multimodalidade

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ARTIGO © ISSN: 1517-2539 – ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.3, n.2, p.19-26, jun. 2002. 19 LER O MUNDO : UM OLHAR ATRAVÉS DA SEMIÓTICA SOCIAL Maria Alice Andrade de Souza Descardeci RESUMO: O presente artigo questiona os pressupostos com os quais a escola brasileira trabalha o conceito de leitura, que impõe ao aluno a modalidade escrita como sendo a única, ou mais relevante, forma de representação para composição de mensagens impressas. A leitura do mundo, na concepção da escola atual, faz-se através da leitura do código escrito. Tal questionamento é feito através da teoria da semiótica social (Kress e van Leeuwen, 1996). De acordo com essa teoria, textos são construtos multi-modais; dos quais a escrita é apenas um dos modos de representação da mensagem. Estes, por sua vez, são culturalmente determinados e constantemente redefinidos dentro dos grupos sociais nos quais significam. Uma análise de impressos coletados em um ambiente de trabalho é apresentada para demonstrar a multimodalidade das formas de representação, que deve ser considerada quando do ensino da leitura da palavra, para uma leitura mais significativa do mundo. PALAVRAS-CHAVE: Leitura; Semiótica social ABSTRACT: This paper questions today’s Brazilian schools’ theoretical approach to reading, which imposes to pupils reading the written code as the only relevant form of representation in texts. Reading the world, according to the schools’ conception, happens as reading the written code does. The social semiotics theory (Kress and van Leeuwen, 1996) is used in the article to argue against it. According to this theory, texts are multi-modal constructs; and forms of representation are culturally determined and constantly re-defined within the social groups where they have meaning. An analysis of printed materials collected inside a workplace is presented to show the multimodality of forms of representation defended by the theory in case. Multimodality has to be considered when teaching reading the words that leads to reading the world. KEYWORDS: Reading; Social semiotics

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Multimodalidade

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    ISSN: 1517-2539 ETD Educao Temtica Digital, Campinas, v.3, n.2, p.19-26, jun. 2002. 19

    LER O MUNDO : UM OLHAR ATRAVS DA SEMITICA SOCIAL

    Maria Alice Andrade de Souza Descardeci

    RESUMO: O presente artigo questiona os pressupostos com os quais a escola brasileira trabalhao conceito de leitura, que impe ao aluno a modalidade escrita como sendo a nica, ou maisrelevante, forma de representao para composio de mensagens impressas. A leitura do mundo,na concepo da escola atual, faz-se atravs da leitura do cdigo escrito. Tal questionamento feitoatravs da teoria da semitica social (Kress e van Leeuwen, 1996). De acordo com essa teoria,textos so construtos multi-modais; dos quais a escrita apenas um dos modos de representao damensagem. Estes, por sua vez, so culturalmente determinados e constantemente redefinidos dentrodos grupos sociais nos quais significam. Uma anlise de impressos coletados em um ambiente detrabalho apresentada para demonstrar a multimodalidade das formas de representao, que deveser considerada quando do ensino da leitura da palavra, para uma leitura mais significativa domundo.

    PALAVRAS-CHAVE: Leitura; Semitica social

    ABSTRACT: This paper questions todays Brazilian schools theoretical approach toreading, which imposes to pupils reading the written code as the only relevant form ofrepresentation in texts. Reading the world, according to the schools conception, happens asreading the written code does. The social semiotics theory (Kress and van Leeuwen, 1996)is used in the article to argue against it. According to this theory, texts are multi-modalconstructs; and forms of representation are culturally determined and constantly re-definedwithin the social groups where they have meaning. An analysis of printed materialscollected inside a workplace is presented to show the multimodality of forms ofrepresentation defended by the theory in case. Multimodality has to be considered whenteaching reading the words that leads to reading the world.

    KEYWORDS: Reading; Social semiotics

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    ISSN: 1517-2539 ETD Educao Temtica Digital, Campinas, v.3, n.2, p.19-26 , jun. 2002. 20

    INTRODUO

    Termos que usamos cotidianamente, dadoao constante uso e amplo emprego quefazemos deles, perdem a essncia de seussignificados. Leitura um desses termos.Quando nos deparamos com a palavraleitura, a relacionamos primeiramente decodificao da forma escrita. Masdecodificar no basta. H que seinterpretar o que se l. Portanto, leitura,em um primeiro momento, vem asignificar decodificao e interpretao deuma mensagem representada pelo cdigoescrito. Nossa sociedade opera com esseconceito de leitura, tanto a nvel de sensocomum, como institucional, incluindo-sea a escola.

    No entanto, Paulo Freire nos diz queantes de lermos as palavras, j somoscapazes de ler o mundo (Freire e Macedo,1987). Que significado tem o termoleitura nesse contexto? "O mundo",segundo essa afirmativa, algo que noest descrito em palavras. Leitura, nessecaso, no significa "decodificao einterpretao do cdigo escrito". Porextenso, pode-se questionar sobre apossibilidade de dizermos que antes deescrevermos as palavras, j somoscapazes de escrevermos o mundo?Acredito que sim. O fato que, antes detomarmos contato de maneirasistematizada com o mundo da escrita,ou seja, antes de irmos para a escola, jinteragimos com representaes domundo. Estas se nos apresentam atravsde imagens, cores, formatos; ou aindaatravs de gestos, sabores, cheiros e tatos.O cho, o papel, o tecido, as pessoas, e,mais modernamente, as mdiaseletrnicas, como o computador, so osportadores das mensagens que essas

    representaes comunicam. Assim, antesda escolarizao, no s lemos o mundo,como escrevemos o mundo, ainda queno com a utilizao do cdigovalorizado pela escola.

    Considerando-se, assim, o sentido amplode leitura proposto por Paulo Freire,deve-se repensar o posicionamentoterico da escola sobre leitura e escrita. Oaluno (criana, jovem ou adulto) traz parao ambiente escolar o conhecimento de ummundo que ele j aprendeu a ler eescrever, a representar (no sentido deKress & van Leeuwen, 1996), ainda quesem conhecer o cdigo escrito comoforma de representao. Esseconhecimento complexo em suaestrutura, sendo perfeitamente vlido parasuas interaes pessoais. Esseconhecimento no pode ser simplesmentesubstitudo por outro mais valorizado eaceito por aqueles que lem e escrevem omundo atravs da escrita.

    Kress (1997), em seu estudo sobrerepresentaes do mundo pela criana emidade pr-escolar, observa que a crianasabe representar suas idias atravs desinais grficos que, ora simulam a escrita,ora no, mas que a permitem interagireficientemente com o mundo. Contudo,na maioria das vezes, esses modos derepresentao so tidos pela escola comodesenhos sem grande significado. Muitorapidamente, esta tende a substituir essasformas de representao, que socomplexas em suas estruturas, eperfeitamente imbudas de significado,pelo uso do cdigo escrito, relegando-as aum segundo plano de importncia. como se essas no fossem relevantes parao processo de construo doconhecimento do aluno; processo esse jiniciado antes mesmo da criana ir para a

    sayuriCalloutReflexo sobre leitura

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    sayuriCalloutLeitura de palavras x leitura de mundo

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    sayuriCalloutRepresentaes do mundo - Imagens, cores, formatos, gestos, sabores, cheiros e tatos

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    sayuriCalloutPensando a supremacia da escrita no ensino

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    Igualmente, o aluno (criana, jovem ouadulto) traz para os bancos escolareshabilidades maduras de se expressaroralmente, nas quais a escola tambmpassa a interferir. Seus hbitos oraiscomeam a ser corrigidos, esubstitudos pelo discurso valorizado naescola. Juntamente com o ensino de umanova oralidade, as expresses faciais egestuais tambm so re-educadas noambiente escolar. Assim, o repertrio derepresentaes que o aluno traz para aescola , na maioria das vezes,desprezado em face dos valoresapregoados por esta.

    Voltando questo da leitura, e atendo-me a ela neste artigo, proponho queolhemos para esse conceito atravs doprisma da semitica social. Minhaproposta de que a escola passe atrabalhar o conceito de leitura com umaviso mais ampla, considerando comofatores interferentes no processo de leroutras formas de representao damensagem impressa. Preocupa-me o fatode que as crenas escolares sobre leitura,limitadas leitura do cdigo escrito, tmsubestimado o valor das outras formas derepresentao presentes na composio damensagem escrita, sendo estas toportadoras de significado quanto aquele.Refiro-me, mais precisamente, a todos osrecursos de composio e impresso dotexto, como: tipo de papel, ilustraes,cores, diagramao da pgina, formatodas letras, etc. A esse conjunto deelementos, a semitica social refere-secomo a multimodalidade das formas derepresentao.

    A MULTIMODALIDADE DASFORMAS DE REPRESENTAO:AMPLIANDO O CONCEITO DE

    LEITURAKress e van Leeuwen (1996), dentreoutros, introduzem a noo demultimodalidade das formas derepresentao que compem umamensagem. Esses estudos, desenvolvidosdentro da rea da semitica social,procuram englobar os diferentes modosde representao impressa em um campomais abrangente do que o at entochamado de lngua. Na teoria dasemitica social, a lngua entendidacomo parte de um contexto sociocultural,no qual cultura em si entendida comoproduto de um processo de construosocial. Sendo assim, nenhum cdigo podeser completamente estudado emisolamento. A lngua falada ou escrita no pode ser entendida seno em conjuntocom outros modos de representao queparticipam da composio de umamensagem. Com base nesta conceituaoque proponho re-pensarmos o conceito deleitura neste texto.

    Na semitica social, sinais soconvenes sociais culturalmentedependentes, e constantemente criados ere-criados nas interaes pessoais. Apalavra escrita, enquanto originria de umsistema de sinais, apenas parte damensagem composta, quando atualizadaem um processo de comunicao.Juntamente com ela, outros elementos,advindos de outros sistemas simblicos,compem o corpo da mensagem como umtodo.

    Qualquer que seja o texto escrito, ele multi-modal, isto , composto por mais deum modo de representao. Em umapgina, alm do cdigo escrito, outrasformas de representao como adiagramao da pgina (layout), a cor e aqualidade do papel, o formato e a cor (oucores) das letras, a formatao do

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    sayuriText Boxsemitica social

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    sayuriText Boxproposta

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    sayuriText BoxMultimodalidade

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    sayuriText BoxLngua e cultura

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    sayuriText BoxEstudo da lngua em conjunto com outros modos de representao

    sayuriText BoxSS sinais so recriados nas interaes pessoais

    sayuriText Boxtodo texto multi-modal

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    pargrafo, etc., interferem na mensagem aser comunicada. Decorre desse postuladoterico que nenhum sinal ou cdigo podeser entendido ou estudado com sucessoem isolamento, uma vez que secomplementam na composio damensagem. A opo pelo emprego deumas formas de representao, emdetrimento de outras, deve ser entendidaem relao ao uso que se pretende fazerdelas em situaes especficas de troca deinformaes. Por isso, sinais e cdigos,dentre eles a lngua escrita, esto emcontnua transformao atravs dainterveno de seus usurios, que ostratam como um recurso a ser empregadode acordo com seus interesses e comconvenes partilhadas pelo grupo noqual interagem, naquele momentohistrico especfico.

    A seguir, procederei anlise de algunsimpressos coletados em um local detrabalho, orientada pelas concepestericas da semitica social. O objetivodesta mostrar como outras formas derepresentao que participam dacomposio de materiais impressoscontribuem para a construo designificados na mensagem como um todo.Atravs dessa anlise, busco reafirmarminha proposta de que a escola re-pense oensino da leitura. Sero comentadosformulrios, tquetes, jornais e folhetoscoletados em uma Prefeitura do interiordo estado de So Paulo, como parte dosdados que foram analisados paraelaborao de minha tese de doutorado(Descardeci, 1997).

    FORMULRIOS E TQUETESO formulrio apresentado na Figura 1,coletado no viveiro de plantas daPrefeitura, um texto predominantementecomposto pelo cdigo escrito; com

    variaes entre a letra de imprensa e aescrita manual.

    Figura 1: Formulrio de requisio de plantas.

    Este formulrio entregue pelosolicitante de plantas ao funcionrio quecuida do viveiro de mudas da Prefeitura,que o arquiva para posterior confernciapelo encarregado do setor. Embora ocdigo escrito seja a forma derepresentao predominantementeutilizada na composio desse formulrio,a demanda de leitura, por parte dofuncionrio, resume-se frase na qualaparece especificado o tipo e a quantidadede planta requeridos pelo solicitante(terceira linha do cabealho). Dados deanotaes de campo demonstram que namaioria das vezes essa informao passada pelo solicitante via oralidade.Assim, na prtica, no h demanda deleitura do cdigo escrito para ofuncionrio do viveiro que lida com esse

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    formulrio. O material portador damensagem, a folha de papel, funcionaapenas como intermediador da interao,ou formalizador da operao.

    Dadas as caractersticas dessa requisio,ela pode ser lida como uma representaovisual, atravs da qual o funcionrio temapenas que conferir se todas as linhaspontilhadas da folha esto preenchidas ese as pessoas competentes assinaram seusnomes nos locais designados para tal.Nota-se que para que esse formulriocumpra sua funo, a habilidade de lidarcom representaes grficas maisimportante do que a habilidade de leiturado cdigo escrito. A leitura, no dapalavra, mas da estrutura grfica doformulrio (ou, ainda, de seu layout)coloca-se como a demanda primeira paraque o processo de comunicao entresolicitante e funcionrio se completesatisfatoriamente. Caso um dosindivduos (ou ambos) no saiba ler, ouleia com dificuldade, esse dado no serobstculo para que essa operaoespecfica se complete a contento.

    O tquete do caf da manh (Fig. 2) outro impresso que requer de seu usuriomenos leitura da palavra, e maishabilidade de compreenso derepresentaes grficas.

    Figura 2: Tquete do caf da manh.

    Esse tquete divide-se em trs partes,sendo uma retornvel administrao(canhoto), outra referente ao caf da

    manh a ser tomado no dia, e a ltimareferente reserva do caf da manh dodia seguinte. A primeira parte fixa aotalo, as outras duas so destacveis,devendo ser entregues aos funcionriosdo refeitrio, quando servido o caf damanh.

    A diagramao desse tquete apresentasentenas curtas e o emblema daadministrao da poca como formas derepresentao. O emblema consiste de umlogotipo e de um slogan. Este encontra-seno centro das duas partes principais dotquete. O que difere essas duas partes soas frases que aparecem abaixo do slogando emblema. Uma delas especifica avalidade do tquete para o caf da manhdo dia, enquanto a outra, a reserva para odia seguinte. O formato e o tamanho dasletras que compem cada uma dessasfrases diferente, sendo esse um outrofator responsvel pela particularizao decada parte. Esta estrutura repete-se emtodos os tquetes que compem o blocoentregue aos usurios.

    Na prtica, as demandas de leitura parautilizao desse tquete so mnimas (oumesmo inexistentes). Esse materialpoderia ser utilizado como umacombinao de duas fichas plsticascoloridas, uma vez que seu formatopadronizado possibilita aos seus usurioscompreenderem a dinmica defuncionamento desse impresso sem nemmesmo serem solicitados a lerem aspalavras nele contidas. A diferenciaodas duas partes principais do tqueteatravs do formato das letras exemplodisso, pois a escrita nesse caso funcionamais como recurso visual do quepropriamente como um texto a ser lido.Em outras palavras, pessoas comdificuldades nas habilidades de leiturapodem aprender a usar o tquete pelo seuaspecto visual, atravs das formas de

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    representao que o compem, das quaisas palavras so apenas mais um elementogrfico.

    JORNAIS E FOLHETOSAlguns jornais e folhetos, que circulamnaquela Prefeitura, so distribudostambm para toda a populao da cidade.Os exemplares reproduzidos nesse artigoencaixam-se nessa caracterstica. Eles soescritos e publicados pela Prefeitura.Sero analisados neste artigo a primeirapgina do jornal Nossa Cidade e o folhetoA Semana.

    JORNAL NOSSA CIDADENa primeira pgina do jornal NossaCidade (Fig. 3), o cdigo escrito,fotografias, desenhos e recursos de coresto entre as formas de representaoque so utilizadas em sua composio.Cada artigo destacado composto poruma combinao de pelo menos trsdessas formas.

    Figura 3: Jornal Nossa Cidade.

    Comeando pelo ttulo do jornal,percebemos que nossa leitura est repletade indicativos dados por diferentes modos

    de representao. O ttulo, em primeiroplano, sobrepe-se a um desenho quepretende mostrar como a NossaCidade: um lugar calmo e pitoresco,onde os moradores tm uma vidatranqila. A tranqilidade da vida retratada, inclusive, no formato das letrasdo ttulo, que ainda representainformalidade, ou, em outras palavras,familiaridade entre os moradores.

    Por ser um jornal produzido pelaPrefeitura, para divulgao das obrasdessa administrao, a cor vermelhacontrastando com a cor preta das palavrasque compem os textos e com o preto ebranco das fotografias tem uma nicafuno: a de indicar que um prefeito doPartido dos Trabalhadores governa acidade. At mesmo a cidade estilizada emsegundo plano no ttulo do jornal delineada em cor vermelha.

    Observando as fotografias dessa pgina, oleitor informado de que a Prefeiturapreocupa-se com educao, crianassaudveis e natureza. Embora estejamacompanhadas de pequenos textosescritos, essas fotografias, por si,comunicam a mensagem intencionadapelos editores do jornal: a escola nova, etraz uma nova proposta de ensino; ascrianas tm sade e esto felizes; e apraa ampla e bem cuidada. Quandomuito, as demandas de leitura do cdigoescrito que recaem sobre o leitor dessasimagens podem limitar-se a ser capaz deler rtulos, digamos, para oconhecimento mnimo dos assuntosabordados atravs delas. Em outraspalavras, a leitura das fotografias, somada de algumas palavras-chave, comoescola, praa e infncia sadia, informa aousurio sobre o contedo das principais

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    notcias, a serem tratadas nas pginasinternas.

    Dois textos, que no chegam a ocupar umtero da pgina toda, complementam asinformaes j obtidas pelo leitor, atravsda leitura das fotografias.

    Concluindo essa breve anlise, o grupo deleitores de Nossa Cidade pode incluirdesde indivduos altamente familiarizadoscom o cdigo escrito, at aqueles quelem precariamente algumas palavras, oumesmo os que no lem o cdigo. Narealidade, acredito que esse jornal tenhasido produzido para audincias poucofamiliarizadas com o cdigo escrito, umavez que o lema da administraoresponsvel pela publicao do jornal eraGoverno Popular, ou seja, voltado paraas camadas populacionais nas quais onvel de escolarizao baixo. Emboraessas pessoas no pudessem ler o cdigoescrito, poderiam perfeitamente obterinformaes atravs da leituraproporcionada pela utilizao de outrasformas de representao na composiodos artigos.

    FOLHETO A SEMANA

    O folheto A Semana circulasemanalmente na Prefeitura, encontrando-se disponvel nos balces espalhadospelos corredores, para ser coletado tantopor trabalhadores como por pessoas dapopulao que transitam pelo recinto. ASemana um folheto do tamanho de umafolha A4 cortada verticalmente ao meio,sendo impressa na frente e no verso dopapel (vide Fig. 4).

    (a) frente (b) verso

    Figura 4: Folheto A Semana.

    Uma combinao entre o cdigo escrito,desenhos, representaes numricas erecursos de diagramao da pginacompem esse folheto, que contm umaestrutura padro para todas as edies. Aobservao atenta dessas duas pginasleva-nos a perceber que o recurso dediagramao est intrinsecamente ligado proposta de contedo do folheto, dadapelo ttulo A Semana. Pequenasnotcias, como dias da semana, seguem-seao longo das pginas. Informaesnumricas e uma seo denominadaAgenda remetem o leitor noo dequantidade dos dias e das horas quecompem uma semana. A noo quetemos ao olharmos esse folheto de queestamos diante da programao de umasemana. Para o leitor no muito habituado leitura da palavra, a diagramao daspginas e os recursos ilustrativos,somados os ttulo A Semana, em sicomunicam significamente sobre ocontedo portado pos esse informativo.

    O recurso de variao de cores e deformatos de letras e nmeros (negrito,

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    itlico, tipos de letras e tamanhos) fazcom que os olhos do leitor percorramrapidamente o folheto, como que paraobterem rapidamente a informaooferecida. Por outro lado, tais recursoscumprem a tarefa, tambm, de deixar oimpresso mais atraente.

    A caracterstica de propiciar uma leiturarpida do folheto refora-se quando douso dos recursos da escrita. A estruturasinttica das sentenas nos textos contidosno folheto segue o modelo direto deSUJEITO-VERBO-COMPLEMENTO.Tal aspecto leva a uma fcil compreensoda parte escrita, e a uma leitura maisrpida. Observe os exemplos que seseguem, retirados do primeiro artigo dapgina de frente do folheto em anlise:

    Os artesos de Cosmpolis tero mais uma oportinidade paraexpor seus trabalhos.

    SUJ. V.COMPLEMENTO

    A Diviso de Cultura est organizando uma feira deartesanato, SUJ. VERBO COMPLEM.

    que vai funcionar a partir do prximo semestre. S. VERBO COMPLEM.

    Ainda no que diz respeito ao modo derepresentao da escrita, nota-se que alinguagem privilegiada na produo dofolheto aproxima-se do registro oral. Ofuturo feito atravs do composto vaifuncionar um exemplo a citar.Acreditamos que, atravs desse recurso,os produtores desse impresso aproximam-se com maior sucesso dos leitoresalmejados. Sendo um material decirculao ampla no municpio, osrecursos de linguagem devem ser tais queatinjam a mais variada massa de leitores

    possvel. Para tanto, faz-se necessrio quesua composio, como um todo, facilitesua leitura, e atraia os mais diferentesleitores dentro da comunidade.

    CONCLUSOAs demandas para utilizao bemsucedida dos impressos analisados nesteartigo no se encerram nas habilidades deleitura do cdigo escrito; muito pelocontrrio. Como vimos, o reconhecimentovisual de alguns deles (do tquete, porexemplo) leva sua utilizao, comsucesso, sem a necessidade primeira de seconhecer o cdigo escrito. Em outraspalavras, as demandas que o leitorencontra para lidar com esses materiaisimpressos incluem prticas mnimas deleitura e menores ainda de escrita. Dessesimpressos, apenas o formulrioapresentado na Figura 1 requer o uso daescrita, para preenchimento de algumaslacunas. Nos demais, nenhuma demandade escrita apresentada, ou seja, o leitordesses impressos no levado a escreverseja no material (preencher um cupom,por exemplo), seja para o material(contribuir com artigos, por exemplo).Esses leitores so, assim, consumidoresde informao, uma vez que no estoenvolvidos na produo da informaoveiculada nesses impressos.

    Se compararmos empiricamente aquantidade de pessoas envolvidas naproduo de impressos com aquela daspessoas que lem os impressos, noprecisaremos de muitas estatsticas paraperceber que a faixa daqueles que lem significativamente maior do que a dos queproduzem o material para leitura. E nopoderia ser diferente. O que nos competefazer, enquanto pessoas preocupadas como conceito de leitura, alertar para o fato

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    de que, cada vez mais, pelas facilidadestecnolgicas que temos, nossasmensagens tm sido compostas com autilizao de um conjunto de modos derepresentao. A escrita no pode maisfigurar como a nica portadora dasinformaes de um texto. Isso deve serconsiderado quando do ensino da leiturana escola.

    Quanto ao conceito de leitura, devemospensar em noes mais abrangentes, nasquais a capacidade de processarinformao transmitida por umacombinao de formas de representaoseja considerada. Os pressupostostericos sobre leitura vigentes na escolaatual no permitem que se prepare oeducando para as demandas decomunicao da sociedade moderna. Aruptura fase do desenho X fase daescrita, normalmente instaurada aindanos quatro primeiros anos deescolarizao, deve deixar de existir. Osdemais modos de representao queparticipam da composio da mensagemdevem deixar de figurar como osdemais, uma vez que so igualmenteportadores de significado. Da mesmaforma, as imagens que compem umtexto devem deixar de ser merasilustraes; e os recursos de diagramaoda pgina e formatao de letras devemdeixar de contar apenas como aquilo quedeixa o texto mais bonitinho.

    O papel da escola, enquanto formadora deleitores, deve ser o de apresentar o cdigoescrito como mais uma forma derepresentao do mundo. Emboraaltamente valorizada em sociedadesletradas, a escrita figura, cada vez mais,como parte apenas do contedo de umamensagem. As demandas sociais impostasao homem moderno esto relacionadas asaber buscar e processar informaes;

    saber adquirir e transferirconhecimentos. Essas informaes e essesconhecimentos so adquiridos,principalmente, atravs da leitura. Essehomem moderno precisa aprender a ler,portanto, de maneira ampla, para saberprocessar, completamente, as informaescom as quais tem contato em seu dia-a-dia. Um conceito de leitura quecontemple a multimodalidade das formasde representao certamente estar maisprximo do significado de leitura domundo, defendido por Paulo Freire.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    DESCARDECI, M.A.A.S. Resources ofcommunication: a study of literacydemands in a Brazilian workplace. 1997.251f. Tese (Doutorado) - Institute ofEducation, University of London,London.

    FREIRE, P. ; MACEDO, D. Literacy:reading the word and the world. London:Routledge & Kegan Paul, 1987.

    KRESS, G. Before writing: rethinkingthe paths to literacy. London: Routledge,1997.

    KRESS, G. ; VAN LEEUWEN, T.Reading Images: the grammar of visualdesign. London: Routledge, 1996.

    MARIA ALICE ANDRADE DE SOUZA DESCARDECIProfa. Dra. Adjunto 1 - Universidade

    Tuiuti do Paran - Faculdade de Cincias Humanas,Letras e Artes Programa de Ps-Graduao em

    Educao - Mestrado em Educaoe-mail: [email protected] /

    [email protected]:(41) 267-5026

    A MULTIMODALIDADE DAS FORMAS DE REPRESENTAO: AMPLIANDO O CONCEITO DE LEITURAFORMULRIOS E TQUETESJORNAIS E FOLHETOS

    A Diviso de Cultura est organizando uma feira de artesanato,CONCLUSO