mÚsica popular bbrasileira - iv - o choro

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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ – CCSE – DART LICENCIATURA PLENA EM MÚSICA - Disciplina: MPB Prof. Ricardo Catete [email protected] m APOSTILA IV – MPB: A FORMAÇÃO O Choro Os Chorões (1916) A história do "choro" começa remotamente em 1808, com a chegada da Família Real ao Brasil. O Rio de Janeiro foi elevado à categoria de sede do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves. Logo em seguida, a cidade passaria por uma grande reforma urbana e cultural. Foram criados cargos públicos, o que possibilitou a formação de um novo segmento social, a classe média. Com a corte portuguesa vieram, além de instrumentos como o piano e as danças européias, alguns gêneros e hábitos musicais, como o minueto, a quadrilha, a valsa e o xótis, que juntos com o lundu, de origem africana e já sedimentado a nossa cultura naquela altura, foram sendo abrasileirados na forma de tocar. Em julho de 1845, no Teatro Imperial de São Pedro (atual João Caetano), a polca foi apresentada como dança pela primeira vez e virou moda. Segundo o "Charivari", jornal humorístico da época: "Dançava-se à polca, andava-se à polca, trajava-se à polca, enfim, tudo se fazia à polca". Todos esses fatores contribuíram para o início do choro, que surge não como um gênero musical e sim como uma abrasileirada forma de tocar alguns gêneros musicais e danças da época, que assimilamos e reproduzimos com aspectos endógenos. Os instrumentos, de origens européia, foram ganhando contornos brasileiros na técnica de execução. A clarineta, o violão, o saxofone, o bandolim ou o cavaquinho eram executados inconfundivelmente com o sotaque brasileiro, ainda que, em gêneros musicais estrangeiros. Portanto, possivelmente a partir de 1870,

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ – CCSE – DARTLICENCIATURA PLENA EM MÚSICA - Disciplina: MPBProf. Ricardo Catete – [email protected]

APOSTILA IV – MPB: A FORMAÇÃO

O Choro

Os Chorões (1916)

A história do "choro" começa remotamente em 1808, com a chegada daFamília Real ao Brasil. O Rio de Janeiro foi elevado à categoria de sede do ReinoUnido do Brasil, Portugal e Algarves. Logo em seguida, a cidade passaria por umagrande reforma urbana e cultural. Foram criados cargos públicos, o que possibilitoua formação de um novo segmento social, a classe média. Com a corte portuguesavieram, além de instrumentos como o piano e as danças européias, alguns gêneros

e hábitos musicais, como o minueto, a quadrilha, a valsa e o xótis, que juntos com olundu, de origem africana e já sedimentado a nossa cultura naquela altura, foramsendo abrasileirados na forma de tocar.

Em julho de 1845, no Teatro Imperial de São Pedro (atual João Caetano), apolca foi apresentada como dança pela primeira vez e virou moda. Segundo o"Charivari", jornal humorístico da época: "Dançava-se à polca, andava-se à polca,trajava-se à polca, enfim, tudo se fazia à polca". Todos esses fatores contribuírampara o início do choro, que surge não como um gênero musical e sim como umaabrasileirada forma de tocar alguns gêneros musicais e danças da época, queassimilamos e reproduzimos com aspectos endógenos.

Os instrumentos, de origens européia, foram ganhando contornos brasileiros

na técnica de execução. A clarineta, o violão, o saxofone, o bandolim ou ocavaquinho eram executados inconfundivelmente com o sotaque brasileiro, aindaque, em gêneros musicais estrangeiros. Portanto, possivelmente a partir de 1870,

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pelo gênio do flautista Joaquim Antônio da Silva Callado Júnior (1848-1880) nasce o"choro", oriundo das classes menos abastadas, na cidade do Rio de Janeiro,especificamente nos bairros da Cidade Nova, Catete, Rocha, Andaraí, Tijuca,Estácio e nas vilas do centro antigo, onde esta classe média baixa residia. Asmaiores influências do choro vêm da polca e do lundu. Inicialmente o choro tinhatrês partes, posteriomente passou a ter duas, sempre com características

modulantes e de rondó. No final do século XX, o choro voltou a ser uma maneira defrasear as melodias de vários tipos de músicas e foi se flexibilizando, nãonecessariamente voltando à primeira parte.

Alguns pesquisadores acreditam que a palavra "choro" é derivada do latim"chorus" (coro). Outra vertente de pesquisadores, como José Ramos Tinhorão,afirma que o termo é derivado do verbo "chorar". Os choros lentos (influência doslundus chorados ou doce-lundu), por parecerem um lamento, lembram o verbo"chorar" e quando os instrumentos de cordas, principalmente o violão, são tangidosao mesmo tempo para o acompanhamento da flauta, lembram um estado demelancolia. Segundo Luís da Câmara Cascudo, a palavra seria uma derivação de"xolo", certo tipo de baile que os escravos faziam nas fazendas. Da palavra derivou ovocábulo "xoro", que foi alterado para "choro".

Já Ary Vasconcelos acredita que a palavra é uma corruptela de"choromeleiros", certa corporação de músicos do período colonial que executavamas "charamelas". Segundo Henrique Cazes, os instrumentos de palhetas"charamelas" são precursores dos oboés, fagotes e clarinetes. Na primeira décadado século XX o termo "choro" já denominava o gênero, como uma forma musicaldefinida e não mais como sinônimo de uma roda de músicos que executavammúsicas populares. Considerado "O pai dos chorões", Joaquim Antonio da SilvaCallado Júnior pertenceu à primeira geração do gênero e formou o "O ChoroCarioca", o primeiro grupo instrumental de que se tem notícia

Dos vários grupos criados por Callado fizeram parte o saxofonista e flautistaViriato Figueira da Silva, o cavaquinista Baziza, o flautista Pedro de Assis, oviolonista Saturnino e o flautista Juca Kalut, e mais tarde incorporada a um dosgrupos a pianista Chiquinha Gonzaga.

Por volta de 1850 o Rio de Janeiro já se tornara uma cidade quasecosmopolita, e o ao trio flauta, violão e cavaquinho foi adicionado o piano, outragrande contribuição ao choro. Dos instrumentos emblemáticos do gênero,destacamos o violão, o piano, a flauta, o cavaquinho e o bandolim. Entre os maisvirtuoses violonistas destacam-se João Pernambuco (1853-1947), QuincasLaranjeiras (1873-1935), Satiro Bilhar, como gostava de ser chamado ou aindaSátiro e Satinho, como também era conhecido (1860-1927) e Tute (1886-1957),

entre outros menos conhecidos como Chico Borges, também cavaquinista (circa1880-1916) e Juca Valle, companheiro inseparável de vários flautistas comoCallado, Viriato Rangel e Luizinho. Dos grandes pianistas destacam-se ChiquinhaGonzaga (1847-1935) e Ernesto Nazaré (1863-1934), além de Carolina Cardoso deMenezes e Radamés Gnattali.

O número de flautistas é muito grande. Destacando-se além de JoaquimCallado, Paulo Augusto Duque Estrada Meyer, professor de vários flautistas,inclusive de Patápio Silva (1880-1907) e Pedro de Assis. Citem-se também JucaKalut (1857-?), Pixinguinha (1897-1973), Benedito Lacerda (1903-1958), AlfredoVianna (pai de Pixinguinha) e muitos outros descritos no livro publicado em 1936, "Ochoro", de Alexandre Gonçalves Pinto, mais conhecido como Animal e que fez o

levantamento de boa parte dos nomes da velha-guarda do choro. O cavaquinho temmodernamente em Canhoto e Aníbal Augusto Sardinha (Garoto 1915-1955) os seusprincipais executores. De início era usado apenas para acompanhamento, mas com

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Waldir Azevedo (1923-1980) ganhou status de solista, muito por conta do sucessonacional e internacional de "Brasileirinho" (1949).

Outros instrumentos também importantes para o choro do seu nascedouro noséculo XIX ao século XXI foram o oficleide (substituto do 'serpentão' nas bandas, isto já no ano de 1800), o saxofone, o violão de sete cordas, o bandolim (substituto dabandola) e o pandeiro, incorporado quase 50 anos depois do nascimento do gênero.

Fator importante também para o desenvolvimento do choro foram as bandas e osprimeiros grupos regionais, destacando-se a Banda do Corpo de Bombeiros, tendo afrente Anacleto de Medeiros (1866-1907), regendo músicos como Irineu de Almeida(professor de Pixinguinha), Carramona (1874-1926), Luís de Souza (?-1920) eCasemiro Rocha e a Banda da Casa Édison, além do regional Grupo Caxangá(precursor do grupo 8 Batutas), Grupo Novo Cordão (1907) e Cavaquinho de Ouro.

A partir da segunda metade do século XX, o choro passa a ser cultuado comoum gênero “de raiz” brasileiro, motivando a formação de inúmeros grupos musicaispor todo o país, que executam tanto as novas composições, como as jáconsagradas.

Dificilmente podem-se listar todos os músicos de choro. Porém, alguns nomessão emblemáticos e resumem com categoria os antecessores e, possivelmente, osque virão: Joaquim Antônio da Silva Callado, Pixinguinha, Jacob do Bandolim,Ernesto Nazareth, Waldir Azevedo, Luperce Miranda, Raphael Rabello, ChiquinhaGonzaga, Yamandú Costa e Joaquim Callado, entre tantos virtuoses em seusinstrumentos e importantes compositores do gênero, como Villa-Lobos que compôsum ciclo de 14 choros em homenagem ao que ele chamou de "A essência musicalda alma brasileira".

BIBLIOGRAFIA:CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair das modernidades.4.ª ed. 4.ª reimp. São Paulo: Edusp, 2008.DOMINGUES, Diana (org.) A Arte no Século XXI: a humanização das tecnologias . São Paulo:Unesp, 1997.MORELLI, Rita C. L. Indústria Fonográfica: um estudo antropológico. 2.ª ed. Campinas: Unicamp,2009.SADIE, Stanley. Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1994.VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. 5ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: UFRJ, 2004.