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ANA LUISA DE OLIVEIRA PIRES EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO AO LONGO DA VIDA: ANÁLISE CRÍTICA DOS SISTEMAS E DISPOSITIVOS DE RECONHECIMENTO E VALIDAÇÃO DE APRENDIZAGENS E DE COMPETÊNCIAS Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Doutor em Ciências da Educação, pela Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia Lisboa 2002

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  • 1. ANA LUISA DE OLIVEIRA PIRESEDUCAO E FORMAO AO LONGO DA VIDA: ANLISE CRTICA DOS SISTEMAS E DISPOSITIVOS DE RECONHECIMENTO E VALIDAO DE APRENDIZAGENS E DE COMPETNCIASDissertao apresentada para obteno do Grau de Doutor em Cincias da Educao, pela Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Cincias e TecnologiaLisboa 2002

2. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresEste trabalho de investigao foi apoiado financeiramente pelo Programa Praxis XXI, Fundao para a Cincia e Tecnologia, Ministrio da Cincia e Tecnologia (ref. PRAXIS XXI/BD/13332/97)I 3. Educao e Formao ao Longo da VidaIIAna Luisa de Oliveira Pires 4. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresAos meus avs, Lusa e Joo Rebelo, que no me puderam acompanhar at ao final deste percurso. Para Sempre.Aos meus pais, Maria de Lourdes e Joo Antnio de Oliveira Pires, que me apoiaram e deram a confiana necessria para avanar para esta aventura incerta.Ao Mrio Forjaz Secca, ao Pedro e Ins. A ns. Por tudo, com todo o meu amor.III 5. Educao e Formao ao Longo da VidaIVAna Luisa de Oliveira Pires 6. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresAgradeo Professora Doutora Teresa Ambrsio, minha orientadora, cujo estmulo e desafio no sentido da abertura a novas perspectivas e abordagens, de questionamento, interpelao permanente e de reflexividade, foram decisivos para a realizao deste trabalho de investigao.A todos os colegas e companheiros de percurso das Cincias e Teconologias da Educao e da Formao e da Unidade de Investigao Educao e Desenvolvimento da FCT/UNL, pelo carinho e pelo incentivo com que sempre me tm acompanhado.s instituies e pessoas que disponibilizaram informao pertinente para a realizao do trabalho emprico fica tambm o meu agradecimento.V 7. Educao e Formao ao Longo da VidaVIAna Luisa de Oliveira Pires 8. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresSUMRIOEste trabalho de investigao, desenvolvido no domnio da Educao/Formao de Adultos, centra-se no estudo dos Sistemas e Dispositivos de Reconhecimento e Validao de Aprendizagens e de Competncias adquiridas pelos adultos em contextos no-formais e informais, ao longo das suas trajectrias pessoais, sociais e profissionais. O objectivo contribuir para o aprofundamento da compreenso de uma problemtica inovadora o reconhecimento e a validao , principalmente na perspectiva da Educao e Formao ao Longo da Vida. Considerando que esta problemtica se situa na interface entre o sistema educativo, o mundo do trabalho e a sociedade em geral, o quadro terico de referncia foi construdo a partir de uma abordagem multidisciplinar, de forma a fornecer um quadro compreensivo que pudesse abarcar a complexidade dos fenmenos em questo, na perspectiva da investigao educativa. O estudo emprico foi desenvolvido atravs de uma anlise comparativa realizada a nvel internacional, com a finalidade de identificar e caracterizar os sistemas e dispositivos j implementados ou em vias de implementao num conjunto significativo de pases. A partir deste estudo realizmos uma anlise crtica dos sistemas e dispositivos de reconhecimento e validao, luz do referencial terico construdo sobre os processos de aprendizagem de adultos e de desenvolvimento de competncias, procurando evidenciar as tenses e paradoxos existentes. Como concluso, verificamos a existncia de vrios discursos tericos e prticos sobre os actuais sistemas e dispositivos estudados, que nem sempre so convergentes com o referencial terico de suporte das Cincias da Educao. Procuramos, assim, desocultar esta no convergncia e apresentar pistas de dilogo interdisciplinar, num contexto de Educao e Formao ao Longo da Vida.VII 9. Educao e Formao ao Longo da VidaVIIIAna Luisa de Oliveira Pires 10. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresABSTRACTThis research, developed in the area of Adult Learning, is focused on the study of the systems of Recognition and Accreditation of Prior Learning, acquired by adults in non-formal and informal contexts, throughout their personal, social and professional trajectories. The objective is to contribute to the deepening of the understanding of a innovative domain of problems recognition and accreditation mainly in the perspective of Life Long Learning. Considering that the problem lies on the interface betweeen the educational system, the work environment and society in general, the theoretical framework was constructed from a multidisciplinary approach, in order to provide a comprehensive picture that could encompass the complexity of the phenomena involved, from a educational research perspective. The empirical study was developed using a comparative analysis performed at an international level, with the aim of identifying and characterizing the Recognition and Accreditation of Prior Learning systems, based on a theoretical framework built upon the processes of adult learning and development of competences, trying to highlight the existing tensions and paradoxes. As a conclusion, we confirm the existence of several theoretical and practical discourses about the studied systems, which are not always convergent with the supporting theorectical framework of the Educational Sciences. We try in this way to uncover this non-convergence and to present paths of interdisciplinary dialogue, in the context of Life Long Learning.IX 11. Educao e Formao ao Longo da VidaXAna Luisa de Oliveira Pires 12. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresIndice de Matrias INTRODUO GERAL1PARTE I A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA15Captulo 1 Contexto . Introduo171.1. Os desafios da Sociedade do Conhecimento e da Informao181.2. A Economia do Conhecimento e a produo dos saberes nas organizaes241.3. A evoluo do mundo do trabalho e das organizaes311.3.1.A evoluo das formas de organizao do trabalho341.3.2. O novo paradigma das organizaes361.3.3. A flexibilidade organizacional381.3.4. Estratgias de modernizao nas empresas391.3.5. Consequncias ao nvel da formao de recursos humanos42. Concluso46Captulo 2 A Educao/ Formao de Adultos luz do paradigma da Aprendizagem ao Longo da Vida . Introduo492.1. Linhas europeias de orientao para a Educao/Formao50.Livro Branco da Educao e Formao50.Memorando da Aprendizagem ao Longo da Vida54.Os Futuros Objectivos Concretos dos Sistemas Educativos59.Tornar o Espao Europeu de Aprendizagem ao Longo da Vida uma realidade622.2. Anlise crtica do discurso poltico652.3. Distintos enfoques sobre a Sociedade da Aprendizagem ao Longo da Vida722.4. As tendncias da Aprendizagem ao Longo da Vida74. Concluso78XI 13. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresCaptulo 3 Problemtica do estudo, caminho heurstico de investigao e metodologia geral . Introduo813.1. A problemtica do reconhecimento e da validao das aprendizagens experienciais dos adultos relevncia e pertinncia do estudo823.2 . Quadro geral de investigao85. Objectivos do estudo85. Pressupostos tericos de investigao86. Hipteses de partida para o trabalho de investigao873.3. Caminho heurstico de investigao893.4. Metodologia geral de investigao96. Construo do quadro terico de referncia97. Metodologia do trabalho emprico99. Limites e dificuldades107Parte II APRENDIZAGEM DE ADULTOS: PRINCIPAIS TEORIAS E ABORDAGENS Captulo 4 Quadros conceptuais dos processos de Aprendizagem de Adultos . Introduo1134.1. A filosofia da educao progressista1154.2. A abordagem humanista da aprendizagem centrada no sujeito1204.3. O modelo andraggico da aprendizagem dos adultos1254.4. A conscientizao1304.5. A reflexividade e a perspectiva individual de sentido134. Concluso143Captulo 5 A Aprendizagem Experiencial: origens e conceitos .Introduo1475.1. O conceito de experincia1475.2. O papel da experincia na aprendizagem dos adultos1555.3. Aprendizagem Experiencial / Formao Experiencial1665.4. Aprendizagem Experiencial e Educao Informal / Experiencial174XII 14. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Pires5.5. As quatro Villages da Aprendizagem Experiencial: um modelo de sistematizao das diferentes abordagens177. Concluso185Captulo 6 A Aprendizagem em Contexto de Trabalho . Introduo1896.1. A Aprendizagem Organizacional1916.2. As Organizaes Qualificantes1986.3. Condies e factores de aprendizagem nas organizaes2066.4. A Aprendizagem Experiencial e o contexto de trabalho211. Concluso218Parte III ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR DO CONCEITO DECOMPETNCIAEDOSEUDESENVOLVIMENTOCaptulo 7 Contributos para a compreenso do(s) conceito(s) de Competncia . Introduo2257.1. Quadro multidisciplinar compreensivo do conceito de competncia2267.1.1. Contributo da Lingustica2287.1.2 Contributo da Psicologia2307.1.3 Contributo da Ergonomia2367.1.4 Contributo das Cincias da Educao/Formao2397.1.5 Contributo da Sociologia do Trabalho2437.1.6 Contributo da Gesto de Recursos Humanos2477.2. Competncia: um conceito multireferenciado2527.2.1. Uma abordagem sistmica de competncia2547.2.2. A dimenso individual e colectiva das competncias2597.2.3. A competncia como uma construo social2617.2.4. Os saberes integrativos da competncia262XIII 15. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Pires7.3. O desenvolvimento de competncias2667.3.1. A construo e o desenvolvimento de competncias: a articulao entre vrios contextos e o percurso existencial do sujeito2677.3.2. A tipologia do desenvolvimento de competncias de Wittorski271. Concluso277Captulo 8 Modelos de educao/formao baseados em competncias . Introduo2818.1 . As origens do(s) modelo(s) da educao/formaco baseado(s) em competncias2818.2. A abordagem da educao baseada em competncias na actualidade2848.3 A educao/formao baseada em competncias no Reino Unido2858.4. A educao/formao baseada em competncias em Frana2968.5. A educao/formao baseada em competncias na Austrlia3018.6. A educao/formao baseada em competncias no Qubec3118.7. Uma abordagem holstica sobre o desenvolvimento de competncias320. Concluso322Parte IV ESTUDO EMPRICO DOS SISTEMAS E DISPOSITIVOS DE RECONHECIMENTO E VALIDAO Captulo 9 Reconhecimento e validao das aprendizagens e das competncias Quadros empricos e de aco . Introduo3279.1. A emergncia de novas prticas educativas3279.2. Clarificao dos conceitos utilizados3319.3. A avaliao das aprendizagens e das competncias3379.4. Os paradigmas da avaliao3499.5. A implementao dos sistemas de reconhecimento e validao3539.5.1. As lgicas dos sistemas de reconhecimento e validao3559.5.2. Os princpios de base3569.5.3. As condies necessrias3589.6. Os paradoxos do reconhecimento e validao362. Concluso368XIV 16. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresCaptulo 10 Estudo emprico dos sistemas e dispositivos de reconhecimento e de validao . Introduo3711. Canad (Qubec)3742. Frana3973. Reino Unido4214. Irlanda4375. Austrlia4466. Finlndia4537. Espanha4588. Alemanha4619. Portugal46510. Noruega49211. Blgica49712. Itlia499. Concluso500Parte V CONTRIBUTO PARA UMA ANLISE CRTICA DOS SISTEMAS DE RECONHECIMENTO E VALIDAO Captulo 11 Contributo para a anlise crtica dos sistemas e dispositivos de reconhecimento e validao505Captulo 12 Concluses Gerais555Bibliografia Geral581Anexo 1 Listagem de Actores611Anexo 2 Documentao de suporte ao Trabalho Emprico613ndice de Autores625XV 17. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Piresndice de Figuras: Figura 1 Ciclo de Kolb156ndice de Quadros: Quadro 1 Estratgias de modernizao40Quadro 2 Flexibilizao da organizao do trabalho / qualificaes42Quadro 3 Mudana, Educao e Formao75Quadro 4 Saberes, funes formas de aquisio e de manifestao265Quadro 5 Tipologia dos processos de desenvolvimento de competncias274Quadro 6 Abordagens do conceito de competncia321Quadro 7 Abordagens de avaliao de competncias346Quadro 8 Paradigmas da avaliao352Quadro 9 Designaes dos Sistemas e Dispositivos499Quadro10 Entidades Responsveis500Quadro 11 Objectivos501Quadro 12 Pblico-Alvo503Quadro 13 Metodologias504Quadro 14 Referenciais505XVI 18. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresXVII 19. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresIntroduo Geral1 20. Educao e Formao ao Longo da Vida2Ana Luisa de Oliveira Pires 21. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Pires1. Da dinmica do percurso pessoal (de educao, formao, aprendizagem) ao objecto da investigao Todo o conhecimento autobiogrfico, numa perspectiva fenomenolgica, na medida em que assimilado, integrado, construdo a partir das caractersticas e das situaes de vida que constituem o percurso do investigador1. Qualquer trabalho de investigao tem que ser entendido luz de uma dupla contextualizao: a partir de uma realidade de ordem subjectiva, do posicionamento do sujeito-autor-investigador (experincia adquirida, percurso desenvolvido, motivaes, interesses, projectos, etc.) e a partir de um contexto histrico, social, cultural onde este se insere2. Desta forma, procuro explicitar as razes, que, de um ponto de vista pessoal e profissional, me levaram a realizar este trabalho de investigao. As questes articuladas com a formao, a aprendizagem e o desenvolvimento dos adultos tm assumido sempre um lugar de destaque ao longo do meu percurso pessoal e profissional. As opes que fui tendo a oportunidade de fazer ao longo da minha trajectria de vida foramme sempre alargando o horizonte de escolhas, abrindo-me a porta para novos caminhos. A razo dessas opes e o motivo dessa procura, so mais profundos, na medida em que se prendem com a minha forma pessoal de viver e de compreender a vida. A formao de base em Psicologia, na rea Clnica, proporcionou-me uma formao extraordinariamente enriquecedora (na perspectiva pessoal, social e profissional) e os alicerces que me possibilitaram a compreenso dos aspectos relativos ao desenvolvimento humano, educao, formao e aprendizagem. A semente ficou lanada e o terreno em que iniciei a minha prtica profissional Formao de Formadores3 foi suficientemente frtil para me permitir experienciar, construir novos saberes, levantar interrogaes, confrontar com paradoxos e para reforar a minha necessidade de aprendizagem ao longo da vida. E,1No domnio das cincias sociais, tanto o sujeito como o objecto da investigao so simultaneamente intrpretes, pesquisadores de sentido, e produtores de sentido, sendo impossvel separar o investigador do objecto de investigao. Sujeito e objecto, as pessoas e o mundo, so co-constitudas e constituem-se mutuamente (Usher et al, 1997:181). A perspectiva fenomenolgica entende que a intersubjectividade e a objectividade se encontram interligadas, que sujeito e objecto fazem parte de um contnuum, permitindo ultrapassar o dualismo cartesiano (Kazanjian, 1998). A considerao da existncia de uma continuidade entre sujeito-objecto permite superar as barreiras impostas pela tradicional dicotomia e descontinuidade entre sujeito e objecto. 2 Referenciando-nos em Sousa Santos (1991), todo o conhecimento auto-conhecimento. O autor defende a importncia das trajectrias de vida (ao nvel pessoal e colectivo) que do sentido investigao e ao trabalho cientfico. No paradigma emergente, o carcter auto-biogrfico e auto-referencivel da cincia plenamente assumido (op.cit.: 53). 3 No Centro Nacional de Formao de Formadores do Instituto do Emprego e Formao Profissional, em 1987.3 22. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Piresprincipalmente, para confirmar a pertinncia e a relevncia do trabalho desenvolvido na rea da formao de adultos. O trabalho desenvolvido na Formao de Formadores veio consolidar uma postura interrogativa e de confronto entre as prticas desenvolvidas e a reflexo, sempre que possvel enquadrada teoricamente, bem como a constatao da necessidade de desenvolver estudos cientficos que pudessem contribuir para o aprofundamento das problemticas que emergem no domnio da educao e formao de adultos. Sempre senti como prementes as questes relativas ao confronto, por um lado, e interdependncia dinmica existentes entre a teoria e a prtica. A reflexo sobre a experincia, a sua articulao com um referencial terico que lhe desse sentido, as interrogaes e avanos resultantes desta dinmica formativa constituiram um motor desencadeador de um percurso investigativo, de questionamento e de tomada de conscincia da necessidade de uma reflexo mais aprofundada sobre os fenmenos relativos educao e formao de adultos. A experincia desenvolvida no campo da formao de adultos foi significativamente produtora de conhecimentos, por um lado, e de interpelaes, por outro, o que me levou a sentir a necessidade de aquisio de novas referncias, novos quadros conceptuais, que de alguma forma permitissem dar pistas de resposta s interrogaes ento em emergncia. Este foi o motor desencadeador de um percurso formal de investigao, que se iniciou com o mestrado em Cincias da Educao Educao e Desenvolvimento, realizado na FCT/UNL. Neste mbito, desenvolvi um trabalho de investigao subordinado ao tema Desenvolvimento Pessoal e Profissional Estudo dos Processos e Contextos de Formao das novas Competncias Profissionais, sob a orientao da Prof. Doutora Teresa Ambrsio, centrado na problemticas das competncias (no tcnicas) consideradas fundamentais para o desenvolvimento pessoal e profissional e nos seus processos de aquisio e de desenvolvimento, a partir de uma abordagem suportada no contributo de diferentes campos disciplinares. Este trabalho, muito gratificante, para alm de contribuir para a construo de novas perspectivas de sentido, proporcionou-me a tomada de conscincia da complexidade dos fenmenos educativos e reforou o desejo de continuar a desenvolver a investigao no domnio da educao/formao de adultos.4 23. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresCom a concluso do mestrado, em 1995, e aps uma breve passagem pela Formao de Formadores (IEFP), continuei o meu percurso profissional no INOFOR4, no mbito do projecto de investigao Evoluo das Qualificaes e Diagnstico de Necessidades de Formao em que a problemtica das competncias se constituiu como um dos eixos centrais da investigao5. Novas questes emergentes vieram enriquecer a minha reflexo sobre a problemtica da educao e formao de adultos e fazer amadurecer a vontade de prosseguir o percurso de investigao anteriormente iniciado com o mestrado. Na medida em que reconheo a relevncia do contributo formativo proporcionado pelos vrios contextos que marcaram o meu percurso pessoal e profissional e tendo conscincia de que para tal contribuiram tanto aprendizagens formais como no-formais e informais, e principalmente porque, do ponto de vista cientfico, tenho vindo a acompanhar a emergncia de uma nova problemtica no domnio da educao e formao de adultos articulada com as questes do reconhecimento e validao destas aprendizagens, decidi, no momento em que as condies me foram favorveis6, aprofundar esta nova problemtica atravs da realizao da presente investigao. A finalidade deste trabalho de investigao contribuir para a compreenso de um novo fenmeno emergente no domnio educativo: o reconhecimento e a validao das aprendizagens7 que os adultos realizam ao longo das suas trajectrias de vida, margem dos contextos formais de educao e formao. Temos vindo a assistir, principalmente a partir dos anos oitenta, implementao de sistemas e de dispositivos (tal como so designados nos diferentes pases) com esta finalidade, no mbito educativo. A introduo destes sistemas e dispositivos parece ocorrer em articulao com um conjunto de mudanas ao nvel dos sistemas de educao/formao, levando-nos a questionar se se tratar apenas de uma mudana tcnico-organizativa ou se se traduzir numa mudana mais profunda, a nvel das concepes educativas, na medida em que esta problemtica vem confrontar os sistemas de educao/formao com novos desafios, interpelando e sendo simultaneamente interpelada 4INOFOR Instituto para a Inovao na Formao, nesta fase inicial (Abril/Maio 1995) ainda designado de Comisso para Inovao na Formao. 5 Pela natureza de um dos objectivos do estudo, que consistiu na construo de um referencial de perfis profissionais baseados em competncias, e pela problematizao dos contributos dos sistema de educao/formao e do mundo do trabalho na construo, desenvolvimento e gesto das competncias. 6 Nomeadamente pelo apoio concedido pelo Ministrio da Cincia e Tecnologia, atravs de uma bolsa de doutoramento ao abrigo do programa Praxis XXI (1998/2001). 7 Utilizamos aqui o termo genrico de aprendizagem; no entanto, as designaes adoptadas pelos diferentes sistemas e dispositivos estudados so: learning, em lngua inglesa, acquis, em lngua francesa, e competncias, em portugus. O ttulo deste trabalho procura traduzir, de uma forma mais prxima da realidade estudada, o objecto dos sistemas e dispositivos estudados.5 24. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Pirespor um novo paradigma educativo8. Assim, o objecto do estudo centra-se nos sistemas e dispositivos que tm vindo a ser recentemente implementados por um conjunto de pases, com vista ao reconhecimento de aprendizagens e de competncias adquiridas pelos adultos em contextos no-formais e informais, no mbito de um paradigma de Educao e Formao ao Longo da Vida. 2. Educao, Formao, Aprendizagem ao Longo da Vida As referncias aos conceitos de Educao ao Longo da Vida, Formao ao Longo da Vida, Aprendizagem ao Longo da Vida, nas fontes bibliogrficas consultadas, nem sempre aparecem suficientemente clarificadas. A necessidade de aprofundar o seu significado implicou uma pesquisa, cujo resultado evidenciou, relativamente a educao, formao e aprendizagem, uma multiplicidade de significaes, de abordagens e de concepes subjacentes9. Para alm destes conceitos serem entendidos sob diferentes perspectivas, de acordo com o campo disciplinar em que so analisados e com as abordagens tericas que os suportam, tambm o facto de serem utilizados em diferentes domnios e a partir de linguagens distintas cientfica, tcnica, poltica , dificulta a sua clarificao. A dificuldade aumenta, se considerarmos que tanto em lngua inglesa como francesa se revestem de significados conceptuais diferentes; a sua traduo, em diferentes lnguas, no possui as mesmas representaes.8Utilizamos o conceito de paradigma para nos referirmos ao conjunto de ideias, princpios, conceitos, e teorias, que, num dado momento, partilhado por uma determinada comunidade cientfica. 9 Josso (1991-b) analisa o conceito de formao atravs de diferentes perspectivas disciplinares sociologia, psicologia social, antropologia, psicologia, cincias da educao. Segundo a autora, a sociologia e a psicologia social entendem a educao como processo de socializao, evidenciando a funo socializadora da educao; a sociologia, aborda a educao enquanto interiorizao da realidade socialmente construda, que fornece ao indivduo um conjunto de comportamentos e de significados; a psicologia social, atravs de uma abordagem sobre a interao social, compreende a socializao atravs das relaes interpessoais e intergrupais. A antropologia pe o enfoque na enculturao, o processo atravs do qual o indivduo adquire a cultura do grupo, da classe, ou segmento social; como se desenvolve a aquisio de modelos de comportamento, a linguagem, os costumes, etc. Para Josso, a psicologia entende a formao como aprendizagem das condutas, constituio e articulao das instncias psiqucas, construo da pessoa e actualizao das suas potencialidades. O contributo deste domnio disciplinar para a compreenso do conceito de formao (principalmente a partir do trabalho de Piaget, Delpierre, Jung e Rogers, que representam correntes diferenciadas) reside, para a autora, na considerao da sua dimenso dinmica, de abertura e criatividade; a capacidade criadora do anthropos como fonte de autonomizao; as possibilidades do ser en devenir, e a liberdade fundada na responsabilidade no seu futuro. No mbito das Cincias da Educao, Christine Josso identifica diferentes leituras do conceito de formao, de acordo com abordagens diferenciadas: enquanto aprendizagem de competncias e de conhecimentos (Not, Debesse, Mialaret, Besnard e Lietard, Palmade, Berbaum); como processo de mudana (Bateson, Nuttin); e como projecto, produtor da sua vida e de sentido (Freire, Rogers, Honor, Dominic e Pineau) (id.).6 25. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresSe, por um lado, a acepo geral de educao tanto se pode referir aco educativa, ao processo organizado por instncias exteriores pessoa, no sentido do desenvolvimento das suas capacidades, potencialidades, conhecimentos, atitudes, etc., dizendo quase sempre respeito ao ser humano enquanto criana ou jovem10, pode, por outro lado, ser entendida de uma forma mais abrangente, no se limitando s instncias externas, ao perodo inicial da vida do ser humano, nem aos contextos formais onde tradicionalmente se realiza11. Enquanto aco educativa, exercida pela sociedade e pelas instncias educativas, a separao tradicional entre os domnios da educao e da formao (conceito inicialmente circunscrito ao domnio profissional) tambm se torna cada vez mais difcil, na medida em que, tanto na perspectiva das instituies, como nas finalidades, objectivos e funes preconizados, como da natureza e dos contedos do processo, as fronteiras tradicionais se vo esbatendo. Por outro lado, se entendermos a educao e a formao na perspectiva de processos, no se podem nunca reduzir aco desenvolvida pelas instncias exteriores pessoa, pois dizem respeito ao processo pessoal de aprendizagem, intrinsecamente articulado com as dinmicas de desenvolvimento da pessoa. So os processos de aprendizagem que se encontram na base do que nos torna humanos. A concepo de aprendizagem veiculada pela escola ao longo do tempo, que tem dominado as prticas educativas em diferentes nveis e tipos de ensino bem como as prticas de formao, assenta na ideia de que a aprendizagem resulta da assimilao de informaes que so transmitidas (Bourassa et al, 1998). No entanto, diversos so os autores que defendem que a aprendizagem no se resume mera aquisio de informaes, de conhecimentos, de comportamentos e atitudes, a concepo mais largamente difundida. As diferentes tradies (correntes e abordagens) que influenciaram a psicologia da aprendizagem domnio disciplinar que mais tem contribudo para a compreenso do conceito de 10Na Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, a educao entendida como Aco ou efeito de educar, de formar uma criana, uma pessoa, de desenvolver as suas faculdades fsicas, morais, intelectuais. Constituem a educao todos os processos conscientemente adoptados por uma dada sociedade para realizar nos indivduos os ideais que so aprovados pelo agregado social a que eles pertencem () Educar desenvolver as faculdades fsicas, intelectuais, morais; criar; ministrar educao, Domar, ensinar, adestrar. No Dictionaire encyclopdique de lducation et de la Formation (1998), a educao entendida como o conjunto das aces e das influncias exercidas voluntariamente por um ser humano sobre outro ser humano, em princpio por um adulto sobre um jovem, e orientada para um fim, que consiste na formao das disposies de toda a espcie do ser jovem (). 11 Destacamos o contributo significativo do movimento da Educao Permanente, no incio dos anos setenta. A Educao Permanente enquanto princpio reorganizador de todo o processo educativo tinha como referncia central a emergncia da pessoa como sujeito de formao, e partiu dos seguintes pressupostos-chave: continuidade, diversidade e globalidade do processo educativo, enfatizando a dimenso cvica da educao (Canrio, 1999). O conceito de Educao Informal (Pain, 1990), e a Teoria Tripolar da Formao (Pineau, 1989, 1991), mais recentes, constituem contributos incontornveis para a compreenso dos processos de educao/formao para alm da viso institucionalizada.7 26. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Piresaprendizagem e que podem ser entendidas luz da relao entre a pessoa e o meio social, segundo a nfase atribuda s influncias internas ou externas (Tennant, 1997)12, veiculam distintas concepes de aprendizagem. A aprendizagem e o desenvolvimento dos adultos so conceitos dinmicos e aparecem actualmente estreitamente interligados: o desenvolvimento comanda as aprendizagens e as aprendizagens intervm no desenvolvimento (Danis e Solar, 1998). No campo da educao de adultos, nos ltimos vinte anos, tm emergido novas concepes sobre a aprendizagem dos adultos numa perspectiva desenvolvimental, visando aprofundar a dinmica dos processos de aprendizagem. Diversos autores tm vindo a reforar a pertinncia da relao entre o desenvolvimento global do adulto e os aspectos afectivos, scio-afectivos, fsicos, intelectuais, sociais, profissionais, criativos, morais, etc., que se encontram interligados com a evoluo do pensamento, da afectividade e da aco do adulto ao longo da sua vida (Danis e Solar, 1998)13. Esta concepo de aprendizagem parece-nos encontrar-se em consonncia com um conceito de formao (Josso, 2000, Couceiro, 2000, 1992, Honor, 1992, Dominic, 1990, Pineau, 1991, entre outros) em que se valoriza a dimenso de processo, a dimenso da dinmica do sujeito, a dimenso temporal ao longo da vida, a dimenso de construo de si prprio (a construo da pessoa). Como tambm constata Couceiro (2000), a distino entre os conceitos de educao de adultos e de formao de adultos no clara. O conceito de formao pode ser entendido sob 12. As teorias que enfatizam o primado da pessoa explicam a aprendizagem e o desenvolvimento a partir de processos internos (integridade ou dinmica autnoma, independentemente da influncia do meio social); no mbito destas teorias referenciam-se as que focalizam o desenvolvimento emocional psicologia humanista (Rogers e Maslow), teorias psicodinmicas (Freud) e seus desenvolvimentos posteriores; Merriam e Cafarella (1991) tm vindo a desenvolver a sua investigao sobre a aprendizagem dos adultos a partir dos contributos decorrentes destas perspectivas. Estas teorias prope um modelo para a compreenso do funcionamento da pessoa em termos de personalidade adulta, autnoma e independente; . As teorias que se focalizam nos processos de construo de conhecimentos e de aquisio de capacidades cognitivas, centrando-se nos processos que ao longo do desenvolvimento contribuem para a compreenso do mundo (desenvolvimento cognitivo Piaget, desenvolvimento moral Kohlberg). . As teorias que privilegiam o meio social, entendem a aprendizagem e o desenvolvimento como resultantes de foras externas pessoa, que entendida a partir de uma posio dependente, e produto da influncia social: as abordagens que postulam a existncia de uma relao mecanicista entre as influncias sociais (recompensas e sanes) e o comportamento da pessoa; o behaviourismo (Skinner); as que atribuem um papel mais activo pessoa na relao dialctica entre a pessoa-sociedade; a aprendizagem e o desenvolvimento so entendidos como decorrentes de uma interaco permanente entre a pessoa e o meio social, e so ambos elementos activos neste processo dialctico; na educao de adultos destacam-se Freire, Brookfield, e Mezirow, que valorizam o papel dos processos sociais na formao da identidade individual e que destacam a necessidade de resistir a formas de enculturao que consideram alienantes e opressivas. 13 A aprendizagem entendida como um fenmeno evolutivo, no qual intervm interactivamente aspectos cognitivos e desenvolvimentais permite, para Danis e Solar, uma melhor compreenso da dinmica que sustm, no adulto, a integrao das aprendizagens realizadas bem como a evoluo pessoal que lhe corresponde (op.cit.: 17/18).8 27. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Piresmltiplos pontos de vista e, na perspectiva das Cincias da Educao, este conceito tem no s sido objecto de incidncias especficas e de objectivos dominantes ao longo do tempo, como na poca actual permite a co-existncia de perspectivas e correntes vrias, em particular no que se refere formao de adultos. (Couceiro, 2000: 11). Presentemente o campo actual da formao de adultos pode ser caracterizado de acordo com trs eixos distintos: formao como processo de aprendizagem de competncias e de conhecimentos tcnicos e simblicos, formao como processo de mudana, formao como construo de si e de sentido (Josso, 2002). A necessidade de se desenvolver uma nova abordagem da educao evidenciada por Honor (in Josso, 1991-b): de um ensino orientado para preocupaes scio-econmicas e adaptativas, para uma formao centrada no desenvolvimento pessoal, e na expresso das potencialidades das pessoas, contribuindo simultaneamente para o desenvolvimento do meio. Esta mudana tambm parece reflectir-se na literatura actual de lngua inglesa, que tem vindo a evidenciar um deslizamento do enfoque da Educao de Adultos (Adult Education) para a Aprendizagem de Adultos (Adult Learning). Esta mudana parece no se limitar a um deslizamento terminolgico; procurmos compreender o seu significado com vista clarificao dos conceitos utilizados neste trabalho. Para Raggatt et al (1996) os conceitos de educao permanente, educao ao longo da vida e educao recorrente que balizavam h trinta anos o campo da educao dos adultos tinham em comum o facto de centrarem a sua ateno na educao, nos promotores e na oferta; tambm entendiam que era principalmente o estado o responsvel pela criao de instituies e pelo fornecimento de recursos para o desenvolvimento das polticas da educao dos adultos. Actualmente, os autores constatam a utilizao de conceitos distintos, nomeadamente aprendizagem ao longo da vida (Lifelong Learning) e sociedade da aprendizagem (Learning Society). A aprendizagem de adultos compreendida actualmente numa perspectiva mais globalizante, integrando a dimenso sociocultural e no apenas psicolgica (Usher, Bryant e Johnston, 1997). um conceito que ultrapassa a aprendizagem realizada em contextos formais (balizada por instituies, programas e objectivos pr-determinados); significa a aprendizagem em sentido lato, que tanto pode ser realizada dentro como fora das instituies de educao/formao que pode ocorrer em qualquer tempo ou momento da vida da pessoa. No limitvel a tempos/espaos/finalidades especficos. Pode ter um carcter intencional ou expontneo, sistemtico ou aleatrio. Nesta perspectiva, a educao (entendida como um9 28. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Pirescampo formalmente constitudo) no mais a detentora do monoplio da aprendizagem (Usher, Bryant e Johnston, 1997). O alargamento da perspectiva tradicional de educao e de formao para alm dos espaos/tempos formais coincide com a atribuio de maior relevncia ao conceito de aprendizagem ao longo da vida. A noo ao longo da vida significa um alargamento das dimenses temporal e espacial14 da aprendizagem, da educao e da formao. O fenmeno da aprendizagem ao longo da vida no um resultado da sociedade contemporanea, mas a sua importncia cada vez mais valorizada num contexto sujeito a rpidas mudanas, incerteza e imprevisibilidade15. Na medida em que encontramos eixos de convergncia entre o conceito de Educao e Formao ao Longo da Vida que, na nossa perspectiva, integra a noo de processo, de dinmica pessoal, de alargamento a diversos tempos e contextos que no os institucionalmente definidos pelas instncias educativas e que tm como finalidade o desenvolvimento e a construo global da pessoa humana, nas suas mltiplas dimenses e o conceito de Aprendizagem ao Longo da Vida tal como definido por Usher, Bryant e Jonhston (1997) , situmo-nos perante um dilema desorientador: que conceito adoptar para este trabalho de investigao? A escolha no foi simples nem fcil, mas teve que ser feita. Decidimos utilizar o conceito portugus de Educao e Formao ao longo da Vida, que na lngua francesa se traduz por Education et Formation tout au long de la vie, e que no entanto na lngua inglesa se encontra mais prxima de Lifelong Learning, na acepo acima apresentada. Na semntica portuguesa e francesa16, aprendizagem tem uma representao mais redutora do que na inglesa. Como exemplo referimos a forma como este conceito utilizado no Livro Branco da Educao e da Formao, rumo Sociedade Cognitiva; Enseigner et Apprendre, vers la Societ Cognitive; Teaching and Learning, towards the 14Segundo Santos Silva (1997) a ideia da formao ao longo da vida, num processo permanente de aprendizagem, significa que a formao nunca est terminada, que a aprendizagem co-extensiva da vida das pessoas, e da actividade dos grupos e das sociedades. (1997:155). 15 Em lngua inglesa, o conceito de Lifelong Learning foi generalizado nos anos 70, tendo como significado as estruturas e estratgias organizacionais e didcticas que permitem que a aprendizagem ocorra desde a infncia at idade adulta (P.J. Sutton in International Encyclopedia of Adult Education and Training, ed. By Tuijnman, 1996: 27). No entanto, este conceito reaparece nos anos 90, enquanto conceito poltico e estratgico para o desenvolvimento dos pases industrializados (em situao de ajustamentos estruturais rpidos), em parte pela influncia da OCDE (ibid.). 16 Como tambm constata Dominic, na introduo do livro de Mezirow recentemente traduzido para francs: os problemas ligados aprendizagem adulta encontram-se pouco trabalhados em lngua francesa, a no ser na sua verso cognitiva (in Mezirow, 2001: 10); para evidenciar mais uma vez a questo semntica, o ttulo original de Mezirow em ingls Transformative Dimensions of Adult Learning, e a sua traduo para francs resultou em Penser son exprience dvelopper lautoformation.10 29. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresLearning Society. Neste contexto, a dimenso da aprendizagem que valorizada a cognitiva, mas em ingls o seu significado muito mais abrangente, possuindo uma representao mais alargada. Optmos por manter a designao de Aprendizagem ao longo da Vida, na Parte I deste estudo, nos ttulos e no texto que lhe d corpo, principalmente porque se trata de um conceito de natureza poltica e com esta designao que aparece nas fontes consultadas. Tambm ao longo do texto possvel encontrar este conceito em referncias cujo original de lngua inglesa, ou quando aparece explicitado desta forma no documento original em outras lnguas por uma questo de rigor terminolgico com as fontes consultadas. Desta forma, as referncias a Educao e Formao ao Longo da Vida e a Aprendizagem ao Longo da Vida , ao longo do trabalho de investigao, no traduzem uma falta de coerncia e de rigor metodolgico, se tivermos em considerao as razes acima apresentadas. Ao adoptarmos o conceito Educao e Formao ao Longo da Vida, temos subjacente a nossa prpria viso do processo de desenvolvimento da pessoa, quer ao nvel da aquisio de conhecimentos, de competncias e de capacidades para a vida pessoais, sociais, profissionais, cvicos e ticos , que pressupe um processo de construo da pessoa e que mobiliza uma multiciplicidade de dimenses (que no meramente cognitivas nem comportamentais), de acordo com uma viso antropocntrica. 3. Estrutura geral do trabalho de investigao Este trabalho encontra-se estruturado em quartro partes, sub-divididas em captulos, subcaptulos e pontos. A lgica que presidiu sua organizao procurou conciliar a facilidade da sua leitura, com a coerncia conceptual e metodolgica e a natureza dos contedos e temas abordados e com o percurso investigativo realizado. . Parte I Aprendizagem ao Longo da Vida O objectivo desta 1 parte a construo do enquadramento geral da investigao. Subdividida em trs captulos Captulo 1: Contexto; Captulo 2: A Educao/Formao de Adultos luz do Paradigma da Aprendizagem ao Longo da Vida; Captulo 3: Problemtica do Estudo, Caminho Heurstico de Investigao e Metodologia Geral. Procuramos caracterizar o actual contexto, atravs da anlise de alguns eixos que traduzem a complexidade e a interdependncia de factores econmicos, tecnolgicos e organizacionais e 11 30. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Piresque se articulam dinamicamente com o domnio da educao/formao de adultos, nomeadamente na sua relao com a aprendizagem ao longo da vida. Analisamos, a partir do contexto europeu, algumas das principais linhas de orientao para a educao/formao, principalmente as que se articulam mais estreitamente com esta concepo de aprendizagem e que tm vindo a ser evidenciadas pelo discurso poltico. Na medida em que co-existem diferentes enfoques sobre o conceito de aprendizagem ao longo da vida, procuramos dar conta das diferentes perspectivas e identificar algumas das tendncias de evoluo que emergem na sociedade actual. Apresentamos a problemtica de investigao o reconhecimento e validao das aprendizagens dos adultos , a sua relevncia e pertinncia e construmos o quadro geral de investigao os objectivos do estudo, os pressupostos tericos subjacentes as e questes de partida da investigao. Procuramos explicitar o caminho heurstico realizado e a metodologia geral que suportou a realizao deste trabalho. . Parte II Construo do referencial terico sobre a Aprendizagem dos Adultos Nesta parte do trabalho construmos o referencial terico que nos permite compreender os processos de aprendizagem dos adultos e que enquadra um dos eixos da problemtica do estudo. Estruturada em trs captulos Captulo 4: Quadros Conceptuais dos Processos de Aprendizagem dos Adultos; Captulo 5: A aprendizagem Experiencial: origens e conceitos; Captulo 6: A Aprendizagem em Contexto de Trabalho tem como finalidade a apresentao do quadro conceptual e dos conceitos que fundamentam a perspectiva defendida sobre aprendizagem de adultos e que se encontram directamente articulados com a problemtica do reconhecimento e validao. Na medida em que estes processos inovadores se focalizam sobre as aprendizagens e as competncias adquiridas pelos adultos noutros contextos que no os formais e atravs de processos de aprendizagem que no os tradicionais, procurmos compreender, do ponto de vista terico, quais so os fundamentos que suportam esta viso de aprendizagem. . Parte III Abordagem multidisciplinar do conceito de competncia e do seu desenvolvimento A terceira parte do trabalho, que tambm fornece elementos para o enquadramento terico da investigao, procura contribuir para a compreenso do conceito de competncia a partir da construo de um quadro multidisciplinar, considerando que este conceito emerge no cruzamento de domnios disciplinares distintos dos quais privilegimos a Psicolingustica, 12 31. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresPsicologia, Ergonomia, Cincias da Educao/Formao, Sociologia do Trabalho e Gesto de Recursos Humanos. Para alm da clarificao do conceito e das distintas abordagens que o sustentam, nosso objectivo compreender como que, na perspectiva da educao/formao, emergiram e se desenvolveram modelos educativos baseados em competncias, e a partir de que concepes educativas se encontram fundamentados. Desta forma, organizmos esta parte do estudo em torno dos seguintes captulos: Captulo 7: Contributos para a compreenso do(s) conceito(s) de Competncia; Captulo 8: Modelos de Educao/Formao baseada em competncias. Parte IV Estudo Emprico dos sistemas e dispositivos de Reconhecimento e Validao Esta parte do trabalho de investigao encontra-se estruturada em torno de dois captulos: Captulo 9: Reconhecimento e Validao de Aprendizagens e de Competncias Quadros Empricos e de Aco; e Captulo 10: Estudo comparativo dos sistemas e dispositivos de reconhecimento e validao. A parte IV inicia-se com a anlise dos quadros empricos e de aco que suportam as novas prticas de reconhecimento e de validao. A clarificao dos termos e conceitos utilizados17 reconhecimento, validao, certificao , a enunciao dos princpios e das condies que servem de suporte para a aco, parece-nos constituir uma etapa essencial ao estudo dos sistemas e dispositivos em causa. Estes conceitos, emergentes do terreno emprico e utilizados no mbito das prticas desenvolvidas, encontram-se estreitamente articulados com o contexto especfico em que so desenvolvidos educativo, social, cultural. O trabalho emprico realizado, tendo como objectivo o estudo dos sistemas e dispositivos de reconhecimento e de validao de aprendizagens e de competncias adquiridas pelos adultos para alm dos contextos formais de educao/formao, delimita-se a um conjunto de pases europeus e no s, como o Canad e a ustralia que implementaram (ou se encontram em vias de implementao), estas novas prticas educativas, principalmente no mbito dos sistemas de educao/formao, ou com eles articulados. Os sistemas e dispositivos estudados so caracterizados a partir de um conjunto de dimenses de natureza tcnico-organizativa e poltico-social , de forma a permitir uma leitura que faa evidenciar regularidades, especificidades, ou algumas tendncias comuns. Os sistemas e dispositivos encontram-se17Considerando que os conceitos de validao (lngua francesa) e acreditao (lngua inglesa) dizem respeito mesma realidade, optamos por utilizar o termo de validao sempre que nos referimos a estes processos de uma forma global; no entanto, em referncias e citaes, e no estudo emprico, mantemos as designaes originalmente utilizadas em cada pas.13 32. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Piresorganizados por pases e a ordem com que so apresentados reflecte o critrio temporal da sua emergncia e implementao. Parte V Contributo para uma anlise crtica dos sistemas e dispositivos de reconhecimento e validao A ltima parte deste estudo integra um Captulo Conclusivo, em que procuramos contribuir para a anlise crtica dos sistemas de reconhecimento e validao, partindo do trabalho emprico realizado e de um conjunto de questes orientadoras emergentes luz da investigao educativa. Procuramos analisar os sistemas e dispositivos de reconhecimento e validao as suas finalidades, estrutura, lgicas, metodologias, referenciais de suporte, , com vista identificao das convergncias/divergncias, tendncias, paradoxos e tenses que emergem desta nova problemtica. Pretendemos articular pressupostos e conceitos decorrentes do quadro conceptual de suporte do estudo, interrogando estas novas prticas principalmente a partir de uma concepo de Educao/Formao ao Longo da Vida. As Concluses Gerais que se apresentam pretendem contribuir para a construo de um quadro compreensivo da problemtica do reconhecimento e validao de aprendizagens e de competncias dos adultos. Apresentamos um conjunto de reflexes que, apesar de relevantes luz da investigao educativa, no esgotam a complexidade da problemtica em causa multidimensional e multireferenciada , mas que podero fornecer pistas para um dilogo interdisciplinar. O trabalho finaliza-se com a apresentao da Bibliografia Geral, a identificao dos actores que contribuiram para a realizao do trabalho emprico e a listagem da documentao que lhe serviu de suporte. Apresentamos ainda o ndice de Autores referenciados no texto, que facilita a visualizao dos que contriburam, em termos de suporte terico, de uma forma mais significativa para a elaborao deste trabalho.14 33. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresParte I A Aprendizagem ao Longo da Vida15 34. Educao e Formao ao Longo da Vida16Ana Luisa de Oliveira Pires 35. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresCaptulo 1 Contexto Nesta parte do trabalho procuramos caracterizar o actual contexto social, econmico, tecnolgico e cultural, de acordo com um conjunto perspectivas que traduzem as profundas alteraes que tm vindo a ocorrer na sociedade contempornea. Segundo Giddens (2000), encontramo-nos na era da globalizao, em que a nossa forma de viver em sociedade est a ser afectada por uma profunda restruturao18. A globalizao entendida como uma rede complexa de processos, que agem de forma contraditria, e mesmo em oposio. Face complexidade dos fenmenos emergentes, difcil delimitar os contornos da sociedade actual, orientada por movimentos no lineares, fruto de influncias mltiplas e diversas. O actual contexto social complexo, marcado pela incerteza19 (Handy, 1995) e pelo risco20 (Giddens, 2000), por paradoxos e perplexidades21 (Santos, 1994), e, como tal, de difcil abordagem. De entre as principais mudanas com que actualmente nos confrontamos no actual contexto, salientamos as seguintes: . rpida evoluo cientfica e tecnolgica, com impacto em todos os domnios da vida humana; . transio da sociedade industrial para a sociedade da informao e do conhecimento; . grande impacto da tecnologia nos processos de comunicao, aquisio de conhecimento, processos de produo e formas de organizao do trabalho; . alteraes profundas nas fontes e formas de aprender; deslocamento do papel das instituies tradicionais de educao/formao para outras estruturas, organizaes e contextos de aprendizagem; 18Tanto a nvel econmico, como poltico, tecnolgico e cultural; a globalizao tanto diz respeito aos grandes sistemas ordem financeira mundial como aos aspectos que se relacionam directamente a vida pessoal das pessoas como exemplo, os valores familiares , levando ao reaparecimento das identidades culturais em diversas partes do mundo (Giddens, 2000:24). O autor considera a globalizao como um processo multicausal, sujeito a contingncias e incertezas. 19 Ver Handy (1995): A era da incerteza uma reflexo sobre as transformaes em curso na sociedade moderna; o autor analiza, ao longo de um conjunto de ensaios, os processos de mudana que caracterizam a actual sociedade no mundo das empresas, do trabalho e da educao , destacando um elemento comum: a incerteza. 20 Segundo Giddens, o conceito de risco diz respeito a perigos calculados em funo de possibilidades futuras. S tem uso corrente numa sociedade orientada para o futuro. (2000: 33); a aceitao do risco fundamental para uma sociedade inovadora, e a era da globalizao em que vivemos implica a capacidade de enfrentar novos factores de risco. 21 Entre as vrias perplexidades analizadas pelo autor, destacamos o acentuar da interdependncia transnacional e das interaes globais, o que parece conduzir desterritorializao das relaes sociais (com a ultrapassagem de fronteiras como as naes, a lngua, as ideologias), mas simultaneamente e de forma aparentemente contraditria , ao reforo de novas identidades regionais e locais.17 36. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Pires. emergncia de um paradigma de aprendizagem ao longo da vida. Assim, de entre os aspectos que consideramos mais significativos para a contextualizao do nosso trabalho, salientamos os seguintes eixos temticos: . a Sociedade do Conhecimento e da Informao; . a Economia do Conhecimento e a produo de saberes nas organizaes; . a evoluo do mundo do trabalho e das organizaes; Os eixos que servem de base anlise do actual contexto fornecem-nos uma leitura redutora, com algum risco de simplificao, por no ser possvel optar por uma anlise das relaes sistmicas em presena22 que traduza de uma forma mais adequada a confluncia dinmica e a interdependncia dos diversos factores em jogo; contudo, tendo em vista uma anlise mais detalhada, optmos por uma leitura sistematizada em diferentes pontos. Na bibliografia que nos serve de suporte contextualizao da investigao, encontram-se autores que representam diversas correntes de pensamento (bem como distintos quadros ideolgicos). No cabe no mbito deste trabalho fazer uma anlise crtica destas correntes nem dos quadros que os suportam; no entanto, dada a evidncia objectiva das leituras da realidade que expe, tommos como referncia um conjunto de questes e de problemas que emergem do seu confronto. A contextualizao procura traduzir diferentes perspectivas (econmicas, sociolgicas, polticas,), e faz emergir um conjunto de questes relevantes para a nossa investigao.1.1 Os desafios da Sociedade do Conhecimento e da InformaoA rpida evoluo tecnolgica com que nos temos vindo a confrontar nas ltimas dcadas tem provocado profundas mudanas na sociedade, levando numerosos investigadores a analisar os seus efeitos e as suas consequncias em termos de organizao do sistema social em geral, e, particularmente, ao nvel do acesso ao conhecimento e aprendizagem. 22Ver Durand (1992): a tomada de conscincia cada vez mais profunda da complexidade e da incerteza do mundo contemporneo conduz difuso lenta mas inexorvel do paradigma (ou modelo sistmico). S podemos ser optimistas sobre o desenvolvimento desta viso ou desta estratgia que permite tomar em considerao e tratar de forma adequada , no apenas complexidade e incerteza, mas tambm ambiguidade, acaso, (1992: 121).18 37. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresUma das abordagens mais correntes considera que a transio da sociedade industrial para a sociedade ps-industrial uma mudana ainda mais radical do que foi a passagem da sociedade pr-industrial para a sociedade industrial. Em particular, prev-se que, na sociedade ps-industrial, no sero nem a energia nem a fora muscular que lideraro a evoluo, mas sim o domnio da informao. Nesta ptica, os sistemas da sociedade, humanos ou organizacionais, so basicamente pensados como sistemas de informao (Livro Verde para a Sociedade da Informao23, 1997:7). Assistimos actualmente emergncia da Sociedade do Conhecimento e da Informao24, baseada na rpida evoluo das tecnologias da informao, caracterizada pelo uso sistemtico e intensivo da informao, do conhecimento, da cincia e da cultura (Rodrigues, 1997). Os seus efeitos conduzem a uma profunda reorganizao da sociedade, e fazem-se sentir tanto ao nvel da esfera produtiva como no mundo da educao/formao, fazendo convergir os modos de aprender e os modos de produzir, exigindo o mesmo tipo de capacidades e de competncias para o domnio destas situaes. Fruto do rpido desenvolvimento tecnolgico, as pessoas tm cada vez mais facilidade em aceder e em relacionar-se com uma multiplicidade de fontes de informao e do conhecimento, facilitando a diversificao das fontes e dos modos de aprendizagem. A aprendizagem ultrapassa os limites espacio-temporais das instituies tradicionais de educao/formao (escolas, centros de formao, universidades, ), e desenvolve-se ao longo da vida activa, para alm dos espaos/ tempos formalizados. Diversificam-se os contextos e os processos de aprendizagem, e reconhece-se a emergncia da Sociedade do Conhecimento, marcada por novas formas de produzir, utilizar e difundir o conhecimento. A sociedade actual uma sociedade baseada no conhecimento, e este encontra-se directamente relacionado com o acesso e com a gesto da informao.23O Livro Verde para a Sociedade da Informao em Portugal resulta de um conjunto de contributos de autores pertencentes a diversos sectores da sociedade portuguesa, sob a coordenao da Misso para a Sociedade da Informao, Ministrio da Cincia e Tecnologia. Resulta de um debate amplo levado a cabo a nvel nacional, sob o tema da Sociedade da Informao, e pretende sistematizar uma reflexo estratgica, bem como apresentar um conjunto de propostas de medidas conducentes elaborao de planos de aco. 24 A Sociedade da Informao refere-se a um modo de desenvolvimento social e econmico em que a aquisio, armazenamento, processamente, valorizao, transmisso, distribuio e disseminao da informao conducente criao de conhecimento e satisfao das necessidades dos cidados e das empresas, desempenham um papel central na actividade econmica, na criao de riqueza, na definio de qualidade de vida dos cidados e das suas prticas culturais. (Livro Verde para a Sociedade da Informao, 1997: 7).19 38. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresTemos vindo a assistir nos ltimos anos rpida evoluo tecnolgica no domnio das tecnologias da informao e da comunicao. Esta evoluo veio contribuir para algumas transformaes estruturais da sociedade, tanto ao nvel econmico, como ao nvel social e organizacional. Soete (2000-a) identifica algumas caractersticas das novas tecnologias da informao e da comunicao, que esto na base das grandes transformaes sociais: . a drstica reduo dos custos do processamento da informao e da comunicao; . a convergncia digital das tecnologias da comunicao e da informtica; . e o crescimento acelarado das redes electrnicas internacionais. A rpida evoluo das tecnologias da informao e da comunicao contribuiu para a alterao dos padres de comunicao entre pessoas, entre organizaes, e entre pessoas e mquinas. Para alm destes aspectos, tambm introduziram grandes mudanas na produo e distribuio de bens e servios, contribuindo para a transformao econmica (id.). Neste contexto emergiram novas reas de mercado25, e observou-se a confluncia de outros domnios telecomunicaes, computadores e audio-visuais. Constroem-se, assim, novos modelos de comunicao e de relao humana, com cidados activos e intervenientes, que interagem directamente com a fonte da informao e que so eles prprios fontes de informao. (Marques, 1998: 12). Mas as mudanas no se limitam s formas de comunicao, elas do origem a novos modelos de pensamento o pensamento em rede , que no se compadece com a lgica linear e determinista (comear num princpio, ter um meio, acabar num fim), pois os novos modelos de pensamento adoptam a estrutura de uma malha, determinada pelo utilizador que interage com a informao. Este tipo de pensamento contribui para o reforo da diversidade e da individualizao contrastando com a uniformizao e a massificao, caractersticas que marcaram anteriormente a sociedade (id.). As novas tecnologias da informao e da comunicao tambm contriburam para a introduo de profundas mudanas ao nvel da produo, distribuio e organizao das actividades de investigao e de produo de conhecimento. Para Soete (2000-a), a capacidade de investigao e inovao de um pas, organizao, ou sector, cada vez menos entendida como a capacidade de explorar novos princpios tecnolgicos, e mais como a 25Segundo o Livro Verde para a Sociedade da Informao, as novas reas de mercado so o mercado das comunicaes mveis, a internet, o comrcio electrnico, a indstria multimdia, etc.20 39. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Pirescapacidade de explorar sistematicamente os efeitos que as novas combinaes de conhecimentos armazenados produzem. Este novo modelo de redes de conhecimento implica o acesso sistemtico aos bancos de conhecimento, detentores do state of the art, atribuindo um papel muito mais activo s universidades e centros de investigao, no que diz respeito disseminao desse conhecimento. O sistema de cincia e de tecnologia est-se a mover em direco a uma estrutura mais complexa de actividades de produo de conhecimento socialmente distribudas, que envolvem uma maior diversidade de organizaes que tm como objectivo explcito a produo de conhecimento. (op.cit.:5) A inovao tecnolgica e o impacto das novas tecnologias da informao e da comunicao em diversas reas e a diversos nveis parece ser incontornvel. Algumas das mudanas estruturais que ocorrem com a emergncia da Sociedade da Informao so identificadas por Moniz (2000) da seguinte forma: . mudanas na natureza do trabalho, na estrutura do emprego e nas competncias exigidas aos trabalhadores, resultantes de um efeito combinado da transformao do mundo econmico, da utilizao de novas tecnologias e da introduo de novas formas organizacionais; . emergncia de novas reas de actividade econmica ligadas s tecnologias da informao, com a consequente emergncia de novos domnios e actividades profissionais; . mudanas ao nvel das qualificaes, principalmente em sectores tradicionais, pelo efeito da utilizao das tecnologias da informao; . mudanas ao nvel da organizao do trabalho, que se traduzem na evoluo das competncias necessrias para o desempenho profissional; . mudanas ao nvel do sistema de educao/formao, por forma a dar resposta s novas necessidades de qualificao e de competncias; . reconfigurao das formas tradicionais de organizao da educao/formao, com a integrao das novas tecnologias da informao. No entanto, no que diz respeito inovao e ao emprego, no se considera suficiente o incremento das tecnologias da informao para que ocorra a inovao no tecido empresarial, na medida em que a introduo destas tecnologias no fomenta por si mesma a flexibilidade organizacional e a qualidade no emprego; para tal ser necessrio uma implementao equilibrada das novas tecnologias no apoio mudana organizacional nas empresas (id.).21 40. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresO Livro Verde para Sociedade da Informao levanta uma questo primordial: as tecnologias da informao, apesar de serem consideradas como um motor de desenvolvimento a diversos nveis, podem tambm fazer aumentar o fosso entre os indivduos que so capazes de as utilizar e os que no o so. A Sociedade da Informao encerra assim uma potencial contradio, valorizando por um lado a participao humana nos processos de produo, que transforma o conhecimento e a informao em valor econmico; mas, por outro lado, vem introduzir a questo da desqualificao dos indivduos que no detm os saberes e as competncias necessrias para trabalhar e viver nessa mesma sociedade. Pode ocorrer, no entanto, uma promoo desiquilibrada das tecnologias de informao e das comunicaes no atendendo a critrios sociais, criando um mercado de trabalho polarizado, de um lado com grupos aptos para utilizar essas tecnologias, e, do outro, os restantes perdedores. (L.V.S.I., 1997: 54). O Livro Verde chama ainda a ateno para questes-chave articuladas com a democracia e com a igualdade, questionando at que ponto a complexidade e o custo das tecnologias podero fazer aumentar o desnvel existente entre as reas industrializadas e as menos desenvolvidas, entre os jovens e os idosos, entre os que sabem e os que no sabem. feita uma chamada de ateno para as causas do fenmeno da excluso da sociedade da informao (info-excluso), que tanto podem estar relacionadas com a falta de capacidade dos indivduos para a utilizao das tecnologias da informao (decorrente das suas aprendizagens anteriores), como com questes de natureza organizacional (a organizao do trabalho no promove essas capacidades). Assim, tanto o sistema de educao/formao como a organizao do trabalho so directamente questionados pelos desafios emergentes. O primeiro o sistema de educao/ formao , no que diz respeito sua capacidade de desenvolver novos perfis de competncias, mais alargados e complexos, necessrios para viver e trabalhar na Sociedade da Informao. Destacam-se entre estas competncias o saber codificar/descodificar a informao electronicamente transmitida, ter capacidade para decidir on-line, ser capaz de constituir trabalho de aco/deciso em equipa electrnica ().(op.cit.: 55). A segunda organizao do trabalho , questionada na sua capacidade para a promoo das aprendizagens que esto na base do desenvolvimento individual e organizacional. Segundo Kovcs (1998-a), que vai mais longe do que a reflexo precedente, a anlise das tendncias de evoluo do emprego e das qualificaes com a introduo das TIC evidencia que no existe apenas uma nica tendncia de evoluo, mas a possibilidade de existir uma diversidade de situaes em funo de um conjunto de condies macroeconmicas, sociais 22 41. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Pirese culturais, principalmente da diviso internacional do trabalho, das polticas (econmicas, de emprego, de educao e de formao, entre outras), das condies do mercado e dos produtos do trabalho, do sistema de ensino e formao, das estratgias sindicais, do contedo das negociaes e do nvel de educao/formao dos recursos humanos, entre outras (op.cit.: 8). A autora chama a ateno para o fenmeno da diviso das competncias nas empresas, que desigual, e que leva a uma distribuio igualmente desiquilibrada das qualificaes e das oportunidades de aprendizagem em contexto de trabalho. Tambm Soete (2000) chama a ateno para o aspecto das qualificaes e das competncias dos indivduos: a longo prazo, o processo de acumulao de conhecimento depende das capacidades dos trabalhadores (trabalhadores do conhecimento), que so cruciais para a implementao, manuteno e adaptao das novas tecnologias. Da que o investimento na educao e na formao seja considerado uma necessidade fundamental, tanto na perspectiva organizacional, como na perspectiva individual e social. As novas tecnologias da informao so simultaneamente uma fonte de preocupao e de fascnio. Aps a revoluo informtica, abriram-se aparentemente possibilidades ilimitadas para a comunicao humana. A integrao entre diferentes meios de comunicao ir provavelmente mudar o nosso meio, de uma forma ainda mais significativa. A educao e a formao no podero ficar margem. Tero que definir o seu papel e tornarem-se elementos decisivos na optimizao e no uso destas tecnologias. (Study Group on Education and Training26, 1997) A sociedade do Conhecimento e da Informao ir sem dvida provocar profundas alteraes no sistema de educao/formao, podendo ser um dos motores, segundo o Study Group (1997), de um novo paradigma no que diz respeito aos mtodos e processos educativos, aos papis e responsabilidades dos actores. Um novo conceito de educao e de formao encontra-se em emergncia, reconhecendo-se que o processo educativo ultrapassa largamente os limites institucionais da escola, por um lado em termos de durao, por outro em termos de espao. A multiplicidade das fontes de informao e de conhecimento promovem processos 26O Study Group on Education and Training foi estabelecido pela Comisso Europeia em 1995, sendo constitudo por um conjunto de peritos independentes a nvel europeu (do domnio acadmico, poltico e de aco), com a misso de promover um amplo debate relativo aos desenvolvimentos futuros da educao/formao. O relatrio em causa Accomplishing Europe through education and training um dos resultados do trabalho deste grupo, que contou com o contributo dos investigadores portugueses Prof. Doutora Teresa Ambrsio e Eng. Roberto Carneiro.23 42. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Piresde aprendizagem em diferentes tempos e contextos, para alm dos formais. Para alm da actividade profissional, desenvolvida em contexto de trabalho, reconhece-se cada vez mais a componente formativa implcita em actividades que no so intencionalmente organizadas nem estruturadas para a aprendizagem, tais como as actividades de lazer, e as situaes da vida do quotidiano. De acordo com o Study Group, as principais mudanas da actual sociedade (do Conhecimento e da Informao) podem ser sistematizadas da seguinte forma (op.cit.: 114): . a transio do conhecimento objectivo para o conhecimento construdo; . a transio da sociedade industrial para uma sociedade da informao; . a mudana da misso educativa, da transmisso da instruo para a aquisio de mtodos de aprendizagem pessoal; . o aumento (talvez dominante no futuro) do papel da tecnologia no processo de comunicao e na aquisio do conhecimento; . o deslocamento das instituies educativas, como as escolas e as universidades, para estruturas organizadas de aprendizagem, que ainda tero de ser determinadas. A resposta dos sistemas educativos a estes desafios passa em grande parte por uma reflexo aprofundada sobre as suas consequncias e implicaes, ao nvel das prioridades, dos modelos e das prticas desenvolvidas. O que, para diversos autores, se articula com a necessidade de promover uma reorganizao mais profunda, sustentada numa reflexo sobre as finalidades e os pressupostos que sustentam a actividade educativa, e que poder ser traduzida numa mudana paradigmtica da educao/formao mudana esta que ser abordada no captulo seguinte27.1. 2. A Economia do Conhecimento e a produo de saberes nas organizaesDo ponto de vista da esfera econmica possvel analisar um conjunto de mudanas significativas que tm vindo a ocorrer, confrontando com novos desafios a sociedade em termos globais, e o domnio educativo em particular.27Captulo 2 A Educao/Formao de Adultos luz do paradigma da Aprendizagem ao Longo da Vida.24 43. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Pires. os desafios da globalizao A nova ordem econmica, caracterizada pela globalizao, teve a sua origem na revoluo telemtica e financeira, e foi rapidamente incrementada pela abertura de novas trocas comerciais pricipalmente derivadas do GATT, da Organizao Mundial do Comrcio e das mudanas decorrentes da abertura dos pases de leste (Rodrigues, 1997). Segundo Edwards (1997), a conjuntura econmica actual pode ser caracterizada pela revitalizao da acumulao do capital baseado na globalizao, o que tem vindo a dar origem emergncia de novas formas de produo, distribuio e consumo. A globalizao acompanhada da flexibilizao do capital e dos mercados de trabalho, e da introduo de novas formas de informao e de comunicao. Uma das consequncias deste fenmeno o aumento da competitividade a nvel mundial, e a exigncia de maior flexibilidade, que se traduz ao nvel das empresas28 no deslocamento das formas tradicionais de organizao do trabalho (caracterizadas pela produo massificada de bens e produtos) para as novas formas de organizao caracterizadas pela reduo das escalas de produo, maior orientao para o cliente, procura de nichos de mercado, etc. A globalizao da vida econmica veio dar origem ao aumento da competitividade a nvel mundial, deixando frequentemente pouco salvaguardados os direitos sociais dos trabalhadores e os equilbrios ambientais (Rodrigues, 1977). A viso de que a globalizao da economia e o aumento da competitividade exigem uma maior flexibilizao do mercado de trabalho, sem garantir as condies ou sem considerar alternativas, uma perspectiva que tem vindo a ser defendida por parte de alguns sectores, de forma preocupante (Edwards, 1997)29. Avolumam-se assim as preocupaes de natureza social, que se focalizam nas crescentes desigualdades que ocorrem tanto escala global como local. Para Rodrigues, a globalizao est a gerar, por outro lado, crescente sensibilidade dos movimentos de capitais s condies de investimento de cada pas ou regio, em funo das suas externalidades e, particularmente, em funo da relao que estabelecem entre qualificao e custos salariais (1997: 7).28As principais mudanas que tm vindo a ocorrer no seio das empresas so analizadas mais detalhadamente no ponto seguinte deste captulo A evoluo do mundo do trabalho e das organizaes. 29 O autor investigador e professor no campo da educao de adultos explora os desafios, as incertezas e as ambivalncias dos actuais processos de mudana no mbito da learning society, particularmente no que diz respeito ao conceito de flexibilidade, que se tornou central no debate educativo e politico; ver Edwards (1997) Changing places? Flexibility, lifelong learning and a learning society.25 44. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresO risco de marginalizao ou de excluso de determinadas regies ou pases, pouco competitivas e pouco aliciantes para o investimento econmico, tem que ser considerado e tem que ser alvo de uma estratgia de aco que previna e reduza a sua excluso econmica e social. Para alm deste tipo de marginalizao, escala macro, constata-se um agravamento da polarizao ao nvel micro, os indivduos nas organizaes: entre os mais dotados, qualificados, competentes, e os mais desfavorecidos destas caractersticas30. A mudana econmica tem colocado a nfase na necessidade de aumentar a competitividade e na flexibilidade. De acordo com Edwards (1997), existem, no entanto, tendncias e focos diferentes no discurso da mudana econmica, nomedamente as mudanas na macroeconomia associadas com a globalizao do investimento do capital, as mudanas no tipo e organizao do trabalho e as mudanas nas competncias necessrias ao emprego. Ao nvel dos discursos, identifica duas tendncias distintas, que atribuem diferentes sentidos flexibilidade: a primeira construda sobre o discurso da competitividade, e a segunda sobre o discurso da insegurana. Segundo o autor, o discurso dominante coloca a necessidade da flexibilidade como desejvel, inevitvel, e direccionada para a economia; a flexibilidade necessria competitividade, ao crescimento econmico e ao emprego; traduz-se na exigncia de trabalhadores flexveis (no contexto de trabalho e entre contextos de trabalho), multicompetentes, e detentores de competncias flexveis. O discurso subordinado, mais crtico e cauteloso, acentua as questes da insegurana como consequncia das alteraes associadas flexibilidade. Os defensores deste discurso alertam para o aumento de diferenciao entre um ncleo relativamente seguro de trabalhadores e um grupo perifrico de trabalhadores temporariamente empregados, em regime de part-time ou desempregados, uma espcie de sub-classe afastada dos benefcios econmicos e sociais. Nesta perspectiva, o desenvolvimento econmico pode contribuir para a produo de grupos cada vez mais vastos de populao desempregada.30A propsito de excluso de pases, regies, pessoas ver V. Forrester (1996), no que a autora designa de O Horror Econmico; Segundo Waters (1999), o actual modelo de estratificao emergente (ao nvel internacional) evidencia, nas sociedades ricas, que os seus membros possuem maiores benefcios e possibilidades de consumo do que os elementos das sociedades em desenvolvimento; parece ser possvel identificar, de acordo com Lash e Urry (1994, in Waters 1999: 89) uma nova configurao que justape uma classe rica ps-industrial de servios ou classe mdia, bem paga, com profisses relativamente autnomas, com um grupo Gastarbeiter em desvantagem, ou classe baixa, que mantm o seu consumo a partir de situaes de trabalho precrio, rotineiro e mal pago.26 45. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresApesar do discurso dominante assumir que a competitividade uma condio para a criao de riqueza e para ultrapassar a insegurana e a pobreza (...) os crticos sugerem que estes dois aspectos esto intimamente articulados (Edwards, 1997: 30). Este discurso da competitividade acentua o valor da dimenso individual, atravs da actualizao e desenvolvimento de competncias: aqueles que tm mais competncias e qualificaes testemunharo uma expanso de oportunidades, enquanto que os outros confrontar-se-o com a contraco do emprego (Glyn, in op.cit.: 31). Segundo Edwards, o discurso da competitividade dominou o pensamento e as polticas de muitos governos durante as dcadas de oitenta e noventa, no qual se entendia a flexibilidade como uma resposta instrumental para os desafios da competitividade. O autor constata a desregulao dos mercados, a perda de aco dos sindicatos, e a atribuio do direito de gerir aos gestores das empresas. Alguns governos procuraram criar condies para que os mercados pudessem funcionar mais eficazmente, e a prpria Comisso Europeia definiu orientaes para fazer evoluir os sistemas de educao/formao nos estados membros, e para reduzir a rigidez dos mercados de trabalho e do sistema de emprego. A valorizao das competncias-chave, a transferibilidade das competncias, a flexibilidade dos trabalhadores so entendidas neste contexto como um meio para o desenvolvimento econmico e para a criao de maiores oportunidades de emprego. A produo de novos conhecimentos, a reconstruo/recomposio dos saberes e das competncias disponveis, e o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem dos indivduos so assim perspectivados como elementoschave para o desenvolvimento econmico. . a Economia do Conhecimento Alguns dos factores de evoluo decorrentes da Sociedade da Informao influenciaram fortemente o mundo da economia. O valor da informao e da produo do conhecimento, com vista inovao, parece ser actualmente inquestionvel. Kessels (2000) defende que a economia se est a transformar na Economia do Conhecimento, em que o factor-chave do sucesso o prprio conhecimento. Por um lado, possvel identificar as potencialidades que se abrem nesta nova economia, mas por outro, no possvel ignorar os desiquilbrios que se criam no novo contexto. Da emerge o enfoque colocado na necessidade dos indivduos e das organizaes desenvolverem competncias adequadas, tendo em conta que o trabalho se baseia na produtividade do conhecimento. O autor considera no entanto que as abordagens 27 46. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Pirestradicionais da gesto, da formao e do desenvolvimento no proporcionam os ambientes de aprendizagem adequados a um trabalho baseado no conhecimento. Segundo Kessels (2000), a inovao nas organizaes implica a capacidade de recolher informao, criar novos conhecimentos, dissemin-los e aplic-los. A criao de ambientes de aprendizagem nas organizaes o seu factor de sucesso31, o que implica uma avaliao crtica de instrumentos de diversa natureza, com vista ao desenvolvimento da produtividade do conhecimento e das competncias a ele associadas. A produtividade do conhecimento exige a sinalizao, a absoro e o processamento de informao relevante, a criao de novo conhecimento e a sua transposio para a inovao e melhoria de processos/ produtos e servios. Na base da economia do conhecimento encontra-se a capacidade de aprendizagem dos indivduos, das organizaes, do mundo do trabalho, da esfera poltica, e da sociedade em geral. Existe actualmente um consenso relativamente alargado sobre a importncia do conhecimento no desenvolvimento econmico, designando-se frequentemente a nova economia como knowledge-based economy a economia baseada no conhecimento. Por outro lado, constatase a emergncia de um novo conceito, relacionado com o anterior, que o de learning economy a economia da aprendizagem, que se baseia na hiptese da acelarao tanto da produo como da destruio do conhecimento, nas ltimas dcadas (Lundvall, 2000). O conceito de knowledge-based economy foi inicialmente introduzido pela OCDE no final dos anos oitenta. Nos E.U. a nova economia enfatizava o impacto combinado da globalizao e das novas tecnologias da informao, com um padro de crescimento baseado em aspectos intangveis, como o comrcio electrnico e a criao das auto-estradas da informao (Soete, 2000-a). Mas, segundo Soete (2000-a e 2000-b) mais adequada a designao de knowledge-driven economy a economia guiada pelo conhecimento , que vem alargar o debate com a incluso de aspectos da esfera social, associados com a economia baseada no conhecimento e com as novas tecnologias da informao e da comunicao. Segundo Tedesco (2001), a sociedade do conhecimento est associada a uma profunda transformao social, e um dos fenmenos emergentes consiste no aumento da desigualdade31Este tema desenvolvido no captulo 6 A aprendizagem em contexto de trabalho, particularmente no ponto Condies e factores de aprendizagem nas organizaes.28 47. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira Piressocial: desenvolvimento econmico e aumento da desigualdade tendem assim a ser concomitantes. Com conscincia destes riscos, salientou-se na reunio do Conselho Europeu (Lisboa, Maro 2000) a definio de novos objectivos estratgicos da Unio Europeia, com vista ao reforo do emprego, da reforma econmica e da coeso social, considerados como importantes elementos da Economia baseada no Conhecimento: Para o desenvolvimento de uma economia dinmica e competitiva baseada no conhecimento, torna-se necessrio conciliar um crescimento econmico sustentado com a melhoria do emprego e o aumento da coeso social. Actualmente existe uma reflexo crtica relativamente aos problemas que advm da Economia do Conhecimento. Alguns dos seus principais riscos podem ser sistematizados da seguinte forma: . a crescente tendncia para a polarizao (entre os mais qualificados e os menos qualificados, entre as regies ricas e as mais pobres, e escala global, entre os pases mais ricos e os mais pobres; . o aumento de tenso entre os processos que excluem cada vez mais uma grande parte da populao activa, e a grande necessidade de uma participao alargada no processo de mudana (Lundvall, 2000). Estas tendncias e tenses, se no forem atenuadas, podem ser factores que a longo prazo podero condenar uma Economia do Conhecimento, na medida em que conduzem a um clima de polarizao social agravada. Daqui a necessidade urgente com que a sociedade se confronta no sentido de promover uma distribuio de saberes e de competncias mais equitativa, bem como a promoo da aprendizagem a todos os nveis (id.). Para o autor, o actual contexto exige novas estratgias a diferentes nveis: individual, empresarial, regional, nacional e ainda comunitrio32. Por outro lado, faz emergir a necessidade de repensar as relaes industriais e o papel dos parceiros sociais. As grandes mudanas em curso exigem modificaes integradas a diferentes nveis ao nvel organizacional, ao nvel das dinmicas do mercado de trabalho, ao nvel tico e poltico. 32O campo de aco desta anlise situa-se escala comunitria, considerando o contexto em que esta afirmao foi produzida: no mbito de um seminrio subordinado ao tema Towards a Learning Society: innovation and competence building with social cohesion for Europe a seminar on socio-economic research and European policy, realizado em Portugal (Quinta da Marinha), 28-30 Maio 2000, sob a gide da Comisso Europeia, Direco-Geral de Investigao.29 48. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresEstratgias fragmentadas e isoladas no tero efeitos numa sociedade complexa, sendo necessrio repens-la de uma forma integrada. Em concluso, o advento da Economia do Conhecimento vem exigir novas regras, identificadas por Lundvall (2000) da seguinte forma: . ao nvel dos sindicatos, exige-se uma nova responsabilidade face actual tendncia para a excluso social, o que implica o desenvolvimento de uma nova forma de solidariedade centrada na redestribuio da capacidade de aprendizagem (com o reforo do desenvolvimento da capacidade de aprendizagem dos segmentos da populao mais desfavorecidos, dos trabalhadores detentores de competncias estreitas e restritas, dos trabalhadores mais idosos que se encontram mais desfavorecidos face ao mercado de trabalho); o papel dos sindicatos valorizado nestes processos; . ao nvel da responsabilidade das empresas, necessria a promoo alargada do acesso aprendizagem, e a criao de condies para participao dos trabalhadores nos processos de aprendizagem colectiva, garantia das organizaes qualificantes (geralmente nas empresas quem tem acesso formao de tipo upgrading que j tem mais formao, quem evidenciou a sua capacidade de aprendizagem); . ao nvel das relaes industriais, exige-se a reintegrao de funes e novas responsabilidades (articulao da construo das competncias com os salrios, tempos de trabalho, segurana social, e distribuio das capacidades de aprendizagem); a concertao entre os parceiros sociais perspectivada como fundamental. A esta anlise de Lundvall acrescentamos outro nvel de responsabilidade, que decorre do mbito educativo, da esfera da educao/formao, e que decorre do papel que as polticas educativas desempenham na preveno e atenuao da excluso social. A promoo e o alargamento do acesso s oportunidades educativas, tanto ao nvel da formao inicial como da educao/formao ao longo da vida um factor essencial (tanto na perspectiva do desenvolvimento econmico como para garantia da coeso social). Neste domnio, destacamos a importncia que as polticas de educao/formao de adultos tm no combate ao desemprego e excluso social.30 49. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresOs desafios da Economia do Conhecimento implicam a sociedade globalmente no seu conjunto. Assim, torna-se necessrio criar novas perspectivas polticas, de uma forma coordenada a nvel europeu: polticas sociais, de trabalho, de educao, de indstria, ambiente, e de cincia e tecnologia (Lundvall, 2000 e Soete, 2000-b). Na sociedade da economia baseada no conhecimento, o principal recurso o conhecimento, colocando-se o enfoque na sua criao, disseminao e utilizao. Neste contexto, o reajustamento das polticas estruturais de educao, formao e trabalho um dado essencial para o desenvolvimento e o crescimento econmico, garantindo simultaneamente a coeso social. nesta perspectiva de complementaridade e de articulao global das polticas que orientam as diferentes esferas da sociedade que nos posicionamos, salientando a necessidade crucial de compatibilizar objectivos econmicos com objectivos sociais, como uma forma de promover uma sociedade mais justa e solidria para todos33.1. 3. A evoluo do mundo do trabalho e das organizaesAs novas exigncias da economia ps-industrial deram origem a transformaes significativas ao nvel do sistema produtivo, das formas de organizao do trabalho e das empresas. Num contexto marcado pela globalizao e pela competitividade a nvel mundial (com exigncias ao nvel da diversificao de mercados e produtos, e da elevao do nvel da qualidade), as principais tendncias identificadas nas empresas tm a ver com o aumento da capacidade de adaptao e da flexibilidade, o que implica uma reorganizao das formas tradicionais de produo e de organizao do trabalho. A qualidade do trabalho e a flexibilidade desempenham actualmente um papel essencial nas empresas, principalmente em questes articuladas com a sua produtividade e rentabilidade.33Segundo Soros (1999), vivemos numa economia global, mas mas a organizao poltica da nossa sociedade global no adequada; para o autor, o desenvolvimento da economia global no tem sido devidamente acompanhado pelo desenvolvimento da sociedade, e a actual situao no slida nem sustentvel. O autor identifica a eroso de um conjunto de valores sociais (interesses colectivos), face aos valores do mercado (interesses dos participantes individuais do mercado), e lana como o grande desafio do nosso tempo a definio de um conjunto de valores bsicos aplicveis a uma Sociedade Aberta. Tambm Petrella (2002) constata a necessidade de construir uma sociedade escala global, abandonando o sistema de valores da economia do mercado, responsvel pelos fenmenos actuais do empobrecimento mundial crescente, a excluso social e a degradao do ambiente.31 50. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresPor outro lado, a introduo de novas tecnologias da informao e da automatizao (fruto da evoluo cientfica e tecnolgica) vem introduzir novas dimenses na esfera econmicoprodutiva34. Observa-se uma evoluo tanto ao nvel da natureza e como do contedo do trabalho, o que exige uma maior polivalncia e complexidade ao nvel das actividades produtivas, bem como a capacidade de inovao e de criao de novas linguagens. O factor humano reforado neste contexto, observando-se uma mudana ao nvel do lugar e da composio do factor humano na combinao dos grandes factores da produo. (Barbier, Berton e Boru, 1996: 17). No actual contexto econmico, tecnolgico e social tem-se vindo a observar uma evoluo das formas tradicionais de organizao do trabalho (tayloristas e fordistas) para modelos mais orgnicos e flexveis, o que vem introduzir uma mudana profunda ao nvel das competncias dos sujeitos (saberes mais complexos, mais abstractos, mais globalizantes e transferveis). Assistimos emergncia do conceito de competncia e sua generalizao, num contexto de evoluo econmica, tecnolgica e social. O novo paradigma tcnico-econmico, cujo cerne se encontra nas tecnologias da informao, tem como principais caractersticas os seguintes aspectos, sistematizados por Rodrigues35 (1991: 92): . elevada taxa de mudana tecnolgica num leque alargado de sectores; . reduo de componentes electromecnicas e dos estdios de transformao de componentes; . poupana de capital e de energia na produo; . melhoramento na qualidade dos produtos, servios e processos de produo; . maior flexibilidade e rapidez na mudana de produtos (que cada vez mais rpidamente se tornam obsoletos); . possibilidade de compabilizao da flexibilidade com o aumento da produtividade; . possibilidade de articulao na empresas das diferentes fases (concepo, fabrico, comercializao, gesto e apoio tcnico); . possibilidade de ligao em rede entre empresas (fornecedores, montagem, servios, etc.) 34A inovao tecnolgica, como processo caracterizador do funcionamento corrente das economias e das sociedades, refora e potencia as tendencias para a flexibilidade dos processos produtivos, mercados e competncias () (Lopes et al, 2001: 167); os actuais ciclos tecnolgicos podem-se caracterizar pela muito rpida obsolescncia das actuais inovaes, gerando ciclos tecnolgicos sequenciais cada vez mais curtos; a grande relatividade espacio-temporal que igualmente os caracteriza, conducente a que coexistam solues tecnolgicas diferentes, para processos de produo idnticos, quando em economias, sectores e at mesmo empresas distintos(idem: 167) 35 Estes aspectos so sistematizados pela autora a partir dos contributos da escola de Sussex.32 51. Educao e Formao ao Longo da VidaAna Luisa de Oliveira PiresPara alm destes aspectos, Rodrigues (1991) aponta uma das principais transformaes desencadeadas pelas tecnologias da informao nas dinmicas empresariais, principalmente sentidas ao nvel dos saberes e das competncias dos trabalhadores. Constatando que a descentralizao e a flexibilidade continuam a ser uma importante vantagem, no so por si ss suficientes, e destaca a importncia crucial da capacidade de gerir informao e de criar novas linguagens e saberes nas organizaes. As principais tendncias de transformao que tm vindo a ser constatadas na esfera produtiva so sistematizadas de acordo com os seguintes aspectos por Moniz e Kovcs (1997): . internacionalizao e globalizao da economia; . mercados mais instveis e diferenciados; . crise da indstria tradicional (com recurso mo de obra barata e pouco qualificada), e emergncia de uma indstria baseada na informao e em recursos humanos competentes; . complexificao do sistema produtivo (com exigncias ao nvel da qualidade e da flexibilidade); . introduo de novas tecnologias, flexveis; . recursos humanos mais escolarizados, com novas aspiraes e valores face ao trabalho; . crise das formas de organizao do trabalho que no atribuem ao factor humano um papel de centralidade. Neste contexto, os autores destacam a crescente importncia atribuda ao factor humano36, nomeamente no que diz respeito sua qualificao, formao e motivao, questes que sero analisadas com maior detalhe no decorrer deste trabalho.36Os autores so defensores de uma