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Departamento de Serviço Social CONFLITOS URBANOS, DIREITO À CIDADE E A MEMÓRIA COMO INSTRUMENTAL POLÍTICO: ESTUDO DOS MUSEUS DE / EM FAVELAS NO RIO DE JANEIRO Aluna: Vivian Monteiro Lessa Orientador: Rafael Soares Gonçalves Introdução O presente projeto pretendeu dar continuidade à pesquisa de iniciação científica realizada em 2017, cujo tema era Conflitos Urbanos, Direito à Cidade e a Memória Como Instrumental Político: Estudo do Museu do Horto”. A pesquisa sobre o Estudo do |Museu do Horto consistiu em compreender como a organização do Museu do Horto se transformou em uma estratégia de luta contra as tentativas de remoções da localidade pelo Jardim Botânico. Os conflitos socioambientais aparecem de forma extremamente marcante nesse local. As famílias que vivem no Horto Florestal sofrem constantes ameaças de remoção por parte da instituição Jardim Botânico, onde, segundo moradores entrevistados para nossa pesquisa, são insultados como “invasores”. São mais de 500 famílias que residem no Horto, muitos eram parentes ou mesmo funcionários do Jardim Botânico e tiveram a permissão de ali construir suas casas. Mesmo com documentos que comprovam a versão dos moradores, o Jardim Botânico intensificou seus esforços nos últimos anos para expulsá-los, alegando que ocupam áreas do parque necessárias para a expansão de suas atividades de pesquisa. Várias ações judiciais foram impetradas e algumas remoções vêm ocorrendo. Os moradores removidos não têm direito a nenhuma forma de indenização. No entanto, os moradores alegam que a área que ocupam jamais pertenceu ao espaço de visitação do Jardim Botânico e que possuem uma relação histórica com o Jardim sem provocar prejuízos ambientais nem causam impactos para as atividades de pesquisa e visitação ali empreendidas. No contexto desse conflito, buscamos analisar as formas de mobilização política dos moradores, analisando, mais especificamente, a criação do Museu do Horto. A memória torna-se, assim, um instrumento importante de luta pelo direito à cidade (Gonçalves, 2018). A pesquisa se propôs, esse ano, em alargar-se, analisando a formação e o funcionamento de outros museus de favelas espalhados pelo Rio de Janeiro. Procuramos, assim, conhecer e

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Departamento de Serviço Social

CONFLITOS URBANOS, DIREITO À CIDADE E A MEMÓRIA COMO

INSTRUMENTAL POLÍTICO: ESTUDO DOS MUSEUS DE / EM

FAVELAS NO RIO DE JANEIRO

Aluna: Vivian Monteiro Lessa

Orientador: Rafael Soares Gonçalves

Introdução

O presente projeto pretendeu dar continuidade à pesquisa de iniciação científica

realizada em 2017, cujo tema era “Conflitos Urbanos, Direito à Cidade e a Memória Como

Instrumental Político: Estudo do Museu do Horto”. A pesquisa sobre o Estudo do |Museu do

Horto consistiu em compreender como a organização do Museu do Horto se transformou em

uma estratégia de luta contra as tentativas de remoções da localidade pelo Jardim Botânico. Os

conflitos socioambientais aparecem de forma extremamente marcante nesse local. As famílias

que vivem no Horto Florestal sofrem constantes ameaças de remoção por parte da instituição

Jardim Botânico, onde, segundo moradores entrevistados para nossa pesquisa, são insultados

como “invasores”. São mais de 500 famílias que residem no Horto, muitos eram parentes ou

mesmo funcionários do Jardim Botânico e tiveram a permissão de ali construir suas casas.

Mesmo com documentos que comprovam a versão dos moradores, o Jardim Botânico

intensificou seus esforços nos últimos anos para expulsá-los, alegando que ocupam áreas do

parque necessárias para a expansão de suas atividades de pesquisa. Várias ações judiciais foram

impetradas e algumas remoções vêm ocorrendo. Os moradores removidos não têm direito a

nenhuma forma de indenização. No entanto, os moradores alegam que a área que ocupam

jamais pertenceu ao espaço de visitação do Jardim Botânico e que possuem uma relação

histórica com o Jardim sem provocar prejuízos ambientais nem causam impactos para as

atividades de pesquisa e visitação ali empreendidas. No contexto desse conflito, buscamos

analisar as formas de mobilização política dos moradores, analisando, mais especificamente, a

criação do Museu do Horto. A memória torna-se, assim, um instrumento importante de luta

pelo direito à cidade (Gonçalves, 2018).

A pesquisa se propôs, esse ano, em alargar-se, analisando a formação e o funcionamento

de outros museus de favelas espalhados pelo Rio de Janeiro. Procuramos, assim, conhecer e

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Departamento de Serviço Social

analisar teoricamente o significado desses museus, visando o resgate da memória histórica

como um instrumental político para as localidades onde estão inseridos.

Trata-se, assim, de uma experiência de museologia social, que evoca experiências e

iniciativas dispostas a resistir às tentativas de normatização, estandardização e controle

perpetradas por determinados setores culturais e acadêmicos (Chagas e Gouvea, 2014:16).

Conforme explicam os autores, a museologia social está comprometida com a redução das

injustiças e desigualdades sociais e com a utilização do poder da memória, do patrimônio e do

museu a favor das comunidades populares (idem, 17).

A partir do estudo do museu do Horto, resolvemos ampliar a nossa reflexão para outros

museus sociais, localizados em favelas da cidade. Procuramos levantar iniciativas de projetos

envolvendo a questão da memória nas favelas cariocas, identificando os projetos dos museus

existentes de forma a compreender, a partir do caso dos museus em favelas, as novas formas de

luta política nesses espaços.

O projeto de pesquisa visa, assim, analisar o papel da memória como instrumental

político de resistência nas favelas cariocas na luta pelo direito à cidade. Entendemos que a

existência das favelas decorre de um processo sócio histórico demarcado de lutas de classes,

preconceitos, discriminação no que tange o reconhecimento das pessoas que ali vivem.

Atualmente as favelas abrigam milhares de pessoas e continuam sendo um lugar importante de

moradia para muitos trabalhadores pobres e negros. Sendo assim, a proposta da pesquisa se

baseou em conhecer e analisar teoricamente o significado dos Museus e como essa iniciativa

procurou resgatar a memória das favelas cujos museus foram estudados.

Os objetivos específicos são: i) levantar iniciativas de projetos envolvendo a questão da

memória nas favelas cariocas; ii) levantar mais especificamente os projetos de museus

existentes atualmente nas favelas cariocas e, por fim, iii) compreender, a partir do caso dos

museus em favelas, as novas formas de luta política nas favelas cariocas.

Compreendemos a importância de conduzir a pesquisa a partir de uma reflexão

interdisciplinar: o fenômeno urbano é múltiplo, complexo e pluridimensional e constitui

necessariamente um terreno privilegiado de estudo das ciências sociais. Além de percorrer a

literatura secundária que dá suporte teórico ao projeto, realizamos entrevistas semiestruturadas

com os responsáveis dos museus para identificar a sua origem e os projetos empreendidos,

procurando compreender como eles se articulam com as lutas dos moradores pelo Direito a

cidade. Foram realizadas entrevistas com os responsáveis dos seguintes Museus: Museu do

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Horto (Horto Florestal); Museu das Remoções (Vila Autódromo), Memória Cerro Corá (Cerro

Corá), Museu Sankofa (Rocinha) e Museu da Maré (Maré). As entrevistas foram transcritas e

arquivadas.

1. As favelas e a museologia social

As favelas desde sempre foram estigmatizadas, cercadas de preconceitos e com a falta do

poder público atuando em favor delas, vem enfrentando o discurso entre a ilegalidade e a

violência. Há a formação de estereótipos em relação aos seus moradores, considerando-os como

marginais. Precisamos compreendermos a existência das favelas e difundir o seu significado,

entendendo que a favela faz parte da cidade.

A favela tem sua gênese a partir da libertação dos escravos. Com a industrialização,

houve um incremento da população urbana, que precisa morar próxima ao trabalho. Sendo

assim, começaram a residir em cortiços, em condições precárias, pagando aluguel, mas logo

foram expulsos de suas moradias pelas políticas higienistas, conforme nos descreve Rubin e

Bolfe (2014: 203):

“Com a proclamação da República (1889), ocorreram algumas políticas de expulsão

das classes pobres das áreas centrais da cidade, com a justificativa de controle sanitário

por parte dos médicos-higienistas, como meio de normatização da sociedade. Assim,

empresas de iniciativa privada investiram na construção civil e no fornecimento de

habitações, porém esses investimentos não se destinavam à população de baixa renda.

Sendo assim, cresceu quantidade de pessoas que precisavam se abrigar e não tinham como

arcar os preços da moradia. Ainda segundo Rubin e Bolfe (2014), para atrair investimentos para

a cidade foi adotada uma política urbana, que consistia no embelezamento das cidades,

ocasionando a expulsão de muitas residências, gerando uma maior valorização da localidade

que só os ricos podiam acessa.

A política higienista também se voltou para as favelas, que se tornaram o grande problema

epidêmico da cidade. Posteriormente, com o rescimento das favelas, elas começaram a ser

associadas ao risco social, sobretudo com a maior presença o partido Comunista nesses espaços.

Conforme nos descreve Gonçalves (2013), o lema era subir as favelas antes que os counistas

descessem de lá. Essas representações negativas associadas às favelas e seus habitantes

ganharam novos contornos com o crescimento do tráfico de drogas e as favelas passaram a ser

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representadas como o epicentro da violência urbana e, mais recentemente, também como o

maior risco ambiental da cidade.

Se as favelas possuem problemas, não podemos considerá-las como o problema urbano.

Não basta percorremos às bibliografias para entendermos nos dias de hoje a representação da

favela. Devemos vivenciar as experiências a partir das estórias de quem as conta, ou seja, buscar

às histórias representadas pelos seus próprios moradores e a Museologia Social nos permite

esse novo contato com a realidade histórica e social das favelas através dos seus respectivos

museus. Segundo Gouveia:

“A museologia social, na perspectiva aqui apresentada, está comprometida com a redução das

injustiças e desigualdades sociais; com o combate aos preconceitos; com a melhoria da qualidade

de vida coletiva; com o fortalecimento da dignidade e da coesão social; com a utilização do poder

da memória, do patrimônio e do museu a favor das comunidades populares, dos povos indígenas

e quilombolas, dos movimentos sociais,

Para Chagas e Gouvea 2014), o que dá sentido à museologia social não é o fato dela existir em

sociedade, mas sim, os compromissos sociais que assume e com os quais se vincula. A sua perspectiva

libertária, é uma crítica aos valores defendidos até então pela museologia. Pretendemos abaixo, à

partir das falas dos representantes dos museus, descrever um pouco da formação desses museus

e de como pensam que a memória pode ter um uso pppolítico.

2. Uma História Contatada Por Nós mesmos: Apresentação dos Museus e relatos

dos moradores /idealizadores sobre suas experiências com a preservação da

memória.

MUSEU DO HORTO

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FONTE: FOTO /PRINT MUSEU DO HORTO. acesso em: agosto de 2017

O Museu do Horto, segundo o próprio site do museu, apresenta a história da comunidade

do Horto Florestal e seus habitantes. Sua proposta é viabilizar a produção e a difusão de

conteúdos relacionados à memória social da população local, a partir de sua própria voz e ação

histórica. Trata-se assim de uma metodologia que utiliza ferramentas da Museologia a serviço

da memória Social: identificação, qualificação, realização de inventários participativos, difusão

de memórias e formação de redes. Esse museu não possui uma estrutura física e se limita ao

seu site eletrônico. Trata-se de um museu social e de percurso, que procura identificar e reforçar

locais de memória no próprio bairro, assim como disponibilizar documentos, relatos e fotos na

sua página na internet. Realizou também atividades culturais e turísticas na área. Tais atividades

não vem sendo realizadas nos últimos anos. No processo de elaboração para o presente relatório.

a página do Museu do Horto encontrou-se fora do ar, não sendo possível acesso ao término do

mesmo.

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MEMÓRIAS DO CERRO CORÁ

Depoimento de Ricardo Rodrigues (maio de 2018)

Ricardo Rodrigues

“ O Memória do Cerro Cora surgiu em 2013. Em 2012, eu estava terminando o ensino médio

já meio atrasado, aí eu me apaixono por política. E essa ideia de política é legal, política sem

partido, né ? Aí, eu conversando com o pessoal, o Isaque foi aluno de museologia da UFF. |O

Isaque, tinha essa vontade de fazer o museu, a gente vira e mexe guardava fotos e tentava fazer

essa ideia de museu e nunca conseguimos. Aí, a gente conheceu essas meninas que estou te

falando Marcela, Luna, Marina, Miriam e Verônica e a gente pegou carona. Elas são alunas do

Serviço Social e quiseram ajudar a gente. Elas são da UFRJ. Elas quiseram ajudar a gente nessa

ideia de museu, mas assim, a gente não sabia que estava fazendo museu. A gente quis juntar as

fotos e organizar a Associação de Moradores porque a gente tinha muito medo das remoções

que estavam acontecendo em favelas super organizadas, estavam acontecendo remoções super

covardes. ”

SOBRE A IDEIA DE CONSTRUÇÃO DO MUSEU FOI POR CONTA DE

REMOÇÕES?

“ Foi por causa das remoções também. A gente tentava fazer reuniões como os moradores e

ninguém participava. Quando a gente pega as fotos antigas e leva e fala: Aí gente! Porque a

gente foi de porta em porta pegando fotos antigas, escaneando, e devolvia na semana seguinte.

A gente fez uma rifa de chocolate para conseguir dinheiro para revelar essas fotos e fizemos

isso, a rifa valendo dois reais. Fizemos uma cesta e sorteamos. Conseguimos quatrocentos e

oitenta e seis reais. Com esse dinheiro a gente pagava a revelação e pegamos vária antigas da

época do Stevie B (Steven Bernard Hill, cantor). Na época, o Stevie B. esteve na década de

noventa várias vezes a última foi em noventa e cinco, Cerro Cora era super badalado e tinha até

um jargão que era um Funk,: “Uh tá na moral zona sul Cerro coral” e era o que embalava os

bailes do Rio de Janeiro. O Cerro Cora tinha um baile super badalado e o Stevie B esteve por

várias vezes aí. A gente pegou essas fitas em VHS e passamos para CD e apresentamos na

quadra, arrumamos tudo e colocamos barbantes no ferro da quadra, penduramos fotos, foi um

evento! A gente anunciou no Facebook. Aconteceu no dia 18 de agosto de 2013. A gente não

tinha noção do corredor de cultura e não tinha como mais voltar atrás. E foi muito bom isso.”

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MUSEU DA MARÉ

Com o objetivo de registrar imagens e depoimentos dos moradores da comunidade da

Maré no ano de 1989 foi criado o TV Maré, que mais tarde conseguiu juntar um acervo que foi

transformado em um museu que está localizado em um galpão na própria comunidade,

inaugurado no dia 08 de maio de 2006. O modelo de museu é físico, com exposições eventuais.

Encontra-se também disponível em versão online.

Fonte: FOTO /PRINT MUSEU DA MARÉ acesso em: julho de2018 http://www.museudamare.org.br/

Depoimentos/março de 2018

Antônio Carlos Pinto Vieira (Ex morador da Maré e diretor do Museu da Maré)

“Aí a gente pensou nessa Rede de Memória da Maré, vimos algumas pessoas que podiam estar

participando disso, o objetivo era de tentar organizar esse material que a TV Maré tinha

produzido e ter um trabalho contínuo de entrevistas de registro de memórias e também de

ampliar esse material. A nossa perspectiva era, utilizar todo tipo de suporte que a gente

conseguisse para a gente construir narrativas sobre essa história e memória na Maré”

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“Na verdade, a gente construiu uma percepção das pessoas, do que era esse trabalho. Eu posso

dizer tranquilamente que não teve nenhum problema com morador, muito pelo contrário, as

pessoas são extremamente abertas. A gente não teve nenhum problema. Mas, isso também eu

acho que é uma cultura criada eu acho que trabalhar história oral já tem essa facilidade de você

dar um protagonismo. Claro, aquilo é uma memória, e na memória a gente não pode ter

ingenuidade a memória é uma memória seletiva, de certa maneira é uma memória que vai ser

manipulada pelo interesse, pela motivação e pela visão política de quem está dando

depoimento”

MUSEU DAS REMOÇÕES

O Museu das Remoções é um museu comunitário a céu aberto, localizado na Vila Autódromo,

comunidade da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Idealizado pelo museólogo e ativista social

Thainã de Medeiros. O Museu das Remoções foi criado como ato de resistência contra a política

urbana adotada na preparação para as Olimpíadas Rio 2016 quando mais de 500 famílias foram

expulsas. Fundado em 18 de maio de 2016 (Dia Internacional dos Museus) a partir de obras

realizadas por estudantes de Arquitetura.Atualmente o Museu das Remoções conta com uma

versão online em seu site: https://museudasremocoes.com e traz como slogan :”MEMÒRIA

NÂO SE REMOVE”.

Foto /Print do Museu das Remoções. Acesso julho de 2018 https://museudasremocoes.com

Depoimentos/ dezembro 2017

Sandra Maria (moradora da Vila Autódromo)

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Sobre o surgimento do Museu das Remoções:

“Isso foi muito bacana. Mas o Museu das Remoções, ele nasce durante o processo de remoção. No

processo assim, de resistência. Ele surge, assim, como uma forma de resistência, uma ferramenta de

luta. A gente estava tudo sendo destruído e a gente lutando para manter a comunidade. E a gente pegando

esse eixo assim, da memória, né? Da valorização da memória. Porque com aquela preocupação, que a

Vila Autódromo não fosse mais uma comunidade desaparecida e apagada da história da nossa cidade...”

Diálogo entre Sandra Maria e Thainã Medeiros sobre a idealização do Museu;

“Um museu Thainã? Ele (Thainã de Medeiros) : “É um Museu das Remoções”. Aí eu (Sandra): Mas a

comunidade está sendo removida. Estava muita gente indo embora, tinham poucas pessoas. Aí ele

(Thainã de Medeiros) falou; “Pois, é, mas esse é o momento de vocês preservarem a memória, utilizar,

esses escombros. E até mesmo, constituir como um processo de resistência como uma forma de

ferramenta de luta”

MUSEU DA ROCINHA SANKOFA

FOTO /PRINT MUSEU DA ROCINHA acesso em: julho de 2018 http://museudarocinha.blogspot.com/

DEPOIMENTOS/ junho de 2018:

Antônio Carlos Firmino (morador da Rocinha)

Sobre a memória:

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“Eu vejo resistência. Não é uma questão de saudosismo é uma questão de direito a se ter essas

memórias e é um espaço de disputa política e resistência daquilo que você quer como cidadão

e como cidadã. Eu vejo a memória mito nessa linha”

Sobre as conquistas através da memória como instrumental político:

“Eu falo com um grupo de jovens de lá que trabalham com a saúde: Vocês estão trabalhando

com a saúde, discutindo, andando para lá e para cá, vocês têm que entender minimante e saber

o que foi o período dos mutirões. Trazer a galera aqui e passar um documentário que nós temos,

para entender o quê que a Rocinha tem além da área da saúde com 34 anos, que foi uma

conquista dos moradores que gerou lutas e discussões”

Conclusões

O estudo dos museus em favelas nos permitiu compreender melhor a importância do

resgaste da memória como instrumental político na luta dos moradores pela permanência das

favelas na cidade. A memória participa do esforço de ressignificação das favelas, contrapondo

às representações negativas que são normalmente impostas às favelas. Assegurar o direito ao

passado é imprescindível para garantir o direito à cidade no presente e um futuro distinto às

favelas cariocas e seus moradores. A museologia social, por exemplo, não serve apenas à

preservação de coisas, objetos e artefatos, mas sobretudo à valorização da vida, como “vivência

e convivência, como potência não orgânica de vida, como potência de criação e de

resistência.”(Chagas e Bogado, 2017:

Referências:

Rubin, Graziela Rossatto e Bolfe, Sandra Ana, “O desenvolvimento da habitação social no

Brasil”, Ciência e Natura, v. 36 nº 2, 2014, p.201–213.

Brum, Mario Sergio Ignácio. “O povo acredita na gente”: Ruptura no movimento

comunitário das favelas cariocas nas décadas de 1980 e 1990, Dissertação (Curso de

Mestrado em História Social)- Universidade Federal Fluminense, 2006.

Chagas, M., & Gouveia, I. “Museologia social: reflexões e práticas (à guisa de apresentação) ”,

Cadernos do CEOM, nº 27, 2014, p.9-21.

Chagas, Mário, “Museus, memórias e movimentos sociais”, Cadernos de Sociomuseologia,

nº41, 2011.

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Chagas, Mario e Bogado, Diana, “A museologia que não serve para a vida, não serve para nada:

o museu das remoções como potência criativa e potência de resistência”, Calabre, Lia et ali

(org), Memória das olimpíadas no Brasil: diálogos e olhares, Rio de Janeiro: Fundação Casa

de Rui Barbosa, 2017. p.139-146.

Gonçalves, Rafael Soares, Favelas do Rio de Janeiro. História e Direito. Editora Pallas: Rio de

Janeiro, 2013.

Gonçalves, Rafael Soares. Les conflits fonciers à Rio de Janeiro : les habitants du

“Horto Florestal” contre l’administration du Jardin Botanique, Urbanités, nº 10, 2018.

Souza, Laura Oliveira Carneiro de. Horto Florestal: um lugar social de memória da cidade do

Rio de Janeiro. 2012. 219 f. Tese (doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro, Departamento de Serviço Social, 2012.