, não explorar a profundidade de

campo ao enquadrar os alunos expressando-se de alguma forma, principalmente

em sala de aula. Isso porque, até então, as aulas com essa turma ocorreriam em uma

diminuta sala de aula azulejada do curso, sem iluminação suficiente, e a principal

razão para essa escolha estética era “apagarmos” os azulejos da sala, nada

cinematográficos, retirando nitidez do plano de fundo, a fim de esconder informações

indesejáveis que porventura “vazassem” no quadro.

Retirando o foco do plano de fundo da imagem e trazendo a nitidez para o

tema central, ou seja, o aluno em primeiro plano, o destaque seria dado à sua

face, ao seu olho, ao seu discurso. Jullier e Marie (2009, p.31) dizem que “A

profundidade de campo permite, às vezes, operar seleções na imagem que dirigem a

atenção do espectador: seu olhar pousará sempre primeiro, por uma questão de

reflexo, na zona clara33”.

Não contaríamos, nesse processo, com locações ideais, nem com iluminação

apropriada, nem com as melhores condições para as captações sonoras. Diante disso,

era preciso elaborar estratégias que driblassem essas dificuldades, que, na verdade,

eram as condições que teríamos para realizar o documentário. Ainda assim era

decisivo encarar os cenários reais - sala de aula, estúdio de tevê, ilha de edição,

agência de comunicação Galáxia - como sets de gravação, e por isso deveriam

obedecer a alguns requisitos.

                                                                                                               32 Enquadrar significa estabelecer uma moldura para a imagem vista pela câmera. A porção do cenário que figura na tela. 33 Os autores referem-se à zona clara como o espaço de foco, ou seja, a escolha da zona de nitidez ao longo do eixo da objetiva.  

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48  

Diante da minha recusa em utilizar a sala de aula inicialmente oferecida pelo

curso de Produção Audiovisual, outra sala de aula, a 4023, foi sondada e solicitada ao

curso de Design. A partir daí, as aulas-gravações ocorreriam na sala 4023 por haver

neste local alguns objetos de cena (os trabalhos dos alunos de Design), plotagens

coloridas em alguns azulejos, havia também armários com grafismos adesivados e as

mesas e cadeiras organizavam-se como colmeias, onde em cada “colmeia” poderia

instalar-se uma equipe de alunos, ou uma equipe de produção, maneira pela qual os

grupos são tratados no projeto de conclusão de curso. Com uma sala de grandes

dimensões, a câmera poderia movimentar-se ou instalar-se em diversas posições.

Tínhamos um set de gravação pronto. Isso era o que acreditávamos, até então.

Um outro aspecto que chamou a atenção no filme Entre Os Muros da Escola foi

o tema da diversidade cultural. Alunos de outras origens étnicas encontram

dificuldades em estabelecer relações interpessoais e acompanhar a didática proposta

por uma escola pública parisiense. Conflitos são mostrados entre alunos e também

entre alunos e professor, que precisa adequar sua didática a fim de contemplar a

coletividade. A compreensão e o estímulo às diversidades é um eixo que foi

trabalhado neste projeto.

Nesta pesquisa de referências feita por este pesquisador, que contou com outros

filmes além do filme Entre os Muros da Escola, observava-se o tipo de

enquadramento utilizado nos planos feitos com os alunos, o número de câmeras e suas

posições no set, se estavam fixas em tripés ou “flutuantes”, sempre buscando pistas

sobre como captar o discurso do aluno e fazer o espectador acompanhar, e participar,

de seu desenvolvimento nesse ambiente, ser cúmplice dele.

Nesta referência, por exemplo, mesmo em grupos de três alunos, os planos de

câmera são fechados em sua maioria. Essa era a ideia a ser trazida para o

documentário, um destaque para o que o aluno estava experimentando, como reagiam

e como se comportavam frente aos problemas de produção. De fato, no documentário

da pesquisa, priorizou-se a realização de planos mais fechados, atentos aos estímulos

de cada situação vivenciada, e isso se traduz na face, nas ações e proposições verbais.

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49  

Não interessava mostrar resultados, e sim a transformação do aluno durante o

processo. Isso foi o que filmamos, prioritariamente. Entretanto, no decorrer do

processo de captação de imagens, em muitas ocasiões, tudo o que havia sido

planejado tecnicamente, teve que ser deixado de lado, em prol da instantaneidade dos

acontecimentos. Nem sempre havia tempo ou as condições ideais para captar uma fala

ou ação do aluno que, de tão significativa para o documentário, precisou ser captada

antes mesmo que se pudesse estudar a posição da câmera ou a instalação do gravador

externo. Perdemos tecnicamente, isso é um fato, mas registramos o instante.

A distribuição das informações no quadro deve ser sempre significativa e não

aleatória. Isso quer dizer que informações que não digam respeito à narrativa são

indesejáveis, pois desviam a atenção do espectador. O público precisa capturar a ideia

que o diretor pretende comunicar, ser capaz de entender o significado pretendido da

composição, mesmo que para cada um haja, em certa medida um significado

particular. Os elementos no quadro devem possuir “(...) uma conexão significativa

com a história e os planos de câmera devem ser compostos para enfatizarem os

detalhes importantes da trama, tema, motivos e ideias centrais (...)” (MERCADO,

2011, p. 2). Esta é uma convenção que evoluiu ao longo de milhares de anos da

narrativa visual, desde os homens das cavernas, que não incorporavam informações

irrelevantes em suas pinturas rupestres.

Tudo e qualquer coisa que é incluído na composição de um plano será interpretado por um público como estando lá para alcançar um propósito específico, com o qual está diretamente relacionado e é necessário ao entendimento da história que o público está assistindo. (MERCADO, 2011, p. 2).

Não somente isso, mas o tamanho, o posicionamento do assunto enquadrado e

sua visibilidade afetam o entendimento do público sobre a importância daquele

elemento no plano fílmico, como um objeto de cena qualquer em primeiro plano, que,

provavelmente, possui uma importância na história para estar ali; ou a presença

durante todo o filme, no quadro, de uma determinada cor que remeta ao tema ou

conceito da obra, e tenha um significado, consciente ou não.

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50  

Uma composição de plano34 significativa reflete a compreensão da situação

pelo diretor, que ao relacionar os aspectos técnicos da produção audiovisual, a função

narrativa de cada plano de câmera e as regras da composição da imagem, pode

alcançar seus objetivos fílmicos, que não deixam de exprimir, inclusive, sua

perspectiva, seus valores, sua própria visão de mundo.

Uma outra influência importante nesse processo de pesquisa de referências foi o

filme História(s) do Cinema(s), do cineasta Jean-Luc Godard. A experimentação, um

traço de sua linguagem, e presente em grande parte de sua filmografia, revela um

constante exercício de reinvenção e este filme sintetiza seu estilo de realização. A

disponibilidade para experimentar é, por si só, uma atitude educativa, no sentido de

estar sempre receptivo ao outro e suas novas realidades e possibilidades.

O Coletivo D.O.C. reuniu-se em 29 de agosto para assistir ao filme de Godard

que, talvez, expresse mais intensamente a característica transgressora desse diretor.

Nesse registro fílmico auto-reflexivo surgem imagens de arquivo, citações

aparentemente desconexas ou letreiros contrariando a norma e levando o espectador a

pensar e colaborar na construção da mensagem fílmica, retirando-o de uma postura

passiva diante da obra.

O documentário Não É O Olho Que Vê - sobre o processo de produção

audiovisual acadêmica – produzido, dirigido e editado por mim, com o auxílio do

Coletivo D.O.C. nas fases de pré-produção e de captação de imagens, esteve receptivo

a todos esses elementos. O registro apresenta imagens de arquivo do poeta Waly

Salomão, legendas com a localização temporal ou espacial de determinadas

sequências, não-linearidade e outros recursos. A narrativa não é apresentada com

rigor cronológico, mas é estruturada e apresentada de forma que todo o processo fique

claro para o espectador, desde a elaboração dos roteiros adaptados até a sessão de

exibição dos filmes na Sala Walter da Silveira.

Nesse registro documental, certas convenções estilísticas misturam-se em um

material que conta com a minha participação, tão sujeito dessa pesquisa quanto os                                                                                                                34 Ou composição da imagem, é a arrumação dos elementos do plano seguindo princípios como proporção da tela, os eixos do quadro, a regra dos terços, ângulos de câmera, profundidade de campo, pontos focais, distância focal e campo de visão.

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alunos, e, como eles também, sendo sujeitado pela própria subjetividade; absorvendo

uma característica do documentário participativo, no qual a presença do cineasta é

assumida e ele está ali para provocar e direcionar os acontecimentos. Não é como no

documentário observativo, em que ele se coloca apenas a observar, sem interferir,

como se isso fosse possível.

O documentário participativo tomou forma com a percepção de que os cineastas não precisavam disfarçar a relação íntima que tinham com seus temas, contando histórias ou observando acontecimentos que pareciam ocorrer como se eles não estivessem presentes. (NICHOLS, 2005, p. 137).

Este documentário da pesquisa abdica de recursos como a narração over35 e

utiliza-se de imagens de arquivo, legendas, inserts36 tomando como inspiração o

universo multirreferencial de Waly Salomão, o poeta adaptado pelos alunos nesse

processo, criando mais um elo entre o documentário e o contexto temático trabalhado

pelos alunos em seus curtas metragens, construindo com isso também um “estado de

espirito”.

Fragmentos de poemas de Waly são recitados pelo ator Herbert Leão e entram

na narrativa sem aviso prévio, gerando contrastes e impactando no ritmo do filme. O

texto A cabeça, gosto que avoe abre o documentário com a frase “Experimentar o

experimental” marcando, desde o início, o clima no qual foi desenvolvido projeto: a

experiência. Aos 13’37” o ator entra em cena novamente para dizer um trecho do

poema B.O. – Boletim de Ocorrência, que prepara o espectador para a introdução de

um novo personagem no documentário, um ladrão. Remix Século XX entra aos 16’57”

logo após uma cena com Cláudia Salomão sobre a personalidade agitada de Waly; e

finalmente, aos 24´ Herbert Leão diz um trecho do poema Exterior.

Trechos dos curtas realizados pelos alunos - mais visuais, musicais e poéticos -

foram inseridos na narrativa documental, sem nenhuma interferência posterior (sem

edição ou retoques de pós-produção), para ilustrar o processo de construção artística e

                                                                                                               35 Termo técnico que se refere à fala de um personagem ou narrador que não está em cena; 36 Inserção de imagem, em geral rapidamente, a fim de realçar ou detalhar alguma informação importante.

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52  

criativa do aluno, e promover instantes de contemplação e reflexão no espectador

após extensos períodos discursivos, atenuando essa característica estrutural do

documentário da pesquisa.

Ao extrair sequências inteiras dos filmes acadêmicos (os curtas realizados pelos

alunos) e inserí-las em uma outra narrativa (o documentário Não É O Olho Que Vê),

em outro contexto, com um propósito diferente, este pesquisador acaba por

ressignificar essas passagens. Tanto em relação aos curtas acadêmicos, quanto em

relação às imagens de arquivo de Waly Salomão utilizadas no documentário, há uma

apropriação desse material, no sentido de reconfigurá-lo, de atribuir-lhe um novo

sentido. Esse material, remontado, adquire características narrativas outras, diferentes

daquelas que possuía originalmente. A justaposição dessas imagens no documentário

e a sua relação com as outras imagens colabora para que ganhem outros contornos e

interpretações, outros significados, num processo que Jean-Claude Bernadet chamou

de operação de linguagem, onde a significação básica é conservada, porém ampliada,

no novo contexto.

(…) um plano é extraído de seu contexto - o filme original é desmontado para ser inserido numa nova montagem. Nessa transposição, ele perde sua significação original, ou parte dela, e adquire outra que lhe é atribuída pelo novo contexto imagético e sonoro. (BERNADET, 2000, p. 264)

Por exemplo: no documentário Não É O Olho Que Vê há uma cena, aos 18’38”,

onde os alunos expõem suas decisões criativas durante a aula, especialmente em

relação à composição da trilha sonora do curta Salomão Sem Roteiros, criada pelo

aluno Fábio Bastos. A equipe, que na ocasião ainda encontrava-se na fase de

concepção criativa, explica que o caminho da composição seguiria o conceito de

regionalidade, através do uso da rabeca37, pretendendo assim uma aproximação da

trilha musical do filme com a região de origem de Waly Salomão, o oriente médio.

Na cena do curta Salomão Sem Roteiros a câmera na mão faz o movimento de

travelling circular acelerado, sugerindo agitação e nervosismo ao mostrar o                                                                                                                37 Instrumento musical de cordas friccionadas. Mais rústico e primitivo que o violino, sua origem é árabe e teria chegado ao Brasil a partir da península ibérica, desde os primórdios da colonização portuguesa.

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53  

personagem Salomão caminhando pelas ruas desorientado e confuso, depois de

perceber que caíra num golpe. Sobre essas imagens, a trilha composta por Fábio ajuda

a construir este estado psicológico do personagem Salomão. Esse é o contexto de

apresentação da trilha, originalmente.

Fig.6: Cena de Salomão Sem Roteiros

Já no documentário Não É O Olho Que Vê, esse trecho do curta Salomão Sem

Roteiros é reconfigurado, pois é inserido logo após a cena na qual a equipe

realizadora deste curta explica, em aula, como imagina compor a trilha e qual o

conceito criativo da mesma, como dito anteriormente. Nesse caso, o trecho do curta é

introduzido no documentário a fim de ilustrar o que foi abordado na cena anterior - a

aula sobre a composição da trilha - produzindo, dessa forma, um novo sentido, mais

amplo, já que a interpretação de tal passagem pelo espectador engloba outras

informações, que foram adicionadas em cena imediatamente anterior, apresentando

outra perspectiva para a mesma cena.

Em outra passagem, Waly, em imagem de arquivo, declara que “O futuro

começa por a gente se sentir em casa no mundo eletrônico”. O documentário Não É

O Olho Que Vê apropria-se desse documento histórico, originalmente um trecho de

uma entrevista para a Folha de S. Paulo na década de 1990, e o incorpora na estrutura

narrativa do documentário da pesquisa, criando um novo significado para a

declaração do poeta.

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54  

Tal agenciamento de imagens aconteceu porque Cláudia Salomão, produtora

cultural e sobrinha de Waly, relatou, em bate-papo com os alunos registrado pelas

câmeras do Coletivo D.O.C. durante a fase de pré-produção dos curtas, que Waly

possuía muita afinidade com os meios audiovisuais de sua época (e que ele se refere

na entrevista como “mundo eletrônico”). A sobrinha de Waly diz: “Ele era muito

midiático, assim, performático ... se ele visse uma câmera, começava a falar, falar,

falar... ”. Nesse contexto, a imagem televisiva e datada do poeta, remontada, torna-se

novamente atual e adquire novo status e nova função, dentro da narrativa do

documentário.

Fig.7: Waly Salomão

O roteirista e escritor Jean-Claude Bernadet, para quem o material original é a

matéria-prima no processo de ressignificação e a montagem se dá no nível do plano,

ou de parte dele, coloca que:

Esse tipo de montagem tem uma vertente destrutiva e outra construtiva. A destruição consiste em extirpar uma imagem da montagem original e despojá-la da significação que lhe atribuía o contexto imagético, sonoro e verbal em que estava inserida. É construtiva a sua colaboração à composição do novo filme. (BERNADET, 1999, p.2)

Nesse sentido, o documentário Não É O Olho Que Vê apresenta também

uma nova interpretação das produções acadêmicas, apresentando tais trechos

imagéticos, reconfigurados, enquanto componentes de um outro discurso, o

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55  

discurso do seu diretor (eu), a serviço da elaboração de uma nova narrativa, a

narrativa documental, focalizada no processo criativo do aluno e seu

desenvolvimento nesta jornada audiovisual acadêmica.

Como não se trata de um engajamento apenas com o registro e com o

desvelamento do processo de uma realização audiovisual, mas também com o

processo de construção de conhecimento do aluno através dessa experiência,

escolhi trazer as câmeras para perto destes. Capturar situações que

exteriorizassem a opinião e iniciativa do aluno ao tomar decisões de produção,

criativas ou lógicas e racionais era tão ou mais importante do que o próprio

processo em si, que representou um motivo, o contexto onde essas aprendizagens

foram construídas.

No registro documental construído para os fins desta pesquisa, o filme Não

É O Olho Que Vê, planos próximos valorizam a palavra do aluno porque

importante ali é o discurso do sujeito. Em outras passagens, a câmera, fluida,

passeia pelos ambientes, livre, à procura dos atores sociais, do que eles têm para

dizer e fazer. Por meio de uma observação (quase) espontânea – na escolha imediata

dos operadores das câmeras sobre o que enquadrar, a partir de determinado tipo de

situação ou evento - busquei nesse documentário uma representação honesta do

processo criativo do aluno, a partir da perspectiva investigativa, mas também estética

e minimalista – na utilização de planos fechados38, na sincronização entre som e

imagem, na ausência de narração over e na recusa a uma proposta de montagem39

muito elaborada - numa tentativa de documentar, e compartilhar com o espectador,

com a isenção possível, como se deram os processos criativos e de construção de

conhecimento nesse percurso da produção audiovisual acadêmica.

                                                                                                               38 Os planos fechados são planos dramáticos e valorizam a emoção e a expressão facial do personagem; 39 Processo de pós-produção que engarrega-se de selecionar e organizar o material bruto de acordo com a sequencias do roteiro;

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56  

Fig.8: O aluno Wallace Ramos fala sobre seu curta metragem

Esta opção narrativa, sobretudo na determinação do aluno enquanto o sujeito do

discurso - aquele que participada da experiência - começa a esboçar-se no

documentário brasileiro a partir da década de setenta. Representa uma recusa ao modo

de filmar documentários da década anterior, quando havia predominância da narração

explicativa, da “voz do saber”40, a fim de construir com clareza significados visados

pelo filme, em geral abordando temáticas protagonizadas pelos “tipos sociais” tão

presentes nas obras desse período como em Viramundo, de Geraldo Sarno (1965),

Opinião Pública, de Arnaldo Jabor (1966) e Maioria Absoluta, de Leon Hirszman

(1964-66). Uma das respostas, já nos anos 70, aos limites da tendência “sociológica” encontra-se em curtas documentais que buscaram “promover” o sujeito da experiência à posição de sujeito do discurso; tentativas propostas para que o “outro de classe” se afirmasse sujeito da produção de sentidos sobre sua própria experiência. (LINS; MESQUITA, 2011, p. 23).

Um exemplo desse uso do discurso é o filme de Aloysio Raulino, Jardim Nova

Bahia, de 1971, onde o cineasta abdica de sua posição e elabora sua narrativa

documental a partir de imagens produzidas pelos próprios sujeitos da experiência,

“(...) num esforço de compartilhar não somente a voz, mas o olhar do filme.” (LINS;

MESQUITA, 2011, p. 23).

                                                                                                               40 Termo cunhado por Bernadet, refere-se à locução off ou voz over, ou seja, a uma voz que não faz parte da diegese.

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No mesmo período, os anos 70, outras formas de abordar a realidade tinham

lugar nos documentários produzidos pelo programa de televisão Globo Repórter, por

realizadores como Eduardo Coutinho, que, mesmo em um cenário de repressão e

censura, e contrariando a direção institucional (Tv Globo), conseguiu produzir

materiais com um trabalho de filmagem e montagem que se distanciavam da estética

padrão do programa, que já começava a se consolidar naquela época.

Câmera na mão em muitas cenas, longos planos-sequencias, ausência de narração over, personagens fugindo das tipificações, mistura de ficção com documentário, são elementos que singularizam essa produção, abrindo perspectivas interessantes para o documentário da época. (LINS; MESQUITA, 2011, p. 24).

O documentário desta pesquisa trilhou caminhos semelhantes ao apresentar tais

elementos em sua estrutura. A câmera na mão foi um recurso utilizado não somente

como uma proposta estética, mas em função da pouca experiência dos alunos

operadores de câmera com a própria câmera, e também devido à espontaneidade e

imprevisibilidade dos acontecimentos, que não aguardariam o posicionamento desses

equipamentos em tripés. Durante o discurso fílmico aparecem imagens de arquivo nas

quais Waly, o autor adaptado pelos alunos em seus curtas, fala algo que tenha relação

com o filme ou que seja útil enquanto documento para o filme; a mistura entre

documentário e ficção está na estrutura do filme, que intercala passagens do processo

de produção do documentário Não É O Olho Que Vê com trechos dos curtas

acadêmicos, que são obras de ficção.

Foi adotada como estratégia de montagem desse documentário uma estruturação

e organização de conteúdo que permita uma visão clara do processo de produção de

uma obra audiovisual ficcional, mas sem colocá-lo numa linha do tempo (cronologia)

rígida e previsível, o que nenhuma relação teria com o próprio processo do fazer

audiovisual contemporâneo, que, a partir do surgimento das plataformas digitais e das

redes sociais, sofreu alterações.

No contexto mais recente da produção de conteúdo audiovisual, com a

influência dos aparatos tecnológicos e digitais e a praticidade de manipulação do

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material gravado na fase de montagem, a tendência estética e narrativa é a não-

linearidade. A possibilidade de se chegar a um resultado formal e criativo muito

rapidamente com os softwares de edição e finalização de som e imagens permite uma

experimentação maior.

Isso porque o material bruto pode ser filtrado, duplicado, reenquadrado,

contrastado, texturizado; a imagem que entraria ao final do filme, depois dessa

passagem pela pós-produção pode encontrar espaço no início da narrativa; uma cena

que durante as gravações é passageira, na ilha de edição pode ganhar contornos mais

elaborados devido às várias possibilidades de montagem que a ilha não-linear 41

permite. Esta facilidade trazida pelo digital transformou de certa forma o

raciocínio da montagem e provocou impactos positivos no processo de edição,

mas também sobre o resultado da história na tela. (...) a narrativa não-linear não é previsível. E aqui reside seu grande potencial estético: por causa dessa imprevisibilidade, ela pode fornecer ao público uma experiência nova e inesperada. Este é o potencial estético da não-linearidade: experiências novas e imprevisíveis. (DANCYGER, 2007, p. 458).

Este documentário trabalhou com a fragmentação da linearidade

narrativa, dando prioridade às passagens do processo da produção acadêmica

que explicitaram os eixos de pesquisa acerca das proficiências que aqui afirma-se

que sejam incentivadas por esse tipo de processo: criatividade, colaboração,

autonomia, atitude crítica e compreensão das diversidades. Esses eixos

relacionam-se com o processo de aprendizagem no contexto de uma produção

audiovisual de formas que são traduzidas pelas situações que se apresentam ao longo

do processo, requerendo do participante tais habilidades.

Então pôde-se verificar a criatividade em operação, ou os frutos do processo

criativo vivenciado pelos alunos através da concepção das narrativas inspiradas, por

exemplo, um processo de reconstrução da obra original; a criatividade pôde ser

                                                                                                               41 Na ilha de edição não linear o material captado, digitalizado, pode ser manipulado livremente, permitindo mais experimentações de linguagem. Alterações no enquadramento, na textura das imagens, no tempo do plano ou na cronologia da narrativa são algumas possibilidades, que acabam por modificar também o modo de produção desse conteúdo, interferindo na sua percepção pelo espectador.

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verificada também na construção mental das imagens e na sua efetivação através do

plano de câmera e da proposta estética da obra como um todo, por exemplo.

O estímulo ao desenvolvimento de uma percepção crítica da realidade aparece

no filme quando o aluno é convocado a opinar sobre o trabalho de um ator a partir das

características do personagem (em 32’51”), ou a apropriar-se da realidade de um

deficiente visual, a fim de adquirir matéria-prima para escrever uma personagem cega

(em 40’08”). Determinar o plano de câmera ou o ângulo da gravação implica em fazer

escolhas, em desistir de outras possibilidades. Esse processo de escolha é pré-

determinado pela necessidade do projeto, e o aluno precisa avaliar, reconfigurar,

associar, interagir, exercitando seu olhar e também a sua atitude crítica.

Integram o documentário também imagens captadas pelos próprios alunos para

seus curtas, que, ressignificadas, não deixam de representar a sua perspectiva sobre

esse processo; os encontros em sala de aula com os colaboradores convidados, como

Cláudia Salomão, Ana Paula Guedes, Amanda Aouad e Hebert Leão também foram

gravados pelas câmeras do Coletivo D.O.C., editados e são exibidos no documentário,

pois foram enriquecedores e um importante instrumento no processo criativo do

aluno.

Ainda no início do processo de pesquisas para a realização do documentário

desta pesquisa, outro imprevisto: a sala 4023 do curso de Design da Unijorge, que

estava em vias de autorização para ser utilizada como a sala de aula dos alunos do

quarto semestre de Produção Audiovisual, e portanto um dos principais cenários de

gravação do documentário, não pôde mais ser cedida pela coordenação do curso. Isso

porque a instituição carecia de espaço físico e todas as salas de aula já estavam

reservadas para o próprio curso, exclusivamente, tornando inviável a cessão do

espaço, da sala de aula que, neste semestre, por conta da realização desse projeto de

pesquisa, seria a própria representação de uma situação de mercado, ou seja, um set

de gravação.

Insistente quanto à ambientação para os encontros, este professor-pesquisador

precisou considerar outras possibilidades. Era a hora de pôr em prática o mitológico

“plano B”: encontrar outros espaços na instituição que permitissem a realização da

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ações. Então algumas aulas foram gravadas no estúdio de tevê, o encontro com a

produtora e sobrinha de Waly Salomão, Claudia Salomão, foi gravado na agência de

comunicação do curso de comunicação, a Galáxia; o switcher42 de tevê foi utilizado

como set de gravação em uma cena com um aluno Toni Messias, sobre a produção do

show de uma banda interpretando canções com letras de Waly que ele desejava levar

para uma rápida apresentação antes da sessão de exibição. Esta cena, no entanto, por

alguns problemas técnicos no áudio que inviabilizaram a compreensão de seu

conteúdo, não foi inserida na edição. Apesar de termos ocupado esses outros espaços

da Unijorge, com outras características físicas e espaciais, o modo de enquadrar o

aluno, de perto, e com pouca profundidade de campo, permaneceu.

                                                                                                               42 O switcher (ou mesa de corte) é um equipamento que permite congregar os sinais de todas as câmeras de um estúdio de tv. O local onde fica essa mesa de corte, uma espécie de ilha de edição, também é chamado de switcher.  

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61  

Fig.9: Alunos, em close-up, falam do processo de produção dos curtas

Além dessas, outras ambientações fora da instituição também são apresentadas

no documentário, quando as câmeras do Coletivo D.O.C. registram os bastidores das

gravações das equipes, em locações diversas como a sala de um apartamento, uma

praia ou uma casa noturna. Outros trechos relativos ao processo, como a preparação

de elenco feita por Heitor Guerra com o elenco do filme Salomão Sem Roteiros ou a

performance do artista de rua Emerson Bulcão também foram incorporados à

narrativa fílmica documental.

Um filme que evidencia o próprio processo de produção – quando expõe as

reuniões de pré-produção com o Coletivo D.O.C., quando revela a equipe de

cinegrafistas - e um filme sobre outros filmes – quando revela as equipes de

alunos produzindo ou gravando no set seus próprios filmes, o metafilme43 Não É

O Olho Que Vê possui qualidades reflexivas inerentes à sua proposta estética e

criativa, no sentido de que discute o fazer audiovisual e seus códigos internos,

bem como deixa evidentes atitudes e depoimentos dos membros das equipes

diante dos problemas de produção, explicitando perfis criativos, artísticos e

individualidades em interação durante o processo de realização.

O formato do filme foi uma escolha feita a fim de tentar explicitar ambos os

processos de produção e como os participantes dessa experiência iam se

desenvolvendo durante a produção das obras audiovisuais.

                                                                                                               43 Ou metacinema, é o filme que fala do próprio filme, ou do fazer cinematográfico. O cinema que trata de si próprio.

Page 62: NÃO É O OLHO QUE VÊ

               

62  

A metalinguagem no documentário apresenta-se a todo instante, seja no

enquadramento que contempla a equipe e os equipamentos cinematográficos na cena,

seja nas discussões criativas dos alunos sobre roteiro e decupagem, seja no

compartilhamento com o público de problemas técnicos de produção que, em geral,

ficam restritos aos bastidores e o público não chega a tomar conhecimento.

Se a pretensão do documentário é expor todo o processo de produção e as

próprias obras acabadas ao final do filme, justifica-se também incluir na edição

os problemas técnicos e de produção, os obstáculos que dificultaram a realização

dos filmes. Problemas que ocorreram à revelia da equipe, ou como consequência da

própria inexperiência dos alunos no campo da produção audiovisual, como o susto

que a equipe do filme Salomão Sem Roteiros passou minutos antes da exibição.

A equipe havia se programado para gravar a última cena do curta “ao vivo”, no

momento da própria exibição, na Sala Walter da Silveira. Para que isso pudesse

ocorrer seria necessário uma tecnologia específica, que a equipe precisaria viabilizar,

caso contrário a ideia fracassaria. O grupo de alunos foi advertido quanto a isso por

mim em aula gravada (este trecho da aula consta no documentário aos 29’50”), porém

o aluno Milton Bispo assegurou que para ele isso não se tratava de uma dificuldade.

Segundo ele “Difícil mesmo era fazer o filme” e não produzir cabos e equipamentos

para que essa performance fosse captada com sucesso (o ator Emerson Bulcão

entraria na sala de cinema recitando um poema de Waly Salomão).

Essa ideia, entretanto, não foi executada. Os problemas técnicos, aqueles que

aparecem quando não há planejamento ou ensaios suficientes, impossibilitaram a

gravação ao vivo e o grupo optou por exibir a cópia do curta metragem em DVD,

onde a mesma cena, gravada anteriormente por medida de segurança44, já estava

“encaixada”.

Acredita-se que a revelação de tais percalços, ao invés de provocar o

distanciamento do espectador, que talvez enxergue essas falhas de produção como

deficiências do processo, pelo contrário, adicionam verossimilhança ao relato

audiovisual. Essa foi uma angústia com a qual foi preciso saber conviver.

                                                                                                               44  Um  bom  exemplo  de  execução  do  Plano  B.  

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63  

Priorizar o fato, o evento, o discurso, o momento. Ao fazer mais esta escolha, foi

preciso aceitar o plano equivocado, o foco fora de lugar, a iluminação precária e

o áudio ruidoso em muitas ocasiões.

Dentre os mais importantes profissionais técnicos de uma equipe de produção

audiovisual é o operador de som quem precisa de muita perícia na captação sonora e

no manuseio dos equipamentos: boom, gravador externo e todos os cabos que

integram esses equipamentos. Não é que sejam mais sofisticados. É que, muitas

vezes, esses equipamentos estão aquém da real necessidade do projeto, ou encontram-

se danificados.

Como, por limitações orçamentárias, utilizamos os equipamentos de áudio do

Labcom da Unijorge, entre outros equipamentos, como as câmeras T3i, da Canon,

utilizadas na captação de imagens, pode-se verificar, mais de perto, o descaso com

que são tratados esses equipamentos, em detrimento das câmeras fotográficas e

filmadoras, por exemplo. Eles são em menor quantidade que as câmeras, e quando

danificados demoram para ir e voltar da assistência técnica, obrigando os técnicos a

utilizarem muita criatividade para trabalhar. Esse tratamento diferenciado reflete-se

em uma menor importância que é dada ao áudio pelos alunos durante a produção. Eles

preocupam-se em demasia com a captação de imagens e acreditam que o áudio pode

ser captado diretamente da câmera e “tratado” na pós-produção. Esse equívoco é

recorrente e consiste em um tema usualmente discutido em sala.

Muitos alunos gravam seus filmes com o áudio sendo captado diretamente da

câmera, o que produz um áudio com muitos ruídos e interferências do ambiente. No

nosso caso, numa tentativa de evitar desgastes, e por conta das características do

documentário em produção, após algumas tentativas frustradas de utilização do boom,

optou-se pela utilização do gravador externo Tascan dr 7, que “plantado” em algum

lugar estratégico do set fazia uma captação satisfatória para esse projeto. Vale

lembrar, entretanto, que ocorreram diversas gravações sem esse gravador externo, em

diversas ocasiões, nas quais o mesmo não estava disponível porque não podia sair da

instituição, restando-nos o microfone da própria câmera e todos os ruídos possíveis.

Page 64: NÃO É O OLHO QUE VÊ

               

64  

O alunos do Coletivo D.O.C., em muitos momentos, empenharam-se em

improvisar estratégias de captação sonora na hora da gravação, a fim de solucionar

problemas imprevistos, como achar o posicionamento correto do gravador externo

para captação do áudio no dia do teste de elenco. Tínhamos apenas esse gravador para

cobrir o teste, que acontecia no estúdio de tevê da Unijorge, em mais de um ponto, ou

seja, haveria de se achar um meio de posicioná-lo de forma que pudesse captar o som

vindo de mais de um ponto. Um exercício de criatividade e um exemplo de

cooperação. Foi grande a dificuldade que teve o produtor de áudio do Coletivo

D.O.C., Márcio Telmo, na captação sonora para o documentário desta pesquisa.

Fig.10: Gravador externo fixado em um tripé de câmera

Estávamos tratando de revelar um processo, o que funcionou e o que não

funcionou. O processo em si, como ele se deu.

A partir desse enfoque ficou mais fácil digerir determinadas sequencias do

documentário que, ainda que com diversos problemas de captação, eram muito

importantes para o relato documental, como no caso da sessão de exibição: havia duas

câmeras T3i à disposição, mas nenhuma delas estava devidamente regulada para um

ambiente interno e com pouca luz, como é a Sala Walter da Silveira, local da exibição

dos curtas. Como não havia refletores para iluminarmos o evento, as câmeras

acabaram produzindo imagens com grande quantidade de ruídos, prejudicando sua

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65  

visualização e qualidade. Ainda assim são passagens que integram o documentário

Não É O Olho Que Vê devido a sua importância neste projeto.

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66  

2.3 CONTEXTO 2: PLANO PRÓXIMO - lugares de aprender

Fig.11: O aluno Marcos dirige o menino ator Álvaro Batista

A sala de aula há muito tempo deixou de ser o único espaço destinado à

aprendizagem. Esse ambiente, onde espera-se que o aluno desenvolva seu

aprendizado e torne-se um indivíduo capaz de lidar com um mundo em constante

transformação, parece não atender, inteiramente, aos seus propósitos nos dias de hoje.

Isso porque, de modo geral, dentro das organizações acadêmicas, o aluno depara-se

com uma realidade burocratizada e engessada, muito distante ainda do modo e do

ritmo como os processos se dão atualmente em seu cotidiano.

Com o mundo passando por aceleradas transformações, e milhões de

informações por segundo passando pela tela do seu celular ou tablet, esse aluno não

mais dirige sua atenção exclusivamente para o professor e sua aula, que a cada dia

tem que ser mais instigante, a fim de entreter, capturar a atenção e o interesse desse

aluno.

Outro aspecto que parece influenciar o baixo rendimento do aluno, ou até

mesmo na sua evasão dos bancos escolares é o tipo de lógica aplicada na elaboração

das grades de disciplinas e no modo como o professor, em sala, remete-se ao aluno,

tratando todos da mesma maneira, desprezando a origem e a cultura de cada um, em

detrimento do que esse aluno tem e poderia oferecer no contexto grupal. Vivemos em

Page 67: NÃO É O OLHO QUE VÊ

               

67  

uma sociedade que tem dificuldade em encarar as diferenças, pois atua por meio de

padronizações, de formas pré-estabelecidas. O que serve para um, serve para todos.

No formato convencional de educação, de maneira geral e não absoluta, o aluno

é obrigado a se acomodar numa estrutura que fornece fórmulas, ao invés de fazê-lo

pensar autenticamente. O potencial individual, muitas vezes, é desprezado em favor

de uma educação pasteurizada, que se ocupa em transmitir um conhecimento

científico e acadêmico, e em cobrar “resultados” a partir de avaliações pré-formatadas

pelas instituições educacionais.

Já em um ambiente de aprendizado centralizado no desenvolvimento de projetos

de realização audiovisual, no qual a experiência coletiva tem uma função primordial

de catalisadora de conteúdos, formais ou não, os indivíduos podem, e devem, se

colocar nos projetos e contribuir tecnicamente, mas também com sua visão de mundo

e seu repertório cultural.

A palavra “experiência”, etimologicamente, exprime uma ideia de deslocamento

espacial, de uma travessia de um ponto específico até outro. O sentido da educação

não está muito distante disso, já que educar implica em conduzir alguém de um ponto

a outro. Desse modo, no ambiente do ensino e aprendizagem a experiência da

produção audiovisual funciona como mediadora da construção e aquisição de

conhecimentos, pois, por intermédio de seus processos internos e dos diversos

tipos de interação que ela produz, acaba por provocar situações que

potencializam construções cognitivas durante seu decorrer.

Como cada processo é único, e como cada indivíduo é diferente do outro, a

experiência coletiva representa também uma oportunidade de autorreflexão

para seus participantes, de desenvolvimento de uma visão crítica do mundo, pois

nesse contexto multicultural estão presentes diferentes realidades e existências.

Essa espécie de espelho, que força o indivíduo a encarar o outro, com suas

peculiaridades, força-o também a olhar para si próprio, fazendo despertar a

“consciência do sujeito” (SODRÉ, 2012, p. 99).

O sociólogo contemporâneo Muniz Sodré exalta a importância da experiência

coletiva nos dias atuais, pois seu mecanismo dialoga com a essência da sociedade

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68  

da tecnologia e da informação, que se constitui de diferentes e incessantes fluxos

de pessoas e conhecimentos, científicos e culturais, que por sua vez solicitam aos

indivíduos o desenvolvimento de habilidades para o estabelecimento de novas e

complexas, e muitas vezes obrigatórias interações, para que assim consigam

produzir, sentir, pensar, realizar e agir na sociedade contemporânea, dinâmica,

tecnológica e marcada pela diversidade de formas de expressão cultural.

A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade de expressões culturais, mas também a partir dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados. (SODRÉ, 2012, p. 182).

Essa capacidade de dialogar com os diferentes recursos e discursos que

emergem na contemporaneidade requer do individuo uma sensibilização para o Outro,

com “O” maiúsculo mesmo, pois assim prefere o teórico, ao propor uma reinvenção

da educação. Quando fala de diversidade cultural, Sodré fala de aproximação das

diferenças. E essa aproximação decorre de um “(...) ajustamento afetivo, somático,

entre partes diferentes num processo (...)” (SODRÉ, 2012, p. 186). Ou seja, o sujeito

em contato com a diversidade volta-se ao mesmo tempo para si, refletindo e

reelaborando conceitos.

Este sociólogo adverte que na cultura hipertextual, com novas formas de

conexões híbridas entre os campos da comunicação e educação, é necessário que haja

uma redefinição do papel da escola na formação humana. É preciso pensar em uma

educação sensibilizadora a partir de um novo paradigma cognitivo – o paradigma do

sensível – uma vez que “(...) a força motriz da diversidade cultural está na

sensibilização das consciências frente à emergência do Outro, isto é, em

autossensibilizar-se de maneira a tomar contato com a gênese contingente de suas

crenças, valores e atitudes (...)” (SODRÉ, 2012, p. 185).

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69  

E nesse sentido a produção audiovisual desempenha um importante papel

por se tratar de uma atividade essencialmente coletiva e cooperativa, com forte

interação social, e propícia ao reconhecimento e à valorização das diferenças.

Eletricista e maquiador ocupam o mesmo espaço (o set de gravação) e trabalham

com o mesmo objetivo, a obra audiovisual. Há que haver um entendimento

mútuo para que a comunicação ocorra e as tarefas possam ser executadas.

Durante o processo de realização dos curtas adaptados, as equipes de produção

puderam trabalhar e compartilhar experiências com colaboradores com os perfis mais

variados: a equipe do curta metragem Salomão Sem Roteiros, por exemplo, teve em

seu elenco um artista de rua, Emerson Bulcão, cujo palco é o ônibus coletivo; ou seja,

alguém que nunca entrou em um set de gravação. Outro dos curtas, o filme intitulado

Atus II, revelou o ator-mirim estreante Álvaro Batista, um material humano sem

nenhum vício de atuação. Já a equipe de Refúgio precisou aprofundar-se na realidade

dos deficientes visuais, a fim de criar uma personagem.

Fig.12: Emerson Bulcão, artista de rua

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70  

Fig.13: Álvaro Batista, ator estreante

Esta é a primeira grande lição para o indivíduo que participa de um projeto

audiovisual, coletivo e cooperativo por natureza: a compreensão do outro. Esse

trabalho lhe força a aprender a conviver e a entender profundamente, em alguns

aspectos, o outro. Do contrário, não se consegue fazer o filme, a direção de ator,

nem há a colaboração de produção. A partir de sua relação com outras realidades e

outras individualidades na realização de tarefas, na resolução de problemas, nas

discussões criativas ou nas tomadas de decisão, a interação entre os envolvidos no

projeto configura-se em parte fundamental da mecânica de funcionamento de uma

produção, porque só o diálogo comunica.

Na medida em que ocorrem as situações ou os problemas de produção se

apresentam, o diálogo intensifica-se entre os diferentes integrantes do grupo, que

reagem a eles de formas distintas umas das outras; essa reunião de esforços, oriunda

de diferentes individualidades, em favor de um objetivo comum, instaura um

dinamismo nas relações que favorece a interação e o diálogo multissensoriais.

Ao contrário do que deveria ocorrer, pressupõe-se que, numa sala de aula, todos

possuem o mesmo nível cultural, privilegiando, consequentemente, os mais

avançados academicamente e favorecendo a dispersão dos que se sentem excluídos

por não alcançarem o conteúdo ou a didática aplicada na sala de aula. Esse mesmo

aluno, ali deslocado, pode revelar-se bastante eficiente e produtivo na realização

prática, na produção de obras audiovisuais, em que cada integrante do grupo

Page 71: NÃO É O OLHO QUE VÊ

               

71  

desempenha uma função no processo, possui tarefas para executar e prazo de entrega

para cumprir.

É perceptível o interesse e o empenho desse aluno, que se revela, para o

grupo, para o professor e para ele mesmo, como alguém capaz de construir algo

coletivamente. Isso desperta sua responsabilidade, e ele aceita o desafio proposto.

Esforça-se para entregar a tarefa. Essa motivação abre caminho para a

aprendizagem. E a possibilidade de realizar uma tarefa possível e significativa é

para ele a própria aprendizagem sobre si mesmo.

Consciente da importância da atividade proposta, da sua responsabilidade

dentro do projeto, e com o grupo, todos os envolvidos, alunos e professor, passam a

descobrir, na prática, novas formas de se relacionar e enxergar o mundo.

Criatividade, cooperação, autonomia, atitude crítica e compreensão das

diversidades são requisitos básicos necessários à formação de um indivíduo que

deseja inserir-se no cotidiano dinâmico e multirreferencial atual e conquistar seu

espaço. Nesse sentido, a produção audiovisual representa um acontecimento

com propriedades que estimulam e “treinam” tais habilidades, numa mecânica

onde o relacionamento com outras individualidade, por si só, também educa;

onde os participantes, a fim de acharem soluções para um dado problema,

articulam-se, dialogam e trocam informações, construindo conhecimento.

Uma das teses centrais da Sociologia da Educação de Bourdieu é a de que os alunos não são indivíduos abstratos que competem em condições relativamente igualitárias na escola, mas atores socialmente constituídos que trazem, em larga medida incorporada, uma bagagem social e cultural diferenciada e mais ou menos rentável no mercado escolar. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p.13).

Promover relações grupais pode propiciar uma oportunidade para o exercício da

cooperação, e o ambiente da produção audiovisual acadêmica, conforme já analisado,

é forçosamente cooperativo, já que propõe relações nas quais os sujeitos interagem

uns com os outros, trocam entre si, em condições mais ou menos de igualdade.

Para o psicólogo Jean Piaget, a cooperação surge como um elemento central no

processo de desenvolvimento cognitivo do sujeito, e as relações interpessoais

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72  

desenvolvidas no contexto de uma experiência coletiva, e cooperativa, como é a

produção de filmes acadêmicos, influencia o seu desenvolvimento social, moral,

cognitivo e da sua personalidade. Segundo ele, cooperação é operar com, ou seja “(...)

estabelecer trocas equilibradas com os outros, sejam essas trocas referentes a favores,

informações materiais, influências etc. (...)” (in: MENIN, 1996, p. 51).

Os alunos, a partir desse projeto de realização de curtas metragens adaptados

puderam conviver com um artista de rua, o ator Emerson Bulcão, cujo trabalho de

improvisação e história de vida tocou a todos, e que mergulhou no projeto como se

esse fosse seu; os alunos de outra equipe foram obrigados a fazer uma imersão

(pesquisa de referência) no modo de vida de um deficiente visual para a construção de

um personagem cego, e por conta disso o Instituto de Cegos da Bahia mostrou-se

generoso e disponível para ceder informações, bem como os próprios alunos do local;

foi possível para uma terceira equipe trabalhar com um ator-mirim em seu trabalho de

estreia. Álvaro Batista, aos oito anos, jamais havia entrado num set de gravação, mas

desde o teste de elenco convenceu a todos; questões sociais, centrais na atualidade,

foram discutidas através das obras acadêmicas, como a ética na internet ou a violência

social, fazendo com que o grupo se aproximasse de outras realidades, fazendo-os

refletir sobre a sua própria; estilos de realização foram experimentados, apurando o

senso estético e a criatividade do aluno.

É importante destacar que nesse projeto todos os participantes, inclusive os

atores, atuaram voluntariamente, por vontade ou interesse próprio. As famílias dos

alunos também se envolveram no projeto de realização dos curtas e cederam seus

carros para transportar elenco e suas casas para acomodar equipe ou equipamentos,

além dos atores.

Em cena do documentário Não É O Olho Que Vê (25’04”), o aluno Filipe

Louzado, em depoimento, revela consciência sobre a importância de se estabelecer

relações interpessoais no meio de atuação audiovisual, a fim de que futuras

oportunidades e experiências surjam em sua trajetória profissional. Ele diz: “A gente

trabalha com atores ‘na fita’, né, sem pagar e tal, mas a galera, tipo, gosta do projeto

e, às vezes, sem pagar eles trabalham com mais gosto, com mais firmeza. Diretores

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73  

de Arte, a gente já está conseguindo, apoios, então assim, quando a gente se formar

isso vai ser importante porque a gente vai estar com um network bem consolidado,

estruturado. Acho que esse é o ponto mais importante quando se constrói uma obra

dessa, mesmo sendo acadêmica”.

Com essa fala o aluno mostra-se consciente da necessidade do outro para

conseguir trabalhar, da importância de criar uma rede de relacionamentos estruturada

a partir das competências específicas individuais, que colaboram para a realização de

uma única obra, mas que é coletiva e cooperativa, essencialmente.

Essas relações, no entanto, nem sempre são harmoniosas e co-operar não

significa concordar. Este processo de produção de conhecimento também

apresenta conflitos, discussões e é provável e esperado que elas ocorram. Mas o

próprio grupo precisa encontrar meios de resolvê-las. Essas trocas permitem que

os envolvidos nessa experiência possam descobrir a si mesmos e passem a pensar

no outro; pede que as individualidades entrem em acordo, que combinem como

agir.

Por exemplo, a equipe do curta metragem Salomão Sem Roteiros passou por

uma grande dificuldade minutos antes da sessão de exibição, isso porque determinada

tecnologia empregada para a realização de uma cena “ao vivo” dentro da sala de

cinema não funcionou e todos, juntos, dentro da cabine de projeção da Sala Walter da

Silveira (local da exibição), pensavam e trabalhavam a fim de achar uma solução para

o problema ocorrido (21’10”).

Num contexto onde todos são considerados iguais em importância e

responsabilidades, é possível descobrir as diferenças entre si, pois se colocar no lugar

do outro, conhecê-lo, é fundamental para convencê-lo a respeito de uma ideia, como

por exemplo a definição da proposta visual do filme, ou a condução do roteiro, ou a

elaboração de uma decupagem técnica. Esse esforço em sair de si para conhecer o

outro, de sensibilizar-se perante o outro, é necessário, inclusive, para a quebra do

egocentrismo, que, em muitas circunstâncias de uma produção audiovisual, pode

afetar os relacionamentos e prejudicar a obra em construção.

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74  

Piaget elabora o conceito de “escola ativa” e nesse método “ativo” de educação

as disciplinas ensinadas não devem ser impostas de fora, mas redescobertas pelo

aluno a partir de sua própria investigação, e de uma atividade espontânea que se opõe

à mera receptividade de conteúdos e conceitos. O aluno necessita estar motivado para

a ação, pois disso depende a concretização do trabalho. Fazer com que ele se

identifique com o trabalho tem se mostrado uma estratégia com resultados positivos,

nesse sentido. Então, atribuir, tanto a criação quanto a produção dos trabalhos, em

grande proporção, ao aluno, faz com que o mesmo, empoderado, possa agir com mais

liberdade e interesse durante o percurso. Nesse caminho, através da própria

experiência, o aluno busca o conhecimento e também o constrói. Nesse fluxo,

aprende a ser responsável por suas escolhas. Aprende com autonomia.

Para Piaget, esse tipo de educação supõe, necessariamente, a iniciativa do aluno

e a colaboração nos trabalhos. Nesse sentido, a experiência do aprendizado engloba a

adesão do sujeito ao grupo social, a responsabilidade individual e uma

experimentação verdadeira acerca do tema tratado, que acaba por envolver toda sua

personalidade: “É pelos outros e em função de uma colaboração organizada que nós

renunciamos à nossa fantasia individual para ver a realidade tal qual ela é e para dar

primazia à veracidade sobre o jogo ou a mentira (...)” (PIAGET, 1999, p. 27).

A disciplina Oficina de Produção de Programas Audiovisuais procura

desenvolver o espírito de grupo nos alunos, mas força-os a se expressarem

individualmente também, na medida em que são chamados a tomar decisões durante

todo o processo. Ao aluno é permitido descobrir, através da experimentação, o

funcionamento de um set de gravação ou a direção de atores, a partir do próprio

fazer. Nesse contexto de produção, o aluno pode também debater questões, discutir

regras, e pode reconstruí-las também. A vivência em grupo e a articulação de

conceitos teóricos com os eventos manifestos na experiência da produção audiovisual

revelam o aspecto ativo da relação ensino/aprendizagem aplicada no contexto dessa

disciplina, a partir do conceito de Piaget. Para esse teórico, portanto, a educação ativa

promove o surgimento ou o desenvolvimento de uma colaboração autônoma.

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75  

Piaget considera a experiência cooperativa como uma das formas de construção

da autonomia no sujeito, porque quando há interações dentro do grupo em direção a

um propósito comum, o participante pode se colocar, opinar, decidir, responsabilizar-

se por suas escolhas e definir caminhos. Isso se reflete, dentro do contexto da

realização de produtos ou obras audiovisuais, na elaboração das narrativas, na

determinação do planejamento de filmagem, na direção dos atores, nos

enquadramentos de câmera, no tipo de fotografia adotada, nos equipamentos de

captação sonora utilizados. O responsável por cada departamento de uma equipe de

produção deve estar consciente das escolhas assumidas durante o processo. Essas

escolhas devem considerar o contexto da produção, a verba, o gênero do material, seu

público espectador, sua função; deve levar em conta se a gravação ocorrerá em

estúdio ou em externa. São variáveis que influenciam o processo de produção, que é

único para cada uma dessas situações.

No ambiente cooperativo da disciplina Oficina de Produção de Programas

Audiovisuais, espera-se do aluno iniciativa e autonomia, porém quem conhece os

objetivos pedagógicos da disciplina e da ação proposta ao grupo é o professor,

que não tem a sua importância, influência e autoridade (não autoritária)

diminuídas nesse processo. Ele, o professor, continua como o coordenador do

processo educacional do aluno. O que muda é que não é o professor quem

determina tudo dentro da sala de aula, nem o que estabelece as regras sozinho.

Assume-se uma posição dialética que busca equilibrar as relações em sala de

aula entre professor e alunos; e essa abordagem do processo requer uma

construção dessa relação, que se baseia no respeito mútuo e na reciprocidade.

Então, respeitar a opinião do aluno e valorizar sua criação passam a ser

estratégias didáticas da disciplina Oficina de Produção de Programas

Audiovisuais, que com isso deseja estimular a iniciativa criativa e prática no

aluno. Como quando um Diretor pede que seu assistente decupe ou dirija uma cena.

Certamente, esse assistente ficará inseguro e preocupado com suas ações no sentido

de cumprir essa determinação, afinal estará ele tomando decisões e criando no lugar

do Diretor e responsabilizando-se pelo trabalho feito. Mas ele precisa entregar a

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tarefa, e para isso utiliza seus conhecimentos teóricos aplicados à prática, observando

as características do produto ou da obra, seu público e suas demandas de produção.

Mas o mais importante é que este aluno, obtendo êxito no trabalho, ou não, estará

desenvolvendo habilidades fundamentais para todo e qualquer indivíduo hoje em dia,

ainda no nível acadêmico, antes de se iniciar no mercado profissional, com a ajuda de

um profissional mais experiente, mas que, neste projeto, possui o mesmo grau de

importância que ele.

A este respeito, o educador Paulo Freire propõe uma educação na qual a

autoridade é substituída pela formação do que ele chama de “círculos de cultura”,

com a presença de um professor ou coordenador, cuja função seria facilitar o diálogo

nas interações entre os participantes desses círculos; estes, por sua vez,

intensificariam o diálogo em torno de uma problemática apresentada, surgindo daí

posicionamentos divergentes dentro do grupo quanto aos caminhos para a sua

solução.

Os participantes trocariam conhecimentos com seus professores ou

coordenadores, num processo de aprendizado em que um, ao mesmo tempo em que

educa, aprende com seu interlocutor, fazendo surgir no grupo um circuito estimulante

e dinâmico, no qual, professores orientadores e alunos, com os mesmos direitos ao

aprendizado e ao respeito pelas individualidades, estariam motivados pelo desafio,

empenhados na resolução do problema. O professor orienta e dá um norte. Esse

modelo exercita a autonomia, mas autonomia não existe sem responsabilidade. É

conferida ao aluno a liberdade necessária para a construção criativa e planejada, desde

que o processo específico de cada grupo passe por todas as etapas da produção de um

produto audiovisual de ficção, que no nosso caso, eram os filmes de curta metragem

adaptados. Sobre um processo assim de construção de conhecimento, Freire coloca

que:

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(...) o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em dialogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas. (FREIRE, 1987, p. 39).

O sociólogo Muniz Sodré, citando o educador Paulo Freire, uma importante

referência em seu trabalho, diz que Freire “(...) pressupondo uma simbiose da

consciência do mundo e da consciência de si, põe um ‘método de conscientização’ no

centro de sua obra teórica e de sua prática pedagógica (...)” (SODRÉ, 2012, p. 139).

Isso porque tendo a sua participação no processo educacional, e colocado pela

natureza das ações educativas numa posição de protagonismo, o aluno tem a

oportunidade de desenvolver uma visão crítica e transformadora da realidade.

Produzir o figurinos, montar cenários, ensaiar com os atores, buscar locações

para as filmagens, operar uma câmera, definir a estética e o conceito de uma obra ou

dirigir um filme podem parecer tarefas apenas dos profissionais de cinema e

audiovisual. Entretanto, a aprendizado adquirido nesse trajeto é grandioso e

determinante no desenvolvimento de qualquer aluno, a caminho de seu crescimento

individual, além de ser fruto de um processo educacional democrático, em que todos

têm o mesmo nível de importância e responsabilidade, e são sujeitos também na

construção de conhecimento, professor e alunos.

Na sociedade da comunicação e da informação, onde “(...) as informações são

ilimitadamente abundantes, e o saber apresenta-se como móvel e veloz por efeito da

informação tecnologicamente acelerada, ou quando o verticalismo dá lugar a redes

horizontais que transgridem as fronteiras gerenciais (...)” (SODRÉ, 2012, p. 194),

Muniz Sodré considera que o professor ainda detém uma importância central no

processo educacional, que vai além da transmissão de conteúdos, facilmente

encontrados na rede mundial, a internet. Seu papel na sala de aula deve ser redefinido:

A ele cabe liderar o trabalho de integração dos saberes no espaço curricular da escola, não com o objetivo de aperfeiçoar a transmissão de conteúdos instrucionais, e sim de assistir atentamente à imersão do estudante no campo de exercício do pensamento. (SODRÉ, 2012, p. 204).

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A experiência de produzir um filme ou qualquer obra audiovisual requer uma

associação entre a criatividade e o pensamento lógico e racional. Existe a construção

da fotografia do filme, mas existe também a necessidade de cumprimento do

cronograma. Todas as decisões e tarefas executadas durante a produção audiovisual

são planejadas com antecedência. Os participantes dos projetos estão exercitando o

pensamento lógico, mas também a criação artística. Nesse sentido, é uma atividade

que exige dos participantes uma disponibilidade para a atividade mental, intelectual e

criativa.

Para SEVERINO (2007), “Se é bem verdade (...) que se aprende pensando,

também não deixa de ser verdade que se aprenda a pensar, fazendo.”. A enorme gama

de experimentações e conhecimentos que esse aluno pode apreender ao produzir ou

assistir a um filme vai desde uma aproximação com culturas e realidades até então

desconhecidos para ele, até o contato com as técnicas e processos da produção

audiovisual por ele desconhecidos, até então.

O cinema atua como elemento de aprimoramento cultural e intelectual dos docentes e dos discentes e problematiza o seu uso no campo da educação. Educar pelo cinema ou utilizar o cinema no processo escolar é ensinar a ver diferente. É educar o olhar. O olhar cinematográfico enriquece a forma de ver a educação e o processo escolar. (COSTA, 2005, p.7).

Na minha prática docente, como professor dos cursos de Produção Audiovisual

e Publicidade e Propaganda numa instituição particular de ensino superior, a

Unijorge, há doze anos, oriento alunos na realização de um grande número de obras

audiovisuais a cada semestre, que são produto das disciplinas que leciono. Isso me

permitiu constatar, ao longo dos anos, o grande empenho e envolvimento por parte

dos alunos, quando a produção de uma obra audiovisual é proposta em sala.

O aluno desenvolve um senso de responsabilidade e profissionalismo ao

vivenciar a prática de seu futuro ofício, traduzido na forma como dá conta das tarefas

sob sua responsabilidade; familiariza-se com os códigos e regras desse campo e,

através da observação e atuação prática, assim como também da observação

permanente, feita tanto pelo professor quanto muitas vezes pela própria equipe,

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aperfeiçoa, criticamente, tanto sua prática e atitudes quanto determinados conceitos,

vistos em algum momento também na sala de aula, de maneira meramente expositiva

e passageira, como a composição do quadro, a direção de atores ou a produção de set,

para citar alguns.

Por exemplo: ao posicionar a câmera e procurar o plano ideal, o aluno,

obrigatoriamente, racionalmente ou instintivamente, é levado a pensar em questões

como a regra dos terços45 ou o ponto de fuga46; deve saber, tecnicamente, como

distribuir as informações no quadro significativamente, relacioná-las ao contexto da

cena. Ao filmar um diálogo, deverá preocupar-se com o “pulo” de eixo de ação47 e

com a continuidade48. A aplicação do conceito à prática, nesse instante, torna-se uma

verdadeira aula in loco sobre planos de câmera, pois até alcançar um resultado

definitivo sobre o plano a ser filmado, e antes do “ação”, o aluno-diretor investiga

outras possibilidades de composição do quadro, a partir do assunto a ser registrado,

suas especificidades, tema da obra, perfil do público espectador, entre outros fatores

que direcionam seu trabalho criativo e seu olhar.

E a aprendizagem dessa sequência de comportamentos necessários é um passo a

passo, que, além de ser aprendido por imitação e observação, é complementado por

explicações – seja do diretor ou de seus assistentes – ao aluno, acompanhada muitas

vezes de uma atenção especial durante o momento em que o aluno vai fazer por si

mesmo. Uma supervisão próxima, continuada e personalizada, como, aliás, é a maior

                                                                                                               45 A regra dos terços é uma convenção utilizada para criar composições visualmente harmoniosas e dinâmicas. O quadro é dividido em três partes ao longo da sua largura e altura, guiando a distribuição dos elementos composicionais. 46 Na perspectiva de um ponto de fuga as linhas da composição da imagem convergem para um ponto, dirigindo o olhar do espectador; 47 Eixo de ação (ou Regra dos 180o ) é uma regra de posicionamento de câmera que leva em consideração a disposição espacial dos temas ou personagens no quadro, considerando um eixo imaginário que divide a cena. Se essa regra não é obedecida, os planos resultantes perdem continuidade e os personagens parecerão olhar para a direção errada, gerando confusão no espectador; 48 Continuidade é a organização dos elementos diegéticos numa gravação para que a cronologia da narrativa seja mantida, mesmo com as gravações ocorrendo fora da ordem do roteiro.  

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parte das aprendizagens do campo das artes; mal comparando, como as corporações

de oficio49.

O aluno, no mesmo contexto em que aprende, por exemplo, a enquadrar uma

imagem, desenvolve, simultaneamente, a consciência crítica e apura o seu senso

estético; relaciona-se com conceitos como forma, volume, cor, luz, profundidade e

perspectiva; ao testar o ator, deve dominar o perfil das personagens da história que se

quer contar. No teste de elenco, características psicológicas e físicas são importantes,

mas algo de imponderável ocorre em cena em determinadas interpretações, e sentimo-

nos atraídos por um ator específico. Aquele material humano apresenta em si nuances

da personagem que, em muitos casos, na hora de filmar contam mais do que a

aparência física. O aluno-diretor deve estar sensível a essa observação.

Então, o aluno é levado a desenvolver sua sensibilidade no trato com os atores e

na consciência que terá de ter sobre si mesmo e sobre suas preferências, mesmo que

não haja explicação para suas escolhas. Uma postura crítica acerca do trabalho do

ator, das propriedades da personagem para qual o ator está sendo testado, ou dirigido,

bem como suas motivações, as evidentes e, sobretudo, as interiores, facilitam, tanto a

direção quanto a escolha do ator certo para o papel. Com certeza é necessário testar

todos os atores que estiverem presentes, pois o jogo pode mudar a qualquer momento.

Além do mais, trata-se de uma questão de respeito pelo ator, que respondeu à

convocatória e compareceu ao teste. No nosso caso, a palavra consciência crítica não

abarca simplesmente o domínio racional da palavra na discussão; mas sim o domínio

dos instrumentos e formas de se lidar com o fazer fílmico.

O processo de produção audiovisual permite o desenvolvimento do caráter

critico do aluno também ao confrontá-lo com outras realidades, da ficção e da vida

real, já que se trata de um trabalho em equipe, e o faz olhar para si. O faz distinguir e

reconhecer seu contexto face a outras realidades, outras formas de ser, de agir e

de enxergar o mundo. Ele toma conhecimento de que há outras formas de existência

do outro lado do muro. Vida inteligente, porém diferente da sua inteligência. Essa                                                                                                                49 Associações que existiam na Idade Média e reuniam trabalhadores de uma mesma profissão (artesãos, carpinteiros, ferreiros, alfaiates, padeiros, ferreiros) que aprendiam o ofício com seu mestre no dia-a-dia do trabalho.

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atitude reflexiva, e crítica, de pensar sobre si e sobre sua realidade, fazem nascer

no indivíduo a necessidade de se colocar como sujeito de sua própria história no

mundo.

O aluno-diretor e o professor-orientador precisam estar atentos ao

desenvolvimento de um tipo de olhar. O olhar cinematográfico do aluno. Não se

está aqui falando do olhar do ponto de vista da percepção visual, que é um dado

para cada ser humano. Fala-se da visão treinada, que de forma mais ou menos

automática aprende a manejar os instrumentos da visualidade fílmica, como um

pintor, que ao manejar seus pinceis não pensa neles.

Aprender a ver é componente essencial para o realizador audiovisual, seja

na escolha de uma locação, na definição de um plano de câmera ou na direção de

atores. O professor-orientador deve poder apresentar ao discente um vasto material

artístico, como a pintura, a fotografia, o próprio cinema, a fim de desenvolver nele o

senso estético e a percepção e atitude críticas, tão caros ao profissional do

audiovisual.

A partir da necessidade de estimular no aluno tais competências, com o passar

dos anos, a disciplina Oficina de Produção de Programas Audiovisuais do quarto

semestre, ministrada por este pesquisador, sofreu algumas atualizações e,

gradativamente, o conteúdo de sala de aula vem sendo transferido para o campo de

atuação de um produtor audiovisual profissional, o set de gravação, pela crença de

que essa experiência reforça e amplia o aprendizado e pode formar sujeitos criativos e

críticos.

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3. O PROCESSO E OS PROCESSOS DENTRO DELE

Este capítulo tem por objetivo narrar e refletir sobre a trajetória, o decorrer desta

experiência audiovisual e acadêmica de realização de curtas metragens ficcionais

adaptados, vivenciada pelos alunos no ambiente da disciplina Oficina de Produção de

Programas Audiovisuais, da Unijorge. Nele, serão descritas as etapas da produção, as

datas e acontecimentos que se deram durante os encontros de pré-produção e as

gravações dos curtas metragens acadêmicos, que são o produto final desta disciplina,

bem como apresentará uma descrição das atividades de imersão criativa propostas

com a finalidade de aprimorar e aproximar o autor e sua obra, seu contexto histórico,

do aluno-realizador, e que foram efetivadas durante o semestre. Em apêndice, o

cronograma do processo, como ele ocorreu.

A fim de trazer para a realidade desses alunos um formato pouco experimentado

pelos profissionais do mercado audiovisual que ali estavam, e tampouco visto

anteriormente, na prática, pelos novatos - o formato de ficção -, o projeto de

Adaptações sempre almejou uma aproximação do aluno com outras formas de

expressão artística.

Para dar conta disso, foi idealizado e desenvolvido para o último semestre do

curso de Produção Audiovisual da Unijorge um projeto de adaptações

cinematográficas, onde os alunos poderiam exercitar o formato de ficção, a partir da

utilização de obras literárias (outras formas de expressão artística) como material de

partida. Então, os alunos tem como trabalho de conclusão, desde 2010, a produção de

filmes de curta metragem de ficção, com dez minutos de duração, aproximadamente,

adaptados de obras como crônicas, poesias, canções ou romances literários.

Em geral, a definição do autor e das obras que são adaptadas pelos alunos cabe

ao grupo de professores do semestre e se dá em reunião, onde cada professor lança

suas sugestões e, a partir de fatores como temáticas ou formatos literários, esse autor é

definido. Já foram adaptados, e reverenciados, Clarice Lispector, Raul Seixas, os afro-

sambas de Vinícius de Moraes e Baden Powell, e Jorge Amado, no ano de seu

centenário.

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No caso do trabalho de conclusão dos alunos-sujeitos dessa pesquisa para o

segundo semestre de 2014, o grupo de professores do quarto semestre definiu que o

material de partida para as adaptações cinematográficas seriam poemas e letras de

Waly Salomão. Foi dentro desse contexto temático que a pesquisa aconteceu.

Fig.14: Waly Salomão

Baiano de Jequié, o poeta Waly Salomão foi um dos maiores nomes do

Tropicalismo, movimento cultural que reuniu grandes artistas como Torquato Neto,

Caetano Veloso, Gal Costa e Jards Macalé, durante os anos setenta. Filho de um

imigrante sírio e de uma sertaneja baiana, como ele mesmo dizia, Waly fez parte da

vanguarda artística desse período, e integrou o elenco de colaboradores da Navillouca,

uma importante publicação vanguardista da época; seu nome está por trás de canções

de sucesso como Mal Secreto e Vapor Barato, entre outras.

Da geração do movimento hippie, da contracultura e da revolução sexual, Waly,

em sua vida e obra, é impactado por sua época, e, impregnado, despeja isso em sua

escrita, conciliando poesia concreta com a visualidade da escrita irreverente e

marginal. Polifônico, o poeta em sua obra também dialoga com a fotografia e as artes

plásticas, e lançou Babilaques, em 2007, um livro de obras visuais.

A escolha do tema (o autor) determina, invariavelmente, tanto o processo de

produção, quanto as escolhas estéticas na realização dos curtas metragens, e uma

programação foi elaborada a fim de que os alunos pudessem conhecer e absorver o

espirito de Waly, através de sua obra, e imprimí-lo em suas narrativas fílmicas.

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Enquanto uma proposta que tem como finalidade proporcionar uma experiência

significativa para o aluno, todo o processo é conduzido de forma que os mesmos

criem e produzam com autonomia, a partir dos conhecimentos que foram adquiridos

durante o curso. Entende-se aqui autonomia como a possibilidade de, dentro de

uma série de regras e de obrigações, o aluno e sua equipe fazerem escolhas e

empreenderem ações que possam, dentro dessa moldura rigorosa, ser resultados de

escolhas deles próprios. Escolhas essas que são e foram atravessadas pelo desejo,

pelas circunstâncias e pelas limitações concretas (financeiras, técnicas, pessoais)

das equipes realizadoras.

Isso é concretizado na medida em eles que participam da elaboração e criação

dos roteiros, produzem elenco e locações, realizam as pesquisas de época – sobre a

música, a história, figurinos e o contexto histórico do autor - e participam e

respondem por todas as etapas do processo de produção; enfim, na medida em que

praticamente todas as ações são elaboradas, compartilhadas, discutidas e organizadas

coletivamente, a fim de originar a obra.

A cada início de semestre o autor escolhido é apresentado à turma através de

sua obra. São sessões de cinema, palestras e outras ações que acontecem com a

intenção de proporcionar ao aluno uma imersão no universo desse autor, para que ele

possa, com isso, construir um pequeno repertório de conhecimentos acerca de seu

perfil, suas inquietações, temáticas frequentes, seu contexto cultural, sua época.

Para o processo de adaptações de obras de Waly Salomão foram idealizados

acontecimentos que pudessem inspirá-los, como foi, por exemplo, a visita de Claudia

Salomão, das roteiristas Ana Paula Guedes e Amanda Aouad, o recital de poesias

promovido no início do percurso de produção com a participação do ator Herbert

Leão, a exibição de Pan Cinema Permanente – documentário de Carlos Nader sobre

Waly Salomão - e as pesquisas de referências50. Todas essas iniciativas colaboraram

para o despertar imaginativo de todos os envolvidos que, após cada encontro,

começavam a esboçar suas ideias e narrativas, e a tomar as primeiras providências de

                                                                                                               50 Ampliam o repertório cultural ao propiciarem ao indivíduo a oportunidade de aprofundar conhecimentos sobre um determinado tema.

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ordem prática, geradas pelas imposições criativas, para a realização dos curtas. Isso é

produzir, afinal.

Todo esse repertório, além da própria obra original, serviu como referência para

a construção dos roteiros e, mais à frente, para a realização dos filmes de curta

metragem. As pesquisas de referência (filmes, músicas, poesia) ocorreram durante

todo o processo, pois auxiliaram na criação da obra, desde a pré-produção até a sua

finalização. As referências significam também um recurso que orienta toda a equipe

na execução dos trabalhos, e clarifica a ideia criativa do diretor, em princípio bastante

abstrata para um cliente ou um produtor executivo, no caso de uma produção

profissional, por exemplo.

Quando se trata de um filme publicitário, esses somente podem ser produzidos

após a aprovação pelo cliente, que ocorre depois da apresentação de um

shootingboard, que é um desenho das cenas que serão realizadas, contendo já

informações sobre fotografia, cor, direção de arte, planos e ângulos de câmera,

profundidade de campo, movimentos de câmera e perspectiva. Todos eles desenhos

elaborados a partir da imaginação criativa do Diretor - mas também das pesquisas de

referências -, e que mais tarde poderão ser visualizados na tela não mais como

desenhos, e sim como representações fílmicas. Esses esboços precisam deixar claro

para o cliente que filme eles receberão dias depois.

As pesquisas de referências não deixam de ser um importante recurso

inspirador, pois permitem ao aluno estudar e pesquisar a vida e obra do autor, seu

contexto histórico, inquietações e temáticas mais recorrentes. O material audiovisual

já produzido sobre esse período e sobre o autor, e utilizado como fontes de

informação pelos alunos, tiveram o poder de inspirar, mas também aprisionaram,

provocando uma excitação que se expressou criativamente. No caso de Waly

Salomão, foi necessário estudar referências sobre os anos 60 e 70, o golpe militar, a

contracultura, o Tropicalismo, a MPB, as artes plásticas de Hélio Oiticica e a poesia,

entre outros, de Paulo Leminski. Sem esse “passeio” por outros territórios artísticos e

culturais, o projeto das adaptações perderia o seu significado.

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Por acreditar na importância e na necessidade de um planejamento múltiplo e

rigoroso para a realização dos curtas acadêmicos, o cronograma do projeto e algumas

datas importantes, como a data de exibição na Sala Walter da Silveira, foram

apresentados no primeiro encontro do semestre para que, ainda que mergulhados no

processo de produção, todos tomassem conhecimento das ações do processo e

pudessem programar-se para entregar as atividades de cada etapa dentro do prazo

previsto, como funciona na produção de obras profissionais. Havia espaço para

negociações e flexibilização, a partir das discussões com a turma em sala.

Desde o primeiro momento teve lugar aquela que é uma das características do

aprendizado em Artes e, mais especificamente, no audiovisual, qual seja: aliar rigor e

pensamento racional (definição de datas, da mecânica e das condições para que o

trabalho possa acontecer, e de todas as ações práticas nas quais a razão intelectual é

indispensável) simultaneamente e articuladamente com as motivações, fantasias e

imagens motivadoras do processo que estavam por vir, como no caso das imagens que

brotaram desde os primeiros encontros, a partir das vivências do aluno nesse ambiente

da produção audiovisual.

O calendário de acontecimentos programados com vistas ao aprofundamento do

tema trabalhado no quarto semestre e coordenado na disciplina Oficina de Produção

de Programas Audiovisuais – as adaptações audiovisuais de poesias de Waly Salomão

– começou com a visita à nossa sala de aula do grupo de roteiristas do Estação do

Drama, um coletivo formado por roteiristas com experiência nos mais variados

formatos audiovisuais: teledramaturgia, seriado de tv, documentários, web séries,

entre outros.

O coletivo de roteiristas foi convidado para ministrar uma aula contemplando

principalmente os temas Adaptação e Roteirização de obras literárias para o formato

audiovisual ficcional, além de abordar também o processo criativo do roteirista ao

escrever para o gênero ficção. Isso porque o curso de Produção Audiovisual somente

oferece a disciplina Roteiro uma vez durante o curso, e no último semestre e,

consciente da importância da construção do roteiro em um projeto de ficção, a

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iniciativa teve lugar a fim de propiciar para os alunos uma visão complementar acerca

de roteiro para obras de ficção, e mais especificamente sobre roteiro adaptado.

Nesse encontro, ocorrido em 11 de agosto de 2014, os profissionais Amanda

Aouad, Rodrigo Lessa, Ana Paula Guedes e Gustavo Eric tiveram a oportunidade de

transmitir aos alunos alguns conhecimentos sobre roteirização, e indicar os aspectos

mais relevantes da obra original que devem ser considerados e preservados no

exercício de adaptá-la para um produto audiovisual de ficção, sem que haja subtração

da essência do material de partida, ou seja, da obra original.

Após a pergunta do aluno Anderson Borges (4’18”) sobre a dificuldade em

transformar algo que está, a princípio, apenas na imaginação, em um roteiro, a

roteirista, professora e produtora de televisão Ana Paula Guedes falou sobre a

importância de se trabalhar o tema central da obra e suas motivações; deixou escapar

que inseguranças, dúvidas e medos se apresentam durante o processo de roteirização,

e que o caos é intrínseco a esse ofício, ainda que, posteriormente, após muita pesquisa

e trabalho, do caos surja a criação e o roteiro, enfim. Segundo ela todo roteirista teria

algo a dizer. Esse seria o impulso inicial para alguém tornar-se um profissional de

roteiro.

O aluno Luis Eduardo questionou o roteirista Rodrigo Lessa sobre a

incapacidade do cinema em reproduzir determinadas condições que só uma obra

literária poderia fornecer ao seu leitor. O roteirista concordou e explicou que cada

meio possui sua especificidade e essa intenção, certamente, seria frustrada, pois o

cinema tem suas especificidades, assim como a literatura, a poesia ou a música.

Também em função da necessidade de sairmos da sala de aula fria e azulejada, a

ideia era apresentar algumas poesias de Waly Salomão de uma forma nunca antes

feita no curso. Então, durante a segunda aula da disciplina Oficina de Produção de

Programas Audiovisuais, no dia 18 de agosto, as poesias e letras compostas pelo poeta

foram apresentadas à turma em uma espécie de recital de poesias, onde um ator

convidado – Herbert Leão - fez a leitura dos poemas imprimindo uma interpretação

própria, amparado por alguns poucos elementos de cena como óculos, chapéu, gravata

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borboleta, entre outros adereços. Ao fundo, projeções exibiam a imagem de Waly em

diferentes aparições.

Fig.15: Recital de poesias, com Herbert Leão

A ideia era encantar os alunos que, ao ouvirem as poesias sendo recitadas, se

identificassem com uma determinada obra e, ali mesmo, a escolhesse para adaptá-la.

O evento foi realizado no estúdio de tevê da Unijorge. O ator foi dirigido, a luz

marcada. O clima era intimista. Os alunos, sentados ao redor do ator, prestigiavam sua

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performance e eram introduzidos, muitos pela primeira vez, no universo de Waly

Salomão.

As câmeras do Coletivo D.O.C. estavam presentes registrando todos esses

acontecimentos, entretanto as imagens feitas da plateia (os alunos) ficaram muito

escuras, impedindo que entrassem na edição final do documentário da pesquisa.

Essa iniciativa marcou o início da produção dos quatro curtas-metragens que

seriam realizados ao longo do semestre letivo, tendo como inspiração os poemas Mal

Secreto, B.O. – Boletim de Ocorrência, Clandestino, Sala Sunyata e o texto A

Cabeça, Gosto Que Avoe, todos escolhidos pelos próprios alunos, em aula posterior

ao recital.

As outras ações vieram a partir desse recital, como a exibição do documentário

sobre a vida do poeta, e a visita de Cláudia Salomão, sobrinha de Waly, que falaria

sobre o cotidiano dele, seu lado pessoal e humano. Curiosidades que acionariam a

imaginação dos alunos, preparando o terreno para a criação de roteiros originais, a

partir dos poemas.

Então, depois do Recital foi a vez se assistir, em sala de aula, ao documentário

Pan Cinema Permanente, sobre Waly Salomão, no dia 25 de agosto. O documentário

de Carlos Nader, de 2007, reúne imagens feitas com Waly e pelo próprio Waly, e não

somente sobre Waly, e revela algumas facetas deste poeta a partir das imagens de um

vasto material de arquivo.

A exibição provocou reações ambíguas. Alguns alunos se identificaram com a

energia criativa e alma artística do poeta, comentando, com explícita admiração, que

tudo na vida de Waly se transformava em poesia ou, entre gargalhadas diziam coisas

do tipo : Pôxa, o cara era doidão! e outros, nesse primeiro momento, rejeitaram a

intensidade do poeta. Essa exibição serviu como um panorama de sons e imagens

sobre o contexto e a época do autor.

Após a exibição, a turma debateu apenas rapidamente sobre o filme. A

espontaneidade e a “loucura” de Waly Salomão foram ressaltadas, alguns alunos não

sabiam que ele teve alguns de seus poemas musicados por grandes nomes da musica

popular brasileira, transformando-se em sucessos nas paradas musicais na época de

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seu lançamento, nem sabiam que o poeta é natural de Jequié, Bahia. Nessa dinâmica

ainda não tínhamos nos aprofundado no conteúdo da obra de Waly, pois antes do

filme um problema no ar-condicionado nos fez mudar de sala, atrasando o início da

sessão e, ao final, o horário avançado se encarregou de encerrar logo a discussão.

No dia 27 de outubro de 2014 o grupo de alunos participou de um bate papo

com a produtora e sobrinha de Waly, Cláudia Salomão, que nos encontrou na agência

de comunicação dos cursos de Comunicação e Produção Audiovisual da Unijorge, a

Galáxia, outro espaço escolhido como locação para o documentário em função de

suas características. O ar “modernoso” do lugar, com computadores de última

geração, móveis coloridos e paredes de vidro, além de uma grande mesa ao centro,

ideal para o bate papo com Cláudia, funcionou bem como set de gravação.

A convidada nos forneceu material de sobra para a imaginação, na medida em

que contou histórias pessoais e familiares sobre o poeta, em clima de intimidade e

afeto, abrindo as portas para o lúdico e provocando no aluno a vontade de mergulhar

nesse desconhecido mundo, e traduzir a mensagem e o sentimento das obras de Waly

Salomão para o formato audiovisual. A aluna Évila Batista, a partir de seus estudos

prévios sobre o autor, comentou sobre o surrealismo presente na obra de Waly,

citando algumas passagens do poema Clandestino, obra que estava em processo de

adaptação pelo seu grupo; comentou também sobre a intimidade de Waly com a

câmera.

O aluno Milton Bispo destacou a identificação de Waly com a contracultura e

de seu envolvimento com a Tropicália, informações que ele pode obter a partir das

pesquisas que andou fazendo para a realização do curta, nas quais encontrou relatos

sobre a colaboração do autor em publicações vanguardistas como a Navilouca51, e

sobre sua ativa e produtiva atuação como letristas de reconhecidas canções da música

popular brasileira, na época da Tropicália (os anos setenta) e mais recentemente

também, como suas parcerias com a compositora e cantora Adriana Calcanhotto.

                                                                                                               51 Revista de poesia e arte de vanguarda editada por Torquato Neto e Waly Salomão no início dos anos 70.

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Fig.16: Cláudia Salomão

Após o período imersão criativa e de pesquisas de referências, teve início o

processo de produção em si, com suas etapas e ações supervisionadas, mas realizadas

pelos alunos do quarto semestre do curso de Produção Audiovisual. Criação do roteiro

adaptado, elaboração de personagens ficcionais, escolha do elenco, produção de

locações, decupagens de cena, direção de atores, iluminação do set, captação de

áudio, edição e finalização, entre outras ações foram, todas elas, realizadas pelos

alunos. Nesse projeto de adaptações audiovisuais, o aluno teve autonomia para

trabalhar, pois pôde tomar decisões, se colocar, manifestar pontos de vista.

Então, para a criação dos roteiros adaptados, os alunos reuniam-se durante a

própria aula ou em horários e locais definidos pelo grupo, a fim de articular as ideias,

as pesquisas e todas as informações recebidas nessa fase inicial do processo, e fazer

nascer o roteiro.

Possibilitar que esses alunos fossem sujeitos de suas ações durante esse

percurso também foi, desde sempre, uma grande vocação, e todas as etapas do projeto

foram pensadas a fim de deixar as grandes decisões acerca do processo de produção

nas mãos dos alunos. Todos sabiam que deveriam adaptar um poema de Waly

Salomão para um curta metragem de ficção em torno de 10 minutos. A partir disso, o

trabalho estava sob a responsabilidade das equipes.

O processo criativo vivenciado pelos alunos exigiu imaginação e um constante

trabalho de associação criativa, na medida em que trabalhavam em um roteiro

adaptado, cujas referências pesquisadas referiam-se a realidades e momentos

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históricos diferentes do universo dos sujeitos envolvidos na experiência. As propostas

ficcionais fizeram nascer desse processo de imersão criativa plots52, narrativas e

personagens originais. Uma protagonista cega enxerga o mundo através de uma

câmera fotográfica (33´24”), um jovem ator tem seu sonho negado pela ação de

golpistas (42´34”), o surrealismo é a estética da criança que solta um pára-quedas de

brinquedo de cima de uma árvore (6´28”).

A equipe do filme Refúgio definiu, a partir das pesquisas de referência e da

interpretação coletiva sobre a obra original, que uma das protagonistas de seu curta

seria uma jovem cega, porém apaixonada por fotografia. Ela constantemente pede ao

pai que lhe compre uma câmera, para sair por aí fotografando. A partir dessa

definição da equipe, todo um trabalho de inserção no universo dos deficientes visuais

teve que ser feito, para que a construção ficcional, ou seja, a narrativa audiovisual

ficasse verossímil. O roteirista precisou conhecer a problemática dos deficientes

visuais, a fim de utilizar tais conhecimentos na obra. Então ele leu sobre o assunto,

assistiu a filmes que apresentavam personagens com a mesma deficiência do seu

personagem, conversou com especialistas no tema. O aluno Pedro e sua equipe

visitaram o Instituto de Cegos da Bahia, a fim de compreenderem melhor como vivem

as pessoas que não enxergam, como elas sobrevivem numa sociedade que não foi

feita para elas.

Fig.17: Clara, a personagem deficiente visual de Refúgio

                                                                                                               52 O conflito principal da trama, a ideia central a ser desenvolvida e estruturada no roteiro.

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Essas ações contribuíram para um maior entendimento acerca da realidade dos

deficientes visuais, bem como facilitou para o grupo de alunos a compreensão do

outro. Tomar parte de diferentes realidades, outras individualidades e outras

visões de mundo é uma consequência natural e bem-vinda de um processo de

produção audiovisual. Uma equipe técnica é formada por diferentes pessoas, com

origens e bagagens culturais diferentes. São individualidades interagindo e

contribuindo para a realização de um projeto em comum, de modo que o profissional

do campo audiovisual, de forma geral, tem facilidade em conviver com as diferenças,

já que esse fato é uma constante na sua rotina de trabalho.

Ainda na fase de confecção dos roteiros, as equipes começaram a planejar a

busca por locações (ou cenários). Esses espaços, utilizados como sets de gravação,

precisam atender a uma série de requisitos, e suas características encontram-se

codificadas no próprio roteiro. Durante a leitura desse documento de produção que é

um roteiro, uma determinada ação ou alguma pista revelada sobre uma locação ou

personagem podem e devem orientar o produtor de locações em sua busca. Esse guia,

o roteiro, deve orientar a equipe no sentido de viabilizar uma locação que corresponda

ao estilo de vida, à personalidade e ao contexto de atuação da personagem dentro da

trama.

Um produtor de locações experiente e habilidoso possui arquivadas fotografias

de locações já utilizadas por ele, bem como os meios de contato com os proprietários

ou responsáveis pelos espaços. No caso de locações muito específicas, este produtor

precisa sair a campo e bater de porta em porta pedindo autorização para gravar. Se ele

trabalha em Publicidade, por exemplo, provavelmente alugará o local por uma quantia

que deixará os proprietários bastante satisfeitos. O mesmo ocorre na produção para

tevê. Em caso de locações como um aeroporto, o valor do aluguel costuma ser alto e

muitas vezes essa locação precisa ser reproduzida em estúdio, a fim de não

comprometer o orçamento da produção em questão.

No nosso caso, produções acadêmicas, não havia verba para aluguel de

locações. Ou melhor, não havia verba. Então, o aluno encarregado pela equipe de

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94  

produzir as locações teria que sair pela cidade em busca das locações apropriadas para

seu respectivo curta, ou acionar amigos, parentes, conhecidos e colaboradores. Depois

de encontrado o espaço para gravar, o aluno deveria observar o nível de ruído na

região, verificar se por ali passa uma rota aérea que faria a equipe parar de gravar a

cada dez minutos, conferir se há espaço na locação para a instalação de um camarim

para acomodar os atores, garantir ao responsável pela locação a entrada e saída da

equipe no horário combinado e, principalmente, comprometer-se, em nome de todos,

a não danificar o espaço. Sem custo.

Obviamente, por ser um trabalho sem remuneração e no qual o espírito

cooperativo é estimulado, todos do grupo estavam liberados para auxiliarem o

produtor de locações da equipe na pesquisa por esses locais, assim como os outros

departamentos puderam contar com a ajuda do restante da equipe, afinal, estavam

todos produzindo coletivamente, mas o mesmo produto.

A equipe do curta Refúgio gravou cenas para seu curta na casa noturna Zen, no

bairro do Rio Vermelho; um teatro foi utilizado pelo curta Salomão Sem Roteiros e a

equipe de Atus II esforçou-se bastante para encontrar a árvore ideal para a realização

de uma cena importante de seu filme. A preocupação com a locação tem fundamento.

Ainda que o espectador, em geral, não pare para prestar atenção exclusivamente nesse

quesito, em um nível inconsciente é da maior importância para a construção de um

relato audiovisual, seja ele ficcional ou documental. A locação transmite o clima da

obra, sua intenção, e não serve apenas de “fundo” para as ações. Ela ajuda a contar a

história, contribui com a compreensão sobre o tema da obra. A reprodução de um

cenário, na maior parte das situações, deve ser crível, pois assim poderá atingir seu

espectador mais facilmente.

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95  

Fig.18: Gravação do curta Refúgio na boate Zen

Dessa forma, o Zen foi utilizado para ambientar uma cena de paquera entre um

jovem casal, o teatro serviu de cenário para a cena na qual o personagem Salomão

ensaia seu texto antes de filmar, e a equipe do curta surrealista Atus II conseguiu

atingir seus objetivos ao associar uma trilha instrumental a uma cena onde o

personagem golpeia o tronco de uma árvore com um livro por diversas vezes, em slow

motion53, extraindo o lirismo desejado pelo grupo desde a fase de concepção do

roteiro.

Durante a confecção dos roteiros, nascem também os personagens.

Características, temperamentos, objetivos narrativos específicos, os personagens

ganham vida própria depois de construídos, e eles mesmos determinam o material

humano que lhes dará vida durante as gravações. A pesquisa e escolha de elenco

devem ser feitas obedecendo a esse critério: os atores devem apresentar semelhanças

com os personagens da ficção, mas não somente isso. Há algo de imponderável na

escolha do elenco de uma obra, que leva em consideração um sentimento, intuição ou

percepção do diretor, que, dominando o perfil físico e psicológico do personagem,

escala um determinado ator e não outro, por reunir todos esses elementos.

No filme Atus II, um dos protagonistas é um personagem de mais ou menos oito

anos. Durante o teste de elenco, a equipe queria encontrar um ator mirim que fosse

muito parecido com o autor da obra original, Waly Salomão, ainda que o personagem

                                                                                                               53 Câmera lenta. Efeito de câmera geralmente utilizado para provocar tensão ou prolongar instantes.

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96  

não fosse o próprio Waly quando criança. Foi uma maneira que a equipe encontrou de

homenagear o autor da obra original. Algumas crianças foram testadas para o papel.

Muitas até se pareciam com o poeta, fisicamente. Entretanto, o ator selecionado foi

um estreante (não ator), que, além de interpretar satisfatoriamente e ser parecido com

Waly, possuía o humor e a desinibição necessários para o personagem, que

facilitaram o trabalho de direção durante as gravações e agregaram valor à obra.

Fig.19: Álvaro Batista em cena de Sala Sunyata

O teste de elenco aconteceu no estúdio de tevê da Unijorge, no dia 15 de

outubro de 2014. Todos os grupos testaram os atores nesse mesmo dia. Mesmo se

tratando de um projeto acadêmico, sem pagamento de cachê, normalmente alguns

atores interessam-se em participar porque dessa forma exercitam sua arte para as

câmeras. Mas não é sempre que um profissional tem interesse ou disponibilidade para

ceder a um projeto universitário. A seleção de elenco, portanto, é aberta para todos os

interessados em participar, não somente atores profissionais. Essa decisão foi tomada

desde edições anteriores do projeto, quando havia grande dificuldade em produzir os

elencos dos curtas somente com profissionais.

Então, entre os não atores foram selecionados para os curtas, além de Álvaro

Batista (o ator-mirim), Leonardo Costa, que é professor do curso de Design da

Unijorge, que também nunca havia interpretado antes, e Jayne Sales, que viveu a

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97  

personagem cega do curta metragem Refúgio e é namorada de um membro da equipe

realizadora, entre outros.

A decisão de trabalhar com pessoas comuns (os não atores) pela falta de verba

de produção trouxe à tona outro aspecto interessante desse projeto: o lançamento de

novos atores no mercado e a formação de atores para o audiovisual, especificamente,

afinal é muito diferente o trabalho do ator no teatro e frente às câmeras, quando ele

tem que se preocupar com sua marcação de cena, com o posicionamento da câmera a

fim de favorecer-se para ela, com a iluminação, com a ordem de gravação das cenas,

que obedece à lógica do plano de filmagem, e não à lógica do roteiro, só para citar

algumas especificidades da atuação para audiovisuais.

Fig.20: Leonardo Costa em cena do curta Refúgio

Esse material humano selecionado no teste, entre atores e não atores, foi

responsável por dar vida a personagens inteiramente idealizados pelos alunos, que

durante os ensaios e posteriormente nas gravações puderam concretizar suas ideias de

personagem e de atuação. Muito dessa concretização depende do trabalho de direção

de ator, que deve articular informações como o próprio perfil do personagem, as

intenções e a função desse personagem dentro da trama. Nesse processo, o aluno

precisa interpretar, associar, imaginar, ter iniciativa, ser crítico e autônomo para

decidir o tom certo da atuação, para definir para que lado do cenário o ator vai se

dirigir depois de finalizada sua fala, para escolher o figurino da protagonista em

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98  

determinada cena, para discernir se a atuação da atriz está verossímil, no caso da

personagem cega, por exemplo.

Com elenco e locações produzidos, e os ensaios acontecendo em paralelo, os

grupos iniciaram o período de gravações cada um em seu tempo, mas respeitando o

cronograma, que sempre deve contemplar imprevistos, pois estes ocorrem

frequentemente. Então, articulou-se a disponibilidade das locações com a

disponibilidade dos atores e foram elaborados, pelos diretores de cada equipe, o plano

de gravação54, que deveria ser executado nas diárias.

As equipes, ensaiadas, iniciaram a diária de gravação de acordo com a ordem do

dia55. Todos os envolvidos sabiam a hora de chegar e de sair do set, quantas cenas

seriam gravadas naquele dia e que atores estariam presentes. Tudo a partir de

documentos elaborados pela Produção e pela Direção, e que todos deveriam estudar

nas vésperas da gravação e fazer cumprir, para o bom andamento do trabalho.

Nesse contexto, todos são iguais em responsabilidade e importância no grupo.

Se um integrante do grupo, na condição de Diretor do curta metragem, manifesta

satisfação com a realização da cena, será ouvido e sua decisão acatada pela equipe. O

mesmo acontece quando o aluno que faz as vezes de um produtor de locações escolhe

uma determinada locação. Ele compreende o que a locação tem para oferecer ao

filme, e sua escolha é considerada.

Quando a equipe resolveu que seu curta metragem adotaria uma estética

surrealista, nenhuma influencia externa colaborou para essa decisão, a não ser a

intenção do próprio grupo, como acontece em Atus II, que a influência surrealista

aparece com frequência, a exemplo da cena onde o personagem Waly criança

caminha por uma bucólica estrada de terra quando livros, de repente, começam a cair

sobre sua cabeça; ou quando esse mesmo personagem assiste a uma aula de

                                                                                                               54 Planilha de produção elaborada geralmente pelo produtor ou assistente de direção. Nesse documento constam informações como a ordem das cenas que serão gravadas na diária, os sets, objetos de cena, elenco, figurinos e todas as providências que deverão ser tomadas pela producão, a fim de viabilizar a realização da obra. 55 A ordem do dia é preparada na véspera da gravação. Relaciona os nomes dos que estarão presentes na gravação, determina horários de chegada e saída da equipe e elenco, informa horário de início e final de cada cena, a parada para o almoço e outras informações de ordem prática que auxiliam na organização da diária de gravação.  

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matemática e, de repente, tem sua atenção roubada por um soldadinho de plástico que

está em cima da mesa do professor. Ele o pega e, já fora da sala, amarra esse

soldadinho a um saco plástico e simula um pára-quedas, deixando-o cair do alto de

uma árvore (06’57”).

Fig.21: Cena de Atus II

Alguns grupos começaram a gravar já no primeiro dia do cronograma de

gravações, e outros, por problemas ou imprevistos – como a viagem de um dos atores

no período – precisaram atrasar o início das gravações.

Boate Zen, interior/noite. O local está agitado. Jovens transitam pelo espaço de

um lado para o outro. Clima de paquera no ar. O rapaz olha para a garota que está em

uma mesa à sua frente, e ela é receptiva. Ele caminha até ela. Mas um movimento de

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câmera indesejável encerra a gravação do take56. O produtor Filipe rapidamente repõe

os líquidos das taças de champagne que estão em cima das mesas, Álvaro confere o

áudio, o diretor Lemuel repassa com Moisés - o outro cinegrafista - o comportamento

da câmera, afina a marcação do ator e corrige levemente a posição da atriz no cenário,

pois a mesma está impedindo que o refletor ilumine a face do ator, quanto este se

aproxima frente a ela na cena. Ajustes feitos, a equipe posiciona-se novamente para

gravar o segundo take. Mas o set ainda está muito barulhento. Há muitos figurantes na

cena. O diretor Lemuel pede silêncio e concentração. Diz aos figurantes que se

comportem como se estivessem realmente numa casa noturna, mas não devem falar,

pois o som das vozes prejudicará o áudio da cena. No máximo, podem fingir que

estão conversando. Tudo pronto para gravar. O ator refaz seu percurso em cena e já

próximo à atriz, em primeiro plano57, diz seu texto: - Boa noite, tudo bem?...

Fig.22: Cena de Refúgio

Esta passagem descreve bem o clima de um set de gravação e como deve ser a

participação da equipe técnica e do elenco: comprometida com o trabalho, eficiente

para dar conta do plano de gravação, e colaborativa, em benefício da obra. Todos ali

têm o mesmo nível de responsabilidade e sua participação é decisiva para o sucesso

do trabalho, que surgiu a partir da imaginação criativa do aluno e começa ganhar

                                                                                                               56 Trecho de filme ou video produzido sem cortes. Na realizacão de um plano de cena podem ser feitos alguns takes (ou tomadas) até que se chegue a um resultado satisfatório, o plano ideal. 57 Geralmente enquadra o ator no tórax. Valoriza a expressão fácil, a fala e o estado emocional do personagem.

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101  

forma na gravação e se completa na pós-produção, quando a obra ou produto é

editado (ou montado) e finalizado.

A edição do material bruto dos quatro curtas metragens acadêmicos ocorreu

imediatamente após as gravações. Cada equipe editou e finalizou seu curta de forma

autônoma, segundo o roteiro e segundo suas próprias intenções. Ficou a critério da

equipe definir o software de edição e finalização que seria utilizado, bem como se

editariam na Unijorge ou de forma independente.

Nessa jornada, as câmeras do Coletivo D.O.C. fixavam-se no aluno e em seu

desenvolvimento acadêmico; mas, sobretudo, na sua formação enquanto indivíduo e

produtor de conteúdos audiovisuais, podendo expressar sua criatividade livremente,

com autonomia, tornando-se um ser mais crítico e sujeito de si. Diante disso, há

relevância na discussão e no estímulo a um processo dialógico no qual a interação e

o intercâmbio de informações e de saberes, para dar conta das necessidades de

realização do projeto, são as bases nas quais se sustentam todas as estruturas

dessa atividade.

Em 17 de dezembro de 2014 aconteceu a sessão de exibição dos filmes na Sala

Walter da Silveira, às 20 horas. Normalmente, a ordem de exibição dos curtas segue

critérios como qualidade da produção, ritmo e temática apresentada no filme,

distribuídos de forma equilibrada. Por decisão interna da própria equipe realizadora, o

curta Salomão Sem Roteiros deveria ter sua última cena gravada ao vivo, no cinema.

O ator Emerson Bulcão entraria na sala escura recitando o texto A cabeça, gosto que

avoe, e, em seguida, subiria ao palco e assim terminaria a cena. A equipe se

responsabilizou pela instalação da tecnologia adequada para que essa situação

pudesse acontecer, e por isso, o filme deveria ser o primeiro filme a ser exibido

naquela noite. Tudo estava, aparentemente, organizado e planejado. Entretanto, uma

hora antes da sessão iniciar, o grupo passou por algumas dificuldades, pois a

tecnologia a ser utilizada não funcionou e a equipe teve que exibir a mesma cena, que

já havia sido gravada anteriormente, para o caso de algo dar errado (Plano B), na hora

de exibir. E foi o que ocorreu. A equipe exibiu seu filme em DVD, enquanto os outros

três grupos fizeram a exibição de seus filmes em arquivo digital (.mov).

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Passado o susto inicial, e depois de algum nervosismo, a sessão teve início com

a sala lotada de espectadores. Alunos do curso, atores dos curtas, familiares e

colaboradores estavam presentes para prestigiar a sessão. Entre um filme e outro, as

equipes realizadoras foram convidadas a subir ao palco. Receberam aplausos pela

realização e agradeceram a todos os colaboradores, aos familiares, ao curso.

O aluno Pedro encerrou a comemoração afirmando o seguinte: “O sentimento

que eu tenho é de que a coisa mais importante, o verdadeiro ouro que a gente

conseguiu, e acredito que é uma coisa válida para diversos espaços, é isso aqui que a

gente tá vendo: relações”.

E com a fala de Pedro, um aluno que a partir da experiência proposta ao grupo

conseguiu compreender que para além de um bom diretor, roteirista ou editor, o êxito

de um projeto audiovisual reside no verdadeiro espírito colaborativo, eu também

encerro esse texto com o sentimento de dever cumprido. De ter sido capaz de

iluminar, mesmo que timidamente, o caminho desses indivíduos no sentido de

sugerir-lhes que para uma formação mais abrangente e rica é necessário desenvolver

não somente as habilidades técnicas ou profissionais, mas também burilar o sujeito

que está por trás, o homem, o cidadão.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho se propôs, inicialmente, a investigar em que momentos do

processo de realização fílmica o aluno, submerso nessa experiência, pode

desenvolver, amadurecer ou ser despertado para determinadas habilidades que, para

além do que é ofertado no conteúdo programático da disciplina Oficina de Produção

de Programas Audiovisuais, do curso de Tecnologia em Produção Audiovisual, da

Unijorge, parecem compor a fisionomia do homem contemporâneo e

predestinadamente mutável, tecnológico, flexível, dinâmico e diversificado em sua

rede de relações.

Interessava ao projeto de pesquisa refletir sobre tais aspectos que compõem o

indivíduo de nossos dias, e procurar identificar, no fazer audiovisual, as

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103  

circunstancias em que as habilidades aqui investigadas se manifestam, colaborando no

desenvolvimento do aluno enquanto indivíduo, enquanto sujeito e cidadão, e

colocando a atividade da produção de conteúdos audiovisuais como um ambiente

favorável à apreensão de conhecimentos e à formação humana.

Portanto, o foco desse trabalho residiu na investigação e reflexão sobre como

poderiam ser desencadeados, elaborados e construídos os processos de criatividade,

colaboração, construção da autonomia e compreensão das diversidades no

percurso da produção de uma obra audiovisual no contexto de um coletivo de alunos,

em situação de aprendizagem, e como essa prática pode contribuir com a formação de

um aluno que seja autor de sua própria biografia, no sentido de que age no mundo de

maneira crítica e, ao transformar a realidade em que vive, e o mundo,

consequentemente, ajuda a fazer história, tornando-se um ser histórico-social58.

Ao longo desse relatório técnico descritivo de pesquisa, e também do outro

produto deste mestrado profissional, o documentário Não É O Olho Que Vê, buscou-

se evidenciar os processos criativos que os alunos sujeitos dessa pesquisa

vivenciaram, tendo como contexto o ambiente de uma produção audiovisual

acadêmica, e que, mesmo sendo um projeto universitário, trouxe consigo parâmetros

de realização equivalentes aos modelos de produção do mercado profissional do

audiovisual. Afinal, foi a partir desses parâmetros que se pôde observar, identificar e

avaliar os resultados conseguidos não somente pelos alunos sujeitos na jornada de

produção de seus curtas, mas também pelo próprio documentário da pesquisa ao

registrar o passo-a-passo, a manufatura desses trabalhos acadêmicos, bem como a sua

própria metalinguagem.

Importante deixar claro que, nesse projeto de adaptações, nunca se classificou

os curtas acadêmicos como bons ou ruins, e sim foi avaliado o desempenho do aluno

em cada fase da produção, sua atuação na experiência proposta, e sua capacidade de

resolver problemas e sua criatividade.

                                                                                                               58  “Através de sua permanente ação transformadora na realidade objetiva, os homens, simultaneamente, criam a história e se fazem serem históricos-sociais”. (FREIRE, p.52)  

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104  

Observou-se de que forma se desenrolaram os processos criativos desde a

transcrição das poesias e letras de Waly Salmão para os roteiros cinematográficos até

a realização fílmica, num exercício constante de associação criativa. Para a artista

plástica Fayga Ostrower criar é dar forma, concretizar, realizar, afastando-se da ideia

de que a criatividade resume-se ao campo das ideias, simplesmente. Ora, a produção

fílmica nada mais é do que atribuir uma forma ao que está, inicialmente, idealizado;

ao que, em princípio pode-se dizer, é apenas uma imagem mental, descrita em uma

proposta criativa.

Transferir personagens e situações de um formato literário para o formato

audiovisual requer associações, imaginação, criatividade, mas também uma

sensibilização perante o outro (compreensão das diversidades), a fim de se apropriar

da essência do próprio autor e suas inquietações refletidas na obra, da obra em si, das

individualidades que a principio habitam os versos e estrofes (os personagens), mas

que posteriormente ganharão rosto e voz na tela de cinema. Personagens e cenários

que adquirem um corpo físico, uma imagem que é um pouco a imagem criada pelo

poeta, mas, sobretudo, e isso sempre foi o mais importante nesse projeto de

adaptações, uma imagem construída a partir de articulações internas, sensíveis e

criativas dos integrantes das equipes de alunos, encarregados de inventarem novas

histórias a partir das pistas lançadas no material de partida, ou seja, a obra de origem.

Houve, durante o processo de pesquisas de referências, uma investigação

consistente desses elementos por parte dos alunos, que tomaram para si o

compromisso de criar obras que não só se relacionassem diretamente com os textos

adaptados, mas que carregassem em sua formulação traços de suas próprias

individualidades, suas inquietações, questionamentos e pontos de vista. Assim

também puderam lançar mão de sua autonomia, criativa porém responsável, e com

limites, para poder ter voz, a partir do que imaginaram realizar, imprimindo seu

próprio discurso nas narrativas, e dando aos personagens o papel de porta-vozes desse

discurso.

O educador Paulo Freire nos coloca que de nada adianta ter liberdade e

autonomia sem responsabilidade. Então, para que os curtas pudessem ser realizados,

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105  

uma série de decisões e providências tiveram que ser tomadas, desde a definição de

um cronograma de ações até o conceito visual de cada obra acadêmica.

Os próprios alunos, munidos com os conhecimentos adquiridos também em

semestres anteriores tiveram condições e desejaram definir os caminhos em cada

etapa da produção de seus curtas, obviamente com o acompanhamento e orientação

deste pesquisador. Então elaboraram a proposta estética dos curtas, as locações,

escolheram os atores que viveriam os personagens criados por eles, criaram o

planejamento de gravações e se encarregaram de toda a logística de produção, como

transporte e alimentação para equipe e atores, horários de chegada e de saída de todos

durante a fase de captação de imagens. Os alunos desenvolveram o roteiro técnico e

definiram que fotografia seria empregada, a entrada dos créditos, o trabalho de

correção de cor na fase de finalização. Isso significou, e significa, exercitar a

responsabilidade e a cooperação dentro da responsabilidade.

Estudar e sentir o poema, e fabricar uma narrativa original, com acontecimentos

que relacionam-se apenas minimamente com este poema, exige iniciativa e uma

percepção mais crítica da realidade, pois teriam que ser feitas atualizações da obra

literária, que afinal foi escrita em outro momento histórico, pelas mãos e imaginação

de outra pessoa. Portanto, o aluno precisou fazer ajustes e adequações, trazer certas

ações para a contemporaneidade. Foi preciso lançar um olhar crítico sobre o homem

de ontem e o homem de hoje, pensar sobre si mesmo, sua realidade e sobre as

formatações que nos são impostas e que eles mesmos as absorvem e vivenciam,

afinal, como afirma Fayga Ostrower, o homem é a própria cultura, que se transforma

e transforma os costumes.

Através desse trabalho, e de sua iniciativa e atitude crítica, o aluno explorou a

sua própria capacidade de refletir por si mesmo, tirando conclusões próprias sobre

determinados temas, evitando o pensamento único e massificado, que ratifica a

monocultura do saber pelo ideal moderno. Ele pode perceber, por meio do

multiculturalismo predominante no ambiente da produção audiovisual, que há lugar

para as mais diversas formas de expressão, artística e individual, afastando-se do

olhar limitante preconceituoso, em nada afinado com o modelo de sociedade

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106  

contemporânea, diversificada, multirreferencial. Ele pôde conviver com as diferenças

num ambiente onde essas diferenças são bem-vindas pois são indispensáveis para

enriquecer o trabalho. Explorar o universo dos deficientes visuais, por exemplo,

motivou o grupo para a criação de uma personagem sensível e coerente, madura e

respeitosa para com as pessoas que possuem essa deficiência.

A colaboração, outra dimensão observada nesse processo, intrínseca à

produção audiovisual, aconteceu a todo momento nesse projeto, desde a formação das

equipes de trabalho até a montagem do material captado. Os grupos, mais do que

nunca, importaram-se com a natureza colaborativa do processo e demonstraram

compromisso com a realização dos curtas. Estavam todos, em grupos, trabalhando por

um fim maior, o curta metragem produto da disciplina. Foram maduros ao definirem

os membros das equipes considerando não somente as afinidades entre eles, mas

também o que cada um poderia acrescentar ao trabalho, demonstrando consciência de

que o grupo fica mais forte se cada integrante desempenha melhor uma função

diferente, facilitando a execução das ações durante as etapas de produção.

A perspectiva metalinguística do projeto tomou corpo à medida que o processo

ia avançando e mostrando que esta era uma abordagem obrigatória nesse projeto de

mestrado profissional, pois a todo momento esteve sob investigação, mesmo antes que

isso tivesse ficado claro para este pesquisador, não somente o projeto acadêmico de

adaptações cinematográficas pelos alunos, e o que dele poderia decorrer, mas também

o modo de ensinar deste pesquisador. Além disso, seu olhar sobre o percurso,

impresso no documentário Não É O Olho Que Vê.

Ambos os processos acompanhados pelas lentes do Coletivo D.O.C. As

camadas fílmicas revelam processos de produção que, ao mesmo tempo em que se

fundem e se intercalam na estrutura do filme, refletem sobre o próprio fazer

audiovisual, a metalinguagem cinematográfica, outro eixo explorado no documentário

e neste relatório técnico e descritivo.

Esse “olhar do olhar” que se tornou o documentário apropriou-se de materiais

originalmente construídos com outros objetivos, em outros contextos, a fim de

expressar determinados significados, e os agenciou de tal forma que tais passagens,

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107  

ressignificadas no novo contexto (o documentário), passaram a opera a favor da obra

em construção. Desse modo, tanto as imagens de arquivo de Waly Salomão quanto os

trechos dos curtas acadêmicos utilizados no filme Não É O Olho Que Vê não referem-

se diretamente aos materiais de onde se originam, mas atuam como colaboradores da

narrativa documental, ampliando seus significados.

Assim como as outras artes visuais, como o desenho, a gravura, a pintura, a

fotografia ou a escultura, a obra audiovisual, ao associar produção artística,

informação histórica e apreciação estética está provocando o crescimento individual e

o comportamento cidadão do indivíduo, preparando-o para as constantes exigências e

transformações do mercado profissional e da sua própria realidade de vida, fazendo-o

desenvolver em si, além de um compromisso responsável com o planeta, uma

permanente capacidade de se reinventar.

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108  

REFERÊNCIAS

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ENSAIO de Orquestra (Prova d'Orchestra). Direção: Federico Fellini. Itália, 1978. 1 bobina cinematográfica.

ENTRE os Muros da Escola (Entre Les Murs). Direção: Laurent Cantet. França, 2008. 1 bobina cinematográfica.

HISTÓRIAS do Cinema (Histoire(s) du Cinéma:Toutes les Histoires). Direção: Jean-Luc Godard . França, 1988. 1 bobina cinematográfica.

ILUMINADOS. Direção: Cristina Leal. Brasil, 2007. 1 bobina cinematográfica.

JANELA DA ALMA. Direção: João Jardim e Walter Carvalho. Brasil, 2002. 1 bobina cinematográfica.

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MÁ Educação (La Mala Educación). Direção: Pedro Almodóvar. Espanha, 2003. 1 bobina cinematográfica.

MOSCOU. Direção: Eduardo Coutinho. Brasil, 2009. 1 bobina cinematográfica.

NASCIDOS em Bordéis (Born Into Brothels). Direção: Ross Kauffman e Zana Briski. Estados Unidos/India, 2004. 1 bobina cinematográfica.

NOITE Americana (La nuit amèricaine). Direção: François Truffaut. Local: Films du Carrose, 1973. 1 bobina cinematográfica. PLATAFORMA. Direção: Zhang-ke Jia. China/ Hong Kong / Japão / França, 2000. 1 bobina cinematográfica. O BALÃO Vermelho (Le Ballon Rouge). Direção: Albert Lamorisse. França, 1956. 1 bobina cinematográfica.

O DESPREZO (Le Mépris). Direção: Jean-Luc Godard. Itália/França, 1963. 1 bobina cinematográfica.

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SANGUE LATINO com Tito Cossi. Direção: Felipe Nepomuceno. Produção: Roberto Berlinder e Rodrigo Letier. Local: Canal Brasil, 2014. SEEWHATCHLOOK. Direção: Michel Melamed. Produção: Michel Melamed, Bianca de Felippes e Marcello Maia. Local: Gávea Filmes e República Pureza Filmes, 74’. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=gv7DAmLVFF4 >. Acesso em: 12/03/2015. SOBRE OS ANOS 60. Direção: Jean-Claude Bernadet. 7’12” Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=bFLfsNg0dd4>. Acesso em: 29/11/2014. TOBY DAMMIT. Direção: Federico Fellini. 43’18”. Itália, 1968. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LvVXBfVHg2g>. Acesso em: 12/03/2015. UM HOMEM com uma Câmera (Chelovek s kino-apparatom). Direção: Dziga Vertov. 1:06’50”. União Soviética, 1929. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=axosrbPaWcw >. Acesso em: 08/07/2014.

UMA TEMPORADA na Escola Juilliard. Direção: Priscilla Pizzato. 26’. França,

2014. Local: Canal Curta, 2015.

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8 APÊNDICES:

APÊNDICE A:

CRONOGRAMA GERAL DO PROJETO

     

   

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APÊNDICE B: ROTEIRO DA MONTAGEM DO DOCUMENTÁRIO Não É O Olho Que Vê 01 – Recital (texto A cabeça, gosto que avoe); 02 – Insert de Waly dizendo texto A cabeça, gosto que avoe (imagem de arquivo); 03 - Depoimento do aluno Fábio sobre o grande valor de adaptar Waly Salomão; 04 – Reunião com coletivo (explicando o projeto e o documentário ) 05 – Aula: Évila e Wallace falam das suas ideias p/ o curta Atus II; 06 – Filipe fala sobre dificuldade para criar o roteiro; 07 – Palestra sobre roteiro adaptado: Ana Paula Guedes fala sobre roteiro adaptado; 08 – Palestra roteiro adaptado: aluno Anderson faz pergunta para roteirista Ana Paula; 09 – Amanda Aouad fala sobre roteiro adaptado; 10 – Aula: Wallace fala sobre a linguagem do seu curta (Atus II); 11 – Trecho de Atus II; 12 – Depoimento de Milton sobre seu envolvimento com o projeto de adaptação; 13 – Reunião com Coletivo D.O.C. sobre o processo criativo do aluno e a presença da câmera; 14 – Insert Waly : imagem de arquivo “esse olho”; 15 – Aula: sobre pesquisas de referências; 16 – Claudia Salomão fala sobre o contexto histórico, intelectual e político (anos 70) em que viveu Waly Salomão; 17 – cont. aula sobre pesquisas (videoarte, surrealismo, O Desprezo (Godard); 18 – Depoimento de Pedro sobre sua pesquisa a respeito do universo dos cegos; 19 – Aula: Lemuel e Filipe falam das personagens do seu curta (Refúgio); 20 – Trecho de Refúgio (a personagem cega na Estação da Lapa); 21 – Aula: cont. Lemuel fala sobre sua personagem, a Patricinha; 22 – Insert de Refúgio (trecho Patricinha); 23 - Recital (poema B.O. – Boletim de Ocorrências); 24 – Aula: Lemuel fala sobre o personagem ladrão; 25 – Insert de Refúgio (trecho ladrão); 26 – Aula: Lemuel e Pedro falam do curta e explicam o nome Refúgio; 27 – Insert Waly: imagem de arquivo (“a morada do ser poeta é o mundo eletrônico hoje”); 28 – Depoimento de Wallace sobre as etapas de produção contempladas pelo projeto; 29 – Claudia Salomão fala de Waly (“... ele era muito midiático...”); 30 – Insert Waly: imagem de arquivo (“o futuro começa por a gente se sentir em casa no mundo eletrônico”); 31 – Recital (poema Remix Século XX); 32 – Aula: sobre a proposta visual do filme Salomão Sem Roteiros; 33 – Aula: Milton fala sobre a proposta visual de seu curta e da trilha; 34 – Trecho de Salomão Sem Roteiros (p/ apresentar a trilha de Fábio); 35 – Aula: Milton fala sobre a gravação ao vivo da cena com Emerson Bulcão; 36 – Trecho de Salomão Sem Roteiros (Emerson/Waly no palco); 37 – Aula: Milton explica como deseja realizar a cena final; 38 – Cabine de exibição: equipe com problemas para exibir o curta;

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39 – Trecho de Atus II; 40 – Aula: Évila, Tiago e Wallace falam sobre as locações de seu curta e o uso do steadycam; 41 – Trecho de Atus II; 42 – Aula: sobre locações; 43 – Recital (trecho de Exterior); 44 – Reunião Coletivo D.O.C. sobre inexistência de roteiro; 45 – Depoimento de Filipe sobre network, colaboração; 46 – Aula: Wallace fala sobre não atores; 47 – Making of Sala Sunyata e ator mirim Álvaro Batista fala p câmera; 48 – Aula: sobre elenco e como testar atores; 49 – Aula: sobre não atores no teste de elenco; 50 – Teste de elenco; 51 – Trecho de Refúgio (cena de Léo); 52 – Preparação de elenco com Heitor Guerra; 53 – Making Of de Salomão Sem Roteiros (cena gravata borboleta); 54 – Reunião Coletivo D.O.C. : Márcio Telmo fala sobre captação de áudio, Thiago fala de iluminação; 55 – Making Of de Refúgio c Álvaro (cena no restaurante Zen) montando a luz; 56 – Insert Waly (..Arte não tem nada a ver com entendimento); 57 – Sessão de Exibição

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APÊNDICE C: CARTAZ DA SESSÃO DE EXIBIÇÃO

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APÊNDICE  D:    FICHAS  TÉCNICAS  DOS  CURTAS  METRAGENS  ACADÊMICOS    1  -­‐  curta  Salomão  Sem  Roteiros:  Roteiro:  Rodrigo  Lacerda  e  Milton  Bispo  Direção:  Milton  Bispo  e  Rodrigo  Lacerda  Produção:  Daniel  Robert,  Fábio  Bastos,  Rodrigo  Lacerda,  Vanessa  Paranhos  Direção  de  Arte:  Vanessa  Paranhos  Fotografia:  Milton  Bispo  Som  Direto:  Fábio  Bastos  e  Daniel  Robert  Edição  e  finalização:  Milton  Bispo  e  Rodrigo  Lacerda    Trilha  Sonora:  Fábio  Bastos    2  -­‐  curta  Sala  Sunyata:  Roteiro: Marcus Moutinho e Toni Freitaz Direção: Marcus Moutinho e Toni Freitaz Produção: Toni Freitaz Direção de Arte: Toni Freitaz Fotografia: Toni Freitaz e Marcus Moutinho Som Direto: Marcus Moutinho Edição e finalização: Marcus Moutinho Mixagem de áudio: Marcus Moutinho Trilha Sonora: Marcus Moutinho  3  -­‐  curta  Atus  II:  Roteiro:  Wallace  Ramos  Direção:  Évila  Batista,  Tiago  Souza,  Wallace  Ramos  Produção:  Carol  Rodrigues  e  Évila  Batista  Direção  de  Arte:  Carol  Rodrigues  Fotografia:  Wallace  Ramos  e  Évila  Batista  Som  Direto:  Carlos  Jr.  Edição  e  finalização:  Évila  Batista  e  Wallace  Ramos    4  -­‐  curta  Refúgio:  Roteiro:  Lemuel  Castro,  Filipe  Louzado,  Moisés  Silva  e  Álvaro  Campos  Direção:  Lemuel  Castro  Produção:  Filipe  Louzado  Direção  de  Arte:  Jayne  Sales  Fotografia:  Moisés  Silva  Som  Direto:  Álvaro  Campos  Edição  e  finalização:  Lemuel  Castro  e  Moisés  Slva  Mixagem  de  áudio:  Pedro  Kafé  Trilha  Sonora:  Álvaro  campos  e  Juarez  Campos  Jr.    

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APÊNDICE E:  AUTORIZAÇÕES DE USO DE IMAGEM E ÁUDIO  

   

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