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Na Casa de Paulo Coletivo Pi | 2012

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"Na Casa de Paulo" é um projeto de intervenção urbana realizado pelo Coletivo Pi, grupo de pesquisa e criação em performance e intervenção, realizado ao longo de 2012 e que foi contemplado pela Fundação Nacional de Artes - FUNARTE no edital PRÊMIO FUNARTE ARTES NA RUA (CIRCO, DANÇA E TEATRO)/ 2011. Saiba mais: www.coletivopi.com

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Page 1: Na Casa de Paulo (Coletivo Pi, 2012)

Na Casa de Paulo

Coletivo Pi | 2012

Page 2: Na Casa de Paulo (Coletivo Pi, 2012)

Na Casa de Paulo é um projeto de intervenção urbana que pretende intervir na dinâmica da cidade com uma casa sem paredes, a céu

aberto, na qual as “moradoras” acolhem as pessoas e con-vidam a habitar aquele lar, passeando pelas histórias do bairro. Não se trata da recuperação de um registro histórico formal, mas de um entrelaçamento de memórias, imagens, lembranças dos bairros da cidade, dando voz àqueles que moram, convivem nesses locais e com uma proposição ar-tística pautada na interação e na transformação do espa-ço cotidiano da rua em local de encontro, de partilha.

A nossa experiência enquanto artistas com a inter-venção Narrativas de São Paulo (durante o ano de 2011) confirmou aquilo que pensamos sobre o contato direto entre arte e público. Realizar uma ação na rua em que a participação dos passantes é fundamental para o desen-volvimento da mesma é um grande exercício de como conquistar o olhar, a atenção das pessoas para algo além de sua rotina. E para este projeto escolhemos contrapor o espaço íntimo (casa) com o espaço público (rua) como a primeira forma de aproximação.

Pensamos que essa aproximação por meio da arte e do próprio espaço da rua é muito interessante, na medida em que potencializa a rua como espaço do encontro, do diálogo, do aprendizado e não apenas local de passagem, “terra de ninguém”.

Abrir as portas e permitir que as pessoas vejam, to-quem, conversem, habitando a casa a céu aberto, é uma maneira de superar a rua como local do medo, do outro, do distante. Nesta revista, queremos mais uma vez partilhar a experiência, formar redes de afetos, de lembranças. Afi-nal a arte é o espaço das inventividades!

Pâmella Cruz

pColetivo Pi | 2012

Performers e criadoras: Natalia Vianna, Pâmella Cruz, Priscilla Toscano [Coletivo Pi] Assessoria de imprensa e comunicação: Talita Mochiutte Fotografia: Eduardo Bernardino Produção e realização geral: Coletivo Pi Arte: Natalia Vianna | Gráfica: Pancrom Tiragem: 1000 exemplares | Distribuição gratuita

www.coletivopi.com | [email protected]

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Intervenção urbana 05

O Coletivo Pi 08

Na Casa de Paulo 10

O início: Narrativas de São Paulo 10

Por que uma casa? 13

Paulicéia Desvairada 15

Na casa de Maria 17

Na casa de Ângela 18

Na casa de Santana 19

Na casa de Madalena 20

Na casa de Canindé 21

Na casa de Mariana 22

Na casa de Cecília 23

Na casa de Miguel 24

Quando a rua é habitada 25

Quem é o Coletivo Pi 32

Foto de Eduardo Bernardino.

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Intervenção Urbana

O Nascimento da Vênus. Intervenção urbana e fotográfica, 2011. Projeto Museu na Rua (Coletivo Pi e Murilo Martinez). Foto de Murilo Martinez.

A intervenção urbana é uma forma de arte, geralmente rea-lizada em espaços públicos e áreas centrais das cidades. O objetivo dessa arte é interagir de maneira criativa e poética com o espaço cotidiano e as pessoas. Além disso, as interven-ções são capazes de reinventar, ainda que momentaneamente, novos sentidos ao espaço esco-lhido e suscitar novas percep-ções.

No campo das artes a interven-ção é empregada com múl-tiplos sentidos, as linguagens,

técnicas e táticas são bastante diversificadas, o que não permi-te definir fronteiras rígidas e uma categorização fixa. Os artistas que trabalham com interven-ção querem se aproximar do tecido social, da dinâmica dos centros urbanos e da vida coti-diana.

As práticas intervencionistas po-dem ter caráter transitório, de interatividade, de ocupação de espaços abandonados, in-serções visuais na paisagem ur-bana e se articulam com dife-rentes linguagens artísticas.

O nosso projeto está nos entre-meios entre performance e in-tervenção urbana. Interferimos na cidade tanto no espaço físi-co como nas dinâmicas sociais, e também somos performers na medida em que nossa presença é fundamental para ação. Assim, vivemos transitoriamente na casa, sem interpretações, sem persona-gens, transformando a calçada, a praça, o canteiro da avenida no espaço da intimidade, da convi-vência.

Entre Saltos. Coletivo Pi, 2011.

Qual o segredo da Victória?Coletivo Pi, 2012.

Na faixa. Coletivo Pi, 2011.

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Por Pâmella Cruz

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Formado pelas artistas Natalia Vianna, Pâmella Cruz e Priscilla Toscano desde 2009, o Coletivo Pi trabalha com performance e intervenção urbana. A pesquisa do grupo tem como base o diá-logo entre o artista e o espaço, na construção de formas poéti-cas que representem e transfor-mem um espaço (físico ou imagi-nário), resgatando sua memória, discutindo suas funções e pro-pondo novas percepções.

As integrantes do Coletivo Pi se conhecerem na UNESP em 2005 no curso de Licenciatura em Ar-te-Teatro e desde a graduação percebiam as afinidades quanto às questões artísticas e o dese-jo de trabalhar, principalmente, com a arte e a cidade. Em 2009, o grupo é fundado e durante dois anos esteve em residência artística na zona norte de São Paulo.

Mas por que Pi (π)?

Pi (π) é o símbolo grego utilizado pela Matemática em diversos

cálculos, mais conhecido como 3,141592..., que pertence aos nú-meros irracionais.

Está ligado a qualquer forma cir-cular. É o valor da razão entre a circunferência de qualquer cír-culo e seu diâmetro.

É a mais pura abstração. Cada combinação possível de um número encontra lugar em Pi, convertendo em vida cada lugar dessa sequência infinita de dígitos. É o nome de cada pessoa que uma dia você poderá amar ou a data, o horário e a forma de sua morte, ou ainda, a resposta para todas as grandes questões do universo.

É um símbolo ligado a circularidade, a qualquer simetria esférica. Elegemos o círculo como a forma mais democrática de distribuição de pessoas em um espaço – todos possuem a mesma posição e todos podem se ver.

Em suma, Pi é Performance e In-tervenção!

O Coletivo Pi

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Um dos objetivos do Coletivo Pi é pensar e realizar intervenções e performances em espaços pú-blicos reafirmando a rua e locais utilizados cotidianamente pela população como espaços da ex-periência e da criação.

Como forma de registro e refle-xão sobre seu trabalho, o Coletivo Pi mantém um blog com textos, imagens e informações sobre suas intervenções, demais atividades e ações de outros grupos artísticos, além de um canal no site de com-

partilhamento de vídeos YouTube e uma página na rede social Fa-cebook.

Ao longo de 2012, o Coletivo Pi realizou o projeto Na Casa de Paulo contemplado pelo Prêmio Artes Cênicas na Rua 2011 (dan-ça, circo, teatro) - FUNARTE/MINC, montando uma casa sem pare-des em oito bairros de São Paulo - um retrato vivo das memórias e histórias de cada bairro por onde a intervenção passou.

O que você carrega na sua mala? Coletivo Pi, 2011/2012.

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Na casa de Paulo

Em novembro de 2010 cria-mos a intervenção perfor-

mática Narrativas de Miguel para levar ao Festival do Livro e Literatura de São Miguel Pau-lista. Em um encontro em nossa antiga sede comentei com a Pâmella a vontade de colocar na rua um pedaço de uma casa. Seguindo o principio de recorte e colagem me pareceu muito interessante levar para a rua movimentada a imagem de uma mulher em trajes confortá-veis sentada em uma poltrona lendo um livro. Pensando nessa imagem percebemos a potên-cia que ela poderia ter enquan-to quebra/ruptura do tempo da rua e de quem passa por lá.

A partir dessa instalação come-çamos a pensar em como torná--la performática. Decidimos co-locar na mão dessa mulher um livro com as páginas em branco

e em sua capa o título “Narra-tivas de Miguel” e ao seu lado um banquinho livre para que qualquer pessoa interessada na imagem pudesse se aproximar, sentar e conversar. O assunto? O livro em branco nas mãos da performer, esperando por nar-rativas que pudessem preen-chê-lo. O que cada pessoa que parasse para sentar nessa pe-quena sala teria a contar sobre São Miguel Paulista?

Durante o festival passamos um dia realizando Narrativas de Mi-guel. Pâmella, Natália e eu nos

O INÍCIO: Narrativas de São PauloPor Priscilla Toscano

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revezamos na função da poltro-na. Ocupamos três locais dife-rentes: a saída da estação de trem de São Miguel, a calçada em frente ao mercado muni-cipal e um ponto de ônibus da Avenida Marechal Tito. Nosso banquinho esteve na maior par-te do tempo ocupado. Pessoas de todos os tipos, de crianças a idosos, sentaram ali e falaram um pouco do bairro. Ouvimos diversos relatos sobre São Miguel Paulista: o bairro no passado, os lugares importantes, histórias pessoais que tiveram como ce-nário estes locais, a opinião dos moradores sobre os espaços pú-blicos, a impressão dos trabalha-dores de São Miguel, etc.

Ao final da intervenção no fes-tival, percebemos a força e ao mesmo tempo a delicadeza dessa ação. Decidimos que da-ríamos continuidade em outros bairros de São Paulo.

No início de 2011 selecionamos alguns bairros que tínhamos von-tade de levar esta intervenção. Um dos critérios que adotamos para escolher esses bairros, além de serem diversificados em sua localização e perfil de morado-

res, é que possuíssem nome de gente. Uma brincadeira que su-gere a personificação do bair-ro como protagonista da ação performática e que traz a ideia do espaço publico não mais como lugar estranho e sim como se fosse alguém que tem nome e história. Selecionamos os se-guintes bairros:

- Jardim Ângela: ponto de ôni-bus da Avenida M’Boi Mirim

- Canindé: Praça Ilo Ottani, em frente a biblioteca municipal Adelpha Figueiredo

- Santa Cecília: Largo do Santa Cecília

- Vila Madalena: trecho da cal-çada da Rua Marechal Deodo-ro

- Vila Maria: uma das esquinas da praça Santo Eduardo, na Avenida Guilherme Cotching

- Vila Mariana: em frente ao me-trô Vila Mariana

- Santana: trecho da calçada da Avenida Voluntários da Pá-tria.

O conjunto de ações realizadas nesses bairros somado ao que já

havíamos realizado em São Mi-guel Paulista batizamos de Narra-tivas de São Paulo. Durante o ano de 2011 realizamos o projeto sem nenhum tipo de incentivo públi-co ou privado. De bairro em bair-ro levamos o cenário composto por poltrona, banquinho, tape-te, mesinha, abajur e livros, para abrigar uma de nós com um livro em branco nas mãos. Em todos esses locais ouvimos centenas de histórias que por nós registradas geraram livros com pequenos re-

latos sobre o cotidiano dos bair-ros, revelando fatos, memórias e desejos daquele local. Termina-mos 2011 tendo em mãos oito re-gistros: Narrativas de Miguel, Nar-rativas de Ângela, Narrativas de Canindé, Narrativas de Cecília, Narrativas de Madalena, Narrati-vas de Maria, Narrativas de Ma-riana e Narrativas de Santana. E com isso uma nova inquietação: o que fazer com esses relatos? Como performá-los na rua? E as-sim surgiu Na Casa de Paulo.

12Narrativas de Miguel. Coletivo Pi, São Miguel Paulista, 2010.

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O projeto Na Casa de Paulo surgiu da vontade de voltar-mos a cada um desses bairros com o intuito de compartilhar com seus moradores/trabalha-dores os relatos que ouvimos. Escolhemos fazer isso de ma-neira que pudéssemos chamar atenção para rua como lugar onde se habita. Por isso de-cidimos criar uma casa com-pleta, com portas, mas sem paredes que fosse possível de ser montada em qualquer es-paço público. A cada bairro ela teria um nome (Casa de

Maria, Casa de Ângela, etc) e teria móveis e objetos marca-dos com frases dos relatos re-colhidos em Narrativas de São Paulo. Decidimos também que duas de nós passaria o dia ha-bitando essa instalação para receber os transeuntes que se sentissem curiosos e a vontade para entrar na casa, e nessa vi-sita poder tomar um chá e ou-vir de nós as histórias que outro-ra foram coletadas.

Para viabilizar o projeto deci-dimos inscrevê-lo no Edital Ar-

Por que uma casa?

tes Cênicas na Rua/2011 da Funarte e contempladas inicia-mos os trabalhos de pesquisa e produção em abril deste ano. Foram algumas visitas a cada bairro à procura de um lugar a ser ocupado, somado as inú-meras idas a casas de material de construção, artigos de de-coração, gráfica e visitas ao marceneiro. Ainda nessa fase o enfrentamento à burocracia de cada subprefeitura no difícil processo de receber autoriza-ção para colocar no espaço publico uma instalação artísti-ca. Em junho conseguimos rea-

lizar a primeira ação: Na Casa de Maria e assim seguimos com as demais.

Para nós, do Coletivo Pi, colo-car uma casa no espaço pú-

blico é acima de tudo uma pro-vocação pois nossa instalação é um retrato vivo de cada história ouvida sobre aquele bairro que é casa/moradia de centenas de pessoas. Cada instalação foi montada com o intuito de tradu-zir os relatos que ouvimos no ano anterior. A nossa opção de ha-bitar a casa não foi uma tentati-va midiática de fazer ou lembrar um reality show, mas de criar uma situação inusitada na qual as pessoas se sentissem convi-dadas a pensar o espaço públi-co, visitando essas habitações que mostram em sua pequena

existência marcas de uma casa maior que é aquele bairro e que é parte de nossa cida-de. Batizar cada casa/instalação como Casa da Mariana, da Cecí-lia, da Ângela, foi uma maneira de resgatar o sentimento de que o bairro onde moramos

está vivo e é nosso, extensão de nossos lares, morada coletiva. Cada bairro é um pedacinho, um cômodo de uma casa maior chamada São Paulo.

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Fotos de Eduardo Bernardino.Por Natália Vianna, Pâmella Cruz e Priscilla Toscano

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São Paulo é a cidade dos múltiplos, dos contrastes, das contradi-ções. A riqueza da cidade está na convivência de diversas cultu-ras, de tantas caras. Mas, permanecem os rastros da política da desigualdade, da noção que a rua é hoje o espaço do medo, da desgraça, dos marginais. E dentro dessa trama nos aventuramos a descobrir que grande casa é essa que habitamos chamada São Paulo e outros lares que compõe esta cidade. Assim, ocupamos alguns bairros e lá permanecemos com nossa casa a céu aberto.

Pâmella Cruz

Paulicéia Desvairada

O que esperar de uma casa sem paredes que ocupa a calçada?

Fotos de Eduardo Bernardino

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Na Casa de Maria“Aqui tem muitas famílias de imigrantes portugueses. Eles vinham pra cá tentar a vida e acabaram fundando nosso bairro, o comér-cio. Eles fundaram a Sociedade Paulista do Trote onde aconteciam os páreos. E hoje é o Parque do Trote.” (Maria)

“São Paulo é uma cidade de muita oportunidade, mas a violência é por conta da impunidade, as leis no país não contribuem (...) Eu trabalho para sobreviver, porque nós temos que trabalhar, eu faço meu trabalho direito, mas queria uma vida mais tranquila.” (Carlos)

“A Vila Maria é um bairro conhecido de São Paulo. A nossa Esco-la de Samba anima, alegra os moradores. E emprega muita gente na época da preparação para o carnaval, muita costureira, gente com energia, que gosta de trabalhar, dá um dinheirinho. E ouvir o som da bateria é muito bom, faz tremer o coração!” (Márcio)

Na Casa de Ângela“Moro aqui há 20 anos. Vi muita gente indo embora por causa do medo. Agora as coisas são diferentes. O bairro está mais tranqui-lo. A mudança foi trabalho de formiguinha: comunidade, polícia e prefeitura. O bairro está mais asfaltado, mais iluminado, tem banco, mercado hospital.” (Neide)

“Jardim Ângela mesmo é um bairro jovem, antes era tudo uma coi-sa só. Os terrenos foram ocupados e construídos daquele jeito, no improviso. Aqui é muito conhecido pela violência, assassinatos. Mas muita coisa mudou e pra melhor! Tem mais gente trabalhadora, dig-na, solidária do que bandido. Gente ‘desviada’ tem da favela até o senado, não é mesmo. O importante é manter a cabeça em paz.” (Márcio)

“Aqui você encontra pessoas alegres, com bondade no coração, a bagunça do churrasquinho no quintal, criança brincando na rua.” (João)

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“Nós usávamos terno e gravata e quando andávamos de maria-fuma-ça, soltava fagulhas e sujava nossa roupa. À noite, na Rua Voluntários ou na Avenida Tucuruvi, os jovens ficavam na paquera, os rapazes parados e as moças andando como se fosse um desfile. Era divertido, eram os namorinhos... Onde hoje é antiga casa de detenção, tinha uma lagoa enorme e campo de futebol. Aos domingos os amigos se encontravam lá e era o jogo, piquenique, natação. E era um lago grande, que foi aterrado. E o Rio Tietê tinha as regatas, a competição de natação. A cidade se transformou demais e as pessoas se transformaram também.” (Roberto, 70 anos)

“Eu pegava o bonde para ir ao centro de São Paulo. As mulheres usa-vam vestido e chapéu, e os homens todos alinhados. Eu conheci meu grande amor no bonde, mas minha família não autorizou o namoro. Nós nos encontrávamos escondidos, mas um dia meu pai descobriu, e o hu-milhou. Nunca mais o vi, gostaria de saber como ele está...” (Beatriz)

Na Casa de Santana

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Na Casa de Madalena“Posso dizer que este é um bairro que transborda de vida cultural, tem muitas ações artísticas, artistas que moram na região. O Centro Cultu-ral Rio Verde é muito gostoso, costumo ir às rodas de samba e no que acontece por lá.” (Felipe)

“A Vila Madalena é um bairro muito antigo, eu moro aqui desde quan-do eu nasci em 1962. Tem muitas histórias e é um bairro que deve ser preservado. Eu já participei por muito tempo da Pérola Negra e ajuda muita a comunidade, por exemplo, com trabalhos de reciclagem. Mas o bairro sofreu muitas transformações com o progresso, houve desapro-priações.” (Nelson)

“Eu comparo a Vila Madalena com a Vila Maria. Essa ideia de manter a comunidade, de conversar, ocupar a praça... Acho que é esse ar de interior, é muito gostoso passear num lugar assim de sábado. Analisan-do, muito rápido, estes bairros têm pessoas com idade mais avançada e que ajudam a preservar a memória do bairro, a fortalecer a ideia de comunidade, um processo que não aconteceu em outros bairros. São Paulo tem as suas ‘cidadezinhas’.” (Michele)

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Na Casa de Canindé“Nós estudamos na escola pública aqui perto do Estado. Nós gosta-mos do lugar, é legal viver aqui! E tem a biblioteca, nós frequentamos para fazer os trabalhos das escolas e porque tem livros variados como poesias, ficção, narrativas.” (estudantes da Escola Estadual Frei Paulo Luig)

“Estudo aqui e moro aqui, eu nasci na Bolívia e vim quando pequeno com minha família. Gosto de viver aqui. Eu quero estudar e ser médi-co.” (André)

“Eu moro há 35 anos no bairro e sempre trabalhei aqui, agora traba-lho como acompanhante de idoso. Meu objetivo é estimular as se-nhoras e senhores a saírem de casa, terem atividades e não apenas ir ao médico, falar de doença. Criamos vínculos afetivos! Eu me sinto realizada.” (Maria Antônia) Na Casa de Mariana

“O bairro possui muitos centros de estudo, pesquisa, espaços de cul-tura e esporte. E ainda uni o tradicional com o moderno. Temos as casas, as vilas e também as construções mais luxuosas, o processo de verticalização.” (Noemi)

“Aqui é um bairro que não tem muito a questão de vizinhança, pro-ximidade. Cada um cuida de sua casa e tarefas, mas respeitando o espaço comum.” (Mateus)

“O que ajudou no processo de povoamento do bairro foi a instala-ção do Matadouro Municipal, hoje transformado na Cinemateca.” (Tânia)

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Na Casa de Miguel“Eu e meu amigos olhamos para o céu... a gente costuma passar as tardes olhando para o céu, pois o céu costuma dizer muitas coisas.” (Ademir)

“Cheguei aqui na época do Mazzaropi. A cidade era beleza pura, não tinha violência. Não tinha mercado, era parque-circo.” (Er-nestino)

“Meu avô sempre dizia que em São Miguel Paulista as estrelas caem do céu. Tem gente que acha que é E.T, mas não é não, é estrela. E isso só acontece aqui em São Miguel Paulista.” (Nair)Na Casa de Cecília

“Eu não tenho casa, moro num albergue. Fui pegar comida e to indo pegar uma roupa num lugar aqui perto também. Não moro aqui, não tenho histórias. Mas vou te contar uma coisa que me aconteceu: um dia saí pra pegar comida onde eu sempre pego e encontrei um sofá e você aí sentada.” (Ricardo)

“Eu estou vindo de um velório na Santa Casa... Acho muito impor-tante as ações da Igrja de Santa Cecília por aqui. Mas você precisa conversar com a Dona Bertha. É uma alemã de 80 anos que mora aqui há muito tempo. Ela sim tem muitas histórias pra contar.” (Inês)

“Moro aqui há 28 anos. Em vez de te contar qualquer coisa sobre mim ou sobre o bairro, vou te dar este poema, que eu mesmo escre-vi.” (Círio)

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Quando a rua é habitada

Fotos de Eduardo Bernardino

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TEATRO E RESISTÊNCIA (OU RUA, ESPAÇO DE TROCAS)1

Profª Drª Carminda Mendes André²

1 ANDRÉ, Carminda Mendes . Arte e Resistência. 2011. (Apresentação de Trabalho/Comunicação) em XXVI Simpósio Nacional da ANPUH.2 Professora do Departamento de Artes Cênicas do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP.

O artista de rua tende a com-preender aquilo que acon-tece na rua como alegoria de um discurso de poder e, muitas vezes, acaba por es-cancarar as arbitrariedades, entre significante e significa-do, do discurso que está na rua (leis de usos dos espaços públicos, machismo, homofo-bia, modelos de urbanização e outros racismos). Desafia as definições fixadas pelo sen-so comum. Por exemplo, ao aproximar-se de mendigos ou prostitutas, ao fazer aparecer sua humana condição, fura a cerca imaginária, criada pelo biopoder, em volta dessas pessoas. A presença da arte na rua revela o potencial dis-curso que pode transformar a rua em campo de concen-tração. A arte, porém, por seu apelo estético, ao humanizar essas presenças humanas si-lenciadas, desordena o lugar

publico, embaralha o ritmo dos transeuntes, questiona as identidades. Quando algo acontece, inverte-se o discur-so.

Se a rua permanece como um campo de guerra, é transfor-mada em gênero masculino patriarcal e o que temos é a violência, a segregação, as fronteiras. Porém, quando a rua é tornada um espaço de intimidade, transformada em gênero feminino, a violência é desmontada; busca-se a aproximação com a vida nua, apagam-se fronteiras. Ao se negar habitar um lugar fecha-do (galerias, teatros, casas de show, espaços alternativos fe-chados), a artista da rua torna-se uma despossuída e, com isso, afirma um modo de vida nômade. A nômade passa a não mais reconhecer, como valor ético, noções tais como:

Quando decidimos trabalhar na rua, interferindo no cotidiano foi preciso criar estratégias para ocupar estes lugares. Afinal na cida-de de São Paulo há um decreto1 que regulamenta o uso do espaço público para fins artísticos e culturais. Estar na rua e fazer dela um local coletivo, de arte, de partilha perpassa estabelecer meios de existir no espaço “público”.

Pâmella Cruz

1 DECRETO Nº 52.504, DE 19 DE JULHO DE 2011 Disciplina a utilização de vias e logradouros públicos da Cidade de São Paulo para a apresentação de artistas de rua.

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Se a rua permanece como um campo de guerra, é transfor-mada em gênero masculino patriarcal e o que temos é a violência, a segregação, as fronteiras. Porém,quando a rua é tornada um espaço de intimidade, transformada em gênero feminino, a violência é desmontada; busca-se a apro-ximação com a vida nua, apa-gam-se fronteiras.

nacionalidade, origem étnica, sexo, periculosidade, proprieda-de

privada, paternidade. A mulher nômade – símbolo raro na Histo-ria das culturas – é aquela que se lança a experiências afetivas fora das identidades sexistas, fora dos lugares instituídos para as artes, fora da subjetividade

feminina ligada à maternida-de dentro de casamentos con-tratuais, enfim, fora do modelo burguês de vida feminina. O sím-bolo de maior senso comum da mulher nômade é o da cigana. Tais mulheres são maltratadas pelo discurso moral do ocidente europeu cristão. Tanto lá, como cá, as ciganas, nômades, são colocadas entre a escória da humanidade.

A força da arte na rua termina quando a arte é incorporada aos códigos de segurança do sistema, quando vira marca co-mercial, quando é usada como marcheting para vender sabo-nete.

Ao entender que as mulheres tem um modo diferente de fa-zer ciência, modos esses em que

a sensibilidade não é ignorada na construção do conhecimen-to, sou tentada a pensar que minhas escolhas e, portanto, o discurso feminino que depreen-do delas, pode se referir, parte à produção da arte contempo-rânea, mas também, pode ser uma narrativa pessoal. Trago aqui um discurso pacifista. Não sei o quanto esse posiciona-mento é o discurso que defendo para a arte na atualidade, e o quanto tal posicionamento está nas ações poéticas que aqui trago. Escolhi, para mostrar aqui, intervenções urbanas que me levam a pensá-las como práti-cas para o cuidado de si e dos outros. Cuidados com o corpo, com as relações afetivas, com as memórias, com o espaço pú-blico. É isso o que essas mulheres

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me fizerem experimentar dian-te de seus “objetos artísticos”.

Por fim, trago aqui mais uma intervenção urbana elabora-da e realizada por mulheres do Coletivo PI. Trata-se da inter-venção intitulada Narrativas de São Paulo: cidade, memó-ria e poesia (Artistas: Pamella Cruz, Priscila Toscano, Natalia Vianna). Do material disponi-bilizado pelo coletivo, temos

a descrição da ação: A ideia é colocar no espaço público (cal-çada, praça, ponto de ônibus e outros) uma sala de estar, ou seja, o espaço privado da intimi-dade. As pessoas que circulam por estes espaços públicos verão uma mulher em trajes confortá-veis sentada em seu sofá, lendo

um livro e tomando seu café. Ao lado do sofá há uma cadeira va-zia. Queremos com a contraposi-ção da cena e o espaço público provocar um olhar curioso que estimule a aproximação entre as pessoas da rua e a performer. O convite para uma conversa será feito pela performer aos curiosos

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que se aproximarem. e. Durante o diálogo ela fala sobre sua lei-tura, lê trechos do livro e pede auxilio na escrita de seu livro que tem as páginas em branco, apenas com um título. A pro-posta é que as pessoas façam pequenos relatos sobre o coti-diano do bairro revelando fatos, memórias e desejos desse local. Nessa intervenção não há um roteiro de perguntas para ser se-guido pela performer e também não trabalhamos com a ideia de representar uma persona-gem. Queremos que as pessoas se aproximem e que a relação que se estabeleça entre artista e participante da ação seja fei-ta e desfeita no próprio momen-to do acontecimento.

Aqui, explicitamente, as artistas instalam um espaço privado – a sala – em um espaço público para trocar memórias que são registradas para a escritura de li-vros de cada bairro. Dois fatores chamam a minha atenção nes-sa ação: o modo como apro-ximam do morador do bairro e ideia de historia como memórias de cidadãos comuns. A aproxi-mação não é espetaculosa, a performer não chama a aten-ção do transeunte. É justamente seu silêncio que aproxima. Por outro lado, ao invés de pergun-tar sobre grandes acontecimen-tos ali ocorridos, instiga o mora-dor do bairro a aproximar-se de suas memórias pessoais sobre aquele lugar.

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Quem é o Coletivo Pi

Pâmella Cruz é atriz, performer, arte educadora, fundadora do Coletivo Pi com Priscilla Toscano. Graduada em Licenciatura em

Arte-Teatro pela UNESP em 2008, fez diversos cursos na área cênica com nomes como João Miguel, Juliana Jardim, Teatro da Vertigem e Dr. Marcos Bulhões em Práticas Performativas. Atualmente é pro-fessora de arte e teatro da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e integrante do Coletivo Pi.

Natalia Vianna é atriz, performer, arte educadora e integrante do Coletivo Pi desde 2010. Graduada em Arte-Teatro pela UNESP,

também estudou na Universidade de Santiago de Compostela (USC – Espanha), no curso de História da Arte. Em 2010, participou do es-petáculo Cielo Arte, do grupo catalão La Fura dels Baus. Atualmente é professora de Arte na Prefeitura Municipal de Diadema, integrante do Desvio Coletivo, rede de criadores da cena performativa dirigido por Marcos Bulhões, e do Coletivo Pi.

Priscilla Toscano é atriz, performer, arte educadora e fundadora do Coletivo Pi com Pâmella Cruz. Licenciada em Arte-Teatro pela

UNESP, cursou parte da graduação na Universidade de Santiago de Compostela (USC – Espanha). Atualmente é professora de Arte da SME de São Paulo, professora de Teatro da Oficina Corpo e Arte, integrante do Desvio Coletivo, rede de criadores da cena performa-tiva dirigido por Marcos Bulhões, e do Coletivo Pi.

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AGRADECIMENTOS: Laurinda Tomaz dos Santos | Antônio Osvaldo da Cruz | Douglas Torelli Leite | Pancrom Gráfica e Editora Ltda.Agradecemos também a todos que passaram pelas casas de Paulo, com-partilhando memórias e histórias em cada bairro.

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Este projeto foi contemplado pela Fundação Nacional de Artes - FUNARTE no edital PRÊMIO FUNARTE ARTES NA RUA (CIRCO,

DANÇA E TEATRO)/ 2011.

Apoio: