museu e memória

6
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO TEORIA E CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA Museu Judaico de Berlim: a percepção enquanto memória GUILHERME VENDRAMINI CUOGHI/ 100852 UBERLÂNDIA - 2010

Upload: guilherme-cuoghi

Post on 07-Sep-2015

219 views

Category:

Documents


5 download

DESCRIPTION

Museu e MemóriaGuilherme Cuoghi

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA

    FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

    TEORIA E CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA

    Museu Judaico de Berlim: a percepo enquanto memria

    GUILHERME VENDRAMINI CUOGHI/ 100852

    UBERLNDIA - 2010

  • Introduo

    Projetado pelo arquiteto Daniel Libeskind, o Museu Judaico em Berlim

    representa uma das grandes obras arquitetnicas contemporneas. Tal importncia vai

    alm de uma inovao formal e tecnolgica, estabelecendo uma forte base conceitual e

    reflexiva, portanto, no campo das ideias. Assim, com o intuito de explorar suas

    potencialidades reflexivas, pretende-se, atravs deste estudo, estabelecer um dilogo

    entre esta obra arquitetnica com a obra filosfica Matria e Memria (1896), de Henri

    Bergson.

    Museu

    O Museu Judaico , na verdade, constitudo por dois edifcios: um mais novo

    (1999), projetado por Daniel Libeskind, e um mais antigo inaugurado em 1933 e fechado pelos nazistas em 1938. O antigo e o novo se contrapem no s enquanto

    forma, mas, principalmente, enquanto suporte de informao. O antigo aberto, sendo

    seu espao interior destinado exposio histrica judaica na Alemanha. Em

    contraponto, Daniel Libeskind arquiteto judeu-polons filho de sobreviventes do Holocausto projeta o novo museu na tentativa de materializar em sua arquitetura as violncias e fatos ocorridos pelos judeus na histria da Alemanha. Assim, o museu

    conta histria atravs da prpria vivencia do usurio em seu interior. Por meio das

    sensaes propostas pelo espao arquitnico: desorientao, solido, desespero e

    incerteza.

    Para Libeskind a forma tortuosa do zig-zag engloba toda violncia histrica

    sofrida pelos judeus na Alemanha. Sua forma e planta irregulares trazem uma relao

    simblica de uma estrela de Davi principal smbolo judeu despedaada, como expresso da violncia sofrida pelos judeus no nazismo. As cicatrizes do bloco metlico

    tem origem no traado das rotas de fugas dos campos de concentrao. Os vazios, em

    seu interior traduzem a ruptura histrica judia que jamais ser alcanada, representa a ausncia [que] no pode ser dominada, nem nunca pde, a ruptura no poder ser curada

    e no poder ter seu contedo preenchido por artefatos museicos. (GOMES, Silvia T., 2009).

  • Rota

    Ao caminhar pela rua Oranienburger

    Strasse, em Berlim, um grande, contorcido e

    rasgado bloco metlico parece ter surgido dos

    cenrios do cinema expressionista do incio do

    sculo XX. Reflete. impenetrvel. Ao descer

    por uma passagem subterrnea situada no interior

    de um antigo edifcio ao seu lado, o visitante se

    depara com dois caminhos que se cruzam onde o

    destino no conhecido. O museu um labirinto

    de percepes proposto por Libeskind. No se

    conhece o destino. Uma venda nos olhos meio a

    um campo de concentrao.

    Os destinos, na mitologia grega, so uma urdidura de coisas que poderiam apresentar um carter prprio, mas desaparecem em uma espcie de textura ou plano

    onde ningum capaz de identificar qual o caminho que se deva seguir. Esse um

    tpico muito interessante. No momento em que se muda de geometria e de estratgias

    tectnicas, o labirinto prevalece. (LIBESKIND, 1996, p.11)

    Seguindo por um dos corredores do qual se desconhece o destino o visitante deixa momentaneamente o bloco metlico. Conduzido a caminhar pela passagem

    labirntica e estreita por entre uma selva de pilastras de concreto, a inclinao do terreno

    causa-lhe vertigem. A copa das rvores no topo das pilastras de concreto parece indicar

    uma liberdade inalcanada. Deste espao no h sada, s h um caminho a ser seguido:

    o retorno ao edifcio enigmtico. O Exlio.

    Retornando ao corredor, um dos caminhos se encerra pelas duas paredes laterais

    que se encontram e faz surgir uma grande porta negra. Neste novo espao, a Torre do Holocausto no abriga nada. O espao todo fechado e escuro. H apenas uma pequena abertura ao alto, onde a luz que penetra fraca e distante. Neste espao o

  • turista trancado momentaneamente. Vem-lhe memria a

    priso, o desconforto, o desespero:

    O silncio to grande que possvel ouvir a respirao com uma intensidade e uma presena nunca antes

    sentida. Experincias de imerso de Cage e o poo do conto

    de Edgar Allan Poe. Um pndulo imaginrio oscila. Tortura.

    Calabouo. Priso. Panptico. Foucault e os mtodos de

    esquadrinhamento do corpo. Corpos dceis numa cmara de

    gs. Auschwitz. (BARBIERI, Maria J., 2009)

    A porta aberta. Retorna-se ao labirinto. Seguindo,

    mais um corredor que se encerra por uma escada, e ali, no primeiro degrau, o espao se abre para o alto, onde

    preenchido por uma luz muito ofuscante que vem de fora. So

    muitos os degraus at o fim da escada, mas agora tudo to

    leve que no se sente nem os ps no cho. Entre as duas

    paredes que ladeiam os degraus, algumas vigas oblquas que

    atravessam esse espao parecem separar com muita fora uma

    parede da outra. Elas vo abrindo um caminho infinitamente

    claro e calmo por entre os degraus da escada infinita. (BARBIERI, Maria J., 2009).

    No fim das escadas se abrem amplas salas brancas

    e iluminadas pelas linhas que recortam o edifcio, onde

    so abrigados alguns documentos judaicos. Entre essas

    diversas salas, aparecem grandes fossos vazios, trazendo a

    sensao do calabouo. Essas brechas vazias so pausas que trazem novamente a sensao de calabouo. Insistem

    em fazer lembrar daquilo que se desconhece. So linhas

    de uma memria sem corpo, sem dono. Uma memria

    que ronda o lugar e que ecoa pelas paredes nuas desses

    fossos vazios, uma memria estranha aos meus

    pensamentos. (BARBIERI, Maria J., 2009).

    Ao caminhar por entre os fossos, um barulho metlico

    segue os passos: so mscaras de ferro, que remetem ao

    acontecimento. No h identidades, todas so iguais, no se sabe

    seus nomes ou quem foram, mas o tilintar das inmeras mascaras

    de ferro lembra da quantidade, dos milhares de judeus que no

    querem ser esquecidos. A corroso do ferro marca o tempo que

    no volta. Resta a memria. Que permanece, at a sada do

    edifcio.

  • Memria

    Os conceitos aplicados ao museu transpassam a ideia de apenas um lugar

    diferenciado para um museu. Daniel Libeskind, ao projetar o Museu Judaico, faz uma

    anlise histrica e contextual, onde principal atrao proposta a sensao e percepo

    do espao, o que ele remete e significa. Assim, Libeskind persiste na memria do

    Holocausto nazista relacionando-o com a percepo, a matria e a imagem do museu,

    vocbulos que Brgson se apoiar para fundamentar seu conceito de memria.

    Para Brgson, a percepo do universo est ligada ao corpo, sendo este o meio

    que recebe e interpreta as imagens relacionadas a ele. Portanto, o corpo (que matria e

    imagem, exterior e interior) recebe e atua como mediador dessas imagens, como se tudo

    estivesse que estar relacionado a ele, ele o tradutor da imagem:

    "H um sistema de imagens que chamo minha percepo do universo, e que se

    conturba de alto a baixo por leves variaes de uma certa imagem privilegiada, meu

    corpo. essa imagem ocupa o centro; sobre ela regulam-se todas as outras; a cada um de

    seus movimentos tudo muda, como se girssemos um caleidoscpio. H, por outro lado,

    as mesmas imagens, mas relacionadas cada uma a si mesma, umas certamente influindo

    sobre as outras, mas de maneira que o efeito permanece sempre proporcional causa:

    o que chamo de universo." (BERGSON,1990,p.20)

    Tudo se passa como se, nesse conjunto de imagens que chamo de universo, nada se pudesse produzir de realmente novo a no ser por intermdio de certas imagens

    particulares, cujo modelo me fornecido por meu corpo". (BERGSON,1990,p.21)

    No museu, a todo o momento, a escala, as diferentes situaes dos ambientes e o

    trajeto do corpo pelo labirntico museu judaico so de total importncia para a

    percepo do espao e, portanto, para seu significado enquanto memria.

    Ao investigar como as imagens so percebidas pelo crebro, Brgson ir analisar

    o que ir chamar de percepo pura como total subjetividade, desprovida de memria,

    sem lembranas e limitada, lembrana mais primitiva e profunda que no se reflete no

    cotidiano do sujeito.

    "O que constitui o mundo material [...] so objetos, ou, se preferirem, imagens,

    cujas partes agem e reagem todas atravs de movimentos umas sobre as outras. E o que

    constitui nossa percepo pura , no seio mesmo dessas imagens, nossa ao nascente

    que se desenha. A atualidade de nossa percepo consiste portanto em sua atividade,

    nos movimentos que a prolongam, e no em sua maior intensidade: o passado no

    seno ideia, o presente ideo-motor.[...] A partir da, toda diferena abolida entre a

    percepo e a lembrana, j que o passado por essncia o que no atua mais, e que ao

    se desconhecer esse carter do passado se incapaz de distingui-lo realmente do

    presente, ou seja, do atuante." (BERGSON,1999,p.72)

  • Assim, atravs desta percepo pura, o museu tenta resgatar os fatos ocorridos

    no Holocausto tais como aprisionamento, desorientao, exlio , nunca antes vividos pelo turista, de modo a experimenta-los e materializa-los atravs da ao nascente. Portanto, uma nova imagem se forma sobre o Holocausto. Agora relaciona a sensao

    do espao proporcionado pelo museu lembrana do fato histrico. Assim, "a memria,

    praticamente inseparvel da percepo, intercala o passado no presente, condensa

    tambm, numa intuio nica, momentos mltiplos da durao, e assim, por sua dupla

    operao, faz com que de fato percebamos a matria em ns, enquanto de direito a

    percebemos nela." (BERGSON,1990,p.77). A percepo est impregnada de

    lembranas, e as lembranas esto impregnadas de percepo.

    "A percepo no jamais um simples contato do esprito com o objeto

    presente; est impregnada de lembranas-imagens que a contemplam, interpretando-a.

    A lembrana da imagem, por sua vez, participa da "lembrana pura" que ela comea a

    se materializar, e da percepo na qual tende a se encarnar: considerada desse ltimo

    ponto de vista, ela poderia ser definida como percepo nascente."

    (BERGSON,1999,p.109)

    Os espaos de amplas percepes proposto por Libeskind para o Museu Judaico

    em Berlim pretende traduzir e expressar as sensaes vividas pelos judeus de modo a

    materializar na memria do visitante os fatos ocorridos no Holocausto. Seu conceito

    para o museu dialoga com a fundamentao da memria em Brgson, que completa seus

    sentidos propostos:

    "No h percepo que no possa, por um crescimento da ao de seu

    objeto sobre nosso corpo, tornar-se afeco e, mais particularmente, dor."

    (BERGSON,1999,p.54).

    Referncias:

    BERGSON, Henri (1859-1941). Matria e Memria. 2a ed. So Paulo: Martins Fontes, 1999.

    291p.; 18,5 cm

    MATTOS, Jane R. Reflexes sobre memria em Henri Bergson e Gaston Bachelard,

    publicado 3/07/2009 em http://www.webartigos.com

    BARBIERI, Maria J. O museu das linhas invisveis, publicado 22/09/2009 em

    http://monolitho.labin.pro.br/

    GOMES, Silvia T. A estrela de Davi estilhaada: uma leitura do Museu Judaico de Berlim de

    Daniel Libeskind publicado 22/09/2009 em

    http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.081/273

    http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=511&p=1 acessado em Julho

    de 2010

    http://en.wikipedia.org/wiki/Jewish_Museum_Berlin acessado em Junho de 2010