introdução à multimodalidade

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INTRODUÇÃO À MULTIMODALIDADE

Contribuições da Gramática Sistêmico-Funcional

Análise de Discurso Crítica

Semiótica Social

CONSELHO EDITORIAL

André Lúcio Bento (UnB)

Angela B. Kleiman (Unicamp)

Célia Magalhães (UFMG)

Claudia Gomes Paiva (Cefor - Câmara dos Deputados)

Dina Maria Martins Ferreira (UECE)

Edna Cristina Muniz da Silva (UnB)

Josenia Antunes Vieira (UnB)

Maria Carminda Bernardes Silvestre (ESTG-IP Leiria-Portugal)

Maria José Coracini (Unicamp)

Milton Chamarelli Filho (UFAC)

Pedro Henrique Lima Praxedes Filho (UECE)

Regina Celan (PUC/SP)

Regina Célia Pagliuchi da Silveira (PUC/SP)

Josenia Vieira e Carminda Silvestre

INTRODUÇÃO À MULTIMODALIDADE

Contribuições da Gramática Sistêmico-Funcional

Análise de Discurso Crítica

Semiótica Social

2015

Copyright © Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Revisão

Carmen Lucia Prata da Costa

Denise Silva Macedo

Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica

Elizabete Nepomuceno Raiol Lopes

Design da capa

Newton Scheufler

Imagem da capa

Paul Klee Revisitado (arte digital de Newton Scheufler)

Apoio

Centro de Pesquisas em Análise de Discurso Crítica

da Universidade de Brasília – CEPADIC

Catalogação na Publicação (CIP)

_____________________________________________________

V657i Vieira, Josenia. Introdução à Multimodalidade: Contribuições da Gramática Sistêmico-Funcional, Análise de Discurso Crítica, Semiótica Social/ Josenia Vieira e Carminda Silvestre. – Brasília, DF: J. Antunes Vieira, 2015. 170 p. ; 21 cm

ISBN: 978-85-9093183-6 1. Linguística. 2. Análise de Discurso. I. Vieira, Josenia. II. Silvestre, Carminda. III. Título.

CDD 410

_____________________________________________________

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7

1ª PARTE – GLOBALIZAÇÃO, TECNOLOGIAS E

LINGUAGENS (Josenia Vieira)

1. Globalização e tecnologias: uma perspectiva multimodal da

linguagem 15

1.1 A questão da representação do significado 16

1.2 Discurso e globalização 22

1.3 A construção híbrida do discurso 30

Conclusões 38

2ª PARTE – MULTIMODALIDADE E EVENTOS DE

LETRAMENTO (Josenia Vieira)

2. A multimodalidade nos eventos de letramento 43

2.1 A análise multimodal em ação 45

2.2 Escala de detalhes 48

2.3 A ação dos elementos tipográficos na construção do

sentido 50

2.4 O Valor multimodal da impressão 56

2.5 O Discurso das cores e a questão cultural 58

2.6 A representação multimodal dos atores sociais 62

2.7 A sintaxe visual: dando forma à composição 66

Conclusões 71

3ª PARTE – DISCURSO E METÁFORAS VISUAIS

(Josenia Vieira)

3. O papel das metáforas visuais no discurso 75

3.1 A imagem da palavra 78

3.2 A construção de metáforas visuais no discurso 79

3.3 Metáforas visuais: os novos agentes multimodais 81

3.4 Multimodalidade ─ como trabalhar essas semioses?

E para que fim? 84

4ª PARTE – MULTIMODALIDADE E LITERACIA

(Carminda Silvestre)

4. Literacia multimodal 95

5ª PARTE – MULTIMODALIDADE: CONTRIBUTO PARA

UMA LITERACIA MULTIMODAL

(Carminda Silvestre)

5. Contributos para uma literacia multimodal 113

5.1 A localização das entidades no espaço 116

5.2 O mapeamento das emoções nos sistemas semióticos

verbal e visual 124

5.3 Linguagem verbal e visual: relações de complementaridade dos

sistemas semióticos 131

6ª PARTE – GÉNERO E MULTIMODALIDADE

(Carminda Silvestre)

6. O género como elemento multimodal da actividade

humana 141

6.1 Narrativa visual: o interplay entre modo e estruturas

esquemáticas 143

6.2 O Interplay entre modo e estruturas esquemáticas: o caso

do filme de animação “O dia em que o Sr. Raposo...” 145

Conclusões 160

REFERÊNCIAS 163

SOBRE AS AUTORAS 170

APRESENTAÇÃO

Sabemos hoje que a centralidade da linguagem reside

fundamentalmente no fato de que o conhecimento passa pelo uso

da linguagem. Reside também no pressuposto de que o conteúdo

do conhecimento não pode ser dissociado da linguagem por

meio da qual este é veiculado, bem como da forma como é

construído. Assim, forma e função não podem ser separadas. O

que pretendemos realçar é que a significação não reside apenas

no âmbito do linguístico, mas também na maneira como a

usamos em contexto. Com o advento da sociedade visual da qual

fazemos parte, esse conhecimento é construído não só pela

linguagem verbal (oral ou escrita), mas também pelas linguagens

nos seus diferentes modos.

Ao longo da história social, cultural e política têm sido

produzidos recursos semióticos por meio dos quais atribuímos

sentido às realidades interior e circundante, interagimos e

criamos os nossos textos. As necessidades sociais, culturais e

políticas têm levado o homem a procurar novas formas e

tecnologias de comunicação, bem como novas teorias de

linguagem.

No campo das teorias de linguagem, o entendimento da

linguagem distancia-se do preconizado no início do século XX.

Esse entendimento se inscreve em quadro teórico sustentado por

uma visão funcional da linguagem que considera que o sistema

linguístico é modelado pelas funções a que serve. A linguagem

verbal (no seu modo oral ou escrito), em particular, é um sistema

de significação que interage com outros sistemas de significação

8 Introdução à Multimodalidade

como, por exemplo, a linguagem corporal, o espaço (como

sistema de significação) e a linguagem visual. Nessa relação, a

linguagem verbal constrói significados em contextos de situação

e de cultura específicos. Em suma: multimodalidade é a

designação para definir a combinação desses diferentes modos

semióticos na construção do artefato ou evento comunicativo.

Neste livro, a Gramática Sistêmico-Funcional, a

Semiótica Social e a Análise de Discurso Crítica,

enquadramentos teóricos aqui usados para o estudo da

Multimodalidade, partilham entre si uma perspectiva de

linguagem como constructo social, em que linguagem e

sociedade se modelam de formas bidirecionais, ou seja, a

linguagem modela a sociedade e é modelada por esta.

A Análise de Discurso Crítica, como abordagem

linguística, transporta para o domínio social e político questões

de desigualdade, identificando estruturas de dominação e

promovendo o questionamento da materialização do poder e

como esse é exercido, mantido e reproduzido discursivamente

nas organizações sociais. Por outro ângulo, a Semiótica Social

muda o enfoque linguístico para o recurso semiótico para

descrever, interpretar e explicar como as pessoas produzem

artefactos ou eventos comunicativos e como os interpretam em

contextos de situações e/ou práticas específicas. Em vez de

analisar os diferentes modos semióticos per se, devido às

características intrínsecas de cada um dos sistemas, devido às

suas sistematicidades ou regras, essa abordagem integra os

modos pesquisando os recursos semióticos dos diferentes

sistemas organizados e instanciados em textos multimodais. O

espectro teórico das abordagens acima enunciadas é amplo,

devido a influências várias de autores canônicos de áreas

diversas. No entanto, há um autor que é um marco fundamental

9 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

para as duas abordagens ─ Halliday ─ pela perspectiva semiótica

social que introduziu no entendimento de linguagem (1978). A

Gramática Sistêmico-Funcional (1994) é partilhada pelas duas

abordagens mercê do enquadramento teórico que esta possibilita

no estudo da linguagem (que excede o estudo da linguagem

verbal) e, fundamentalmente, da sua relação com outros recursos

semióticos que são simultaneamente usados na construção de

significados.

Cabe registro ainda que a ideia do presente volume

surgiu de um pós-doutoramento realizado entre 2008 e 2009, na

Escola Superior de Tecnologia e Gestão, do Instituto Politécnico

de Leiria, em Portugal, pela Doutora Josenia Vieira, da

Universidade de Brasília (UnB), pós-doutoramento

acompanhado pela Doutora Carminda Silvestre, da instituição

portuguesa. Do trabalho realizado pelas autoras, foi selecionada

a parte cujo fio condutor possibilitasse uma unidade para o

estudo da multimodalidade, objeto de estudo pouco

desenvolvido em Língua Portuguesa e com publicação exígua

nesse idioma. Dessa constatação e do trabalho conjunto resultou

a obra, escrita em Português do Brasil (PB) e em Português

Europeu (PE), coexistência propositada de forma a ficar

marcado o respeito pelas duas variedades de língua, suprimindo,

desse modo, qualquer possibilidade de colonização linguística de

uma das variedades.

Quer por essa razão, quer pelos seus títulos, quer ainda

pelos seus conteúdos, as seis partes do livro podem parecer uma

colectânea de ensaios sobre tópicos vagamente relacionados

entre si. No entanto, a estrutura do livro é bastante intricada, com

duas vias de investigação, uma que começa no primeiro capítulo

com enfoque na pesquisa da multimodalidade na publicidade e a

outra que começa no capítulo quatro com a pesquisa em literacia

10 Introdução à Multimodalidade

(letramento) multimodal aplicada às artes em geral, aqui

apresentada por meio da literatura infanto-juvenil e do filme de

animação.

A parte 1 começa por focar questões teóricas sobre

multimodalidade ─ globalização e tecnologias: uma perspectiva

multimodal da linguagem ─, resultante das mudanças sociais,

políticas e econômicas, e evidencia como essas transformações

afetam a linguagem. A parte 2 ─ a multimodalidade nos eventos

de letramento ─ insere estudos multimodais voltados aos eventos

de letramento e apresenta possibilidades para proceder à análise

multimodal. A parte 3 ─ o papel das metáforas visuais no

discurso ─ explora a metáfora visual aplicada a textos artísticos

e publicitários, mostrando as potencialidades desse recurso

discursivo na construção e na manutenção das ideologias. Na

parte 4 ─ literacia multimodal ─ é equacionado o conceito de

literacia na perspectiva tradicional, trazendo para a discussão

vários conceitos que estão reconfigurados à luz da realidade

presente. A parte 5 ─ contributos para uma literacia multimodal

─ articula a teoria e a prática pela apresentação de excertos com

análise de sintaxe visual, análise semântica de metáforas

conceptuais e de relações de complementaridade dos modos

semióticos verbal e visual. Na parte 6 ─ o gênero como

elemento multimodal da atividade humana ─, exploramos o

gênero textual como outra categoria analítica relacionada com o

modo. A análise é feita com base em uma narrativa visual

mediada por um filme de animação. Desenvolvemos a análise de

forma a mostrar que o gênero nunca é formalmente independente

das tecnologias ou dos processos de mediação, e dos modos que

constituem o gênero.

As partes constituem o todo, que traz à evidência o

objetivo geral do livro: a necessidade do estudo da

11 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

multimodalidade e da literacia multimodal pelas diferentes áreas

(da educação às artes, dos contextos acadêmicos às profissões) e

do seu uso como ferramenta fundamental para a criação e para a

interpretação dos textos multimodais da contemporaneidade.

Não menos interessante, vale ressaltar o outro objetivo, o

contributo para a maior consciência do papel central que o

discurso desempenha nas transformações políticas, econômicas e

culturais da sociedade e as implicações que essas acarretam no

quotidiano das diferentes áreas da vida em sociedade.

As autoras

GLOBALIZAÇÃO,

TECNOLOGIAS E LINGUAGENS

1ª PARTE

15 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

1. GLOBALIZAÇÃO E TECNOLOGIAS: UMA

PERSPECTIVA MULTIMODAL DA LINGUAGEM

Josenia Vieira

Esta parte, sob o título “Globalização e tecnologias: uma

perspectiva multimodal da linguagem”, tem como principal

intuito discutir a linguagem no universo da globalização sob a

influência das novas tecnologias, cuja interferência é diretamente

visível na reorganização das práticas sociais e dos gêneros

discursivos. Tal fato enseja relevantes mudanças, assinaladas

pelo surgimento de textos multimodais, marcados pela presença

de múltiplas semioses em sua composição.

A mudança da linguagem frente às tecnologias e à

globalização é tratada como reconfiguração em Vieira (2004, p.

7) e em Ormundo (2007, p. 116) e como multissemióticos em

Vieira (2007, p. 3). Mas foi Poster (1995, 1996, 2000) quem

inicialmente percebeu características no discurso capazes de

provocar a reconfiguração da linguagem. Para isso, centrou sua

discussão no modo de organizar a informação. Poster (2000)

defende que os sistemas de comunicação eletrônica sejam

tratados como linguagens que determinam a vida social de todos

os indivíduos nos eventos sociais, econômicos, políticos e

culturais. A sua tese geral concentra-se na forma como a

informação circula e a ela atribui a responsabilidade pela

reconfiguração da linguagem.

Atualmente, os sistemas de comunicação eletrônica são

considerados linguagens determinantes na vida dos sujeitos e dos

16 Introdução à Multimodalidade

grupos sociais e, segundo Poster, os meios e as formas de

comunicação determinam as relações de poder e de dominação

nas sociedades contemporâneas. Daí a tese de Poster (1996)

recair sobre o modo de informação como sendo o principal

responsável pelas mudanças e pela reconfiguração da linguagem,

fato que estabelece estreita ligação entre linguagem e

globalização, ambas sujeitas a profundas alterações motivadas

pelas tecnologias da comunicação. Em face disso, o propósito

deste capítulo é examinar como a globalização, juntamente com

o advento da sociedade da informação e da sociedade em rede,

usuárias de ferramentas tecnológicas, reconfiguram a linguagem,

agregando-lhe múltiplas formas multimodais para a

representação do significado no discurso.

1.1 A QUESTÃO DA REPRESENTAÇÃO DO

SIGNIFICADO

A discussão da representação do significado ancora-se

em alguns princípios teóricos da Análise de Discurso Crítica

(ADC) (FAIRCLOUGH, 1989, 1992, 2003a, 2006;

CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999) e pela Teoria

Multimodal do Discurso, (TMD) (KRESS e VAN LEEUWEN,

2001, 2006 [1996]) e (VAN LEEUWEN, 2005). Para a

abordagem do tema “Globalização e tecnologias: uma

perspectiva multimodal da linguagem”, colocamos em destaque

a questão da representação no discurso. Chouliaraki e Fairclough

(1999, p. 42) atribuem a mudança de significado à interação

midiática, motivada pela natureza textualmente mediada da vida

social contemporânea. Nessa perspectiva, esses linguistas

consideram o discurso escrito como um discurso mediado

porque, segundo eles, contribui para aumentar o distanciamento

espaço-temporal entre os agentes do discurso. Acresce dizer

17 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

ainda que um evento discursivo que migra de um domínio social

para outro carrega o caráter simbólico da primeira representação

e, ao ser reutilizado em outro contexto social, em outro espaço,

terá a seu dispor um leque de possibilidades para a nova

simbolização agora midiatizada.

Por essa razão, o evento discursivo escrito já não

representa exatamente o fato real, pois já se tornou uma

representação de outro discurso anteriormente representado,

tornando-se assim uma segunda ordem de representação mais

complexa do que a primeira. Então, cada vez que certo evento

discursivo é mediado por diferentes tecnologias é, do mesmo

modo, objeto de nova representação, ao que denominamos

reconfiguração ou recontextualização do discurso, fato que

agrega cada vez mais complexidade a essas representações. Caso

semelhante repete-se com o discurso multimodal, pois

acreditamos que as múltiplas semioses desempenham relevante

papel na construção dessas camadas de reconfiguração da

linguagem, tendo em vista que as representações realizadas por

meio das imagens e das cores, por exemplo, aproximam mais o

discurso representado da realidade.

Particularmente Fairclough (2003a), para explicar como é

construída a representação do significado, emprega a palavra

mediação com o propósito de marcar o movimento do

significado de uma prática social a outra, assim como de um

evento a outro ou de um texto a outro, o que forma um processo

discursivo complexo. Esses processos, por sua vez, ocorrem em

redes de textos, sujeitas a transformações em seus contextos

sociais e culturais, podendo também se tornarem agentes de

mudanças nas diferentes redes ou domínios sociais da

linguagem.

18 Introdução à Multimodalidade

Já a respeito da representação multimodal do significado

no discurso, Kress e van Leeuwen (2006 [1996], p. 2) afirmam

que a representação sígnica é sempre múltipla, negando-lhe, por

esse princípio, a existência fixa e unívoca do signo. Acreditam

que os significados são construídos por agentes do discurso de

modo intencional e não arbitrário e por meio de multissignos,

que enfeixam uma gama variada de semioses. Desse modo, a

defesa da Linguística tradicional (que primeiramente se

identificou com Saussure no século passado, defensor de uma

Linguística como parte da Semiologia (a ciência geral dos

signos) seria impossível segundo a proposta de Kress e van

Leeuwen, pois esses teóricos se alinham com os princípios da

Sistêmica Funcional de Halliday, marco inspirador da Teoria

Multimodal. Vejamos no original o que Kress e van Leeuwen

(2006 [1996]) declaram a respeito da Gramática Sistêmico-

Funcional, desenvolvida por Michael Halliday. Assim dizem:

É o caso em que nosso ponto de partida tem sido a

gramática sistêmico-funcional do Inglês,

desenvolvida por Michael Halliday, embora

atentássemos para o uso dos aspectos semióticos gerais em vez de suas especificidades linguísticas

como a base para a nossa gramática. Como

Ferdinand de Saussure havia feito no início do

século passado, vemos a linguística como parte da semiótica, mas não vemos a linguística como a

disciplina que pode fornecer um modelo pré-

fabricado para a descrição dos modos semióticos além da linguagem. (KRESS e VAN LEEUWEN,

2006 [1996], p. 1)1 (tradução nossa).

1 It is the case that our starting point has been the systemic functional

grammar of English developed by Michael Halliday, though we had and

have attempted to use its general semiotic aspects rather than its specific

19 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Logo, com as revolucionárias transformações nos

gêneros discursivos, provocadas pelas tecnologias e pela

multimodalidade, as práticas discursivas multiplicaram-se e

passaram a cooperar também para a feição reconfigurada desse

novo discurso, que se apoiou em muitos aspectos na Sistêmica

Funcional. Nesse sentido, vale ainda mencionar a incorporação

aos estudos do discurso do conceito de gramática, capturado da

Teoria Sistêmico-Funcional em substituição aos conceitos

tradicionais. A esse respeito, assim se posiciona Halliday:

A gramática vai além de regras de correção. É um

meio de representar padrões de experiência... Possibilita aos seres humanos construírem uma

imagem mental da realidade para dar sentido a sua

experiência sobre o que está acontecendo ao seu

redor e dentro deles (HALLIDAY, 1985, p. 101) 2

(tradução nossa).

Concordamos plenamente com Halliday, quando defende

a gramática de uma língua como sendo mais do que regras de

correção, devendo ser o meio de representar os padrões culturais

de experiência, possibilitando ao sujeito do discurso retratar a

realidade e, sobretudo, atribuir sentido às experiências que

ocorrem ao seu derredor e também em seu interior.

linguistically focused features as the grounding for our grammar. As

Ferdinand de Saussure had done at the beginning of the last century, we

see linguistics as a part of semiotics; but we do not see linguistic as the

discipline that can furnish a ready-made model for the description of

semiotic modes other than language (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006

[1996], p. 1). 2 Grammar goes beyond formal rules of correctness. It is a means of

representing patterns of experience… It enables human beings to build a

mental picture of reality to make sense of their experience of what goes on

around them and inside them (HALLIDAY, 1985 p. 101).

20 Introdução à Multimodalidade

De posse dessa posição teórica, agregamos ainda a

proposta de Kress e van Leeuwen, a Teoria Multimodal do

Discurso, cujo principal alicerce se fundamenta na gramática do

design visual, apresentada na obra Reading images (KRESS e

VAN LEEUWEN, 2006 [1996]). Desse modo, acreditamos que

a Teoria Multimodal do Discurso é capaz de incorporar e de dar

conta das mudanças na linguagem, provocadas pela globalização

e pelas novas tecnologias, permitindo-nos tratar do discurso por

essa perspectiva, conforme as palavras de seus mentores:

O mesmo ocorre com a gramática do design visual.

Como as estruturas linguísticas, as estruturas visuais apontam para interpretações particulares das formas de

experiência de interação social. Até certo ponto, estas

também podem ser expressas linguisticamente. Os

significados pertencem à cultura, em vez de

pertencerem a modos semióticos específicos. (KRESS

e VAN LEEUWEN, 2006 [1996], p.2)3 (tradução

nossa).

Entendemos que os discursos nas diferentes línguas são

constituídos em culturas particulares. Logo, só uma abrangente

imersão cultural permitirá a leitura significativa desses discursos.

Assim, quando Kress e van Leeuwen dizem que os significados

pertencem à cultura e não a um modo semiótico específico,

concordamos plenamente, pois, se no discurso verbal já acontece

isso, quanto mais quando tratamos de significados construídos

visualmente. Desse modo, só será possível realizar uma leitura

produtiva em diferentes modos semióticos se conseguirmos,

3 The same is true for the grammar of visual design. Like linguistic

structures, visual structures point to particular interpretations of experience

forms of social interaction. To some degree these can also be expressed

linguistically. Meanings belong to culture, rather than to especific semiotic

modes (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 [1996], p. 2).

21 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

efetivamente, realizar uma leitura multimodal completa por meio

de uma abordagem que contemple tanto a cultura local quanto a

global.

Desse ângulo, a Análise de Discurso Crítica, defendida

principalmente por Fairclough (1992, 2003a, 2006), para quem a

linguagem é resultado da prática social de um contexto

globalizado, e pela Teoria Multimodal do Discurso de Kress e

van Leeuwen (2006 [1996]) e de van Leeuwen (2005), que

acreditam ser o significado da linguagem representado por outras

semioses de cunho multimodal, recebemos as condições teóricas

e práticas para lidar adequadamente com os textos multimodais

da atualidade, fruto das mudanças provocadas pelas tecnologias

e pela globalização.

Para o exame do discurso em uma perspectiva semiótica,

discutida inicialmente em Fairclough (1992, 2003a, 2003b) e em

Chouliaraki e Fairclough (1999), encontramos a defesa de que o

discurso é o reflexo contínuo de práticas sociais e discursivas,

sujeito permanentemente às mudanças sociais, desempenhando o

papel de agente duplo de mudança, porque, ao mesmo tempo em

que é mudado pelo social, também age como agente modificador

desse mesmo social e, além disso, o discurso está

simultaneamente sujeito às influências das múltiplas semioses,

presentes nos demais discursos multimodais que nos circundam.

Portanto, ao examinarmos o discurso por meio dessa vertente

crítica, temos acesso aos princípios teóricos e às categorias que

nos permitem analisar o discurso representado nesses múltiplos

processos e também nas relações estabelecidas com outras redes

discursivas.

Desse modo, o conceito de prática discursiva introduzido

por Fairclough (1992, 1995, 1996, 2006) permite-nos vincular a

22 Introdução à Multimodalidade

análise diretamente às formas de produção, de distribuição e de

consumo de textos e, no caso da globalização e dos modernos

produtos tecnológicos, podemos ligá-los às novas práticas

discursivas, que culminam nos discursos multimodais (KRESS e

VAN LEEUWEN, 2001, 2006 [1996]), cujos aspectos devem

também, em última instância, ser considerados na Análise de

Discurso Crítica.

1.2 DISCURSO E GLOBALIZAÇÃO

Para dar conta de discutir “Discurso e globalização”,

temos de apreciar ainda a posição de Fairclough (2000, 2002,

2006) com relação a discurso e à globalização. Para ele, discurso

é um dos componentes da globalização, mais do que isso,

considera-o como parte dela, pois Fairclough considera a

globalização um processo discursivo extremamente objetivo para

tratar do mundo real, o qual é descrito nas ciências sociais por

meio de um discurso com retórica específica, altamente

representativo da globalização, que costuma ser amplamente

usado para legitimar as ações e as políticas dos poderes

hegemônicos e, para isso, emprega argumentos carregados de

ideologia que contribuem para marcar os limites do domínio e os

contornos do mapa do poder, sustentados por práticas

discursivas específicas, compartilhadas por membros das

comunidades discursivas.

Consideramos também que Fairclough (2006), ao trazer a

globalização para o centro da discussão, defende a ideia de que o

discurso representa a globalização porquanto contribui com

informações para a sua melhor compreensão. Chama-nos

atenção também para o fato de que o discurso pode, muitas

vezes, ser enganoso e mascarar a globalização, o que pode

confundir e criar errôneas impressões sobre ela. Ademais, a

23 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

retórica do discurso empregada pela globalização pode construir

uma visão que pode justificar e também legitimar ações

particulares tanto de agências sociais como de seus agentes.

Então, com o advento da globalização, cada vez mais se

fortalece uma inovadora prática discursiva ─ a

recontextualização do discurso ─, denominação atribuída por

Fairclough (2006) ao processo discursivo pelo qual textos

específicos incorporam outros textos ou agregam seletivamente

práticas sociais, discursos, gêneros e estilos que com eles se

relacionam por meio da (de)locação e da (re)locação. Com suas

pesquisas, Fairclough (2006) concluiu que as mudanças nas

práticas discursivas ocorrem principalmente por meio da

recontextualização, que se expressa por intermédio de um

hibridismo intertextual e interdiscursivo, presente em elementos

recontextualizados que estabelecem novas articulações

discursivas, às quais adjungem outros elementos de discursos já

existentes. Esses, por sua vez, transformam-se em novos modos

discursivos, agregados aos novos gêneros e estilos do discurso.

Após esse recorte sobre discurso e globalização,

retomamos novamente ao ponto de vista de Poster (1996), que

defende que a linguagem, para se reconfigurar em quaisquer

práticas discursivas, deve refletir as mudanças decorrentes dos

usos dos media na comunicação, os quais contribuem para

estabelecer, divulgar e reproduzir ideologias, capazes de

sustentar ou de manter desigualdades e injustiças sociais, além

de revelar as relações de poder presentes no discurso, aspecto

também defendido por Fairclough (1989).

Por esse motivo, enquanto Fairclough (2006) acredita que

a recontextualização ou a delocação do discurso constitui a

principal fonte de mudança da linguagem, Poster defende que a

24 Introdução à Multimodalidade

linguagem está sujeita à reconfiguração no momento que

determinado evento discursivo é mediado por outro meio, como

por exemplo, quando um discurso é proferido diante das câmeras

da TV e depois esse mesmo discurso é colocado na internet ou

publicado nos jornais do país, ou é caricaturado. A esses casos,

Poster denomina reconfiguração, mudança a que o discurso está

sujeito por trocar de mídia para ser distribuído (nessas situações,

entram em ação outros gêneros discursivos, incluindo-se a

participação da multimodalidade por meio de múltiplas

semioses) e Fairclough, por seu turno, trata esse mesmo processo

─ como delocação ou recontextualização do discurso.

Decerto qualquer mudança dos media para difundir certo

evento discursivo pode ser considerada um agente de

reconfiguração da linguagem, segundo a perspectiva de Poster

e, ao falarmos em globalização e em mudanças provocadas por

esse discurso, entramos em sintonia com o proposto por

Fairclough (2006), que nomeia esses mesmos processos como

delocação ou recontextualização. Além dessas duas posições,

vale mencionar o ponto de vista de Iedema (2003), que considera

esses mesmos fatores de mudança da linguagem como uma

ressemiotização do discurso, responsável, em última instância,

pelas combinações híbridas dos textos contemporâneos. Esse

conceito será examinado mais adiante na 5ª parte do presente

volume.

Logo, com as mudanças proporcionadas pela

globalização, pelas mídias impressas e pela publicidade,

juntamente com o advento das novas tecnologias para mediar a

produção do discurso on-line, abriram-se novas possibilidades,

como a variação e o tamanho dos tipos gráficos, os modernos

programas para desenho, sem falar dos potentes computadores

que revolucionaram a escrita não só nos meios eletrônicos, mas

25 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

também na adesão às novas semioses para a produção do

sentido. Todo esse sofisticado aparato tecnológico motivou a

construção de arrojados designs gráficos, e de fotocomposições

cada vez mais comuns nos e-books e nos fotolivros, que, com o

elevado número de usuários, tornaram-se cada vez mais

acessíveis às grandes massas.

Por tudo isso, as novas tecnologias, associadas aos

avanços da sociedade da informação, à sociedade em rede

(CASTELLS, 2003) provocam mudanças aceleradas na

recontextualização do discurso. E, embora muitos teóricos

tratem dessas duas sociedades como apenas uma, Cardoso

(2006) distingue a sociedade de informação da sociedade em

rede. Vejamos:

Sociedade de Informação e Sociedade em Rede são

designações para realidades diferentes e mesmo a sua

formulação trabalhada num contexto institucional e

político com objetivos claros de mobilização

estratégica das sociedades e cidadãos, procurando

valorizar uma dimensão comum a diversas esferas da

actividade social. Já a segunda tem por objectivo

distinguir um modelo de organização social a partir da

investigação e análise das nossas sociedades nas suas

dimensões económicas, políticas e culturais

(CARDOSO, 2006, p. 53).

Concordamos com Cardoso quando declara que essas

duas sociedades têm raízes diferentes, sendo a sociedade de

informação um produto institucional e a sociedade em rede

resultado de um modelo social de organização, mas para o

propósito para o qual estamos trazendo estes conceitos, cabe

reforçar que ambas as sociedades desempenham relevante papel

para a realização dos novos desenhos do discurso

contemporâneo.

26 Introdução à Multimodalidade

Em face disso, o desenvolvimento dessas duas sociedades

ensejou saudável discussão sobre o modo como a sociedade se

adequou às novas práticas de discurso, principalmente após o

advento da World Wide Web (www), pois o rápido avanço das

tecnologias passaram a oferecer aos sujeitos e às instituições

acesso imediato, em tempo real, a páginas on-line, aos softwares

e a toda sorte de dados, motivando transformações no modo de

viver das sociedades, cujas práticas e gêneros discursivos

tiveram de passar por profunda revisão para acompanhar os

novos tempos.

Portanto, com a globalização, a revolução tecnológica

acelerou-se, fazendo com que o mundo globalizado

reconfigurasse, recontextualizasse não só as relações sociais,

como também as práticas discursivas que, agora, têm de ser

capazes de estabelecer comunicação em diferentes mundos com

diferentes sujeitos, agora organizados em redes, e muitos com

uma espécie de second life (segunda vida) extremamente ativa

em mundos digitais. Todas essas mudanças estabeleceram novas

perspectivas discursivas que já estão em uso em diferentes

instâncias da linguagem.

Ademais, devemos mencionar as práticas discursivas

alimentadas pela internet, considerada uma ferramenta

contemporânea poderosa tanto para o trabalho, como para o lazer

e para o estímulo às relações sociais, embora haja muitos críticos

à internet que a consideram a responsável pelo enfraquecimento

dos laços afetivos nos relacionamentos humanos, uma vez que

sujeitos raramente constroem relações pessoais duradouras.

Conforme Castells (2003, p. 108), os sujeitos ligam-se e

desligam-se da rede, podendo mudar rapidamente de interesses,

além de poder esconder ou omitir sua verdadeira identidade,

todavia, mesmo com esse caráter efêmero da comunicação

27 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

digital, Castells (2003) defende o ciberespaço como um espaço

fortalecedor dos laços familiares a distância. Particularmente,

chamamos a atenção para o fortalecimento dos laços familiares,

que, graças às conversas virtuais, aos e-mails e às inúmeras

possibilidades de falar gratuitamente via computador, membros

de uma mesma família podem compartilhar alegrias e pesares de

seu dia a dia em todos os espaços globais.

Tem sido prática frequente famílias inteiras iniciarem-se

nas práticas digitais e reformularem as suas práticas discursivas

e, então, serem incluídas no mundo da informação e da

tecnologia. Às novas práticas discursivas, portanto, deve-se

imputar o fortalecimento das relações familiares, as quais

gradativamente tornam-se mais comuns graças ao uso diário de

ferramentas digitais, fazendo com que vasta gama de sujeitos

iletrados digitalmente, agora, possam usá-las. Sendo, em

consequência, grande fator de fortalecimento dos laços a

distância quer pela prática do uso de e-mails, quer pelo uso das

redes sociais, com “presença” marcante, apesar da separação

geográfica. Também Castells (2003), ao analisar um dos efeitos

da interatividade virtual, chama-nos a atenção para o surgimento

de novos suportes tecnológicos voltados à sociabilidade,

traduzido como comunidades virtuais, as quais Castells (2003)

define como redes de laços interpessoais que proporcionam

sociabilidade, apoio, informação, senso de integração e

identidade social.

Ao fim e ao cabo, todas essas vertiginosas mudanças,

favoreceram a estabilização dessa linguagem híbrida, construída

por combinação de palavras, de imagens, de cores, de sons e até

de movimentos, tudo isso sob a batuta de uma nova geração de

designers gráficos, cuja mobilidade e facilidade criadora para

lidar com essas múltiplas semioses multiplicaram cada vez mais

28 Introdução à Multimodalidade

o uso dessa linguagem multimodal, que tende a se tornar

dominante (KRESS eVAN LEEUWEN, 2006 [1996]).

Esses novos fazedores de signos, ou melhor, esses

agentes ativos da construção de significados, tornaram-se os

novos responsáveis pelo sentido e, como bem declaram Halliday

e Hasan (1989), um texto não é construído de palavras e de

sentenças, mas de significados, pois se não fosse pelo abundante

uso da escrita e da imagem, a fala estaria ainda restrita aos

contextos interacionais face a face. Semelhante hibridismo ao

que ocorre nas relações entre texto escrito e imagem

encontramos na linguagem do cinema e da televisão e,

consequentemente, podemos dizer que a linguagem hegemônica

deste século não reside apenas no uso da imagem, nem apenas da

palavra, mas na ocorrência de ambas, na sua hibridização,

combinadas ainda com outras semioses, gerando textos

multimodais, conforme passaremos a explicar mais adiante.

Para a análise dessas mudanças, diante da

impossibilidade de examinar toda a gama de tecnologias

envolvidas na produção dos novos discursos, optamos por

analisar um anúncio publicitário, cuja atenção se centrou

principalmente no exame da reconfiguração da linguagem

publicitária e midiática. Os resultados sinalizam para a

necessidade de avançarmos na investigação da linguagem

vinculada às inovadoras práticas sociais, à multimodalidade e

aos aspectos da globalização, pois, ao darmos ênfase à

linguagem verbal ao longo da tradição dos estudos linguísticos,

as pesquisas concentraram-se apenas em dois modos de

linguagem: a fala e a escrita. Então, essa visão reducionista para

a linguagem retrata somente a percepção linguística e leva-nos a

negar as múltiplas mudanças do discurso contemporâneo, que

29 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

tende a uma visão muito mais semiótica, que passa a incorporar

ao discurso outras semioses que não a fala e a escrita.

No intuito de explicitarmos mais o que estamos

defendendo, analisaremos uma peça publicitária na qual

aplicaremos os princípios dessa proposta, tendo em vista que a

ADC, ao lado da Teoria Multimodaldo Discurso, são os

principais enfoques teóricos utilizados para esta análise, pois

essas teorias oferecem categorias possíveis para analisar certos

aspectos relacionados aos processos de produção, de distribuição

e de consumo dos textos, resultantes da construção de uma rede

complexa de significados sociais, responsáveis pelo significado

dos discursos contemporâneos, organizados em cadeias de

gêneros, cuja descrição aprofundada está em Fairclough (2003a,

p. 31), que descreve como os diferentes gêneros se ligam com

certa regularidade, ao mesmo tempo que envolvem

transformações sistemáticas, formadoras de cadeias de gêneros

que contribuem para as ações que excedem quaisquer diferenças

provocadas pelo espaço e pelo tempo, pois assim ligam

diferentes eventos e práticas sociais, em diferentes espaços

geográficos e em diferentes tempos, sendo esse o traço essencial

para definir a globalização contemporânea.

De igual modo, Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 6,)

propõem uma visão dialética do processo social, em que o

discurso é um “momento”, entre discurso/linguagem; poder;

relações sociais; práticas materiais; instituições/rituais e

crenças/valores/desejos. Cada momento internaliza todos os

outros ─ para que assim o discurso seja uma forma de poder,

uma modalidade de formação de crenças/de valores/de desejos

de uma instituição, de um modo social de relacionamento, uma

prática material. Inversamente, o poder, as relações sociais, as

práticas materiais, as instituições, as crenças etc. são, em parte,

30 Introdução à Multimodalidade

discurso. A heterogeneidade dentro de cada momento ─

incluindo o discurso ─ reflete a sua determinação simultânea

(overdetermination) por parte de todos os outros momentos.

Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 6,) a esse respeito declaram:

Uma visão dialética do processo social em que o

discurso é um “momento” entre seis: o

discurso/linguagem, o poder, as relações sociais,

práticas materiais, instituições/rituais e crenças/

valores/desejos. Cada momento internaliza todos os outros ─ assim o discurso é uma forma de poder, um

modo de formação das crenças/valores/desejos, uma

instituição, um modo de relacionamento social, uma matéria prática. Por outro lado, o poder, as relações

sociais, as práticas materiais, instituições, crenças,

etc., são parte do discurso. A heterogeneidade dentro

de cada momento ─ incluindo o discurso ─ reflete sua determinação simultânea (“sobredeterminação”) por

todos os outros momentos. (CHOULIARAKI e

FAIRCLOUGH, 1999, p. 6)4 (tradução nossa).

1.3 A CONSTRUÇÃO HÍBRIDA DO DISCURSO

É comum o uso dessa linguagem híbrida no discurso

publicitário, sendo usadas frequentemente obras de artistas

famosos na construção de apelos publicitários. Neste estudo, em

que desejamos visualizar o papel da globalização e das

4 A dialectical view of the social process in which discourse is one

‘moment’among six: discourse/language; power; social relations; material

practices; institutions/rituals; and beliefs/values/desires. Each moment

internalises all of the others – so that discourse is a form of power, a mode

of formation of beliefs/values/desires, a institution, a mode of social

relating, a material practice. Conversely, power, social relations, material

practices, institutions, beliefs, etc. are in part discourse. The heterogeneity

within each moment ─ including discourse ─ reflects its simultaneous

determination (‘overdetermination’) by all of the other moments.

(CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p. 6).

31 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

tecnologias nas novas perspectivas multimodais para a

linguagem, o foco não é o estudo do anúncio publicitário em si,

mas as mudanças que ocorreram no âmbito da linguagem e do

discurso, motivadas pela globalização, pelas tecnologias e pela

multimodalidade. Então, é com este intuito que passamos a

examinar o uso da Mona Lisa de Da Vinci em uma propaganda

veiculada na internet. Queríamos inicialmente uma obra de arte

famosa utilizada em anúncios e, ao buscarmos no Google,

apareceram mais de vinte Mona Lisas, todas utilizadas na

composição de significados discursivos de textos publicitários

presentes em anúncios de dentifrícios, de xampus, até em

anúncios de joias e de outros luxuosos adereços. Ainda que

todos os exemplos fossem pertinentes para o propósito,

examinaremos aqui, a título de ilustração, apenas um caso: A

Mona Lisa americana.

Figura 1: Mona Lisa americana

Fonte: http://www.universohq.com/quadrinhos/images/b-mona.jpg

32 Introdução à Multimodalidade

Ao examinarmos as duas Mona Lisas: a do before e a do

after uma semana nos Estados Unidos, percebemos uma nova

sintaxe verbal, provocada pelo deslocamento da obra de arte de

seu espaço local, o museu do Louvre de Paris, ao ser colocada

lado a lado da Mona Lisa em versão americana, usada em espaço

global. Esse fato estabelece forte contraste entre as duas Mona

Lisas, pois a oposição entre os dois quadros acentua de modo

marcante as diferenças entre ambas. Mas, o que nos chama

atenção não é apenas o fato de a Mona Lisa italiana, hóspede do

Louvre, ter se americanizado, tornando-se loira, mais branca,

com avantajados silicones nos seios, mostrados com

naturalidade. Também percebemos o preenchimento de seus

lábios, o nariz mais afilado e o queixo modificado, produto de

cirurgias plásticas, entretanto o que mais nos chama a atenção se

liga aos ícones culturais e ideológicos, reveladores da cultura

americana. Logo, qualquer texto visual pode se transformar em

fenômeno semiótico complexo, com implicações ideológicas que

não podem ser ignoradas, considerando-se que há a construção

de várias camadas de sentido até a realização completa do

significado.

Identificamos nas imagens da Mona Lisa, na versão

before, o cultivo da beleza e da arte da cultura italiana,

representadas pela obra prima de Leonardo Da Vinci, usada para

acelerar a venda de certos produtos ou ideias. No caso, a

ideologia contemporânea, valoriza a beleza líquida, como diria

Bauman (2003), ou a extrema importância dada ao corpo, nas

palavras de Giddens (2000). A beleza líquida da mulher da

modernidade tardia só permanece igual aqui e agora, pois

amanhã pode estar diferente, o cabelo pode transformar-se em

platinado, com luzes, alongado, entrelaçado, raspado; a face com

novo contorno, com botox, implantes e pode até mesmo ter sido

33 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

submetida a plásticas reparadoras e transformadoras, anunciadas

agressivamente na mídia televisiva e impressa. A mulher de hoje

vive uma vida para consumo (BAUMAN, 2009).

Mas, o que mais nos chama a atenção é a maneira

caricata como a mulher americana foi representada aqui,

reveladora dos esteriótipos a que as diferentes culturas estão

sujeitas. Conforme Dyer (1995), o papel dos esteriótipos é hoje

comparável ao termo abuso, pois nunca é neutro. Para reforçar

seu pensamento, Dyer reporta, em seu livro The matter of images

(1995), ideias de Lippmann (1956, p. 96) das quais nos

apropriamos neste momento para dizer que um padrão de

estereótipo, além de não ser neutro, não é apenas uma forma de

substituição da realidade, nem apenas um atalho. É tudo isso e

algo mais. É a garantia da nossa autoestima, sendo a projeção

sobre o mundo do nosso próprio sentido do nosso próprio valor,

a nossa própria posição e os nossos próprios direitos. Considera

Lippmann ainda que os estereótipos são altamente cobrados

juntamente com os sentimentos que a eles estão ligados, pois

eles são a fortaleza de nossa tradição, e atrás de suas defesas,

podemos continuar seguros da posição que ocupamos.

Na verdade, no caso da Mona Lisa americana, o modo

como um grupo social, ou parte dele, é representado não revela

exatamente a realidade em si mesma, mas apenas outras formas

de representações entre tantas outras possibilidades. Dyer (1995,

p. 3) assim textualmente se posiciona sobre a representação:

Este território é difícil, eu aceito que um só apreende a

realidade através de representações da realidade,

através de textos, discursos, imagens, não há tal coisa

como o acesso sem mediações com a realidade. Mas

porque se pode ver a realidade apenas através de

representações, não se segue que não se vê a realidade

de todo ─ parcial seletiva, incompleta, de um ponto de

34 Introdução à Multimodalidade

vista ─ visão de algo que não é nenhuma visão do que

por qualquer motivo (DYER, 1995, p. 3) 5 (tradução

nossa)

Dyer enfatisa que a apreensão da realidade é realizada

somente por meio de outras representações da realidade, as quais

podem estar representadas por um texto, um discurso ou uma

imagem, tomando-se diferentes caminhos para capturar a

realidade, diferentes atalhos para construir a representação dessa

mesma realidade, mas essas outras representações não

conseguem nunca representá-la de maneira completa, total, mas

somente de um dado ponto de vista. Em face disso, nunca

realizamos uma representação que já não tenha sido

representada, daí porque os esteriótipos, além de frequentes, são

também denunciadores da ideologia, das crenças e também dos

preconceitos construídos por meio das representações, sempre

realizadas com base em outras representações, o que faz com

que a realidade seja falseada ideologicamente, como no caso dos

esteriótipos.

Chama-nos também a atenção a ideologia

contemporânea, veiculada na mídia escrita e falada por meio de

mega-anúncios de cirurgias plásticas e de outras modalidades de

serviços estéticos com valores módicos a serem pagos em até 48

meses. Efetivamente, o fato, ideologicamente, nos revela que

não estamos passando apenas pela comodificação da linguagem,

no sentido dado por Fairclough (1991) ou pela reconfiguração da

5 his is difficult territory, I accept that one apprehends reality only through

representations of reality, through texts, discourse, images; there is no

such thing as unmediated access to reality. But because one can see reality

only through representations, it does not follow that one does not see

reality at all. Partial ─ selective, incomplete, from a point of view ─ vision

of something is not no vision of it whatsoever (DYER, 1995, p. 3).

35 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

linguagem, como defendem Vieira (2004) e Ormundo (2007),

mas também pela comodificação da beleza, sendo a estética

apenas mais um produto de venda às gerações contemporâneas

tanto femininas quanto masculinas.

De semelhante modo, o culto à nova estética é um dos

marcos culturais e ideológicos de nossos tempos líquidos, como

bem caracteriza Bauman em sua extensa obra. O mundo está

cada vez menos sólido em seus valores, os quais se tornam mais

líquidos a cada instante. Assim, a linguagem reconfigurada pela

sociedade líquida, com valores voláteis e igualmente líquidos,

constituem as grandes metáforas de nosso tempo. Bauman

(2003, p. 69) sobre a fragilidade e a liquidez dos compromissos

nos relacionamentos humanos assim declara:

A líquida racionalidade moderna recomenda mantos

leve e condena as caixas de aço. Nos compromissos

duradouros, a líquida razão moderna vê opressão; na

união permanente percebe uma dependência

incapacitante. Esta razão nega direitos aos vínculos e

liames, espaciais ou temporais… (BAUMAN, 2003, p.

69)

Afora a questão ideológica visível na análise da Mona

Lisa americana, é relevante, para o nosso estudo das

transformações da linguagem, focalizar a composição textual

híbrida formada pelas duas imagens contrapostas para que

possamos então realizar uma leitura mais profunda deste texto

multimodal, reconfigurado. Desse modo, temos necessidade de

conhecer a Teoria da Multimodalidade, para que a construção de

significados dos anúncios atinja os seus objetivos: vender o

produto. Com esse intuito, a obra Reading images: the grammar

of visual design, de Kress e van Leeuwen (1996), com segunda

edição revisada em 2006, estabelece uma gramática visual, que

36 Introdução à Multimodalidade

oferece categorias para a análise e a leitura de imagens. Essa

obra permite que aprofundemos muito mais a leitura de textos

multimodais, compostos com imagens e outros elementos

multimodais.

Desse modo, algumas categorias, como a informação

nova, colocada à direita, e a velha, à esquerda; saliente e não

saliente; acima e abaixo, estabelecem valores significativos no

ato de leitura de imagens em uma perspectiva multimodal.

Voltando ao anúncio da figura, a categoria trazida como nova

aqui está diluída, pois como ambas estão justapostas, temos de

nos guiar exatamente pela imagem que está colocada à direita,

lugar da informação nova, lugar aqui ocupado pela Mona Lisa

americana, que é trazida como o elemento novo. Este é o

produto que o anúncio deseja vender: a beleza americana. Um

tipo de mulher com traços esteriotipados ao feitio da mulher

americana. Não é nosso intento aprofundar aqui a Teoria

Multimodal do Discuso (TMD), que participa da construção do

texto contemporâneo, multimodal por excelência, desenvolvido

especialmente na década passada ao abrigo da Análise de

Discurso Crítica (ADC) e da Linguística Sistêmico-Funcional-

(LSF). Contudo, ressaltamos que os princípios da Teoria

Multimodal do Discurso podem ser usados pelos alunos com o

intuito de torná-los conscientes da enorme importância dessas

novas práticas de produção do texto multimodal.

Apesar da relevância das pesquisas voltadas para

multimodalidade, tem havido um descompasso entre as teorias

que envolvem esses sistemas semióticos e as que estudam como

eles operam, pois tais estudos não têm se desenvolvido na

velocidade que a área necessita. O motivo é que a maioria dos

linguistas comumente só se interessa por textos verbais,

entretanto o tipo de sociedade visual que estamos construindo e

37 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

que vivemos, não apenas está mudando rapidamente, como

também nos cobra um conhecimento mais consciente e

determinado sobre essas mudanças, porque o visual, acredita

Cardoso (2006, p. 117), tem ganho predominância sobre o

textual, sendo que o único campo em que o texto aparentemente

ainda predomina é a internet. Fora desse contexto, o que

predomina é a retórica baseada na cultura visual, uma cultura

assente na multiplicidade de recursos semióticos utilizados e na

rapidez da conexão visual.

E, embora o interesse pela semiótica não seja algo novo,

haja vista a duradoura aplicação da semiótica peirceana à

pesquisa em linguagem não verbal, só recentemente tem sido

usada na aplicação e na sistematização das potencialidades

descritivas da Linguística Sistêmica. As pesquisas mais

significativas nessa perspectiva têm sido as investigações de

Kress e van Leeuwen (2001, 2006 [1996]) entre outros. Os

modelos de análise semiótica elaborada por eles têm sido usados

com sucesso em contextos, como em estudos de museus e de

galerias de arte.

A boa notícia é que os interesses da Gramática

Sistêmico-Funcional finalmente se expandiram para outras

linguagens semióticas. Assim, temos hoje uma análise de

produção de sentido que considera como essa simbiose

materializa ideologias nas comunidades discursivas, encarando

não só a linguagem verbal escrita, mas também as demais

linguagens. Kress e van Leeuwen (2006 [1996]) discutem a

função ideacional nas imagens e como os processos

apresentacionais e transacionais e como os atores e as

circunstâncias relevantes se realizam na função interpessoal em

termos da “interpelação” por meio do olhar, do ângulo etc., e a

função composicional em termos de enquadres, linhas paralelas,

38 Introdução à Multimodalidade

verticais, horizontais, diagonais, e assim por diante (para mais

detalhes, ver Kress e van Leeuwen 2006 [1996]). No livro,

Multimodal discourse, Kress e van Leeuwen (2001) expandem

sua visão teórica para as seguintes áreas: design, produção e

distribuição do discurso. Isso cobre a análise do discurso de

como textos e imagens são planejados para cooperarem entre si,

como os discursos são produzidos e como eles são colocados à

disposição dos consumidores em diferentes contextos sociais e

culturais.

CONCLUSÕES

Por fim, esta parte, que tratou da “Globalização e

tecnologias: uma perspectiva multimodal da linguagem”, coloca

em tela o surgimento, a existência de inúmeras práticas

discursivas, fruto da globalização e das tecnologias digitais, as

quais são fortemente representadas nos novos gêneros

discursivos. A prova concreta de sua existência é a

reconfiguração, ou a recontextualização do discurso, realizada

por meio das práticas discursivas multimodais mediadas, tanto

pelas mídias digitais quanto pelas impressas no espaço

discursivo globalizado.

À parte as mudanças globais, que exerceram marcante

influência sobre a linguagem, pertencemos a uma sociedade da

imagem; somos cidadãos multimodais a ponto de descansarmos

quando vemos imagens em frente à TV. Somos fruto de uma

sociedade digital, uma sociedade multimodal. Foi nesse

favorável contexto que o discurso monomodal encontrou terreno

fértil para se ressemiotizar e compor os atuais discursos

multimodais.

39 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Por essas razões, as mudanças tecnológicas e midiáticas,

que estão ocorrendo no mundo, não podem passar despercebidas.

É relevante que, na qualidade de pesquisadores da linguagem,

não ignoremos as impactantes mudanças pelas quais passa a

linguagem. Ignorar essas mudanças é impossível. A sociedade

necessita com urgência de instituições de ensino que não se

coloquem à margem do mundo globalizado, necessitamos de

outras alternativas de letramento, do letramento informacional e

digital, que possam permitir o pleno exercício da cidadania, mas,

para isso, devemos oferecer instrumentos que permitam o pleno

domínio de todas essas tecnologias. Por pertinente, registro a

opinião de Cardoso:

(…) a cidadania na sociedade em rede depende

também do domínio dos intrumentos que nos

permitem lidar com os medias como mais uma

linguagem natural, e do desenvolvimento de uma

literacia que vá para além de sua definição mais

tradicional. (CARDOSO, 2006, p. 401)

Por tudo isso, defendemos que o cidadão deve ser capaz

de manejar bem as tecnologias, assim como deve saber lidar

criticamente com os media, pois eles são o primeiro elo entre a

vida real e o mundo representado e para que esse mesmo cidadão

alcance o desejável nível crítico deve, como entende Giddens

(2000), ser altamente reflexivo também no trato dos media, os

quais desempenham papel extremamente relevante na vida

moderna atual e no exercício da cidadania. Assim, por meio da

reflexividade, os sujeitos do discurso têm de tomar decisões, de

fazer escolhas, e para isso usam as sociedades em redes e as

sociedades de informação para garantir apoio e suporte para essa

crítica tomada de decisões.

40 Introdução à Multimodalidade

E, como consequência, não só o surgimento dos media e

das tecnologias e das avançadas redes de informação moldam

novas reconfigurações nas relações de poder da sociedade, mas

também o próprio discurso reconfigura-se por meio da

multimodalidade e pelas modernas formas de distribuição digital

da linguagem, pois essas inovadoras práticas discursivas on-line

e off-line têm contribuído para essa reconfiguração neste

contexto globalizado, ao lado de um mundo colorido que deixou

em segundo plano o preto e o branco para incorporar cores,

imagens, sons e movimentos aos discursos multimodais.

Ademais, o uso pela sociedade contemporânea de

avançados instrumentos tecnológicos e informatizados fez mais

pela linguagem do que acelerar a sua velocidade transformadora,

marcou de modo irreversível os seus contornos, reconfigurando-

a, desenhando outros gêneros e diferentes padrões discursivos,

dando-lhe nova feição e novas práticas. Por essa razão, o sujeito

atual, um sujeito dividido, multifacetado, necessita de teorias da

linguagem que o ensinem a lidar com as diferentes formas do

discurso contemporâneo, para que, então, o sujeito dessa

sociedade visual esteja habilitado para o pleno exercício

discursivo crítico que os diferentes domínios da vida pública e

privada exigem de todos nós, os legítimos agentes de mudanças

sociais.

MULTIMODALIDADE E

EVENTOS DE LETRAMENTO

2ª PARTE

43 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

2. A MULTIMODALIDADE NOS EVENTOS DE

LETRAMENTO

Josenia Vieira

No que concerne à multimodalidade e ao letramento, pretendemos discutir as novas perspectivas para os textos

multimodais presentes nos eventos e nas práticas sociais de

letramento nos diferentes discursos. Ressaltamos que a

composição textual multimodal tem alimentado as práticas

sociais, cuja riqueza de modos de representação utilizados

incluem desde imagens, até cores, movimento, som e escrita,

haja vista a existência frequente de eventos híbridos de

letramentos, constituídos por composições com linguagem

verbal, com linguagem visual e com linguagem corporal, marcas

preponderantes do discurso contemporâneo.

Ora, essa posição teórica abre possibilidades para a

realização de estudos de letramento, direcionados a outros

gêneros multimodais que contemplem diferentes modalidades

discursivas que não as presentes na leitura e na escrita

tradicional. O argumento forte em defesa desse ponto de vista é

o de que ser iletrado em linguagem visual denuncia

vulnerabilidade social e baixo empowerment do sujeito.

Nesse intuito, usaremos como suporte teórico para a

discussão a Teoria do Letramento (TL), defendida por Street

(1995, 1996), além de Kress (1996) e da Teoria da

Multimodalidade do Discurso (TMD) com a proposta de Kress e

van Leeuwen (2001, 2006 [1996]) e de van Leeuwen (2005).

44 Introdução à Multimodalidade

Essa proposta se baseia em estudos das semioses sociais, que

envolvem tanto as teorias linguísticas quanto as teorias sociais,

em uma perspectiva transdisciplinar, para tratar do gênero

multimodal como um processo decorrente de migrações

midiáticas do discurso.

A esse respeito, Kress, Leite-Garcia e van Leeuwen

(2000) ponderam que, se os seres humanos produzem e

comunicam significações em vários modos semióticos, então

somente o uso da linguagem verbal se tornaria insuficiente para

concentrar a atenção de quem está interessado na produção e na

reprodução social de significados. Logo, se, em essência, os

textos são multimodais, será impossível ler significados

representados apenas por um modo linguístico.

Desse modo, a Teoria do Letramento Visual, associada à

Teoria Multimodal do Discurso, constitui relevante abordagem

sociossemiótica das comunicações visuais e dos novos gêneros

multimodais que poderão ser utilizados em diferentes espaços

sociais, inclusive na sala de aula.

A essa altura da discussão, caberia perguntar: qual o

interesse da Teoria da Multimodalidade em desenvolver estudos

sociais do uso da linguagem? A principal resposta da TMD é de

que as investigações no campo da multimodalidade integram os

estudos da Semiótica Social e da Teoria Crítica, sendo um de

seus objetivos principais desenvolver o empowerment, o

fortalecimento das pessoas comuns, pois, como defende van

Leeuwen (2005), todos os sistemas semióticos são sistemas

semióticos sociais. E, como tal, desempenham relevante papel na

sociedade já que a descrição e os estudos derivados da Teoria

Social contribuem para que o sujeito possa incorporar maior

poder de discernimento a respeito do mundo multimodal,

45 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

manifesto principalmente pelos gêneros multimodais, veiculados

pelos meios midiáticos circundantes.

Na sequência, examinaremos as categorias possíveis de

serem utilizadas para proceder a uma análise multimodal,

seguindo os passos estabelecidos por Kress e van Leeuwen

(2006 [1996]).

2.1 A ANÁLISE MULTIMODAL EM AÇÃO

Para levar a efeito a análise multimodal, é necessário que

tratemos dos modos semióticos, que descrevem como as

semioses podem representar a verdade do mundo real; como as

imagens constroem a realidade; como elas recortam o mundo e

como intencionalmente podem omitir detalhes.

Nesse sentido, só o gênero humano é capaz de criar

mundos simbólicos, modificando-os por meio do discurso e,

intencionalmente, por meio do uso de categorias estabelecidas

pela gramática visual, conforme Kress e van Leeuwen (2006

[1996]). Decerto a posição ocupada pela humanidade é de

destaque em relação às demais espécies, pois só os seres

humanos são capazes de modalizar um dado sentido, ou até

mesmo de potencializá-lo.

Assim, em contextos multimodais, as imagens

transformam-se em referências diretas ou indiretas da realidade

física e social, sendo necessária uma escolha seletiva, tendo em

vista que as sociedades usam imagens como um modo de

legitimar argumentos e fatos relatados e descritos, entretanto não

podemos ignorar que as imagens usadas pelas diversas mídias

contribuem com a identificação das formações ideológicas

construídas nesses diferentes espaços midiáticos e também

podem revelar a manipulação de ideologias que pode ocorrer na

46 Introdução à Multimodalidade

seleção das imagens mostradas e também naquelas que foram

expurgadas ou ocultadas.

Então, para a análise de discursos multimodais,

carecemos iniciar pelo “modo”, que, na Teoria Multimodal do

Discurso (KRESS e VAN LEEUWEN, 2001) constitui parte dos

estudos focados na Linguística Funcional (HALLIDAY, 1994).

A categoria “modo” identifica a participação dos atores nos

processos discursivos. Assim, um enunciado como Maria

comprou uma camisola constrói um sentido diferente daquele

existente em Maria deve ter comprado uma camisola, que, por

sua vez, será diferente de Maria deve comprar uma camisola. E,

mesmo que os sujeitos ou atores do discurso sejam idênticos nos

três enunciados, pois foi a Maria quem comprou a camisola, mas

a relação de participação e de comprometimento entre anunciar o

fato de que Maria, o agente, e o objeto, a camisola, é modalizada

de modos diferentes. A essa maneira especial de enunciar o

discurso é que Halliday trata como modalidade gramatical, cujo

preenchimento categorial pode se dar pelo uso de recursos

discursivos modalizadores, como os adjetivos e os verbos

auxiliares.

Em contrapartida, no discurso multimodal, quando há

imagens, a modalização realiza-se pela combinação das cores

entre si, pelos usos de tons claros e escuros, pela escolha de

sombra e luz, ou ainda pelo uso de alto e baixo relevo, pela

escolha do modelo de tipografia, de iconografia, ou modo de

combinação, ou arranjo.

Em face da discussão, cabe uma pergunta: como as

imagens são distribuídas e combinadas para marcar a

modalidade? Há alguma regra pré-estabelecida? É possível

responder a essas e a outras questões com base nos estudos de

47 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Kress e van Leeuwen (2006 [1996]), que nos oferecem uma

gramática do design visual, na qual descrevem critérios que

podem nos ajudar a classificar taxionomicamente o que eles

denominam de escalas, dividindo-as em escalas de detalhes, de

plano de frente e de fundo, de dimensionalidade, de sombra e

luz, de matizes, de intensidade de cores, de brilho, de cores puras

ou híbridas, de quantidade de cores, de luminosidade e, por

último, escala de elementos tipográficos. Passaremos, a seguir, a

detalhar mais essas escalas.

Figura 2: Revista Veja, edição de 6 de abril de 2005

Fonte: http://freakshowbusiness.com

48 Introdução à Multimodalidade

A foto de capa da revista narra a morte de João Paulo II,

mostrando-o com uma expressão de enorme sofrimento, em

contraste com a grandeza da fé sugerida pelo título. Enquanto a

fé é tratada como grande, a imagem do Papa de modo contrário,

revela-o como extremamente humano em sua dor. A pergunta

aqui é por que razão foi colocada esta imagem e não outra entre

as centenas de fotos disponíveis do Papa em momentos mais

voltados para a fé? Essas formações de sentido construídas por

meio de outras semioses é que nos chamam a atenção e precisam

ser mais estudadas, para entendermos os meandros dos textos

multimodais.

Assim, como a construção do sentido deve ser a resposta

a ação de um princípio integrador do uso dos vários recursos

semióticos, considerando que todos os recursos utilizados devem

operar significados visando a um sentido maior, diante dessa

capa, cuja escolha do retrato do papa foi tão negativa, cabe a

pergunta: As incongruências na construção do sentido da capa

foram inocentes ou deliberadas? Houve intencionalidade

ideológica contrária à fé cristã? Sem entrar no mérito, essa capa

é um exemplo do que é possível construir ou desconstruir em

termos de sentido no discurso multimodal.

2.2 ESCALA DE DETALHES

Com relação à escala de detalhes, cabe a pergunta: há um

número específico de semioses para a composição de textos

multimodais? O produtor do texto deve se submeter ao uso de

um certo número de detalhes ou pode usá-los livremente? Já

quanto ao plano de frente e ao plano de fundo, a pergunta a ser

feita é: estes dois planos estão combinados entre si para a

produção do sentido ou não há articulação entre eles? Para

investigar a escala de dimensionalidade, deve-se examinar se as

49 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

imagens estão representadas em mais de uma dimensão.

Quantas? Em duas ou em três?

Por sua vez, na análise da escala de sombra e luz,

devemos observar como são representados os contornos dos

objetos quanto ao uso da sombra e da luz. A pergunta possível

pode ser: a luz foca, destaca o quê? O ponto mais iluminado é

efetivamente o mais relevante na informação a ser dada? Com

referência à escala de matizes, o pesquisador multimodal deve se

preocupar com o exame das gradações de cores presentes na

composição da imagem, examinar se há muitas cores. Com

relação ao exame da escala de intensidade das cores, devemos

investigar se as cores utilizadas são opacas ou intensas, frias ou

quentes. Os pesquisadores de composições multimodais deverão

se concentrar em buscar o motivo, a razão de envolver

determinada informação em cores frias e outras em cores

extremamente quentes. Mas, principalmente devemos nos

concentrar na análise das cores no que toca aos significados, às

crenças representadas e às ideologias que tais cores podem

agregar ao sentido do texto.

No que concerne ao exame da escala de brilho no texto

multimodal, devemos nos ater ao estudo do uso das cores com o

propósito de identificar não só se há cores brilhantes ou foscas,

mas também para perceber que tipo de informação merece o uso

de uma cor brilhante ou fosca. No que tange ao estudo da escala

de cores puras ou híbridas, devemos analisar se as cores usadas

nos textos multimodais são puras ou se resultam de combinações

cromáticas. Além disso, devemos identificar o propósito

subjacente a essas escolhas.

Quanto à análise da quantidade de cores, o que deve ser

examinado centra-se no exame das cores: se elas são

50 Introdução à Multimodalidade

monocromáticas ou policromáticas? Por que motivo foram

escolhidas estas cores e não outras? Para o estudo da escala de

luminosidade, devemos observar como se apresentam os

ambientes representados nos textos multimodais. Pendem para o

claro ou para o escuro? Por fim, no exame da escala de

tipografias, é o momento de analisar detalhadamente as fontes e

os tamanhos dos elementos tipográficos utilizados na

composição do texto. Por que certas informações estão em caixa

alta e outras em baixa? Qual a razão para que algumas delas

sejam veiculadas em fontes extremamente grandes e outras em

fontes pequenas? Como os aspectos tipográficos ocupam lugar

relevante nas composições multimodais, pretendemos

aprofundá-los mais no item a seguir.

2.3 A AÇÃO DOS ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS NA

CONSTRUÇÃO DO SENTIDO

Da mesma forma que Kress e van Leeuwen investigam as

cores nas composições multimodais, a escolha tipográfica

também pode ser estudada nesse tipo de composição segundo as

funções da linguagem de Halliday (1994). A seleção do desenho,

do tamanho e da cor das letras pode ser analisada com base nas

funções ideacional, interpessoal e textual. Desse modo, o

tamanho, o tipo e a cor das letras selecionadas para a

composição do texto multimodal desempenham relevante papel

na construção do sentido potencial do texto.

Quanto ao estudo do papel dos elementos tipográficos no

plano multimodal, vale ressaltar ainda que a tipografia agrega

um componente diferencial. O sentido é visualizado no âmbito

da lógica tipográfica principalmente pela mediação do uso das

formas da letra, que estabelece, juntamente com a cultura, a

possibilidade de leitura das formas linguísticas de um texto

51 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

multimodal. Desse modo, o nome de um jornal ou de uma

revista escrito em cores ou em preto e branco; em letras grandes

ou pequenas, é identificado inicialmente pela perspectiva

ideacional, trazendo sinais multimodais para que o leitor possa

fazer uma leitura do significado a respeito da mídia referida. É

moderna? É mais tradicional?

Logo, o estudo das dimensões da letra, sob a ótica da

função interpessoal, pode significar muitas coisas, entre elas,

audácia para convencer o leitor sobre a verdade, sobre as

injustiças. A bem da construção do sentido, o design das letras

de um jornal, de uma revista ou de documento impresso revela

demasiado sobre o significado potencial do texto que será lido.

Por essas razões, os elementos tipográficos selecionados para a

escrita de um texto exercem papel relevante na leitura do sentido

final a ser construído pelo leitor.

Também as diferentes formações dadas a determinados

textos multimodais estabelecem elos entre o sentido das palavras

e a intencionalidade do sujeito-autor. Conforme Kress e van

Leeuwen (2006 [1996]), os elementos tipográficos podem ser

classificados também quanto ao peso, à expansão, à curvatura, à

conectividade, à orientação, à regularidade e aos floreamentos.

Outra característica da tipografia passível de análise é a

expansão, aspecto que trata da distribuição das letras no espaço

do texto multimodal. A inclinação tipográfica, por sua vez, diz

respeito ao desenho da letra, podendo se aproximar mais da

escrita manuscrita ou da letra impressa. O uso de letras

manuscritas na composição do texto multimodal favorece a

leitura para os sujeitos iniciados no letramento com escrita

manuscrita. Já os sujeitos-leitores da era informatizada terão

mais dificuldades para a leitura desses padrões tipográficos.

52 Introdução à Multimodalidade

O exemplo, a seguir, da figura 3, testifica o que estamos

falando sobre letras manuscritas e com floreios. O título do The

New York Times capitaliza a tradição do jornal, fundado em

1851. Por certo que os floreios das letras evocam passado mais

remoto e distante e também remetem ao clássico e ao refinado.

Então a composição multimodal de sentido, ao lançar mão de

letras especiais tem o poder de construir e de agregar sentido

complementar ao texto multimodal da capa desse jornal.

Figura 3: primeira página do New York Times de 12 de

setembro de 2001

Fonte: http://spacemelato.blogspot.com/2007

Vale ressaltar, então, que ao compormos um texto

multimodal, carecemos dedicar especial atenção à escolha, à

seleção da fonte de letra a ser usada, bem como ao seu tamanho,

53 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

pois elas serão extremamente relevantes à construção de sentidos

complementares. Vejamos algumas das letras possíveis:

Figura 4: exemplos de fontes de diferentes estilos

A análise da curvatura também pode trazer contribuições

para a leitura dos significados nos textos multimodais. Quanto à

conectividade, o olhar do pesquisador deverá se fixar no exame

da conexão ou da distribuição das letras no espaço. Esse é o caso

de certos poemas em que as letras, na impressão tipográfica,

assumem conexão particular, característica do gênero poesia.

Pretendemos ainda examinar outra característica da

tipografia ─ a orientação ─, responsável pelo estudo da altura e

da largura da letra. Quanto mais alongada e larga a letra, maior

perceptibilidade multimodal no momento da leitura. Estão elas

padronizadas para compor determinada palavra? Com referência

à padronização, um exemplo pertinente é o do nome de Collor de

Mello, ex-Presidente do Brasil, retirado do poder após campanha

nacional levada a cabo por estudantes universitários. No auge da

crise, foram distribuídos milhares de decalques para colocar nos

54 Introdução à Multimodalidade

carros nos quais se lia: CO OR, sendo que as duas letras

“eles” foram colocadas inclinadas em milhares de decalques para

significar a queda do Presidente. Além disso, as duas letras

foram coloridas em verde e amarelo, as cores da bandeira

nacional do Brasil.

Figura 5: capa do livro de Chico Caruso (1993)

Fonte: http://www.toplivros.com.br/areas.asp?area=25

Essa foi a capa da coletânea de discursos de

materialidade não verbal (charges) sobre o processo de queda do

Presidente Collor. Nessa capa, o uso das letras inclinadas

55 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

participa fortemente da construção do sentido de queda do

Presidente.

Por último, encontramos, no floreamento da letra, a

possibilidade de analisá-la quanto ao rebuscamento da escrita

das palavras. Dependendo da época a ser retratada no texto

multimodal, o uso desse tipo de letra pode contribuir para a

construção de marcas de temporalidade. Para a descrição de uma

época antiga, com reis e rainhas, basta que as letras sejam

floreadas para que os viewers (leitores multimodais) sejam

transportados no tempo.

Figura 6: cartaz do filme “As crônicas de Narnia”

Fonte: http://www.omelete.com.br

56 Introdução à Multimodalidade

Em tipo de letra que evoca uma época antiga de fadas,

bruxas, reis e rainhas, o cartaz do filme As crônicas de Narnia,

graças à escolha tipográfica das letras, imediatamente transporta

o leitor para essa época mágica.

Afora essas questões tipográficas, o leitor carece observar

igualmente o alinhamento das palavras no texto. As palavras

podem ser alinhadas à esquerda ou à direita, podem também ser

justificadas, centralizadas, ou distribuídas livremente sem

nenhum tipo de regra gráfica. O que importa isso à discussão?

Importa muito. Segundo a cultura do leitor, esse aspecto pode ser

valioso na leitura de textos multimodais. Certo professor relatou

que um de seus orientandos de doutoramento lhe dizia que não

se sentia confortável ao ler textos acadêmicos americanos com

alinhamento livre. Para ele, o texto com esse formato não lhe

passava credibilidade. A questão cultural no exame da questão

tipográfica, portanto, não deve ser ignorada, pois todos esses

fatores poderão ajudar ou não na construção de significados

potenciais na leitura de textos multimodais.

2.4 O VALOR MULTIMODAL DA IMPRESSÃO

Pensemos nas possibilidades de impressão de

determinado texto. Podemos usar papel simples, papel de linho,

papel brilhante, opaco, colorido, com ilustrações. Bem, a quem

importa o papel da impressão? A todos nós porque também a

gramatura e a qualidade do papel, bem como a sua beleza ou

não, participam da construção multimodal do sentido potencial a

ser construído pelo viewer (o leitor de textos multimodais),

conforme Kress e van Leeuwen (2006 [1996]). Imaginemos a

cena de duas pessoas sendo apresentadas uma a outra. Uma delas

entrega um cartão de visitas à pessoa que lhe foi apresentada,

esta lhe agradece, mas mesmo de relance, não ignora a

57 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

apresentação grosseira do cartão, com impressão sem qualidade,

no modo econômico, com papel comum. Como podemos ver,

um cartão em papel de linho, com design adequado, com

impressão apurada certamente seria um diferenciador positivo

nessa apresentação. Entretanto as questões ambientais e da

sustentabilidade têm influenciado fortemente a reutilização e a

reciclagem de diferentes tipos de papéis, o tem sido um

diferencial positivo na confecção de cartões pessoais,

sinalizando que esses usuários contribuem para preservação

ambiental. Acrescente-se ainda que tal uso não significa

desprezo da produção gráfica.

Por esse motivo, ao estudarmos a multimodalidade

(KRESS e VAN LEEUWEN, 2001), devemos considerar os

aspectos da cultura do país, sem ignorar a sua extensão territorial

e as nuances culturais regionais, um mundo de cores e de formas

a ser identificado e descrito.

Figura 7: exemplos de cartões de visita

Fonte: http://www.rebelado.com/como/modelo-cartao-de-visita

58 Introdução à Multimodalidade

À esquerda, em papel reciclado, o cartão comunica

principalmente a ideologia de seu portador: os cuidados

ambientais, além de simplicidade e forte preocupação ecológica.

À direita, sofisticado cartão de um advogado especializado em

divórcios, que, por meio de seu cartão de visitas, a sua

apresentação nos dá a ideia de competência no ofício.

2.5 O DISCURSO DAS CORES E A QUESTÃO

CULTURAL

O discurso das cores liga-se a modos culturais

específicos. O que faz com que o sujeito do discurso interprete

culturalmente o discurso da cor primeiro, para depois

racionalizar o pensamento em um discurso. Portanto, se não

fosse mais permitido nem o uso de cores, nem o de imagens,

repentinamente o mundo se tornaria cinza e com outro

significado, pois as sociedades apresentam características

multimodais particulares, consoante a cultura nacional. E, ainda

que existam diferenças nas preferências multimodais segundo o

país, é inegável a existência de preferências nacionais. Em

intento ilustrativo, relatamos a primeira impressão multimodal

que tivemos de Paris. Chamou-nos particularmente a atenção o

tom cinza e preto do vestuário das parisienses, em contraste com

alguns países africanos visitados, em que as cores fortes e

vibrantes marcavam as vestimentas femininas.

As modelos africanas vestindo moda africana

estabelecem contraste ao lado das modelos parisienses, pois

enquanto as africanas vestem vestidos longos coloridos, com

cores vivas, como o amarelo ouro, ou o vermelho distribuído em

estampas criativas, as parisienses vestem preferencialmente

negro ou nuances de cinza, mas nada distante desses tons

degradês de preto.

59 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Figura 8: modelos africanas

Fonte: http://img212.imageshack.us/f/modaafricana.png

Figura 9: Modelos parisienses

Fonte: entretenimento.r7.com/moda-e-beleza/noticias

60 Introdução à Multimodalidade

Figura 10 e 11: Vestimentas em diferentes culturas

Fonte 10: http://www.rnw.nl/portugues/article

Fonte 11: http://www.rnw.nl/portugues/article/o-martírio-de-milhões-de-viúvas-na-

índia

As diferenças culturais aqui são representadas pelos

vestuários femininos. Na primeira foto, uma noiva vestida de

vermelho, cor que simboliza alegria e entusiasmo. Na segunda,

uma viúva hindu veste-se de branco, cor que simboliza energia

parada, calma e conformismo.

61 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Figura 12: Simulações em obra de Vincent van Gogh,

Night Café

Fonte: http://www.spartacusartgallery.com/2010/12/vincent-van-gogh-night-cafe.html

Observe as mudanças no clima transmitido pelo quadro

de Vincent van Gogh, Night Café, na medida em que se altera

62 Introdução à Multimodalidade

sua cor. A mudança cromática realizada no primeiro quadro,

revestido de amarelo intenso, mostra-se quente e original, produz

clima excitante e irritante, capaz de levar alguém à loucura, é

substituído a seguir por uma atmosfera calma e triste trazida pelo

tom azulado. Já a versão em tons de cinza cria atmosfera fria e

calma. Exercício realizado por Poynter.org.

2.6 A REPRESENTAÇÃO MULTIMODAL DOS ATORES

SOCIAIS

Neste ponto, cabe uma reflexão sobre os atores sociais

representados pelas imagens, pois a investigação desse aspecto é

extremamente relevante para o estudo da identidade dos atores

sociais e também para o exame da construção da identidade,

realizada principalmente pela interação social com os demais

atores e pelo modo de representá-los em textos multimodais,

tanto em imagens isoladas, quanto em interação com outras

imagens. Obviamente, o modo como representamos os atores

sociais nas imagens explicita a maneira como o produtor do

texto multimodal lida e trata das imagens dos atores sociais. Para

isso, Kress e van Leeuwen (2006 [1996]) legam-nos três

categorias possíveis para análises multimodais: 1. com relação

ao olhar; 2. quanto ao ângulo; 3. com referência à distância.

Aqui neste estudo, vamos examinar apenas a primeira

dessas categorias, a que se refere ao olhar. O estudo analítico do

modo de representar o olhar nas imagens dos atores pode ser

bastante revelador e, ao mesmo tempo, trazer contribuições à

construção do sentido sensorial, tendo em vista que o leitor do

texto multimodal estará inclinado a acreditar nas informações

sobre o ator como resultado da interação ou da quase interação

estabelecida pelo olhar representado na imagem, já que os

olhares representados podem tanto oferecer informações quanto

63 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

solicitá-las. Quando os atores representados nas imagens não

direcionam seus olhos diretamente ao leitor, não estabelecem

interação direta com ele. Nessas circunstâncias, a postura do

leitor é de observador (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006

[1996]). A seguir, examinaremos a direção do olhar em duas

imagens.

Figura 13: olhar vetorizado para baixo

Fonte: http://ego.globo.com/Gente/Noticias

Nesta figura, os olhos da jovem não se direcionam a um

interlocutor específico. O seu olhar está voltado para baixo.

Nessas circunstâncias, não ocorre interação pelo olhar.

Aproveitando a mesma imagem, ressaltamos também o vestido

usado pela moça, o qual constitui mais um exemplo de cores e

de estampa que representa uma preferência cultural. As estrelas

sobre o fundo azul simbolizam a bandeira dos Estados Unidos.

64 Introdução à Multimodalidade

Figura 14: Vetorização direta do olhar

Fonte: http://1.bp.blogspot.com

Ainda quanto ao olhar, nesta figura, a vetorização do

olhar da jovem dentro da água foca diretamente um ator

participante do cenário do discurso. O seu olhar estabelece

interação direta.

Figura 15: Revista Veja, edição de 23 de março de 1988

Fonte: http://fre akshowbusiness.com/page/111/?s

65 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Figura 16: Edição extra de outubro de 1992

Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/galerias/imagem

Nesses dois exemplos de capa da revista Veja, a primeira

enaltece o então Governador de Alagoas, Fernando Collor de

Mello. O quadro ao fundo do retrato ajuda a construir a imagem

de heróico caçador de marajás, reforçada posteriormente na

campanha eleitoral para Presidente. A segunda, uma edição extra

da revista que noticia o impeachment, traz a imagem do político

em posição desfavorecida, sem olhar diretamente para o leitor.

Ao contrário, quando o olhar do ator representado na

imagem interpela o leitor, torna-o coparticipante da ação

multimodal. Logo, essa modalidade de representação do olhar

será mais adequada às propagandas que envolvem vendas, oferta

de serviços ou solicitação de apoio. A direção do olhar,

66 Introdução à Multimodalidade

entretanto, nem sempre se enquadra nessas categorias. Um olhar

perdido no horizonte pode levar à conclusão de que o ator social

representado está introspectivo ou em estado de momentânea

melancolia. De qualquer modo, o exame do olhar no texto

multimodal será de muita valia para a construção do sentido do

discurso.

2.7 A SINTAXE VISUAL: DANDO FORMA À

COMPOSIÇÃO

Na articulação dos componentes que dão corpo à sintaxe

visual, a composição trata do modo como as semioses se

articulam no texto visual como resultado da combinação de

semioses verbais com semioses visuais, representadas pelas

formas de linguagem e de imagens, articuladas com os atores

presentes na composição multimodal.

Desse modo, a composição para se estabelecer também

se combina com a modalidade que estabelece o plano de frente e

o de fundo. No caso de a composição dar destaque à imagem que

aparece em primeiro plano da composição visual, essa será a

principal característica do plano de frente, que pode ser

composto por uma imagem maior ou por cores mais fortes que

ocuparão a parte central da composição. Ao contrário do plano

de fundo, cuja característica principal é preencher o fundo com

cores neutras ou com figuras que não chamem a atenção

demasiada do observador. O estudo da composição compreende,

portanto, a investigação do modo como as múltiplas semioses se

articulam na sintaxe visual, com o intuito de revelar as

ideologias e as relações de poder ocultas nas ingênuas posições

ocupadas pelas semioses na composição multimodal.

Vale lembrar que a classificação da sintaxe visual,

atribuída à combinação de imagens nos textos multimodais, não

67 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

obedece a princípios de linearidade, como os seguidos pela

escrita, porquanto a sintaxe visual ora articula-se por processos

associativos ou metafóricos, ora por padrões metonímicos, que

estabelecem certa relação de sentido pela posição de

contiguidade ocupada pelas imagens. Se certo anúncio está

tratando de louças para banheiros, por exemplo, é provável que

utilize lado a lado, para compor o anúncio, certos objetos usados

em banheiros, como uma pia, ao lado de uma banheira, próxima

a um vaso sanitário. Os objetos serão distribuídos, obedecendo

às posições de contiguidade.

Já se o reclame estiver tratando de tolhas felpudas e

macias, o processo para construir o sentido será o associativo,

devendo evocar algo macio que não deverá necessariamente

estar presente na composição, mas que, por meio de processo

associativo, trará à lembrança o objeto usado como referência à

ideia de maciez.

A gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

(2006 [1996]) dá-nos três critérios para analisar a sintaxe visual

dos textos multimodais: saliência, valor da informação e

enquadramento. Saliência, conforme a definição da gramática do

design visual de Kress e van Leeuwen (2006 [1996]), é o aspecto

visível ao primeiro olhar do leitor para o texto. Portanto, a

saliência da composição é vista em primeiro plano e participa

ativamente da construção da sintaxe visual. Serve também como

ponto de partida para o estabelecimento de articulações

secundárias com outros componentes composicionais. A

saliência pode ser construída de diversas modos: pelo uso de

cores, de ícones, do tamanho das letras ou das imagens; pela

posição do texto verbal e pelo plano de frente. Todos esses

aspectos da saliência desempenham papel relevante na

determinação do significado complexo e no significado potencial

68 Introdução à Multimodalidade

da composição. Por fim, a categoria de saliência faz com que

haja projeção de certos elementos, chamando a atenção para

determinadas partes da composição. Os elementos utilizados têm

o claro intuito de atrair a atenção do espectador para diferentes

aspectos da composição, como a localização em primeiro ou

segundo plano; o tamanho relativo da imagem; o contraste em

cores; as diferenças de nitidez entre outros aspectos. Ver análise

dessas questões na parte 4 deste livro.

O critério referente ao valor da informação trata

especificamente da leitura do texto visual com base

primeiramente no contexto social, no mundo externo, para só

depois se concentrar nos aspectos internos do texto. O ato de

localizar os valores da informação na composição contribuem

para a articulação nos vários espaços da composição. Por essa

razão, é impossível ignorar a relevância para a leitura do texto

visual da relação do contexto social com as práticas sociais.

Já o critério do enquadramento busca estudar o

direcionamento do foco da lente ao captar a imagem que pode

tanto ser dado pela saliência quanto pelo jogo de sombra e luz ou

ainda pela captação do ângulo do olhar dos atores representados

no texto visual, pois o elemento que antecede deve se combinar

com o que sucede, estabelecendo uma relação contínua de

construção de significado. Então, se o enquadramento é tido

como um critério de sintaxe visual, é indispensável que

possamos perceber o que é mostrado na sintaxe do texto. O

enquadramento, denominado como framing por Kress e van

Leeuwen (2006 [1996]) significa a presença ou a ausência de

estratégias de enquadramento, criadas com o propósito de

estabelecer divisões que podem facilitar ou dificultar a

articulação no espaço destinado à composição.

69 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Afora os critérios já discutidos, Kress e van Leeuwen

(2006 [1996]) levantam ainda quatro outras modalidades de

análise para a composição multimodal: a localização direita e

esquerda na página (dado e novo), conforme mostrado na parte

4. Essa orientação direita-esquerda mostra a expectativa do que é

esperado que o leitor leia. A informação dada, já conhecida,

deve aparecer ao lado esquerdo do texto e a informação nova

deve se situar à direita, conforme Halliday (1985). Essa é a

regra, mas quando examinamos o emprego dessa categoria em

propagandas em revistas e em outras fontes midiáticas, logo nos

damos conta quão inconsistente é o seu uso pelas agências de

publicidade, sendo frequente a presença de anúncios que fazem

exatamente o oposto do que recomenda a gramática visual.

Na categoria do eixo da verticalidade, topo e pé de

página (ideal-real), a orientação de cima para baixo mostra o que

pode ser tomado como real e como ideal. Aquilo que aparece ao

pé da página, na parte inferior, é o que deve ser tomado como

real e o que aparece acima, no topo, deve ser considerado como

o ideal. O eixo vertical trata, portanto, do real e do ideal. A parte

inferior da página (bottom) comumente é a parte mais

informativa e prática, colocando em evidência o real; a parte

superior (top) costuma fazer um apelo às emoções e mostra, de

modo geral, o ideal. As relações dado-novo e real-ideal

mostram-se altamente produtivas já que podem estruturar tanto

as composições textuais, concebidas somente com semiose

verbal, como composições com diferentes semioses que incluem

texto verbal e imagem.

70 Introdução à Multimodalidade

Figura 17: Propaganda de xampu

Fonte: http://blogdotrapa.blogspot.com/2009/02/propaganda.html

Este anúncio publicitário explora a conhecida imagem do

cantor Ney Matogrosso em uma propaganda de shampoo e de

seu conjunto musical (Secos & Molhados). O anúncio posiciona

à direita o novo, no caso, a imagem de três frascos de xampu. Ao

mesmo tempo as imagens dos xampus estão localizadas na parte

inferior da página, indicando um produto real. A obervação da

imagem do cantor revela que essa imagem do cantor, está à

esquerda, pois constitui uma informação dada, velha, isto é, já

conhecida, ao mesmo tempo que ocupa a parte superior da

página, o lugar do ideal. No centro da página, ocupando um

lugar de saliência, está o nome do shampoo: SHAMPOO NEY

MATOGROSSO. Logo abaixo do nome recomenda: para

cabelos secos e molhados, em clara alusão ao nome de seu

conjunto musical.

Quanto à análise da categoria centro e periferia, deve ser

identificada a organização hierárquica das imagens que

71 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

compõem o texto multimodal, as semioses e a direção em que a

composição modulada é apresentada em segmentos (triptych),

comumente usados em murais, panteões e trípticos. Essa

categoria, que distribui as semioses no centro-periferia da

composição, mais a composição triptych, mostram as relações de

importância nessa modalidade composicional, principalmente

com relação ao movimento do olhar. Desse modo, concluímos o

exame das principais categoriais de análise das composições

multimodais dadas por Kress e van Leeuwen (2006 [1996]).

CONCLUSÕES

O propósito desta parte foi apresentar aspectos teóricos

que possam auxiliar no estudo do texto multimodal e, desse

modo, contribuir para o avanço das pesquisas em

multimodalidade. À luz da discussão levada a efeito, fazemos

considerações que reforçam as posições teóricas e práticas

defendidas sobre o uso dos textos multimodais em diferentes

eventos sociais.

Assim, é impossível relegar a segundo plano o que Kress

e van Leeuwen (2006 [1996]) dizem ao afirmar que qualquer

texto escrito é multimodal, composto por mais de um modo de

representação. Normalmente, todo o texto carrega outras formas

de representações, além do modo verbal, que não podem ser

ignoradas porque desempenham relevante papel na construção

do sentido. Por fim, nenhum modo semiótico deve ser visto

isoladamente, pois eles complementam-se no momento em que o

sentido é composto, fazendo com que o discurso participe da

construção das representações da realidade, estabeleça relações

sociais, crie e reforce as identidades sociais (FAIRCLOUGH,

1992).

72 Introdução à Multimodalidade

Por fim, não podemos ignorar que o sentido do texto é

estabelecido pelas diferenças ou semelhanças existentes entre a

imagem e o contexto social nas diversas culturas. Além disso,

todas as dimensões semióticas carecem de serem desenvolvidas

em práticas textuais multimodais em todos os gêneros textuais.

DISCURSO E METÁFORAS

VISUAIS

3ª PARTE

75 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

3. O PAPEL DAS METÁFORAS VISUAIS NO

DISCURSO

Josenia Vieira

Por meio do estudo das metáforas visuais presentes no

discurso, pretendemos investigar a multimodalidade, um dos

principais efeitos dos meios eletrônicos, que acrescentam ao

texto novas linguagens integradas com tipos diferenciados de

letras, cores e luz, além de movimento e som, tornando-o mais

rico pelo uso de metáforas visuais e de designs gráficos

especiais.

Essas mudanças ensejaram o surgimento de uma

linguagem multimodal híbrida, construída com palavras e

imagens, fruto da criação da nova geração de designers gráficos.

Eles lidam com esses múltiplos recursos semióticos,

multiplicando cada vez mais esse hibridismo que tende a se

tornar dominante. Como resultado, podemos dizer que a

linguagem hegemônica deste século reside no uso de variadas

semioses, característica da linguagem multimodal.

Dizem os artistas que a poesia é mais visual do que a

música e a linguagem verbal e que o poeta é uma espécie de

designer da linguagem. Assim, a rápida e crescente viragem do

discurso para o visual, mais do que nunca nos aproxima desse

modo de pensar, tornando-nos coletivamente novos poetas da

pós-modernidade. Desse modo, a poesia concretista trouxe à

baila a discussão do caráter visual da linguagem ao antecipar as

modalidades de representação da linguagem nos modos visuais,

76 Introdução à Multimodalidade

gestuais, hoje manifestos também nos discursos de diferentes

gêneros, presentes no artístico e no publicitário entre outros.

Não podemos ignorar a força da imagem, hoje viva na

palavra e no discurso, corporificando-se na linguagem

contemporânea. Em consequência, os discursos apresentam-se

profundamente marcados pelo visual, sendo impossível dissociar

a imagem do discurso, pois o uso dos computadores e dos

avançados programas gráficos ensejam aos novos designers da

linguagem infindáveis possibilidades de construir criativos

discursos visuais. Assim, o papel da imagem faz mais do que dar

vida ao discurso, pois ao colori-lo, provoca afetividade e

emoção, direcionando a atenção do leitor ao propósito do

discurso.

Em se tratando do uso de imagens, muitas vezes,

utilizam-se fotos de personalidades ou de artistas famosos para

atrair consumidores. A esse respeito, Barthes (1978, p. 43)

declara:

Nesse deserto lúgubre, me surge, de repente, tal foto;

ela me anima e eu a animo. Portanto, é assim que devo

nomear a atração que a faz existir: uma animação. A

própria foto não é nada animada, mas ela me anima: é

o que toda aventura produz.

Portanto, é esse lado da emoção e do afeto que devemos

levar para o trabalho com o visual, com a fotografia e com a

linguagem visual, fazendo com que elas sejam mais do que uma

ilustração, que sejam fonte de conhecimento, de memorização,

mas sobretudo fonte de construção de representação de sentido.

Para a marketização de certos produtos no mundo da

publicidade, é frequente o uso de fotografias de famosos em

anúncios milionários. Examinaremos, a seguir, um exemplo do

77 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

emprego de foto do conhecido ator cinematográfico, George

Clooney, em um anúncio da Nespresso. Nessa proposta, em

tentativa deliberada de ignorar a fama do ator, o anúncio

enquadra a imagem de um cafezinho como o tópico de maior

relevância na propaganda, mas, de fato, a Nespresso está

vendendo o cafezinho por meio da metáfora visual construída

sobre a imagem do artista e mesmo que o discurso verbal diga:

Nespresso. Que mais? Quem tem Nespresso não precisa nem do

Clooney. A bem da verdade, a intenção publicitária é de que a

imagem do ator venda o café, pois ele constitui o conhecido, a

informação dada. Assim, o propósito do reclame é que, por

processo associativo, os consumidores passem a desejar as

preferências de Clooney, no caso o café Nespresso.

Figura 18: Anúncio do Nespresso

Fonte: http://www.tottalmarketing.com

78 Introdução à Multimodalidade

Nesse sentido, a utilização desse tipo de publicidade nos

mercados tem sido usada amplamente tanto para a apresentação

de produtos novos, como para a oferta de produtos na mídia

impressa, como jornais e revistas. Para a ilustração do assunto,

as ideias apresentadas devem se transformar em imagens e

devem permitir ao mesmo tempo a visualização de aspectos

particulares dos sentidos construídos. Esse é um dos usos

frequentes da fotografia nas práticas dos mercados

consumidores.

Em razão disso, o emprego de fotos como agente fixador

das informações para vendas agrega elementos, como cor e

volume, que facilitam a memorização. Do mesmo modo, o

detalhamento, como a visualização por meio de fotografias e de

imagens, aprofunda pormenores, sendo também possível usar a

fotografia para documentar a pesquisa social. Além desses usos,

sugerimos que o próprio discurso da linguagem fotográfica seja

objeto de discussão. Assim, ressaltamos a importância do estudo

da fotografia na vida diária dos mercados porque o

conhecimento da fotografia como linguagem permite que o

sujeito se situe melhor no mundo de hoje, no qual crianças e

jovens são apresentados à linguagem da fotografia desde cedo.

Tais experiências concretas com fotos trazem mudanças nas

práticas sociais, fazendo com que os eventos contemporâneos

sejam intensamente fotografados.

3.1 A IMAGEM DA PALAVRA

Ao fazermos referência à linguagem verbal, entendemos

que há apenas duas modalidades: a falada e a escrita, ignoramos

as mudanças profundas do discurso atual que se manisfesta por

múltiplas semioses. Mas, com a sofisticação cada vez maior da

imprensa e da publicidade, novas possibilidades abriram-se aos

79 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

novos usos visuais do alfabeto que incluem desde a variação de

fontes até aos novos tipos gráficos. Recentemente, o uso

revolucionário dos meios eletrônicos acrescentaram novos tipos

de letras, de cores e de luzes ao discurso multimodal, além de

movimentos, como nos vídeo-textos, por exemplo, tornando a

escrita mais rica pelo uso dos computadores e dos criativos

designs gráficos.

Essas mudanças favoreceram o surgimento de um

discurso híbrido, construído pela combinação de palavras e de

imagens, fruto da criação da nova geração de designers gráficos,

que lidam com letras, palavras e imagens, multiplicando cada

vez mais essa linguagem híbrida que tende a se tornar

dominante. Como resultado, podemos dizer que a linguagem

hegemônica deste século não reside apenas na imagem, nem na

palavra, mas no uso híbrido de várias semioses.

3.2 A CONSTRUÇÃO DE METÁFORAS VISUAIS NO

DISCURSO

Como vimos, é constante a criação de campanhas

publicitárias firmadas no uso de imagens de artistas ou de obras

famosas. Aqui, para efeito de análise, utilizaremos a imagem de

uma obra de arte conhecida ─ A Mona Lisa ─ em um anúncio da

Bom Bril. Essa propaganda se direciona às donas de casa,

possíveis e potenciais compradoras desses produtos.

Alegoricamente, o garoto-propaganda da Bom Bril transforma-

se em uma Mona Lisa, dona de casa. Usa óculos, sem nenhum

adereço, com cabelo em desalinho, como seria o usual às

milhares de mulheres do lar em momentos de atividade

doméstica, as verdadeiras consumidoras que efetivamente

poderão comprar o produto oferecido, o amaciante Mon Bijou. O

anúncio, desse modo, constrói uma expressiva metáfora visual

80 Introdução à Multimodalidade

que toma como referência básica essa obra universalmente

conhecida de Leonardo Da Vinci.

Figura 19: Mona Lisa da Bom Bril

Fonte: http://direitobemfeito.wordpress.com/2010/11/17/bombril-e-mona-lisa/

O anúncio pretende vender o amaciante Mon Bijou, para

isso construiu um texto multimodal (KRESS e VAN

LEEUWEN, 2006 [1996]) por meio da combinação de recursos

semióticos de diferentes linguagens que servem como matéria

prima na construção de processos metafóricos (VAN

LEEUWEN, 2005; FAIRCLOUGH, 2003; LAKOFF e

JOHNSON, 2002 [1980]). Chamamos atenção para o modo

como o discurso do anúncio incorpora certos traços da obra

original, como o cabelo, a roupa, a postura e, principalmente, o

sorriso da Mona Lisa, características emprestadas à musa da

81 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Bom Bril no intuito de vender o produto. No anúncio, atrás da

figura da Mona Lisa, aparece o logotipo da Bom Bril, ocupando

posição relevante e central, servindo de pano de fundo à versão

publicitária da obra de arte. Assim, o incontestável valor artístico

do quadro de Da Vinci legitima o produto Mon Bijou, fazendo

com que inúmeras semioses participem da construção discursiva

do anúncio, como as cores branca e vermelha da Bom Bril.

Já o valor metafórico é construído no anúncio pelo

recurso semiótico visual, representado por Moreno no papel de

Mona Lisa, e pela representação do produto propriamente dito,

que conjugado com o verbal, é colocado em lugar privilegiado à

frente da composição multimodal do anúncio: MON BIJOU

DEIXA A SUA ROUPA UMA PERFEITA OBRA-PRIMA.

Assim, o produto Mon Bijou da Bom Bril, semelhantemente à

Mona Lisa de Da Vinci, é, para as consumidoras brasileiras, uma

perfeita obra prima em forma de amaciante. De igual modo, os

três amaciantes, colocados à esquerda no anúncio, são

considerados como informação conhecida, tratado como

informação velha, a informação nova aqui é o fato de o

amaciante da Bom Bril ser uma obra-prima.

3.3 METÁFORAS VISUAIS: OS NOVOS AGENTES

MULTIMODAIS

Os textos multimodais, por meio das metáforas visuais

frequentes nos anúncios publicitários, têm se tornado

importantes agentes dos mercados consumidores, pois

contribuem para o aumento das vendas nos espaços internáuticos

e também nos espaços midiáticos e televisivos. A cor, o traço e a

imagem fortalecem a conexão entre os diversos recursos

semióticos, gerando nova gama de discursos multimodais.

Assim, uma tese, um livro ou mesmo um texto após receberem

82 Introdução à Multimodalidade

enquadramento multimodal tornam-se diferentes, com muito

mais poder de comunicação. Entretanto, a fala não apresenta

cores, nem imagens, mas, em contrapartida, o tom de voz, os

gestos e as expressões faciais podem agir como recursos

multimodais, pois sempre que levantamos ou baixamos a voz

ocorre uma certa modalização do discurso.

No campo dos anúncios publicitários, com características

multimodais, há produções, como outdoors, placas, publicidade

em revistas e em jornais nos quais o uso de certos recursos

semióticos faz parte do gênero multimodal, mas, por serem

utilizados de modo mais frequente como recursos ilustrativos, no

entanto, abrem espaço para outro tipo de composição textual no

qual os elementos multimodais, como a imagem e as cores,

fundem-se em composições textuais multimodais, cuja principal

característica é apoiar a sua composição em várias linguagens

semióticas, para depois serem incorporados pelo discurso da

sociedade contemporânea.

Assim, se repentinamente não fosse mais permitido o uso

de cores e de imagens na produção textual, certamente o mundo

se tornaria cinza, e nós não o apreciaríamos mais, pois fazemos

parte de uma sociedade multimodal. E, ainda que hajam

preferências multimodais, segundo o país, considerando que

cada cultura tem as suas escolhas, ainda assim a sociedade seria

multimodal. A esse respeito, podemos dizer que cada nação

desenvolve caraterísticas marcantes que definem uma identidade

nacional. Assim, cada vez que estamos em um dado país,

chamam-nos a atenção certas características da cultura nacional.

Nesse sentido, o uso abundante do cinza e do preto pelas

parisienses marcam a cidade luz, Paris, enquanto no continente

africano saltam aos olhos as cores fortes e vibrantes, traço

83 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

distintivo das vestes tanto de homens quanto de mulheres da

África.

Costumamos observar também as construções e as cores

de cada país: alguns são brancos, como Portugal e Grécia,

outros, ocre-escuro, como o Reino Unido e Espanha. Nesse

particular, em Israel, Jerusalém, a cidade sagrada, é toda

revestida com uma pedra creme, levemente brilhante, sendo

proibido o uso nas edificações de outro material que não aquele.

Então, cada país incorpora à sua identidade nacional cores

definidas por suas culturas. Logo, as preferências individuais

nessa área são condicionadas também culturalmente, agregando

a essas escolhas forte carga semântica e ideológica.

Gostaria de reportar ainda dois fatos ligados a cores. O

primeiro é que no Brasil nenhuma brasileira se sentiria bem em

um evento festivo com um vestido verde e amarelo, cujas cores

pertencem à bandeira nacional; já nos Estados Unidos não é

incomum o uso das cores da bandeira americana em roupas e

adereços masculinos e femininos. Outro fato que mencionamos,

a título de ilustração, é o de uma festa de casamento em Portugal

na qual toda a decoração do evento festivo e a cor do vestido da

noiva ou eram pretos ou em nuances próximas a essa cor, que,

embora tanto na cullura portuguesa quanto na brasileira, de

modo geral, essas cores simbolizem tristeza e morte, nunca a

alegria de casamentos. Mas, ainda que essa não seja uma prática

social comum nesses Países, mesmo assim pode ocorrer por

conta de um estilista de moda específico, sem refletir, portanto, a

integralidade da cultura nacional. Por essa razão, os recursos

multimodais, quando usados na publicidade, devem considerar

não apenas as preferências pessoais e as empresariais, mas

também aquelas que subjazem às identidades sociais formadas

culturamente em determinados grupos e nações.

84 Introdução à Multimodalidade

3.4 MULTIMODALIDADE ─ COMO TRABALHAR

ESSAS SEMIOSES? E PARA QUE FIM?

Considerando que qualquer texto com imagem pode se

transformar em fenômeno semiótico complexo, devemos indagar

sobre as consequências ideológicas que esse tipo de construção

provoca, porquanto vários sentidos se articulam até a completa

construção simbólica. Os exemplos de construção de marcas e de

logotipos mostrados a seguir ilustram os procedimentos

semióticos que acontecem em nosso mundo contemporâneo.

Esses processos se tornam naturalmente interessantes, tanto do

ponto de vista das semioses que participam dessa construção,

quanto do ideológico, mas carecem de algum tipo de teoria para

explicar como os textos e as imagens agem nesses produtos na

disputa pelos mercados. Para isso, vamos examinar como é

construída uma publicidade da famosa e cara marca de carro:

Audi.

Figura 20: Anúncio da Audi

Fonte: Revista Telva, maio de 2008

O que inusitadamente chama a atenção neste anúncio da

Audi é o fato de ser um comercial para a venda de carros, sem,

85 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

no entanto, apresentar carros no texto publicitário. Passemos ao

anúncio. No primeiro plano, há um imenso e forte céu azul, com

nuvens brancas que tomam todo o espaço publicitário. O detalhe

interessante é que as nuvens brancas recortam no azul o contorno

dos mapas da América do Sul e do Norte e também o da Europa.

E só. Nada mais. Não há outras imagens a não ser o logotipo da

Audi, formado por quatro anéis entrelaçados que figuram bem ao

pé da página, ressaltado apenas pelo nome Audi, em vermelho, à

extrema direta do anúncio. À esquerda, um pouco mais acima, o

discurso verbal, a frase:

DESCUBRA OUTRO MUNDO,

AUDI CABRIO 84.

O anúncio é um texto publicitário simples e despojado

que imediatamente estabelece contato com o leitor. A amplidão

do céu, recortando os mapas em azul, metaforicamente, significa

o outro mundo, desconhecido pelos prováveis usuários dessa

marca de carro. O sentido construído promete, por meio do

Cabrio 84, a oportunidade para que você descubra esses

insondáveis mistérios. A categoria multimodal do novo aqui

(KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 [1996]) é representada pela

marca do carro e, embora já seja conhecida, o que está sendo

trabalhado efetivamente no anúncio é a marca Audi, trazida

como o elemento novo. Esse é o produto que o anúncio deseja

vender: a marca Audi. O tipo de carro ─ Cabrio 84 ─ é colocado

no lugar da informação já dada, conhecida. O que vemos aqui,

ou é um erro de construção publicitária, ou a intenção real é

86 Introdução à Multimodalidade

trabalhar a marca Audi e não o tipo de carro, o Cabrio 84, pois o

que é novo, em termos de informação, é dado como informação

já conhecida, e o que é considerado informação já dada,

conhecida, é dada como nova. Daí a necessidade de os

publicitários conhecerem a teoria da multimodalidade para que

os anúncios atinjam os seus objetivos: vender o produto. Nesse

sentido, a obra Reading Images de Kress e de van Leeuwen

(2006, [1996]) estabelece diferentes categorias para trabalhar a

multimodalidade nesse tipo de discurso, o que nos permitem

aproveitar ao máximo cada imagem em uso no discurso

publicitário.

Outra construção referente às marcas que também merece

exame especial é o caso das joias Switzer, empresa portuguesa

do ramo joalheiro, que utilizava inicialmente esse nome para

nominar a empresa, porém gradualmente esse nome foi

incorporando valores simbólicos, transformando-se na marca e

no logotipo da empresa. Tais casos requerem uma análise

multimodal para que possamos compreender os mecanismos

envolvidos nessas construções multimodais. Ademais,

considerando que as marcas de empresas são textos discursivos e

como tal se tornam objetos de estudo extremamente necessários,

especialmente porque ao serem usados produzem sentido.

Nomes, nesses casos, deixam de ser meros nomes para se

tornarem ─ marcas de produtos.

Com o intuito de conhecermos mais essa marca,

examinaremos uma chamada comercial dessa marca, divulgada

para seus clientes pela internet.

87 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Figura 21: Press release das Joias Switzer ─ Portugal

Fonte: recebido por internet em maio de 2008

No texto, destaca-se, em primeiro plano, um belíssimo

anel de pérolas, que, por ser incomum, excede às expectativas. A

peça compõem-se de seis pérolas de diferentes cores, com

invulgar brilho e forma, além de possuir original design. De

forma particular, sobre o anel incide uma luz branca, como se

viesse do céu, sendo essa imagem reforçada pelo discurso

verbal, à esquerda: SIMPLESMENTE DIVINO. Então, a leitura

metafórica será de que ao comprar joias Switzer a cliente terá

uma joia com atributos divinos, com pureza e leveza de formas.

A metáfora construída pelo comercial da Switzer é a de que seu

anel possui beleza divina.

Se olharmos, entretanto, as teorias sobre o assunto, nos

damos conta de que há um descompasso entre as teorias que

envolvem esses sistemas semióticos e os estudos do modo como

eles operam. O motivo é que linguistas comumente se interessam

mais por textos verbais, todavia a sociedade visual que está

sendo construída, muda rapidamente e, ao mesmo tempo, cada

vez mais cobra de nós conhecimentos profundos e determinados

sobre essas mudanças.

88 Introdução à Multimodalidade

Pela amplitude do tema, não pretendemos exaurir as

categorias que compõe o texto multimodal, desenvolvidas

especialmente na década passada ao abrigo da Teoria

Multimodal (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 [1996]) e da

Análise de Discurso Crítica (FAIRCLOUGH, 2003; 2006).

Contudo, vale ressaltar que os princípios da teoria multimodal

direcionam como tais principíos podem ser usados não só na

publicidade, mas também em outras áreas, como a educação, por

exemplo, transformando-se em porta-voz das ideologias

contemporâneas.

A respeito dessas possibilidades de uso da Teoria

Multimodal, Kress e van Leeuwen discutem a função ideacional

representada por meio de imagens e a atuação dos processos

interacionais por meio de atores e de circunstâncias relevantes. A

função interpessoal é tratada em termos de “interpelação”,

representada por meio do olhar, do ângulo etc, e a função

composicional é tratada por meio de enquadres, de linhas

paralelas, verticais, horizontais, diagonais, e assim por diante

(para mais detalhes teóricos, para o estudo do design, da

produção e da distribuição do discurso, ver Kress e van Leeuwen

2006 [1996]). Essas categorias de análise da Teoria Multimodal

tratam do modo como os textos multimodais devem ser

construídos para cooperarem entre si, como os discursos são

produzidos e como são colocados à disposição dos consumidores

em contextos sociais e culturais específicos.

O estudo mostra a importância de focarmos nossa

atenção nas metáforas visuais representadas nos textos

multimodais como defendem Kress e van Leeuwen (2006

[1996]) e nos textos multissemióticos, como trata Vieira (2007),

cujos argumentos principais são de que os textos

contemporâneos caminham a passos largos para uma

89 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

composição multimodal e de que desse fato a atividade

publicitária, artística e educacional não pode fugir. Frente a essas

mudanças concretas, é impossível não aderir à multimodalidade,

aos textos híbridos compostos com múltiplos recursos

semióticos, construídos com base em metáforas visuais, e, em

decorrência, os sujeitos que não souberem lidar com a linguagem

visual, com a multimodalidade, estarão sujeitos à exclusão

social. Para esse fato, chamam atenção Kress e van Leeuwen:

[...] Acreditamos que a comunicação visual está se

tornando um campo cada vez menos de especialistas e

cada vez mais crucial à comunicação pública. Isso

inevitavelmente leva ao surgimento de novas regras,

mais formais de ensino. Não ser letrado em

comunicação visual poderá acarretar sanções sociais.

Dominar o chamado letramento visual será uma

questão de sobrevivência especialmente nos locais de

trabalho (2006 [1996], p. 13).

Sabemos que todo o sujeito é capaz de ler imagens

porque possui competência específica para realizar essa

modalidade de leitura, entretanto uma educação favorável à

realização de uma leitura multimodal pode contribuir para

acelerar e para desenvolver os processos de leitura de textos

multimodais. Assim, quando a leitura de imagens é precedida

pela escolaridade necessária, tal preparo contribui para o

desenvolvimento de estratégias de leitura de textos multimodais,

visando à compreensão eficiente e à habilidade específica para

lidar com mídias concebidas com diferentes tecnologias. Tais

conhecimentos certamente contribuirão para o aprimoramento de

habilidades específicas para a leitura do sentido construído entre

os diversos recursos semióticos usados de modo integrado nos

textos multimodais.

90 Introdução à Multimodalidade

Vale lembrar que a cultura de nossa sociedade visual tem

se mostrado extremamente sensível ao apelo da imagem, a qual

por si só promove o avanço na leitura e na interpretação dos

sentidos, pois a conjunção do significado com as várias semioses

que compõem a multimodalidade é um processo motivador que

traz para as atividades publicitárias ou pedagógicas a riqueza de

uma linguagem desenvolvida de maneira significativa

principalmente a partir no século XX.

Esse novo design do discurso esteve durante muito tempo

distanciado da linguagem dos mercados, das artes e da educação,

mais pela resistência ao uso da imagem e pelo desconhecimento

por parte dos especialistas dessas áreas das teorias sobre as

linguagens multissemióticas do que por outros motivos

concretos. Embora muitos desses estudiosos utilizem imagens,

não enfatizam, na prática profissional, o estudo e a construção de

textos multimodais ou a leitura deles.

Assim, no que toca às informações visuais, deve-se

mencionar o modo como elas foram concebidas e os critérios

estéticos utilizados em sua produção. Também deve ser levada

em conta a identificação do autor e a do processo usado por ele

na organização e na combinação das imagens, do modo como

recortou a cena, o que colocou como central e a maneira como

organizou e utilizou a iluminação.

No que concerne às informações textuais do texto

multimodal, deve ser observado se contribuem para que o

consumidor do texto compreenda aquilo que vê, com base nos

discursos verbais e visuais colocados a sua disposição. De igual

modo, deve-se prestar especial atenção às informações

contextuais relacionadas ao ato criador da imagem, assim como

às intenções do autor.

91 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Em razão da imersão da sociedade em um mundo visual,

alicerçado em avançada tecnologia que influencia as formas de

interação, passíveis de mudança segundo as tecnologias usadas

pela sociedade, devemos prestar atenção ao modo de interagir

das pessoas já que são diretamente influenciadas pelo

desenvolvimento tecnológico. Em razão disso, muitos conceitos

deverão ser revistos.

O primeiro conceito a carecer revisão é o de letramento,

que deve englobar tanto o letramento visual quanto o letramento

midiático, pois o conceito de letramento, referente à habilidade

de ler e de escrever como resultado de uma prática social,

tornou-se insuficiente para cobrir todas as formas de

representação do conhecimento presentes em nossa sociedade,

pois para que o sujeito seja considerado letrado nos dias atuais

deverá ser capaz de construir sentidos em diferentes discursos,

usando múltiplas fontes de linguagem.

Não devemos desconsiderar que os recursos tecnológicos

utilizados na construção dos gêneros discursivos motivam uma

função retórica na construção de sentidos, haja vista que

observamos o aumento cada vez maior da combinação de

aspectos visuais com os de escrita. Certamente não podemos

ignorar o fato de que vivemos em uma sociedade da informação

cada vez mais visual e de que a representação por meio de

imagens produz textos especialmente construídos que revelam as

nossas relações com a sociedade e com o que ela representa.

Assim é que o letramento visual se relaciona diretamente

com o modo como as sociedades se organizam e,

consequentemente, com o modo de organização dos gêneros

textuais. Se lembrarmos, por exemplo, das pinturas das cavernas

que registravam a história daquela comunidade, logo nos

92 Introdução à Multimodalidade

daremos conta de que aquela sociedade e que seus membros

sabiam como ler e interpretar aqueles desenhos.

Por fim, devemos prestar atenção às culturas que, de

modo geral, possuem sistemas de comunicação visual

específicos, marcados pela ideologia e pela cultura, lembrando-

nos sempre de que as grandes obras medievais representam para

nós verdadeiros compêndios visuais que muito têm a nos ensinar

sobre a política, a religião, os costumes e os valores desse tempo.

Portanto, saber ler metáforas visuais em textos multimodais no

mundo globalizado é possuir a chave do mundo dos sentidos.

MULTIMODALIDADE

E LITERACIA

4ª PARTE

95 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

4. LITERACIA MULTIMODAL

Carminda Silvestre

O conceito de literacia, na sua aceção tradicional, está

associado à capacidade cognitiva para ler e escrever e,

fundamentalmente, está relacionado a esta capacidade no uso da

linguagem no seu modo verbal escrito.

Em contextos educativos, os materiais pedagógicos

centram-se essencialmente na linguagem oral e escrita. Sempre

que os professores usam materiais audiovisuais, tais como a

televisão, filmes ou outro meio, estes tendem a ser explorados no

âmbito do conceito tradicional de linguagem: como um meio de

veicular informação, uma mensagem, limitando o seu papel no

texto como um suporte ilustrativo da linguagem verbal.

Em contextos educativos, os materiais pedagógicos

centram-se essencialmente na linguagem oral e escrita. Sempre

que os professores usam materiais audiovisuais, tais como a

televisão, filmes ou outro meio, estes tendem a ser explorados no

âmbito do conceito tradicional de linguagem: como um meio de

veicular informação, uma mensagem, limitando o seu papel no

texto como um suporte ilustrativo da linguagem verbal.

Hoje, a linguagem verbal, nos seus modos oral e escrito,

continua a ter um papel central na vida das pessoas e o sistema

educativo não é exceção a esta realidade. No âmbito da

comunicação, como resultado da evolução das novas

tecnologias, têm sido integrados outros modos de comunicar,

para além da linguagem verbal, conforme referido na parte 1.

Embora a linguagem verbal, na sua forma impressa, se tenha

96 Introdução à Multimodalidade

tornado uma forma privilegiada de veicular o conhecimento

através dos tempos, nas últimas décadas, juntamente com o

modo visual, este modo tem se convertido em co-modo. A

palavra impressa no jornal, na revista, articula-se com a imagem

ou com a fotografia; o livro escolar ou académico já não é

apenas um texto constituído pela palavra escrita, mas um texto

multimodal, em que a palavra escrita interage com gráficos,

quadros, tabelas, desenhos, imagens, na construção de

significados. Os produtores de texto fazem escolhas deliberadas

relativamente ao uso dos modos de representação e a respetiva

articulação de forma a construir os seus textos multimodais. No

entanto, embora se verifique uma crescente coexistência dos

diversos modos semióticos, os modos visuais continuam a ser

ignorados como elementos constitutivos de significado. A leitura

parcial de um texto multimodal apenas na sua vertente de

linguagem verbal escrita revela-se insuficiente numa sociedade

que se caracteriza pela emergência do modo visual. Repare-se,

por exemplo, nos textos publicitários da Benetton em que a

ausência da linguagem verbal escrita é total, para além do

logótipo da marca, conforme mostra a figura 22.

Cumpre clarificar que o conceito de texto aqui usado é o

da perspetiva de Halliday (1989). Para este autor, nome

fundamental da Linguística Sistémico-Funcional (GSF), e seus

seguidores nas áreas da Semiótica Social, Análise Crítica do

Discurso, para enunciar apenas algumas abordagens ao estudo da

linguagem, o conceito desvia-se do seu sentido tradicional,

sendo definido como uma unidade de significação materializada

através de uma porção de linguagem usada para fins de

comunicação num contexto de situação.

97 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Figura 22: Texto publicitário da Benetton

Fonte: http://www.ocorvo.com.br/?cat=9

Podemos definir texto, provavelmente na sua forma

mais simples, por linguagem que é funcional. Por

funcional, queremos dizer simplesmente que é a

linguagem que realiza alguma tarefa em determinado

contexto, por oposição a palavras ou frases isoladas

que poderei escrever no quadro […]. Assim qualquer

excerto de linguagem em uso que faz parte de um

contexto de situação, poder-lhe-emos chamar de texto.

Este pode ser tanto oral como escrito, ou em qualquer

outro modo de expressão. (HALLIDAY, 1989, p. 10,

tradução nossa.)

A referência a outros modos de expressão que não seja

apenas a linguagem verbal, escrita ou oral, sugere o

entendimento de linguagem verbal como um sistema semiótico

de entre uma diversidade de outros sistemas semióticos que

constituem os vários recursos disponíveis na comunicação.

98 Introdução à Multimodalidade

Assim, o termo linguagem abarca não apenas a aceção da

linguagem humana, mas as várias linguagens naturais e

convencionais existentes como recursos comunicativos que

coocorrem e interagem na construção da produção de sentido.

Portanto, quando usamos o conceito de linguagem, este inclui

amplas e variadas formas de comunicação naturais e

convencionais que abrange a linguagem verbal, mas também a

linguagem de outros sistemas semióticos como a moda, a

culinária, as formas, os sons, o espaço ou até a linguagem do

silêncio, para referir apenas alguns.

O texto multimodal é, por conseguinte, uma unidade de

significação, constituída pelos recursos semióticos dos diversos

sistemas escolhidos pelo produtor de texto, num contexto de

situação, para determinados fins comunicativos.

Deste modo, a necessidade de adequar o conceito de

literacia aos avanços tecnológicos, nomeadamente ao uso da

internet ou às imagens que predominam no espaço público e

privado, como parte integrante do habitat do homem pós-

moderno, é urgente e primordial, pois é no âmago dessas

linguagens que pesquisamos o desenvolvimento do conceito.

Não queremos com isto depreciar a linguagem verbal, mas

somente reclamar um espaço para o estudo de outros sistemas

semióticos na sua relação e articulação com a linguagem verbal

no ato comunicativo. A exclusividade da linguagem verbal oral e

escrita como única forma de conhecimento é determinada por

condicionalismos históricos alicerçados no saber analítico que a

linguagem verbal possibilita, como o recurso à metalinguagem,

por exemplo, permitindo a legitimação consensual e institucional

de que esse saber é o fundamental, negligenciando a importância

dos saberes e potencialidades das linguagens não verbais

99 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

enquanto elementos necessários à inclusão do conceito de

literacia perspetivado de forma semiótica.

Pelo que acabámos de dizer, intui-se que o conceito de

literacia, na sua aceção tradicional, revela-se um conceito que

requer alguma reflexão e uma redefinição para fazer face à

realidade de hoje. Já em 1965, num congresso dos Ministros da

Educação, a Unesco sugeriu que a literacia deveria ser entendida

não como um fim em si, mas deveria ser entendida como uma

forma de preparar o indivíduo para a vida, nas suas vertentes

social, cívica e económica e, neste sentido, no contexto da

educação, deveria ir para além do ensino da leitura e da escrita

(McARTHUR, 1998, p. 357). Nesta perspetiva, o conceito deixa

de ser direcionado para um fim, isto é, um produto, para passar a

ser entendido como “uma forma de preparar o indivíduo para a

vida”, ou seja, um processo. Desta forma, o entendimento do

conceito parece orientar-se para uma efetiva participação do

indivíduo nos processos sociais. Estamos perante uma

ressemantização, ou seja, uma mutação semântica de um estado

“ser literato” para um processo em desenvolvimento “construir-

se literato”; o enfoque deixa de ser o conhecimento para passar a

ser a atividade. Assim, quando falamos em literacia informática

não queremos apenas significar a capacidade para ler e escrever,

mas a capacidade de envolvimento na atividade de comunicar

através deste artefacto: o computador. Por conseguinte, as

mudanças sociais resultantes das inovações tecnológicas que

perpassam a sociedade exigem uma aprendizagem permanente e

uma adaptação contínua a novas formas de comunicação.

Contudo, e apesar da redução semântica do conceito

tradicional às necessidades do momento, a língua portuguesa

tem se acomodado às novas realidades recorrendo a

modificadores como nas expressões “literacia informática”,

100 Introdução à Multimodalidade

“literacia económica”, “literacia financeira”, “literacia visual”,

entre outras, expandido, desta forma, o domínio semântico do

conceito. Em muitos dos casos, a expressão parece dissociada do

conceito tradicional de ler e escrever, abrangendo antes a

integração de competências como a leitura de números, gráficos,

imagens entre outras competências integradas numa cultura. No

entanto, estas expressões remetem para a necessidade do

conhecimento básico nas diferentes áreas de aplicação. Em

resultado da expansão do conceito e da sua natural saturação, a

clarificação e delimitação do seu uso no contexto deste trabalho

é fundamental. Assim, passamos de imediato a clarificar o

contexto no qual este é usado.

Autores como Kress e van Leeuwen (2006 [1996], p. 15),

Luke (2000, p. 73), Unsworth (2001, p. 71) reivindicam a

necessidade desta articulação de forma a integrar as literacias

visuais e verbais necessárias a uma aprendizagem crítica das

crianças à multimodalidade, aos textos multimodais do século

XXI. Necessitamos, portanto, de uma teoria dos recursos de

produção de significados. A Semiótica Social, baseada numa

teoria de linguagem sistémico-funcional, em que os estudos da

linguagem em uso dentro de um contexto de situação e de um

contexto de cultura, vem possibilitar analisar os vários sistemas

semióticos, como a linguagem verbal, a linguagem visual, a

linguagem gestual, etc, permitindo analisá-los de um ponto de

vista gramatical.

O enfoque do presente trabalho, porém, reside na

inclusão dos modos de significação visual, oral, espacial, gestual

e linguístico na escrita e a respetiva articulação dos diferentes

modos. Isto significa que todos os elementos provenientes de

sistemas semióticos diversos que coocorrem nos textos

multimodais podem ser analisados, relacionados uns com os

101 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

outros e interpretados em termos das escolhas feitas entre os

recursos semióticos disponíveis e em termos das suas

contribuições para a função social e comunicativa do texto. O

significado do texto não é, por conseguinte, produzido

unicamente por um único modo, mas pela composição dos

diversos elementos. Por outras palavras, no presente capítulo

pretendemos explorar sobre a necessidade da redefinição do

conceito no sentido de nele integrar as necessidades básicas

constitutivas de textos multimodais. Neste pressuposto, o

entendimento de literacia circunscreve-se ao: (i) tratamento do

conceito na sua relação com a linguagem; (ii) uso do conceito

num enquadramento teórico da linguística ─ o estudo teórico da

linguagem como forma de a compreender.

Como Hasan (1996, p. 379) refere, a definição do

conceito tem como primórdio a capacidade para compreender o

princípio da representação. A linguagem é um dos meios

através dos quais os pensamentos, ideias e sentimentos são

representados. Esta competência consiste em relacionar

qualitativamente diferentes tipos de fenómenos ─ uma expressão

e um conteúdo ─ de forma que a significação de um seja

compreendida em termos do outro. Para tornar mais clara esta

asserção passaremos a explicar que a literacia visual pressupõe a

capacidade de “ver” e “compreender” um fenómeno como

representativo de outro, nomeadamente a sua representação

escrita. A capacidade de relacionar a expressão, significante, e o

conteúdo, significado, desta forma é uma condição necessária ao

uso de qualquer sistema semiótico. Definindo o primórdio de

literacia como a capacidade para compreender e construir o

sentido num sistema de significação possibilita ao conceito uma

variedade de praxis semióticas.

102 Introdução à Multimodalidade

Assim, um signo não se limita à linguagem verbal, ou

seja, ao signo linguístico. Os modos de representação gráfica

podem incluir a linguagem verbal no seu modo escrito, sob a

forma de letras, palavras, frases ou sob a forma de números. Para

além desta forma de representação, outras formas como, por

exemplo, o desenho, a fotografia ou a pintura são representadas

sob a forma de linguagem visual. O uso de um lenço ou um

tecido branco como forma de acenar é interpretado como um

sinal de paz. O artefacto, tecido de cor branco, constitui o

significante, isto é, a materialidade do signo cujo significado é o

sinal de paz na comunicação interpessoal em contexto de

conflitualidade. O modo usado para a expressão deste significado é

a linguagem corporal, embora o sistema da cor seja fundamental

para a interpretação desse significado. São amplamente

conhecidos os exemplos de recursos semióticos em contextos de

comunicação intercultural. Para além deste recurso semiótico

como sinal de paz, temos um outro gesto, como o exemplo da

figura 23 ou ainda no âmbito de um outro sistema semiótico, a

imagem, a pomba branca da figura 24. Assim, em três sistemas

semióticos como a cor, o gesto e a imagem encontramos signos

ou recursos semióticos representativos de paz.

Figura 23: Símbolo da paz como recurso semiótico

do sistema da linguagem gestual Fonte: http://excluidosnageral.blogspot.com/2010

103 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Figura 24: A pomba branca (de Picasso) como símbolo de paz

no sistema semiótico visual

Fonte: http://symbolom.com.br/wp/?cat=30

O termo “recurso semiótico” é usado para referir as

ações, materiais e artefactos que usamos para fins

comunicativos, quer produzidos fisiologicamente como, por

exemplo, as cordas vocais, os músculos usados nas expressões

faciais ou gestos, quer tecnologicamente, por exemplo, a caneta

e a tinta ou o software do computador, que sob formas

combinadas e organizadas se constituem como recursos. Van

Leeuwen (2005, p. 3) adota esta terminologia em oposição ao

termo “signo” por considerar que os recursos semióticos têm um

potencial de significação, baseados nos seus usos passados,

conjuntos de potencial semiótico baseados nas suas

possibilidades de uso, que poderão ser atualizados em contextos

sociais concretos em que os seus usos estão subjacentes a formas

de regime semiótico. Assim, o conceito de signo, no seu

entendimento saussureano constituído por significante e

significado, parece ter um caráter mais estático, implicando de

104 Introdução à Multimodalidade

que um signo está para algo em vez de algo. O significante é a

materialidade do signo, isto é, o som ao dizermos a palavra

“cão” ou o conjunto de letras “c ã o” materializadas no papel e o

significado é o conceito mental a que se refere. A relação entre o

meu conceito de cão e a realidade física dos cães é a significação

─ a minha maneira de conferir significado à palavra, de a

compreender. Esta relação tem de ser interpretada em contextos

culturais específicos. Na língua portuguesa, por exemplo, o

significante “rapariga” ao ser pronunciado de forma oral através

dos sons que resultam da junção de “r a p a r i g a” tem um

significado diferente quer estejamos a usar o PE (Português

Europeu) ou o PB (Português do Brasil). No primeiro caso

significa menina, moça, jovem, e no segundo, dependendo da

região do Brasil, pode significar uma menina de comportamento

socialmente pouco aceitável. O significado não está no objeto,

pessoa ou palavra. Somos nós que o construímos, que o fixamos

pelo sistema da representação. Este é construído e fixado pelo

código ou, se quisermos generalizar, pelos diferentes sistemas

semióticos.

Um exemplo simples ilustrativo de como as linguagens

funcionam como sistemas de representação é o código das

estradas. Os semáforos, por exemplo, máquina que assinala

através de diferentes cores de forma sequenciada, vermelho,

amarelo e verde, a proibição de passagem, cautela na passagem

de veículos ou pedestres e permissão de passagem. As cores em

si mesmas não representam parar ou avançar, pois estas não têm

qualquer significado fixo.

105 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Figura 25: Semáforos

Fonte: http://emdurb.blogspot.com/2010/12/emdurb-da-continuidade-implantacao-

de.html

Figura 26: Sinal de stop do código das estradas

Fonte: http://pt.fotolia.com/id/27229158

A arbitrariedade da cor como sistema de representação é

aqui ilustrada pelo uso do luto como sistema simbólico. O preto

é usado no mundo ocidental, conforme figura 27, o branco é

usado em países africanos e alguns países árabes, o azul é usado

no Irão, o vermelho é usado em algumas etnias de África do Sul,

como representado na figura 28.

106 Introdução à Multimodalidade

Figura 27: Cor preta como símbolo do luto para a cultura

ocidental Fonte: http://www.elpais.com/recorte

Figura 28: Cor vermelha como expressão do luto numa etnia na

África do Sul Fonte: http://danny111.spaceblog.com.br/r26395/Moda-e-Estilo/

No âmbito dos sistemas convencionais, como são os

signos aqui assinalados, incluímos a escrita. A escrita não

emerge como um outro modo de expressão da linguagem a par

com a linguagem oral. Historicamente a escrita é um sistema

107 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

semiótico que emerge da necessidade de mapear a fala e as

figuras, isto é, um modo de representação visual.

Os exemplos de signos inseridos em sistemas semióticos

não se restringem aos acima enunciados, estes vão desde sistema

semióticos naturais, como são a forma e a cor das nuvens como

sinais de mau tempo ou de bom tempo, como são o caso das

figuras 29 e 30.

Figura 29: Nuvens indiciam temporal

Fonte: http://www.fotoplatforma.pl/pt/fotos/2550/

Figura 30: Nuvens indiciam bom tempo

Fonte: http://www.umaquariana.blogspot.com/2011/02/dia-limpo.html

108 Introdução à Multimodalidade

Naturalmente que não podemos interpretar um signo de

forma fragmentada; a interpretação do signo na sua relação com

outros signos, os tipos de relações estabelecidas e a

contextualização são determinantes para a interpretação. Por

conseguinte, tanto o contexto comunicacional da interação como

o contexto situacional são fundamentais. O signo tem significado

apenas num contexto com outros signos e a significação ocorre

sempre em contexto de uma situação social.

No plano da representação, o que Halliday (1994, p. 179)

na sua teoria de linguagem classifica de metafunção ideacional,

está relacionado com a construção da experiência, ou seja, a

linguagem como uma teoria da realidade, como um recurso para

refletir sobre o mundo. Usamos a linguagem para representar,

falar sobre a nossa experiência no mundo, nomeadamente o

mundo físico e mental, para descrever eventos e estados, para

além das entidades neles envolvidos. Por outras palavras, os

recursos semânticos ideacionais constroem o mundo circundante

e o mundo interior. Os fenómenos da nossa experiência são

construídos como unidades de significação que podem ser

nivelados em hierarquias e organizados em redes de tipo

semânticos. As unidades de significação são estruturadas em

configurações de funções (papéis) de diferentes níveis na

hierarquia (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2006 [1999], p.

11). Inscrita nesta metafunção como modo de significação,

podemos explorar, por exemplo, como uma oração constrói a

experiência através da categorização e a sua configuração numa

imagem, como explicaremos de forma pormenorizada na parte 5.

Na teoria de linguagem de Halliday (1994) para além da

metafunção ideacional referida, existem ainda a metafunção

interpessoal e a metafunção textual. Na metafunção interpessoal,

a linguagem como praxis da intersubjetividade, usamos a

109 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

linguagem como recurso para interagir com os outros, para

estabelecer e manter relações com estes, influenciar o seu

comportamento, expressar o nosso ponto de vista sobre o

mundo, provocá-los ou mudá-las. Ao usarmos a linguagem como

discurso, na construção dos significados ideacionais e

interpessoais, organizamos a nossa mensagem de forma a fazer

sentido. Esta é a metafunção textual. A linguagem como um

recurso semiótico da realidade entendida como um processo

(discurso) ou como um produto (texto).

No âmbito das preocupações de Kress e van Leeuwen

(2006 [1996], p. 15) acerca das necessidades de integrar novas

competências nas escolas e universidades e de fornecer literacia

visual, este livro pretende explorar instrumentos de análise

possibilitadores de uma literacia multimodal e fornecer uma

maior compreensão da interface entre os diferentes elementos

que constituem os textos multimodais (escrito, oral, visual, entre

outros). Todos conhecemos o impacto que as imagens têm nos

valores, crenças, opiniões e comportamentos dos indivíduos e

testemunhamos o crescente domínio deste território como texto.

Deste modo, a necessidade de conferir atenção aos significados

visuais na sua relação com os significados linguísticos expressos

nos textos multimodais são requisitos fundamentais de forma a

desenvolver competências críticas de leitura dos textos. Assim, a

literacia não implica apenas a vertente tradicional da capacidade

cognitiva de ler e escrever, mas envolve também o processo, a

vertente da atividade referida anteriormente, e a participação no

discurso, componente que queremos enfatizar a da participação e

da resistência como forma de emancipação e de fortalecimento

dos sujeitos no ato de aprendizagem da cidadania. Neste último

sentido, a nossa proposta articula-se com o conceito de literacia

tal como Halliday (1996, p. 357) o apresenta em que ser literato

110 Introdução à Multimodalidade

não implica apenas participar no discurso de uma sociedade de

informação, mas resistir-lhe, defendermo-nos e defender os

outros contra o discurso tecnologizante antissemântico e

antidemocrático. Para isso, mais do que nunca, necessitamos de

conhecer como a linguagem funciona, como a gramática na sua

perspetiva sistémica de léxico-gramática interage com a

tecnologia para alcançar os seus efeitos.

No sentido de Kress e van Leeuwen (2006 [1996]),

assume-se aqui que as imagens não são meras ilustrações dos

textos; estas têm a sua própria gramática na construção de

significados e, por conseguinte, estas devem ser entendidas

como um recurso semiótico no processo/produto do nosso

sistema semiótico: a linguagem visual. Neste pressuposto,

iremos explorar alguns exemplos para mostrar a estruturação do

visual na sua articulação com a linguagem verbal, identificando

como os elementos são composicionalmente agrupados e

simultaneamente identificar padrões de linguagem usados de

forma sistematizada na construção do nosso universo social.

Assim, a teorização aqui subjacente implica sempre

compreender, isto é, descrever, analisar e explicar a experiência

humana de modo a identificarmos um padrão e porventura

perceber as razões pelas quais as pessoas comunicam como

comunicam, encontrando maneiras de compreender a atividade

humana de uma forma que os próprios humanos a possam

reconhecer.

MULTIMODALIDADE:

CONTRIBUTOS PARA UMA

LITERACIA MULTIMODAL

5ª PARTE

113 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

5. CONTRIBUTOS PARA UMA LITERACIA

MULTIMODAL

Carminda Silvestre

Partindo do pressuposto de que existe a necessidade de

incorporar novos conceitos e teorias da linguagem para fazer

face a um mundo cada vez mais visual, teremos de recorrer a

instrumentos analíticos capazes de responder às questões

levantadas por uma realidade social que se tem vindo a

reconfigurar perante os avanços tecnológicos, nomeadamente ao

uso da internet ou ao crescente número de imagens que imperam

no espaço público e privado. A nova realidade requer uma

aprendizagem de multiliteracias em que modos de comunicação

não se circunscrevem à linguagem verbal e o entendimento desta

se configure de uma forma abstrata. Assim, como entidades

propiciadoras de fazer sentido do mundo, as escolas e

universidades têm de incorporar novas ferramentas para

fortalecer os cidadãos. Neste contexto, o professor tem um papel

fundamental na seleção e construção de materiais para

desenvolver as competências dos alunos nas multiliteracias.

A partir de dois livros de literatura infantojuvenil, o

presente capítulo explora os sistemas semióticos verbal e visual

e as suas relações. Deste modo, definimos como objetivos gerais

(i) mostrar que a Semiótica Social, baseada numa teoria da

linguagem sistémico-funcional, da linguagem em uso dentro de

um contexto de situação e de um contexto de cultura, permite

trilhar percursos de leitura de diferentes sistemas semióticos

como são a linguagem verbal no seu modo escrito e a linguagem

114 Introdução à Multimodalidade

visual na forma de desenho para criança que se articulam na

produção do texto multimodal, i.e., uma unidade de significação

constituída pelos recursos semióticos dos sistemas verbal e

visual escolhidos para os fins comunicativos em apreço; (ii)

mapear caminhos de desenvolvimento na leitura de imagens. No

âmbito destes propósitos gerais, foram definidos os seguintes

objetivos específicos: a) identificar como as imagens localizam

as entidades no espaço; b) identificar a correlação dos dois

sistemas semióticos (imagem e escrita); c) mapear as emoções

nas imagens; d) identificar as correlações das emoções em textos

multimodais; e) explorar as relações dos dois sistemas

semióticos, circunscrevendo a análise na função de

complementaridade.

O livro que só queria ser lido é o título do livro escrito

por José Jorge Letria, eminente escritor português de literatura

infantojuvenil, e ilustrado por Daniel Silva (fig. 31). Este livro

constitui o corpus da análise das duas primeiras subpartes: a

localização das entidades no espaço e o mapeamento das

emoções nos sistemas semióticos verbal e visual.

É um livro catalogado como sendo literatura

infantojuvenil para um público-alvo cuja idade se propõe acima

dos 8 anos. Como resumo, temos a história de um livro que teve

o seu tempo, que esteve na moda, que passou de mão em mão,

que teve leitores apaixonados e que depois acabou na prateleira

do esquecimento e da solidão, alimentando apenas o sonho de

voltar a ser lido. Na sua solidão, teve por companhia uma velha

máquina de escrever, também ela condenada ao esquecimento.

Juntos, foram encontrando formas de ultrapassar a tristeza de se

sentirem sozinhos.

115 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Figura 31: Capa do livro (visual e verbal)

Fonte: http://www.bertrand.pt/catalogo

Na procura de esbater as fronteiras que delimitam os

diferentes sistemas semióticos (escrita e visual) pretendemos dar

resposta às perguntas: “Como é que as imagens localizam as

entidades no espaço?”; “Como é que padrões de dois sistemas

semióticos interagem na produção de significados?”; “Como são

mapeadas as emoções nas imagens?”; “Como estão as

representações dos dois sistemas semióticos relacionados no

texto multimodal?”. Colocadas as questões, passaremos, assim, a

analisar em primeiro lugar a localização das entidades no espaço

e, de seguida, derivaremos para o mapeamento das emoções

como representação. Paralelamente, procuraremos dar resposta

ao tipo de relações estabelecidas entre os sistemas semióticos na

produção de significados.

116 Introdução à Multimodalidade

5.1 A LOCALIZAÇÃO DAS ENTIDADES NO ESPAÇO

O entendimento de linguagem verbal é de um sistema

semiótico de entre uma diversidade de outros sistemas

semióticos que constituem os vários recursos disponíveis na

comunicação. Assim, o termo linguagem abarca não apenas a

aceção da linguagem humana, mas as várias linguagens naturais

e convencionais existentes como recursos comunicativos que

coocorrem e interagem na construção da produção de sentido,

como foi referido anteriormente, na parte 4.

Esta análise enquadra-se, portanto, na Semiótica Social

(HODGE e KRESS, 2006 [1988]; KRESS e van LEEUWEN,

2006 [1996]; KRESS, 1997, 2003) e na Gramática Sistémico-

Funcional (GSF) de Halliday (1994, 1985), uma teoria de

linguagem, cuja visão tem sido expandida e aplicada a outros

recursos semióticos por inúmeros seguidores. No seguimento de

Kress e Van Leeuwen (2006 [1996], 2001), Kress (2003),

Iedema (2003), Baldry (2000), Baldry e Thibault (2006),

O’Halloran (2004), para enunciar apenas alguns nomes, este

trabalho inscreve-se numa teoria em que a linguagem verbal não

é entendida como um fenómeno isolado. Este permite analisar

como os diferentes recursos são ressemiotizados e interagem na

produção de sentido. Apresentado o quadro teórico, passaremos

de imediato para a análise das entidades localizadas no espaço.

Sabemos que a forma como colocamos os objetos no

espaço e as relações estabelecidas entre si envolve o

reconhecimento da existência de relações simétricas e

assimétricas. Nas relações assimétricas entre o objeto que

queremos colocar e o objeto em relação ao qual o queremos

posicionar, há escolhas que têm de ser feitas. As relações

assimétricas podem ser criadas em relação à posição, à ordem, à

117 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

distância, ao tamanho ou outros tipos de relações. A entidade, o

participante representado da história (livro), é colocada na

página como um recurso semiótico que juntamente com outros

recursos semióticos possibilitam um potencial de significações,

especificando possibilidades de caminhos de leitura.

Como referimos anteriormente, o termo “recurso

semiótico” é usado para referir as ações, materiais e artefactos

que usamos para fins comunicativos, quer produzidos

fisiologicamente pelas cordas vocais quando falamos, quer pelos

músculos usados nas expressões faciais ou gestos, quando

comunicamos pela linguagem corporal, quer a folha em branco,

o lápis e a tinta, quando desenhamos, quando ilustramos, que,

sob formas combinadas e organizadas, constituem-se como

recursos.

No uso destes recursos, e como referimos acima, há

escolhas que têm de ser feitas. A noção de escolha é crucial na

Semiótica Social. Todos os elementos provenientes de sistemas

semióticos diversos que ocorrem na construção de um texto

multimodal podem ser analisados, relacionados uns com os

outros e interpretados em termos das escolhas feitas entre os

recursos semióticos disponíveis e em termos das suas

contribuições para a função social e comunicativa do texto.

O título do livro O livro que só queria ser lido é uma

metáfora ontológica ─ O LIVRO É UM SER VIVO ─

(LAKOFF e JOHNSON, 2002 [1980]) denominam este tipo de

metáfora de “personificação”. Como ser vivo, o livro tem

sentimentos, emoções, que são exploradas, sendo como metáfora

um tributo ao livro e à leitura, que expressam uma verdade

essencial: os livros partilham as nossas vidas e são parte da

aventura para o conhecimento.

118 Introdução à Multimodalidade

Os recursos semióticos usados são as imagens e a

linguagem verbal escrita. O livro não é o único participante

representado da história, mas é o mais importante ─ o

protagonista. Como tal, é localizado na capa, assumindo o seu

nível de importância.

Iremos neste passo da análise focar a nossa atenção na

organização do texto. Van Leeuwen (2005) denomina o layout

de composição que, no caso da capa, materializa a metafunção

textual (HALLIDAY, 1994), na terminologia da GSF. Nesta

metafunção, a linguagem é usada para relatar aquilo que é

escrito ou ilustrado, para mencionarmos apenas os recursos

inscritos nos dois sistemas semióticos aqui tratados (a linguagem

verbal escrita e a linguagem visual). Isto envolve a linguagem na

organização do próprio texto. Relembramos que o entendimento

de texto aqui usado é o de Halliday (1989), em que este é

assumido como uma unidade de significação materializada por

uma porção de linguagem para fins comunicativos num contexto

de situação, qualquer que seja o sistema semiótico no qual este é

expresso.

Em termos de composição, ou para usarmos a

terminologia da GSF, na metafunção textual, as noções de

centro, margem, direita, esquerda, em cima ou em baixo são

dimensões da nossa experiência espacial, mas a aquisição e a

interiorização de valores positivos e negativos constituem

extensões metafóricas semiotizadas nos diversos sistemas

semióticos. Estas noções são determinadas culturalmente.

Assim, a página impressa é um espaço visual da organização

textual. Na figura 28 (capa), os dois sistemas semióticos estão

organizados de forma a construir uma unidade de significação. A

proeminência visual é dada ao livro localizado à esquerda na

primeira prateleira.

119 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Quando falamos ou escrevemos começamos com algo

que é “dado”, algo já conhecido ou já mencionado de forma que

o nosso interlocutor possa passar para o “novo”, para o

conhecimento que o locutor quer introduzir.

Considerando a estrutura da informação, a organização

espacial do livro e a sua relação com as prateleiras mostra que

este está localizado no espaço do “dado”, i. e., conhecido, tanto

no sistema semiótico visual como no sistema semiótico verbal,

materializando a ordem da esquerda para a direita. É o elemento

visual mais destacado. O mesmo é verdadeiro para o título, como

vemos no quadro 1.

O livro que só queria ser lido

Dado Novo

Quadro 1: Título do livro

Esta ordem não é, portanto, restrita à linguagem verbal. A

ressemiotização ao nível da linguagem visual também segue esta

direção. A atenção é concentrada no primeiro elemento, o livro.

Esta informação (dado) é normalmente localizada no início da

oração. A outra informação (novo) é o enfoque da mensagem,

aquilo que o torna especial, único: que só queria ser lido. A

localização da impressão das letras segue a ordem estrutural

horizontal da esquerda para a direita, mas graficamente a escolha

feita é a ordem hierárquica vertical descendente (de cima para

baixo), seguindo a orientação de alongamento (elongation)

vertical, como Kress e van Leeuwen (2006 [1996], p. 57)

120 Introdução à Multimodalidade

classificam, em que o mais importante está em cima. Esta última

escolha é da responsabilidade de um terceiro elemento do

processo: o designer gráfico. Em segundo lugar, o facto de o

livro estar posicionado na primeira prateleira, quando estão

pintadas mais prateleiras, sugere uma construção hierárquica da

imagem, sugerindo a orientação da página como uma ordem

vertical descendente.

De facto, a localização da identidade no espaço é

sugerida pelo sistema semiótico verbal que coocorre com o

sistema visual, como mencionado na página 7 do referido livro

“Era o caso deste livro, que encontrara o seu pouso certo numa

prateleira alta de uma estante colocada ao lado da secretária,

onde agora era rei e senhor o computador”. O leitor, pelos

exemplos dados, percebe padrões de semelhança da linguagem

verbal e da linguagem visual. Contudo, a localização espacial do

livro é expressa verbalmente num contexto mais amplo do que a

visual. Circunscrevendo a análise a este tópico específico, o

apagamento da imagem, parece ser uma estratégia semiótica em

que a redução existe por questões de gestão do espaço. O tipo de

relações entre os dois sistemas semióticos não se restringe ao

enunciado. Relações de expansão, de projeção, entre outros (para

um maior desenvolvimento, ver UNSWORTH, 2006), poderão

ser estabelecidas. Por conseguinte, a organização espacial das

entidades podem ser descritas linguisticamente de variadas

maneiras, expressando cada uma delas as escolhas do escritor. O

mesmo é verdadeiro para as imagens. A organização espacial é

uma escolha que o ilustrador faz de forma a representar esta

vertente semiótica do texto num processo de ressemiotização e,

por conseguinte, de produção de significado.

Iedema (2003) considera o uso deste conceito

(ressemiotização) consistente na sua aplicação aos textos

121 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

multimodais por duas razões: (i) esboça como os sistemas

semióticos são traduzidos de um sistema para o outro como

processos sociais; (ii) questiona o porquê de um sistema

semiótico ser mobilizado em vez de outro para concretizar algo

em tempos específicos.

No âmbito da Gramática Sistémico-Funcional, a

metafunção ideacional assume que qualquer sistema semiótico

tem de ter a facilidade de comunicar acerca da representação do

mundo interior ou exterior. Na linguagem verbal, a organização

da oração realiza os significados ideacionais, a representação dos

tipos de processos e dos participantes associados. De acordo com

Halliday e Matthiessen (2006 [1999], p. 52) uma imagem é uma

representação da experiência na forma de uma configuração,

consistindo num processo, com participantes fazendo parte desse

processo e de circunstâncias associadas. Acrescentam que há

inúmeros tipos de processos no universo não semiótico, mas que

estes são construídos semioticamente de acordo com a forma

como os participantes são configurados num reduzido número de

processos tipo: ser, fazer, sentir e dizer.

Se analisarmos de forma mais próxima a representação

linguística, conforme o quadro 2, identificaremos duas entidades

envolvidas no processo. O livro não é o único participante da

história. É o mais importante, mas existe a máquina de escrever

que sofre do mesmo problema ─ ser relegada para um segundo

plano ─ já que agora o computador é rei e senhor. Os processos

relacionais são aqueles que codificam significações estabelecidas

por relações de ser. Este tipo de processo envolve o

estabelecimento de uma relação entre dois termos. Neste caso, as

duas entidades representadas são o livro e a máquina de

escrever. A relação estabelecida entre estas duas entidades é a de

posse. Isto é codificado no processo. O livro é o possuidor,

122 Introdução à Multimodalidade

“tinha” o processo, é um processo possessivo atributivo, e “a

máquina de escrever” o atributo, o possuído. De facto, o livro,

objeto não humano antropomorfizado, é representado ao longo

da história fundamentalmente como experienciador e portador

cujas emoções e relações são expostas. Por outro lado, a

representação visual dos dois participantes segue a estrutura do

sistema semiótico verbal, como pode ser observado no quadro 2.

(Linguagem verbal)

A única companhia com que

o livro podia contar era a de

uma velha máquina de escrever

que já tivera, naquela casa, a

sua época e a sua utilidade.

(Representação dos 2 sistemas

semióticos)

possuidor ─ verbo relacional ─

possuído

(Linguagem visual)

Fonte: O livro que só queria ser lido

O alongamento horizontal (KRESS e van LEEUWEN,

2006 [1996]) é realizado visualmente pela colocação do livro no

local do “dado”, a informação considerada familiar para o leitor

e que serve de ponto de partida da oração, ao passo que a

máquina de escrever é colocada na posição do “novo”, a

123 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

informação até ao momento desconhecida para o leitor,

materializando o local do atributo possuído.

Uma possível relação das entidades no espaço em termos

de localização seria colocar o livro na estante e a máquina de

escrever na secretária. Seguindo tanto a ordem da posição como

a de relação, o livro é posicionado à esquerda da máquina, sua

companheira de infortúnio. O livro materializa assim a posição

da esquerda, enquanto a máquina fica na posição da direita.

Especificando este tipo de relação espacial entre as duas

entidades (livro e máquina), o livro é percecionado como tendo o

papel do “dado” na imagem, à semelhança do que acontece com

a linguagem verbal [O livro tinha como companheira uma

máquina de escrever]. Deste modo, quando comparamos os dois

sistemas semióticos, nas suas funções de criação de significados,

a orientação da localização das entidades no espaço segue a

direção da esquerda para a direita (tanto na frase como na

imagem).

A localização das entidades no espaço pode ser descrita

linguisticamente de variadas maneiras, cada uma expressando as

escolhas do escritor. O mesmo é verdadeiro para as imagens. A

organização espacial das imagens é resultante das escolhas que o

ilustrador faz para representar os recursos deste sistema

semiótico num processo de correlação na articulação da

produção de significados.

Seguindo tanto a relação da posição como da ordem, o

livro é posicionado à esquerda da prateleira: tem uma posição

experienciador enquanto a máquina de escrever é posicionada à

direita. Quando especificamos o tipo de relação espacial entre as

duas entidades (livro e máquina de escrever) encontramos um

padrão espacial comum nos dois sistemas semióticos. A

124 Introdução à Multimodalidade

estrutura espacial da imagem é organizada de forma similar à

estrutura verbal, criando proposições significativas em termos de

sintaxe visual. Assim, ao compararmos os dois sistemas

semióticos na construção de significados, ambos seguem a

orientação da esquerda para a direita da frase.

As máquinas de escrever são, na generalidade, maiores

do que os livros, seguindo a condição de assimetria no que se

refere ao tamanho. A organização espacial destas duas entidades

é aqui representada como relativamente simétrica em termos de

tamanho, seguindo, uma configuração de amigável simetria

relacional.

5.2 O MAPEAMENTO DAS EMOÇÕES NOS SISTEMAS

SEMIÓTICOS VERBAL E VISUAL

Nesta parte da análise, pretendemos mostrar o

mapeamento das emoções, isto é, como é que as emoções estão

representadas no texto multimodal, e procurar identificar os

diferentes sentimentos linguístico, pela análise da Atitude

(MARTIN, 2008), e pela da imagem, pela análise da metáfora

conceptual (LAKOFF e JOHNSON, 2002 [1980]). As relações

destes dois sistemas semióticos, linguagem verbal do modo

escrito e imagem, são identificadas e explicadas. A análise é

circunscrita no âmbito dos significados representacionais ou,

para usarmos um termo da GSF, no da metafunção ideacional

(HALLIDAY, 1994).

Como tem vindo a ser evidenciado, a linguagem é um

sistema semiótico pelo qual os pensamentos, ideias e

sentimentos são representados numa determinada cultura. A

imagem, ou o sistema semiótico visual, é outro modo por meio

do qual os pensamentos, ideias e sentimentos são representados

nessa mesma cultura. O modo escrito é o modo privilegiado na

125 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

educação pelo qual construímos a realidade e fazemos sentido

dela, mas sendo as imagens outro modo, elas também

representam conceitos, ideias e sentimentos. Por conseguinte, a

linguagem não é um sistema isolado de comunicação, mas exige

referência a outros sistemas na construção de sistemas de

significação.

A metáfora como conceito também é multimodal no

sentido de que pode ser usada noutros sistemas semióticos para

além do verbal. Lakoff e Johnson (2002 [1980]) trazem à

evidência que este recurso cognitivo é um mecanismo básico na

compreensão da experiência, da nossa compreensão do mundo.

O livro é apresentado como uma metáfora conceptual

ontológica, como referido anteriormente, em que este objeto

físico constituído por papel, constrói-se como um ser humano,

com todas as experiências, sentimentos, motivações que só aos

humanos é possível viver, percecionar e sentir. Por meio da

personificação do livro, entidade não humana, este passa a ser

apresentado em termos humanos, termos esses que podemos

entender com base nas nossas próprias experiências,

comportamentos, emoções e motivações.

Polarizadas entre tristeza e alegria, a maior parte das

emoções enunciadas ao longo da história estão mapeadas em

sentimentos circunscritos na esfera do pólo negativo, tais como

tristeza, esquecimento, abandono e solidão. As emoções são

representadas linguisticamente pelo uso de várias realizações

léxico-gramaticais. O livro começa com “Era uma vez um livro

triste”. O adjetivo é por natureza um modificador do substantivo

e “triste” é o modo de ser do “livro triste”.

Martin (2008), no estudo da “atitude”, defende que o

“afeto” se refere aos recursos usados para construir as reações

126 Introdução à Multimodalidade

emocionais. Registam os sentimentos positivos e negativos, isto

é, se nós nos sentimos tristes ou felizes, confiantes ou ansiosos.

Estes sentimentos são localizados tanto linguisticamente como

em imagens, como vamos passar a analisar.

Ao considerarmos a linguagem corporal como um modo

de comunicação ou configurarmos esse modo como discurso,

isto é, como uma prática social, a configuração de algumas

propriedades (braços, pernas e olhos projetados para baixo,

vetorizadas de forma descendente) mostram que a imagem do

livro expressa tristeza. As diferentes partes do corpo

identificadas (ver quadro 3) são percecionadas de forma

consistente com características (gestos) que agrupados

constituem a configuração de propriedades que têm sido

instanciadas pelas propriedades de frequência e de tempo nas

nossas perceções do mundo. Estas propriedades constituem os

padrões de comportamento adotados pela comunidade e, por

conseguinte, fazem parte das nossas próprias práticas (HASAN,

2004, p. 18). O papel da metáfora orientacional é aqui um

instrumento analítico fundamental na instanciação da “atitude”

nas imagens.

As metáforas orientacionais (LAKOFF e JOHNSON,

2002 [1980]) constituem um instrumento de orientação físico-

espacial fundamental na compreensão da realidade desencadeada

pelo esquema de imagens que lhe estão subjacentes. Esta

metáfora organiza todo o sistema de conceitos em relação a um

outro. A orientação espacial pode se realizar em diferentes

direções (para cima; para baixo; frente; trás etc). Um exemplo

típico desta metáfora é FELIZ É PARA CIMA e TRISTE É

PARA BAIXO, que se manifesta em enunciados como, por

exemplo, “estou a sentir-me em baixo”, “ele está na mó de

baixo”, “ela anda de rastos”, “estamos num alto astral”, “ando

127 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

nas nuvens”, “estou no céu”. As locuções prepositivas “para

cima de” e “para baixo de” são exemplos amplamente

divulgados como propiciando associações que estão ligadas a

preconceitos negativos relacionados com a locução “para baixo

de” e ideias opostas em relação a “para cima de”. Refira-se, no

entanto, que a orientação é determinada por esquemas cognitivos

determinados por culturas específicas. Apresentamos a título de

exemplificação a diferença entre a língua portuguesa e o

mandarim. Em português, expressamos o tempo passado, em

termos de configuração linear, na direção horizontal “trás” e o

futuro na direção “frente”. Em mandarim, o passado assume a

direção “frente” (gian) e o futuro, por oposição, assume a

direção “trás” (hou). Nesta língua o tempo “passado” também

pode ser representado na direção vertical “cima” (shang) e o

futuro na direção vertical “baixo” (xia), direção não considerada

no português.

Partes do corpo

(imagem)

Partes do corpo

(descrição)

Linguagem verbal:

atitude

Olhos:

olhar direcionado

para baixo

Era uma vez um livro

triste.

Ombros / braços:

direcionados para

baixo

Sentiu-se ainda mais

só, triste e esquecido o

pobre livro.

Pernas:

direcionadas para

baixo; não hirtas

Porque me sinto muito

só e triste…

Quadro 3: representação de tristeza

128 Introdução à Multimodalidade

Retomando a metáfora orientacional usada no livro em

análise, o quadro 4 mostra, por outro lado, através de algumas

características da imagem, significados opostos. Sabendo que

esta é a última imagem do livro, podemos concluir que este tem

um final feliz. O livro está aberto. Os braços e as pernas estão

vetorizados para cima. Os olhos estão completamente abertos

direcionados para cima. A configuração da linguagem corporal é

a representação de emoções de reconhecimento e glória, estado

que é polarizado como sendo a expressão da felicidade.

E se houvesse na casa uma

tabela dos mais procurados, como há nas livrarias, o livro

teria ficado várias semanas

seguidas no primeiro lugar, sem

rival à vista. E bem merecia esse momento de reconhecimento e

consagração.

Quadro 4: Última imagem do livro (reconhecimento e

consagração)

As diferentes partes do corpo do livro, identificadas no

quadro 4, são percebidas como consistentes com determinadas

características (gestos) que, agrupados, dão uma certa

configuração das propriedades da representação de emoções

positivamente avaliadas. Como foi referido anteriormente, estes

gestos têm sido instanciados através da frequência e do tempo

nas nossas perceções do mundo. Essas perceções constituem

padrões de comportamento adotados pela comunidade e, deste

modo, são parte integrante das nossas práticas, como as

ilustrações parecem expressar. A coarticulação e interseção dos

129 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

dois sistemas semióticos contribuem para a produção da

construção de significados.

Partes do corpo

(imagem) Partes do corpo

(descrição) Linguagem verbal:

atitude

Olhos:

olhar direcionado

para cima

E bem merecia

esse momento de

reconhecimento e

consagração.

Ombros / braços:

direcionados para

cima

Sentiu-se ainda mais

só, triste e esquecido

o pobre livro.

Pernas: cruzadas

direcionadas para

cima

Quadro 5: representação de reconhecimento e consagração

(felicidade)

Os padrões de linguagem corporal identificados no

quadro 5 constituem padrões de ressemiotização da linguagem

verbal que o ilustrador escolheu para representar as emoções

aqui verbalizadas como as polarizadas de forma positiva. Deste

modo, consideramos a hipótese de que as relações entre as

características visuais das imagens e as da linguagem verbal

escrita estão materializadas por meio de metáforas visuais que

encontram relações de complementaridade metafórica no

instrumento analítico da “avaliação”.

130 Introdução à Multimodalidade

Em forma de conclusão, o modo como apreendemos o

mundo está subordinado a categorizações. A linguagem verbal é

um modo de percecionarmos e expressarmos essa realidade.

Outros sistemas semióticos existem que ocorrem como outros

modos de expressarmos essa mesma realidade.

Esperamos ter mostrado também que o quadro teórico da

Avaliação das práticas sociais, neste caso concreto, de parte de

práticas sociais que constituem o discurso, mais especificamente

o afeto ─ atitude associada à emoção ─ indica uma visão

positiva ou negativa dos atores envolvidos nos processos, bem

como as metáforas conceptuais (LAKOFF e JOHNSON, 2002

[1980] permitem analisar os recursos semióticos constitutivos

dos textos multimodais. Fornecem também instrumentos

analíticos conducentes a uma multiliteracia e, neste caso

específico, na leitura de imagens, bem como a articulação dos

diferentes sistemas semióticos usados no nosso dia a dia. Este

quadro teórico permite, como o tem demonstrado a investigação

recente em áreas, como o cinema (O’HALLORON, 2004),

cartoons (SANZ, 2008) por oposição à semiótica, no seu início,

quando eram procuradas as articulações linguísticas da

linguagem visual, tendo se refletido, por isso, sobre as

pontencialidades da arte, em geral, como linguagem. Apenas nos

anos 80, Massironi (2010 [1982]) desenvolveu de forma

aprofundada a análise do desenho partindo do quadro teórico da

psicologia (perceção de imagens) e da semiologia (produção de

sinais). Em conformidade com o exposto, defendemos que este é

um passo metodológico a desenvolver no sentido de uma maior

compreensão de formas contemporâneas de comunicação.

O livro que só queria ser lido privilegia o modo escrito.

Nem tudo o que é escrito é materializado pelo uso de imagens,

podem existir ações, atores, circunstâncias que são submetidos a

131 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

um apagamento (redução visual). No entanto, as relações

existentes entre estes dois sistemas semióticos não se esgotam

neste exemplo. Por outro lado, foram encontrados padrões de

semelhanças entre os dois sistemas semióticos, nomeadamente

no que se refere à localização do valor da informação, no âmbito

dos significados composicionais, verificando-se os mesmos

padrões de organização dos sistemas como são as orientações de

cima para baixo e da esquerda para a direita ditadas pelas

normas da escrita ocidental.

5.3 LINGUAGEM VERBAL E VISUAL: RELAÇÕES DE

COMPLEMENTARIDADE DOS SISTEMAS SEMIÓTICOS

Como tem sido explorado nos diferentes capítulos, no

âmbito do estudo da multimodalidade, a linguagem verbal e a

linguagem visual não são tomadas como sistemas semióticos

isolados cuja função deste último seria meramente decorativa,

ilustrativa ou decorativa. Entendemos o texto multimodal como

uma unidade de significação em que os produtores de texto

fazem escolhas de forma a construírem um produto com um

propósito comunicativo pelo uso desses sistemas (para um maior

desenvolvimento, ver 6ª parte, sobre género).

Assim, para respondermos à pergunta ─ Qual o tipo de

relação estabelecida entre a linguagem visual e a linguagem

verbal? ─, iremos analisar um pequeno excerto de um livro nos

modos verbal e visual. Com base em O Pardal de Espinosa,

escrito por José Jorge Letria e ilustrado por Daniel Silvestre

Silva, iremos focar a nossa atenção sobre o tipo de relação

complementar estabelecido entre os dois sistemas semióticos,

questão brevemente aflorada no ponto anterior.

132 Introdução à Multimodalidade

O livro infanto-juvenil é a história de um dos mais

importantes filósofos do século XVII, Espinosa, polidor de

lentes, de profissão, que se dedicou a ideais de liberdade.

Espinosa estabelece uma relação de amizade com um pardal,

testemunha do seu labor diário e do seu modo de vida, a quem o

filósofo explica a sua perceção do mundo. Sendo um texto

ficcionado, a biografia de Espinosa é construída pela tecitura de

valores, possibilitando aos pequenos leitores o contacto com um

grande vulto da filosofia europeia.

Os produtores de texto ─ escritor e ilustrador ─,

reconstruíram o contexto histórico e cultural de forma exímia,

embora recorrendo a recursos diferentes determinados pelos

modos semióticos. O sistema semiótico visual aqui analisado é a

ilustração, forma artística resultante de uma elaboração cognitiva

desenvolvida e mediada pela linguagem verbal, como

demonstrámos no capítulo 5. Conforme Massironi (2010 [1982],

p.15) refere, o desenho tem sido historicamente tratado como um

instrumento dócil do qual todos se podem servir, mas que nunca

ninguém sentiu a necessidade de analisar para compreender o

seu funcionamento, o que o diferencia de outros, e para explicar

a sua ampla disponibilidade na absorção de funções

comunicativas diversas.

Em conformidade com esta constatação e com as

preocupações da Semiótica Social, reiteramos a ideia de que a

linguagem visual, em sentido lato, tanto como processo ou como

produto, tem potencialidades nas suas várias expressões e

articulações que carecem de mais investigação.

Roth et al. (2005), com base num estudo desenvolvido a

partir de livros de ciências, propõem quatro funções para as

relações entre linguagem verbal e imagens: (i) decorativa

133 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

(imagens normalmente colocadas no início do capítulo sem

referência ao texto principal); (ii) ilustrativa (capta e descreve o

que o leitor deve ver); (iii) explicativa (dá uma explicação ou

classificação do que é representado); (iv) complementar (fornece

conteúdos proposicionais não explicitados no texto verbal). Com

base na classificação (iv), função complementar, iremos analisar

esta função com vistas a apresentar uma reformulação do

entendimento do tipo de relação existente entre os sistemas

semióticos verbal e visual e com o intuito de avançar no estudo

das relações intersemióticas dos dois sistemas.

No âmbito da metafunção ideacional da linguagem

(HALLIDAY, 1994), esta é usada para organizar, compreender e

expressar as nossas perceções do mundo físico e interior, como

referido em diferentes pontos deste volume. A

complementaridade ideacional em textos multimodais refere-se

ao tipo de relação estabelecida pelos conteúdos proposicionais

(aquilo que é representado) em linguagem verbal e linguagem

visual. Embora podendo diferir, os conteúdos são

complementares, o que significa que o contributo dos dois

sistemas expressa mais do que cada um dos sistemas semióticos

considerados isoladamente.

No excerto, a seguir, as relações de complementaridade

são estabelecidas pelos dois sistemas semióticos. Os dois

sistemas tecem relações de expansão entre si, isto é, o sistema de

expansão existe tanto na linguagem verbal como na linguagem

visual, conforme iremos demonstrar no quadro 6.

134 Introdução à Multimodalidade

Quadro 6: Excerto do livro O Pardal de Espinosa

Na sua relação de complementaridade, a linguagem

verbal através de relações de expansão dos conteúdos semânticos

1. Linguagem verbal

Todas as manhãs, o velho pardal cumpria o seu ritual.

Pousava no parapeito da janela, observava o homem arqueado

sobre as lentes, no interior do quarto, e depois batia levemente

com o bico no vidro. Dando-se conta da sua presença, o homem

levantava-se da mesa de trabalho, abria a janela e colocava

sobre o parapeito pedaços de pão, de carne e de queijo que o

arisco pardal depois ia transportando até ao local onde tinha as

suas crias.

2. Linguagem Visual

135 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

dos seus recursos semióticos permite estabelecer relações

sequenciais mediadas pelos seguintes processos materiais:

O homem levantava-se da mesa de trabalho, abria a

janela e colocava sobre o parapeito pedaços de pão, de

carne e de queijo que o arisco pardal depois ia transportando até ao local onde tinha as suas crias.

A linguagem verbal permite-nos construir pela

representação um quadro mais alargado no que diz respeito aos

processos. Considerando as características do sistema semiótico

visual, as representações dos processos pelas imagens são

simplificados comparativamente à possibilidade da

complexidade de representação do sistema verbal. A

representação visual pode ser realizada pela representação

narrativa, que descreve os participantes numa ação, ou pela

representação conceptual, esta de natureza estática em que os

participantes são apresentados em termos de essência, como eles

são, em termos de classe, estrutura ou significado.

Nesta representação narrativa, processo transacional

unidirecional, temos Ator (Espinosa) e a Meta (o pardal)

interligados por um vetor (materializado pela orientação do olhar

do ator e da sua linguagem corporal inclinada para o pardal, ou

seja, a reta). Ao compararmos este processo da narrativa visual

com os processos verbais destacados a itálico no excerto acima,

verificamos que há uma ressemiotização do verbal em que a

maioria dos processos são agregados. Por outro lado, os recursos

semióticos visuais estabelecem relações de espaço mediadas pela

localização das entidades e outros recursos semióticos no

espaço.

Sabemos que o espaço comunica. Conforme Svorou

(1993, p. 8) refere, é da nossa natureza localizar objetos em

136 Introdução à Multimodalidade

relação a outros objetos, de uma forma relativista. O ato de

localizar um objeto para efeitos comunicativos implica a

existência de elementos que desempenham um papel

fundamental. Parafraseando uma ideia anteriormente expressa, o

posicionamento dos objectos e o estabelecimento de relações

entre si envolve o reconhecimento de relações (as)simétricas

inscritas num espaço específico. Essas escolhas constroem

sempre significados associados a cada uma das diferentes

possibilidades materializadas pelo produtor de texto. Deste

modo, as relações assimétricas podem ser de natureza vária, indo

além daquela aqui analisada, como temos vindo a referir. Para

além dos significados construídos pelo espaço, são usados outros

recursos semióticos visuais que nos permitem encontrar a

expansão dos conteúdos semânticos em relação à linguagem

verbal, como é o exemplo do moinho de vento característico dos

Países Baixos, colocado na paisagem, visualisado através da

janela aberta. Outros exemplos de expansão visual poderão ser

dados, como é o caso do vestuário da época. De facto, o

potencial de significado de textos multimodais é expandido

quando comparado com textos constituídos apenas por um

sistema semiótico.

Recursos semióticos

linguísticos de complementaridade

(expansão).

Recursos semióticos visuais

de complementaridade (expansão).

Relações sequenciais mediadas pelos processos.

Relações de espaço mediadas pela localização das entidades no espaço.

Quadro 7: Diferentes recursos semióticos

137 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

A análise aqui apresentada confirma a hipótese de que o

recurso a diferentes modos transmite detalhes ou nuances que

são omitidos apenas por um dos modos de representação.

Em forma de conclusão, e articulando com as conclusões

anteriormente apresentadas, fica claro, na contemporaneidade, os

modos semióticos disponíveis por meio dos quais os produtores

de texto podem fazer as suas escolhas são muitos, graças à

sociedade de informação, ao seu funcionamento em rede e aos

avanços tecnológicos. Os sistemas, modos e recursos semióticos

são selecionados, organizados e integrados no processo de

produção de texto de forma a maximizar o potencial da criação

de significados e os seus efeitos, pelo que a literacia multimodal

se reveste de importância fundamental para o desenvolvimento

da aquisição de competências possibilitadoras de um

empowerment dos cidadãos nas diversas áreas profissionais e

pessoais, conforme explanado na parte 2.

GÉNERO E

MULTIMODALIDADE

6ª PARTE

141 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

6. O GÉNERO COMO ELEMENTO MULTIMODAL DA

ATIVIDADE HUMANA

Carminda Silvestre

O conceito de género apresenta nuances na sua

formulação em consequência de perspectivas resultantes dos

enquadramentos teóricos onde o conceito é estudado (O’

HALLORAN, 2004). O enfoque teórico determina, assim, a

forma como definimos o conceito.

Na classificação do género, há três vertentes que são

recorrentes para essa tipificação: o conteúdo, a forma e a função

(cf. Van LEEUWEN, 2005). Por exemplo, os contos de fadas

são classificados de acordo com o conteúdo; no caso do quarteto

de cordas, a abordagem da forma é determinante para a sua

classificação. A forma de expressão do quarteto de cordas,

qualquer que seja a música tocada, é classificada em

conformidade com a composição da forma de expressão; o texto

publicitário é classificado em conformidade com a função do

texto, ou seja, o propósito do ato comunicativo ─ vender

produtos ou serviços. Existe, assim, alguma fluidez na

classificação, mas apesar dessa ausência de rigidez

classificatória, as pessoas, regra geral, reconhecem as

convenções de género. Estamos perante um campo em que a

diversidade de classificação é grande como também são as

abordagens teóricas aos géneros textuais.

A análise do género aqui desenvolvida é

fundamentalmente guiada por Martin (2008). Encontramos em

142 Introdução à Multimodalidade

Martin (1984, p. 25) uma definição do conceito de género que

interessa registar: “A genre is a staged, goal-oriented, purposeful

activity in which speakers engage as members of our culture”.

Aqui o género é considerado uma atividade, orientada para um

objetivo, com um propósito comunicativo. Nesta definição, a

referência de que o género é faseado implica que este seja

constituído por diferentes etapas que levam o produtor de texto,

pelas escolhas dos recursos semióticos (léxico-gramaticais ou

visuais), a alcançar o seu objetivo geral, isto é, a função

comunicativa.

A abordagem da Gramática Sistémico-Funcional e da

Semiótica Social ao género segue a perspetiva da função do

texto nos seus múltiplos contextos, ou seja, aquilo que as pessoas

fazem com os textos. Assim, as diferentes estruturas ─ início,

meio e fim ─ são importantes na construção do ato

comunicativo.

O género tem sido encarado como mutável resultante de

alterações das variáveis de registo6 (campo, relações e modo).

Para Martin (1992), o género (contexto de cultura) é instanciado

mediante escolhas das variáveis de registo (contexto de situação)

associando-as a partes específicas da estrutura esquemática e

usando a linguagem, isto é, os recursos semióticos em

conformidade. Deste modo, a partir da categoria género textual,

especificamente da narrativa, pretendemos mostrar que a escolha

do modo implica a construção de significados diferentes. De

forma sucinta, podemos afirmar que o recurso a diferentes

modos é igual a diferentes significados textuais, ou seja,

6 As variáveis de registo são o campo (a natureza da prática social ─ o que

está a acontecer), as relações (quem está envolvido), o modo (o papel

desempenhado pela linguagem), responsáveis pela configuração textual.

143 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

significados que medeiam os significados ideacionais e os

interpessoais em textuais, como passaremos a explicar ao longo

do ponto seguinte.

6.1 NARRATIVA VISUAL: O INTERPLAY ENTRE MODO

E ESTRUTURAS ESQUEMÁTICAS

A presente parte do livro pretende explorar o conceito de

narrativa visual com base numa animação (a partir de desenho)

com recurso ao modo visual (linguagem visual) e apoio sonoro

(para-linguagem). Enquadrado numa abordagem da Semiótica

Social, iremos mostrar que a escolha do modo vai determinar as

estruturas esquemáticas do género narrativo resultante da

escolha do modo no qual o género é realizado. Por modo,

queremos significar o papel da linguagem, ou seja, a natureza do

meio pela qual os significados são construídos.

De acordo com a categorização proposta por Bordwell e

Thompson (2001), os filmes são classificados em ficção,

documentário, experimental e animação de acordo com a

natureza do filme e a forma como o material foi escolhido. Os

autores acrescentam que os filmes têm uma forma básica ou um

sistema de relações entre as partes que podem ser classificados

de narrativa, categórico, retórico, abstrato e associativo. O

corpus em análise, de acordo com essa proposta, inscreve-se no

filme de animação na forma narrativa.

O corpus é constituído por um filme de animação, O Dia

em que o Sr. Raposo…, realizado por alunos da Escola Superior

de Arte e Design, das Caldas da Rainha (ESAD.CR). Andreia

Páscoa, João Cabaço e Daniel Silva foram responsáveis pelo

desenho, som e animação; Hugo Guerra, pela montagem.

Realizaram este trabalho no âmbito da disciplina de Animação,

144 Introdução à Multimodalidade

do 5º ano do curso de Artes Plásticas, no ano letivo de 2003-

2004.

Trata-se de um remake, em versão humana, da fábula O

corvo e a raposa. A fábula, que remonta ao séc. VI a.C. e é

atribuída a Esopo, conhece a notoriedade que hoje lhe

asseguramos com La Fontaine (1621-1695), que se terá

inspirado naquele autor da Antiguidade (bem como em fabulistas

italianos do Renascimento) para compor esta e as restantes

fábulas que integram os diversos livros dos volumes que

compõem a sua famosa recolha. É sabido que La Fontaine se

serve de Animais para instruir os Homens, como ele próprio diz

na Dedicatória da obra que oferece ao Delfim (o primogénito de

Luís XIV). Mas a versão de O corvo e a raposa que a equipa de

estudantes da ESAD.CR trouxe para o cinema de animação

elimina os animais da sua trama mantendo, no entanto, o

propósito moral recebido da tradição, tanto grega e renascentista,

quanto a que o séc. XVII francês nos legou pelo punho direto de

La Fontaine. Ou seja, no final da história que acompanhamos em

versão animada, a lição clássica que atravessou séculos e chegou

incólume aos dias de hoje permanece a mesma e vem ao de

cima: a lisonja leva à perda de quem se deixa lisonjear.

Porém, a graça e a novidade deste remake residem em

dois fatores principais: primeiro, no facto de a moral da fábula

ser protagonizada por um casal de idosos (de quem não se

esperam senão atos moralmente irrepreensíveis), ele no papel de

raposa7 (ainda que sem a malícia explícita desta) e ela no de

corvo (exibindo uma ponta de mal disfarçada afetação), e,

7 O nome da personagem não engana: ele é o Sr. Raposo, deixando

adivinhar, nos atos que pratica, todo o programa de ação da velha raposa

da fábula.

145 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

segundo, no achado feliz de ser uma dentadura a ocupar o lugar

do queijo na versão tradicional, simbolizando este objeto (por

relação metonímica com o queijo e de forma bem icónica) o

desejo básico de comer e o meio prático de o satisfazer, e dando

forma quase caricatural ao problema pessoal do Sr. Raposo que,

por falta de dentes, sofre por não poder mastigar os alimentos.

No âmbito do trabalho que realizamos, importa estudar

tanto textos canónicos como aqueles produzidos por pessoas não

especializadas, cujos produtos (textos) foram aceites,

interpretados e consumidos. Dessa forma, podemos analisar e

compreender como funciona a linguagem naquilo que se

constitui como individual e único, mas, simultaneamente,

fazendo parte do género.

6.2 O INTERPLAY ENTRE MODO E ESTRUTURAS

ESQUEMÁTICAS: O CASO DO FILME DE ANIMAÇÃO

“O DIA EM QUE O SR. RAPOSO…”

Em termos de orientação espacial das imagens no espaço

textual (filme de animação), as imagens, constituídas por frames,

seguem o esquema da esquerda para a direita, à semelhança da

escrita na narrativa. O óbvio desta asserção é-o apenas no âmbito

da cultura ocidental. No mundo árabe, por exemplo, a orientação

espacial das imagens é materializada de forma inversa, ou seja,

da direita para a esquerda, à semelhança da direção da sua

escrita.

Como referido anteriormente, a abordagem da Semiótica

Social ao género focaliza a função dos textos nas interações

sociais, no que as pessoas fazem com os textos. Neste

pressuposto, as sequências das estruturas “princípio-meio-fim”

ajudam a ordenar as práticas comunicativas. As sequências das

ações comunicativas estão enquadradas em práticas sociais que

146 Introdução à Multimodalidade

contêm outros elementos como, por exemplo, atores, tempo, ou

local, entre outros. Perguntas como “o que acontece aqui?”,

“quem são os atores?”, “quem é responsável pela ação?”, “quem

sofre a ação?”, “onde?”, “quando?” são algumas das questões

colocadas mais frequentemente na narrativa. Por conseguinte, na

análise da narrativa visual em estudo iremos dar respostas a estas

questões pela leitura das frames, consideradas importantes no

âmbito das estruturas esquemáticas e no avanço da história.

Antes de passarmos para a análise, lembramos que

Labov, citado por van Leeuwen (2005, p. 125-6), apresenta as

diferentes fases da narrativa como género na seguinte sequência:

(i) o resumo, que inicia a história e contém um sumário ou

indicação do tópico para atrair a atenção do leitor; (ii) a

orientação, que introduz o cenário ─ quem está envolvido,

quando, onde ─ e o acontecimento, que faz avançar a história.

Elementos de orientação podem ocorrer mais tarde na história,

quando novas pessoas, locais e coisas são introduzidas; (iii) a

complicação, que é o acontecimento que constitui o âmago da

história; (iv) a avaliação, que pode ocorrer em vários momentos

da história, quando o produtor de texto responde a questões

como, por exemplo, “por que razão devemos achar isto

interessante?”; (v) a resolução, que fornece o acontecimento

final da história; (vi) a coda, que não ocorre sempre, mas que

move do tempo da história para o tempo de a contar e fornece a

sua relevância aos leitores.

Uma das questões a considerar na narrativa visual é

identificar se as estruturas esquemáticas constitutivas da

narrativa se aplicam ao modo visual. Considerando as estruturas

propostas por Labov, das seis fases, há três que são obrigatórias

para podermos considerar a narrativa como género e sentirmos a

existência de uma apropriação do produtor de texto que vai ao

147 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

encontro das nossas expectativas e daquilo que conhecemos do

mundo: a orientação, a complicação e a resolução. Assim, para

falarmos em narrativa visual temos de identificar as estruturas

obrigatórias e as estruturas facultativas, que poderão variar.

Embora o filme de animação seja um texto dinâmico por

natureza, a metodologia de análise usada é a de um texto

estático. Em termos metodológicos, iremos recorrer à paráfrase

do texto multimodal, que interpretamos do modo visual, pois

essa paráfrase ajuda-nos a percorrer as frames que compõem o

filme e a recontar, a partir destas e de forma mais desenvolvida,

a sua história. Vamos recorrer a ela como meio de facilitar o

comentário à estrutura narrativa da história e à evolução

cronológica dos principais acontecimentos nela ocorridos (a

reconstituição da sequência de ações).

A primeira parte da animação é dedicada à orientação.

Esta é constituída pelo cenário (setting) de um bairro típico, que

poderá ser Lisboa antiga (fig. 32), com as suas casas

encavalitadas umas nas outras, ruas estreitas, escadarias, praças,

miradouros e uma população envelhecida, em que os homens

têm como ponto de encontro as praças ou pequenos jardins para

jogarem às cartas e as mulheres, de forma mais individualizada,

se dedicam às tarefas domésticas, de portas e janelas bem

abertas. Tanto homens como mulheres coabitam com gatos e

pombos nestes bairros populares, que vão alimentando ao sabor

da sua solidão compassiva.

148 Introdução à Multimodalidade

Figura 32: Bairro típico de Lisboa antiga

A par do cenário, a narrativa tem as suas personagens. O

Sr. Raposo, personagem principal da história, nomeado através

do título do filme de animação, faz parte dessa população

envelhecida, com poucos recursos económicos. O Sr. Raposo

desloca-se todos os dias ao mesmo miradouro para,

solitariamente, apanhar sol enquanto tenta mordiscar umas

bolachas. Ele tem por única companhia os pombos daquele local,

que acorrem em bando ao seu encontro para comerem as

bolachas que o Sr. Raposo não consegue mastigar por falta de

dentição.

A narrativa visual trata fundamentalmente de ações.

Como tal, os processos usados são predominantemente materiais

(verbos de fazer) e comportamentais (verbos de comportamento)

para mostrar o que está a acontecer (ver quadro 8). Halliday

149 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

(1994) através da categoria da transitividade, na qual o falante

manifesta a sua experiência do mundo (metafunção ideacional da

linguagem), classifica os tipos de processos em materiais,

mentais, verbais, relacionais, comportamentais e existenciais. O

estudo da transitividade permite-nos, pela oração (unidade básica

de análise da léxico-gramática), analisar a representação de

quem faz o quê, a quem, e as respetivas circunstâncias.

Figura 33: O Sr. Raposo dá comida aos pombos

A forma que dá origem ao enredo é a série de sequências

em que a motivação do Sr. Raposo se constrói com base nas

semelhanças e repetições, diferenças e variação da conhecida

fábula A raposa e o corvo. A personagem principal caminha até

ao miradouro e tenta levar à boca as suas bolachas. Só depois de

várias tentativas inglórias para mastigar, ele resolve dá-las aos

pombos. Nesta frame, os participantes são o Sr. Raposo (ator) e

150 Introdução à Multimodalidade

os pombos (alvo). No processo material (fazer), o ator é a pessoa

ou objeto que pratica a ação, enquanto o alvo é quem (pessoa ou

objeto) é atingido pela ação. Neste processo, temos um alvo pelo

que o processo é denominado ação transaccional unidirecional.

Em processos materiais em que o alvo é inexistente, estes são

classificados de ação não transacional.

Figura 34: O Sr. Raposo está triste por não ter dentes para

comer as bolachas

A estrutura esquemática que institui a complicação é

constituída pela consciência que o Sr. Raposo tem em relação à

sua triste condição: a de um velho desdentado, incapaz de

saborear umas simples bolachas.

Um dia, o Sr. Raposo é arrancado da tristeza em que está

mergulhado (fruto da sua desconsolada condição de desdentado)

pelo cantarolar de uma voz feminina (fig. 35).

151 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Figura 35: O Sr. Raposo ouve alguém cantar

Seguindo o som daquela voz maviosa é surpreendido pela

visão de uma velhota que sacode o tapete à janela (fig. 36).

Figura 36: Sr. Raposo caminha em direção ao local

de onde ouve cantar

152 Introdução à Multimodalidade

Cabe aqui fazer um parêntesis para lembrar que a nossa

intenção é mostrar como esta narrativa visual tem um esquema

constituído por estruturas esquemáticas obrigatórias, fazendo das

ausentes as estruturas esquemáticas opcionais. A variação é

determinada nas escolhas feitas pelo produtor de texto

relativamente ao modo. Assim, escolhido o modo, urge

determinar quais as estruturas obrigatórias, quais as opcionais,

quais as estruturas que podem ocorrer mais de uma vez ao longo

do texto, qual a ordem fixa e a ordem variável das respetivas

estruturas. Importa referir também que a paráfrase ajuda-nos a

trazer à evidência um aspeto que não deverá ser esquecido

quando se trata de observar narrativa em filme. Recontando a

história com base na sucessão de imagens em “frames”, é mais

difícil esquecer que o efeito da tridimensionalidade criado dentro

do mundo da história é obtido tanto por meio de linhas, cores,

ângulos, formas, etc. (que têm como quadro de referência o jogo

de claro/escuro bidimensional criado no espaço do ecrã) como

por meio de um sistema de sons (palavras, música e ruídos) que

sofrem transformação tanto no mesmo referido espaço do ecrã

como na relação dos objetos entre si no interior da história. Este

último ponto é particularmente importante na narrativa em

causa, já que ela joga na ausência de palavras, na opção explícita

de eliminar do universo do narrado a linguagem verbal. Em

alternativa, aposta na criação de um discurso “articulado” por

sons vocais indiscerníveis, e em música, cujo efeito para o

sentido geral da história advém da articulação entre intensidade

(pitch) e contraste auditivos. É portanto preciso ouvir para se

perceber o que se passa no plano da diegese desta animação e,

nesse sentido, o som nesta narrativa visual animada levanta

também questões de narração (ou de discurso narrativo), que,

153 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

sendo fundamental para a criação de significado, não será

analisado no presente estudo.

O Sr. Raposo aproxima-se, ouve a canção que a senhora

canta e aplaude (fig. 37).

Figura 37: O Sr. Raposo lisonjeia a autora da cantoria

Repara na sua bela dentadura. O Sr. Raposo encontra na

autora da cantiga, a segunda personagem do enredo (uma

senhora também idosa, provavelmente viúva e sozinha), uma

fonte de inspiração para ultrapassar aquilo que é o seu problema

e que constitui a complicação do enredo. Assim, lisonjeia a

senhora, pedindo-lhe para cantar mais e mais alto. Tomada de

brio e vaidade, a velhota canta mais alto e tanto e tão mais alto

que, boca aberta, inadvertidamente deixa cair a dentadura da

janela abaixo (fig. 38).

154 Introdução à Multimodalidade

Figura 38: Cedendo aos elogios, a senhora canta alto

Nesse momento, o Sr. Raposo vê a oportunidade que não

pode perder: apodera-se da dentadura da mulher e coloca-a na

sua própria boca (fig. 39).

Figura 39: O Sr. Raposo apanha a dentadura

155 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

A resolução foi materializada por meio da dentadura da

senhora que caiu, enquanto cantava, e imediatamente apropriada

pelo Sr. Raposo.

Figura 40: O Sr. Raposo está feliz com a sua dentadura nova

Obtido o objeto de desejo, a história termina com o Sr.

Raposo a regressar às suas rotinas, mas mais feliz por ter

resolvido o seu problema. Regressa ao banco do jardim para, na

companhia dos pombos seus amigos, poder, enfim, mastigar e

engolir as tão desejadas bolachas (fig. 41).

Visualmente, essa resolução é-nos dada pelo travelling

inicial e final sobre a cidade ─ deslocamento físico da câmara

sobre o espaço das ações da personagem, assinalando a

resolução do seu problema de forma plana e sequencial a fim de

percebermos que tudo o que vimos não passou de um episódio

na vida (rotineira) do Sr. Raposo.

156 Introdução à Multimodalidade

Figura Linguagem visual (descrição) Classificação Estrutura

esquemática

1 bairro típico de Lisboa antiga Cenário orientação

2 o Sr. Raposo dá comida aos

pombos

quem; onde; processo

material

orientação

3 o Sr. Raposo está triste por não ter

dentes para comer as bolachas

Processo

relacional complicação

4 o Sr. Raposo ouve alguém cantar processo mental complicação

5 o Sr. Raposo caminha em direção

ao local de onde ouve cantar

processo

material complicação

6 o Sr. Raposo lisonjeia a autora da

cantoria

processo

comportamental complicação

7 cedendo aos elogios, a senhora

canta deixando cair a dentadura

processo

comportamental resolução

8 o Sr. Raposo apanha a dentadura processo

material resolução

9 o Sr. Raposo está feliz com a sua

nova dentadura

Processo

relacional resolução

10 o Sr. Raposo regressa à sua rotina processo

material resolução

Quadro 8: Estruturas esquemáticas da narrativa visual

157 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

Figura 41: O Sr. Raposo regressa à sua rotina, feliz,

porque já tem dentes para mastigar

Esquematicamente apresentamos o enredo do filme no

quadro 8, permitindo, desta forma, visualizar as fases

constitutivas do género visual com a identificação das imagens, a

legenda correspondente à linguagem visual, o respetivo processo

e a identificação da fase.

Uma narrativa puramente no modo visual poderá não

contemplar todas as estruturas de uma narrativa que recorre aos

dois sistemas de linguagem ─ verbal e visual, por exemplo. Para

além do modo, o meio (medium) como este é organizado implica

uma variação. Uma narrativa verbal escrita ou oral implica

escolhas que vão determinar a variação relativamente ao pré-

158 Introdução à Multimodalidade

género8. Também o meio de suporte digital ou suporte papel são

determinantes no género. Uma narrativa construída para a

criação de um jogo digital pode determinar uma variedade no

género, em relação a uma narrativa em suporte papel.

Como referido anteriormente, e retomando a ideia de que

o género segue a perspectiva da função do texto nos múltiplos

contextos (aquilo que as pessoas fazem com os textos), um dos

objetivos da narrativa é contar uma história que envolve

personagens integradas num determinado contexto. As diferentes

estruturas ─ início, meio e fim ─ são importantes na construção

do ato comunicativo.

O estudo do modo refere o papel que a linguagem

desempenha na realização da ação social. Este influencia os

significados textuais, os significados que ao nível ideacional e

interpessoal constituem o textual, fazendo da linguagem usada

uma variante fundamental tanto para o cotexto como para o

contexto.

A partir da narrativa visual O dia em que o Sr. Raposo…

e a fábula A raposa e o corvo, apresentamos de forma sucinta, no

quadro 9, três dimensões do modo que, alterada uma dessas

dimensões, contribuirá para uma variedade no género e,

consequentemente, nas estruturas esquemáticas que o

constituem, bem como na léxico-gramática usada ou, melhor

8 Swales (1993, p. 61), por exemplo, no seu livro Genre Analysis refere a

narrativa como um pré-género, definindo-o da seguinte forma “A narração

(falada ou escrita) opera através de um quadro de sucessões temporais nas

quais, pelo menos, alguns dos acontecimentos são reacções a

acontecimentos anteriores. Outras características da narrativa são aquelas

em que os discursos tendem a ser fortemente orientados para os agentes

dos acontecimentos descritos, em vez de ser para os próprios eventos,

sendo a estrutura tipicamente a de ‘um enredo’”. (Tradução nossa).

159 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

dizendo, nos recursos semióticos. Assim, podemos dizer que em

ambos os textos (O dia em que o Sr. Raposo… e a fábula A

raposa e o corvo) o canal usado é gráfico. Outra dimensão do

modo é o meio. O dia em que o Sr. Raposo… é visual, enquanto

a fábula é verbal. Esta dimensão vai determinar uma mudança no

género narrativo. Estamos perante dois sistemas semióticos com

características e potencialidades diferentes. Por conseguinte, as

características léxico-gramaticais pelas quais os propósitos das

fases são realizados na fábula não são iguais às características

dos recursos semióticos através dos quais os propósitos das

diferentes fases são realizados na animação. Assim, se for

introduzida uma mudança nas variáveis canal, meio e papel, a

linguagem do texto, como produto, necessariamente mudará

também, contribuindo, dessa forma, para uma variação no

género.

Dimensões Sr. Raposo

(narrativa visual)

A raposa e o Corvo

(narrativa verbal)

canal gráfico gráfico/fónico

meio visual verbal (escrito/falado)

papel constitutivo ─ contar

uma história humoristicamente

constitutivo ─

instruir os homens

Quadro 9: Dimensões do modo

A possibilidade de diversidade de tipos específicos de

narrativa pode ocorrer, variando cada uma da norma pré-género.

160 Introdução à Multimodalidade

CONCLUSÕES

Apesar das fraquezas resultantes de trabalharmos o filme

de animação, um texto dinâmico, recorrendo a uma metodologia

de análise de um texto estático, com as inevitáveis omissões de

outros sistemas semióticos que se articulam na produção de

significados, acreditamos que o presente trabalho alcançou o seu

objectivo principal: mostrar como a variável modo é

determinante na realização das estruturas esquemáticas do

género narrativa visual. Aqui, as escolhas semióticas estão

construídas visualmente e com recursos sonoros não verbais. A

imagem visual é o meio que o produtor de texto usa de forma a

construir os significados interpretados pelo leitor/espectador.

Cabe, assim, ao espectador, com base no conhecimento que tem

do mundo, e perante o enredo, a organização do material no

filme, criar a história individualmente com base nos dados do

enredo.

Em forma de conclusão, e porque trabalhámos o remake

da fábula A raposa e o corvo, cabe dizer que a felicidade do Sr.

Raposo foi conseguida à custa da infelicidade alheia. Porém,

como a vaidade é um vício condenável e foi por causa dela que

quem não soube resistir-lhe perdeu o que tinha de tão precioso, a

ação parcialmente reprovável do Sr. Raposo que fica com aquilo

que lhe não pertence é justificada, e mesmo suplantada pela

função moral corretora que a sua “transgressão” acaba por

adquirir no contexto em que ocorre. No entanto, mais do que

elaborarmos sobre o ensinamento a retirar da história, quisemos

debruçar-nos sobre a importância do modo na construção da

narrativa, objetivo principal deste capítulo. As estruturas

esquemáticas identificadas na análise são constituídas por atores,

lugares, ações e tempo. As respostas colocadas nas perguntas

161 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

mais frequentes na narrativa foram mediadas pelas imagens e

sons mostrando quem fez o quê, a quem.

163 Josenia Vieira e Carminda Silvestre

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SOBRE AS AUTORAS

JOSENIA VIEIRA

Pós-doutora em Linguística Aplicada

pela Universidade de Lisboa (2001) e pelo

IPL/PT (2008), doutora em Linguística

pela PUC/RS. Professora Associada 4 do

Programa de Pós-Graduação em

Linguística da Universidade de Brasília,

nos cursos de Doutorado e de Mestrado desde 1991. Suas

pesquisas concentram-se principalmente em Multimodalidade,

Análise de Discurso Crítica e Letramento. Orientou mais de 50

pesquisas entre dissertações de Mestrado e teses de Doutorado.

Dirige o Centro de Pesquisas em Análise de Discurso Crítica

(Cepadic). Membro da Asociacíon Latinoamericana de Estúdios

del Discurso (Aled). É autora de diversos livros, capítulos e

artigos e também é a editora da revista “Discursos

Contemporâneos em Estudo”.

CARMINDA SILVESTRE

Doutorada em Linguística Aplicada

pela Universidade de Lisboa. Professora

Coordenadora na Escola Superior de

Tecnologia e Gestão (ESTG), do Instituto

Politécnico de Leiria, Portugal. Desenvolve

trabalho de investigação no âmbito da

Análise Crítica do Discurso, Semiótica Social e Gramática

Sistémico-Funcional aplicada ao Discurso Empresarial, Discurso

da Marca, Educação e Artes. Investigadora no Instituto de

Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), Portugal.

Neste livro, a Gramática Sistêmico-Funcional, a Semiótica Social e a Análise de Discurso Crítica, enquadramentos teóricos aqui usados para o estudo da Multimodalidade, partilham entre si uma perspectiva de linguagem como constructo social, em que linguagem e sociedade se modelam de formas bidirecionais, ou seja, a linguagem modela a sociedade e é modelada por esta.