nancy andrighi
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 618.625 - SC (2003/0223708-0)
RECORRENTE : KITAK BANG - ESPÓLIOADVOGADO : LUIZ VIEIRA DA SILVA - INVENTARIANTERECORRIDO : TOMÉ CARDOSOADVOGADO : VINICIUS BONI E OUTROS
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Recurso especial interposto pelo espólio de Kitak Bang, com arrimo nas
alíneas "a" e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJSC.
Ação: de embargos de terceiro.
O ora recorrente opôs embargos de terceiro contra Tomé Cardoso, ora
recorrido, alegando ser legítimo proprietário e possuidor a justo título de imóvel
penhorado em ação de execução de sentença, movida pelo ora recorrido em face de
Augustinho Silvestre.
Alegou que o referido imóvel foi doado em 15.07.88 por Augustinho
Silvestre a seus filhos, tendo este ato cumprido com todas as formalidade legais,
estando presente, inclusive, o representante do Ministério Público. Sustentou que em
16.12.97, o imóvel foi vendido para Globe Agência e Transportes Ltda., tendo esta,
posteriormente, em dação em pagamento por uma dívida trabalhista, alienado o bem
para o ora recorrente.
Assim, na condição de senhor e possuidor a justo título, pleiteou o
recorrente a liberação do imóvel objeto da penhora.
O embargado, ora recorrido, apresentou impugnação, alegando que
haveria fraude à execução, pois a transação efetivada em 15.07.88, entre Augustinho
Silvestre e seus filhos, foi fraudulenta, posto que o imóvel não foi doado, mas sim
vendido por um preço irrisório e que, além disso, essa venda teria ocorrido no curso da
ação de conhecimento da qual derivou a execução onde se efetivou a penhora do
imóvel.
Sentença: julgou procedentes os embargos de terceiro, tornandoDocumento: 1973394 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 10
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insubsistente a penhora sobre o imóvel (fls. 57)
Acórdão: por maioria, deu provimento à apelação do ora recorrido,
reformando a sentença e concluindo que a venda do imóvel ocorreu em fraude à
execução e, portanto, era ineficaz em relação ao ora recorrido, o que teria contaminado
as alienações posteriores; ficando assim ementado:
“CIVIL - EMBARGOS DE TERCEIRO VISANDO ARETIRADA DE CONSTRIÇÃO JUDICIAL SOBRE IMÓVELPENHORADO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EMAÇÃO DE INDENIZAÇÃO - FRAUDE À EXECUÇÃO -CONFIGURAÇÃO - SENTENÇA REFORMADA PELO COLEGIADOJURISDICIONAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, PARA JULGARIMPROCEDENTE A AÇÃO AFORADA, COM IMPOSIÇÃO DOS ÔNUSDE SUCUMBIMENTO E PUNIÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
1. 'A venda realizada na pendência da lide que reduz odevedor ao estado de insolvente, frauda o poder jurisdicional do Estado,criando sua própria ineficácia originária e se constitui em atoatentatório à dignidade da Justiça .' (RJTJRGS - 151/365).
2. 'E litigante de má-fé aquele que alega fato de cuja faltade fundamento tem conhecimento por decorrer de ato praticado por elepróprio.' (RT - 590/119).
3. 'A litigância de má-fé pode ser imposta de ofício peloJuiz porque objetiva a lei reprimir a má conduta processual da partequando ela atenta à dignidade da Justiça e pode comprometer o bomnome do mecanismo judiciário e de seus órgãos. E isso afetaria o direitomaterial do contendor.' (RJTJRGS - 160/423). ”(fls. 85).
Embargos de declaração: não foram opostos.
Recurso especial: alega violação, em síntese, aos artigos:
a) 593, II, do Código de Processo Civil, pois o acórdão recorrido
reconheceu a fraude à execução, mas não estariam presentes os requisitos para sua
caracterização. Nesse ponto, alega, ainda, haver dissídio jurisprudencial com julgado
do STJ, que entendeu que “quando o bem não tiver sido adquirido diretamente doDocumento: 1973394 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 2 de 10
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executado, mas sim de terceiro por terceiro, para que a fraude à execução lhe seja
imputada, necessário é que houvesse comprovação de que o adquirente tinha ciência
da existência da demanda. ”(fls. 179); e
b) 17, 18 e 601, todos do Código de Processo Civil, pois o acórdão
recorrido aplicou indevidamente “multa de 1% e indenização de 20%” sobre o valor
atualizado do débito em execução, por ter entendido que o ora recorrente agiu em
litigância de má-fé.
Prévio juízo de admissibilidade: após contra-razões, foi o recurso
especial admitido na origem apenas com fundamento na alínea "c" do permissivo
constitucional.
É o relatório.
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RECURSO ESPECIAL Nº 618.625 - SC (2003/0223708-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : KITAK BANG - ESPÓLIOADVOGADO : LUIZ VIEIRA DA SILVA - INVENTARIANTERECORRIDO : TOMÉ CARDOSOADVOGADO : VINICIUS BONI E OUTROS
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
a) Da alegada violação ao art. 593, II, do Código de Processo Civil.
A questão controvertida consiste em saber se a pendência de ação de
conhecimento, da qual possa decorrer a insolvência do devedor, é abrangida pela
hipótese prevista no art. 593, inciso II, do CPC.
A matéria jurídica encontra-se devidamente prequestionada, com perfeita
viabilização do acesso à instância especial.
Conforme consta do acórdão recorrido (fls. 90), Augustinho Silvestre, à
época do evento danoso que causou ao ora recorrido (fevereiro de 1984), era
proprietário de nada menos do que 9 (nove) imóveis no Município de Itajaí; e que dos
meses de setembro de 1984 a julho de 1988 vendeu alguns desses imóveis e doou
outros aos filhos, culminando por não possuir mais nenhum bem imóvel após a citação
da ação de conhecimento movida pelo ora recorrido em fevereiro de 1987 e contestada
em junho do mesmo ano (fls. 92).
Portanto, a partir da ocorrência do fato danoso (em fevereiro de 1984),
Augustinho Silvestre passou, numa seqüência de atos, a transferir seus imóveis para os
filhos, ficando sem nenhum após a citação da ação de conhecimento movida pelo ora
recorrido o que o reduziu à insolvência.
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De fato, conforme consta no acórdão recorrido (fls. 89), quando foi
iniciada a execução da sentença da ação condenatória movida pelo ora recorrido contra
Augustinho Silvestre, o Oficial de Justiça não encontrou bens em nome do mesmo, o
que, sem dúvida, caracteriza a insolvência.
Todavia, a incidência do disposto no art. 593, inciso II, do CPC não é
automática, isto é, decorrente apenas da alienação na pendência de demanda capaz de
reduzir o alienante à insolvência.
Realmente, conquanto o STJ já tenha assentado o entendimento de que a
citação válida do devedor, a partir da qual já se pode caracterizar a alienação com
fraude à execução, não é somente a que ocorre no processo de execução, mas pode ser
relativa à ação de conhecimento cujo julgamento seja capaz de reduzir o devedor à
insolvência (REsp n.° 97646/SP; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 18.11.1996;
AgRg no Ag n.° 11.981/RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 23.09.1991; AgRg no Ag
n.° 268.815/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 09.10.2000 e REsp n.°
234.473/SP, de minha relatoria, DJ 18.02.2002); tem-se exigido que a citação do
devedor seja registrada, a fim de caracterizar a alienação fraudulenta, ou, então, que o
credor prove o conhecimento do adquirente sobre a pendência de demanda judicial
contra o alienante, à época da aquisição.
É o que ficou esclarecido no julgamento do REsp n.° 235.267/SP, Rel.
Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (DJ: 08/03/2000), no REsp n.° 234.473/SP, de
minha relatoria (DJ 18.02.2002) e no AgRg no REsp n.° 625.232/RJ, também por mim
relatado (DJ 02.08.2004), este assim ementado, no que interessa:
“Para que exista fraude à execução é preciso que aalienação do bem tenha ocorrido após registrada a citação válida dodevedor ou, então, que o credor prove o conhecimento do adquirentesobre a existência de demanda pendente contra o alienante, ao tempo daaquisição.”
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Por outro lado, doutrina e jurisprudência têm exigido, nos casos em que
inexistente o registro da citação ou da penhora, que ao credor cabe o ônus de provar
que o terceiro tinha ciência da demanda em curso ou da constrição. Em sede
doutrinária, pode-se citar Humberto Theodoro Júnior (Processo de execução, São
Paulo: Leud, 2005, p. 219) e o próprio Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (Código de
Processo Civil Anotado, São Paulo: Saraiva, 7.ª ed., pág 459).
Nesse sentido, confiram-se: REsp n.° 111.899/RJ, DJ 08/11/99, Rel.
Min. Eduardo Ribeiro; REsp n.° 153.020/SP, DJ 26/06/2000, Rel. Min. Barros
Monteiro; REsp n.° 246.625/MG, DJ 28/08/2000, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar;
REsp n.° 218.290/SP, DJ 26/06/2000, Rel. Min. Waldemar Zveiter, este último assim
ementado:
“Segundo Jurisprudência dominante neste STJ, para acaracterização da fraude de execução é preciso que a alienação tenhaocorrido depois da citação válida, devendo este ato estar devidamenteinscrito no registro ou que fique provado que o adquirente sabia daexistência da ação. No caso concreto, saliente-se que os embargantesnão adquiriram o imóvel do próprio devedor, mas de terceiro,presumindo-se sua boa-fé, até porque, sequer execução existia.”Todavia, nesta oportunidade, meditando melhor sobre a questão e,
principalmente, sopesando que este entendimento acaba, em última análise, por
privilegiar a fraude à execução por torná-la mais difícil de ser provada, ouso divergir
do respeitável entendimento acima transcrito quanto à questão relativa ao ônus da
prova sobre a ciência, pelo terceiro-adquirente, da demanda em curso ou da contrição.
Isso porque, o inc. II, do art. 593, do CPC, estabelece uma presunção
relativa da fraude, que beneficia o autor ou exeqüente (“Considera-se em fraude de
execução a alienação ou oneração de bens quando, ao tempo da alienação ou
oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência ” -
grifado e destacado).
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Portanto, em se tratando de presunção, é da parte contrária o ônus da
prova da inocorrência dos pressupostos da fraude de execução (CPC, art. 334, IV),
porque, como adverte José Carlos Barbosa Moreira, "a pessoa a quem a presunção
desfavorece suporta o ônus de demonstrar o contrário, independentemente de sua
posição processual, nada importando o fato de ser autor ou réu .” (As presunções e a
prova, in Temas de Direito Processual, 1.ª série, 1.ª ed., São Paulo: Saraiva, 1977, p.
60.)
Por conseguinte, caberá ao terceiro adquirente, através dos embargos de
terceiro (arts. 1.046 e ss.), ou provar que, com a alienação ou oneração, não ficou o
devedor reduzido à insolvência, ou demonstrar qualquer outra causa passível de ilidir a
presunção de fraude disposta no art. 593, II, do CPC, inclusive a impossibilidade de ter
conhecimento da existência da demanda.
De fato, impossível desconhecer-se a publicidade do processo, gerada
pelo seu registro e pela distribuição da petição inicial (CPC, arts. 251 e 263), no caso
de venda de imóvel de pessoa demandada judicialmente, ainda que não registrada a
penhora ou mesmo a citação.
Isso porque, diante da publicidade do processo, o adquirente de qualquer
imóvel deve acautelar-se, obtendo certidões dos cartórios distribuidores judiciais, que
lhe permitam verificar a existência de processos, envolvendo o vendedor, nos quais
possa haver constrição judicial (ainda que potencial) sobre o imóvel negociado. Aliás,
a apresentação das referidas certidões, no ato da lavratura de escrituras públicas
relativas a imóveis, é obrigatória, ficando, ainda, arquivadas junto ao respectivo
Cartório, no original ou em cópias autenticadas (cfr. §§ 2.º e 3.º, do art. 1.º, da Lei n.°
7.433/1985).
Assim, se a partir da vigência da Lei n.° 7.433/1985 para a lavratura da
escritura pública relativa a imóvel, o tabelião obrigatoriamente consigna, “no ato
notarial, a apresentação do documento comprobatório ” dos “feitos ajuizados ”, não é
crível que a pessoa que adquire imóvel (ou o recebe em dação em pagamento),
desconheça a existência da ação distribuída (ou da penhora) em nome do proprietário
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do imóvel negociado.
Diante disso, cabe ao comprador do imóvel provar que desconhece a
existência da ação em nome do vendedor do imóvel, não apenas porque o art. 1.º, da
Lei n.º 7.433/85 exige a apresentação das certidões dos feitos ajuizados em nome do
vendedor para lavratura da escritura pública de alienação de imóveis, mas, sobretudo,
porque só se pode considerar, objetivamente, de boa-fé, o comprador que toma
mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição.
Aliás, neste mesmo sentido é o acórdão proferido no REsp n.º
87.547/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 22.03.1999, assim ementado:
"PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDE ÀEXECUÇÃO. Redirecionada a execução fiscal contra o sócio-gerente, odébito tributário já está em fase de execução contra este (CTN, art. 185),e, feitas as anotações próprias no setor de distribuição do foro, o fatojá se reveste de publicidade, podendo ser conhecido pelas pessoasprecavidas que subordinam os negócios de compra e venda de imóveisà apresentação das certidões negativas forenses . Recurso Especial nãoconhecido. " (grifado e destacado)
Naquele julgamento, conclui-se pela existência de fraude à execução,
pois havia o registro da execução em nome do vendedor no distribuidor forense. Não
vejo como aqui possa ser visto de forma diversa.
Realmente, conforme reconheceu o acórdão acima, as pessoas
precavidas são aquelas que subordinam os negócios de compra e venda de imóveis à
apresentação das certidões negativas forenses . Este dado – apresentação das certidões
negativas forenses – é passível de aferição objetiva: ou foram apresentadas ao
comprador ou não foram. Se o foram, cabe a ele provar o contrário, isto é, que
desconhecia a existência de ação judicial em nome do vendedor do imóvel.
Portanto, tem o terceiro adquirente o ônus de provar, nos embargos de
terceiro, que, mesmo constando da escritura de transferência de propriedade do imóvelDocumento: 1973394 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 8 de 10
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a indicação da apresentação dos documentos comprobatórios dos feitos ajuizados em
nome do proprietário do imóvel, que não lhe foi possível tomar conhecimento desse
fato.
Neste processo, observa-se que o acórdão recorrido é omisso em relação
à existência da prova de que o adquirente, ora recorrente, não tinha conhecimento da
ação de indenização ajuizada em face do proprietário do imóvel, ao tempo em que
recebeu em dação em pagamento o imóvel em questão.
Portanto, partindo-se da análise fática exposta no acórdão recorrido, a
alegação de violação ao art. 593, II, do Código de Processo Civil esbarra no teor da
Súmula n.° 7 desta Corte.
b) Do dissídio jurisprudencial.
Relativamente à pretensão calcada na alínea “c”, do permissivo
constitucional, tem-se que o dissídio diz respeito justamente ao ônus da prova sobre a
ciência, pelo terceiro-adquirente, da demanda em curso ou da contrição.
Apesar de conhecer-se do recurso, nesse ponto, porque devidamente
comprovada a divergência jurisprudencial, é de negar-se-lhe provimento, tendo em
vista os fundamentos anteriormente expendidos.
c) Da alegada violação aos arts. 17, 18 e 601, todos do Código de
Processo Civil.
Após o exame dos fatos, o TJSC concluiu que o recorrente “não agiu
com seriedade no ato de postular, servindo-se do processo para tentar obter razão,
quando sabidamente não a tem. A parte que altera intencionalmente a verdade dos
fatos, provocando incidentes manifestamente infundados, é litigante de má-fé e por
isso deve ser condenada. ” (fls. 98)
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Como se percebe, com base em elementos de fato que lhe foram
apresentados, o Tribunal a quo afirma, categoricamente, que o ora recorrente agiu com
má-fé. A demonstração do contrário e, portanto, alteração nas conclusões do acórdão,
demandaria o reexame das circunstâncias fáticas e das provas apresentadas,
procedimento defeso em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7 deste STJ.
Forte em tais razões, conheço do Recurso Especial, mas nego-lhe
provimento.
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