musicalidade ao longo da vida

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Anais do XV ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente, Belo Horizonte, 2010 ................................................................................................................. 1 MUSICALIDADE AO LONGO DA VIDA Leda de Albuquerque Maffioletti - Coordendora Faculdade de Educação- UFRGS Anelise Thonnings Schünemann Faculdade de Educação- UFRGS Sandra Mara Rohden Faculdade de Educação- UFRGS Simone Velho Faculdade de Educação- UFRGS Luciane Cuervo Instituto de Artes- UFRGS Leonardo Borne Faculdade de Educação- UFRGS Cristina Rolim Wolffenbüttel FUNDARTE-UERGS RESUMO: A musicalidade é a essência do processo de tornar-se humano. Refletir sobre musicalidade é uma ação que se volta para mudança, abandonando os velhos hábitos enrijecidos, que levantaram barreiras a tantas pessoas. É adotar uma visão mais ampla da prática musical, que seja ao mesmo tempo um movimento de revitalização e atualização do pensamento musical, que leve em conta o que acontece com a música e a educação, com as práticas musicais, e com a compreensão e o ensino de música na formação das crianças. Essa visão modifica a concepção de musicalidade voltada para um produto final, oriundo diretamente de um trabalho árduo e persistente, para voltar-se para outras práticas inclusive aquelas que os alunos podem realizar sem o auxílio do professor. Ainda não discutimos o suficiente sobre o papel da musicalidade na Educação Musical e na preparação dos jovens que pretendem ser artistas, ou solistas de orquestra. A perspectiva temporal da musicalidade ou musicalidade “ao longo da vida” estabelece o vínculo das habilidades musicais com os aspectos psicológicos do ser humano, que se modificam ao longo da vida e exigem adaptações e reavaliações em sua trajetória. A mesa convoca os educadores a refletir e reavaliar o modo como ouvem e vêem a música; os

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  • Anais do XV ENDIPE Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino Convergncias e tenses no campo da formao e do trabalho docente, Belo Horizonte, 2010 .................................................................................................................

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    MUSICALIDADE AO LONGO DA VIDA

    Leda de Albuquerque Maffioletti - Coordendora Faculdade de Educao- UFRGS

    Anelise Thonnings Schnemann Faculdade de Educao- UFRGS

    Sandra Mara Rohden Faculdade de Educao- UFRGS

    Simone Velho Faculdade de Educao- UFRGS

    Luciane Cuervo Instituto de Artes- UFRGS

    Leonardo Borne Faculdade de Educao- UFRGS

    Cristina Rolim Wolffenbttel FUNDARTE-UERGS

    RESUMO: A musicalidade a essncia do processo de tornar-se humano. Refletir sobre musicalidade uma ao que se volta para mudana, abandonando os velhos hbitos enrijecidos, que levantaram barreiras a tantas pessoas. adotar uma viso mais ampla da prtica musical, que seja ao mesmo tempo um movimento de revitalizao e atualizao do pensamento musical, que leve em conta o que acontece com a msica e a educao, com as prticas musicais, e com a compreenso e o ensino de msica na formao das crianas. Essa viso modifica a concepo de musicalidade voltada para um produto final, oriundo diretamente de um trabalho rduo e persistente, para voltar-se para outras prticas inclusive aquelas que os alunos podem realizar sem o auxlio do professor. Ainda no discutimos o suficiente sobre o papel da musicalidade na Educao Musical e na preparao dos jovens que pretendem ser artistas, ou solistas de orquestra. A perspectiva temporal da musicalidade ou musicalidade ao longo da vida estabelece o vnculo das habilidades musicais com os aspectos psicolgicos do ser humano, que se modificam ao longo da vida e exigem adaptaes e reavaliaes em sua trajetria. A mesa convoca os educadores a refletir e reavaliar o modo como ouvem e vem a msica; os

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    valores que so transmitidos no ato de fazer msica e o papel social e cultural do contexto na formulao do significado musical. Palavras-chave: Arte-Educao, Musicalidade, Educao

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    MUSICALIDADE AO LONGO DA VIDA

    Leda de Albuquerque Maffioletti - Coordendora Faculdade de Educao/UFRGS

    Anelise Thonnings Schnemann Faculdade de Educao/UFRGS

    Sandra Mara Rohden Faculdade de Educao/UFRGS

    Simone Velho Faculdade de Educao/UFRGS

    RESUMO: O texto aborda a perspectiva temporal da musicalidade como habilidades desenvolvidas ao longo da vida e o vnculo dessas habilidades com os aspectos psicolgicos do ser humano. Compreende o fazer musical como uma experincia de vida que envolve gestos, intenes, performance corporal e a prpria msica executada em todas as suas nuanas interpretativas. Apresenta cinco tipos habilidades que esto presentes no ensino tradicional de instrumento, propondo um conceito mais amplo de musicalidade para dar conta do seu significado scio-cultural. O trabalho enriquecido pelos relatos de pesquisa de atividades criativas desenvolvida com crianas na rea da composio e escrita musical. Palavrs-chave: Musicalidade, Contexto Cultural, Educao

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    Introduo

    A capacidade humana para perceber sons, reconhecer e ret-los na memria, assim como a capacidade de interpretar o que se ouve atribuindo um significado, so capacidades muito precoces. As habilidades musicais, como qualquer outra aprendizagem, dependem de fatores internos, desde as condies fsicas at os aspectos subjetivos e motivacionais, e de fatores externos, como as possibilidades oferecidas pelo contexto scio-cultural. Ao lado desses fatores, preciso considerar que as habilidades musicais modificam-se muito ao longo da vida. Para citar um exemplo, pensemos na voz humana nosso primeiro instrumento e o mais acessvel. Sabemos que h mudanas significativas na anatomia da voz humana no perodo da adolescncia, como tambm em idade avanada. Podemos supor a idade de quem est cantando atravs de sua voz, porque so qualitativamente distintas a voz infantil, voz do adulto jovem e voz caractersticas dos idosos. Tratando-se da carreira de msicos profissionais, a mudana do timbre vocal um dado importantssimo, uma vez que so necessrios reajustes e adaptaes que podem afetar seu estado psicolgico (SPAHN; RICHTER, 2006, p. 124). A musicalidade, portanto, deve ser considerada numa perspectiva de desenvolvimento humano ao longo da vida.

    Gambris (2006) tem mostrado preferncia pela abordagem da musicalidade numa perspectiva que contempla as modificaes que ocorrem no desenvolvimento em geral, ou ao longo da vida, por acreditar que os acontecimentos pelos quais passamos repercutem de forma decisiva no desenvolvimento musical.

    Outro fator que auxilia a compreenso do conceito de musicalidade a relao entre os nveis de desempenho musical e o investimento em horas de prtica. Essa relao tem demonstrado que para atingir a excelncia a prtica intencional fundamental (GEMBRIS, 2006, p. 14). A perspectiva temporal da musicalidade como habilidades desenvolvidas ao longo da vida e o vnculo dessas habilidades com os aspectos psicolgicos do ser humano deixam claro que o conceito de musicalidade muito complexo. Segundo referido autor, do ponto de vista d Educao Musical, ainda no discutimos o suficiente sobre o papel da musicalidade na preparao dos jovens que pretendem ser artistas, ou solistas de orquestra. Ao apostarmos nas habilidades musicais de um jovem violinista, precisaramos tambm pensar em suas possibilidades futuras como membro de uma orquestra, pois nessa situao seus dotes artsticos de solista precisaro ser acomodados, em alguns casos reprimidos, para atender inteiramente as exigncias do regente. Essa dimenso ao longo da vida, conforme Gambris argumenta, no pode ser esquecida quando se pretende valorizar a musicalidade como uma possibilidade de expresso, ou valoriz-la enquanto condio para atingir a excelncia profissional.

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    O que est em jogo quando nos referimos s habilidades musicais?

    Com a finalidade de nos situarmos no terreno da musicalidade, pretendo brevemente comentar o que est em jogo quando nos referimos s habilidades musicais. Encontramos na literatura estrangeira (ingls) pelo menos dois termos para a expressar musicalidade: musicality e musicianship. Conforme as explicaes de Alda Oliveira, tradutora no Brasil da obra de Keith Swanwick Ensinando Msica musicalmente (2003, p. 84), em note de rodap, musicality expresso empregada para referir-se ao talento natural para msica, ao passo que musicality compreende-se como habilidade e sensibilidade adquirida. Na lngua portuguesa no temos dois termos para musicalidade, mas convivemos com expresses como talento musical, aptido e dom. Historicamente esses conceitos tiveram conotao distinta, segundo o pensamento da cada perodo. No entanto, o que est sempre presente nas discusses sobre o tema o carter inato ou adquirido da musicalidade.

    Tratarei de cinco tipos de habilidades musical que esto presentes no ensino tradicional de instrumento, e que fizeram parte do modelo terico elaborado por Gary McPherson (1997), para verificar a relao entre a aprendizagem musical e os fatores que afetam individualmente cada uma das habilidades musicais.

    O pesquisador observou que os tipos de desempenho orientados visualmente e auditivamente e as formas criativas de desempenho so fundamentais no desenvolvimento musical dos instrumentistas, porque possibilita a coordenao do ouvido, do olho e executar no instrumento as msicas que v, ouve ou imagina em sua mente. Os estilos visuais reorganizam de modo criativo a capacidade de executar um repertrio de msica ensaiada e pela capacidade leitura musical sem ensaio prvio, ou seja, pela capacidade de ler prontamente uma partitura musical (leitura primeira vista). H tambm o desempenho cujo estilo auditivo, definido pela capacidade de executar msicas de memria, em que msica memorizada a partir de uma anotao e recriada auditivamente, como tambm a capacidade de tocar de ouvido, em que a msica aprendia e reproduzida auditivamente.

    Tipos de habilidades musicais 1. Capacidade de executar um repertrio de msica ensaiada

    caracteriza-se pela capacidade de aprender mediante leitura de uma partitura e ensaio para execut-la integralmente.

    2. Capacidade de ler prontamente uma partitura musical Trata-se da capacidade de ler uma partitura musical, executando-a no instrumento sem ter realizado leitura prvia. Seria a leitura primeira vista.

    3. Capacidade de executar msicas de memria Esta capacidade consiste em memorizar a msica a partir da sua anotao e recria-la

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    auditivamente. O estudante aprende por leitura e toca de cor, sem auxlio da partitura.

    4. Capacidade de tocar de ouvido Neste caso, a msica aprendia e reproduzida auditivamente. Tocar de ouvido significa reproduzir imediatamente depois de ter ouvido uma msica. Essa habilidade tambm mostra-se pela capacidade de executar uma msica em diferentes tons (D Maior, Mi Maior, etc.)

    5 Capacidade de improvisar A capacidade de improvisar pode ser identificada pela capacidade de improvisar uma resposta ou uma frase musical apropriada (mesmo tempo de durao) em resposta a uma frase considerada pergunta. Faz parte dessa capacidade, identificar o estilo do acompanhamento empregado na msica e improvisar de acordo. Ou ainda, improvisar dentro de um estilo preferido: estilo jazz, por exemplo.

    Em seu conjunto, as cinco habilidades variam segundo o tempo que o estudante dedica s atividades de tocar de memria, tocar de ouvido, improvisar, cantar, compor e ensaiar mentalmente, ou pensar a msica executando movimentos manuais correspondentes execuo real no instrumento.

    Embora o conceito de musicalidade tenha se modificado ao longo da histria, ainda est fortemente fundamentado nas habilidades musicais adotadas nas escolas de msica tradicionais. O aspecto negativo da musicalidade identificada com tais habilidades o constrangimento que elas geram nas pessoas que no sabem ler msica. Apesar da expressividade musical ser valorizada e a habilidade de tocar de ouvido seja um indicador de musicalidade desenvolvida, h pessoas muito expressivas, que aprenderam a tocar um instrumento, no entanto dizem que no sabem nada de Msica. Por trs dessa sensao de no saber msica, est a concepo de um conhecimento supostamente inatingvel geralmente atrelado leitura e escrita musical.

    Capacidade de improvisar e ler msica O problema da escrita musical piv da desistncia da aprendizagem

    por parte dos estudantes de instrumento , pode ser abordado de modo reflexivo a partir das concepes dos prprios alunos, num engajamento que conecta a musicalidade ao conhecimento j sistematizado culturalmente. O relato de Anelise T. Schnemann, sobre atividade proposta a estudantes de 9 a 54 anos, parte da improvisao ao piano, como se fosse uma conversa musical, seguida do desafio de registrar suas melodia com as informaes e recursos que desejassem empregar para realizar a tarefa. O resultado foi surpreendente. Havia de modo latente um desejo intenso de dominar a escrita musical, mas como muitos estudantes de msica, havia tambm uma enorme distncia entre prtica musical ao piano e a sua representao grfica. As

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    composies dos estudantes de Schnemann foram registradas tanto em folha pautada quanto em um gravador. Cada um escreveu a sua composio com os ttulos que seguem: Bistr; Perodo de reflexo; Rplica do Bistr; Hip au!; Pokmon; Cano do mar; Eco e outras duas sem ttulo.

    Como se pode observar, os nomes retratam as experincias musicais do cotidiano, desta vez ressignificadas e redimensionadas pela tematizao obtida por meio da escrita musical. A repercusso afetiva dessas conquistas modificou a concepo de escrita musical e motivou os estudantes a inventar e registrar novas composies.

    Conforme a literatura consultada, em todas as culturas onde a msica ocidental ensinada, os estudantes enfrentam problemas na compreenso do significado dos smbolos musicais e sua transformao em sons. Lehmann e Kopitz (2009, p. 343) referem-se aos sinais de leitura empregados amplamente na execuo vocal e instrumental como guia da performence. A expresso sinais de leitura tem sido aceita por msicos experientes para explicar o modo como conseguem rapidamente capturar o significado dos smbolos e obter fluncia na execuo. Segundo os estudos realizados sobre o movimento dos olhos durante a leitura musical, observou-se que os estudantes iniciantes fixam demoradamente os olhos nos sinais de leitura at sua decodificao e realizam muitas pausas na passagem de um para pra outro. Entre os msicos experientes esse processo rpido e sistemtico, evidenciando que, alm das habilidades musicais j conhecidas como pertinentes musicalidade, as habilidades de leitura e a habilidades de performance se realimentam mutuamente (LEHMANN E KOPITZ, 2009, p. 346).

    Capacidade de tocar de ouvido A seguir veremos o relato de uma menina em sua busca insistente por

    compreenso da escrita. Os tropeos dos estudantes para tirar de ouvido uma msica ao piano de grande interesse pedaggico. Simone Velho, acompanhando as aprendizagens de sua aluna de piano nos conta que o procedimento foi o seguinte. A professora e sua aluna EST (9;1) cantaram juntas a cano do folclore gacho Pesinho. EST pronuncia cada slaba e procura no piano o som correspondente. De incio, EST j encontra o seu primeiro obstculo, pois as trs primeiras notas da melodia deveriam ser executadas na mesma tecla A professora j havia expolicado que os sons poderiam subir e descer mas, at aqui, a menina no tinha se dado conta de que, alm de subir e descer, a nota tambm poderia permanecer no mesmo lugar. A segunda dificuldade foi quando surgiu a nota si bemol. EST ficou tentando entre as notas vizinhas si e l natural, at que a professora lhe sugere buscar o som desejado tambm nas teclas pretas. A parti disso, toda a melodia foi reproduzida. Dando continuidade: E a mo esquerda? pergunta a menina.

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    A primeira reao de EST foi reproduzir na mo esquerda a melodia da mo direita. Alertada pela professora de que tal repetio no seria um acompanhamento, EST iniciou a construo do acompanhamento atravs de tentativas aleatrias de combinar as notas da mo esquerda com as notas da mo direita. O passo seguinte foi solucionar a breve antecipao da mo direita no incio da cano, ou o anacruse (Ai bota aqui.). Inicialmente o ataque foi conjunto, mas logo solucionou o problema. Como se estivesse regendo, deu a entrada para a mo direita atravs da antecipao da nota correspondente ao incio da cano. Para a prxima escolha de nota para acompanhar a melodia EST justificou a sua escolha dizendo: Porque este mais bonito, mais agudo, assim (tocando ao piano a nota escolhida)!. Para dar continuidade ao arranjo da mo esquerda, novamente por sugesto da professora, que assistia suas tentativas frustradas, sugere que explore as teclas pretas. Depois de muitas tentativas a aluna declarou que a nota si bemol seria a melhor opo para o acompanhamento.

    Segundo as anlises de Simone Velho, o que pde ser observado como padro no raciocnio harmnico de EST foi a estratgia de colocar uma nota nova para mo esquerda quando havia mudana de altura na mo direita. Porm, logo em seguida, EST quebrou esta regra e deixou a prxima nota da melodia sem nenhum suporte harmnico, nem demonstrou interesse em fazer isto. Suas decises so usualmente justificadas pelo gosto musical: O mi o melhor!

    O resultado da primeira frase da cano, finalizada no segundo encontro, pode ser observado na figura 1. (vide final do texto). Ao finalizar seu trabalho decretou: Gostei!. Na figura 2, (vide final do texto) pode-se observar as decises de acompanhamento eleitas pela aluna. As decises estticas durante a composio envolvem, segundo Barret (1996, p. 37) anlise, comparao, interpretao, expresso de preferncia, avaliao, julgamento de valor e veredicto final. So todas elas dimenso da musicalidade humana aprendidas e desenvolvidas no contexto cultural e transpostas para o terreno musical como uma estratgia vivel.

    A conscincia de autoria experimentada nessa atividade, pode ser observada na interveno da professora: EST, esta melodia j existe. Mas ser que existe este mesmo acompanhamento? Ao que a aluna responde: Ah... pode ser algumas coisas iguais, algumas coisas diferentes.

    O que aprendemos sobre a msica e musicalidade na infncia? Contrapondo os que defendem que o ambiente e os fatores sociais

    determinam at onde o ser humano pode prosseguir, Abramo (2008) acredita que assim como adquirimos traos que marcam nossa conscincia, tambm podemos resistir e questionar essas influncias, criando foras ao contrrio para garantir nossa integridade. No contexto da sala de aula, os educadores

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    fazem opes, rejeitam algumas alternativas a criam outras; abrem o espao para construir uma estrutura que os unifique e lhes d identidade. No pequeno espao da sala de aula os educadores constroem suas narrrativas e traam suas histrias a partir do que acreditam e valorizam. Precisamos ouvir as histrias desses educadores. (ABRAMO, 2008, p. 93-97)

    Sandra Rhoden, embora tenha recebido uma formao musical convencional, por influncia de Jeanne Bamberger eminente pesquisadora musical do Massachusetts Institute os Tecnologie (MIT) , tem se dedicado s grafias espontneas infantis, procurando apreender seu significado no contexto onde elas emergem. Em sua prtica pedaggica, Sandra optou por adotar a notao livre como uma nova prtica. Antes de fazer essa escolha, no questionava seu modo de trabalhar, colocava as notas musicais no quadro e as crianas copiavam e executavam.

    Ao refletir sobre sua nova maneira de ensinar, pde avaliar o impacto de sua ao pedaggica na aprendizagem dos seus alunos. Segundo seu depoimento, uma ao pedaggica que no se restringe a realizar inmeras tcnicas e atividades que possam ser reproduzidas pelas crianas, mas em criar estratgias que possibilitem pensar o som e refletir sobre o seu significado.

    Conceber a musicalidade na infncia como uma construo que toma por base uma determinada concepo de msica, convm esclarecer o que pensamos. Apoiadas nas pesquisas de Jane Davidson (2009) compreendemos que o fazer musical no um fenmeno meramente auditivo. Para as mais variadas comunidades, msica experincia de vida. Dela fazem parte os gestos, as intenes, a performance corporal e a prpria msica executada, com as nuanas das interpretaes e todos os recursos expressivos que ela comporta. Detalhes musicais so coordenados a significados no verbais expressos corporalmente. Estalos com os dedos, movimentos de braos e o balano do corpo regulam a performance e sugerem quando sero realizadas as acentuaes e as nfases durante a execuo musical (DAVIDSON, 2009, p.368).

    Essa maneira de conceber a msica como prtica social com significado compartilhado entre os participantes precisa ganhar espao tambm enquanto concepo de musicalidade.

    Refletir sobre musicalidade uma ao que se volta para mudana, abandonando os velhos hbitos enrijecidos, que imps barreiras a tantas pessoas. adotar uma viso mais ampla da prtica musical, que seja ao mesmo tempo um movimento de revitalizao e atualizao do pensamento musical, que leve em conta o que acontece com a msica e a educao, com as prticas musicais, e com a compreenso e o ensino de msica na formao das crianas (JOHNSON, 2009, p. 17). Essa viso modifica a concepo de musicalidade voltada para um produto final, oriundo diretamente de um

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    trabalho rduo e persistente, para voltar-se para outras prticas inclusive aquelas que os alunos podem realizar sem o auxlio do professor.

    A msica no contexto cultural McCarthy (2009) observou que estamos modificando nossa maneira de

    pensar. Temos lido muito sobre a natureza da msica e o significado musical. Buscamos compreender as funes da msica como uma realizao humana e como fenmeno scio-cultural. Desde o final no sculo passado temos acompanhado o emprego de vocbulos novos para dar conta de novas nfases na rea da educao musical: musicing para designar pessoas que apreciam ou fazem msica; musik-making para referir-se ao fazer musical como prtica social, entre outros. Os educadores so convocados a refletir e reavaliar o modo como ouvem e vem a msica; a ouvir a partir de novos significados do som no contexto e olhar com novos olhos as interaes com a msica, os lugares e os sons; os valores que so transmitidos no ato de fazer msica, bem como o papel social e cultural do contexto na formulao do significado musical (McCARTHY, 2009, p. 29)

    As escolas de msica no so o nico espao onde as pessoas aprendem a tocar um instrumento musical e a conviver com a msica. Em nossa sociedade h espao para formao de comunidades de prtica, formado por pessoas com afinidades comuns, que se engajam num processo coletivo para aprender e compartilhar conhecimentos musicais. Estar juntos e aprender, desenvolver algum domnio e pratic-lo o que define essas comunidades (WENGER, 2009). Podemos apreciar tais comunidades de prtica entre idosos que se renem para praticar, aprender a cantar ou danar; grupos de afinidade religiosa que encontram na msica a prtica que os mantm unidos.

    A musicalidade, na perspectiva que abordamos neste texto, deixa claro que o conceito complexo. Boa parte dos nossos conceitos sobre msica e musicalidade apia-se nas idias da msica ocidental: nas grandes obras, nos compositores imortais, nos grandes maestros, em sinfonias, concertos e outras tantas prticas tpicas da Msica Tonal. Ela tambm a base do conceito de musicalidade que orienta as prticas pedaggicas em Educao Musical. Como observou Brbara Tillman (2005) desenvolvemos a sensibilidade para apreender regularidades e a estrutura do Sistema Tonal pela simples exposio a ela em nossa vida diria. A pesquisadora refere-se ao conhecimento implcito que agrega as funes tonais e os acordes, e as relaes entre as escalas musicais. Com base tambm nessas estruturas, mesmo no sendo msicos, as pessoas so capazes de desenvolver competncias musicais, inclusive ter expectativas com relao ao que poder suceder no decorrer da audio de uma pea musical (TILLMAN, 2005, p. 101). Todas essas consideraes mostram que o trabalho de desconstruir conceitos

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    e preconceitos na rea da msica enorme. Mudamos muito, como bem disse McCarthy (2009) e intelectualmente essas mudanas j se fazem notar entre os educadores musicais. Restam, ainda, os valores, costumes e crenas que sobrevivem aos avanos cientficos.

    Figuras: p.

    Figura 1: Primeira frase da parte A da cano Pezinho Registro feito conforme a interpretao da aluna, isto , sem anacruse

    Figura 2: Segunda frase da parte A da cano Pezinho

    Referncias

    ABAMO, Melissa. Music Educator as Change Agent. In.:THOMPSON, Linda; CAMOPELL Mark Robin (Eds) Music Teaching &Learning. A volume in Advances in Music Education Research. Charlotte: IAP, 2008. p. 91-109.

    BARRET, Margaret. Childrens aesthetic decision-making: an analysis of childrens musical discourse as composers. International Journal of Music Education, n. 28, p. 37- 61, 1996.

    DAVIDSON, Jane Movement and collaboration in musical performance. In.: HALLAM, Susan. Cross, Ian; THAUT , Michael. The Oxford Handbook of Music Psychology. Oxford: Oxford University Press, 2009.p. 362-376.

    GAMBRIS, Heiner (ed) Musical Development from Lifespan Perpective. Frankfurt: Peter Lange, 2006.

    JOHNSON, Roger .Critically Reflective Musicianship. In.: REGESKI, Thomas A.; GATES, Terry (eds) Music Education for Changing Times. Guiding visions for practice. London: Springer, 2009. p. 17-26.

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    LEHMANN , Andreas e KOPITZ, Reihnhard . Sight-reading. In.: HALLAM, Susan. Cross, Ian; THAUT , Michael. The Oxford Handbook of Music Psychology. Oxford: Oxford University Press, 2009.p. 344-351.

    McCARTHY, Marie. Re-thinking Msic in the contexto f Education. In.: REGESKI, Thomas A.; GATES, Terry (eds) Music Education for Changing Times. Guiding visions for practice. London: Springer, 2009. p. 29-37.

    McPHERSON, G. E., et. al., Path analysis of a theoretical model to describe the relationship among five types of musical performance. Journal of Research in Music Education. v. 45 (Spring 1997) p. 103-29.

    SPAHN, Claudia; RICHTER, Berhard. The Development of the Singer Voice Across Lifespan. In: GAMBRFIES, Heiner (ed) Musical Development from Lifespan Perspective. Frankfurt: Peter Lange, 2006. p. 110-130.

    TILLMANN, Barbara Ann. Implicit Investigations of Tonal Knowledge in Nonmusician Listeners. N.Y. Acad. Sci. 1060: 100110 (2005). 2005 New York Academy of Sciences. doi: 10.1196/annals.1360.007. Acesso em: 19 fev 2009.

    WENGER, Etienne. Communities of practice a brief introduction. Disponvel em: . Acesso em: 19 fev 2009.

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    MUSICALIDADE NA EDUCAO A DISTNCIA: TECNOLOGIAS A SERVIO DA EDUCAO MUSICAL

    Luciane Cuervo Instituto de Artes- UFRGS

    Leonardo Borne Faculdade de Educao- UFRGS

    RESUMO: De carter ensasta, esse texto reflete sobre a atuao de membros do corpo social em Educao a Distncia, especialmente o docente, tutor e aluno no Programa de Licenciatura em Msica (PROLICENMUS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Abarca a fundamentao terica e reflexo sobre o desenvolvimento da musicalidade em ambiente virtual com a utilizao das Tecnologias de Informao e Comunicao e (TIC). Compreendendo a musicalidade como uma caracterstica humana, sero discutidos temas interdisciplinares que envolvem pesquisas de autores da educao, educao musical, psicologia e tecnologias em educao. As reflexes so acompanhadas de fragmentos de relatos de classe, os quais exemplificam o contexto referido na inteno de conhecer, interagir e contribuir no processo de ensino-aprendizagem dos professores-discentes, j que cursam um programa que visa qualificar docentes que j atuam em sala de aula, mas no possuem legitimao legal (licenciatura). Palavras-chave: musicalidade; educao a distncia; desenvolvimento musical.

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    Introduo Nesse texto, de carter ensasta, abordaremos o desenvolvimento da

    musicalidade na Educao a Distncia (EaD), conectando com relato de experincias nos papis de docncia e de tutoria no curso desenvolvido pelo Programa de Licenciatura em Msica (PROLICENMUS) da UFRGS. Importante registrar que este um programa de formao inicial direcionado a professores que atuam nos sistemas pblicos de Ensino Fundamental ou Mdio e no tm habilitao legal para atuao (licenciatura).

    O desenvolvimento musical ser abordado fundamentando-se na concepo de musicalidade como uma caracterstica humana. Para fomentar a reflexo sobre esse tema, discutiremos trabalhos de forma interdisciplinar a partir de pesquisas de autores da educao, educao musical, psicologia e tecnologias em educao, destacando-se Gembris (1997), Maffioletti (2001), Krger (2006) e Cuervo (2009).

    Existe uma necessidade latente de sistematizao da abordagem pedaggico-musical no ensino a distncia, bem como estudos que acompanhem o desenvolvimento do aluno, buscando compreender como se d o processo de ensino-aprendizagem considerando sua subjetividade e complexidade intrnsecas, bem como as matizes que o compe. Por Educao a Distncia, entende-se que este o processo de ensino-aprendizagem, mediado por algum recurso de comunicao, onde professores e alunos esto separados espacial e/ou temporalmente (UFRGS, 2007, p. 27)

    A partir da pesquisa de mestrado (CUERVO, 2009), a qual envolveu o estudo da musicalidade humana, buscamos compreender o desenvolvimento musical dos alunos na EaD, colocando-nos os seguintes questionamentos:

    Como se d o desenvolvimento da musicalidade no ensino a distncia?

    Como as Tecnologias de Informao e Comunicao nos ambientes virtuais de aprendizagem podem confluir neste desenvolvimento?

    Ao entender a musicalidade como natural ao ser humano, afirma-se a capacidade de todo indivduo de se desenvolver musicalmente, contextualizado ao seu ambiente sociocultural, no que a EaD vem a ser mais um mecanismo potencializador.

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    Reflexes sobre o conceito de musicalidade A musicalidade a chave para experimentar os valores do fazer

    musical. [...] pode ser ensinada e aprendida (ELLIOT, 1998, p. 26). O termo musicalidade vem sendo utilizado cotidianamente no ensino,

    aprendizagem, execuo e apreciao musical no Brasil. No entanto, consta-se a escassez de publicaes que abordem esse tema, especialmente no contexto da Educao Musical brasileira, conforme pesquisa concluda recentemente (CUERVO, 2009).

    Gembris (1997) analisou o conceito de musicalidade na interface histrica, identificando trs fases: a Fenomenolgica, entre 1880 e 1910/1920, a qual consistia na nfase na discriminao musical, na distino entre a msica boa da medocre. A segunda fase, Psicomtrica, com ocorrncia a partir de 1920 e chegando aos nossos dias, onde o principal objetivo o de testar habilidades musicais, independentemente dos aspectos socioculturais do indivduo. A terceira fase destacada como a de gerao de sentido musical, relacionada habilidade musical de compreender e transmitir o sentido da msica que est sendo executada, ouvida ou criada. Gembris (1997) fundamenta-se nos trabalhos de Sloboda (1997), Blacking (1997) e Stefani (2007), entre outros autores. Em afinidade com a terceira abordagem, adotamos um referencial terico que privilegia esse conceito dentro do contexto sociocultural de atuao docente, e o direcionamento das pesquisas que mapeiam os indicadores desse conhecimento foram analisados, considerando a musicalidade no como um dom ou um talento inato, mas um conhecimento que pode ser desenvolvido e potencializado na educao musical.

    A concepo contempornea de musicalidade, tambm chamada habilidade ou competncia musical, descrita como a capacidade de gerao de sentido, de acordo com Gembris (1997), Maffioletti (2001), Swanwick (2003) e Stefani (2007), compreendendo o saber, o saber fazer e o saber comunicar (STEFANI, 2007, p.1). O uso do termo adequado para se referir musicalidade uma dificuldade tambm mencionada por Alda Oliveira, tradutora da obra de Swanwick (2003). Em nota de rodap (p. 84), explica que no h palavras em nosso vocabulrio que possuam o mesmo significado atribudo a musicality e musicianship, sendo a primeira ser relacionada a talento natural e a segunda a habilidade adquirida e sensibilidade.

    Pesquisadores brasileiros tambm utilizaram distintos termos, como expressividade do discurso musical, de acordo com Frana (2000) ou talento musical, para Figueiredo e Schmidt (2005; 2008).

    Todas as pessoas podem vir a desenvolver sua musicalidade, dependendo de um contexto favorvel em diversos aspectos, o qual englobaria um ambiente familiar e escolar propcio, como tambm a

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    oportunidade de interagir em diversas modalidades da experincia musical ao longo da vida. A qualidade da interao entre o sujeito e o objeto dada por dois fatores complementares: um sujeito ativo num meio desafiador (BECKER, 1999, p. 18).

    Alguns autores relacionam a capacidade para a msica com a capacidade universal para a linguagem, como Ilari (2006), Sacks (2007) e Sloboda (2008). Para Sloboda (2008, p. 25), dizer que a linguagem e a msica so universais dizer que os humanos tm uma capacidade geral de adquirir competncias lingsticas e musicais.

    Nesta direo, compreende-se que todos tm mecanismos necessrios para o desenvolvimento musical, e, assim, derrubam-se teorias que valorizam o talento de poucos privilegiados, aqueles que merecem aprender. Lamentavelmente, ainda hoje se verifica em escolas, conservatrios e aulas particulares de msica a concepo de que necessrio potencializar aqueles que j possuem o dom da msica. Isso contradiz os princpios universais da educao humana, nos quais todos podem aprender e tem o direito de acesso ao saber e ao saber-fazer.

    No perodo contemporneo, no qual h intenso bombardeio de sons e rudos de todas as formas, assim como os mais variados modelos de aparelhos de difuso sonora individuais e coletivos, a conscientizao, a preservao e a emisso natural da voz deveriam constar como prioridades no planejamento pedaggico-musical. Por outro lado, no possvel ignorar a imerso de crianas, adolescentes, adultos e idosos em uma grande rede de diversidade musical, os quais, influenciados pela famlia, escola, rua e mdia, encontram suas vivncias, valores e preferncias musicais. Torres (2008) argumenta que a ampla presena da msica difundida em aparelhos portteis torna-se a Msica que nos acompanha, que pode ser levada e compartilhada em diferentes espaos; a msica em movimento (TORRES, 2008, p. 7).

    Os papis do corpo social em EAD Ao buscar subsdios pedaggicos para qualificar para a atuao

    docente e tutorial no ensino a distncia, passamos a estudar as relaes entre o corpo social. Como corpo social em EAD, entende-se o conjunto de pessoas que esto envolvidas no processo: estudantes, tutores e professores, alm dos demais participantes diretos ou indiretos deste processo, os quais compem uma equipe multidisciplinar de atuao.

    Para Tourinho e Braga (2006), por bastante tempo a interao presencial professor-aluno foi considerada essencial para o aprendizado musical. Para esses autores, a EaD utiliza meios impressos, mecnicos,

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    eletrnicos e digitais, sendo os recursos telemticos cada vez mais importantes nessa trajetria (TOURINHO; BRAGA, 2006).

    Ramal (2000) defende que esses novos papis exigiro mudanas nos cursos de formao docente, abertura permanente ao novo, viso crtica na seleo de informaes, sintonia com os desafios de cada momento e ateno constante aos processos educativos, tanto quanto aos resultados. Pesquisadores e educadores como Ramal (2000), Behar (2009) e Franco (2009) enfatizam uma caracterstica fundamental no aluno de EAD: a autonomia.

    Behar (2009) dedica-se pesquisa sobre as competncias mnimas necessrias que devem ser adquiridas e construdas para atuao em EAD. Para ela, o aluno deve conhecer o prprio processo on-line, possuir a capacidade de comunicao atravs principalmente da escrita, ser auto-motivado e auto-disciplinado. Da mesma forma, sua pesquisa inclui a preocupao com a possibilidade de sensao de isolamento por parte do aluno, em funo da distncia fsica do professor. Por isso a motivao deve ser uma palavra-chave de estruturao das relaes entre o corpo social na EAD.

    Pensar o desenvolvimento da musicalidade na EaD significa transportar os estudos e as pesquisas j realizadas para o ambiente virtual de ensino, mas no s isso. A partir desse contexto, vislumbrar formas de oportunizar o acesso do aluno a esse conhecimento e, mais desafiador ainda, a essa prtica, procurando otimizar a utilizao das ferramentas disponveis. nesse ponto que vale o debate sobre o tutor e seu papel. Por normativa legal, o tutor deve ter a formao na rea do curso em que est atuando, e em msica no deveria ser diferente, sobretudo que na EAD temos a aprendizagem centrada no aluno. Podemos distinguir no tutor quatro funes bsicas, sendo elas as funes pedaggicas, gerenciais, tcnicas e sociais. Dessas, com certeza a funo pedaggica a que mais diz respeito ao desenvolvimento da musicalidade, pois onde esto inseridas as experincias musicais que o tutor proporcionar ao aluno. Sendo assim, o domnio da msica e da linguagem musical essencial e primordial ao tutor que atua em cursos ou disciplinas de msica.

    importante salientarmos que o tutor tem o papel de facilitar a aprendizagem, articular e sistematizar as diferentes reas de conhecimento do curso e proporcionar momentos de aprendizagem coletiva.

    O professor, por sua vez, precisa estar atento necessidade de articulao entre o conhecimento terico ao contexto da docncia, possuindo uma atitude investigativa, receptiva e motivadora, na promoo e auxlio construo do conhecimento (CUERVO, 2009). Estas qualidades, na verdade, deveriam estar presentes em qualquer modalidade de ensino, seja ela presencial, semi-presencial ou a distncia.

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    Musicalidade no Ensino a Distncia: metodologia e avaliao Para Behar (2009), estamos em contato com novos modelos

    pedaggicos e uma nova noo de tempo e espao. A pesquisadora defende que o debate sobre estes novos paradigmas necessrio, argumento comprovado por inmeros estudos, como de Ramal (2000) que entende o computador como um novo ambiente cognitivo, ou seja compreender que no contexto digital mudam as nossas formas de pensar e, portanto, de aprender (RAMAL, 2000, p. 1).

    Krger (2006) ao citar o trabalho de Sancho afirma que, na educao, h muitas formas de utilizao das TIC, como computadores e ferramentas para EaD via Internet, ambientes para vdeo ou teleconferncia, ambientes de realidade virtual, etc., alm de aparelhos eletrnicos como televiso, rdio, som, entre outros materiais. No entanto a autora enfoca, no estudo utilizado aqui como referncia, o que ela chama de novas TIC, especificamente os softwares educativomusicais e as ferramentas de EaD via Internet.

    Morin (2009) acredita que as tecnologias interativas na educao a distncia, destacam o que deveria ser o ncleo de qualquer processo educativo: a interao e a interlocuo entre os que esto envolvidos nesse processo.

    Do ponto de vista da docncia em EAD, reportamos aqui a duas interdisciplinas (aqui com o significado de conexo intra-reas e interdisciplinaridade) que so ministradas em nvel de graduao, Educao Brasileira e Didtica da Msica, e fazem parte dos chamados Tpicos em Educao, que compe o eixo pedaggico do Prolicenmus. Tambm fazem parte da grade curricular do curso os eixos de Estruturao Musical, Execuo Musical, Formao Geral e Conduo e Finalizao. Por exigirem maior nmero de atividades prticas, as interdisciplinas de execuo e estruturao utilizam mecanismos distintos das pedaggicas, com maior necessidade de softwares e tecnologias de interao com o material musical.

    Para buscar o exemplo de desenvolvimento da musicalidade em cursos a distncia, traremos breves relatos a partir tanto da experincia docente ( distncia, virtual) quanto da experincia de tutoria (in loco e presencialmente), conforme segue.

    Em uma atividade semanal proposta, solicitamos que o aluno ouvisse o primeiro movimento (Allegro) da obra La Primavera de Vivaldi atravs de um link do Youtube que inclua a imagem da partitura integral do movimento. Aps a apreciao, ele deveria anotar suas impresses a respeito da apreenso de elementos musicais do repertrio, como instrumentao, forma, gnero, carter, andamento, etc. Essa atividade foi proposta na unidade Avaliao em Msica da interdisciplina Didtica da Msica, na qual foi

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    amplamente discutido os critrios de avaliao em apreciao musical, sendo apresentado os nveis de avaliao encontrados por Swanwick (2003). As tarefas entregues foram extremamente significativas para o entendimento de concepes de msica e competncias necessrias ao educador musical, pois apesar da proposta da atividade ser flexvel (no era exigido aprofundamento das informaes relatadas como resultado da apreciao), muitos alunos sentiam-se aqum das capacidades para a realizao dela, como o Relato 1 (os nomes dos alunos foram excludos para preservar suas identidades):

    A principio foi uma experincia desafiadora e preocupante, pois ainda tenho pouco discernimento para definir instrumentos; ouvi a cano vrias e vrias vezes para tentar identificar os instrumentos, mas confesso que j conhecia a obra. Relato 1 . set, 2009

    Ao longo de seu relato da apreciao, este aluno consegue definir corretamente os instrumentos, caractersticas estilsticas e estruturais da pea ainda que chame um concerto de cordas de cano. Ou seja, ele possua a bagagem de conhecimentos musicais necessrios para realizar a tarefa e, apesar de uma hesitao inicial, obteve xito na atividade.

    O Relato 2 ignora qualquer possvel limitao pessoal, e discursa sobre sua apreciao que inclui impresses sobre instrumentao, ornamentao, tessitura, carter, andamento e valor da msica, como pode ser observado nesse trecho de seu trabalho:

    A msica tem constantes mudanas, em que so empregados alguns artifcios tcnicos, como o compositor imprimir um som caracterstico da natureza, fazendo-nos (ns ouvintes) percebermos a questo do tempo, do clima e imaginar a msica, o que transcende o ato de ouvir. Relato 2. set. 2009

    No debate de um dos fruns dessa Unidade de Ensino, foi recorrente o comentrio de alunos que passaram a ver a avaliao em apreciao musical a partir de outros pontos de vistas, como mecanismos de acompanhamento do aluno, de desenvolvimento de habilidades, entre outros elementos, como consta no Relato 3:

    A Avaliao em Apreciao Musical desenvolve a percepo, a sensibilidade, o senso crtico e analtico, ampliando os conhecimentos de forma significativa.

    Swanwick nos orientou oito critrios que esto descritos no contedo desta unidade, vale a pena reler esta parte. Relato 3. set. 2009

    De acordo com Gohn (2009), um programa de EaD que se prope a trabalhar a apreciao musical, deve basear-se na tradio do estilo que o

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    objeto de estudo, mas mantendo aberta a criatividade do ouvinte e construindo sua capacidade de julgamentos de valores. Para o autor, tal tarefa pode ser um desafio mais complexo do que podemos imaginar inicialmente.

    No campo das experincias de tutoria presencial, foi proposta uma atividade simples: trs acordes (a saber: R maior, Sol maior e L maior, no necessariamente nesta ordem) com a seguinte consigna em grupos, nos seus instrumentos, teclado ou violo, coloquem esses acordes na forma de acompanhamento na msica Atirei o pau no gato - cabe dizer que dos professores aqui envolvidos, apenas um tem uma bagagem musical desde antes do curso, e que todos os outros apenas eram consumidores da mdia musical. Agruparam-se em quatro grupos, um de violo e trs de teclado. Os grupos de teclados notaram que a msica era quaternria simples e fizeram um padro de acompanhamento (acompanhamento de marcha). Em pouco menos de trinta minutos os grupos de teclado haviam concludo a atividade. J o grupo de violes teve facilidade em identificar os locais das mudanas harmnicas, porm deteve-se mais constatao da mtrica quaternria e no encaixe do acompanhamento, chamado por eles de levada da batida.

    interessante notar a noo da percepo harmnica e rtmica que eles estavam desenvolvendo. No foi realizada nenhuma anlise profunda deste recorte, porm podemos inferir que o envolvimento com o universo musical por si s j subsidia o desenvolvimento da musicalidade, que depois expressa atravs do fazer musical, representado por essa atividade especfica. Um ponto de importncia a constatao por parte de um dos grupos de teclado que havia alguma coisa faltando. Naquele momento especfico eles ainda no possuam o conhecimento necessrio para pensar em um acorde que teria a funo de dominante secundria (no caso, conduzindo para a subdominante) que podemos ter na referida cano, porm o senso harmnico deles j estava solicitando alguma coisa a mais que eles no identificavam o que seria.

    Estes foram pequenos recortes de experincias docente e tutorial na EaD, em um processo que exige permanente estudo e qualificao, assim como a modalidade presencial. A aprendizagem musical, assim, semelhante em qualquer ambiente, necessitando de mudanas e adaptaes metodolgicas e tecnolgicas de acordo com o contexto, com distintas possibilidades e necessidades de interao. Para Swanwick:

    A aprendizagem musical acontece atravs de um engajamento multifacetado: solfejando, praticando, escutando os outros, apresentando-se, integrando ensaios e apresentaes em pblico com um programa que tambm integre a improvisao. Precisamos tambm encontrar espao para o engajamento intuitivo pessoal do aluno, um lugar onde todo o conhecimento comece e termine (SWANWICK, 2008, p. 2).

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    No entanto, devemos estar atentos para que essas tecnologias no sejam meras transposies de exerccios convencionais, de um tipo de ensino j saturado at mesmo no ambiente presencial. De acordo com Krger (2006), esse um dos aspectos mais criticados em relao s novas TIC na educao. Para ela, as TICs podem promover outras e novas abordagens pedaggicas, no precisando ser abordadas apenas como uma nova roupagem para um determinado tema. (KRGER, 2006. p.27)

    Paulatinamente, vm surgindo e sendo exploradas novas formas de construir o processo de ensino-aprendizagem em msica no ambiente virtual, o qual possui semelhanas e diferenas fundamentais em relao ao ensino presencial.

    Consideraes finais Ainda que sustentemos que a aprendizagem musical ocorra da

    mesma forma, entendemos que a Educao Musical, mediada pela Internet, possui peculiaridades que talvez permitam maior conhecimento e necessidade de interao com recursos tecnolgicos muitas vezes desprezados no ensino presencial. No entanto, o contexto afetivo da relao com a mquina no superado de forma imediata, sendo tambm esta uma construo necessria na qual a autonomia de estudo e a presena do tutor local influiro de forma definitiva.

    Especialmente no atual contexto da Educao Musical brasileira, influenciada pela aprovao da Lei. 11.769 (2008) que traz a msica para a Educao Bsica no Pas, os cursos de qualificao oportunizados pela EaD contribuiro significativamente na formao de grande demanda existente.

    Apesar dos problemas enfrentados, na verdade presentes em qualquer modalidade de ensino, necessrio valorizar o que j foi alcanado atravs de intenso investimento de polticas pblicas de qualificao e formao de profissionais j em atividade no Pas.

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    CANTIGAS DE NINAR: UMA INVESTIGAO SOBRE AS CANES QUE EMBALAM O SONO

    Cristina Rolim Wolffenbttel Fundao de Arte de Montenegro:

    Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

    RESUMO Esta comunicao de pesquisa apresenta alguns resultados da investigao sobre cantigas de ninar, premiada no Concurso Jovem Pesquisador/1988, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na ocasio os objetivos foram constatar a vigncia das prticas de acalantos no Rio Grande do Sul, alm de coletar, transcrever para partitura musical e analisar tcnico-musicalmente as cantigas de ninar presentes no ato de embalar. Atualmente, procuro aprimorar a anlise dos acalantos, buscando, alm dos elementos musicais, as interfaces no-formais entre esta prtica cultural e as relaes que se estabelecem no mbito em que ocorrem, transversalizando com a educao musical. No presente texto so apresentados alguns dados da pesquisa, incluindo caminhos metodolgicos percorridos, aspectos histricos das cantigas de ninar, caractersticas das cantigas de ninar, importncia da prtica das cantigas de ninar e algumas consideraes finais as quais cheguei at o momento. Palavras-chave: Musica na Infncia, Musicalidade, Educao

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    Em meados de 1988, desenvolvi uma investigao sobre as cantigas de ninar, sendo que pude contar com o financiamento da mesma, atravs da premiao no Concurso Jovem Pesquisador, junto Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na ocasio, os objetivos do trabalho foram constatar a vigncia das prticas das cantigas de ninar no Rio Grande do Sul, alm de coletar, transcrever para partitura musical e analisar tcnico-musicalmente as canes praticadas no ato de embalar. Esse trabalho, em diferentes dimenses, teve suas concluses apresentadas anteriormente (WOLFFENBTTEL, 1995, 1991, 1989).

    Atualmente, continuo a pesquisar sobre as cantigas de ninar e busco, aprofundando os conhecimentos sobre os elementos musicais presentes neste gnero musical e estabelecendo interfaces com a educao musical.

    Na presente comunicao apresento alguns dados desta pesquisa, incluindo caminhos metodolgicos percorridos, aspectos histricos das cantigas de ninar, caractersticas das cantigas de ninar, importncia da prtica das cantigas de ninar e algumas consideraes finais as quais cheguei at o momento.

    Caminhos metodolgicos

    Os caminhos metodolgicos trilhados para a realizao desta pesquisa incluram o levantamento bibliogrfico, o qual foi a etapa inicial, objetivando um esclarecimento quanto ao tema em estudo; alm disso, esse levantamento serviu como ponto de partida acerca dos modos pelos quais a temtica tem sido abordada pelos demais pesquisadores. Salientou-se o parco nmero de estudos a respeito. Posteriormente, realizei um levantamento das partituras musicais existentes de acalantos, ou com os nomes correlatos, eruditos ou populares (cantigas de ninar, nana nen, acalantos), buscando conhecer a produo artstica desse gnero musical. Encontrei aproximadamente 97 partituras musicais de compositores eruditos incluindo os brasileiros e de outros pases, e oito composies de cantigas de ninar populares.

    A coleta dos dados empricos, quais sejam, as cantigas de ninar praticadas no mbito familiar, foi realizada em 15 cidades do estado do Rio Grande do Sul, quais sejam, Canoas, Estrela, Gravata, Lajeado, Montenegro, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Santo ngelo, So Luis Gonzaga, Torres, Tupanciret e Uruguaiana. Nesta etapa da coleta dos dados registrei 61 cantigas de ninar.

    Aps a coleta dos dados, tive o cuidado de elaborar o registro grfico das melodias, realizando a transcrio musical para partitura musical. Este procedimento possibilitou as etapas posteriores da pesquisa, caracterizadas pela anlise tcnico-musical e caracterizao das cantigas de ninar no Rio

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    Grande do Sul. Na atualidade da pesquisa, transversalizo os dados, estabelecendo interfaces com a educao musical.

    Apresento, a seguir, alguns aspectos histricos das cantigas de ninar, cujas informaes foram obtidas no incio da pesquisa, constituindo-se referencial terico-analtico da mesma.

    Aspectos histricos das cantigas de ninar

    De um modo geral as cantigas de ninar so pequenos trechos musicais, com uma letra singela, prpria para embalar crianas, fazendo-as adormecerem. A melodia muito simples, constituindo-se uma das formas mais rudimentares de canto. Para se referir a esse tipo de cano existem, tambm, outros termos, como cantigas de embalar, cantigas de bero, acalento, canto de bero, dorme nen e nana nen (WOLFFENBTTEL, 1995, 1991, 1989).

    Entretanto, no somente no Brasil podem ser encontradas as cantigas de ninar. Praticamente em todo o mundo, incluindo povos primitivos, as cantigas de ninar podem ser encontradas. De acordo com o pas ou regio, os nomes apresentam-se diferentemente. Dentre as localidades, podem ser encontradas as seguintes denominaes para as cantigas de ninar: wiegenlied ou wiegenganz, na Alemanha e Holanda; liulkova piesen, na Bulgria; lulle, na Dinamarca; cancin de cua, coplas de cua, nanas, na Espanha; lullaby, nos Estados Unidos; berceuses, endormeuses, na Frana; lullaby, na Inglaterra; ninne nannes, na Itlia; wiegenganz, na Macednia; cantiga de macuru, no idioma Nheengatu; kalebka, na Polnia; cantigas de arrolar ou de embalar, em Portugal; bresarella ou bresarello, no Provenal Moderno; cntec de lgan (lagan), na Romnia; kolyblhnaia, na Rssia; e lulla, na Sucia (WOLFFENBTTEL, 1995).

    Quanto historicidade das cantigas de ninar no Brasil podem ser observadas razes de diversos povos. Opto, no entanto, nesta comunicao, por apresentar as influncias portuguesas, africanas e indgenas.

    Segundo Almeida (1942), a maior parte das cantigas de ninar brasileiras so oriundas de Portugal, passando por diversos lares do pas, sendo transmitidas oralmente. Essa contribuio pode ser notada, principalmente, nas referncias a seres fantsticos, como a cuca personagem mtico de Portugal e as figuras ou santos religiosos, como a Nossa Senhora, So Jos, Menino Jesus, dentre outros.

    As cantigas de ninar so, muitas vezes, trechos ou variantes de outras canes. Pode ser entendida a variante como a mesma cano existente em diversas localidades geogrficas, porm modificada em algum aspecto, apresentando caractersticas prprias de cada local. Alm disso, as cantigas de ninar podem se apresentar como canes populares, cantos de igrejas ou

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    mesmo parlendas infantis adaptadas para serem entoadas como cantiga de ninar. Essas parlendas so na maioria de influncia portuguesa, como j referido; se constituem de pequenos versos, de cinco ou seis slabas, servindo para entreter, acalmar, divertir, para escolher que deve iniciar o jogo ou para escolher os participantes da brincadeira. Um exemplo bastante conhecido no Brasil a frmula de escolha Um, dois, feijo com arroz....

    Contudo, a influncia portuguesa no foi exclusiva nas cantigas de ninar brasileiras. Os povos africanos tambm contriburam muito para a caracterizao desse gnero musical no Brasil. Muitas pronncias foram modificadas durante a prtica das cantigas de ninar para os filhos dos senhores, como a palavra fio, ao invs de filho, entre outras modificaes da letra (FREYRE, 1987).

    As palavras onomatopaicas, ou seja, termos que imitam o som natural da coisa significada, bem como as palavras africanas, como tutu, angu, cururu, sururu, calunga, tambm esto muito presentes nas cantigas de ninar. Dessa forma, as mes pretas embalavam os filhos dos senhores, sendo esta uma contribuio que permaneceu muito presente no Brasil, transmitida a diversas geraes (FREYRE, 1987).

    Na cantiga de ninar Tutu maramb, encontrada em quase todo o Brasil, constata-se a presena do Tutu, animal informe e negro. No h nenhuma referncia a sua aparncia; no entanto, ao ser mencionado o seu nome, as crianas ficam com medo e dormem. Conforme Cascudo (1983), a palavra tutu uma corruptela de quitutu, do idioma quimbundo ou angols, que significa papo ou ogre. Correlatamente decorrem os sinnimos temvel, poderoso e assustador. Possui muitos nomes, correndo os Estados e com as naturais adaptaes locais, como Tutu-Zamb, camb ou zambeta, o Tutu-Marambaia ou Marab, ou Tutu-do-Mato e da o Bicho-do-Mato.

    Alm de tutu, outros seres mitolgicos esto presentes nas cantigas de ninar e histrias infantis, como a cuca - ou coca, e a bruxa, entre outros.

    As cantigas de ninar indgenas so, tambm, extremamente fascinantes. Muito carinhosos, os ndios, ao acalantar seus filhos, costumam proceder de modo caracterstico e amoroso, o que influenciou marcadamente o Brasil (FREYRE, 1987). Cascudo (1984) referia-se contribuio indgena, exemplificando com uma cantiga de ninar de origem tupi, na qual se solicita emprestado ao Acutipuru o sono ausente ao curumi. Nos versos da cantiga Joo Curututu so encontrados diversos termos de origem tupi-guarani, como curututu manto feito com fibra de urtiga grande; murundu montculo de terra; e calundu irritabilidade, cabea esquentada.

    Joo Curututu de trs do murundu

    vem pegar nen

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    que est com calandu.

    Outro acalanto indgena digno de registro o conhecido Sapo Cururu que, em tupi, significa sapo grande:

    Sapo Cururu na beira do rio

    quando o sapo grita, oh! Maninha! porque tem frio.

    Alm dos portugueses, africanos e indgenas, tambm tivemos contribuies de alemes, italianos, espanhis, povos latino-americanos, franceses, americanos, entre outros. Nesta comunicao, como dito anteriormente, foram tratadas as contribuies iniciais, guisa de caracterizao histrica. Passo, a seguir, a apresentar as caractersticas das cantigas de ninar.

    Caractersticas das cantigas de ninar

    Para a anlise das caractersticas das cantigas de ninar selecionei aspectos no musicais e musicais. Assim, nesta comunicao, trato da emisso vocal, do carter e de algumas caractersticas musicais.

    Quanto emisso vocal: Como j referido anteriormente, a melodia das cantigas de ninar

    bastante simples, podendo, s vezes, ser inventada e improvisada por quem acalanta. Alm disso, a cano tambm pode ser entoada sem a letra original, utilizando outros recursos para a emisso do som da melodia. Dentre as diferentes modalidades que as cantigas podem ser entoadas encontram-se as melopias e as cantigas em boca chiusa.

    A forma de cantar as cantigas de ninar em melopia consiste na emisso das melodias com vogais, como a, o e u, dentre as mais encontradas maneiras de melopia. A modalidade de entoao em boca chiusa apresenta-se com a vocalizao das melodias sem palavras, com a boca fechada, os lbios cerrados, mas os dentes ligeiramente afastados (WOLFFENBTTEL, 1991).

    Quanto ao carter: Quanto ao carter, as cantigas de ninar podem ser classificadas em

    religiosas ou mitolgicas.

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    Enquadram-se nas cantigas de carter religioso as cantigas que se referem a personagens religiosos, como os santos como Menino Jesus, Nossa Senhora, por exemplo anjos e personagens angelicais.

    Uma particularidade quanto ao carter religioso mencionada por Freyre (1987). Para o autor, uma das caractersticas da cultura brasileira a proximidade com os santos e mortos. Eles faziam, de certo modo, parte da famlia. Nas cantigas de ninar portuguesas e brasileiras as mes no hesitavam em fazer dos seus filhos espcies de irmos mais moos de Jesus, com direitos aos cuidados de Maria, s viglias de Jos, s patetices da vov SantAna. A So Jos encarregava-se com a maior sem-cerimnia de embalar o bero ou a rede da criana. o que demonstra o trecho da cantiga de ninar a seguir:

    Embala, Jos, embala que a Senhora logo vem foi lavar seu cueirinho no riacho de Belm...

    Nas cantigas de ninar de carter mitolgico encontram-se presentes seres fantsticos que vm ameaar as crianas, caso estas no adormeam ou demorem a adormecer. Muitos desses acalantos mitolgicos tm origem portuguesa, mesmo que sejam modificados pela natural dinmica destas manifestaes em uma sociedade.

    Quanto s caractersticas musicais: A anlise das cantigas de ninar incluiu diversos aspectos tcnico-

    musicais. Apresento aqueles que considero mais relevantes para os objetivos desta comunicao, que so o andamento e a dinmica.

    O andamento, ou o grau de maior ou menor velocidade na execuo de uma msica, um fator preponderante e caracterstico nas cantigas de ninar, bem como o responsvel, por assim dizer, pelo adormecimento da criana, objetivo precpuo deste gnero musical. Normalmente, a velocidade o aspecto mais importante presente nesses cantos; as cantigas de ninar so lentas e essa caracterstica resulta a monotonia necessria ao adormecimento das crianas. Grande parte das cantigas de ninar coletadas na pesquisa possuem andamentos lentos ou, no mximo, moderados (WOLFFENBTTEL, 1991).

    Outra caracterstica musical caracterstica das cantigas de ninar a dinmica, ou seja, o volume ou o grau de intensidade no qual se desenvolve uma determinada msica. Nos acalantos coletados observei que a dinmica apresenta o predomnio do suave ou meio suave, o que se justifica pela

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    prpria finalidade de encaminhar ao adormecimento (WOLFFENBTTEL, 1991).

    Importncia da prtica das cantigas de ninar

    um tanto difcil negar a importncia dos acalantos para a criana, quer seja do ponto de vista psicolgico ou musicolgico. E, a razo para isso reside no fato de que, a criana acalentada aquela que recebe carinho dos pais - ou familiares. Muitas vezes, a prtica de entoar cantigas de ninar acompanhada do embalo e de outros estmulos, visto que, normalmente, os pais que cantam cantigas de ninar para seus filhos tambm brincam, exercitam os sentidos, e praticam diversas atividades que acabam estimulando muito as crianas.

    Alm do carinho, to importante para o desenvolvimento psicolgico, a criana recebe, entre estes estmulos, vrios sons, constantes nos acalantos incorporando-se, desta forma, bagagem musical e cultural desse futuro adulto.

    Ratifica-se a importncia do ato de acalentar para as crianas, mesmo sem uma preocupao esttico-musical, nem tampouco tencionando formao profissional das mesmas. Do mesmo modo enfatiza-se a relevncia deste ato, mesmo que o modo de entonao no seja to afinado, ou entoado despretenciosamente, pois, assim, a criana comea a formar sua bagagem musical. Pode-se dizer que a prtica das cantigas de ninar se constitui uma prtica no-formal de educao musical.

    Para o entendimento desta afirmao pode-se tratar, mesmo que brevemente, sobre o incio da formao auditiva do beb.

    Antigamente acreditava-se que os bebs mantinham-se surdos at o nascimento. Exemplifica esta crena o relato de Forbes e Forbes (DORIN, 1978):

    Enquanto a gestante se banhava (estava com 8 meses de gravidez) o som de um objeto que batera num dos lados da banheira provocou uma reao do feto, diferente das reaes como pontaps, aos quais a me j se acostumara... Mas, as reaes so mais tteis que auditivas, posto que o ser humano na verdade se mantm surdo at o nascimento. (DORIN, 1978, p.42).

    Atravs de experincias mais recentes com recm-nascidos e mulheres grvidas, chegou a ser constatado que fetos de 3 meses ou menos percebiam ou eram sensveis a alguns sons e rudos. Particularmente a esse respeito, existe o relato de Sontag e Richards que questionaram e destruram antigos conceitos sobre a formao auditiva. De acordo com relatos, com treze semanas de gravidez, uma sineta que soasse perto do abdmen da

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    me causava movimentos fetais convulsivos, semelhantes ao reflexo do Moro, uma reao de susto observada na infncia (PAPAGLIA; OLDS, 1981, p.39). Posteriormente, atravs de outros experimentos, Sontag e Bernard constataram que

    O feto reage diferentemente a diferentes tons, o que parece indicar que pode discriminar diferenas. A cada semana, durante os ltimos dois meses e meio de gravidez, eram soados vrios tons a uma curta distncia da futura me. J que no havia contato direto entre a me e a fonte de estimulao, qualquer resposta tinha de ser a qualquer coisa que o feto tinha ouvido, em lugar de ter sentido. O feto respondia diferentemente a uma vasta gama de tons, com acentuados movimentos corporais e mais batimentos cardacos. (PAPAGLIA; OLDS, 1981, p.57).

    importante, tambm, referir algumas provas da audio intrauterina, salientando que as observaes feitas no so infundadas, visto terem sido experienciadas pelos mdicos e cientistas Verny e Kelly (1981). Thomas Verny psiquiatra e foi professor na Universidade de Harvard, York (Ontrio) e Toronto, tendo fundado o Centro de Psicoterapia e Educao, em Toronto. John Kelly escritor free-lancer, especializado em assuntos mdicos. Ambos lanaram, em 1981, o livro The Secret Life of the Unborn Child, no qual relatam casos que comprovam a audio intrauterina no beb. Um dos relatos, muito revelador, refere-se a acontecimentos na vida de um regente de orquestra em Ontrio, Canad, chamado Boris Brott. Contou ele que, vrias vezes em que ia ensaiar determinadas peas musicais com sua orquestra, antes de virar a pgina da partitura musical para continuar a leitura pois estava passando a msica pela primeira vez e no a conhecia, antecipadamente j sabia a sequncia meldica do violoncelo. E, isso, sem conhecer antecipadamente a msica. Esse regente ficou intrigado com esses fatos e resolveu, um dia, relat-los a sua me, violoncelista profissional. E, qual no foi a surpresa de ambos ao constatarem que, todas as peas cujas partes do violoncelo eram conhecidas pelo regente, faziam parte do repertrio de sua me. Quando a mesma estava grvida, ensaiou todas as msicas que ele mencionou para um recital e, depois, nunca mais voltou a toc-las. Este apenas um dos casos relatados nesta obra, no entanto, muito importante para o entendimento em torno da audio fetal.

    Outro caso relatado por Verny e Kelly (1981) tem estreita relao com os objetivos desta investigao. Contou ele que, certa paciente sua, antes de dar a luz ao seu filho, quanto contava com cerca de sete meses de gestao, costumava cantar cantigas de ninar para ele. Aps o nascimento do beb, a me constatou que a mesma cano que cantava antes do nascimento, tinha

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    um efeito mgico sobre o beb. Mesmo que este estivesse chorando desesperadamente, ao ouvir a cantiga, logo se acalmava.

    Na realidade brasileira e, especificamente, no Rio Grande do Sul, no muito conhecidas pesquisas sobre a percepo musical do beb no tero materno. No entanto, trabalhos nessa direo que podero trazer maiores esclarecimentos ao assunto, comeam a surgir. Vale ser mencionada a tese de Moraes (1989), que investigou as emisses sonoras de recm-nascidos.

    Desta forma, necessrio se faz registrarmos, nessa pesquisa, no somente a importncia tcnica dos acalantos, revelando as caractersticas formais das cantigas, mas acima de tudo, apontar a importncia dessa prtica.

    fundamental que a criana se sinta amada, mesmo que se encontre, ainda, no ventre materno, pois, como j tratado anteriormente, muito antes do nascimento, o beb percebe os acontecimentos ao seu redor, sendo, portanto, sensvel a eles.

    Atualmente, encontramo-nos num perodo extremamente conturbado em que valores entram em conflito e, cada vez mais, as crianas ficam expostas a toda sorte de sentimentos e influncias. Assim, importante aproveitar o pouco tempo que se tem, mesmo que poucos minutos depois de um dia de trabalho, a fim de efetivar-se a prtica dos acalantos, pois acalentar um ato de amor.

    Consideraes finais

    A partir da pesquisa sobre os acalantos, pude perceber a vasta gama de possibilidades que se apresenta diante desse gnero musical. Alm de constituir-se uma rica possibilidade quanto criao musical, o que se apresenta a partir do conhecimento de sua estrutura, os acalantos podem ser elementos importantes sob o ponto de vista da educao musical. As caractersticas musicais dessas cantigas so produto de uma srie de fatores da realidade scio-cultural e, acima de tudo, so componentes para a difuso da diversidade, o que, na perspectiva da educao, deve ser levado em considerao. Nesse sentido, Willems (1970) subsidia a anlise. Para ele,

    as primeiras manifestaes musicais no so do domnio da pedagogia musical, mas ligam-se antes educao geral infantil. So as pessoas do meio familiar, principalmente a me, quem pode desempenhar um papel no despertar do sentido auditivo e rtmico da criana; e este papel pode ser importante e por vezes mesmo determinante. A me pode atrair a ateno da criana para os fenmenos sonoros e rtmicos e ensinar-lhes as primeiras canes, muitas vezes sob forma de canes de embalar (berceuses), canes de salto (sauteses), canes de divertimentos (amusettes), etc... muito importante que a criana viva os fatos musicais antes de tomar conscincia deles... O canto, na criana, mais do que uma simples

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    imitao e desperta nela qualidades musicais congnitas ou hereditrias: no sentido do ritmo, da escala, dos acordes, at mesmo da tonalidade, etc. (WLLEMS, 1970, p. 18, 20 e 21).

    Referncias

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    CMARA, CASCUDO, Lus da. Dicionrio de folclore brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.

    ____. Geografia dos mitos brasileiros. Belo Horizonte: Itatiaia, 1983.

    DORIN, Lannoy. Introduo psicologia. So Paulo: Editora do Brasil, 1978. FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. Rio de Janeiro: Livraria Jos Olmpio Editora, 1987.

    MORAES, Zeny . Oliveira de. Psicognese do som e do ritmo a luz da teoria do desenvolvimento de Jean Piaget: um estudo de caso. Tese (Doutorado em Educao) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 28.09.89.

    PAPAGLIA, Diana E.; OLDS, Sally W. A childs world. New York: McGraw-Hill Book Company, 1981.

    VERNY, Thomas; KELLY, John. The secret life of the unborn child. New York: Summit Books, 1981.

    WILLEMS, Edgar. As bases psicolgicas da educao musical. [s. l.]: Pr-Msica, 1970.

    WOLFFENBTTEL, Cristina Rolim. Cantigas de ninar. Porto Alegre: Magister, 1995.

    ____. Acalantos. In: Revista Porto Arte, Porto Alegre, n.3, ano II, maio 1991, p.76-95.

    ____. Acalantos. Relatrio de Pesquisa. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Artes, Departamento de Msica. Porto Alegre, maio, 1989.