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“A Caminho de Casa oferece uma visão rara e íntima sobre a iniciação e o processo para se tornar um monge por meio do fogo de bhakti-yoga no ex-traordinário cenário sagrado da Índia. Uma jornada inspiradora para todos.”

—Shiva Rea, autora de Yoga Wave

“Aqui está um capítulo inspirador da ‘nossa história’ de peregrinação espiritual ao oriente. O livro mostra a jornada interna para o despertar de

forma encantadora e fascinante.”—Ram Dass, autor de Be Here Now

“O relato de Radhanath convida a geração baby boomer a refletir como encontramos, perdemos, mantivemos, demos e recebemos (de volta) a fé –

como conseguimos considerar os anos 60 uma época de graças e maravilhas. Por esse convite, somos todos gratos a Swami Radhanath.”—Francis X. Clooney, S.J., Professor de Teologia Comparada,

Harvard Divinity School

“A memória espiritual de Radhanath Swami é um modelo de modéstia e sinceridade. Ele conta sua história com marcante honestidade – as tenta-ções dos anos 70, suas dúvidas, esperanças e decepções, o choque cultural e as amizades conquistadas e perdidas... acrescente um toque de perigo,

suspense e surpresas, e a história de Radhanath Swami é uma autobiografia genuína que se lê como um romance... outros leitores ficarão comovidos

com a saga espiritual de Radhanath Swami e encontrarão ecos de sua própria busca na jornada dele.”

—Brigitte Sion, New York University

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“Livros como A Caminho de Casa nos fornecem a oportunidade de estarmos presentes – ter satsanga – com buscadores espirituais, santos e seres sagrados por meio da leitura sobre suas vidas. Isso pode causar uma

transformação de todo o nosso ser, pois nos tornamos a companhia que nos acompanha.”—Sharon Gannon, autora de

Jivamukti Yoga e Yoga and Vegetarianism

“De Malibu a Mumbai, a busca de Radhanath por iluminação é uma jornada que você jamais vai esquecer.”

—Norman Jewison, diretora dos filmes Um Violonista no Telhado, No Calor da Noite, O Furacão

“Um livro sensível, compreensível, intuitivo e inspirador, investigando a alma e a espiritualidade de um indivíduo. Seu longo compromisso por

alcançar o que ele queria, como ele desenvolveu sua fé e dependência de Deus, sem perder a esperança, são descritos pelo autor com muito

afeto e honestidade pura.”—Yash Birla, industrialista

“Uma jornada ao oriente, de toda uma geração, realizada por alguém que en-controu a verdadeira meta de todas as buscas. A Caminho de Casa é um dos mais marcantes e íntimos retratos da vida e da aventura de um monge ameri-

cano, propiciando ao leitor a oportunidade de uma transformação similar.”—David Frawley, autor de Yoga: The Greater Tradition

e Yoga and Ayurveda

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“É um grande prazer saber que um santo como Radhanath Swami está agora compartilhando suas valiosas memórias com o mundo por meio

deste livro tão aguardado. Tendo o privilégio de conhecê-lo de perto, eu não tenho dúvidas de que as gerações futuras considerarão

tais memórias fascinantes e inspiradoras.”—Arvind N. Mafatlal, industrialista

“O que é mais marcante neste livro é a honestidade transparente… é de se maravilhar a destemida descrição que Radhanath Swami faz de suas falhas

e fraquezas, medos e ansiedades, enquanto ele vagava de lugar em lugar em busca do propósito último da vida. Em cada capítulo, há um vislumbre

das grandes almas que influenciaram sua forma de pensar... Uma leitura obrigatória para todo buscador espiritual.”

—N. Vaghul, Presidente do ICICI Bank

“A Caminho de Casa é uma história formidável, digna de ser lida. A jorna-da de Radhanath Swami do mundo externo para o interno é espetacular. Sua jornada para alcançar o reino espiritual da Índia é um episódio incrí-vel. Como um ardente buscador da verdade, sua determinação é evidente,

pois, ao final, ele fica realmente frente a frente com a alma. Eu respeito meu amigo Radhanath Swami por ter realizado uma peregrinação onde ele vivenciou unidade na diversidade – parte integrante da cultura indiana – e encontrou diversos líderes espirituais enquanto obtinha conhecimento de adhyatma-vidya (conhecimento da alma). A Caminho de Casa é a história

de um buscador que se tornou um visionário. Que muitos possam se inspirar para vivenciar o que ele vivenciou.”

— B. K. S. Iyengar, autor de Iyengar Yoga: Wisdom & Practice

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“Esta narrativa revelará o amor por Deus, que se encontra adormecido no coração de todos. É dada ao leitor uma chance de mudar sua vida

da mesma forma que o autor.”—Pejawar Swami, pontífice da Madhva Samsta

“A Caminho de Casa é um relato fascinante de tremenda determinação diante de obstáculos aparentemente insuperáveis. Radhanath Swami tem

um dom para observar os menores detalhes, e sua incrível memória é capaz de relembrar experiências ocorridas há quase quarenta anos.

Uma leitura indispensável.” —Hrishikesh Mafatlal, industrialista

“A Caminho de Casa é uma fascinante narrativa autobiográfica, permea-da com a devoção e determinação de Richard Slavin (também conhecido como Radhanath Swami) enquanto ele embarca em uma valente jornada

em busca das verdades últimas da vida. Ele dá afetuosos vislumbres do ca-leidoscópio da espiritualidade indiana. Um inestimável manual para todos

que estão em busca do caminho de casa.”—Padmashree Dr. Vijay Bhatkar, cientista indiano,

desenvolvedor do Param Supercomputer

“A história da vida de Radhanath Swami é um roteiro inspirador para uma pes-soa comum. Sua profunda visão, forte determinação, seu poder intelectual e sua personalidade extraordinária estão incrustados em cada página do livro.”

—Venugopal N. Dhoot, presidente do grupo empresarial Videacon

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“O que é particularmente marcante sobre A Caminho de Casa, de Radhanath Swami, é a impressionante minuciosidade de suas descrições sobre seu cotidiano no caminho espiritual... Tudo isso é exposto em uma

[linguagem] elegantemente clara, que evita completamente a ambiguidade.”—Charles S. J. White, Ph.D., professor emérito da

American University, Washington, D.C.

“A Caminho de Casa é o clássico de uma geração. Ele retrata a busca de um adolescente americano por sentido e realização na vida no turbulen-to mundo em que vivemos. Ele viaja pela Europa, pelo Oriente Médio e,

então, entra no mundo místico da Índia. É um conto de aventura, humor e amor. Recomendo A Caminho de Casa como leitura obrigatória

para todos os buscadores da verdade.”—Saurav Ganguly, antigo capitão

da seleção indiana de críquete

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A Caminho de CasaAutobiografia de um monge americano

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Título do Original: The Journey Home: Autobiography of an American Swami.

© 2010 Radhanath Swami. O texto desta obra não pode ser reproduzido todo ou em parte, por qualquer meio, sem prévia e formal autorização dos proprietários dos direitos autorais. Para mais informações sobre o autor ou o conteúdo da obra, visite: www.radhanathswami.com.

Publicado mediante acordo com Mandala Publishing, 800 A Street, San Rafael, California 94901, USA.

www.mandala.org

Publicado pela primeira vez em Português pela Coletivo Editorial em 2016. Rua Estados Unidos, 340, Bela Vista Pindamonhangaba - SP - Brasil (12) 3522-8148 Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total deste livro.

ISBN: 978-85-69942-12-2

Mandala Publishing gostaria de agradecer a Joshua Greene, Arjuna van der Kooij e Rasikananda Das por suas valiosas contribuições, bem como Peter Simon, Lissa Nicolaus e Shankar Maharaja de Rishikesh pelo uso de suas fotografias.

Fotografia de J. Krishnamurti cortesia da Krishnamurti Foundation Trust. Fotografia de Tat Wala Baba cortesia da Shankar Maharaja de Rishikesh, Himalaia.Pintura de Radha e Krishna com as gopis copyright © Indra Sharma. Pintura de Rupa Goswami e Sanatana Goswami, santos da tradição de bhakti cortesia de Puskara Dasa. Fotografia de A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada cortesia de Bhaktivedanta Book Trust, Inc. www.krishna.com. Usado sob permissão. Todas as outras imagens copyright © Mandala Publishing.

Edição e Revisão Final: Joyce Dias.Tradução: Bhagavan Dasa (Thiago Costa Braga), Lucas Silvera Porto.Revisão: Prana-vallabha Devi Dasi (Celeste Gomes dos Santos), Prema-vardhana Devi Dasi (Flávia Comenaci Acácio Reis).Preparação: Jeferson Rocha.Assistente Editorial: Camila Loricchio.Arte Final: Narada Muni Dasa (Mateus Dias).

COLETIVOEDITORiAL

Selo oficial do Coletivo Editorial

visite-nos na internet:

www.coletivoeditorial.com.br

Todos os direitos reservados. O texto desta tradução não pode ser reproduzido todo ou em parte, por qualquer meio, sem prévia e formal autorização dos proprietários dos direitos autorais.

Radhanath SwamiA caminho de casa: autobiografia de um swamiAmericano / Radhanath Swami; tradução de Lucas Silveira Porto e Thiago Costa Braga. Pindamonhagaba, SP:Coletivo Editorial, 2016. 400p.

Título original: The journey home: autobiography of an American Swami.ISBN: 978-85-69942-12-2

1.Religiões da Índia. 2. Hinduísmo. 3. Líder espiritual na Índia.4. Swami – Título honorífico Hindu.I.Slavin, Richard (Radhanath Swami).II. Porto, Lucas Silveira. III. Braga, Thiago Costa. IV.Título.

16/036 CDD294.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Hinduismo – Religiões da Índia 294.53. Lider espiritual– Hinduísmo - biografia 92:294.5 4. Swami – Título honorífico Hinduísmo 294.5

(ficha elaborada por LVM – bibliotecária – CRB: 8/583)

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Radhanath Swami

A Caminho de CasaAutobiografia de um monge americano

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A todos os meus guias de diferentes fés, que estenderam sua compaixão e sabedoria enquanto eu tropeçava durante a minha jornada de volta para casa.

À minha mãe e ao meu pai, que me acalentaram com proteção e devoção desprendidas. Eles jamais desistiram do seu filho imprevisível.

Ao meu guru, que transformou a minha vida com seu amor incondicional.

Às muitas almas sinceras, meus irmãos e irmãs, que também buscam o tesouro esquecido do coração.

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tvayi me nanya-visayamatir madhu-pate sakritratim udvahatad addhagangevaugham udanvati

“Meu doce Senhor, assim como o rio Ganges flui perenemente rumo ao oceano sem obstáculos, deixai que minha atração seja constantemente dirigida a Vós, sem divergir para nada mais.”

Srimad-Bhagavatam 1.8.42—Falado por rainha Kunti

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SUMÁRIO

Prólogo xiv

I Jornada ao Oriente 1

II Mãe Índia 87

III Peregrinação pelo Himalaia 169

IV Floresta de Graças 233

Posfácio 341

Notas do Autor 351

Agradecimentos 353

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PRÓL O G O

E nquanto eu saía das águas frias do rio Bagmati, vi duas pilhas de cinzas, uma de uma pira funerária e outra de uma fogueira sacrificial. Eu tinha apenas um pano amarrado na minha cintura,

e um vento frio me fazia tremer até os ossos. Uma saudade intensa tomou conta de mim. O que eu estava fazendo aqui – trêmulo, sozinho, praticamente passando fome e tão longe de casa? Teria sido toda a minha busca em vão? Contemplei as estrelas que brilhavam no meio dos galhos de uma antiga figueira-de-bengala. Pássaros da noite gorjeavam uma canção melancólica. Fogueiras sagradas queimavam ardentemente por toda a margem do rio, onde homens santos, com seus cabelos emaranhados como cordas penduradas até abaixo dos seus joelhos, jogavam oferendas de ervas fortes nas chamas. Dos restos das fogueiras, eles recolhiam punhados de cinzas e passavam em seus corpos. Para completar o ritual, eles marcharam até um templo sagrado que eu desejava visitar.

Era a primavera de 1971 em Pashupatinath, Nepal, onde uma abundância de peregrinos havia se reunido naquela noite. Recém-saído da adolescência, eu me sentia a meio planeta de distância da minha casa no subúrbio de Chicago, e ansiava ardentemente pelo consolo de um lugar sagrado, um local onde pudesse orar por uma direção. Uma hora antes, eu havia me aproximado de um templo antigo, com um portão altíssimo esculpido com leões, serpentes, deuses e deusas. Enquanto eu subia os degraus de pedra, cheio de expectativa, um porteiro golpeou o meu peito com um cassetete. Caí de joelhos e fiquei sem ar. Cercado pela polícia de ambos os lados, o porteiro bloqueou o meu caminho e gritou: “Você é estrangeiro! Fora daqui!” O chefe dele, usando um turbante e vestes militares, marchou com olhos irados e bateu com o seu bastão em uma placa em que se lia: Proibida a Entrada de Estrangeiros.

“Fora daqui!”, ele gritou. “Se você tentar entrar aqui novamente, você será espancado e jogado na prisão. E eu nem sei dizer o que a multidão revoltada irá fazer com você.” Ele mandou que seus empregados ficassem atentos. Eu andei de volta até a beira do rio, desanimado. Minha busca árdua por um sentido espiritual em minha vida me trouxera até ali. Eu não podia desistir.

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Agora, observando os homens santos, uma ideia surgiu em minha mente. Eu me ajoelhei diante de uma pira apagada, onde um fogo sacrificial havia queimado, e afundei as minhas mãos nas cinzas mornas, peneirando os pedaços de carvão incandescente. Tremendo, passei as cinzas pelo meu corpo magro, desde o meu cabelo emaranhado até os meus pés calejados e descalços. O pó das cinzas entrou queimando em minhas narinas, sufocando a minha garganta e ressecando a minha boca. Enrolei dois panos de algodão, manchados pelo rio, sobre o meu corpo, como se fossem trajes, e voltei caminhando lentamente até o portão, com o coração batendo forte em meu peito.

Os mesmos sentinelas vigiavam o portão, com cassetetes na mão, mas eles não me reconheceram e me deixaram passar. Quando entrei em um vasto pátio, ao redor do altar, eu pensei, se for pego aqui, eu talvez seja morto. Milhares de pessoas se agrupavam em uma fila desorganizada e esperavam para ver o altar. Só era permitida uma pessoa de cada vez. Pacientemente pegando meu lugar no final da fila, prossegui lentamente. De repente, o mesmo chefe de polícia que havia me parado anteriormente passou por mim. Ofeguei e virei o rosto, e a adrenalina tomou conta do meu corpo. Ele parou bem na minha frente, olhou para meu rosto coberto de cinzas e, então, fez uma pergunta no dialeto local, em hindi. Não entendi nenhuma palavra. Se eu falasse alguma palavra em inglês, eu sabia que esse seria meu fim. Não recebendo resposta, ele me encarou e disparou uma avalanche de perguntas, desta vez muito mais alto. Minha mente ficou atormentada com a imaginação de anos perdidos em uma imunda prisão nepalesa, ou coisa pior. Com uma expressão vazia, fiquei imóvel, sabendo que ele era treinado para detectar qualquer sinal suspeito. Será que ele havia me reconhecido? Eu não tinha certeza.

Outra ideia surgiu em minha mente. Colocando uma mão em frente à boca, balancei a outra mão de um lado ao outro. Aqueles que fazem voto de silêncio, mauni babas, frequentemente expressam assim seu voto.

O chefe me agarrou pelo braço e me arrastou. Para onde ele estava me levando? Será que eu seria preso? Ele gritava. Imediatamente, dois policiais vieram correndo. Cercado, fui empurrado pela fila de peregrinos até chegarmos ao lugar de máximo congestionamento. Levantando seus cassetetes, meus captores rugiam como trovões. Será que isso seria um linchamento público? Será que a multidão iria me despedaçar por contaminar seu santuário? Eles berravam cada vez mais alto enquanto as pessoas se dispersavam. Esperei, aterrorizado. Os homens me arrastaram pela multidão alvoroçada, até que fiquei parado diretamente em frente ao altar, um colorido pagode que emanava fumaça de incenso de sândalo. Em

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frente, havia um poderoso touro de pedra. No altar, havia uma figura de pedra de Shiva, adornada com vestes de seda bordadas e reluzindo com ouro e pedras preciosas. O chefe ergueu seu bastão e apertou meu braço. Será que ele iria me espancar bem diante da imagem sagrada?

Cercado por seus tenentes, cassetete em riste sobre sua cabeça, ele berrava comandos a um sacerdote, que correu de volta para dentro do altar. Aguardei, tremendo. Do santuário interno, apareceu o sacerdote vestido com mantos de seda vermelha. Um impressionante círculo vermelho marcava a sua testa, e ele vestia um colar de ouro e um cordão de sementes de rudraksas secas ao redor de seu pescoço. Em um timbre profundo e hipnótico, ele entoou o mantra “Om Namah Shivaya.”

Meu captor, com seu corpo robusto suando profusamente a despeito do vento gelado, gritou algo para o sacerdote que eu novamente não consegui entender. O sacerdote ouviu com atenção. Ele balançou a cabeça, fechou os olhos e parou. Momentos se passaram enquanto a massa de peregrinos vociferava impacientemente. Então, alinhando a postura, o sacerdote respirou profundamente e começou a recitar antigos textos sânscritos. Ele me surpreendeu ao envolver minha cabeça com um turbante de seda. Ele, então, cobriu meus ombros com um xale, colocou várias guirlandas de jasmim e dama-da-noite em meu pescoço, untou minha testa com pasta de sândalo e me ofereceu água aromatizada com açafrão para beber. Pasmo, percebi que o policial estava contendo a enorme multidão para me conceder uma oportunidade exclusiva de adorar o Senhor e ser honrado pelo templo. Curvando-se humildemente, o chefe de polícia, então, me implorou de mãos postas pelas minhas bênçãos e foi embora.

Será que ele não me reconheceu em meu disfarce? Ou estava ciente de quem eu era e simplesmente honrou a minha determinação? Jamais saberei. Qualquer que tenha sido a razão, eu me senti honrado e grato. Eu havia desafiado a lei humana e merecia ter sido surrado, mas Deus é misericordioso. Parado em frente ao altar, com meu corpo coberto de cinzas, minhas vestes desbotadas de asceta e cabelos entrelaçados, emaranhados e desajeitadamente cobertos com panos de seda e flores, fechei os meus olhos cheios de lágrimas, uni as mãos e orei para que o meu caminho fosse revelado enquanto eu seguia em minha jornada.

Voltei às margens do rio e me sentei na terra fria. Era uma noite sem lua. Estrelas brilhavam no céu escuro, uma brisa preenchia a floresta com o aroma dos jasmins desabrochando, e o pio de uma coruja quebrava o silêncio. Contemplando o rio, eu me perguntei para onde o rio do destino me levaria

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em seguida. Como eu havia aterrissado em uma vida tão estranha à minha criação, mas tão familiar à minha alma?

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Jornada ao OrienteI

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E u e meu melhor amigo danny descemos a escada rangente que levava ao porão frio e úmido de sua casa. De repente, uma intuição passou pela minha mente – eu não deveria estar aqui. Meu coração

batia forte. No meio do aposento, um halter segurando pesos de mais de cem quilos estava pendurado em ganchos de ferro. Meu colega de classe se gabou: “Meu pai levanta isso todo dia”. Eu tinha sete anos de idade. Era pequeno e franzino, com cabelos pretos e curtos, olhos castanhos e uma tez escura. Ao encostar naquele peso frio, eu me senti minúsculo.

Danny se virou para mim: “Richie, eu vou lhe mostrar um grande segredo”. Colocando o dedo indicador na frente dos seus lábios, ele sussurrou: “Promete que não vai contar a ninguém?”.

Ele subiu em uma estante, esticou o braço até uma viga alta e desceu com uma chave de bronze. Então, me levando até um armário de madeira mais alto do que nós, ele o destrancou e abriu as portas. Ele apontou para uma pilha de revistas.

“Vá em frente”, Danny sorriu. “Veja uma”.Eu olhei. A revista estava repleta de fotos de mulheres nuas em posições

sensuais. Meu corpo pequeno gelou. Eu nunca havia visto o que havia embaixo das roupas de uma garota. Parecia tão estranho e proibido...

“Legal, né?”, Danny perguntou.Eu balancei a cabeça, sem saber o que dizer. Fechando a revista

bruscamente, eu a enfiei de volta no armário.Espere até você ver o que tem na estante. Ele a abriu, expondo duas

pistolas e várias granadas. “Meu pai sempre mantém as armas carregadas, e as granadas são de verdade”. Ele me deu uma granada. “Aqui, segure”.

Segurando o metal frio e pesado, eu tremi. “Isso é muito legal”, murmurei. Tentando esconder meu medo, cuidadosamente devolvi a arma à estante.

“Richie, espere até ver isto”.Danny puxou duas portas do interior do armário, expondo uma espécie

de altar. Ali, uma fotografia emoldurada ostentava uma figura cujos olhos fitavam ominosamente os meus. Aterrorizado, fiquei frente a frente com Adolph Hitler. Duas braçadeiras adornadas com suásticas nazistas haviam

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sido cerimoniosamente dispostas em cada lado da foto, e, embaixo dessa, havia uma adaga com uma suástica brilhante gravada em seu cabo. Meu coração doía. Imagens horrendas trespassaram minha mente. Diversas vezes, ouvi meus antepassados falarem sobre o recente massacre de nossos parentes nas mãos dos nazistas. Desde 1941, nunca mais se ouviu falar sobre a família de meu avô, quando os nazistas ocuparam a Lituânia, nosso lar ancestral.

Danny sussurrou: “Isto é um segredo, mas meus pais odeiam você”. Uma onda de calor correu do meu estômago para a minha garganta. “Por quê? O que foi que eu fiz?”.

“Porque você é judeu. Eles dizem que vocês mataram Jesus”.“O quê!?”. Eu fiquei paralisado. O que eu ouvia não fazia o menor sentido.“Meu pai diz que até mesmo Deus odeia vocês”.Os passos pesados dos seus pais rangeram através do teto sobre nós. Eu

não sabia se deveria correr, me esconder ou chorar.“E você, Danny, você me odeia?”.“Não, você é o meu melhor amigo. Por você ser judeu, eu posso vir a odiá-

lo quando crescer. Mas espero que não”.Minha mente ficou vazia.Trancando o armário, Danny me conduziu escada acima até a mesa da

cozinha, onde sua mãe estava esperando com dois pratos de biscoitos de baunilha e dois copos de leite frio. Ela sorriu sem graça. Um rangido alto no chão anunciou a entrada do pai de Danny, um homem robusto com um queixo quadrado, cabelo bem curto e grisalho, olhos pequenos e penetrantes, e um sorriso amarelo que me dava calafrios. Eu me senti totalmente vulnerável em sua presença.

Será que os biscoitos estariam envenenados? Eu pensei. Mas o que eu poderia fazer? Eu fiquei com medo de recusar a comida.

“Coma, Richie. O que há de errado?”, sua mãe me desafiou.Lutei para esconder a minha aflição enquanto comia os biscoitos. A cada

mordida, orava a Deus pedindo para que Ele me protegesse.Pálido como um fantasma, caminhei até minha casa. Naquela idade, eu

tinha pouca capacidade de raciocinar. Estava magoado; profundamente magoado.

Minha mãe me recebeu com um sorriso doce. Ela estava na cozinha com um avental em volta da cintura, abrindo massa de farinha em nossa mesa de jantar redonda. “Estou fazendo strudel de maçã para você, Richie. Seu favorito”.

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“Mãe”, eu perguntei, “Deus me odeia?”.“Não, claro que não. Deus ama você”. Suas sobrancelhas tencionaram

enquanto ela punha o rolo na mesa. “Por que você me pergunta isso?”.Eu estava com medo de contar a ela. “Não sei. Acho que só estou curioso”.

Para evitar mais perguntas, subi correndo para o meu quarto.Eu acreditava em minha mãe. Acreditava que Deus me amava. Deitado em

minha cama, olhando para o teto, lutei para tentar compreender a contradição entre amor e ódio, ambos conectados ao mesmo Deus.

Na inocência da minha infância, eu secretamente orava em meus pensamentos ou em sussurros. Orava principalmente na cama, até cair no sono. Quando orava, eu sentia ter um refúgio, e que alguém estava me ouvindo. Eu acreditava que Deus me ouvia e estava comigo. Ainda assim, tinha muitas perguntas sobre esse ser divino. Quem é esse ser chamado Deus? Eu me perguntava constantemente.

Será que Ele é como uma enorme nuvem ou como uma sombra, praticamente invisível? Ou será que Ele é um amigo que ouve cada oração minha, tão real que eu posso quase tocá-lO com meus pensamentos?

Meus pais, Gerald e Idelle Slavin, não eram particularmente religiosos, no sentido formal. No entanto, eles expressavam sua fé em Deus

através de sua gratidão, generosidade, gentileza e dedicação à família. Eles haviam crescido durante a Grande Depressão, e desde a infância haviam trabalhado duro para sustentar suas famílias. Ao mesmo tempo que eles queriam o melhor para os seus filhos, eles também tomavam cuidado para não nos mimar, encorajando a gratidão por tudo o que tínhamos e ganhávamos. Em 1955, quando eu tinha quatro anos, nós nos mudamos de Chicago para a vila Sherwood Forest, em Highland Park, Illinois, para que eles pudessem me criar, juntamente com os meus dois irmãos, em um ambiente livre da poluição e dos perigos da cidade grande. Nosso bairro tranquilo ficava em um terreno plano com grama e árvores em abundância. Crianças brincavam em terrenos vazios, e as ruas silenciosas se alinhavam com casas que eram praticamente idênticas.

“Nosso pequeno Richie é meigo, mas tão estranho”, meus pais diziam com frequência. “Por que ele é assim?”. Eu tinha hábitos excêntricos. Ninguém fazia ideia de onde eles vinham.

Até os oito ou nove anos, eu me recusava a sentar em cadeiras enquanto comia, preferindo sentar no chão. Os meus pais, no entanto, me proibiram. Como concessão, me permitiam ficar de pé junto à mesa, mesmo em restaurantes. Era

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comum os garçons perguntarem se podiam me trazer uma cadeira. “Ele não acredita em cadeiras”, minha mãe respondia, encolhendo os ombros.

Enquanto meus pais tomavam muito cuidado com sua aparência, sempre bem vestidos e elegantes, minha mãe tinha que lavar minhas roupas novas várias vezes até que elas parecessem velhas para que eu aceitasse vesti-las. Quando compravam sapatos novos para mim, eu os esfregava com pedras até que parecessem gastos. Sempre que meus pais tinham um carro novo, eu me espremia no chão do banco traseiro até que o carro não fosse mais novo.

Ter coisas melhores do que as dos outros me constrangia. Eu idolatrava os pobres e oprimidos. Uma vez, meu pai levou a família para jantar no country club local. Criei uma confusão ao me levantar bruscamente da mesa e correr para fora do restaurante porque não podia suportar ser servido pelo ajudante de garçom que era um colega de classe. Quando meu avô Bill me viu sentado sozinho em nosso carro, expliquei meus sentimentos. “Tudo bem, Richie”, ele disse, “você fez a coisa certa. Estou orgulhoso de você”.

Meu avô paterno, William “Bill” Slavin, deixou uma marca profunda em minha vida. Sua natureza amorosa refletia a crença profundamente enraizada que ele tinha em sua religião. Eu ficava fascinado observando a maneira silenciosa e modesta com que ele tentava harmonizar suas tradições do velho mundo com a vida nos Estados Unidos. Diversas vezes, eu o flagrei orando sozinho e suavemente durante as refeições familiares, enquanto o resto de nós comia em volta dele.

Quando eu atingi a idade para entrar na escola hebraica, meu pai não tinha dinheiro para me matricular. Ainda assim, ele se esforçava para me dar o melhor que podia. Quando fiz treze anos, ele se aproximou do rabino Lipis para pedir por um simples Bar Mitzvah para me abençoar. O imponente rabino de cabelos grisalhos prontamente me deu as orações básicas, sem cobrar nada. Um dia, eu lhe perguntei: “Rabino, o senhor poderia me explicar o significado dessas orações?”.

Lágrimas escorreram dos seus suaves olhos castanhos, e ele me abraçou com um afeto que eu jamais esquecerei. Com seu sotaque iídiche do velho mundo, sua voz falhou de emoção. Ele me disse: “Pequeno Richie, estou satisfeito com sua sinceridade em querer compreender o significado desta cerimônia. Isso está se tornando raro”.

“Rabino, como devo orar?”.Um sorriso enorme se expandiu em seu rosto anguloso e ligeiramente

enrugado. Eu me senti abrigado pelo seu afeto. Algo, eu acreditava, que toda criança precisava.

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“No Talmude”, ele disse, “um livro sobre a lei judaica escrito por rabinos há milhares de anos, ensina-se que é melhor orar a Deus pedindo força para superar as tentações, dificuldades e dúvidas para que a Sua vontade seja cumprida, do que orar a Ele pedindo que cumpra a nossa vontade”.

Em meu décimo terceiro aniversário, meu irmão mais velho, Marty, me presenteou com o disco de estreia de Peter, Paul e Mary, o trio folk

de Greenwich Village. Suas músicas protestavam contra guerra, preconceito e injustiças sociais, mas eram as letras referentes a Deus que mais mexiam com a minha alma. Recostando-me para ouvir, eu fechava os olhos, atraído por cada palavra como um imã. A música de abertura do disco começava: “Pela alvorada, bem cedinho, eu pedia ajuda ao Senhor para encontrar meu caminho”. Eu ouvia repetidamente, alheio ao fato de que essa simples prece iria guiar os anos vindouros da minha vida.

Em minha busca por sentido na vida, músicos folk como Pete Seeger e Bob Dylan atiçavam a rebelião que explodia dentro de mim. Mas se a música folk me encantava com letras significativas, o blues arrebatava meu coração com uma emoção crua. O blues é todo sentimento e saudade, derramando a angústia de seu coração em cada nota tocada ou palavra cantada, encontrando alívio e alegria nessa expressão. Ouvindo um cantor de blues chorar por um amor perdido, eu chorava junto pelo meu amor perdido, apesar de ainda não saber quem era.

Enquanto eu era introspectivo, tímido e constantemente preocupado com os sentimentos alheios, meu irmão mais velho, Marty, tinha um sexto sentido para irritar as pessoas. Incivilizado como um animal, foi chamado de “Selvagem” por um tempo. Em 1965, quando eu tinha quatorze anos, entrei na Deerfield High School, na qual o Selvagem havia acabado de se formar. Vendo-me, alguns professores suspiravam: “Ah, não! Outro Selvagem!”. Desde meu primeiro dia na escola, fui apelidado de “Pequeno Selvagem”. O nome pegou, apesar de que eu só viria a compreender sua ironia muitos anos depois, quando eu de fato viria a morar na selva.

Como calouro, fui promovido ao time de luta romana principal. Não posso dizer que era muito habilidoso, mas, quando eu colocava minha mente em algo, era com absorção intensa. O técnico e os colegas de equipe tinham grande esperança de que, nos anos vindouros, eu pudesse ser campeão. A princípio, adorei o desafio. Se quisesse, eu conseguiria bolsas de estudo. Porém, algo estranho estava ocorrendo comigo. Eu havia começado a buscar por um propósito na vida além de riqueza, prestígio e modismo da sociedade.

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Como eu poderia ser feliz na terra idílica de Highland Park quando sabia que os afro-americanos estavam aprisionados como escravos nos guetos há poucos quilômetros dali? Como eu poderia ficar satisfeito com uma medalha de luta romana quando meus amigos mais velhos estavam sendo empurrados à força aos horrores da Guerra do Vietnã? Assombrado por essas questões, eu, junto de meus amigos, questionava a estrutura da vida que conhecíamos.

Em uma busca intensa por sentido na vida, eu ardia em grande paixão pelo movimento de direitos civis de Martin Luther King Jr., e me debruçava sobre as palavras de Malcolm X e livros sobre reforma social. Junto de meus melhores amigos, Bassoon e Gary, que eu conhecia desde os dez anos, consegui um emprego, no horário depois da escola, em um posto de lavagem de carros, e trabalhava lá o dia inteiro no verão. Era trabalho duro, mas eu adorava. Ali, nós trabalhávamos ao som de soul music junto de afro-americanos mais velhos dos guetos da zona sul de Chicago, um mundo longe da segurança do Highland Park. Na companhia desses homens, que eram massacrados por pobreza, discriminação racial e alcoolismo, ouvir o choro rude de um blues ou cantor soul tocava o meu coração. Eu estava com quinze anos e profundamente perturbado por perguntas não respondidas.

Então, quando um amigo próximo, de apenas dezesseis anos, morreu após seu carro deslizar no gelo do inverno e cair nas águas gélidas do lago Michigan, eu me peguei refletindo: “Quem sou eu e para onde estou indo?”. Parecia que o mundo inteiro deslizava no gelo da incerteza.

Em busca de um santuário, me mudei para o nosso porão e cobri as paredes com pôsteres psicodélicos que brilhavam à luz negra. Redes de pesca pendiam do teto. Fumaça de incenso de jasmim pairava como uma nuvem. Às vezes, eu ligava uma luz estroboscópica para aumentar o efeito onírico. Na privacidade do meu porão, ouvia a música revolucionária dos anos 60. “A Day in the Life”, dos Beatles, aumentava violentamente a minha ânsia por buscar uma vida significativa, além do superficial. Quando me deitava, com os olhos fechados e ouvindo George Harrison cantar “Within You, Without You”, eu implorava por paz interior junto às cordas de sua cítara. Repetidas vezes, eu ouvia a versão soul de “Old Man River”, do Ray Charles, enquanto me sentava imóvel e sofria com a condição dos oprimidos. Quando ouvia B.B. King, as notas pesarosas que irrompiam de sua guitarra perfuravam meu coração, e eu me perguntava por que músicas tristes me faziam me sentir tão bem. Uma vez, tarde da noite, no turbilhão de questionar tudo ao meu redor, ouvi Johnny Rivers dizer que eu deveria olhar para a minha alma para encontrar a resposta. Respirei fundo, olhei para cima e exclamei: “Sim, é isso!”.

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Incitados pela época, eu e meus amigos mais próximos nos jogamos no espírito da contracultura dos anos 60. Enquanto a minoria na escola era composta de conservadores, jóqueis e líderes de torcida, nós começamos a deixar o cabelo crescer, fazer experiências com maconha e LSD, e a nos rebelar totalmente contra os valores da geração de nossos pais.

Mas eu estava dilacerado. Detestava decepcionar alguém. Estava muito relutante em abandonar o time de luta romana, e não tinha coragem de decepcionar meu técnico e meus colegas de equipe. A escola esperava que eu ajudasse a conduzir o time aos campeonatos. O técnico uma vez declarou ao time: “Quando o Selvagem está determinado a vencer, ele é como um tigre faminto na arena. Ele é um campeão nato. Mas ele parece estar se distraindo”.

Confuso, orei por uma saída.Pouco depois, em um campeonato de prestígio, derrubei meu oponente

nos primeiros cinco segundos da luta. A plateia gritava e me aplaudia freneticamente, mas eu me ajoelhei paralisado. Meu ombro havia sido puxado de sua articulação e o osso havia rasgado os músculos do meu peito. A dor corria pelo meu corpo. Naquele momento, com o deslocamento do meu ombro, minha vida foi deslocada de uma paixão que já havia morrido. Tremendo em agonia enquanto centenas de pessoas no ginásio olhavam em choque, eu silenciosamente agradeci a Deus. Eu estava livre.

O que eu não tive coragem de abandonar por mim mesmo foi posto de lado, eu acreditava, pelo poder do destino.

Gary Liss, cuja amizade se tornaria um milagre em minha vida, era amigável, extrovertido e sempre ansioso pela próxima aventura. Gary

era um rebelde que realmente se encontrou quando achou a contracultura. Eu e ele havíamos viajado juntos para a Califórnia durante as férias de verão do meu primeiro ano na escola secundária. No Sunset Strip e no Haight-Ashbury, nós nos deleitávamos com a liberdade que havíamos encontrado. Nesses portos seguros para hippies, conhecemos muitas pessoas lindas, idealistas como nós. Quanto aos personagens mais ultrajantes que também encontramos – pessoas que pareciam dar valor a serem destrutivas, rudes ou simplesmente hedonistas –, nós simplesmente os evitávamos.

Em 1969, entrei para a Faculdade Miami Dade, na Flórida, junto de meus amigos próximos da escola secundária, Bassoon, Steve e Gary. Eu era jovem, selvagem e faminto por aventura, como tantos outros da minha geração, mas foi nessa época que eu notei, pela primeira vez, algo se sobrepondo a todo

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o resto – um desejo por espiritualidade que queimava em meu coração. Ele crescia a cada dia. Alguém me deu um livro intitulado As Grandes Religiões do Mundo. Devorei cada palavra, e queria devorar cada vez mais. Em ensinamentos de outros livros, descobri uma antiga técnica indiana que ensinava meditação silenciosa na sagrada sílaba Om. Nas minhas viagens internas, descobri uma realidade sutil muito rica, que me motivava a ir mais a fundo.

Certa manhã, vi um pôster no campus da minha faculdade anunciando uma palestra sobre meditação transcendental. Mike, um americano barbudo e de cabelos longos, falou sobre a ciência da consciência ensinada por Maharishi Mahesh Iogue. Eu fiquei enfeitiçado. Mike me convidou para ir para Hollywood, na Flórida, onde, sem compromisso, poderia receber um mantra de meditação pessoal. Chegando lá, pus uma flor, um lenço e trinta e cinco dólares em um altar, onde um mantra monossílabo foi sussurrado em meu ouvido. Meditação diária se tornou a parte mais importante da minha vida.

A semente da minha inclinação espiritual estava germinando velozmente. Contudo, junto dessa semente, cresceu uma erva daninha – minha aversão à intolerância e ao fanatismo. Naqueles tempos, por ter deixado o meu cabelo crescer como forma de protesto às normas estabelecidas, eu me tornei um alvo para aqueles que odiavam hippies, incluindo a polícia, que costumava me empurrar, revistar e perturbar regularmente. A verdade era que eu sentia uma espécie de satisfação triste quando as pessoas me odiavam pelo meu cabelo longo, por minha religião minoritária ou pelo que eu acreditava. Eu considerava uma honra ser perseguido por um ideal nobre em vez de “me vender” a opiniões ou a modismos populares. Ao mesmo tempo, também começava a entender que odiar aqueles que me odiavam era compartilhar a mesma doença. Eu ansiava romper com essas barreiras sectárias e descobrir a essência interior de todas as religiões, a singularidade de Deus.

Na faculdade, estudei matérias relacionadas com psicologia, filosofia, letras clássicas e história, mas minha meditação e minha música permaneciam prioridades. Próximo à faculdade, na cidade de Opa Locka, havia uma casa chamada “The Ash Tray”, onde vivia o dedicado músico James Harmon. Conhecido por nós como Jimmi, o Urso, ele era um homem robusto, barbudo e de cabelos longos, e o vocalista e gaitista da Burning Waters Blues Band.

O Urso me amava como um irmão mais novo. Um dia, com um sorriso orgulhoso, ele pôs uma de suas gaitas em minha mão. “Irmão, eu vou ensiná-lo a fazer música com essa harpa”.

“Mas eu não sei nada de música”, respondi timidamente.“Isso não importa, cara. Seu coração tem um sentimento profundo, e o

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blues é isso aí”. Daquele dia em diante, minha gaita se tornou minha parceira inseparável na vida.

Durante essa época, fiz amizade com alguns estudantes afro-americanos e, por meio de um deles, desenvolvi uma amizade especial com uma mulher mais velha que havia sido uma associada próxima do Dr. Martin Luther King Jr. Uma mulher gentil, mas de caráter forte, ela também havia dedicado sua vida a ser uma líder dos direitos civis. Como ela já estava beirando os cinquenta anos e eu tinha apenas dezoito, eu a chamava de “mãe” e ela me chamava de “filho”. Discutíamos sobre busca espiritual, sobre a visão do Dr. King e seu triste assassinato. Batista devotada, ela era gentil e graciosa, apesar de ser também destemidamente determinada. Certa ocasião, ela organizou uma passeata dos direitos civis em um bairro de Miami e me convidou para participar. Seu rosto se iluminou em surpresa quando eu de fato compareci – um menino branco em uma passeata negra no extremo sul. Orgulhosamente, ela me pegou pela mão para andar juntamente com ela na frente.

Os espectadores estavam horrorizados de me verem ali. Racistas brancos nos ameaçavam e nos ridicularizavam enquanto passávamos. Alguns jogavam pedras ou garrafas enquanto a polícia fazia vista grossa. A mãe sorria enquanto mais de 300 ativistas cantavam o hino de Sam Cooke: “Uma Mudança Virá” e “Superaremos”. A passeata culminou em uma reunião no parque. Ali, os ativistas se sentaram em cadeiras dobradiças. Permaneci sentado ao lado da minha amiga, até que ela subiu ao microfone, embaixo de um coqueiro. Denunciando as injustiças infligidas a seu povo, ela instigava a audiência a “uma rebelião destituída de violência”.

Sua voz trovejava com convicção. “A violência nos degradará aos caminhos vis de nossos algozes. Devemos ser destemidos, permanecermos juntos e reivindicarmos nossos direitos, não com armas e fogo, mas com integridade e fé no Deus Todo-poderoso. Devemos boicotar qualquer lugar em que sintamos o mau cheiro da intolerância. Diante de nossos opressores, jamais devemos nos afastar da verdade”. Lágrimas enchiam seus olhos, e sua voz se elevava enquanto ela ecoava as palavras de seu mentor. “Esta é a América, a terra dos livres. Jamais desistiremos até que as correntes da escravidão sejam para sempre rompidas e possamos gritar para os céus – enfim livres, enfim livres. O reverendo King teve um sonho. Ele morreu por seu sonho. Nós viveremos por esse sonho. Amém”.

Aplausos tomaram conta do parque. Sentada em sua cadeira, ela sussurrou em meu ouvido.

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“Você gostou, filho?”.Eu balancei a cabeça com convicção. A seguir, subiu um orador que berrava por uma revolução. “Toda esperança por

uma solução não violenta terminou quando o reverendo King foi assassinado!”, ele dizia, com sua voz repleta de ira e indignação. “Irmãos e irmãs, despertem de seu sono. Devemos combater o fogo com fogo. A liberdade desta nação foi conquistada com guerra, e não com paz. Devemos jurar que exterminaremos nossos opressores brancos e incendiaremos suas cidades”. Metade da plateia aclamava em aprovação, enquanto outros suspiravam constrangidos. Encharcado de suor, o homem balançava seu punho em frenesi. “Eles conspiram para nos manter eternamente nos fundos de seus ônibus e aprisionados nos guetos”. O ódio inflamou seus olhos quando ele lançou o dedo em minha direção. “Vejam aqui, irmãos e irmãs, olhem para este pérfido homem branco. Hoje, em nossa passeata, ele desavergonhadamente anda na frente, deixando a nós, o povo negro, para trás”. Seus partidários gritaram furiosos.

O homem prosseguiu, identificando-me como o símbolo de tudo o que eles desprezavam. Ele trovejava, incitando vingança. Minha amiga saltou para me defender, mas seu protesto foi calado pela fúria do homem, tendo em vista que ele agora controlava o microfone e a maioria do público. Segurando minha mão afetuosamente, ela balançou a cabeça em desalento. “Filho, eu sinto muito. Fui eu quem o levou para a frente da passeata, e Deus sabe disso. Você confiou em mim e agora está em apuros”. Ela apertou minha mão e suspirou. “É melhor você ir agora. E que Deus esteja com você”.

Eu me esgueirei de árvore em árvore para longe do comício. Minha amiga olhou atentamente, pronta para levantar e me defender se necessário. Fiquei chocado pela forma como tanta gente, mesmo ansiando por igualdade e justiça, focava na diferença até o ponto da violência. Ainda assim, respirando profundamente em alívio enquanto deixava o parque, percebi que minha admiração pelo Dr. King e seus seguidores havia crescido com a experiência do dia. Senti que, fiéis a seu ideal, eles lutavam implacavelmente contra a opressão externa e interna. Andando sozinho sob o calor da Flórida, eu me lembrei de uma passagem que aclarava a experiência: Se uma pessoa não tem um ideal pelo qual esteja pronta para morrer, ela não tem nenhum motivo realmente significativo para viver. Então compreendi. Martin Luther King Jr. teve um sonho pelo qual viveu e morreu, e esse sonho mudou o mundo. Não estaria em todos nós esse poder, se seguíssemos nosso chamado?

Completei um ano em Miami Dade. Chegaram as férias de verão e eu estava sozinho na beira de uma estrada na Pensilvânia rural, com o

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dedão levantado para pedir carona e com os meus ondulados cabelos negros caindo pelas minhas costas. Era um dia úmido e eu estava a caminho de Nova Iorque para visitar um amigo. Com apenas dezenove anos, 1,70m de altura e pesando pouco mais de cinquenta quilos, eu me sentia frágil e vulnerável onde quer que pedisse carona. Três horas se passaram até que um enferrujado Plymouth de 59 freou bruscamente e parou. Corri até o carro e expressei minha gratidão. “Obrigado! Muito obrigado, senhor!”.

Uma única mão foi colocada para fora da janela com o gesto obsceno de erguer o dedo médio, e o suado motorista resmungou de dentro do carro: “Arrume um emprego, seu parasita imprestável”. Ele enfiou seu braço robusto para fora da janela, agarrou um punhado do meu cabelo comprido e puxou meu rosto para próximo do seu. O fedor de cerveja e tabaco me enojou. Cuspindo no chão, ele praguejou: “Seu vagabundo, se eu estivesse com minha escopeta, eu o matava”. Ele pisou fundo, cantando os pneus.

Tossi a fumaça preta que inalei do seu escapamento. O ressentimento crescia em meu peito, mas lutei para refreá-lo. Eu buscava uma vida espiritual. Nas estradas, às vezes me sentia como um alvo exposto para qualquer pessoa sofrendo de ira ou negatividade, mas esperava que todas essas dificuldades pudessem me ajudar a crescer. Eu sabia que precisava aprender o valor da paciência, perseverança e oração para superar os obstáculos.

No verão de 1970, ter cabelo grande não era apenas uma moda, era uma declaração de insatisfação – um desafio agressivo aos valores vigentes, dirigidos por dinheiro, poder e preconceito. Era um sinal daquilo em que eu acreditava. Eu e meus amigos estávamos vivendo nossas crenças. Protestando contra a guerra, fomos atacados com gás lacrimogêneo, no ano anterior, na Convenção Democrática Nacional, em Chicago, e a polícia conservadora frequentemente nos perturbava em nossa cidade universitária. Tudo isso simplesmente porque aspirávamos por uma vida significativa com ideais pelos quais poderíamos viver e morrer. Apesar de não carregar malícia contra ninguém em meu coração, minha aparência incitava reações de ódio.

Finalmente, depois de horas esperando por uma carona, um jovem amigável me apanhou e me levou para sua casa, próximo a Gettysburg. Eu me sentei ali sozinho em uma floresta às margens de um riacho. A canção murmurante da corrente apaziguava meu coração. As águas fluentes formavam espirais em torno das madeiras e pedras. O riacho parecia conhecer um segredo que poderia revelar os mistérios da vida. Se ao menos, assim como a correnteza, eu apenas seguir o meu chamado, eu pensava, a natureza talvez sussurre seus segredos e me guie até o meu destino.

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Dias depois, após ter chegado a Nova Iorque, meu amigo Hackett me levou ao festival de rock da Ilha de Randall. Uma legião de bandas, de Jimi Hendrix a Mountain, subiu ao palco e tocou com toda a paixão de seus corações. Eu me afastei para dar um tempo e fui abordado por um jovem americano de cabeça raspada. Ele usava vestes brancas e eu achei que ele fosse algum tipo estranho de monge. Sem explicar, ele me deu um panfleto e me pediu uma doação. Eu disse a ele que não tinha dinheiro, e, enquanto conversávamos, outro homem se aproximou, um traficante querendo me vender haxixe. Quando repeti que não podia pagar por nada, os dois entraram em uma discussão e se afastaram. O monge se esqueceu de levar seu panfleto e, sem olhar direito, simplesmente o coloquei em minha pequena bolsa.

No dia seguinte, na casa do Hackett, no Brooklyn, recebi uma ligação do Gary me pedindo para ir a Cherry Hill, Nova Jersey, para a casa de nosso amigo Frank. Quando cheguei lá, encontrei Gary e Frank ajoelhados sobre um mapa esticado no carpete da sala de estar. “Nós vamos para a Europa dentro de poucos dias”, Gary me disse. “Você tem que vir”.

Eu estava completamente sem dinheiro, e tinha planos de voltar a Chicago, pois tinha um trabalho para o verão. Frank, entretanto, me garantiu que ele tinha dinheiro suficiente para nós três. “Tudo bem”, eu disse, “eu vou”.

Só faltava explicar meus planos aos meus pais em Highland Park. Ninguém na minha família jamais havia se aventurado para fora dos Estados Unidos. Como meus pais protetores iriam reagir? Viajei de volta ao meu lar da infância para descobrir.

Sentado em nossa mesa de jantar redonda com tampo de vidro, encarei o jantar caseiro que minha mãe havia preparado. Ela cozinhava um banquete para nós todas as noites. Em um prato perfeitamente arrumado estavam uma suculenta lasanha, pão italiano crocante besuntado com molho de alho e manteiga, e corações de alcachofra amanteigados. O aroma de ervas salgadas e temperos pairava pela sala. “Eu decidi viajar para a Europa com o Gary”, anunciei. Rostos surpresos me encararam na mesa enquanto eu nervosamente despejava mais sal e pimenta sobre minha comida. “Será um aprendizado, vocês não acham?”. Nenhuma resposta. Olhei ao redor da cozinha para o papel de parede florido, e para o fogão e a geladeira, ambos rosas, a cor favorita de minha mãe. “Aprenderemos muitas lições. Não se preocupem. Em setembro, eu estarei de volta para as aulas. Estamos partindo em três dias”.

Silêncio. Minha mãe parecia ter recebido notícias da morte de uma pessoa querida. “Richie”, ela subitamente soluçou, “por que você precisa fazer isso?

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Como você vai comer? Onde você vai dormir?”. Ela ansiosamente balançava a cabeça e argumentava com uma voz gentil. “Você é apenas um menino. Quem irá protegê-lo?”.

Meu pai suspirou. “Meu filho, você está louco? O mundo é um lugar perigoso. Você é jovem e inexperiente. Tudo pode acontecer a você”. Respirando profundamente, ele acrescentou: “Eu o proibiria se achasse que você fosse me ouvir, mas você não vai”. Ele me olhou fixamente, apelando silenciosamente para que eu mudasse minha decisão, mas eu o ignorei. Com a voz embargada de emoção, ele me disse: “Sofrerei dia e noite até o dia em que você voltar”.

Meu irmão mais novo, Larry, exclamou: “Maneiro. Eu queria ir”. No entanto, vendo o tormento dos nossos pais, ele ficou sério. “Richie, por favor, escreva de vez em quando”.

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Esquerda superior: Os pais do autor, Idelle e Jerry Slavin.Direita superior: O pequeno Richie, posteriormente conhecido como Radhanath Swami, aos oito anos.Abaixo: Em 1970, aos dezenove anos, o autor parte em uma jornada de autodescoberta.

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Acima: Catacumbas em Roma, onde monges meditam.Abaixo: Uma banda de rua na Grécia, na qual o autor tocou gaita com seu grande amigo Gary (último à direita).Página ao lado: Um pôster misterioso e profético que o autor descobriu em Nova Délhi.

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Esquerda superior: O autor em 1970, quando viveu em reclusão no Himalaia.Direita superior: Pashupatinath – um santuário no Nepal.Abaixo: Uma pedra no rio Ganges que serviu como assento de meditação solitária para o autor por um mês.

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SANTOS E IOGUES QUE INSPIRARAM O AUTOR EM SUA JORNADAEsquerda superior: Swami Rama – fundador do Instituto Himalaio.Direita superior: Swami Satchidananda – fundador do Integral Yoga Institute.Esquerda inferior: J. Krishnamurti – renomado escritor e filósofo.Direita inferior: Swami Chidananda Saraswati – sucessor de Swami Sivananda, da Divine Life Mission.

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Esquerda superior: Maharishi Mahesh Yogi – fundador do Programa de Meditação Transcendental.Direita superior: Anandamayee Ma – renomada mestra indiana.Abaixo: Tat Walla Baba – um iogue residente de uma caverna himalaia.

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Esquerda superior: Madre Teresa de Calcutá e o autor.Direita superior: Swami Muktananda – fundador do Siddha Yoga Path.Esquerda inferior: S.N. Goenkaji – mestre da meditação budista Vipassana.Direita inferior: O Dalai Lama e o autor.

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Acima: Dev Prayag, onde o autor se encontrou com Kailash Baba, que lhe ensinou a viver como um eremita na selva.Abaixo: Uma das cavernas himalaias onde o autor residiu.

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