musicalização de professores - livro do professor

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  • 2Lus Incio Lula da SilvaPresidente da Repblica

    Tarso GenroMinistro da Educao

    Francisco das Chagas FernandesSecretrio da Educao Bsica do MEC

    Jeanete BeauchampDiretora do Departamento de Polticas de Educao

    Infantil e Ensino Fundamental da SEB

    Lydia BecharaCoordenadora Geral da Poltica de Formao da SEB

    Jos Carlos Ferraz HennemannReitor da UFRGS

    Pedro Cezar Dutra FonsecaVice-Reitor da UFRGS

    Helena de Souza NunesCoordenadora do CAEF da UFRGS

  • 3MUSICALIZAO DE PROFESSORESLivro do Professor

    Fundamentos do mtodo desenvolvido pelo Centro de Artes e Educao Fsica da UFRGS para a Rede de Formao Continuada de Professores

  • 4REDE DE FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORESCENTRO DE ARTES E EDUCAO FSICA DA UFRGS

    Comit Gestor MEC/UFRGS da Rede de Formao ContinuadaRepresentante da Secretaria de Educao Bsica do MEC: Slvia Marina Ribeiro Amaral da Silva

    Secretrio de Educao Distncia da UFRGS: Jlio Alberto Nitzke

    Coordenadora do Centro de Artes e Educao Fsica da UFRGS: Helena de Souza Nunes

    Equipe Tcnica de Acompanhamento no MECDiretora do Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental da SEB: Jeanete Beauchamp

    Coordenadora Geral da Poltica de Formao da SEB: Lydia Bechara

    Tcnicos: Auristela Sebastio Cunha; Cleide Martins Silva; Eduardo dAlbergaria Freitas; Jorge Manoel Ado;

    Neiceny de Jesus Sipaba Sales; Rbia Ktia de Freitas Pereira e Slvia Marina Ribeiro Amaral da Silva.

    Comisso de Acompanhamento na UFRGSDiretor do Instituto de Artes da UFRGS: Crio Simon

    Diretor da Escola Superior de Educao Fsica da UFRGS: Ricardo Petersen

    Diretora do Centro Interdisciplinar de Novas Tecnologias Educacionais da UFRGS: Liane Rockembach Tarouco

    Secretrio de Educao Distncia da UFRGS: Jlio Alberto Nitzke

    Coordenadora do Centro de Artes e Educao Fsica da UFRGS: Helena de Souza Nunes

    Equipe Diretiva do CAEF da UFRGSCoordenadora do Centro de Artes e Educao Fsica da UFRGS: Helena de Souza Nunes

    Coordenadores de Projetos por rea: Umbelina Barreto e Crio Simon (Artes Visuais); Ricardo Petersen e S-

    mara Berger (Educao Fsica); Annamaria Pffero Rangel (Pedagogia); Liane Rockembach Tarouco (Educao

    Distncia); Helena de Souza Nunes (Msica).

    Gerente de Finanas: Janice Lapa

    Auxiliares Administrativos: Dieque Letcia de Moura e Rogrio Luiz Angoneze Jr.

    Elaborao e Produo EditorialCapa, Ilustraes, Planejamento Grfico e Editorao Eletrnica: Equipe de Arte do CAEF (Coordenao: Um-

    belina Barreto; Equipe: Anelise Scherer de Souza Nunes; Ivan Vieira; Jean Corseuil; Huascar Ariel Telleria Brink;

    Flvio Morsch; Luis Gustavo Rigon; Paula Costalunga; Rosa Maria Bagatini e Sabrina Spritzer).

    Composio de Repertrio e Produo Musical: Equipe de Msica do CAEF (Coordenao: Helena de Souza

    Nunes; Equipe: Cssio Rafael Caponi; Cludia Schneider Marques; Clarissa de Godoy Menezes; Elisabeth Mar-

    ques Krieger; Fbio Sampaio Crespo Junior; Gustavo Pereira; Lelia Luana Lied Zapata; Mirka Campelo Da Pie-

    va; Rafael Oliveira; Rodrigo Schramm; Suelena de Arajo Borges; Telma Gomes; Victor Hugo Fontana Cornlio).

    Normalizao: Search Consultoria em Biblioteconomia LTDA, CRB 10 005/05

  • 5MUSICALIZAO DE PROFESSORESLivro do Professor

    Fundamentos do mtodo desenvolvido pelo Centro de Artes e Educao Fsica da UFGRS para a Rede de Formao Continuada de Professores

  • 6N972m Nunes, Helena de Souza Musicalizao de professores : fundamentos do mtodo empregado pelo CAEF da UFRGS junto Rede Nacional SEB/MEC para Capacitao Continuada de Professores : livro do professor / Helena de Souza Nunes. Porto Alegre : CAEF da UFRGS, 2005. 100 p. : il.

    -------Publicao do Centro de Artes e Educao Fsica da Universidade Federal do Rio Gran de do Sul pertencente Rede Nacional de Formao Continuada de Professores de Educao Bsica do Ministrio da Educao do Brasil.

    -------1. Artes. 2. Msica 3. Capacitao de professores. 4. Educao musical 5. MAaV - Mu sicalizao de Adultos atravs da Voz I. Centro de Artes e Educao Fsica da UFRGS II. Rede Nacio nal de Formao Continuada de Professores de Educao Bsica III. Ministrio da Educao IV. Ttulo

    CDU 371.14:78

  • 7SUMRIO

    1 INTRODUO ..................................................................................................... 11

    2 FUNDAMENTOS DO MTODO ..........................................................................132.1 Histrico ...........................................................................................................132.2 Pedaggico ......................................................................................................142.3 Conceitual ........................................................................................................152.3.1 Abordagem multimodal e a proposta musicopedaggica CDG .......................152.3.2 Musicalizao ..................................................................................................182.3.3 Adulto...............................................................................................................192.3.4 Voz...................................................................................................................19

    3 ABORDAGEM DOS PARMETROS MUSICAIS ................................................213.1 Contextualizao .............................................................................................213.2 Forma ................................................................................................................213.3 Carter ..............................................................................................................233.4 Texto .................................................................................................................243.5 Harmonia ..........................................................................................................263.6 Ritmo ................................................................................................................283.7 Melodia .............................................................................................................31

    4 PLANO DE CURSO .............................................................................................354.1 Quadro sinptico .............................................................................................354.2 Materiais ...........................................................................................................354.2.1 Livro do estudante ...........................................................................................364.2.2 Livro do professor ............................................................................................364.2.3 Repertrio de apoio .........................................................................................374.2.4 Software ..........................................................................................................384.3 Metodologia .....................................................................................................384.3.1 Organizao do material didtico ....................................................................394.3.2 Formato das aulas ...........................................................................................394.3.3 Princpios didticos..........................................................................................405 ADAPTAO DO MAaV PARA PROFESSORES ..............................................435.1 Repertrio especfico ......................................................................................435.2 Ficha de anlise e roteiro composicional CDG ............................................435.3 Partituras de apoio ..........................................................................................45

    6 CONCLUSO ......................................................................................................95

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .............................................................................97

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  • 9APRESENTAO

    Escola lugar para elaborao crtica e contnua dos diferentes saberes. Lugar para se acreditar em cada pessoa, para se harmonizar conhecimentos universais com cada cultura popular e para se investir em possibilidades, descortinando perspectivas. Esse processo exige professores competentes e capazes de articular teoria e prtica de forma prazerosa, asso-ciando informaes novas e hbitos do cotidiano, estimulando a curiosidade e a auto-estima. A formao docente no pas assunto complexo e abrangente. Em particular, as reas de Artes e Educao Fsica tm sido relegadas a planos secundrios nos currculos escolares, o que est diretamente relacionado ao descaso com a qualificao docente nessas reas. Mas o fato que as crianas demonstram muito entusiasmo e interesse por elas, se motivando e se alegrando com suas atividades e contedos. Justamente essas duas reas, portanto, podem e devem ser mais bem aproveitadas. Elas podem ampliar os recursos e os horizontes da escola, a partir da beleza que h em cada pessoa.

    Muitas das dificuldades da sala de aula tm sido provocadas pela escassez de recursos financeiros. Mas o processo de criao de material educativo e de capacitao de pessoal em Artes e Educao Fsica passa, mais do que isso, pelo rompimento com a mentalidade que con-cebe o talento como privilgio de poucos e que relega a escola mera tarefa de descobri-los. Tradicionalmente consideradas competitivas e excludentes, as atividades artsticas e esportivas tm causado muitos problemas, como prejuzos auto-estima, por exemplo. Atletas e artistas no so encontrados prontos; pelo menos, no essa a idia que se deve sustentar no ensino escolar. A escola bsica regular e especial deve ser democrtica, aberta a todos, receptiva e competente para ensinar, e no para se exibir com aquele que foi descoberto talentoso. En-sinar se expor, e isso exige maturidade e preparo. Ensinar implica contedos e mtodos, vincula-se ao expressar e ao perceber o mundo e a si mesmo, ensinar implica compromisso com o aprender. Assim, a contribuio do Centro de Artes e Educao Fsica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CAEF da UFRGS) quer ser formada de proposies efetivas para o problema da formao docente nas reas de Artes e Educao Fsica no Brasil.

    por isso que esta obra se dedica musicalizao de adultos. Pessoas que no puderam aprender a ler nem a escrever msica na infncia tm agora a oportunidade de se alfabetizar musicalmente, com base em um repertrio original, indito e adequado ao uso em sala de aula. O objetivo que os professores do Ensino Bsico tambm adquiram conhecimentos musi-cais de emprego imediato com seus alunos, enquanto aprendem contedos mais complexos da teoria e da percepo musical. Com algumas horas de dedicao por semana, apoiado por um livro do aluno, outras publicaes para repertrio de apoio e um software, bem como devidamente acompanhado por um tutor em aulas semipresenciais e distncia, qualquer professor interessado pelo assunto pode chegar ao nvel de conhecimentos de leitura e solfejo exigidos pelas provas especficas de Msica do pas. Para auxiliar os tutores, responsveis pela musicalizao desses professores, o CAEF da UFRGS disponibiliza este livro do professor e uma ao de consultoria permanente, que pode ser buscada no endereo . Esse mtodo pode desenvolver boa dose de autonomia nos processos de leitura de partituras simples, acompanhamento de repertrio e compreenso sobre forma e carter de canes. Tais conhecimentos possibilitam ao professor desenvolver aulas mais ricas, atravs do adequado aproveitamento da msica na escola.

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    1 INTRODUO

    A aquisio de conhecimento transita entre experincias concretas e abstraes mentais, numa sucesso de transformaes por adequaes progressivas, que funcionam como mol-dura para novas aquisies intelectuais e elaboraes criativas. As estruturas do pensamento no adulto, por j estarem estabelecidas, podem oferecer resistncia a tais transformaes. Isso, por sua vez, dificulta a aprendizagem e, em particular, a musicalizao. Apesar desses fatores de prejuzo, a educao musical pode e deve ser proporcionada em qualquer faixa etria. O resgate e a restaurao de um potencial musical no desenvolvido nos instantes iniciais da formao da inteligncia mais difcil; no entanto, quando o problema se limita escassez de informao e de estmulos ambientais para a continuidade de um processo j desencadeado, mesmo que pela educao informal, ainda possvel musicalizar um adulto. Nesse caso, fazem-se necessrios: a) sensibilidade e conhecimento na crtica da expectativa, pois na idade adulta a pessoa encontra os limites da performance musical antes do que acei-taria com tranqilidade e isso deve ser conduzido de forma a no gerar frustraes; b) esforo maior do que o despendido quando a aprendizagem se d em idade mais tenra; e acima de tudo c) utilizao de um procedimento adequado.

    A exemplo de qualquer procedimento adequado para a educao de adultos, tambm uma proposta de musicalizao no pode desconsiderar alternativas de reeducao e deve ter mtodos especficos, que atentem aos aspectos prprios do educando, como seu estado de prontido (importncia do funcionamento sensvel dos canais perceptivos e capacidade interna das estruturas do pensamento) e sua motivao (intrnseca e extrnseca). Tambm aspectos inerentes ao processo de ensino-aprendizagem, como a fidedignidade entre experincias mu-sicais vivenciadas e contedos musicais intelectualizados, devem ser lembrados. O mtodo Musicalizao de Adultos atravs da Voz (MAaV) prope vivncias musicais por intermdio da utilizao do canto. Embora pouco (e freqentemente mal utilizada), a voz um instrumento musical acessvel e flexvel por estar integrada no prprio ser humano. Os brasileiros de uma forma geral cantam e danam com prazer. Nesta proposta de musicalizao, a musicalidade integral da pessoa vai sendo desenvolvida concomitantemente a seu aprimoramento vocal e ao domnio de leitura e escrita musicais. O objetivo desta proposta metodolgica proporcionar a emergncia de estruturas cognitivas, afetivas e psicomotoras que suportam e promovem, atravs do aprimoramento vocal, o conhecimento decorrente da musicalidade, no trabalho com pessoas adultas no musicalizadas, mas com vontade de aprender.

    A infncia , efetivamente, o perodo adequado para proporcionar situaes que promovam a emergncia das estruturas cognitivas, afetivas e psicomotoras da aprendizagem musical. Caso o talento no seja estimulado nem as habilidades exercidas continuamente, ocorre um declnio paulatino desse potencial. No entanto, a realidade vivenciada nas escolas brasileiras no propor-ciona, em significativa maioria, contato com a expresso artstico-musical. O conjunto de valores estticos de seus egressos fica reduzido quilo que ouvem no rdio e noutros meios de comu-nicao de massa, todos pouco ou nada preocupados com a qualidade e muito comprometidos com o mercado de sucessos instantneos. Essa populao acaba por desenvolver parmetros distorcidos para sua sensibilidade musical e est merc de imposies determinantes em sua matriz cultural individual. Isso, associado carncia de recursos financeiros em uma populao predominantemente de baixo poder aquisitivo como a nossa, tambm tem sido fator de prejuzo ao desenvolvimento saudvel da musicalidade. A despeito de tantos entraves, acredita-se que os adultos brasileiros querem, merecem e so capazes de aprender a ler e escrever msica. No caso dos professores da Educao Bsica, precisam ser musicalizados em favor de seu prprio

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    Oficinas de Teoria e Percepo Musical (OTP). Nesta poca, ainda em fase experimental, foi registrado no Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq como um dos projetos integrantes da Proposta Musicopedaggica CDG. Em sua concepo original, o MAaV estava destinava musicalizao de coralistas; sua aplicao posterior evidenciou o interesse por parte de outros grupos, como msicos populares (regionalistas, eclesisticos, roqueiros e de outros estilos), candidatos prova especfica de msica dos concursos vestibulares e aposentados. Todas essas pessoas tm em comum o fato de gostarem de msica, e nunca terem tido a oportunidade de aprender formalmente sobre ela mais cedo. Vrias delas at mesmo atuando

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    crescimento e do de seus alunos. Os professores tm em suas mos a possibilidade de romper com a lamentvel situao do ensino musical escolar. Torn-los conscientes disso e confiantes em seu poder de atuao o que se pretende atravs desse mtodo proposto pelo CAEF da UFRGS, integrado Rede Nacional de Formao Continuada de Professores, da Secretaria de Educao Bsica do Ministrio da Educao (SEB/MEC).

    2 FUNDAMENTOS DO MTODO

    Um mtodo de musicalizao de adultos com a amplitude e complexidade deste neces-sita de maiores explicaes, pois trata-se de uma idia bastante nica. A democratizao da educao bsica de adultos um assunto muito recente, inclusive em termos internacionais. Lamentavelmente, os contedos considerados prioritrios se referem unicamente a outras reas do conhecimento, que no s Artes nem Educao Fsica. Alm disso, existem no senso comum idias errneas sobre o assunto, como a confuso entre musicalidade e talento. O que de fato ainda precisa ser desenvolvida uma mentalidade de respeito capacidade de aprendizagem do adulto em relao Msica, para que, na seqncia, sejam criados mtodos e materiais adequados. Prope-se este trabalho com a esperana de que no seja o nico. Alguns conceitos e definies, bem como idias que o fundamentam so aqui expostas, com o intuito de contribuir no desenvolvimento de discusses sobre o tema.

    2.1 HISTRICO

    O trabalho Musicalizao de Professores uma das contextualizaes que vm sendo feitas no mbito do grupo de pesquisa Proposta Musicopedaggica Cante e Dance com a Gente (CDG)1, para o mtodo MAaV Musicalizao de Adultos atravs da Voz (Whl-Coelho, 1991), criado entre 1987-1990 e publicada em 1991. Esse mtodo baseado numa abordagem multimodal de ensino-aprendizagem, sobre a qual se discorrer mais adiante neste livro. Em 1987, teve incio a primeira turma de Mestrado em Msica Educao Musical, do Programa de Ps-Graduao em Msica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde a convite de sua ento coordenadora, Dra. Cristina Maria Pavan Capparelli Gerling, lecionou Marion Verhaalen. Sister Marion, como mais conhecida, desenvolvera nos Estados Unidos, no incio dos anos de 1980, um mtodo para ensino de piano em grupo para crianas, denominado Keyboard Dimensions, com base no trabalho de Robert Pace2. A dissertao de mestrado que deu origem ao mtodo Musicalizao de Adultos atravs da Voz (MAaV) foi uma adaptao da linha metodolgica do Keyboard Dimensions para outro pblico (adulto) e a partir de outro instrumento (voz).

    Entre 1991 e 1994, no incio de sua fase experimental, o trabalho resultante dessa adapta-o foi ensinado sob superviso de sua autora no curso supletivo de Qualificao Profissional em Msica, do Instituto de Msica da Escola Superior de Teologia, em So Leopoldo, no Rio Grande do Sul (RS). Com seu afastamento do pas, para realizar curso de doutoramento na Alemanha, o projeto ficou parado at 1999. Ao retornar, o trabalho foi reiniciado; desta vez, no entanto, junto ao Programa de Extenso do Departamento de Msica da UFRGS, no curso 1 Projeto cadastrado junto ao Diretrio de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq).2 O trabalho de Robert Pace est baseado nas teorias de Abraham Maslow, John Gardner e Jerome Brunner. As premissas de Pace para o ensino de Msica so: trabalhar em grupo; ensinar conceitos musicais por padres; explorar a criatividade de todos os envolvidos no processo de aprendizagem; desenvolver o pensamento analtico; empregar multiplicidade de meios, modos e estilos.

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    decomposio de suas partes. A simultaneidade, que compreende os elementos de natureza e organizao da obra, apresenta-se na forma de seqncias mltiplas e concomitantes dos eventos musicais. A autora constatou que os adultos tm um bom desempenho na identifica-o de partes especficas que fluem simultaneamente, o que no acontece com as crianas pequenas. Observou, tambm, que a percepo simples e a memria de sons individuais no se evidenciam como condies suficientes para o processo de imaginao e conhecimento prvio de como soar a combinao simultnea.

    Os processos no-temporais envolvem as propriedades formais da pea como um todo e requerem maior abstrao do que para a contraposio direta de eventos concretos distintos. O fechamento um processo cognitivo genrico, segundo o qual peas, frases ou fragmentos se apresentam como completos em si mesmos, a despeito de tais leis de coeso e de coerncia serem particularidades culturais e estilsticas. A transformao, que compreende transformao relativa, ornamentao e transformao substancial, o processo que conduz criao de uma novidade a partir de elaboraes especficas, lgicas e formais sobre uma idia inicial, apresen-tando diferenas sem que se perca a identidade. Os adultos evidenciam alto grau de entendimento desse processo de transformao. A abstrao rtmica se refere habilidade de reconhecer partes j conhecidas, quando reapresentadas em contextos novos. Nesse processo, a autora verificou duas particularidades: uma de dimenso global e uma de dimenso formal. Os adultos evidenciam superioridade em relao s crianas na abstrao de carter formal e so capazes de perceber motivos num contexto real, ou seja, associado a vrios eventos individuais, e reconhec-los pos-teriormente e em outra situao. O ltimo processo no-temporal, nveis hierrquicos, refere-se ao entendimento da estrutura musical. A autora constatou que os adultos obtm melhores resultados na identificao de nveis hierrquicos em relao a crianas de qualquer idade sem, entretanto, ter estudado consistentemente se existe relao de causalidade com o desenvolvimento espontneo e com experincias normais. Observou, no entanto, que o entendimento da estrutura musical um processo que requer aprendizagem formal.

    2.3 CONCEITUAL Para que se desenvolva um dilogo em torno de um determinado tema necessrio

    que os interlocutores dominem um glossrio comum a todos. Conceitos, sempre de natureza interior, vivenciais e ricos, so transformados em definies, na maioria dos casos mais limi-tadas, porm mais precisas. A crena coletiva na preciso das definies possibilita trocas e conferncias de informaes, promovendo o avano do conhecimento. Algumas, como as que seguem, so importantes para este mtodo.

    2.3.1 Abordagem multimodal e a proposta musicopedaggica CDGUm programa que regule e organize procedimentos e recursos com um objetivo de alfabetizar

    musicalmente deve ser sustentado por princpios; no caso do mtodo MAaV, princpios multi-modais. Essa denominao indica a posio frente teorias de aprendizagem e procedimentos pedaggicos delas decorrentes. Cada teoria de aprendizagem tem uma leitura correspon-dente educao musical. King (1982) as identifica nos quatro grandes grupos e analisa que aspectos so aproveitados de cada uma delas, a saber: Teorias Behavioristas, adequadas a informaes que precisem de memorizao direta e de automatismo de respostas; Teorias Cognitivas e Gestalt, adequadas a informaes que precisem de compreenso e desenvolvi-mento de expectativas; Teorias Desenvolvimentistas, adequadas a informaes que precisem de criatividade e imaginao; e Teorias Humanistas, adequadas a informaes que precisem de sensibilidade e relacionamento interpessoal. Qualquer mtodo criado com fundamentao multimodal, portanto, no resulta da aplicao ortodoxa de nenhuma teoria, mas da utilizao das idias de cada uma delas, no contexto em que se tornem mais adequadas, a partir do princpio de se buscar coerncia na diversidade. O grande risco de um mtodo de abordagem

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    profissionalmente com msica, como o caso dos msicos populares, mas sem domnio de sua leitura nem escrita. A maioria delas, tambm, lamentando o tempo perdido e a falta de condies anteriores, bem como temendo no mais serem capazes de aprender. Esse temor no se tem confirmado pelos resultados obtidos junto s turmas da OTP. Naturalmente, uma enorme barreira para a musicalizao de um adulto o pouco tempo de que dispe para seus estudo. Assim sendo, afirma-se com toda segurana que a qualidade de seu aprendizado , em essncia, diretamente proporcional a essa disponibilidade para a prtica dos exerccios.

    Com a incluso deste trabalho como um dos projetos da Rede Nacional para Formao Continuada de Professores, amplia-se seu horizonte para o trabalho com professores da Edu-cao Bsica, mais um pblico especfico, porm, de caractersticas semelhantes aos demais.

    2.2 PEDAGGICOAs reas do conhecimento e os respectivos discursos e tendncias que deram origem re-

    flexo multimodal so largamente difundidas, desde a dcada de 1950, e a bibliografia vasta. Nesse sentido, faz-se necessrio identificar tais reas e tendncias, limitar o aprofundamento das discusses pertinentes e utilizar a argumentao de tantos autores quantos concorrem para o esclarecimento da abordagem em foco. O primeiro ponto, identificao das reas e tendncias relevantes para um mtodo de musicalizao de adultos, baseia-se no trabalho e em parte do artigo de Denis King, intitulado Teorias de Aprendizagem e Educao Musical, que afirma ser a abordagem multimodal uma abordagem da aprendizagem musical que retira de cada uma das teorias de aprendizagem aquilo que tm de importante e adequado para o processo de musicalizao. Alm do referido artigo, o MAaV est baseado em textos compilados por Marion Verhaalen e em obras de outros autores importantes ao tema, independentemente se publicaram suas idias com inteno de enriquecer uma proposta multimodal ou no.

    o caso de Serafine (1988), para quem o pensamento musical uma atividade humana aural-cognitiva, por meio da qual acontecimentos sonoros so deliberadamente ordenados sobre um decurso especfico e limitado de tempo. Depreende-se da a existncia dos seguintes aspectos fundamentais: organizao intencional de contexto temporal; processo cognitivo com dimenso de construo subjetiva; e atividade humana aural-cognitiva envolvendo sons na forma fsica ou em linguagem mental, dispostos como composio, execuo e apreciao. O pensamento musical uma atividade de pensar temporalmente com sons e silncios, sejam eles simultneos e/ou sucessivos, excluindo atividades no-auditivas, tais como: construes tonais, rtmicas e formais estruturadas em partitura; associaes verbais e visuais; dados histricos; decodificaes da notao e coordenao muscular. Para essa autora, tambm os parmetros tradicionais da msica tm posio e definio questionveis no processo de aquisio do conhecimento musical, porquanto possam ser teis e necessrios reflexo formal, mas no necessariamente descritivos da realidade musical. Serafine (1988) considera ser a msica uma aquisio universal; mas seu conhecimento efetivo passvel de proces-sos cognitivos genricos e estilsticos. Tais processos subdividem-se em duas categorias: processos temporais (sucesso e simultaneidade); e processos no-temporais (fechamento, transformao, abstrao e nveis hierrquicos).

    Os dois tipos de processos temporais descrevem as relaes dos eventos sob as possi-bilidades antesdurantedepois continuum temporal. A sucesso, que compreende eventos como construo idiomtica, cadeia motvica, padronizao e estilo lingstico, a dimenso pela qual se percebe a msica transcorrendo ao longo do tempo na forma de fragmentos ou unidades que se seguem, formando fragmentos ou unidades mais abrangentes, bem como formando o antes e o depois daquilo que transcorre agora. A autora conclui que os adultos so capazes de decompor e construir totalidades; ou seja, tanto captam o todo em seu conjunto, ao mesmo tempo, como o fazem como uma seqncia de unidades menores, que se repetem ou que se alternam. Por outro lado, as crianas possuem apenas um esquema de apreenso de totalidades pontuadas; isto , captam conjuntos no seu todo, mas sem a compreenso da

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    apresentados aos alunos precisam conter, enquanto microssistemas, as leis de formao do macrossistema em que estejam inseridos.

    Cada conhecimento tem sua prpria natureza e contm elementos interdependentes em semelhanas e diferenas permanentes, atravs de seus diversos estgios de maturao. Esse fator de continuidade deve ser observado para que haja educao com crescimento. Isso implica dizer que, desde o contato inicial com uma rea especfica do conhecimento, necessrio que o educando tenha a percepo fiel da natureza desse conhecimento, de forma a criar uma moldura adequada aquisio contnua de estgios de maturidade crescente. O conhecimento progressivo da linguagem musical deve ser dirigido no sentido da percepo-expresso, em sons e silncios, de concepes musicais. A msica, enquanto linguagem, em-prega signos, e o ser humano pensa musicalmente atravs deles. A fora inerente do discurso musical mais bem explorada e compreendida medida que sua linguagem aprendida. Os signos so referenciais, e atravs da diferenciao e da integrao desses possvel alcanar a estruturao do raciocnio musical. As mudanas provocadas por essa estruturao resul-tam em um aumento progressivo da complexidade dos conceitos adquiridos e na emergncia da estrutura que comporta tais conceitos. Mas os sinais da linguagem representam, no so msica. Servem para dar suporte aos processos de escrever e ler mesmo assim apenas parcialmente alguns de seus parmetros. O desafio no ensino da linguagem musical, ento, situa-se em ensin-la dentro da prpria natureza da msica, indicando justamente aquilo que no pode representar. Significantes e significados musicais precisam ser extrados de situa-es musicais, atravs de experincias que ressoem nas estruturas internas da musicalidade humana. Musicalidade condio inerente ao ser humano de captar e de responder dinmica de seu meio em sons e silncios sobre um transcorrer organizado de tempo. Ela universal e consiste de uma possibilidade de sintonia com o ambiente. E, acima de tudo, no deve ser confundida com talento musical.

    Mesmo sendo o estudo sobre as bases epistemolgicas das estruturas lgicas musicais ainda relativamente recente, com cerca de meio sculo, parece seguro afirmar que este co-nhecimento transita entre experincias concretas e abstraes mentais, continuamente, numa sucesso de transformaes de adequaes progressivas que funcionam como moldura para novas aquisies intelectuais. A realizao e a compreenso das possibilidades da msica passam pelo conhecimento de seus caminhos no pensamento humano, pelo acompanhamento consciente do processo contnuo de ensino-aprendizagem de sua linguagem e pela compre-enso de como ocorrem seus processos de expresso e percepo. necessrio desvendar o todo de tais estruturas e seus funcionamentos, pois a ao baseada apenas em resultados aparentes insuficiente, embora amplamente empregada, tanto como critrio de julgamento de artistas como para discriminar aprendizes. Principalmente nesse ltimo caso, pode originar graves danos, devido a possveis classificaes, no mais das vezes precoces, entre os que supostamente tm e os que no tm talento. Em uma abordagem com fundamentao orto-doxa, corre-se menor risco de erro ou, na pior das hipteses, manipula-se com erros relativa-mente conhecidos e previsveis. No caso de uma abordagem multimodal, o professor convive de muito perto com a questo fundamental de como ocorre a formalizao de estruturas, no caso, as do conhecimento musical. Uma interpretao lgica da msica no suficiente para sua construo e compreenso totais. Porm, interpretaes mais abrangentes, at holsti-cas, no so suficientemente coerentes. Diante disso, a alternativa proposta pela abordagem multimodal a multiplicidade dinmica e crtica de meios e idias. Conhecer significa construir sistemas de transformao que correspondam realidade e que passem a empreg-la aps transformada, sucessivamente. O conhecimento emerge de um sistema de transformao de

    3 Anotaes da autora deste livro, realizadas por ocasio de aulas e palestras de M. Verhaalen, junto ao PPG-MUS da UFRGS, entre 1988 e 1989.

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    multimodal o de acabar evidenciando um sincretismo incoerente e sem consistncia interna. Para Verhaalen3, o mtodo est no professor e o professor. Ao professor cabe (re)conhecer, refletir e fazer a escolha do encaminhamento adequado em cada situao surgida na sala de aula. Em uma abordagem multimodal no existem respostas prontas; existem sim referenciais seguros e situaes de desafio. As caractersticas pessoais do professor com competncia para desenvolver um mtodo de abordagem multimodal so: a) sentir o ensinar como misso; b) acreditar no investimento sobre seus alunos e alegrar-se com o sucesso de cada um deles; c) ter um conjunto bem especfico de caractersticas pessoais, como versatilidade, criatividade, empatia e objetividade; d) manter-se entusiasmado, otimista e estimulador, dispondo-se a ser um estudioso permanente; e) saber trabalhar com os estilos individuais dos alunos.

    No que se refere forma como v o aluno, a abordagem multimodal acredita que todos so potencialmente capazes de aprender e o fazem com maior probabilidade de xito se eles prprios e seu professor descobrem e tiram proveito dos estilos de aprendizagem individu-ais. Considera que o rendimento estudantil ou acadmico um reflexo da idia que o aluno tem de sua prpria capacidade de aprender, assim como est relacionado a sua auto-estima e, de modo mais amplo, ao seu auto-conceito. O xito ou fracasso afeta no s a aquisio especfica, como tambm o desejo de continuar aprendendo e o respeito prprio. Essa abor-dagem prope uma musicalizao que integra sentidos, memria, compreenso, emoo e criatividade, simultaneamente, todos elaborados dentro da prtica de repertrio e da tcnica. Os conceitos so adquiridos de forma dinmica e utilizando diversos procedimentos e modos de ensino-aprendizagem, que partem sempre da experincia para a aquisio dos smbolos de padres, atravs dos quais o aluno dever ser capaz no s de dar respostas prontas, como de alcanar reflexes progressivamente mais complexas e elaboraes criativas. Assim sendo: a) todas as metas finais devem ser abertamente declaradas; b) os critrios de xito devem ter transparncia e possibilitar algum retorno imediato; c) as experincias de aprendizagem devem ser marcantes e seqencialmente organizadas em graus de dificuldade crescente; d) os tempos e sentimentos individuais precisam ser percebidos e respeitados; e e) sob nenhuma circunstncia, se deve por em risco a motivao e a vontade de aprender.

    A aprendizagem pela abordagem multimodal ocorre, na prtica, pelo emprego da multipli-cidade de modos. O ensino no pode ser rgido, isto , integralmente previsvel nem preestabe-lecido, ou em fragmentos estticos. Todas as opes devem ser manipuladas simultaneamente, uma vez que, na realidade, os problemas nunca se apresentam sozinhos, mas numa pluralidade de implicaes. Considerando que, constantemente, as pessoas so desafiadas a encontrar a melhor opo, necessrio que os procedimentos de ensino-aprendizagem capacitem cada aluno a conviver com desafios de simultaneidades, onde consiga organizar seus pertences, suas idias e suas reaes. A estruturao do conhecimento acontece a partir de referenciais seguros, vivenciados em experincias concretas e pela assimilao na forma de padres. Tais padres so retirados de um contexto global, trabalhados isoladamente e reintegrados ao contexto original. Aps isso, os mesmos padres so remetidos a situaes novas, nas quais sero re-elaborados, repetindo o ciclo, porm, em contextos progressivamente mais exigentes e complexos. Os padres multimodais so unidades mentais cognitivas transferveis. Num pri-meiro momento, o processo de aquisio de um determinado conceito parece ser apenas um fenmeno de resultados imediatos e auto-suficientes; no entanto, com o avano da espiral do conhecimento, este mesmo padro, recombinado ou em partes, inserido em contextos mais abrangentes e/ou mais detalhados, possibilitando novas aquisies. A noo de acento ou de estruturao, tendo por matria-prima os padres, estabelece os limites instantneos e con-vencionais dos referenciais e premissas a partir dos quais se constri a lgica do conhecimento musical. O fundamental que desde o incio cada padro seja, em si mesmo, identificado como habilidade ou informao til. A esse respeito, apresenta-se como fundamental o posicionamento crtico docente, no sentido de evitar associaes falsas e generalizaes apressadas. Os padres

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    O tornar-se musical passa pelo processo de alfabetizao musical, mas acima de tudo um processo contnuo e necessrio mesmo nos nveis mais avanados do conhecimento musical. Com base nos conhecimentos adquiridos ao longo das unidades deste mtodo, provavelmente seja possvel promover uma boa dose de autonomia musical nos professores, tornando-os capazes de ler partituras no to simples, de descobrir e de adaptar canes para seus alunos, e de estimul-los a reconhecer a prpria capacidade de continuar aprendendo msica. Esse conjunto de habilidades e interesses denominado, para efeitos deste mtodo, musicalizao.

    2.3.3 AdultoEtimologicamente, o termo adulto deriva de adultum, particpio passado do verbo latino

    adolescere, que significa crescer. Juridicamente, denomina o sujeito que vive e atua na so-ciedade sem carecer de tutela. Psicologicamente, o termo empregado para aquele cujas caractersticas pessoais de domnio sobre si mesmo o tornam capaz de aceitar responsa-bilidades, agir sob o predomnio da razo e manter o equilbrio da personalidade. De tais definies, depreende-se que o adulto um ser j crescido que goza plenamente do auge de suas possibilidades individuais; portanto, com suas potencialidades j expressas, mas sem o processo degenerativo prprio do indivduo senil. A educao do adulto requer professores especializados e mtodos especficos, pois encontra um sujeito resistente a novas estruturas de pensamento e para quem predominam as motivaes extrnsecas. Essas duas caracters-ticas se apresentam na razo inversa a experincias vividas e conhecimentos adquiridos na rea especfica de ensino durante a infncia e adolescncia. Segundo Kidd (1973), de uma forma geral, o adulto aprende com mais facilidade se os contedos forem listados com clareza e se ele mesmo conseguir relacionar objetivos buscados com vantagens prprias e imediatas na vida real. Axford (1976) lista e comenta vrios tipos de educao de adultos, dentre os quais a presente proposta metodolgica deve ser entendida como Educao Corretiva ou Elementar, isto , prpria de pases pobres em que a ignorncia, o analfabetismo e a falta de oportunidades na idade mais propcia levam a populao a buscar aprender mais tarde na vida. Nesse tipo de processo educacional, os fatores mais importantes a considerar so: a) ansiedade pela velocidade de retorno dos lucros das informaes adquiridas; b) preferncia pela concluso expressa em detrimento do raciocnio que conduz a ela; c) comparaes ine-vitveis com conceitos preestabelecidos; d) bloqueios e dificuldades em razo direta falta de vivncias informais anteriores; e e) falta de clareza na distino entre um xito parcial e outro mais abrangente.

    2.3.4 Voz Originalmente, o MAaV empregava a voz como instrumento musical porque foi concebido

    como mtodo para musicalizao de coralistas; contudo, em seu aproveitamento por outros grupos, mostrou-se igualmente eficaz e adequado. Em primeiro lugar, porque todo msico precisa solfejar, e isso feito cantando. Depois, porque a voz humana rica em possibilidades musicais e, geralmente, explorar isso uma experincia agradvel. Como terceira justificativa, porque um instrumento musical acessvel e sem custos adicionais; portanto, adequado para promover a alfabetizao musical de forma ampla e democrtica. Finalmente, no caso de sua adaptao para professores, porque a voz um dos mais importantes recursos de trabalho desse grupo especifico, e seu uso constante, sem que para isso tenha recebido algum pre-paro, torna sua atividade muito exaustiva e at insalubre. A voz humana resultado de sons espontaneamente produzidos por partes especficas de nosso corpo devidamente treinadas para seu emprego a servio da comunicao. Ela provm do desejo de nos comunicarmos uns com os outros. Sua fonte, portanto, a vontade. Atravs de suas capacidades intelectuais e emocionais, a mente faz com que estruturas fisiolgicas com outras funes, todas vitais, sejam utilizadas para disciplinar seus sons e produzir a voz. E por essa razo que freqen-temente se ouvem expresses como fisiologia da voz e aparelho fonador. Mas no se possui

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    adequaes progressivas a partir da abstrao de um objeto, de uma informao ou de uma ao. Alm disso, conduz compreenso dos caminhos pelos quais um determinado dado se relaciona a outros.

    Fazem parte da percepo musical: a) o funcionamento sensvel dos canais perceptivos; b) a capacidade interna das estruturas do pensamento dentro do universo trabalhado pela msica; e c) a fidedignidade da codificao dos elementos musicais, cujo processo subseqente a expresso. Voltando ao tema, por sua importncia, reapresenta-se a prtica de interpretar a expresso como a evidncia da percepo; no entanto, possvel que a expresso seja apenas a evidncia de um mecanismo treinado e no de um processo de compreenso real. O sentir (perceber) e o fazer (expressar), dentro da aprendizagem musical, consistem em um problema formado por duas questes antagnicas: de um lado, a expectativa tradicional da produo de virtuoses defendendo a obstinao do fazer; de outro lado, o empirismo da pouco valorizada educao musical, que buscou autonomia, refugiando-se na obstinao do sentir. Tal dialtica tambm desenvolvida em uma abordagem multimodal: os alunos so estimulados a trazer a pblico desde os resultados reconhecidamente parciais at os temporariamente definitivos. Da a necessidade fundamental das situaes de grupo em que deve ser aplicado todo o mtodo de abordagem multimodal. A idia de definitivo versus temporrio parte da concepo din-mica e variada com que as situaes de ensino-aprendizagem se apresentam. Acima de tudo, faz-se necessria uma atitude tranqila e segura frente a situaes aparentemente caticas que precedem a etapa da respectiva e subseqente organizao. Ao professor cabe julgar, selecionar e dosar a intensidade do estmulo, adequando-o s situaes individuais, mediante o critrio do xito possvel. De uma forma geral, a organicidade e a lgica da exposio e do estmulo devem acompanhar a lgica intrnseca do conhecimento, enquanto a determinao do seu nvel de dificuldade depende diretamente da qualidade das respostas do aluno.

    2.3.2 MusicalizaoO termo musicalizar, a despeito de possuir largo emprego entre os educadores musicais

    e de aparecer integrando inclusive ttulos de vrios trabalhos publicados, um neologismo ainda no presente em dicionrios. A palavra musicalizar formada pelo radical musical com acrscimo do sufixo izar. Segundo o Novo Dicionrio Aurlio (1986), musical diz-se da pessoa que tem pendor (tendncia) para a msica e izar significa a ao factiva do substantivo que o precede. Assim sendo, musicalizar significa tornar musical. Apesar de o sentido denotativo ser bastante claro, o termo acabou sendo difundido com um sentido conotativo que no corresponde ao da anlise etimolgica. De domnio popular, seno fol-clrico, e certamente reducionista, prevalece o conceito de que Musicalizar ensinar os passos iniciais da linguagem musical. Provavelmente por analogia com a palavra alfabetizar, musicalizar passou a significar alfabetizar musicalmente. Mas... cabem algumas conside-raes. Ensinar a leitura e a escrita da msica para algum implica torn-lo um msico? E implica torn-lo musical? possvel tornar algum msico ou musical, sem que essa pessoa seja particularmente talentosa? E, mais do que isso, caso musicalidade seja entendida como talento especial e diferenciado, algo que se aprende?A opo de respostas feita pelo pro-fessor, diante dessas e de outras perguntas nunca suficientemente discutidas, vai determinar, de forma decisiva, sua ao pedaggica.

    Para a abordagem multimodal, sustentao terica deste mtodo, a musicalidade um poten-cial presente em todos os seres humanos. Se estimulada, cresce e se manifesta formalmente; se no educada, apresenta apenas manifestaes espontneas, naturalmente aqum do po-tencial intelectual e mais frgil enquanto expresso de conhecimento. Mas todos so musicais. No sentido conotativo do termo, todos tambm podem ampliar essa capacidade, sendo perma-nentemente musicalizados, isto , tornados musicais. Sem alongar-se nesses comentrios, a presente proposta emprega o termo musicalizar porque entende que todos sejam potencial-mente musicais e musicalizveis, sem impor limites quanto complexidade dos contedos.

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    mais autnomos e co-responsveis pelos rumos da histria. Adquirir e nutrir a noo de que o mundo amplo e complexo, cheio de possibilidades surpreendentes e diferentes daquelas j conhecidas, faz com que a pessoa se torne mais sensvel, mais curiosa, mais observadora, mais tolerante. Sendo menos preconceituosa e menos rgida, torna-se adaptvel e mais pr-ativa. Em suma, mais inteligente e, provavelmente, mais feliz.

    3.2 FORMAA forma de uma obra o resultado do tratamento dado a seus elementos construtivos pelos

    procedimentos compositivos empregados sobre um plano bsico. No caso das formas musicais, esses paradigmas so horizontais (melodia, ritmo, encadeamentos harmnicos, dinmica e aggica) e verticais (harmonia, simultaneidade de alturas, harmonia, textura, timbre). A forma determinada pela inteno expressiva adotada pelo artista na criao de sua obra desde a seleo do material sonoro at a funo que lhe atribui no todo da composio. Existem vrias maneiras de apresentao de uma idia; mas so precisamente as decises que levam o artista a apresent-la desta ou daquela maneira que resultam em sua forma. Essa, por sua vez, pode evidenciar tanto realizaes particulares como tipos ou padres, determinados e determinantes, sob cujo modelo podem surgir diversas outras realizaes. Assim sendo, em algum momento da histria, peas musicais talvez criadas espontaneamente foram fixadas em formas hoje conven-cionais, as quais acabaram por estabelecer molduras e referncias para o surgimento de outras peas. Assim surgiram e se fixaram as diversas formas musicais como rond, tema e variaes, sonata e as demais. Assim entendidas, elas refletem a nfase especfica na expresso exterior de um pensamento ou de uma deciso; expresso essa regulada por normas convencionais de validade universal em determinado contexto cultural, com vistas articulao lgica das partes entre si e dessas em relao totalidade da obra.

    No senso comum, forma o resultado da delimitao de uma ao completa em si mesma, implicando, assim, uma totalidade com comeo, meio e fim que guarda entre si relaes claras, determinadas e prprias. A idia de comeo, meio e fim fundamental em uma execuo mu-sical, principalmente se for lembrado que a msica acontece sobre um transcurso de tempo e, portanto, no tem retorno e nem possibilidade de correo sem que haja comprometimento da forma original. A noo de totalidade estabelecida por partes autnomas e, ao mesmo tempo, interdependentes precisa permear todos os instantes dessa execuo musical. A preocupao bsica da aprendizagem da forma na abordagem multimodal a aquisio, na prtica, da noo de organizao dinmica e irreversvel de uma matria organizada estaticamente na partitura. Ambas tm uma totalidade orgnica, e do estudo e anlise da segunda advm a fluidez com-preensvel da primeira, viabilizada pela recomendao de que, uma vez iniciado um exerccio,

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    um aparelho fonador. O corpo humano conta com estruturas que desempenham funes vitais, as quais so utilizadas para produzir sons comunicadores. Acabam, assim, inadequadamente sendo chamadas de componentes de um suposto Aparelho Fonador, quais sejam: a) vias respiratrias, pulmo e diafragma, que sustentam a respirao vocal; b) lngua, dentes, lbios e msculos faciais, que garantem a articulao; c) ossos e msculos, que mantm a postura; d) cavidades torxica, abdominal e da cabea, onde acontece a ressonncia. Entretanto, o mais importante, poucas vezes citado; isso , e) a vida interior, que se projeta por meio da expressividade. Esses so os cinco captulos do estudo da voz humana.

    Sendo a voz humana uma aquisio de cultura, passvel de aprendizado e tem suas possibilidades ampliadas pela educao e pela prtica. Com o tempo, mais do que um recurso para a comunicao, as possibilidades vocais passaram a representar um potencial para as expresses artsticas e religiosas das sociedades. As exigncias sobre nosso pensamento tornam-se a cada dia mais complexas, pois os conhecimentos ficam mais e mais sofisticados. de se perguntar: o que tem acontecido com a voz? Com o desenvolvimento das tecnologias, crescem os rudos presentes no meio ambiente e as pessoas precisam gritar cada vez mais para serem ouvidas. Como no conseguem vencer a poluio sonora, acabam procurando cada vez mais os barulhos que as atordoam. Pelo menos o que parece acontecer com a vida nas grandes cidades, cheias de trnsito e amplificadores de som ensurdecedores. Como conseqncia, as pessoas acabam mais caladas. Isso porque, a despeito de at gritarem mais, no so escutadas. E quando no se escutado, desaparece a necessidade e o desejo de ter clareza sobre o que se fala. Provavelmente, ao longo desse caminho, passemos a sentir e pensar menos, tambm. Logo, temos menos a comunicar e menos curiosidade pelo que os outros teriam a dizer, provocando um crculo vicioso que, possivelmente, a musicalizao possa reverter. Com uma musicalizao atravs da voz, pode-se aprender a ouvir mais; ouvindo mais, pode-se movimentar mais a vida interior e se ter mais impulsos para falar ou cantar com contedo, sentido e beleza; e, assim, fazer crescer o respeito pelas possibilidades de comunicao e pela inteligncia. Mais sobre esse tema pode ser encontrado em Epstein (1974), Gmez (1980) e Whl-Coelho (1991).

    3 ABORDAGEM DOS PARMETROS MUSICAIS

    O debate referente a quais sejam os parmetros da Msica no tem consenso na literatura especializada. Este mtodo toma seis por referncia, quais sejam, contextualizao, melodia, ritmo, harmonia, forma e carter. Internamente, cada um desses parmetros tem suas prprias discusses tericas, sendo algumas de enorme relevncia para questes didtico-pedaggicas.

    3.1 CONTEXTUALIZAO Incluir a contextualizao de uma pea entre seus parmetros musicais pode parecer, no

    mnimo, pouco convencional; entretanto, em particular num mtodo de alfabetizao, mesmo que musical, entende-se ser prprio e necessrio. Contextualizao implica tudo aquilo que cerca a obra, desde sua origem, como interpretaes, formatos de veiculao e fruio. Na medida do possvel, deve-se conhecer a procedncia da pea que se deseja interpretar, bus-cando dados como condies scio-histricas, local e data de composio e publicao, bem como finalidades para sua execuo e ocasies em que interpretada. Tambm nome, dados biogrficos e principais obras de seu compositor e de seus principais intrpretes so relevantes. Tais conhecimentos ampliam o universo pessoal do educando, remetendo-o a realidades fora daquela especfica de seu mundo particular. fortemente desejvel que os alunos saibam onde e como localizar tais msicos, artistas, editores, produtores culturais. Mesmo depois de muitos anos, essas pessoas tm herdeiros, detentores de direitos autorais sobre suas obras, instituies mantenedoras de seus pertences e organizadoras de sua memria. Ensinar aos alunos que todos tm endereo e tudo est em algum lugar sobre o planeta torna-os cidados

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    principalmente nos momentos iniciais do estudo da expresso, caso acontea de algum aluno exagerar em sua interpretao de uma obra, no deve ser ridicularizado. Preparando-se para tais situaes, o bom senso e a sensibilidade do professor devem ser cuidadosamente trabalhados. Uma atitude acertada a de solicitar ao aluno que procure imaginar e analisar o que e como os ouvintes sentem ao nos ouvirem por meio de uma reflexo acerca de sua prpria postura en-quanto platia. Muito embora a reao afetiva no seja o nico fator determinante do parmetro expresso, em muito contribui para a viabilizao da resposta esttica e, por isso, no pode ser traumatizada em momento algum do processo de ensino-aprendizagem. A emoo esttica, fim ltimo de toda a arte, produzida pelo conhecimento da linguagem musical e pela percepo das estruturas sonoras associadas s preferncias e caractersticas individuais e culturais. O estudo da expresso vincula-se, em especial durante os primeiros passos da educao musical, principalmente s referidas preferncias e caractersticas individuais essenciais para passar do estgio da emoo sensorial ao da sensibilidade esttica. No momento da performance, tais consideraes so definitivas na construo da forma de uma pea musical.

    3.3 CARTERO carter de uma pea musical inclui definies de gnero e de estilo. A pergunta pela dis-

    tino entre gnero e estilo musicais, conceitos muitas vezes empregados como sinnimos, muito antiga, mas foi a partir do sculo XVII, na Europa, que se intensificaram obras sobre tal discusso. O que h de comum entre eles que os dois termos fazem referncia ao modo de expresso de uma obra musical, seja no campo da composio ou da performance; entretanto, h diferenas muito importantes entre elas. Num mtodo de musicalizao, a definio e o emprego precisos de tais conceitos evidencia clareza e promove a organizao das prprias idias a respeito da msica.

    Numa obra musical, estilo se refere ao mtodo de tratamento dos parmetros da linguagem musical, quais sejam forma, melodia, ritmo, harmonia, texto e textura. O estudo dos diferentes estilos foi introduzido na Itlia, no incio do sculo XVII. L se desenvolveu a terminologia at hoje empregada pelos eruditos da msica referente a esse e a outros temas musicais. Isso explica a existncia, no campo da Teoria da Msica, de tantos termos em italiano. Na prtica, no entanto, o estilo pode ser empregado em diversos contextos, como para caracterizar: tipos de composio (pera, sinfonia, oratrio, etc.); meio empregado para registrar e/ou interpretar obras musicais (instrumental, vocal, multimdia, etc.); mtodos de composio (contrapontstico, homofnico, har-mnico, etc.); nao de procedncia da pea e/ou de seu compositor (estilo francs, estilo brasileiro, etc.); perodo histrico no qual a obra foi composta (barroco, clssico, romntico, expressionista, etc.); um determinado artista (cano no estilo de Chico Buarque, interpretao no estilo de Mont-serrat Caball, por exemplo) ou grupo (no estilo dos Beatles, por exemplo).

    J no que se refere ao gnero, tambm se verifica a considerao por critrios de diferentes dimenses musicais, como a estrutura do texto (prosa ou verso), bem como suas tcnicas de composio e de execuo. Porm, ao categorizar esses aspectos, sempre dada relevncia s funes da msica, especificamente daquela determinada obra, em relao aos contextos histricos e s categorias sociais nas quais composta e/ou interpretada. medida que existe uma determinada inteno ou vnculo entre a composio musical e seu contexto, ou entre a composio musical e um determinado objetivo, aplica-se um conjunto especfico de convenes e caractersticas que confere quela pea seu gnero. Logo, o gnero est mais vinculado tradio, prtica efetiva e intencional, e ao comprometido com os impactos emocionais pro-4 Algumas correntes da msica do sculo XX buscaram romper com este conceito de incio-meio-fim como algo contnuo e ininterrupto, atravs da fragmentao, da busca de desenvolvimento de uma percepo analgica, da valorizao do instante particular, da obra aberta, etc.

    5 Nveis arquitetnicos, em Msica, so os nveis da estrutura musical, isto , os segmentos que se encadeiam entre, si formando partes maiores da obra.

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    um vocalise ou uma cano, o aluno no deve interromp-lo sem chegar ao final4.A unidade de uma forma musical qualquer conferida por princpios internos de organiza-

    o e de proporo entre elementos que, embora originalmente distintos e estranhos entre si, so reunidos organicamente por princpios de lgica e coerncia. atravs da forma que se estabelece igualdade e unidade entre materiais ou elementos que so distintos, e muitos dos princpios segundo os quais essa diversidade se organiza em unidades, em msica, so convencionais e podem ser aprendidos. O mais importante, e tido como premissa pedaggica dentro da abordagem multimodal, a identificao de a identificao de trs nveis de ela-borao dos materiais sonoros, a repetio de elementos, a sua variao e a apresentao de novos elementos musicais que geram contraste, em todos os nveis e envolvendo todos os parmetros da msica. To logo seja desencadeada a aquisio dessa habilidade, o prximo passo o reconhecimento dos elementos que, por serem iguais ou por estarem alterados, con-ferem aos eventos suas semelhanas e seus contrastes, respectivamente. Tais semelhanas e diferenas, no entanto, tambm resultam de uma deciso, qual seja, aquela que determina a partir de que nvel arquitetnico5 sero realizadas a percepo e a anlise dos agrupamentos. O discurso musical um processo dinmico; a deciso pela superficialidade ou profundidade com a qual ser escutado, tambm. Assim sendo, os processos de ensino-aprendizagem da forma dificilmente podem ser prefixados e, mesmo que o sejam, no podem ser rgidos. A per-cepo resultado da constatao de contrastes e semelhanas entre uma pea determinada musical e referenciais internos e/ou externos, que estabelecem o nvel arquitetnico a partir do qual est sendo considerada a anlise.

    Alguns elementos podem balizar o processo de identificar e denominar a forma em Msica. So eles os paradigmas horizontais e verticais da msica. A textura de uma obra musical, por exemplo, refere-se ao aspecto da simultaneidade da estrutura, isto , maneira pela qual as partes individuais so elaboradas em funo de soarem como um todo simultneo. Esta ob-servao nos leva, num primeiro momento, a uma percepo vertical da obra. Mas ao mesmo tempo, cada parte consiste de uma continuidade no tempo que representada, na partitura e no tempo, por uma linha cuja orientao bsica horizontal. Assim sendo, enquanto a obra acontece seqencialmente, na forma de eventos que se sucedem, acontece tambm simul-taneamente. As combinaes simultneas so os resultados das relaes de conexo entre uma linha e as demais, e estabelecem parmetros de equilbrio, contraste consonncia/disso-nncia e densidade. Na combinao simultnea de durao e de altura pode ser encontrada uma grande variedade de texturas intermedirias a dois extremos facilmente identificveis, quais sejam, a homofonia e a polifonia. Essas, por sua vez, podem ser executadas por um ou mais instrumentos, oferecendo ao ouvinte um conjunto enorme de possibilidades tmbricas, as quais, uma vez elaboradas no mbito de suas possibilidades sonoras e tcnicas, tambm estabelecem referenciais formais. O que existe entre extremos deve ser trabalhado medida que as situaes de aula proporcionam a aplicao de terminologias em particular nos pro-cedimentos de improvisao. O principal guiar a percepo do aluno para a relevncia da fixao de um referencial e para que se sinta motivado a desenvolver a audio simultnea e seqencial dos contrastes oferecidos.

    Outro exemplo interessante e poucas vezes considerado para o estabelecimento da forma a expresso. A expresso, embora podendo estar anotada na partitura, existe, de fato, no modo pelo qual o instrumentista demonstra, na performance, a dimenso emocional da msica. No caso deste mtodo, o instrumento a voz. O canto uma habilidade de coordenao fsica guiada pela emoo e pelo pensamento; isso implica afirmar que o canto expressivo requer uma associao entre os esquemas fsicos, mentais e emocionais. A experincia pessoal do canto expressivo transforma um momento comum em um momento especial que provoca, a curto, mdio e longo prazos, reaes sentidas e manifestas do processo de ensino-aprendizagem musical. Tais reaes podem ser provocadas por estmulos artificiais, produzindo atitudes musi-cais grotescas e exageradas. Esse tipo de performance caricatural deve ser evitado; no entanto,

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    executado sem palavras, dever ser coerente com o texto literrio que o originou e com o texto literrio que o pode explicitar, mesmo que parcialmente. Um texto se torna cano, no mais restrito sentido do termo, tanto pela ampliao de suas estruturas literrias inerentes, quanto pela sofisticao dos elementos de representao das intenes que possui.

    Assim sendo, existe analogia entre os sistemas morfolgicos literrios e musicais, o que torna a traduo de um texto de cano um processo potico extremamente complexo. Traduzir canes quase reescrever a obra, comp-la outra vez. Mas no apenas a traduo complexa, tambm a criao original de uma cano precisa partir do texto e/ou remeter a ele com preciso. Quando isso no acontece, a obra no tem continuidade nem coerncia, no tem fluncia, perde em expressividade e beleza. Ao entender a fora dessa afirmao, chega-se s questes da prosdia, da frase bem pontuada e das inflexes coerentes. Prin-cipalmente quando se est tratando com alfabetizao, musicalizao e canes infantis, o cuidado com esses trs aspectos deve ser rigoroso. Ler, mais do que decodificar letras e sla-bas, implica compreender. Distinguir uma frase de pergunta de outra de resposta escutar e compreender sua estrutura rtmico-meldica. Quando uma frase musical descendente e o encadeamento harmnico que a acompanha conclui com uma cadncia perfeita, por exemplo, no existe a menor possibilidade de, musicalmente, se passar a idia de uma pergunta. Logo, absolutamente incoerente que o texto contenha um ponto de interrogao! Da mesma forma, auditivamente, o que diferencia as formas verbais pretrito perfeito e futuro do presente para a terceira pessoa do plural no verbo cantar (cantaram e cantaro) sua tonicidade; o que, por sua vez, implica questes mtricas.

    O estudo da fraseologia literria e musical pode evidenciar aproximaes entre essas duas sintaxes, apontando para possibilidades de combinao entre elas na cano. Eventuais associaes devem ser sempre flexveis, posto que a palavra tanto pode ser inciso como mo-tivo, e at mesmo frase, dependendo de sua pontuao e do contexto no qual est inserida. A amplitude e a delimitao das frases, assim como a dos perodos, estrofe e assim por diante, so menos questionveis no texto literrio do que no musical. Tambm mais simples lidar com a seqncia de frases simtricas e assimtricas no texto literrio do que nos trechos musicais. Por outro lado, o carter conclusivo ou suspensivo das frases e suas inflexes expressivas so altamente coincidentes e podem ser reforadas pelo emprego correto das linhas mel-dicas, harmonizaes e estruturas rtmicas. Palavras e frases tm pontos tnicos e tonos6, determinando suas caractersticas rtmicas quanto natureza (simples ou compostos, binrio/quaternrio ou ternrio, irregulares) e ao fluxo (ttico, aclafo ou anacrsico). O estudo da prosdia contribui para a coerncia interna e consistncia de uma cano. Como j foi visto anteriormente, ao se escutar uma cano, a nica diferena entre duas formas verbais pode estar no ponto em que est a slaba tnica. No caso citado, pretrito perfeito d origem a uma estrutura rtmica anacrsica, enquanto o futuro do presente d origem a uma estrutura rtmica acfala, alterando toda a compreenso do que est sendo comunicado. Portanto, ela precisa coincidir com os tempos forte e fraco do compasso de uma forma precisa, para que se entenda em que momento se passa a ao.

    Atualmente, os termos msica e canto se referem a uma mesma coisa; no entanto, no foi sempre assim. Na tradio teolgica latina, musica e cantus, origens latinas das atuais palavras em Portugus, identificavam estruturas e realidades distintas. A palavra canto, ne-cessariamente, identificava uma obra para ser cantada pela voz humana e contendo um texto; j a palavra msica, ao contrrio, referia-se a uma pea para ser executada por instrumentos. No contexto litrgico firmado ao longo da Idade Mdia, o texto a ser dito era inseparvel do culto. Na maioria das vezes, constitua-se de texto falado; em alguns momentos, entretanto, podia ser sustentado pelo auxlio de instrumentos, produzindo, ento, um tipo especfico ou particular entre texto e msica, chamado de cantus. Assim sendo, Canto Gregoriano no era msica, no sentido ento entendido, mas, sim, uma das muitas formas existentes de Cantus

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    vocados no ouvinte do que o estilo. Enquanto por meio de classificaes de estilo se procura caracterizar a obra com relao a sua construo e performance, por meio de classificaes de gnero se procura falar dela quanto a sua funo e impacto. Essa funcionalidade da msica to importante que pode superar as barreiras estilsticas e temporais.

    O primeiro sistema de classificao quanto ao jeito de criar e executar msica data do sculo XIV (J. de Grocheo, ca. 1300). No sculo XV (J. Tinctoris: Diffinitorium, 1474), ficou estabelecida a relevncia espiritual como critrio de classificao do gnero musical (Missa, classificada de Cantus Magnus; Moteto, de Cantus mediocris; e Chanson, de Cantus Parvus). No sculo XVI (M. Praetorius: Syntagma musicum III, 1619), passou-se a considerar a esfe-ra dos afetos e das funes sociais, em que a execuo vocal ou instrumental e a estrutura do texto eram determinantes. At o sculo XVIII, as funes da msica eram: litrgica (feita nas igrejas), representativa (feita nos teatros e salas de concerto) ou comunitria (feita pelo povo). As duas primeiras seguiam normas rgidas e delas se tm registros histricos; a ltima era feita espontaneamente pelo povo e dela sabe-se, hoje, pouco. A partir do sculo XVIII (J. Mattheson, 1739; J.N. Forkel, 1788), o termo gnero j se aproximava de seu entendimento atual e era ensinado como contedo acadmico. No sculo XIX, o ensino de gneros musicais passou a ter duas tendncias de sustentao terica: no campo da esttica (F. Hand: sthe-tik der Tonkunst II, 1841) e no campo da forma (A.B. Marx: Die Lehre von der musikalischen Komposition, 1838).

    Para os cientistas do sculo XX e dias atuais, ainda no h consenso nem sobre a defi-nio do termo nem sobre as categorizaes que se deseja estabelecer. O que parece ser consenso entre os tericos a necessidade de que, na busca de uma sistemtica para a classificao dos diferentes gneros musicais, sejam considerados os aspectos contextuais (primordialmente, histricos e sociais) da obra. Definitivamente, gnero mais importante na msica funcional (aplicada a uma finalidade) do que na msica autnoma (expresso artstica pura). A importncia dessa discusso, aparentemente to terica e distante, alcana esferas de independncia do senso esttico individual, e deve ser permanentemente promovida por um mtodo de musicalizao com foco no desenvolvimento da inteligncia, tanto em seus aspectos lgicos como de sensibilidade. Num mundo de multimdias e sofisticaes tecno-lgicas, o que se ouve tem um poder enorme sobre os ouvintes. E esse poder pode ser utili-zado (e o , de fato) para alcanar objetivos os mais diversos: libertar ou escravizar, oferecer recursos crticos ou condicionar, alertar ou entorpecer, mostrar ou esconder. O emprego da msica tem muitos poderes velados; poderes esses que so exercidos pelo domnio de sua funcionalidade. E funcionalidade, como se viu, tema de gneros, os quais vo se fazer valer dos recursos do estilo.

    3.4 TEXTOA base do canto, que at a Idade Mdia distinguia-se da msica, o texto. Todo texto diz

    alguma coisa, tem um contedo; a fora desse contedo, entretanto, advm da maneira como comunicado. Portanto, a palavra se transforma em cano a partir da sofisticao da inteno comunicadora do compositor e/ou do intrprete. Essa inteno sustentada e veiculada por elaboraes de alturas sonoras (seqenciais ou simultneas) e de durao dos sons. Com as elaboraes seqenciais ou simultneas das alturas so respectivamente construdas a me-lodia e a harmonia; das elaboraes das duraes, o ritmo. Unidas essas duas propriedades do som, tem-se a inflexo, fazendo uso da tonicidade (flutuaes e acentos; arsis e thesis), que revela a j referida inteno. Passa a existir, ento, um texto musical que, mesmo que

    6 So trs os elementos musicais que tm ligao com a acentuao mtrica do verso: a linha meldica (ascendente para pontos tnicos e descendente para pontos tonos; saltos para pontos tnicos e graus conjuntos para pontos tonos); o ritmo ou durao (notas longas para pontos tnicos e notas para pontos tonos); e a mtrica o compasso (nota acentuada para pontos tnicos e notas no acentuadas para pontos tonos).

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    presentante mximo do que se acabou de descrever a funo do acorde de subdominante. Conforme confirma ou se afasta da sonoridade de onde parte, seu repouso ou tenso confere ao trecho a intensidade expressiva buscada pelo compositor.

    Outro paradigma da harmonia, tambm semelhante ao que foi discutido acima, trata da consonncia e da dissonncia. Nenhum acorde ou encadeamento pode ser, por si mesmo, consonante ou dissonante. Trata-se, sempre, de um fenmeno contextual delimitado pelo estilo dentro do qual a obra se enquadra ou no. A coerncia e a continuidade da obra, por si mes-mos outros paradigmas, so os critrios de julgamento daquilo que, considerando o universo no qual se transita naquele instante perceptivo ser chamado de consonante ou dissonante. A dissonncia perturba e inquieta; , portanto, uma expresso musical no domnio da tenso. No entanto, se essa tenso se prolongar por muito tempo sem oferecer a satisfao esperada pelo encaminhamento, sua resoluo, o ouvinte passar a registr-la como permanncia, logo, repouso. Esse processo mental caracterstico do pensamento humano e sustenta mecanismos de proteo frustrao. Ora, ao perder-se a sensao de tenso harmnica e, com ela, se eliminar a necessidade do repouso correspondente, se perde as referncias da tonalidade. Foi o que aconteceu, historicamente, na passagem do sculo XIX para o XX: a obra de Brahms e Wagner foram longe no prolongamento das dissonncias que resultou no fenmeno conhecido por dissoluo da tonalidade. Mas tais acontecimentos permanecem restritos aos meios eruditos; no mbito popular do mundo ocidental, a msica que toca nos meios de comunicao e que as pessoas entendem , predominantemente, a tonal8. E, mais do que a percepo individual do acorde, prevalece mesmo uma espcie de percepo de forma a partir de padres configura-dos pelos msmos encadeamentos de acordes que se repetem.

    A propsito, a percepo harmnica resulta da capacidade de ouvir e entender simultanei-dades de alturas (acordes), o que conduz idia de que harmonia pressupe um paradigma vertical. Mas ela tambm depende da capacidade intelectual de compreender a forma a partir da seqncia, da linearidade dessas entidades sonoras verticais, os acordes. Assim sendo, a percepo harmnica resulta, tambm, de um paradigma horizontal (encadeamentos). A capacidade de compreender intelectualmente a harmonia pressupe o desenvolvimento da sensibilidade tonal, a qual, por sua vez, constituda de uma espcie de memria, chamada de estabilidade tonal. A estabilidade tonal uma aculturao das capacidades humanas, conforme Zenatti (1969), e se desenvolve progressiva e continuamente, desde a estabilidade por frases ou pequenos trechos at a estabilidade tonal permanente (algum que no conhece msica formalmente, ao cantar, muda o centro tonal da pea se, subitamente, uma determinada nota lhe parece aguda ou grave demais, sem que isso lhe perturbe a idia do todo). Nunca demais reforar a idia de que apenas depois de ouvida e entendida, ainda no domnio da experincia informal, a natureza intrnseca das funes harmnicas, pode-se estudar essa cincia sob o ponto de vista das consideraes intelectuais.

    Essas funes so percebidas tanto em acordes, quanto em encadeamentos. Acordes so essas entidades sonoras obtidas pela simultaneidade de alturas, para as quais a teoria, ao longo dos ltimos cinco sculos, estabeleceu modelos, os quais se expandem por combina-es entre eles e pelo acrscimo de notas estranhas ou supresso de notas reais. Definir o uso dos acordes primrios, de seus substitutos e/ou de combinaes uma questo de estilo. Da mesma forma o momento no qual cada um desses ocupar a posio de tenso ou de 7 Em sentido amplo, Harmonia no se relaciona somente tonalidade, mas a qualquer tipo ou mtodo de organizao das alturas. J na Grcia Antiga, autores como Aristxeno ou Plutarco se referem harmonia como organizao dos sons (no caso, dos modos gregos). Tambm se pode falar de harmonia modal, harmonia atonal, entre outras. Assim sendo, Harmonia, no campo da msica, diz respeito s inter-relaes entre os sons, aos mtodos e processos de combinao dos sons, tanto no sentido vertical (na formao de acordes) quanto no sentido horizontal (no enca-deamento de acordes). O emprego mais comum da harmonia refere-se ao conceito de tonalidade. As informaes pertinentes a esse campo do conhecimento musical, amplamente abordado, se depreenderam tambm da anlise das obras de outros compositores dos sculos XVIII e XIX.

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    Liturgicus. O uso original dos termos, mais uma vez, pode comprovar o quo importante o texto de uma cano.

    Etimologicamente, texto significa tecido, entrelaamento; no caso, de palavras. Mesmo os textos comuns, construdos com base na seleo de palavras por sua significao, tendem a ter naturezas distintas: ou mais tcnico-cientfica ou mais literria. Enquanto o primeiro procura primar pela exatido e linearidade daquelas significaes, o texto literrio caracteriza-se pela plurissignificao. No sentido dessa plurissignificao, muitos outros critrios passam a ser im-portantes para sua interpretao, afora as palavras, como os critrios sonoros e estilsticos. A letra de uma cano, em princpio, um texto literrio. um poema, que se relaciona msica que o sustenta e/ou da qual se depreende e que pode ser analisado e interpretado com base em vrias tcnicas. Tais tcnicas de anlise, as quais do sustentao s mltiplas interpretaes possveis, tratam, essencialmente, de seus nveis ou aspectos estruturais, sejam eles rtmico (metrificao e prosdia), sonoro ou meldico (rimas e figuras de efeito sonoro), lxico (vocabu-lrio culto ou coloquial e emprego de categorias gramaticais de palavras), sinttico (paralelismo, encadeamento), e/ou semntico (similaridade, contigidade e oposio).

    A base terica para a criao de letras para as canes do repertrio CDG, empregadas na adaptao do MAaV feita para professores, foi desenvolvida a partir de dois enfoques funda-mentais; ou por sua forma ou por seu contedo. Sob a tica da forma, a proposta CDG analisa os textos com base nos parmetros da Lngua Portuguesa apresentados por Cunha (1975) e Luft (1999), em suas gramticas, e em obras relevantes sobre anlise literria, conforme bibliografia comentada apresentada por Goldstein (2001). Sob o enfoque de contedo, toma por base a Taxionomia Tridica proposta por Schmidt-Silva (1999), que consiste, em si, de resultados de trabalhos cientficos desenvolvidos no mbito da prpria Proposta Musicope-daggica CDG.

    3.5 HARMONIA Harmonia, no contexto deste trabalho, ser tratada como um conceito da tonalidade7. Suas

    diretrizes e princpios valem para obras criadas dentro do universo tonal, o qual permanece como a base das estruturas harmnicas em vrias regies, especialmente na cultura ocidental. Seus fundamentos foram fixados no Humanismo renascentista, mesmo que anteriormente j houvesse preocupao com a harmonia atravs de encadeamentos de simultaneidades espe-cficas de alturas sonoras, a expresso musical da noo de tenso e repouso. As elaboraes sonoras que a partir da so construdas evidenciam essa correlao, seja prolongando a ten-so, seja reforando o repouso. O objetivo maior dos encadeamentos harmnicos , portanto, ampliar um ou outro universo e tornar complexos os caminhos que conduzem de um a outro. Para Schenker (1979 e 1987), todas as obras tonais se estruturam sob o encadeamento IVI. A tnica repouso e a dominante tenso. Naturalmente, em unidade autnoma, o acorde V s identificado como tenso se contiver sua stima; caso contrrio, isolado, se converte em nova tnica. Porm, mais do que a presena determinante da stima, no contexto da obra, a estrutura meldica bsica que determinar o incio e o fim de uma estrutura tonal. A combi-nao 321, simultnea a IV I determina que o primeiro repouso menos repousante do que o segundo. Entre eles, o V, nesse caso, sem stima, por estar associado, diretamente, ao I. Repouso e tenso so conceitos relacionais, e somente existem se comparados entre si. Assim sendo, formam um paradigma que consiste de uma unidade dialtica. Nada, por si s, repouso, se no estiver associado a uma tenso, e vice-versa. Tambm a intensidade dessa tenso e/ou desse repouso originam paradigmas, por assim dizer, maleveis a cada situao especfica, determinando o que ali, naquele instante, pertence a um ou outro universo. O re-8 No mbito da msica popular que tocada nos meios de comunicao, h, efetivamente, predomnio de organiza-es harmnicas tonais; por outro lado, a maior parte da msica popular espontnea - ou folclrica - amplamente modal, sendo que muitas vezes trata-se de melodias modais harmonizadas com base nas tonalidades da msica clssica europia.

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    no entanto, que sejam criados termos, conceitos atravs dos quais se possa ter a iluso de aprisionar e dominar instantes desse conjunto to complexo. Em vista disso, parte-se para a busca de concretudes atravs das quais seja possvel alcanar maiores abstraes.

    No processo de vir a compreender o ritmo como a permanncia de movimentos ordenados que veiculam a experincia artstica o ritmo vivo , desde logo se percebe a importncia de encontrar um procedimento analtico atravs do qual se obtenha uma postura cognitiva, portanto possvel de ensinar e de aprender. Os msicos tm procurado entender e quantificar o ritmo ao longo de uma linha evolutiva que vem desde a relao sincrtica com o pulso, passando pelas convenes da mtrica e chegando s complexas elaboraes da msica contempornea. Tendo obtido maior ou menor xito em pesquisas e comprovaes, todas as abordagens evoluram at o ponto de evidenciarem suas prprias inconsistncias; evoluram at o ponto dialtico no qual o absolutamente inverso parece apontar para o absolutamente igual, at o ponto em que o pulso, possivelmente, reassuma sua atuao decisiva. A questo fundamental consiste em interpretar o que parece estar ocorrendo: um perodo intermedirio, no qual acontece um grande deslocamento de parmetros que pode ser entendido tanto como uma perturbao na tradio convencional da msica erudita quanto um processo inerente a ela desde o princpio.

    O continuum temporal, em sentido amplo, manifesta-se na forma de pulsaes, isto , sries recorrentes de estmulos equivalentes. Tais estmulos so agrupados em sries regu-lares ou irregulares num nvel imediato. No entanto, medida que o observador se distancia do fenmeno e o vivencia de um plano mais abrangente, estabelece, sobre irregularidades quaisquer, uma regularidade entre as partes da permanncia total. Segundo Cooper e Meyer (1971), regularidades e irregularidades dependem de seus respectivos nveis arquitetnicos, uns em relao aos outros; pois o que irregular de perto, torna-se regular numa posio mais distante. O transcurso do tempo contnuo, a sensao desse tempo, outrossim, acontece a partir da percepo de eventos delimitados. Isto , esse todo s se torna captvel mediante a sua estruturao, o que equivale a dizer que construes intelectuais de tempo so forma-das por partes proporcionais desse tempo, retiradas do tempo maior, aps terem seus limites estabelecidos por acontecimentos. Esses acontecimentos determinam a passagem de uma durao at a durao seguinte, estabelecendo uma malha referencial para acontecimentos que venham a se agregar, gerando a conscincia de passado-presente-futuro.

    Nesse momento, parece se ter chegado a uma concretude relevante para a questo do ensino-aprendizagem do ritmo musical, qual seja, o conceito de durao de presena. A durao de presena, propores de tempo cuja inter-relao formariam o todo, a maior unidade de tempo que se consegue contar mentalmente sem subdividir. Essa unidade mental varivel de pessoa para pessoa, determina e determinada por seu pulso cerebral, e serve de parmetro interpretativo para todos os ritmos por ela percebidos. Em vista disso, faz-se necessrio desenvolver procedimentos didtico-pedaggicos que possibilitem ao educando tomar conscincia e dominar sua prpria durao de presena. A ausncia de educao es-pecfica desse ritmo interior individual se evidencia na forma de execuo que, por exemplo, no mantm regularidade no andamento. Lamentavelmente, professores que desconhecem a causa e que se desesperam com seus efeitos receitam a seus alunos desavisados o estressan-te estudo com metrnomo. O pulso interior se evidencia na forma de movimento respiratrio, cardaco, corporal, enfim. Para Jacques-Dalcroze (1973), o corpo exterioriza o pulso interior de forma disciplinada pelo domnio da musculatura. atravs do movimento, portanto, que se atingem as duraes de presena prprias de cada um. A rtmica se prope a ordenar tais movimentos, de forma a possibilitar a imaginao motora originada nas duraes de contraes musculares em um exerccio de plstica corporal. Se, fora do domnio da vontade, o pulso interior interfere negativamente na performance, sob esse domnio, ele quem vai dar vigor rtmico e consistncia expressiva a uma seqncia regular de sons, transformando impactos sonoros metronomicamente exatos em msica. A conscincia rtmica depende da imaginao

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    repouso (salvaguardando o acorde de V7 e seus derivados nicas entidades autnomas no mundo tonal), apenas o contexto esttico poder determinar. Uma grande dificuldade nesse campo de conhecimento a impreciso terica. O estudo formal de harmonia ainda carece de normalizao, a comear pela nomenclatura empregada para os acordes. A profuso de nomes e regras encontradas na prpria literatura especializada inclui cifragem cordal (que, por sua vez, pode ser literal e alfa-numrica), funcional e gradual. Evidente que se trata aqui de uma mesma coisa, codificada a partir de olhares distintos; raramente isso est explicitado didaticamente, gerando confuses desnecessrias.

    Resta discutir a questo da adequao entre o uso da harmonia e a composio de repertrio infantil. No existe harmonizao complexa demais para a criana nem para o educando de qualquer idade, pois seus ouvidos e sensibilidade sero educados a partir das possibilidades que lhe forem apresentadas. O que pode entrar em questo o momento, entenda-se estgio de desenvolvimento e maturidade, no qual a denominao e a identificao terica dos en-cadeamentos harmnicos sero formalmente estudadas. inegvel, em todos os casos, que a familiarizao auditiva precede o entendimento intelectual e este precede a capacidade de verbalizao do que foi reconhecido. Tomados esses cuidados, a cano infantil e educativa pode e deve ser harmonizada da forma mais rica e interessante que seu compositor for ca-paz de criar. Contrariando idias difundidas pelo senso comum, a experincia desenvolvida ao longo da ltima dcada com aplicaes do repertrio CDG, demonstrou que, diante de harmonizaes sofisticadas, existem maiores chances de afinao no canto infantil, que se o acompanhamento tiver possibilidades de harmonizao reduzidas, e muito maior do que se o canto for unssono e/ou a cappella. Com relao ao canto com adultos, foi verificado que esse ndice de xito menor, mas, mesmo assim, no contraria a afirmao. Os encadea-mentos harmnicos proporcionam estabilidade sonora, garantindo referenciais que mantm as estruturas meldicas dentro de determinados mbitos, favorecendo assim a conduo do canto e a afinao do cantor. O canto acompanhado favorece a sensibilidade tonal e prepara o caminho para a percepo harmnica. No h razo aceitvel, portanto, para apresentar verses musicais facilitadas nem vazias aos alunos de qualquer idade. preciso distinguir o simples do fcil. Algumas vezes, justamente por ser complexa, uma obra bela. Sendo bela, torna-se de interesse e, conseqentemente, fcil. Basta, para isso, que a pessoa aprenda a escut-la, distinguindo suas partes.

    3.6 RITMOEm sentido denotativo, o termo ritmo vem do grego rhytms, movimento regrado e medido,

    e refere-se recorrncia fluente e harmnica de conjuntos expressivos ou estticos no espao e/ ou no tempo. Em sentido conotativo, a palavra empregada pelas mais diversas reas do conhecimento, inclusive em especulaes de carter metafsico. A par disso, aps a segunda metade do sculo XIX, passou a receber especial ateno por parte de educadores musicais que buscavam suas prprias definies. Willems (1979) afirma que todo o msico compre-ende ritmo como aquele elemento que, em especial frente aos demais elementos da Msica, confere a ela corporeidade e forma. Tal posio aponta para uma perspectiva de que ritmo musical seja algo restrito, uma espcie de campo especfico, dentro de um universo maior, qual seja, um ritmo geral. O ritmo mais do que mera sucesso linear progressiva de tem-pos longos e breves; antes, a oscilao de diferentes duraes em torno de um pulso fixo, que se manifesta e se ausenta, mas que sempre sustenta um referencial para duraes que se organizam por causa dele (Wisnik, 1989). Essa idia sugere, dentre outras, uma noo de permanncia espectral que sustenta e fornece parmetros a existncias especficas. Nesse caso, evidencia-se como uma pulsao que antecede e segue todo o acontecimento musical, que se afirma pela repetio regular, mas que tambm se desloca pela interferncia de irre-gularidades advindas da expressividade. Tais divagaes so interessantes; necessrio,

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    Deixando os ritmos mais complexos para uma eventual continuidade do mtodo, retorna-se idia de Willems (1979) para se trabalhar o conceito do uno (pulsao transformada em unidade de tempo) subdivisvel por dois (unidade de tempo dos compassos simples), por trs (unidades de tempo dos compassos compostos), e agrupvel dois a dois (compasso bin-rio) e trs a trs (compassos ternrios). A estruturao da mtrica se organizar a partir da pulsao transformada em unidade de tempo que, por sua vez, ser subdividida e agrupada em combinaes binrias ou ternrias. Por exemplo: com uma unidade de tempo subdividida binariamente e agrupada ternariamente, obtm-se um compasso ternrio simples. Por outro lado, com uma unidade de tempo subdividida ternariamente e agrupada binariamente, obtm-se um compasso binrio composto. A escolha da figura de valor que representa tais unidades de tempo, procedimento puramente convencional, determinada pelo material sonoro que se quer codificar.

    3.7 MELODIAAlm da presena determinante do acorde de stima da dominante, no contexto da obra tonal,

    a seqncia dos intervalos da melodia que estabelece o incio e o fim de uma estrutura musical. Diante de um som isolado, no possvel entender nada da sintaxe do texto musical; entende-se apenas, o que j muito importante, tratar-se de um som em oposio a um silncio. Ao se escutar dois sons seguidos, no entanto, j se atribui a eles um significado, com base na relao estabelecida entre eles. Essa primeira possibilidade sinttica (que nem sempre a mesma para todos os ouvintes) confirmada, ou no, pelas notas que se seguem a essa unidade meldica mnima (intervalo meldico). Sero analisadas as duas clulas meldicas do resumo schenke-riano (Schenker, 1979): 321 e IVI. No caso da clula meldica 321, tanto 3 quanto 1 pertencem ao acorde I, de repouso. Por conta da harmonizao implcita, o sentido emerge dos trs sons seguidos, mesmo que sem o acompanhamento dos acordes correspondentes. Alm disso, percebe-se tambm que, devido ao emprego, na melodia, do grau meldico 3, a primeira sonoridade menos repousante do que a terceira, tambm sobre o acorde I, mas agora com a melodia no grau 1. Mesmo sem a harmonizao, essa sensao de estar indo para algum lugar, conferida pelo conjunto dos trs sons analisados, permanece. Por outro lado, sem a escuta harmnica embutida no conjunto enfocado, a unidade meldica teria sentido diante dos mesmos sons, se agrupados dois a dois. Esse fato poderia sustentar a idia de que a unidade mnima da melodia formada por dois sons (intervalo), e a unidade mnima da harmonia, por trs sons (acorde), sejam eles simultneos ou seqenciais.

    No universo da escala temperada, diante da escuta tanto dos dois primeiros quanto dos dois ltimos sons seguidos, provavelmente se teria entendido a estrutura como 21 e no como 32 ou 21. Nesse caso, a escuta harmnica implcita no conjunto seria VI. Da possvel verificar o quo marcante a tendncia de se resolver tambm uma estrutura meldica. Sempre que forem escutados dois ou mais sons, um deles assumir o papel de tnica, hierarquizando a escuta e conferindo um sentido ao que foi ouvido. Depreende-se, da, a particularidade prpria do sistema temperado, qual seja, a procura pelo som 1, ou seja, a procura pela tnica. Por exemplo, se entenderia 51 de um intervalo meldico isolado de 4.J mesmo que, em seu contexto, estivesse entre os graus 2 e 5. Trata-se de procurar pela tnica em uma seqncia meldica; mesmo fora de contexto, a escuta de um som isolado j resulta na sonoridade de grau meldico 1, pois o primeiro som escut