mundos possíveis: realidade e ficção na linha do tempo
DESCRIPTION
Este projeto tem como objetivo a utilização da rede social Facebook como plataforma expositiva de imagens fotográficas produzidas a partir de experimentações artísticas envolvendo fotografia e performance, entremeando e convocando no espaço virtual, diversas narrativas fotográficas que investigam e trazem em questão temas como representação e identidade, realidade e ficção. A partir desses usos específicos, tanto da fotografia, quanto da rede social, pude estabelecer conexão e interatividade com uma rede de amigos e interlocutores que influenciaram e participaram ativamente da produção fotográfica que passou a ganhar forma a partir do seu caráter relacional, entremeando, dessa maneira, espaços reais e virtuais, públicos e privados.TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Habilitação em Jornalismo
ALEXSANDRO OLIVEIRA SANTOS
MUNDOS POSSÍVEIS:
REALIDADE E FICÇÃO NA LINHA DO TEMPO
Salvador
2015
ALEXSANDRO OLIVEIRA SANTOS
MUNDOS POSSÍVEIS:
REALIDADE E FICÇÃO NA LINHA DO TEMPO
Memória do Trabalho de Conclusão de
Curso de Graduação em Jornalismo,
Faculdade de Comunicação,
Universidade Federal da Bahia.
Orientador: José Mamede
Salvador
2015
Agradecimentos
Agradeço a Aurora e Edésio, meus pais, que mesmo a distância e independentemente de
entender ou não, apoiaram as minhas escolhas e atitudes. Agradeço a Ricardo, meu
companheiro, amigo, amor e cúmplice de muitos dos processos vividos e
compartilhados durante essa pesquisa, me ajudando em muitos momentos, a continuar
seguindo em frente. A Michelle Mattiuzzi, pela sua parceria, força e resistência e pelas
horas e mais horas de conversas e trocas. A todos meus amigos, principalmente Lucas
Moreira e Patrícia Bssa, que estiveram e me acompanharam durante todos esses anos
dias e horas.
A Edgard Oliva, meu grande mestre e amigo, que com sua gentileza e sabedoria, soube
me guiar em muitos momentos da pesquisa. A José Mamede, meu orientador e agora
amigo, que a partir dos nossos encontros e conversas, conduziu e compartilhou muitas
das referências e reflexões que foram de grande importância para o desenvolvimento da
escrita. Ao Labfoto - Laboratório de Fotografia da Facom, que alimentou meu percurso
inicial de envolvimento com a fotografia, e ao Laboratório de Fotografia da Escola de
Belas Artes, pelas possibilidades e experiências com os reveladores químicos e os
procedimentos analógicos da fotografia.
A Vera, Emilly, Neném, Pequeno, Mayra Lins, Luciana Dal Ri, Mariano, Márcio
Mascarenhas, Dulcineia Gomes, Paola De Mori, Driele Mutti, Denise, Inajara, Alana
Silveria, Hirosuke, Jerônimo, Zé Mario, Júlio, David, Iansã, Alana Barbo, Laura Braga,
Laura Castro, Clarice Machado, Cíntia Guedes, Matheus Santos, Rodrigo Sombra,
George Neri, Núbia Neves, Morgana Poiéses, Tereza Raquel, Vanessa e tantos outros
amigos e pessoas que conheci durante essa longa trajetória e que conduziram,
conjuntamente, muitas das ideias e questões trazidas pela pesquisa.
RESUMO
O presente trabalho é a memória descritiva do projeto Mundos Possíveis: Realidade e
Ficção na Linha do Tempo. Este projeto tem como objetivo a utilização da rede social
Facebook como plataforma expositiva de imagens fotográficas produzidas a partir de
experimentações artísticas envolvendo fotografia e performance, entremeando e
convocando no espaço virtual, diversas narrativas fotográficas que investigam e trazem
em questão temas como representação e identidade, realidade e ficção. A partir desses
usos específicos, tanto da fotografia, quanto da rede social, pude estabelecer conexão e
interatividade com uma rede de amigos e interlocutores que influenciaram e
participaram ativamente da produção fotográfica que passou a ganhar forma a partir do
seu caráter relacional, entremeando, dessa maneira, espaços reais e virtuais, públicos e
privados.
Palavras Chave: facebook, fotografia contemporânea, performance, estética relacional
SUMÁRIO
1. Apresentação ........................................................................................................ 8
2. O Tema ............................................................................................................... 10
2.1. Facebook como plataforma de criação, circulação e experimentação artística
fotográfica .......................................................................................................... 10
3. A Fotografia ....................................................................................................... 20
3.1. Fotografia e Arte Contemporânea .............................................................. 20
3.2. Fotografia e Performance ........................................................................... 26
3.2.1. Michelle Mattiuzzi ................................................................................... 28
3.2.2. Ricardo Alvarenga ................................................................................... 30
3.2.3. Performance Híbrida ................................................................................ 34
4. O Projeto ............................................................................................................ 37
4.1 Realidade e Ficção na Linha do Tempo....................................................... 37
5. Considerações Finais ......................................................................................... 56
6. Bibliografia ........................................................................................................ 57
7. Anexos................................................................................................................. 59
7.1. Crítica escrita em setembro de 2013............................................................ 59
8. Apêndice.........................................................................................................60
8.1. Prints das publicações no Facebook.........................................................60
Lista de Figuras
Figura 1 – Facebook, maio de 2013, Paulo Afonso, Bahia......................................................... 16
Figura 2 – Lambe-lambe e Mapa expostos em Paulo Afonso (BA) em setembro de 2014........ 17
Figura 3 – Av. Otaviano L. de Moraes, Paulo Afonso, Bahia .................................................... 18
Figura 4 – Rua 31 de março, Paulo Afonso, Bahia..................................................................... 18
Figura 5 – Rua Marechal Castelo Branco, Paulo Afonso, Bahia................................................ 18
Figura 6 – Alex Oliveira, Salvador, Dezembro, 2014................................................................. 19
Figura 7 – Alex Oliveira, Salvador, Dezembro, 2014................................................................. 19
Figura 8 – Alex Oliveira, Aurora Descoberta, Salvador, 2011................................................... 24
Figura 9 – Alex Oliveira, Aurora Descoberta, Salvador, 2011................................................... 24
Figura 10 – Alex Oliveira, Aurora Descoberta, Salvador, 2011................................................. 25
Figura 11 – Alex Oliveira, Aurora Descoberta, Salvador, 2011................................................. 25
Figura 12 – Alex Oliveira, S/Título, Salvador, Fevereiro de 2013............................................. 26
Figura 13 – Alex Oliveira, S/Título, Salvador, Outubro, 2012................................................... 27
Figura 14 – Alex Oliveira, S/Título, Salvador, Setembro, 2012................................................. 27
Figura 15 – Alex Oliveira, Jesus 3:30pm de Ricardo Alvarenga, Fevereiro, 2013..................... 27
Figura 16 – Alex Oliveira, S/Título, Vila Eliseu, Salvador, Novembro, 2011........................... 28
Figura 17 - Alex Oliveira, S/Título, Vila Eliseu, Salvador, Dezembro, 2011............................ 30
Figura 18 - Alex Oliveira, S/Título, Vale da Lua, Goiás, Novembro, 2012............................... 31
Figura 19 - Ricardo Alvarenga, Paixão de Cristo, Salvador, Março, 2013................................. 33
Figura 20 - Alex Oliveira, S/Título, Goiás, Novembro, 2012..................................................... 34
Figura 21 - Alex Oliveira, S/Título, Goiás, Novembro, 2012..................................................... 34
Figura 22 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Itapetinga, Maio, 2013......................................... 37
Figura 23 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, Abril, 2013......................................... 39
Figura 24 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, Abril, 2013......................................... 39
Figura 25 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, 2013................................................... 40
Figura 26 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, 2013................................................... 40
Figura 27 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, 2013................................................... 40
Figura 28 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, 2013................................................... 40
Figura 29 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Macaúbas, Maio, 2013......................................... 41
Figura 30 - Alex Oliveira, Porto Seguro, 2013........................................................................... 42
Figura 31 - Alex Oliveira, Macaúbas, 2013................................................................................ 42
Figura 32 - Alex Oliveira, Macaúbas, 2013................................................................................ 42
Figura 33 - Alex Oliveira, Paulo Afonso, 2013........................................................................... 42
Figura 34 - Alex Oliveira, Porto Seguro, 2013........................................................................... 42
Figura 35 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Macaúbas, Maio, 2013......................................... 42
Figura 36 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Ituaçú, Julho, 2013............................................... 43
Figura 37 – Facebook, Revelador H2O2, Alagados, 2013.......................................................... 45
Figura 38 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.................................................... 47
Figura 39 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.................................................... 47
Figura 40 – Facebook, Revelador H2O2, Alagados, Agosto, 2013............................................ 47
Figura 41 – Facebook, Revelador H2O2, Alagados, 2013.......................................................... 48
Figura 42 – Facebook, Revelador H2O2, Alagados, 2013.......................................................... 48
Figura 43 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.................................................... 49
Figura 44 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.................................................... 49
Figura 45 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.................................................... 50
Figura 46 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.................................................... 50
Figura 47 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.................................................... 51
Figura 48 – Facebook, Revelador H2O2, Alagados, 2013.......................................................... 52
Figura 49 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.................................................... 54
Figura 50 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.................................................... 55
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1. APRESENTAÇÃO
Mundos Possíveis: Realidade e Ficção na Linha do Tempo é um projeto que
surge do processo de utilização da rede social Facebook como plataforma expositiva de
imagens artísticas – ao produzir e expor no espaço virtual, imagens construídas a partir
das relações estabelecidas entre os distintos ambientes por onde passo, convocando as
pessoas que encontro, desde amigos próximos a desconhecidos. Assim, o processo
criativo produz recortes fotográficos que privilegiam o cotidiano, o acaso, os encontros
e afetos.
Meu envolvimento com a fotografia começou no início da faculdade. Mas
especificamente no segundo semestre de 2008. Desde então já conhecia o site do
Labfoto – Laboratório de Fotografia da Faculdade de Comunicação (UFBA) – e
acompanhava a produção fotográfica dos outros alunos. Com isso, tive certeza que seria
naquele local que eu poderia ter a oportunidade de aprender a fotografar, podendo ter
acesso mais diretamente a equipamentos profissionais de fotografia. Assim, já nos
primeiros semestres da faculdade, fiz inscrição para trabalhar como monitor. Acabei
sendo selecionado e passei a conviver diariamente no Labfoto, conseguindo, dessa
forma, estar mais próximo do meu objeto de pesquisa.
Durante um ano como monitor do Labfoto, pude aprender a técnica fotográfica a
partir de saídas constantes para fotografar festas populares na cidade de Salvador e do
Recôncavo, como Santo Amaro e Cachoeira. Contudo, com o passar do tempo, algo me
inquietava durante as saídas fotográficas e tive necessidade de buscar outras formas de
representar a cidade de Salvador, procurando dar mais destaque ao cotidiano e as
minhas experiências pessoais.
Durante a execução do trabalho e dos questionamentos sobre as necessidades e
os usos da fotografia, busquei encontrar referências que norteassem a minha produção
fotográfica. Sendo assim, encontrei o livro A fotografia como arte contemporânea
(2010) de Charlotte Cotton, - que constitui um apanhado dos artistas da atualidade que
produzem seus trabalhos na intersecção entre arte e fotografia, encontrando a produção
de fotógrafos como Nan Goldin, Wolfgang Tillmans, Mark Morrisroe, Sophie Calle,
Cindy Sherman, dentre outros que se utilizaram da vida íntima como temática de
9
investigação para seus trabalhos fotográficos e processos criativos, buscando um
entendimento mais crítico da realidade diária de suas vidas.
A partir dessas inquietações, no ano de 2010, saio do Labfoto e passo a ser
monitor do laboratório fotográfico da Escola de Belas Artes (EBA/UFBA), trabalhando
com Edgard Oliva, professor de fotografia, numa pesquisa que gerou dois cursos
restritos à comunidade UFBA, sendo o primeiro em Fotografia Básica e o segundo em
Fotografia e Estética. Nesse período pude estudar formas de aliar a fotografia ao campo
da arte, podendo ter mais liberdade para experimentação.
A partir dessas novas experiências e das inquietações anteriores, a criação das
imagens passou a estar atrelada ao meu fluxo cotidiano, ritualizando os acontecimentos
diversos através da produção diária que envolvia desde ações performáticas e
interventivas a experimentações artísticas que buscavam formas de diluir a arte dentro
do cotidiano, atento aos instantes e as manifestações do acaso, como também nas
relações oriundas desse encontro com o outro, num misto de arte e vida, privado e
público.
A partir do uso da minha conta pessoal do Facebook como espaço expositivo,
passei a produzir em constante work in progress1, narrativas fotográficas compostas por
ensaios diversos que envolveram ações performáticas, circulando nas redes sociais e
posteriormente transformadas em intervenções urbanas, procurando, a partir dessas
relações, estabelecer reflexões sobre temas como representação e identidade, realidade e
ficção, cultura e poder.
Como o uso da plataforma virtual influencia meu processo criativo e
investigativo dentro da fotografia? A fotografia poderia acompanhar os processos de
construção da identidade? Como a fotografia poderia ser aliada a outras linguagens
artísticas numa tentativa de buscar novas formas de concepção, produção e
experimentação? Essas são algumas questões que nortearão o meu relato de experiência
que entremeia espaços reais e virtuais, públicos e privados.
1 Termo associado a trabalhos em andamento.
10
2. O TEMA
2.1. Facebook como plataforma de criação, circulação e experimentação artística
fotográfica
Desde 2011, utilizo a rede social Facebook como uma plataforma expositiva de
imagens fotográficas produzidas a partir de experimentações artísticas envolvendo
fotografia e performance, entremeando e convocando no espaço virtual, narrativas
fotográficas que investigam e trazem em questão temas como representação e
identidade, realidade e ficção. A partir desses usos específicos, tanto da fotografia,
quanto da rede social, pude estabelecer conexão e interatividade com uma rede de
amigos e interlocutores que influenciaram e participaram ativamente da produção
fotográfica que passou a ganhar forma a partir do seu caráter relacional.
O Facebook foi fundado em fevereiro de 2004 por Mark Zuckerberg e seus
colegas de faculdade: Eduardo Saverin, Dustin Moskovitz, Chris Hughes e Andrew
McCollum, estudantes da Universidade de Havard em Massachusetts, Estados Unidos.
Segundo Zuckerberg, a rede social foi concebida, originalmente, como uma ferramenta
de comunicação e interação, “baseada em relações reais entre os indivíduos e que
proporciona fundamentalmente novos tipos de interação” (KIRKPATRICK, 2011,
p.20). A composição da rede inclui as mais diversas gerações, geografias, idiomas e
classes sociais. No Facebook, qualquer usuário que declare ter pelo menos 13 anos,
pode se tornar usuário registrado do site. Os usuários devem se registrar, e após isso,
podem criar um perfil pessoal, adicionar outros usuários como amigos e trocar
mensagens privadas e públicas, incluindo notificações automáticas quando atualizam o
seu perfil.
Segundo uma matéria publicada no jornal Folha de São Paulo no dia 28 de
janeiro de 20152, atualmente o Facebook atingiu o número de 1,39 bilhão de usuários
ativos, sendo que 890 milhões acessam diariamente, e 754 milhões, pelo celular. De
acordo com o livro O Efeito Facebook (2011) de David Kirkpatrick, jornalista de
tecnologia da revista Fortune de Nova York, “a rede social põe as pessoas em contato
em torno de algo que tenham em comum: uma experiência, um interesse, um problema
ou uma causa” (2011, p.15). Além disso, “no Facebook, todos podem ser editores,
2 In http://www1.folha.uol.com.br/tec/2015/01/1581963-facebook-supera-estimativa-de-receita-de-
analistas-usuarios-ja-sao-14-bi.shtml Acessado em 18 de maio de 2015.
11
criadores de conteúdo, produtores e distribuidores” (Ibidem, p.15). O software do
Facebook imprime uma característica viral à informação, difundindo em larga escala, o
que antes era privilégio da mídia eletrônica – rádio e televisão.
O Facebook possui uma linha do tempo (timeline) onde é possível ver todo o
material publicado por um perfil. Esses materiais - fotos, histórias e experiências - são
organizados pela data da publicação mais recente, sendo disponibilizado no perfil, o
desenho de uma linha vertical, onde o usuário pode encontrar sua vida de forma
cronológica, desde o “nascimento” até o momento presente. O feed de notícias é a lista
contínua de atualizações da página inicial que mostra as novidades de seus amigos e das
páginas que você segue. Além disso, o Facebook dispõe das opções “curtir”,
“comentar” e “compartilhar”, recursos onde os usuários podem tornar público as suas
opiniões acerca de certos conteúdos, tais como atualizações de status, comentários, fotos
e links compartilhados por amigos, sendo essa a maneira de interação na rede social.
As imagens fotográficas que são postadas na linha do tempo da minha conta
pessoal do Facebook3 são acompanhadas de uma legenda informativa composta por data
e local, e em alguns casos, o nome da pessoa fotografada, que aparece geralmente
através de uma “marcação” com o link do seu perfil na rede. Na linha do tempo, as
imagens ficam disponíveis sem qualquer organização de pastas, álbuns ou categorias,
intercalando, com isso, os diferentes momentos e fases da minha vida com os distintos
processos e projetos artísticos que a compõe.
Este tipo de experiência com a utilização da plataforma, com seus recursos
técnicos e o papel simbólico que desempenha no contexto atual, me possibilita pensar
em qualidades próprias das imagens na contemporaneidade, na qual as telas de
computador e dispositivos móveis aparecem como importante espaço expositivo. O
Facebook é nessa experiência um veículo de circulação, uma rede digital global, na qual
há a possibilidade de que sejam visualizadas as imagens, não só pela minha rede de
amigos, mas também pela rede das pessoas fotografadas, estabelecendo, com isso,
diálogos diversos que entremeiam e interligam as redes a partir de uma produção
fotográfica, cujo modo de composição mesclam o cotidiano e a criação, aliando em
algum sentido arte e vida.
3 Link da minha linha do tempo no Facebook:
https://www.facebook.com/alex.oliveira.5070/media_set?set=a.153836151296089.33064.1000000911666
36&type=3
12
Desta forma, “nas redes, as imagens não estão jamais sozinhas ou isoladas como
nas paredes de uma galeria ou nas páginas de uma revista, elas se inscrevem em
contiguidades aleatórias assignificantes, mas que todavia agem entre si” (ROUILLÉ,
2013, p.34). Com isso, vale ressaltar que o fluxo informacional do feed de notícias da
rede social, com suas características específicas de quantidade, velocidade e atualização,
afetaram de múltiplas formas o fluxo narrativo das imagens fotográficas, que passaram
a atuar de forma descontínua, emaranhada e complexa, coabitando no organismo vivo
da rede digital a partir de procedimentos diversos de experimentação adotados durante a
pesquisa.
Desta maneira, as imagens fotográficas inicialmente foram sendo publicadas no
Facebook a partir da quantidade de pessoas online, observando como acontecia a
recepção a cada dia da semana. Com o passar do tempo, estabeleci outros
procedimentos, chegando a publicar de uma em uma hora, por um período que se
estendeu durante um ano. Por fim, passo a publicar uma foto por dia, sendo este o
procedimento que mantenho até o presente momento.
Desta forma, neste fluxo constante de distribuição, passo a buscar novas formas
de concepção e produção, aliando o procedimento fotográfico à arte contemporânea e
convocando estratégias que se projetaram na sociedade da informação. É importante
lembrar que no Facebook, a partir de algumas “curtidas”, uma imagem pode retornar ao
feed de notícias, convocando e colocando em conjunto diferentes temporalidades, num
jogo de forças complexas que alteram, atualizam e ressignificam as fotografias, que
passam, com isso, a ser retroalimentadas pelos usuários e interlocutores da rede social.
A inserção de fotografias em uma rede social, como o Facebook, pode ser
pensada na perspectiva que Arlindo Machado, doutor em comunicação e professor da
PUC-SP e da ECA-USP, propõe no seu livro Arte e Mídia:
a questão mais complexa é saber de que maneira podem se combinar,
se contaminar, se distinguir arte e mídia, instituições tão diferentes do
ponto de vista das suas respectivas histórias, de seus sujeitos ou
protagonistas e da inserção social de cada um. (MACHADO, 2007,
p.8 e 9)
Machado destaca o fato de que “a apropriação que a arte faz do aparato
tecnológico que lhe é contemporâneo difere significamente daquela feita por outros
setores da sociedade, como a indústria de bens de consumo”. (MACHADO, 2007,
13
p.10). Diante disso, afirma ser possível uma completa reinvenção dos meios a partir dos
usos feitos pela arte, conseguindo, com isso, distorcer as suas funções simbólicas e
explicitar seus mecanismos de controle e sedução.
No artigo A fotografia na tormenta das imagens (2013), André Rouillé,
professor da Université Paris-8, diz que o cenário da atualidade se apresenta através da
profusão e aceleração na produção de imagens (que não cessa de crescer) e dos novos
dispositivos (de se multiplicarem), gerando mudanças nas ferramentas, materiais,
modos de produção, usos, economias, mas também de olhares, estéticas e regimes de
verdade.
Sendo assim, para Rouillé, a fotografia na contemporaneidade, passa por uma
mudança de natureza e paradigma, deixando de lado o seu regime químico industrial e
passando a um regime digital informacional, se adaptando, com isso, aos regimes de
produção, circulação e visibilidade, oscilando entre um passado recente e um futuro
próximo e deslocando-se de registro da expressão-representação para informação-
comunicação.
Em outro registro, Andreas Müller-Pohle, teórico e fotógrafo alemão, traz no seu
texto Estratégias da Informação (1980), a ideia de que a fotografia desempenhou um
papel central na mudança de paradigma estético da modernidade, levando à substituição
da noção de beleza pela de informação como principal atributo da criação artística.
Sendo assim, “neste tipo de sociedade, produção, distribuição e consumo perdem, ao
final, seu caráter institucionalizado e se tornam partes integrais de funções e relações”
(MÜLLER-POHLE, 2009, p.23), implicando, desta forma, numa estrutura de natureza
dialógica.
Ainda sobre o tema, segundo Müller-Pohle, a fotografia instruiu a arte com o
critério da informação. Diante disso, a produção fotográfica contemporânea passaria a
ser regulada por uma estratégia autoral, ou seja, a criação de uma estratégia de
informação baseada em critérios autodeterminados em termos de conteúdo, espaço e
tempo. Deste modo, esse novo regime operacional associado ao dispositivo fotográfico,
faz com que a fotografia incorpore em sua natureza as noções de velocidade,
mobilidade, simultaneidade, flexibilidade, perda da origem, mixagem, falsidade, etc.
14
Recapitulando, podemos dizer que com o uso do Facebook, a produção
fotográfica é afetada por seus valores de quantidade, velocidade e atualização, passando
a incorporar e se apropriar do fluxo das redes digitais e estabelecendo, com isso,
estratégias específicas de entrecruzamento de usos e necessidades, de resistência e
dilatação das experimentações artísticas dentro da vida, mudando seu estatuto e alcance,
e configurando outras possibilidades de inserção social.
No seu livro Estética Relacional (2009), Nicolas Bourriaud, escritor, crítico de
arte e curador, apresenta e evidencia o interesse de muitos artistas dos anos 1990 em
articular arte e vida a partir de noções interativas, conviviais e relacionais, consistindo
assim, num complexo jogo dos problemas da nossa época. Bourriaud diagnostica que o
artista passa a inventar “modelos de sociabilidade”, enfatizando os vínculos que a obra
estabelece com o público.
Desta forma, “o artista concentra-se cada vez mais decididamente nas relações
que seu trabalho irá criar em seu público ou na invenção de modelos de sociabilidade”.
Ou seja, “todos os modos de contato e de invenção de relações, empreendidas por esses
artistas, representam hoje objetos estéticos passíveis de análise enquanto tais”
(BOURRIAUD, 2009, p.40). Com isso, a intersubjetividade e a interação se tornam
ponto de partida e de chegada, ou seja, modos operacionais capazes de dar forma à
atividade artística.
Walter Benjamin no seu texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade
técnica (1955), afirma que “no momento em que o critério da autenticidade deixa de
aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se transforma. Em vez de
fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se em outra práxis: a política”. (BENJAMIN,
1955, p.171 e 172). Com isso, Benjamin defende a ideia de que, na sua essência, uma
obra de arte sempre foi reprodutível, e que a reprodução técnica da obra de arte
representa um processo que vem desenvolvendo na história intermitentemente, através
de saltos separados por longos intervalos, mas com intensidade crescente.
Deste modo, a obra de arte se emancipa de suas características tradicionais de
aura e valor de culto, e passa a estar atrelada a transitoriedade e a repetibilidade e a
noção de exposição. Diante disso, Benjamin (1955, p.180) defende que “a arte
contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em função da
reprodutibilidade e, portanto, quanto menos colocar em seu centro a obra original”.
15
Com isso, “pensa-se não apenas em termos de processos de produção, ou seja,
em termos estéticos, mas igualmente em termos de categorias público-políticos”.
(MÜLLER-POHLE, 2009, p.20). Ou seja, “a estratégia central de distribuição é, por
analogia, a encenação do meio: as maneiras pelo qual o próprio produtor forma, constrói
ou arranja os canais de distribuição” (MÜLLER-POHLE, 2009, p.20). É preciso frisar,
que, neste caso, o produtor aqui é o fotógrafo, cujas atividades são consequentemente
expandidas, passando a funcionar todavia como um agenciador, um mediador de
eventos e acontecimentos. Deste modo, o fazer fotográfico passa a ser gerido por
experiências que entrelaçam uma trama relacional de encontros, afetos, percepções e
ações, que ativam o sujeito no espaço, tanto social, quanto virtual, organizando, a partir
disso, suas vivências.
Levando em consideração esses aspectos, a obra fotográfica Cartografia dos
Afetos, realizada em maio de 2013, na cidade de Paulo Afonso (BA), é um bom
exemplo a se apresentar como uma das proposições artísticas realizadas a partir da
utilização do Facebook como plataforma de criação e experimentação artística
fotográfica. Nesta obra, as imagens fotográficas foram produzidas a partir do encontro
virtual pelo Facebook com duas meninas de Paulo Afonso, através de sugestão de
amigos em comum, sendo, posteriormente, recebido na casa de uma delas durante
alguns dias de passagem pela cidade. A partir do nosso encontro, construímos, em
conjunto, as imagens que integraram o projeto.
Paola De Mori e Driele Mutti já conheciam meu trabalho pela rede social. Paola
é escritora e Driele é fotógrafa. As duas formam um coletivo artístico, conjuntamente
com Poliana Matos e Tarcila Maica, outras duas garotas da cidade. O coletivo Despir
investiga o uso da fotografia, corpo, identidade e poesia nos seus encontros e
proposições artísticas. Com isso, propus para elas uma caminhada pela cidade,
pensando no deslocamento como possibilidade para criação artística, possibilitando que
pudéssemos trocar experiências e produzir, durante os percursos, imagens que
buscassem relações entre corpo e espaço, realidade e ficção.
16
Figura 1 – Print da fotografia publicada no Facebook em maio de 2013, Paulo Afonso, Bahia.
As fotografias foram publicadas no Facebook, interligando as nossas redes e
mantendo-nos em contato. Um ano depois, retornei as publicações feitas no Facebook e
fiz o Print Screen das fotografias na plataforma, propondo, posteriormente, a realização
de intervenções urbanas através de colagens das fotografias “printadas” por lugares
diversos da cidade, utilizando a técnica do lambe-lambe4, pertencente ao universo da
Street Art5.
A proposta artística foi selecionada e financiada pelos Salões de Artes Visuais
de Paulo Afonso, organizado pela Fundação de Cultural do Estado da Bahia, sendo
realizada na cidade em setembro de 2014 e tendo recebido a Menção Especial pelo júri.
Com o prêmio, pude expor Cartografia dos Afetos, posteriormente, na Edição Especial
dos Salões de Artes Visuais da Bahia, realizada em dezembro de 2014 na cidade de
Salvador por diversas ruas da cidade (Figura 7) e na Capela do Museu de Arte Moderna
(Figura 6).
4 Técnica de colagem cujo nome advém da ação feita com o pincel e o uso da cola caseira, utilizada para
aderir pôsteres de imagens em superfícies diversas, sendo considerada uma das linguagens da arte urbana
contemporânea. 5 Denominação cunhada a partir de um conjunto de experimentações nas artes realizadas na rua e no
espaço público urbano. Apesar de ser uma expressão recorrente, ela não sintetiza a multiplicidade das
ações artísticas desempenhadas no contexto da cidade.
17
Dessa maneira, pude transportar para o espaço urbano a plataforma virtual e
investigar as possibilidades de desdobramentos e tensões existentes, trazendo em
evidência o cotidiano, o acaso, os encontros e afetos e emaranhando imagens
fotográficas que trazem em questão realidade e ficção. Em Paulo Afonso, a exposição
coletiva aconteceu no Espaço Cultural Raso da Catarina e teve duração de um mês6.
Figura 2 - Lambe-lambe e Mapa expostos em Paulo Afonso (BA) em setembro de 2014.
Durante as andanças pela cidade em busca dos possíveis muros para as colagens,
percebo algo que já havia notado na minha visita anterior e que foi recorrente durante a
busca por locais para as composições das fotografias: a presença de muitas ruínas. Essa
fotografia acima (Figura 2) foi produzida dentro do antigo restaurante da Chesf, que se
encontrava, na época, em total abandono, tendo toda a sua extensão do teto desabado
pelo local. As paredes com cerâmicas coloniais ainda resistiam. Fiz um autorretrato
dentro do restaurante utilizando um tripé e o temporizador da câmera fotográfica.
Apareço segurando um álbum antigo de fotografias em frente ao meu rosto, sendo
possível perceber, através da imagem feita por uma grande angular, como estava a
situação atual do local.
Assim, com o passar do tempo, um acontecimento alterou essa fotografia: o
restaurante da Chesf havia sido demolido. A partir disso, escolho essa imagem para ser
6 As fotografias da obra “Cartografia dos Afetos” foram impressas a laser, divididas em folhas de A3,
tendo tamanhos diversos que variavam de 1,26 x 0,85 cm a 2,08 x 1,56 m.
18
exposta dentro do Espaço Cultural, convocando memórias diversas e evidenciando essa
informação que ainda era muito recente. As outras imagens foram espalhadas pela
cidade, passando a ser incorporadas ao fluxo cotidiano (Figuras 3, 4 e 5). Busquei, a
partir da escolha dos locais para a colagem, evidenciar as ruínas e os locais
abandonados, dialogando e buscando espalhar as narrativas fotográficas por ruas
diversas em torno do Espaço Cultural, sendo possível identificar as colagens a partir de
um percurso sugerido através de um mapa colado ao lado da imagem exposta na galeria,
indicando, dessa maneira, onde as colagens foram realizadas.
Figura 3 – Av. Otaviano L. de Moraes, Paulo Afonso, Bahia. Figura 4 - Rua 31 de março, Paulo Afonso, Bahia.
Figura 5 - Rua Marechal Castelo Branco, Paulo Afonso, Bahia.
19
Em suma, como cita Rouillé no seu livro A Fotografia entre documento e arte
contemporânea:
a fotografia utilizada por alguns artistas na contemporaneidade, é vista
a partir de uma estética relacional que propõe um jogo de operações
entre os encontros, trocas, percepções, ações e afetos, convocando,
com isso, outros regimes de verdade, outros usos das imagens, outros
conhecimentos técnicos, outras práticas estéticas, novas velocidades e
novas configurações territoriais e matérias. (2009, p.455)
Com isso, as imagens fotográficas se inscreveram numa interação dinâmica, na
qual, “fotografar e dialogar convergem aqui, para a pesquisa, hesitante e sempre
singular, da distância conveniente com o Outro” (ROUILÉ, 2009, p.432). Desta
maneira, a produção artística fotográfica se propõe a convocar e construir uma
proximidade e uma troca, além das diferenças e a partir delas, enriquecendo-se das
disparidades e adaptando seus métodos e ritmos aos do Outro.
Em outras palavras, Bourriaud defende que
a imagem contemporânea caracteriza-se justamente pelo seu poder
gerador: não é mais traço (retroativo), mas programa (ativo). Aliás, é,
sobretudo, esta propriedade da imagem digital que dá forma à arte
contemporânea. (2009, p.97)
Assim, a fotografia estaria associada a “um programa a ser executado, um modelo a ser
reproduzido, um convite à criação de si mesmo ou à ação” (2009, p.97 e 98). Diante
disso, a câmera fotográfica torna-se um instrumento de interpelação das pessoas, ou
seja, um dispositivo relacional, passando a estar atrelada aos encontros e experiências e
estabelecendo, com isso, um espaço múltiplo no qual o contexto é, ao mesmo tempo,
seu assunto e projeto.
Figura 6 - Alex Oliveira, Salvador, Dezembro, 2014. Figura 7 - Alex Oliveira, Salvador, Dezembro, 2014.
20
3. A FOTOGRAFIA
3.1 Fotografia e Arte Contemporânea
A fotografia esteve associada historicamente, desde o daguerreótipo
até a sua vertente documental moderna, ao papel de documento e
comprovação do real, ou seja, de reflexo e reprodução da realidade.
Contudo, qualquer olhar atento logo perceberá que a fotog rafia não é um
simples reflexo da realidade. O ato de fotografar exige as mais diversas
tomadas de decisão e regimes de visibilidade, que convocam a interpretação,
percepção e sensibilidade do operador, características que são elementares
durante a mediação entre o homem e o mundo através da câmera fotográfica.
É importante lembrar que a fotografia viveu um longo período de
embate no campo das artes, no qual tentou ser reconhecida de múltiplas
maneiras, podendo citar como exemplo o movimento Pictorial ista (1890-
1914), período no qual a fotografia desejou “se fazer pintura” através de
experimentos manuais que alteravam a granulação e os tons da imagem.
Entretanto, foi somente no século XX, durante a transição entre a arte
moderna e a arte contemporânea, que a fotografia passa a ser aceita como
arte, para além da pintura e escultura.
Numa palestra realizada em agosto de 2007 durante o FotoRio7, André
Rouillé defendeu a ideia de que a fotografia se inseriu no fazer artístico de
duas formas: tanto como ferramenta, quanto como vetor da arte . Desta
maneira, como ferramenta, a fotografia era utilizada, no caso da pintura, ora
como elemento ativo do processo de produção da obra, como se faz ver na
obra de Francis Bacon, ora como elemento principal e inédito, co mo o fez
Andy Warhol durante a Pop Art, sendo que, neste último caso, a fotografia
era um elemento essencial para a despictorialização da arte8.
7 FotoRio – Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro, que passou a ser anual a partir de
2014. Segundo Milton Guran, Coordenador Geral, o encontro atua como agente aglutinador, estimulando
a exposição e discussão de trabalhos históricos e contemporâneos da fotografia brasileira e internacional. 8 Movimento artístico proposto, segundo Rouillé, com o intuito de desvencilhar a arte da esfera da
pintura, ou seja, de reduzir o lugar da pintura na arte. Assim, com o uso da fotografia e da serigrafia, há
uma abertura a criação artística a partir de processos de produção industrial em série, passando a ter,
consequentemente, um consumo de massa.
21
Já como vetor, a fotografia servia para dar suporte material a
determinados fazeres artísticos como a bodyart, a arte conceitual, a landart
e a arte corporal, que trabalhavam numa perspectiva de aproximar o fazer
artístico da vida. Deste modo, com as práticas artísticas expandindo seu
campo de atuação, “onde antes havia pinturas e esculturas, agora havia itens
de documentação, mapas, fotografias, listas de instruções e informações”
(ARCHER, 2001, p.78).
Deste modo, no livro Arte Contemporânea: Uma História Concisa
(2001), Michael Archer, crítico e escritor de arte, enfatiza que neste período
de expansão e experimentação, a arte começa a dar ênfase aos seus
processos de feitura, deslocando-se da sua produção final para olhar os
fenômenos do mundo de um modo “artístico”. É justamente nesse período
que é dado enfoque ao corpo do artista, que passa a ser utilizado como
matéria para as suas criações oriundas de experiências que buscavam
reconectar a arte com a vida num sentido plenamente político.
Com isso, segundo Rouillé, no livro A fotografia entre documento e
arte contemporânea (2009) , a partir dos anos 1980, a fotografia torna-se um
dos principais materiais para a arte contemporânea, sendo utilizada por uma
infinidade de artistas que se aproveitam do seu material mimético e
tecnológico para questionar e problematizar o real. É important e evidenciar
que “as coisas, os estados das coisas e os eventos do mundo compõem o
material inscritível da fotografia, então, as imagens e o mundo cessam de
ser externos para se interpenetrarem” (ROUILLÉ, 2009, p.338). Em resumo,
a fotografia adquiria um lugar importante na arte por razões ligadas às
profundas evoluções, tanto da fotografia, quanto da arte e do mundo.
Sendo assim,
passando do instrumento ao material, os artistas libertam a
fotografia das servidões da transparência documentária,
adotam essa transparência como um traço artisticamente
pertinente das obras ou, ainda, usam como objeto da sua
obra e interrogam a própria fotografia. (ROUILLÉ, 2008,
p.14)
Assim, a arte contemporânea atrelada a temas ligados ao cotidiano, ao
corriqueiro, familiar e trivial, passa a se utilizar da fotografia como seu
22
local de conteúdo e expressão, atribuindo ao fazer fotográfico “novas”
necessidades e valores e alterando, com isso, seus regimes de visualidade e,
consequentemente, seus modos de escrita e pensamento.
Assim, Susana Dobal, fotógrafa e professora da Universidade de
Brasília, ajuda-nos a complementar este pensamento ao afirmar que a
fotografia passou por uma grande mudança:
não só por causa das transformações técnicas que
aumentaram as possibilidades de apreensão e de divulgação
da imagem, mas pela evidência de que a fotografia constitui
uma espécie de escrita com nuances próprias que a afastam
do mero registro do real. (DOBAL, 2013, p.76)
Nesta perspectiva, a fotografia contemporânea deixa de lado a ideia
de reprodução de um real dado e passa a ser associada como uma
possibilidade de criação e interpretação de realidades, atuando como uma
atividade artística deliberada que inverte e embaralha as suas características
miméticas.
Outro autor que traz um ponto de vista importante é Ronaldo Entler,
fotógrafo, doutor em artes pela ECA-USP e professor da Faculdade de
Comunicação e Artes da FAAP, que no seu artigo Um lugar chamado
fotografia, uma postura chamada contemporânea (2009 ), defende que a
fotografia contemporânea é híbrida, se envolvendo com outras linguagens
artísticas e assumindo, desta maneira, suas possibilidades de trânsito e
reconfiguração de estatuto. Deste modo, o problema-chave abordado na
fotografia contemporânea seria a ideia de que certas realidades se constroem
juntamente com suas formas de representação.
Entler destaca ainda que a fotografia contemporânea,
mais do que ser um procedimento, uma técnica, uma
tendência estilística, ela é uma postura, um pensamento e
um diálogo que se desdobra em ações diversificadas, tendo
como ponto de partida, a tentativa de se colocar de modo
mais consciente e crítico diante do próprio meio. (2009,
p.31)
Em consequência, é importante frisar que a fotografia é, para ele,
um modo de existir das coisas e se estabelece em profundo
diálogo com olhar do público, que por sua vez aprendeu a
23
relacionar-se com o mundo através de sua mediação. (2009,
p.32)
Por isso mesmo, “o que é captado pela câmera não é o mundo, mas
uma determinada construção do mundo, justamente aquela que a câmera e
outros aparatos tecnológicos estão programados para operar” (MACHADO,
2003, p.67). Com isso, no artigo O Filme-ensaio (2003), Arlindo Machado,
doutor em Comunicação e professor da ECA-USP e da PUC-SP, evidencia
outro fator importante que é o destaque dado ao sujeito operador do
equipamento fotográfico, que passaria aqui a ser mais ativo durante o
processo de concepção, produção e circulação das imagens fotográficas,
ganhando, com isso, mais autonomia, expressividade e liberdade de
pensamento.
Diante deste cenário, numa busca por novas formas e maneiras de
como as coisas pudessem ser fotografadas e também por novas temáticas
para os ensaios fotográficos, dei início às experimentações com a fotografia
no campo da arte contemporânea, aliando, inicialmente, a produção
fotográfica a minha vida íntima e dando atenção ao banal, ao familiar e ao
trivial, intituladas por Rouillé (2009, p.357) como as partes baixas do real,
que se inscreveram num grande movimento de dessublimação9 e de
dessacralização10
da arte.
Diante desses pressupostos, disponho a minha casa aos encontros e
trocas, transformando ainda inconscientemente, o espaço caseiro numa
espécie de residência artística, assumindo o fazer fotográfico como um
processo em curso que agregou e incorporou as investigações artísti cas que
eram desempenhadas diariamente, tanto por mim, quanto pelos meus
amigos: jovens que buscavam dar sentido às suas vidas e construir novas
relações e formas de estar no mundo.
Neste contexto, os acontecimentos diários, oriundos dos acasos,
vivências e compartilhamentos, se tornaram matéria artística para as
9 Movimento artístico que ocorreu a partir dos anos 1970 e consistiu num ato ou efeito de dessublimar,
anular ou reduzir o caráter do sublime na arte. 10 Ato ou efeito de dessacralizar, ou seja, tirar ou perder o caráter sagrado que anteriormente era associada
ao fazer artístico.
24
produções fotográficas que eram produzidas e comparti lhadas na rede social
(Figuras 8 e 9).
Figura 8 - Alex Oliveira, Aurora Descoberta, Salvador, 2011. Figura 9 - Alex Oliveira, Aurora Descoberta, Salvador, 2011.
Diante disso, os diversos procedimentos adotados foram entrelaçados
por diferentes práticas que envolviam desde a observação minuciosa do
espaço e da luz (que iam sendo catalogados e fotografados) até as
composições fotográficas que tinham como pressuposto as relações entre o
sujeito da foto e os diferentes espaços da casa , tudo isso em conjunto com
um pensamento e atitude ligados a bricolagem de elementos e objetos
diversos.
Um dos locais mais utilizados da casa foi a laje, espaço que permitia
que os experimentos e vivências pudessem ser compartilhados com os
demais moradores e vizinhos (Figura 10). Desta maneira, a fotografia
passava a registrar os diversos momentos e emoções que circundavam meu
cotidiano, como o sono, o almoço, as conversas e os momentos de felicidade
e melancolia.
Desta maneira, esses acontecimentos recortados pela fotografia, por
mais cotidianos que fossem, adquiriam através das apropriações feitas pela
arte, um significado estético, que foi desenvolvido de forma deliberada e
despretensiosa, sendo incorporada ao fluxo do tempo e das experiências ,
coincidindo temporalmente com a minha vida e, espacialmente, com o
entorno em que essa vida era vivida.
25
Figura 10 - Alex Oliveira, Aurora Descoberta, Salvador, 2011. Figura 11 - Alex Oliveira, Aurora Descoberta, Salvador, 2011.
Lucas Moreira (Figuras 8, 9 e 11), hoje mestrando em Arquitetura e
graduado em Ciências Sociais e Antropologia, foi um dos colaboradores
mais frequentes desse período, que se estendeu por um ano (2011-2012)
dentro da Vila Eliseu, uma comunidade que é também conhecida como
“Ratoeira” e fica localizada no Canela , bairro do centro de Salvador, Bahia.
As imagens desse fabulário cotidiano11
, além de serem compartilhadas
no Facebook, num jogo entre privado e público , compôs a minha primeira
exposição individual realizada em agosto de 2011 na Aliança Francesa de
Salvador. A exposição teve curadoria de Edgard Oliva, professor de
fotografia da Escola de Belas Artes da UFBA, e recebeu o nome de “Aurora
Descoberta”, uma junção do nome da minha mãe com a descoberta da
potência de ter o conceito de família expandido a partir dos encontros e
trocas estabelecidas com meus amigos.
Vale lembrar, que mesmo inconscientemente, já era possível notar em
algumas imagens desse período, um tom performativo nos corpos que eram
retratados. Moreira, mais adiante, assumiria a performance como linguagem
artística (Figura 12), tendo seu corpo como matéria para a criação de ações
que desempenharia em diferentes contextos e espaços, sejam eles públicos
ou privados, utilizando-se tanto da fotografia, quanto do vídeo como formas
de registrar suas ações.
11 Termo inspirado no livro Fabulário Geral do Delírio Cotidiano de Charles Bukowski, poeta e escritor
alemão, que norteou, nesse período, o meu processo criativo e, consequentemente, a produção de algumas
das séries fotográficas.
26
Figura 12 - Alex Oliveira, S/Título, Salvador, Fevereiro de 2013.
Desta maneira, essas experiências compartilhadas se revelaram de
grande importância e experimentação, estabelecendo-se em paralelo aos
nossos ritos de passagem ligados a investigação da identidade e do gênero,
tendo na prática fotográfica um lugar de registro e compartilhamento,
compondo, com isso, o nosso plano de vivência.
O curador Edgard Oliva apreendeu muito bem esse espírito coletivo
no texto12
que apresenta a exposição:
tudo tem um quê de princípio descoberto, de benevolência
distribuída, de uma juventude que se re -inventa
constantemente criando personas que funcionam como um
antídoto para a realidade (2011).
3.2 Fotografia e Performance
Nesse emaranhado de experiências vividas com a fotografia, Michelle
Mattiuzzi (SP) e Ricardo Alvarenga (MG), artistas da performance,
participaram e colaboraram ativamente dos meus processos de
12 No site da exposição é possível acessar o texto na íntegra: https://auroradescoberta.wordpress.com/
27
experimentação, tornando-os ainda mais complexos a partir dos
imbricamentos possíveis entre fotografia e performance, e despertando,
consequentemente, o meu interesse pela utilização e investigação do corpo
como matéria para as criações artísticas. Nas páginas seguintes, passo a
relatar as relações estabelecidas com estes dois artistas, indispensáveis para
a realização do meu trabalho e para as contaminações artísticas que
ocorreram a partir do nosso contato diário.
Figura 13 - Alex Oliveira, S/Título, Salvador, Outubro, 2012. Figura 14 - Alex Oliveira, S/Título, Salvador, Setembro, 2012.
Figura 15 - Alex Oliveira, Jesus 3:30pm de Ricardo Alvarenga, Salvador, Fevereiro, 2013.
28
3.2.1. Michelle Mattiuzzi
Michelle Mattiuzzi é pesquisadora do corpo, mestranda da Escola de
Belas Artes da UFBA e graduada em Comunicação e Artes do Corpo pela
PUC-SP. Antes de tentar mestrado na Bahia, Mattiuzzi veio morar em
Salvador, e através de amigos em comum, passamos a dividir a casa da Vila
Eliseu, incorporando ao ato fotográfico muitas das suas ações performáticas.
Figura 16 - Alex Oliveira, S/Título, Vila Eliseu, Salvador, Novembro, 2011.
Assim, o espaço que outrora norteava as minhas investigações com a fotografia,
passa a servir para compor e ambientar as ações performáticas de Mattiuzzi, que traziam
em evidência a instauração do seu corpo como matéria para a criação artística,
convocando, assim, diferentes signos históricos, sociais, culturais, políticos e estéticos
(Figuras 16 e 17).
No texto Breviário sobre uma ação performática: só entro no jogo! (2013)13
,
Mattiuzzi traz alguns relatos pessoais da sua experiência inicial na Bahia e,
consequentemente, dos diálogos que estabeleceu com a cidade através do seu fazer e
viver performance. Num deles, a performer enfatiza:
13
Para acessar o relato de experiência na íntegra: http://performatus.net/breviario/
29
Sou uma forasteira nesse lugar, faz menos de seis meses que vivo
aqui, qualquer movimento/ação/intenção que muda o cotidiano
provoca alteração no espaço e aumenta a capacidade de
diálogo/comunicação com as pessoas que vivem nele. (MATTIUZZI,
2013, p.33)
A “Musa Mattiuzzi” - como ela se autodenomina depois do seu encontro em São
Félix (BA) com o coletivo GIA (BA) no 3º FIAR, Festival de Intervenções e Artes do
Recôncavo, desenvolve ações performáticas nas quais, tem como condição o seu corpo
nu, exposto por diferentes locais e contextos, sejam eles virtuais ou reais, públicos ou
privados (Figuras 13 e 14), entrecruzando vida e arte e incitando um posicionamento
político e estético diante das normas vigentes, ou parafraseando a “Musa”, “como
possibilidade de experimentar estados, provocar contaminações, reiterar o caos e gerar
instabilidades de diversos graus” (2013, p. 34 e 35).
No seu Breviário, a Musa relata alguns dos usos que emprega na utilização do
seu corpo como discurso que rege questões em torno da arte, vida e política. “Meu
corpo evidencia minhas características, exibem meu tipo, ou melhor, o estereótipo social
que cabe a mim dentro das classificações sociais” (2013, p.39 e 40); “O meu corpo é a
minha fala e o espaço que ocupo compõe os modos de comunicação”; “Como
performer, utilizo elementos da minha biografia como situação fundamental” (Ibidem,
p. 38); “Além de compor com intenções ideias e experiências, é assim, amontoando vida
e performance, que ando por espaços que constroem e destroem meus afetos, lapidam
minhas memórias e bagunçam minhas escolhas”(Ibidem, p.34), revela a Musa.
E complementa:
Meu corpo se modifica a cada instante de tempo. Meu corpo pulsa.
Meu corpo age, meu corpo performa. Como efetuar deslocamentos de
ações? Como relacionar corpo, estética e política através de
microações? Como criar poéticas com micropolíticas? Como não
falhar, sabendo que isso pode acontecer a qualquer momento? Essas
questões são propulsoras para o planejamento das minhas ações em
arte e vida. Elas pulsam a todo minuto, a todo momento as respostas
saem como outras questões. E muitas vezes elas se tornam ações. Será
que existe apenas uma resposta para a mesma intenção?
(MATTIUZZI, 2013, p.1 e 2)
Deste modo, a partir do nosso encontro, formamos um binômio de necessidades
criativas, emaranhando fotografia e performance e construindo, dessa forma, um
imaginário social, que, compartilhado no Facebook, gerava curiosidade, estranhamento,
30
repúdio e censura, sendo que , muitas vezes, fomos bloqueados, tendo como punição
ficar sem “postar” por trinta, ou, as vezes, até noventa dias.
Com isso, muitas das vezes, as fotografias que produzíamos eram consideradas
pornográficas, e na rede social, os mecanismos de censura podiam ser colocados em
prática. Ou seja, muitas das performances realizadas em locais diversos para a câmera
fotográfica tinham como recepção e alcance as distintas redes que compunham nossos
perfis no Facebook, entremeando e dialogando com pessoas diversas e tendo como fim
a circulação e a construção de narrativas descontínuas produzidas a partir do contexto
cotidiano.
Figura 17 - Alex Oliveira, S/Título, Vila Eliseu, Salvador, Dezembro, 2011.
3.2.2. Ricardo Alvarenga
Ricardo Alvarenga é mestre em Dança pela UFBA e graduado em Biologia pela
UFU (MG). Em seu percurso artístico, investiu em formações práticas e teóricas em
distintas linguagens das artes do corpo e das artes visuais e se interessa pelas potências
de afecção do corpo e pela arte enquanto ação estética e política. Seus trabalhos se
configuram em proposições realizadas nas interfaces entre performance, intervenção
urbana, dança contemporânea, fotografia, vídeo e instalação.
31
Conheci Alvarenga pessoalmente em agosto de 2012 durante os Salões de Artes
Visuais da Bahia, realizado na cidade de Jequié (BA) – minha cidade natal -, e, desde
então, somos parceiros de vida e criação. Sua obra nos Salões foi uma instalação
intitulada Autopoiese que envolvia performance, fotografia e vídeo e se referia a
autoprodução de si como condição natural do ser vivo, operando em natureza cíclica
durante a ação realizada enquanto havia público na galeria.
A performance consistia na manipulação dos cabelos que ora eram esculpidos
como uma bolsa que acondiciona os tufos, ora como uma máscara que realiza um ser
sem face. A cabeça-tufo se transfigura em tufos-cabeça e ambos se produzem
mutuamente. Os tufos presentes no trabalho são emaranhados de cabelos do performer,
recolhidos durante vários anos após a ritualização cotidiana dos banhos. Seu trabalho
teve grande aceitação do público e recebeu um dos três grandes prêmios cedidos pelo
júri dos Salões.
Figura 18 - Alex Oliveira, S/Título, Vale da Lua, Goiás, Novembro, 2012.
A partir disso, passo a experimentar – novamente - a criação de fotografias
envolvendo ações performáticas desenvolvidas a partir do entrecruzamento de arte e
vida. Deste modo, fiz algumas viagens com Alvarenga por Uberlândia (MG), Brasília
(DF), Alto Paraíso (GO), Vila de São Jorge (GO) e Goiânia (GO), estabelecendo
durante o percurso e deslocamento, um jogo compositivo entre fotografia e
32
performance, no qual por vezes eu fotografava Alvarenga (Figura 18 e 20), noutros
momentos, ele me fotografava (Figura 21), envolvendo ações que buscavam relações
entre corpo e espaço e investigavam as possibilidades de colagens por diferentes
paisagens, vegetações e contextos.
Nesse período, Alvarenga estava com 33 anos de idade e tinha dado início ao seu
projeto Jesus 3:30pm, um trabalho que envolve fotografia e performance e que se
estendeu ao longo do ano de 2012 a 2013. Nele, o performer se vestia de Jesus
diariamente, às 03h30min da tarde, e produzia fotografias de suas ações. O horário da
ação faz menção ao momento da morte de Jesus e do nascimento de Alvarenga.
Trabalhei de forma colaborativa com o performer, produzindo grande parte das
fotografias das suas ações performáticas empreendidas durante a sua “aventura
messiânica” - como é o caso da imagem feita com Alvarenga e Lucio Agra, performer e
professor da PUC-SP, ambos vestidos de “Jesus” e saindo do banheiro público (Figura
15). Outras fotografias foram registradas por ele através do uso do tripé e/ou por
diversas pessoas, como seus familiares, amigos, artistas e desconhecidos, que iam sendo
convidados a participar no decorrer do processo criativo.
Algumas fotografias foram publicadas no seu Facebook, num álbum criado com
o nome do projeto14
, como também, em alguns momentos, no seu perfil e capa, sendo
que a maior parte das fotografias dos seus 365 dias de performance ainda permanecem
inéditas.
Vale relatar o episódio que aconteceu em fevereiro de 2014, quando
participamos conjuntamente do projeto Obranúncio, idealizado por Núbia Neves,
estudante de Cinema e Audiovisual na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. O
projeto foi contemplado em um edital da Fundação Cultural do Estado da Bahia e
realizado em Vitória da Conquista (BA), espalhando pela cidade fotografias artísticas
em placas de outdoor.
Num dos outdoors do Obranúncio foi colocado um tríptico do projeto Jesus
3:30pm, sendo a imagem central intitulada como Paixão de Cristo (Figura 19), na qual
apareço dando um beijo na boca do performer Alvarenga, numa das suas representações
14 Link do álbum Jesus 3:30 pm - one year performance no Facebook:
https://www.facebook.com/provisoriocorpo/media_set?set=a.443385405682736.96104.10000033840449
0&type=3
33
de “Jesus”. A imagem gerou muita polêmica na cidade e num dia após a sua veiculação
no outdoor, como forma de protesto e repúdio, foi danificada, ou seja, rasgada e
manchada de tinta branca15
.
Figura 19 - Ricardo Alvarenga, Paixão de Cristo, Salvador, Março, 2013.
O projeto passou por diversas cidades do Brasil e convocou diversas reações e
diálogos, instaurando estranhamento e empatia, sendo que, geralmente, grande parte das
pessoas acreditava estar realmente diante do filho de Deus encarnado. Desta forma, a
meu ver, esses acontecimentos performáticos registrados pelo equipamento fotográfico
se apropriavam do caráter testemunhal e descritivo da fotografia e evidenciavam, com
isso, diversas possibilidades de construção de realidades, de ficcionalização do eu e de
narrativas ficcionais.
Desta maneira, através dessa experiência de vivência compartilhada tanto com
Mattiuzzi, quanto com Alvarenga, a performance se revelou por múltiplas vias e formas,
sendo uma linguagem artística com característica híbrida e de difícil definição de
conceito, utilizada, por vezes, como um fazer político, ou melhor dizendo, como uma
prática artística com consciência política e social, sendo elaborada para a reflexão e o
pensamento.
15 Link da matéria sobre a polêmica imagem de “Jesus” no outdoor:
http://conversadebalcao.com.br/tag/obranuncio/ Acessado em 25 de maio de 2015.
34
3.2.3. Performance Híbrida
Com o projeto Mundos Possíveis: Realidades e Ficção na linha do tempo, a
performance esteve associada ao fazer fotográfico e foi incorporada ao cotidiano, tendo
como ambiente para as suas ações e diálogos, os espaços públicos e privados, reais e
virtuais. Desta forma, pude entender as diferenças estabelecidas entre um registro de
performance – no qual a fotografia é utilizada como um documento, sendo neste caso
mais importante a ação em tempo real, com um público presente, que pode ou não,
participar e interagir durante a ação – e uma ação performática empreendida para o
equipamento fotográfico ou de vídeo - que acontece sem necessariamente ser
compartilhada ao vivo com o público e tem na fotografia a sua finalidade. Sendo que,
neste último, são evidenciadas as características estéticas da fotografia, que passa a ser
trabalhada em conjunto com a ação performática.
Figura 20 - Alex Oliveira, S/Título, Goiás, Novembro, 2012. Figura 21 - Alex Oliveira, S/Título, Goiás, Novembro, 2012.
É importante frisar isso, pois muitos artistas da performance, a partir dos anos
1970, questionaram se uma ação performática deveria ser fotografada, pois acreditavam
que uma fotografia não poderia dar conta de uma ação ao vivo, de um corpo presente.
Ou ainda, que o importante estava na ação, não no que dela ficasse como registro para a
memória.
Segundo Roselee Gordberg, historiadora e crítica de arte, no livro A arte da
Performance (2006), por muito tempo o termo performance foi associado a uma prática
executada em tempo real, que implicava a presença física do corpo do artista. No caso
da fotografia, ela era considerada como um recorte dado desse presente, um ponto de
vista, uma composição do acontecimento, e foi utilizada como um documento que
35
media, legitima e comprova que uma ação performática aconteceu num determinado
tempo e espaço.
No livro Performance nas artes visuais (2008), Regina Melim, mestre e doutora
em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, defende a necessidade de se pensar
as múltiplas possibilidades de alargamento referente ao termo
performance, cunhado no início dos anos 1970 e praticado a partir de
diferentes formas e denominações durante todo o século passado, e
que, até os dias de hoje é realizado amplamente em diversos meios e
circunstâncias. (MELIM, 2008, p.7 e 8)
Sendo assim, Melim defende que é importante substituir o estereótipo que foi associado
à performance como sendo uma prática que tem um único formato, passando, desta
maneira, a associá-la a um viés mais distendido e associadas a outros meios e suportes.
Deste modo, Melim destaca o envolvimento da performance nas artes visuais a
partir da experimentação de um grande número de artistas do final da década de 1960 e
início dos anos 1970, que direcionavam as suas ações performáticas para o equipamento
de fotografia e vídeo, sem necessariamente terem a presença do público, acontecendo
muitas das vezes dentro dos seus ateliês e utilizando a fotografia muito mais pela sua
impotência, pelo que faltava na imagem, do que por sua capacidade de dar conta do real.
Noutro registro, Melim apresenta o pensamento de Kristine Stiles, historiadora
de arte, curadora e artista especializada em arte contemporânea, no qual Stiles diz que:
performances podem ser desde simples gestos apresentados por um
único artista ou eventos complexos através de experiências coletivas,
envolvendo desde grandes espaços geográficos, até diferentes
comunidades, podendo ser transmitidas via satélite e vistas por
milhares de pessoas, ou se resumir a pequenos espaços íntimos.
(STILES apud MELIM, 2008, pg.38)
Prosseguindo, outra questão importante abordada no livro de Melim é a
participação e o compartilhamento, que segundo a autora, podem ser considerados como
procedimentos igualmente performativos, sendo frequentemente utilizados durante a
execução da pesquisa e se revelaram de grande importância para o caráter processual,
relacional e comunicacional do projeto.
36
Para tanto, Melim lança a noção de espaço de performação, traduzido como
aquele que insere o espectador na obra-proposição, possibilitando a criação de uma
estrutura relacional ou comunicacional e ampliando a noção de performance como um
procedimento que se prolonga também no participador. Sendo assim, neste caso, temos
“uma obra como deflagradora de um movimento participativo e que existe não como
obra pronta, fechada em si como materialidade silenciosa, mas sobretudo como
superfície aberta e distributiva” (MELIM, 2008, p.61).
Desta maneira, Melim destaca que durante a passagem da arte moderna para a
arte contemporânea, da reavaliação da presença do objeto na arte, não estaria previsto a
sua desmaterialização, pois, acrescida a participação do espectador, com seu gesto
participativo, o objeto seria atualizado.
37
4. O PROJETO
4.1 Realidade e Ficção na Linha do Tempo
Figura 22 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Itapetinga, Maio, 2013.
Numa entrevista
16 cedida ao programa Jogo de Ideias (2011), Cao Guimarães
(MG), cineasta e artista visual, aborda os processos de criação dos seus filmes e
documentários, que envolvem desde a percepção apurada do cotidiano, deriva e
alteridade, quanto uma disposição ao acaso e às manifestações geradas pela sua
contingência.
Assim, Guimarães dá início à entrevista, afirmando que não precisa sair de casa
para fazer um filme, pois “se você prestar atenção na expressividade das coisas, dos
objetos, das formas, das luzes, das pessoas, dos mosquitos, das bolhas de sabão, das
formigas, ou seja, qualquer assunto é passível de ser transformado em filme”. Pois,
segundo o cineasta, seus filmes são “muito mais processos do fazer do que uma
elaboração anterior de roteiro e ideia, muitas vezes é o caminhar no mundo, o transitar
pelo mundo que é realmente o processo básico das coisas”.
16
Link da entrevista no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=SD_Q2coyGdg
38
Esses trechos descritos acima, já seriam suficientes para elucidar e evidenciar
alguns dos elementos norteadores dos meus processos de criação envolvendo
experimentações diversas com o fazer fotográfico. Entretanto, é quando Guimarães fala
da metáfora do lago trazendo em vista algumas formas possíveis de se relacionar com a
realidade, que, para mim, ele toca em pontos elementares do pensamento da obra
enquanto processo proposição e acontecimento.
Eu fico imaginando essa realidade sempre como uma metáfora de um
lago. Da ideia de quê se esse lago fosse a realidade, existiria três
formas de você se relacionar com ele. Ou você fica sentado no
barranco e tudo o que é gerado pelo lago ou pela realidade é
atravessado em você pela contemplação, pelos seus sentidos, ou seja,
você fica no barranco e tem uma atitude de contemplação com relação
a realidade. Ou você pode lançar uma pedra nesse lago, essa pedra
enquanto uma proposição, um conceito que vai gerar uma turbulência
na realidade, vai desorganizar um pouco esse lago, vai reverberar a
água. E uma terceira forma seria você se lançar no lago, você pular
dentro d’água, sendo este o processo de imersão dentro de uma
realidade qualquer. (GUIMARÃES, 2011)
A partir do ano de 2013, pude compartilhar vivenciar e compreender a metáfora
do lago, ou seja, essas três formas de se relacionar com a realidade. No início do ano
“lanço a pedra no lago”, reverberando e causando uma turbulência de diversas formas e
maneiras na realidade. Em outras palavras, dou início ao projeto fotográfico intitulado
Revelador H2O2, que consistiu, basicamente, na proposição de descolorir cabelos e
pêlos do corpo com água oxigenada (H2O2) e compor fotografias em situações e
contextos diferentes.
A ideia do projeto surgiu a partir da convivência diária com Michelle Mattiuzzi,
através dos seus relatos compartilhados acerca dos acontecimentos que sucederam
depois que ela pintou o seu cabelo curto de loiro. Sendo assim, a partir disso, a
performer passa a ser constantemente interpelada na rua por jovens do subúrbio de
Salvador, que se identificavam com a comunicação e a representação convocada pelo
signo proposto pelo seu cabelo oxigenado.
A partir disso, algumas questões e pensamentos passam a ser bem frequentes.
Essa comunicação era estabelecida por causa da performer ser negra? Se eu pintasse o
cabelo e andasse pela cidade também seria interpelado e convocaria uma identificação e
comunicação? Envolto dessas inquietações, numa viagem com Mattiuzzi para São
Paulo, feita em abril de 2013, proponho-lhe um rito, uma ação: descolorirmos nossos
39
cabelos na casa da sua família, na zona sul de São Paulo, e registrarmos o processo
através da fotografia, demarcando o antes, durante e depois da transformação estética,
ou seja, da ação da água oxigenada em nossos cabelos.
Há um ano e meio Mattiuzzi não retornava a sua cidade natal e neste dia fomos
recebidos com muita alegria e euforia na Vila Santa Clara (SP). Enquanto sua mãe
preparava uma feijoada, demos início à ação que aconteceu na laje e foi compartilhada
com a sua vizinhança, composta em sua grande maioria, por seus familiares, ou seja,
tias, sobrinhas e primos. No tripé, o equipamento fotográfico foi programado para
disparar automaticamente nove vezes através de um toque inicial no botão do
disparador.
Figura 23 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, Abril, 2013.
Figura 24 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, Abril, 2013.
40
Assim, a ação aconteceu da seguinte forma: Mattiuzzi descoloriu o meu cabelo,
para em seguida, descolorir o dela (Figuras 23 e 24). Como já estava no fim da tarde,
uma imagem ficou mais clara do que a outra, demarcando nitidamente a passagem do
tempo. Fizemos mais algumas fotografias por outros lugares da casa e retornamos à
noite para o local onde estávamos hospedados, num apartamento de uma amiga no
Copan, centro de São Paulo. Mais algumas fotografias foram feitas nessa noite (Figuras
25, 26, 27 e 28), denotando por conseguinte, um contraste entre as diferentes
arquiteturas e contextos.
Vale ressaltar que neste período já tinha dado início aos processos de
investigação e experimentação da inserção do meu corpo nas composições fotográficas
e nas narrativas descontínuas que iam sendo construídas diariamente na rede. Com isso,
a mudança na aparência passou a ser a pedra lançada na realidade, reverberando e
causando uma turbulência em diversos processos pelos quais envolvia fotografia e
performance.
Figura 25 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, 2013. Figura 26 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, 2013.
Figura 27 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, 2013. Figura 28 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, São Paulo, 2013.
Deste modo, o projeto durou noves meses e expandiu suas questões a partir de
cada encontro e interação, surgindo à necessidade de convocar outras pessoas num
interesse por pensar como este código, este signo social que representa o loiro, poderia
41
ser compartilhado e se instaurar em cada corpo e contexto, convocando reflexões e
questões diversas. Sendo assim, o projeto foi desenvolvido a partir de um complexo
campo de interação criado através dos encontros, das transformações estéticas e seus
desdobramentos fotográficos.
Era um movimento político, era algo puramente estético, era arte? Essas foram
algumas das questões frequentemente trazidas através do compartilhamento e da
interação no Facebook, gerando, com isso, diversas reações, comentários e mensagens.
Todos se questionavam do que se tratava, movidos tanto por curiosidade e
estranhamento, quanto pela busca por enunciados, por vestígios ou pistas que
esclarecessem os motivos das transformações na aparência.
Figura 29 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Macaúbas, Maio, 2013.
Sendo assim, Revelador H2O2 passou a ser incorporado ao decorrer dos
acontecimentos diários, tendo como exemplo, as viagens feitas a trabalho em maio de
2013 pelo interior da Bahia, percorrendo cidades como Vitória da Conquista, Porto
Seguro, Paulo Afonso, Jacobina, Macaúbas e Itapetinga. Durante esse percurso
itinerante foram produzidos autorretratos evidenciando as diversas paisagens e
contextos a partir de ações performáticas que buscavam relações entre corpo e espaço
(Figuras 22, 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35).
42
Figura 30 - Alex Oliveira, Porto Seguro, 2013. Figura 31 - Alex Oliveira, Macaúbas, 2013. Figura 32 - Alex Oliveira, Macaúbas, 2013.
Figura 33 - Alex Oliveira, Paulo Afonso, 2013. Figura 34 - Alex Oliveira, Porto Seguro, 2013.
Figura 35 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Macaúbas, Maio, 2013.
Em outros momentos, as fotografias eram produzidas com as pessoas nas quais
estabelecia contato e interação, podendo destacar aqui, mesmo que rapidamente, o
episódio que aconteceu em julho de 2013 na cidade de Ituaçu (BA), quando, por
diferentes espaços e contextos da cidade, descolori o cabelo de nove pessoas que
participavam e trabalhavam no longa-metragem A Doce Flauta De Liberdade (Figura
36), do diretor George Neri, filme no qual pude desenvolver, pela primeira vez, a
direção de fotografia no cinema.
43
Figura 36 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Ituaçú, Julho, 2013.
Contudo, foi em agosto de 2013, durante a execução do projeto Narrativas
Errantes – aprovado pelo Edital Portas Abertas para as Artes Visuais da Fundação
Cultural do Estado da Bahia -, que a proposição teve seu maior alcance e comunicação,
descolorindo, com isso, os cabelos, barbas e pêlos do corpo de quarenta e duas pessoas,
entre crianças, mulheres e homens do bairro de Alagados, comunidade do subúrbio de
Salvador. Através do projeto, pude ter um contato direto com a população e o seu modo
de vida, convocando e evidenciando aspectos e práticas comuns aos agenciamentos
possíveis da arte relacional.
Antes de descrever as ações e os acontecimentos que se desenrolaram durante o
projeto, é importante que seja apresentada, mesmo que de forma breve, um pouco da
história do bairro de Alagados, localizado no Subúrbio Ferroviário de Salvador, mais
especificamente no fim de linha do Uruguai, na enseada dos Tainheiros, próximo à
península de Itapagipe. A ocupação de Alagados aconteceu em 1940, quando a crise
habitacional de Salvador começou a tomar grandes proporções. A estruturação do
primeiro trecho da ferrovia, a partir de 1869, influenciou o início da ocupação, pois
atraiu novos moradores, que vinham do interior da Bahia em busca de emprego na
região.
Esse processo foi intensificado e, entre 1948 e 1950, começaram as primeiras
ocupações sobre os manguezais dos Alagados ao longo da enseada dos Tainheiros, onde
milhares de famílias, sem oportunidade de ocupar espaço em terra firme, avançaram
sobre a maré. Sendo assim, o acesso ao emprego e à infraestrutura são elementos
centrais no processo histórico de ocupação dos Alagados. Hoje, a população é
44
predominantemente de baixa renda e vive, de modo geral, em condições precárias de
saneamento básico e infraestrutura17
.
Assim, Narrativas Errantes teve como proposta central, a execução de
fotografias a partir de ações performáticas e interventivas, que seriam desenvolvidas
através da busca por relações e composições entre corpo e espaço, ao longo das práticas
de deriva realizadas por Alagados. No decorrer do processo, as fotografias foram
publicadas no Facebook18
, para posteriormente serem “printadas” e impressas em
tamanhos diversos, sendo expostas pelas ruas do bairro a partir da utilização do lambe-
lambe, tendo, por fim, um deslocamento da rede social para o espaço urbano,
apropriando-se da interface virtual, materializando-a e entremeando com isso, diferentes
espaços pessoas e temporalidades.
Meu contato inicial com o bairro se estabeleceu através do Espaço Cultural de
Alagados, que se comprometeu em ceder uma grande parede da sua área externa para a
realização de uma exposição no final do projeto, que seria composta por colagens das
fotografias “printadas” do Facebook, compondo, por fim, um grande mural dos diversos
momentos e situações vividas por Alagados. É importante frisar aqui, que logo nos
primeiros dias de visita e andanças, pude perceber que o cabelo era algo que as pessoas
se preocupavam e davam uma atenção em especial, ou seja, tinham um grande cuidado
com a sua aparência.
Assim, foi através desse elemento, ou seja, do cabelo, que pude estabelecer um
contato mais próximo com a população, criando movimentos diversos e colocando em
prática as derivas pelo bairro, deslocando-me, por vezes, do papel do fotógrafo e
associando a minha imagem a outros fazeres. Sendo assim, o processo fotográfico foi
conduzido a partir de uma proposição, de um convite que era feito a cada pessoa,
propondo a descoloração dos seus cabelos com água oxigenada (H2O2) e compondo,
desta maneira, ações performáticas e interventivas executadas em diferentes lugares e
contextos de Alagados, e produzindo, consequentemente, fotografias dos diversos
momentos e situações que envolviam o antes durante e depois da ação química.
17
Para mais informações sobre contexto histórico que se desenvolveu a comunidade de Alagados:
http://www.citiesalliance.org/sites/citiesalliance.org/files/CA_Docs/resources/upgrading/alagados/capitul
o-1.pdf Acessado em 22 de maio de 2015. 18
As fotos do projeto Narrativas Errantes publicadas na linha do tempo do Facebook:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=672718782741154&set=a.153836151296089.33064.0000009
1166636&type=1
45
Deste modo, qual identidade seria construída ou representada a partir da
aceitação da mudança na aparência? Quais signos e códigos estariam implícitos nesse
jogo? Qual seria a resposta social que as pessoas convocariam com o seu “novo”
cabelo? Diante dessas questões, dei início às ações de descoloração, que começaram
primeiramente com os funcionários do Espaço Cultural de Alagados: Marcos
(iluminador), Carlos (técnico de som e imagem) e Edileuza (funcionária da limpeza). A
ação foi desenvolvida no fundo da igreja conhecida como Paróquia Nossa Senhora dos
Alagados, criada em 1980 pelo papa João Paulo II, por ocasião de sua primeira visita ao
Brasil.
Dispus três baldes no chão, virados com o fundo pra cima, servindo como
bancos para que eles pudessem ficar sentados. Enquanto pintava seus cabelos naquele
local, pude ter uma grande vista panorâmica do subúrbio de Salvador, sendo possível
perceber, a partir daquela perspectiva, as diversas arquiteturas produzidas através da
bricolagem de elementos diversos.
Após a descoloração dos três cabelos, fizemos o percurso de retorno ao Espaço
Cultural, num trajeto que convocou a curiosidade dos diversos moradores de Alagados,
sejam dos que passavam pela rua ou dos que saiam das suas casas para ver o que estava
acontecendo. A lavagem dos cabelos foi executada no Espaço Cultural, compartilhando
a ação com os outros funcionários do local e dando início, com isso, a proposição de
descolorir os cabelos com água oxigenada (Figura 37).
Figura 37 - Prints de três fotografias do Revelador H2O2 publicadas no Facebook, Alagados, 2013.
Deste modo, prossegui fazendo a mediação dos acontecimentos, tendo como
pressuposto, que as ações de descoloração deveriam ser compartilhadas com grande
parte da população, com o intuito de que a minha imagem e ação fossem vistas por
diferentes contextos do bairro, podendo, deste modo, criar diversas alianças ruídos e
deslocamentos. Desta forma, as pessoas que aceitavam descolorir os cabelos, eram
46
convidadas a compartilhar o processo da revelação com os demais moradores, através
da execução da ação nos espaços públicos de Alagados, sendo escolhido geralmente um
local diferente a partir de cada dia de visita e/ou a partir de cada pessoa ou situação,
provocando e prolongando o convite para as pessoas que presenciavam a ação em
tempo real.
O equipamento fotográfico era colocado num tripé, sendo programado para
disparar automaticamente nove fotografias com intervalos de tempo entre cada disparo.
A partir desse procedimento, pude desprender a câmera fotográfica do meu corpo,
documentando os acontecimentos em seu constante devir e dando mais atenção, com
isso, a ação que estava sendo executada. Com isso, muitas das fotografias do projeto
foram produzidas com o auxílio de crianças, jovens e adultos, que me acompanharam
durante a ação, passando a compartilhar conjuntamente do cuidado tanto com o
equipamento fotográfico, quanto com a produção das fotografias.
A partir das minhas ações naquele contexto, muitas vezes a minha imagem
poderia ser facilmente associada a um cabelereiro, ou seja, a um profissional de beleza.
Pois foi com essa imagem que trabalhei em diversos momentos do projeto, dando a
entender que poderia executar as diversas ações de pintura e guiando a proposição a
partir de um caráter experimental, que ia se adequando a cada nova necessidade e/ou
ideia que surgisse.
Vera, uma das moradoras do conjunto habitacional construído em substituição as
palafitas (como eram conhecidas às casas de madeiras sobre as águas da maré) foi uma
grande parceira e companheira durante o projeto, tanto cedendo sua casa inúmeras vezes
para algumas das ações, como também disponibilizando objetos diversos e/ou, muitas
das vezes, até água para lavar o cabelo.
Pintei o cabelo de Vera num dia de sábado, na varanda da sua casa (Figura 38),
enquanto ela e a filha preparavam uma feijoada. No decorrer das conversas, Vera me
conta que na verdade seu cabelo é curto e que havia colocado um aplique para ter um
cabelão. Deste modo, a seu pedido, faço algumas “luzes” no seu “cabelo”, ou seja,
algumas mechas de loiro. Além disso, nesse mesmo dia, pinto o cabelo grande e natural
da sua filha, na beira da maré de Alagados (Figura 39). Desta forma, a ação acabou
contando, por fim, com a participação de diversas pessoas, que por ser um fim de
47
semana e estarem presentes no bairro, foram se aproximando e decidindo pintar o
cabelo, colaborando assim com a ideia e a proposição lançada.
Figura 38 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013. Figura 39 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.
Figura 40 - Print da tela cheia do Facebook, Revelador H2O2, Alagados, Agosto, 2013.
Com isso, diversas crianças adolescentes e adultos estabeleceram contato e
interação, e muitas das vezes, perdia o controle da situação e quando via o pincel com a
água oxigenada já estava na mão de algum jovem ou criança, que, ou tratava de passa-lo
nos pêlos do seu braço, barriga e perna, ou pintavam partes do seu cabelo. As meninas
geralmente pintavam o “pega rapaz”, como é popularmente conhecido um penteado
48
feminino, e os homens o moicano ou o “rabinho” (Figura 48), ou seja, partes do cabelo
que são deixados crescer na nuca, sendo estes penteados masculinos bem comuns de
serem utilizados por grande parte dos jovens e crianças de Alagados.
Figura 41 - Prints de três fotografias exibidas em tela cheia no Facebook, Revelador H2O2, Alagados, 2013.
Figura 42 - Prints de três fotografias exibidas em tela cheia no Facebook, Revelador H2O2, Alagados, 2013.
Desta maneira, neste dia, dez pessoas participaram da ação de descoloração:
Vera, sua filha, cinco homens e três meninas (Figuras 40, 41, 42). Esse foi o dia em que
a ação de descoloração teve seu maior alcance de pessoas que aceitaram pintar os
cabelos, sendo executada de diversas formas e maneiras e com variados tempos de
duração da água oxigenada nos cabelos. Com isso, a proposição lançada na maré de
Alagados reverberou e causou uma turbulência que provocou diversas interações e
trocas, gerando uma teia de afetos que ia se construindo ao longo do processo.
Deste modo, a fotografia, ou melhor, o dispositivo fotográfico passou a convocar
e experimentar outros modos e procedimentos de criação, atuando, segundo Gonçalves
(2013, p.60), como “um dispositivo afetivo e relacional, um instrumento disparador de
encontros, capaz de nos abrir ao Outro, ao imponderável de toda alteridade”. Ou ainda
(2013, p.65) como “um elo, um comutador: aquilo que dispara uma relação, que garante
a instauração de trocas, passagens, cruzamentos. Um aparelho, enfim, que produz
acontecimentos nas imagens e no mundo”.
49
Figura 43 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013. Figura 44 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.
Assim, a partir desses acontecimentos, passo a compartilhar das intimidades e
espaços privados de Alagados, através da ação de descoloração, que posteriormente foi
intitulada como Revelador H2O2. O título surgiu da tentativa em fazer analogia, ou
seja, em associar e comparar o uso feito do revelador químico pela fotografia -
procedimento utilizado para revelar os sais de prata, que posteriormente se tornarão a
imagem impressa -, com o uso que faço da água oxigenada (H2O2) para evidenciar e
intervir no espaço urbano, produzindo relações e encontros diversos e interligando
pessoas através do compartilhamento de um signo estético. Com isso, convoco uma
ideia de pertencimento e ligação ao encontro, revelando, desta maneira, questões
diversas referentes à identidade e representação, cultura e poder.
Assim, segundo Ayrson Heráclito19
:
o projeto promoveu um exercício de alteridade. O ato aparentemente
banal de descolorir o cabelo cria uma dinâmica fluidez ao conceito de
pertencimento. Essas imagens de negros e mestiços brasileiros com
cabelos artificialmente loiros nos remetem a um entre lugar, entre a
arte e os fenômenos sociais, desconstruindo a ideia de raça e ativando
tensões associadas a uma estética de grupos marginais favelados e
periféricos. (HERÁCLITO, 2014)
Assim sendo, vale serem elucidados outros acontecimentos que ocorreram no
decorrer do projeto, como o episódio em que um homem, no momento da ação, decide
se descolorir por completo, pedindo que lhe pinte o cabelo, bigode, barba e todos os
pêlos do corpo, passando desta maneira, a ficar todo branco de água oxigenada e pó
descolorante (Figura 45). Depois disso, ainda com a tinta pelo corpo, sem dizer muitas
19
Ayrson Heráclito é mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia, professor do quadro
permanente no Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia,
curador do projeto de exposição das fotografias de Revelador H2O2, proposto à Caixa Cultural, em 2014.
50
palavras, ele se desloca, vai até a sua casa e volta trazendo uma grande cana que é
cortada e dividida por todos que estavam no local da ação (Figura 46).
Figura 45 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013. Figura 46 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.
A química, por fim, foi retirada do seu corpo utilizando a água da torneira
disponível próximo à maré e a sede dos pescadores, compartilhando, com isso, os
diferentes processos da ação e da mudança na aparência com os demais moradores de
Alagados.
Nesse mesmo dia, uma senhora costureira do bairro, que oferece serviços
diversos de conserto de roupa e tem uma venda de produtos e doces, chega até mim e
pergunta se poderia também descolorir seus cabelos. Surpreso com a sua interação,
respondo-lhe que sim e no outro dia apareço no seu local de trabalho para pintar o seu
cabelo que tinha o comprimento até os ombros e em grande parte já estavam brancos.
Enquanto desenvolvia a ação escutava as suas histórias e memórias diversas que
envolviam a sua vida e as mudanças que ocorreram em Alagados. Mais uma vez, por
fim, usei a torneira disponível próximo à maré e a sede dos pescadores para a lavagem
do seu cabelo (Figura 43). É importante também evidenciar a sede dos pescadores, outro
51
local que pude escutar muitas histórias e estabelecer conversas diversas, conhecendo
dois parceiros que me acompanharam e ajudaram durante o projeto: o “Pequeno”,
pescador local, e o “Neném”, barbeiro e um “faz-de-tudo”.
Pequeno, no primeiro dia que lhe conheci, preparou uma moqueca de peixe na
sede e ofereceu a todos que estavam participando da ação do Revelador H2O2. Neste
dia descolori seu bigode e a sua barba (Figura 47). Já Neném me pediu que descolorisse
o seu cabelo que estava cortado à máquina. A partir daquele dia, eles me acompanharam
em muitas das ações, tanto das pinturas nos cabelos, quando das colagens das
fotografias pelas ruas do bairro.
Figura 47 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.
O contato olho a olho, o contato físico do gesto da descoloração, o contato no
momento da lavagem dos cabelos (Figuras 43 e 44), tudo isso emaranhou o encontro
com o outro, a execução da ideia e da proposição de estar ali presente, executando e
compartilhando um fazer, ou em muitas das vezes, vários fazeres ao mesmo tempo.
Enfim, uma teia de afetos, trocas, memórias e experiências compartilhadas, envolveram
e conduziram a esfera das interações e a rede de conexões estabelecidas em Alagados
durante o período de um mês de projeto.
52
Figura 48 - Print da exibição em tela cheia no Facebook, Revelador H2O2, Alagados, 2013.
Com uma semana de execução do projeto, Mattiuzzi esteve presente em
Alagados, e neste dia, em frente à casa de Vera, descolori seu cabelo que estava preto na
raiz e quase branco nas pontas. Neném também estava presente, era um domingo e
todos dançavam, bebiam e escutavam som bem alto. Era mais um dia de
confraternização em Alagados. Antes de escurecer, fomos para a casa de Neném e lá
pedi pra Michelle descolorir meu cabelo novamente. Durante o processo, resolvo
descolorir o bigode, a barba e os pêlos do peito, barriga e braços, deixando a química
agir com tempos diferenciados em cada lugar, pois além de queimar, o cheiro da água
oxigenada é muito forte, então, por exemplo, o bigode, que é perto do nariz, se torna um
local bem difícil de descolorir os pêlos numa única ação.
Além disso, o projeto contou também com a participação de artistas e amigos
que foram convidados a colaborar e participar das ações em Alagados. Assim, de forma
breve, citarei seus nomes e os acontecimentos que sucederam no desenrolar das visitas.
Foram eles: Hirosuke Kitamura (fotógrafo nascido em Osaka, Japão, que vive desde
1993 em Salvador; Acompanhou-me em muitas das visitas em Alagados e aceitou
descolorir uma mecha do seu cabelo); Rodrigo Sombra (fotógrafo e jornalista de
53
Salvador, que esteve presente num dia de deriva e fez algumas fotografias com uma
câmera analógica); Jerônimo Sodré (dj e performer que mora em Salvador, topou
descolorir partes de seu cabelo e os pêlos das suas costas na sede dos pescadores,
intervindo e consequentemente convocando os demais presentes a participar); Zé Mario
(performer de Salvador que descoloriu a longa barba do seu personagem fictício Mano
Zé, ação desenvolvida dentro de um barco conduzido por Pequeno e Neném por grande
parte da maré de Alagados, percorrendo a lateral da Ilha do Rato);
Júlio Costa (grafiteiro de Salvador que descoloriu os cabelos fez algumas
fotografias analógicas e grafitou o desenho de alguns meninos loiros pela paisagem e
uma grande sereia loira na lateral de um barco); Denise Firmo (jornalista de Salvador
que teve seus cabelos curtos e cacheados pintados de loiro, me acompanhando durante
algumas visitas e me ajudando com as colagens dos lambes); Inajara Diz (produtora de
Salvador, também me acompanhou durante algumas visitas, descoloriu seu cabelo
grande e cacheado e me ajudou com a colagem do mural); Dalton Paula (artista visual
de Goiânia que descoloriu seu cabelo comigo e me acompanhou num dia de visita a
Alagados), por fim, Gabriel Nast (artista visual de Belo Horizonte (MG) que me ajudou
com as colagens das fotografias que compôs o mural final na área descoberta do Espaço
Cultural de Alagados).
Como havia dito anteriormente, no decorrer do processo de produção e
publicação das fotografias no Facebook, algumas imagens foram sendo selecionadas e
impressas em tamanhos diversos, para posteriormente, serem coladas pelas ruas de
Alagados, em locais como caixas de luz e telefone, ponto de ônibus e alguns tapumes.
As imagens foram sendo selecionadas a partir das vivências e dos elos formados entre
as pessoas do bairro. Algumas imagens selecionadas formavam dípticos, demarcando os
processos de descoloração, como é o caso das duas imagens coladas dentro da casa de
Neném, onde na primeira imagem, ele está dentro da sede dos pescadores com a água
oxigenada nos cabelos, e na segunda, já aparece loiro (Figura 49).
54
Figura 49 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.
Deste modo, a partir das colagens nas ruas de Alagados, a população passou a se
reconhecer nas imagens, percebendo os símbolos do Facebook e observando atentas
quantas pessoas tinham curtido as fotografias e/ou quantas comentaram e
compartilharam.
O mural da exposição final foi composto por vinte imagens impressas em
tamanhos diversos, coladas na área descoberta, ou seja, na lateral do Espaço Cultural de
Alagados. As imagens “printadas” em tela cheia traziam elementos da plataforma do
Facebook, que se transformavam, por fim, numa moldura em torno da imagem. Quando
várias imagens foram se agrupando durante a colagem, o conjunto que elas formavam
lembrava um rolo de filme ou até a própria linha do tempo da rede social, dando a
impressão das imagens estarem “subindo” ao longo da extensão do prédio (Figura 50).
Com isso, o mural revelou os distintos momentos e situações que envolveram o
antes, o durante e o depois das ações do Revelador H2O2 em Alagados. Assim, a
comunidade pôde perceber a recepção do trabalho, participando mais uma vez do
processo criativo, só que desta vez como espectadores de si mesmos. Dessa forma, o
projeto convocou reflexões sobre a fotografia e a sua circulação, exposição e alcance,
entremeando ambientes virtuais e reais, públicos e privados.
55
Figura 50 - Alex Oliveira, Revelador H2O2, Alagados, 2013.
56
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mundos Possíveis: Realidade e Ficção na Linha do Tempo foi um projeto que
acompanhou muitos dos meus processos pessoais e das diversas possibilidades de
experimentação em torno da construção e/ou ficcionalização da identidade. Foram 3.185
fotos (até o presente momento) e cinco anos de entrega e dedicação diária.
A partir do convívio com artistas da performance, pude experimentar diversos
processos de criação em torno dessa linguagem e da sua junção com a fotografia. Essas
experiências diárias de entrecruzamento das linguagens artísticas ocasionaram numa
frequente inserção do meu corpo nas composições fotográficas, possibilitando
estabelecer relações diversas com os espaços, cenários e paisagens, experimentando,
conjuntamente, outras formas e relações com o que estava sendo visto e percebido, ou
melhor, outras formas e relações de ver e estar no mundo.
Questionei a minha identidade, construí ruídos e representações diversas,
resignifiquei objetos, vivi uma narrativa descontínua. Investigar a fotografia como
movimento, lançar propostas, contaminar, questionar a ideia associada à realidade, criar
ligações simbólicas, intermediar pessoas, propor encontros. O projeto me levou a
caminhos totalmente desconhecidos. Pude assim vivenciar e colocar em prática algumas
das possibilidades de invenção de mundos possíveis.
A noção de presença – de estar de corpo presente no encontro com o Outro – foi
afetada pelo uso da rede e pela disposição e dissolução das minhas experiências em
tempos, muitas das vezes, paradoxais. Entretanto, é importante salientar que, a partir
desses usos específicos das tecnologias e dos dispositivos, pude exercitar a
reconfiguração da percepção pela mobilização do corpo.
Infelizmente, muitos dos processos vividos durante a execução do projeto, não
puderam ser relatados nesta memória. Percebo, em consonância, o caráter múltiplo,
complexo e híbrido, tanto da fotografia, quanto da performance, características essas
que evidenciam uma expansão das linguagens artísticas contemporâneas, trazendo,
dessa forma, uma multiplicidade de reflexões e pensamentos, nos quais pretendo dar
continuidade às investigações a partir da inserção futura em algum programa de
mestrado.
57
6. BIBLIOGRAFIA
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: Uma história concisa. Tradução de
Alexandre Krug, Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes, 2001 – (Coleção a).
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In:
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. Obras Escolhidas, v.1, 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1955.
BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. tradução Denise Bottmann. São Paulo:
Martins, 2009 – (Coleção Todas as Artes).
COTTON, Charlotte. A fotografia como arte contemporânea. Tradução de Maria
Silvia Mourão Netto. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010 – (Coleção
arte&fotografia).
DOBAL, Susana M. Ficção e encenação na fotografia contemporânea. In: Susana
Dobal; Osmar Gonçalves. (Org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e
transgressões. 1ed. Brasília: Casa das Musas, 2013, (pp 75-93).
ENTLER, Ronaldo. Um lugar chamado fotografia, uma postura chamada
contemporânea. In: CHIODETTO, Eder; MONTEROSSO, Jean-Luc. (Org.). A
invenção de um mundo (Catálogo de Evento e Exposição). São Paulo: Itaú Cultural,
2009.
GOLDBERG, RoseLee. A arte da performance. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
KIRKPATRICK, David. O Efeito Facebook. Tradução de Maria Lúcia de Oliveira. Rio
de Janeiro: Intrínseca, 2011.
MACHADO, Arlindo. Arte e Mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
MACHADO, Arlindo. O Filme-Ensaio. In: Concinnitas (UERJ), Rio de Janeiro, v. 4,
n.5, 2003, (p. 63-75).
MELIM, Regina. Performance nas Artes Visuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
MÜLLER-POHLE, Andreas. Estratégias da Informação. In: Boletim, Revista do
Grupo de Estudos Arte&Fotografia, ECA-USP, n. 3, São Paulo, 2009.
58
REIS FILHO, O. Desvirtuar a câmera, virtualizar a Imagem: o lúdico na fotografia
contemporânea. In: Osmar Gonçalves dos Reis Filho; Susana Dobal. (Org.). Fotografia
Contemporânea: Fronteiras e Transgressões. 1ed. Brasília: Casa das Musas, 2013,
(p. 57-74).
ROUILLÉ, André. A fotografia e arte contemporânea. In: Fotografia e Novas Mídias.
Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria / FotoRio, 2008 – (Coleção Arte e Tecnologia).
ROUILLÉ, André. A fotografia entre documento e arte contemporânea. São Paulo:
Editora Senac São Paulo, 2009.
ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In: Dobal, Susana Dobal e
Gonçalves, Osmar (org.). Fotografia contemporânea: fronteiras e transgressões.
Brasília, 2013.
59
7. ANEXO
7.1. Crítica escrita em setembro de 2013
Os Ritos de Passagem de Alex Oliveira
Laura Guy20
Eu e Alex Oliveira nunca nos encontramos pessoalmente, mas somos “amigos” no
Facebook. As imagens que ele posta dos Alagados, uma área de favela em Salvador,
Brasil, mesclam-se a outras no meu feed de notícias – vasto inventário de relatos da vida
alheia, gente com a qual encontro todos os dias, apenas superficialmente. Os registros
de Alex são às vezes bem-humorados, às vezes sexy, mas sempre comoventes. Eles
indexam um complexo campo de interações, enquanto ele alterna entre o micro e o
macro, o privado e o público. Vistas online, eles dizem algo sobre a sensação de
conexão, ainda que fugidia, que faz com que eu sempre volte a entrar no facebook;
essas imagens são mais um sentimento do que um registro preciso de alguma
comunidade em particular.
As imagens de Alex são sustentadas por um impulso documental, mas se afastam
de entendimentos mais tradicionais sobre o gênero e do papel instrumental que lhe foi
atribuído historicamente para a formação de identidades. As pessoas, e pode-se
encontrar muitas delas nas suas fotografias, são geralmente singularizadas ainda que
sejam registradas em meio a um complexo campo de objetos, fundos e trocas. Seus
retratos, produzidos como resultado dos encontros dentro deste campo, constituem
assim uma performance fluída e móvel do ser. Essa falta de fixação é o mérito do seu
trabalho. As fotografias de Alex olham com reservas para a periferia das cidades ou das
sociedades. Elas expõem as comunidades não baseadas em qualquer tipo de senso
comum, mas antes inseridas em um registro de cenas afetivas.
Espalhados por suas imagens estão vários signos compartilhados. Motivos de
cabelos loiros descoloridos; tatuagens ou peles pintadas manifestam-se como atos
ritualizados que trabalham para unir os corpos. A relação que a fotografia tem com a
20
Laura Guy é curadora e escritora. Atualmente trabalha entre Londres e Manchester, Reino
Unido; Tradução: Marcel Bane.
60
exposição tem ajudado fotógrafos e acadêmicos a descrever o papel que o meio
desempenha no reconhecimento individual como parte de formações sociais ou
culturais. Os sujeitos nas imagens de Alex são geralmente posicionados no centro do
quadro. Eles parecem estar olhando fixamente através da lente. Neste confronto, o
mecanismo da câmera se torna explícito no interior da troca. Assim, as fotografias
devolvem seus sujeitos ao meio, de maneira intrincada.
Este diálogo reflexivo entre o meio e o sujeito também ocorre nas estratégias de
exibição que Alex emprega. Às vezes ampliando e colando suas fotografias nas paredes
externas de prédios em Salvador, ele gentilmente convoca táticas da publicidade de
guerrilha para ressaltar uma camada estética da experiência. Coladas aos prédios, as
intervenções criam uma pele efêmera para a cidade. Disseminadas simultaneamente
através de redes difusas de comunicação, elas produzem uma reflexão líquida da vida
em fluxo. Assim como suas imagens atravessam redes concretas e virtuais, mas sempre
sociais, da mesma maneira seus significados mudam incessantemente. Ao invés de
tratar essas qualidades voluptuosas da fotografia com cuidado, Alex se regozija nelas.
Como resultado, quer cheguemos às suas imagens online, na cidade ou em uma galeria,
é possível apanhar delas um senso fugidio do quão perfeitamente, ainda que de maneira
tênue, estamos inseridos no mundo.
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8. APÊNDICE
8.1. Prints das publicações no Facebook
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